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Mateus 24:15 – Um estudo teológico sobre a Abominação Desoladora

Everton Santos1

Everton Cardoso2

“Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar
santo (quem lê entenda)” (Mateus 24:15).

1. Análise dos Termos

A questão nesta perícope não se trata de problemas ao se traduzir a referida passagem,


mas de sua amplitude teologia/escatológica. Assim sendo, a análise de vocábulos lançará
luz sobre o que o autor da narrativa de fato quis transmitir ao seu leitor. Para tanto o
presente estudo se aterá às questões concernentes à análise das palavras-chave da perícope
em questão.

Ὅταν οὖν ἴδητε τὸ βδέλυγμα τῆς ἐρημώσεως τὸ ῥηθὲν διὰ Δανιὴλ τοῦ προφήτου ἑστὸς ἐν
τόπῳ ἁγίῳ, ὁ ἀναγινώσκων νοείτω, (Mt 24:15).

A preposição ‘διὰ’ é traduzida aqui como ‘através de’ uma vez que, em presença do
genitivo, esta é a tradução indicada. Vale lembrar que no grego as preposições são sujeitas
ao caso das palavras que as acompanham. Tal tradução implica que o autor da narrativa de
Mateus está atribuindo sua fala não a si mesmo, mas está reconhecendo a autoridade
profética de Daniel, haja vista afirmar que o que diz respeito à abominação desoladora, foi
dito através de Daniel.

Por sua vez a expressão ‘βδέλυγμα τῆς ἐρημώσεως’ chega ao português como
‘abominação da desolação’. Azevedo (2010) em seu léxico analítico de grego aponta esta
expressão como sendo um hebraísmo que poderia ser traduzido como ‘coisa que faz algo
se tornar detestável, abandonado’. Quando se leva em consideração o fato de que o termo
‘βδέλυγμα’ se refere a qualquer coisa relacionada com a questão da idolatria e que, mais
que isso, apresenta nuances de que algo será abandonado, torna-se clara a intenção do
escritor e o cuidado de se utilizar de um termo que (ainda que não compreendesse
plenamente o que estava para acontecer) reproduzisse bem a idéia tipo/antítipo.

1
Bacharel em Teologia pelo SALT-IAENE - Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia/Instituto
Adventista de Ensino do Nordeste. BR 101, KM 197 - Cx.Postal 18 - Capoeiruçu - Cachoeira- BA - Brasil –
CEP 44300-000 – Tel. (75)91673251, <evertonsantos100@hotmail.com>.
2
Bacharel em Teologia pelo SALT-IAENE - Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia/Instituto
Adventista de Ensino do Nordeste. BR 101, KM 197 - Cx.Postal 18 - Capoeiruçu - Cachoeira- BA - Brasil –
CEP 44300-000 – Tel. (75)91034153, <evertton777@hotmail.com>.
O autor da narrativa sabe exatamente o local que será palco da abominação
desoladora, haja vista que se utiliza da expressão ‘ἑστὸς ἐν τόπῳ ἁγίῳ’, que literalmente é
traduzida como ‘situada em o lugar santo’. É importante recordar que o escritor é de
origem semítica e que em sua mente o adjetivo masculino ‘ἁγίῳ’ (que pode ser traduzida
não somente como santo, mas como lugar dedicado a Deus, santuário, templo) o remete (e
ao leitor semítico seu público alvo também) instantaneamente ao Templo e suas
dependências, o orgulho nacional.

Finalizando esta parte, mas não menos importante está a análise da palavra ‘ἴδητε’, que
se trata de um verbo no 2° Aoristo subjuntivo ativo, segunda pessoal do plural. Encontra
sua raiz no verbo ‘εἴδον’, que significa ver, perceber, tornar-se consciente, considerar,
prestar atenção, etc. Isto implica que ao utilizar tal vocábulo o autor está chamando a
atenção para que o leitor considere, dê atenção quando o predito acontecer. Vale ainda
destacar o fato de que por se encontrar no aoristo subjuntivo, o verbo aponta para algo não
ocorrido, uma vez que “devido às próprias características do modo subjuntivo, pode-se
dizer que, desde a perspectiva de quem fala ou escreve, a ação do subjuntivo é
imaginada, visualizada ou concebida como acontecendo no futuro” (Rega; Bergmann,
2004).

2. Paralelos em Daniel

O profeta Daniel faz referência a uma “abominação que causa desolação”, referências
estas que podem ser encontradas nos seguintes textos: Daniel 8:13; 9:27; 11:31 e 12:11.
De um modo breve será analisada a expressão em cada um dos textos. Rodríguez comenta
que em Daniel 8:13 a transgressão assoladora está em conexão com a atividade do chifre
pequeno que se opõe ao santuário de Deus durante a idade média no período de
supremacia papal. Este ato de rebelião causa desolação através de um falso sistema de
adoração que será visto mais adiante.

Daniel 9:27, situado dentro da profecia das setenta semanas, aponta para a vinda do
Messias e à destruição do templo de Jerusalém em 70 d.C.. Esta última está inserida na
seção “sobre a asa das abominações virá o assolador” (Dan 9:27b). O texto indica que
após a morte do Messias a abominação causaria desolação. Por sua vez Daniel 11:31 e
12:11 estão interligados, uma vez que ambos os textos se referem à tentativa por parte do
abominável da desolação de obscurecer o ministério do Príncipe do Exército no santuário
celestial. Estes paralelos esclarecem o significado das palavras de Cristo em Seu sermão
profético.

3. A profecia das setenta semanas

Um breve estudo sobre o capítulo 9 de Daniel é indispensável a uma melhor


compreensão do capítulo 8 e consequentemente o abominável da desolação que é retratado em
ambos. Vale ressaltar que a parte final da profecia está conectada diretamente com o sermão
profético de Cristo em Mateus 24.

A narrativa descreve a angústia do profeta por não compreender plenamente a profecia


revelada no capítulo 8, fato que o leva a suplicar o auxílio divino a uma correta interpretação
do que lhe foi apresentado. Esta oração pode ser encontrada na parte inicial do capítulo 9, que
compreende os versos 1-19. Já na segunda parte do mesmo capítulo um mensageiro celestial é
enviado como resposta às súplicas e com propósito específico de fazer inteligível a visão do
capítulo 83. “No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim para to declarar, porque
és mui amado; considera, pois, a coisa e entende a visão [mareh]” (Dn 9:23).

Existem duas palavras que se referem à ‘visão’ nestes capítulos, sendo a primeira delas
a palavra hebraica ‘hazon’ que diz respeito à visão como um todo. Por sua vez, o termo
‘mareh’ aparece denotando especificamente os 2300 dias. O esclarecimento por parte do
mensageiro se relaciona unicamente aos versos 13 e 14 do capítulo 8. Este é o início do
discurso de Gabriel e, a partir daqui, as inquietações do profeta são esclarecidas. É neste
contexto que se encontram inseridas as setenta semanas.

Esta profecia (as setenta semanas) se refere a um dos principais temas soteriológicos,
uma vez que engloba o plano divino de redenção do homem e aponta para o sacrifício vicário
do Ungido. A narrativa segue seu curso e o que se tem a seguir é o início da explicação:
“Setenta semanas estão determinadas [chathak] sobre o teu povo [os judeus] e sobre a tua
santa cidade [Jerusalém]” (Dn 9:24). O significado da palavra hebraica ‘chathak’ ajuda a
estabelecer uma correta interpretação da referida passagem. De fato, esta palavra possui uma
relevância muito grande por se tratar de uma hápax legomena4, que pode ser traduzida como
‘designadas’, ‘decretadas’, ‘separadas’ ou ainda ‘cortadas’.

3
O capítulo 8 termina com algumas questões não respondidas ao profeta, questões estas concernentes às 2300
tardes e manhãs.
4
Hapax legomena trata-se de uma expressão grega que significa “uma só vez”.
No sentido de serem ‘determinadas’, ou ‘decretadas’, a profecia está direcionada ao
povo judeu, haja vista que todas as profecias concernentes à vinda, sofrimento e morte do
Messias estão diretamente conectadas ao povo hebreu. Grande parte dos eruditos concorda ao
afirmarem que a melhor tradução para ‘chathak’ seria ‘cortadas’ no sentido de que estas
foram semanas separadas de uma porção maior, a saber as 2300 tardes e manhãs de Daniel
8:14. “Este conceito de que os 490 anos são subtraídos do período de 2300 anos parece ser a
única conclusão acertada (KNIGHT, 2008, p.211)”. Esta ideia fica mais clara ao analisar-se o
contexto completo da visão. A seguir é apresentado um esboço da visão com ênfase nas
setenta semanas:

“Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém,
até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas” (Dan 9:25).

Logo a partir do decreto de Artaxerxes (conforme o relato de Esdras 7:7-8) para


restaurar e reconstruir Jerusalém (457 a.C.) até a primeira vinda de Cristo se passariam 69
semanas ou 483 anos, culminando no ano 27 d.C., ano este do batismo e início de seu
ministério. O verso seguinte afirma: “Depois das sessenta e duas semanas, será morto o
Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o
santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são
determinadas” (Dan 9:26). A profecia aponta para o fato de que após sete semanas e sessenta
e duas semanas o Ungido seria morto, coincidindo com o ano 31 d.C., evento no qual todos os
sacrifícios típicos encontrariam seu antitípico.
Conforme a abordagem historicista, que data o início das setenta semanas no ano 457
a.C., a profecia encontra o seu término no ano 34 d.C., mais especificamente com o martírio
de Estevão (Atos 7:54-60). Este acontecimento marca a rejeição final de Israel como povo
eleito.
A partir de agora o estudo não se aterá aos demais detalhes da profecia, mas sim ao
verso 27 do capítulo 9 de Daniel, mais especificamente a parte b do verso na qual se lê:
“sobre a asa das abominações virá o assolador, até que a destruição, que está determinada,
se derrame sobre ele”.
Inúmeras adversidades são preditas sobre o povo após o término das setenta semanas,
eventos decorrentes da rejeição do Messias pelos judeus, tais como: a diáspora, diversas
calamidades, culminando finalmente na destruição do templo de Jerusalém no ano 70 d.C..
Este último acontecimento resulta em milhares de judeus mortos, cativos, além de inúmeras
guerras subsequentes. Tais eventos há muito haviam sido preditos pelo profeta Daniel e por
Cristo (em Seu sermão profético) ao fazerem menção da “abominação desoladora” iminente.

4. Paralelo nos sinóticos

A fim de uma melhor compreensão do paralelo entre os sinóticos faz-se necessário


colocá-los em perspectiva.

“Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar
santo (quem lê entenda)” (Mateus 24:15).
“Quando, pois, virdes o abominável da desolação situado onde não deve estar (quem lê
entenda), então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes” (Marcos 13:14).
“Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua
devastação” (Lucas 21:20).

É de extrema relevância perceber a função complementar entre os evangelhos


sinóticos no que se refere ao sermão do Olivete. Mateus e Marcos mencionam o abominável
da desolação em sua narrativa de forma explícita, de modo que, automaticamente, o leitor
recorda-se da profecia de Daniel. O próprio Mateus ao repetir as informações do evangelho de
Marcos concede a estas um sentido mais amplo, reconhecendo desta forma a canonicidade do
livro de Daniel ao passo que estabelece um link entre o discurso de Cristo e a narrativa
daquele profeta.
Marcos por sua vez afirma que o abominável da desolação adentra um lugar que não
lhe é devido, a saber, o templo de Jerusalém que seria profanado. Contudo, tal informação se
encontra envolta na frase “o abominável da desolação situado onde não deve estar”. É
importante acrescentar que estes dois evangelistas (Mateus e Marcos) seguem a mesma ótica
da narrativa encontrada em Daniel.
Enquanto os dois primeiros evangelhos se preocupam apenas em fazer menção do
abominável da desolação, Lucas interpreta a predição de Cristo em Marcos e Mateus como o
cumprimento da histórica desolação de Jerusalém pelo exército romano no ano 70 d.C. O
cerco de Jerusalém pelas tropas de Cestius Gallus em outubro de 66 d. C., e sua misteriosa
retirada uma semana depois quando a vitória lhe era quase garantida, é o sinal apontado por
Lucas para que os judeus abandonassem a cidade.

Lucas anuncia de que a destruição de Jerusalém foi “o tempo de punição e


cumprimento de tudo que foi escrito” (Lc 21;22) valida a interpretação de
que a morte violenta de Cristo e a subsequente destruição de Jerusalém por
Roma Imperial cumpre a profecia de Daniel 9 (LARONDELLE, 1997, p. 43).

O evangelho de Lucas parece ser o mais claro quanto à interpretação messiânica ao


dizer que o sinal indicativo da presença iminente da abominação desoladora seria o cerco de
Jerusalém. Após tal evento a ordem era clara: “Então, os que estiverem na Judéia, fujam para
os montes; os que se encontrarem dentro da cidade, retirem-se; e os que estiverem nos
campos, não entrem nela” (Lc 21;21).

5. História das interpretações

Há na atualidade uma forte tendência entre os estudiosos da linha crítico-histórica de


situar o livro de Daniel no período macabeu, ou seja, em meados do segundo século a.C.,
contrariando a abordagem tradicional que situa o referido livro no sexto século. Porfirio, um
dos principais críticos do cristianismo do segundo século, alegava que o livro não teria sido
escrito por Daniel, mas possivelmente por um pseudo-Daniel no segundo século. Ao fazer tal
afirmação “Porfírio desafiou e desacreditou a veracidade e competência do próprio
testemunho de Jesus Cristo” (KNIGHT, 2008, p.237), uma vez que o próprio Cristo se refere
a Daniel em Mateus 24:15 como autor do livro.

Seguindo o pensamento porfírico, a profecia presente em Daniel e seu elemento


sobrenatural passam de uma predição divina para mero acontecimento histórico. Aliás, o
principal objetivo da escola crítico-histórica moderna, tendo por base os interesses filosóficos
e carregando em seu cerne fortes traços do Século das Luzes, é nada mais que a negação da
profecia preditiva e a capacidade divina de prever o futuro, fazendo este conhecido aos seres
humanos de forma detalhada.

Considerando a abordagem crítico-histórica podem ser encontrados dois vieses. No


primeiro deles está a escola preterista que aponta Antíoco IV Epifânio como a figura principal
para o cumprimento das profecias de Daniel. Assim, este monarca selêucida corresponderia
ao chifre pequeno presente nos capítulos 7 e 8, sendo retratado ainda como o “abominável da
desolação” que fecha o verso 27 do capítulo 9, e identificado também como o personagem
central na referência direta de Cristo em Mateus 24:15 à profecia de Daniel. Por conseguinte,
o livro de Daniel seria tão somente um retrospecto histórico, a saber, vaticinia ex eventu
(escrito após o evento ter ocorrido).

No outro extremo encontra-se a perspectiva futurista que aponta a um futuro anticristo


que se levantará como o chifre pequeno presente em Daniel. Entendendo os 2300 tardes e
manhãs como dias literais situados no futuro, apontam um templo terrestre a ser reconstruído
em Jerusalém e que no porvir será profanado pela abominação desoladora, o anticristo
vindouro.

Entretanto, é importante salientar a fragilidade de tais argumentos para uma correta


interpretação da apocalíptica bíblica presente em Daniel. Um atributo essencial à
compreensão da profecia é a presciência divina, o que implica ser Deus plenamente capaz de
descrever/revelar com exatidão a história de ascensão e queda dos impérios mundiais, além de
outros eventos históricos relacionados com a escatologia. Assim sendo, a mensagem de
Daniel difere radicalmente do pensamento crítico-histórico ao afirmar a soberania divina no
transcorrer da história, isto é, a presença do elemento sobrenatural. Corroborando com tal
assertiva tem-se a seguinte declaração de Hasel:

Antes, ele [o livro de Daniel] está repleto de profecias preditivas


reais, que revelam a soberania divina sobre a história e o
propósito de Deus para o tempo que se estende do sexto século
a.C. até o fim dos tempos e estabelecimento de seu reino eterno.
(HASEL, 2009, p.70)
Tendo em vista a interpretação corrente (principalmente àquelas que se utilizam da
teoria porfírica5) e o fato de que tal monarca não corresponde às especificações e grandeza da
profecia, fazem-se necessárias breves considerações. Em seu cerne a predição em Daniel
aponta com mais exatidão características próprias de Roma (pagã e papal) e não de Antíoco.
A seguir têm-se algumas objeções quanto a Antíoco se identificar como o abominável da
desolação que permeia a narrativa:

5
Porfírio em sua teoria aponta Antíoco IV Epifânio como chifre pequeno de Daniel 7, surgindo de um quarto
reino grego.
 Os que interpretam Antíoco como o chifre pequeno e parte do quarto reino o fazem
baseando-se na teoria pagã, que aponta Grécia e não Roma como o último império da
profecia. Tal pensamento contradiz a interpretação clássica protestante.
 Ele não corresponde às especificações de Daniel 7 no que se refere a “mudar os
tempos e a lei” “e os santos lhe serão entregues nas mãos por um tempo, dois tempos e
metade de um tempo”.
 Antíoco é um personagem que emerge no terceiro império (origem selêucida) e não no
quarto como requer a descrição profética.
 Não há também correspondência às especificações de Daniel 8, haja vista que os
chifres do bode de tal capítulo se referem a reinos e não a um rei em particular.
 Quanto à tentativa do chifre pequeno (citado em Daniel 8:11) de usurpar o tamid do
príncipe do exército, Antíoco não cumpre o que é predito em tal verso, haja vista que,
apesar de sua tentativa bem sucedida de “tirar” os sacrifícios diários, este não deita por
terra o “lugar do seu santuário”. O cumprimento pleno de tal descrição se dá apenas no
ano 70 d. C., quando verdadeiramente o santuário é destruído pelo exército romano
sob o comando de Tito.
 Ao Cristo utilizar-se da expressão “quando, pois, virdes o abominável da desolação”
(Mt 24:15) fica claro o sentido de uma profecia ainda não cumprida.

Este fato elimina toda e qualquer possibilidade de Antíoco IV Epifânio, que viveu no
segundo século a.C. ser identificado como a abominação desoladora de Daniel. Estabelecer tal
identificação teria “uma direta ligação com a natureza de Jesus Cristo e com a autoridade do
NT” (Hasel, 2009, p. 72).

A teoria porfírica surgiu com intuito de tão somente contestar a profecia e depreciar a
crença cristã de que o livro de fato é uma produção atribuída ao personagem histórico Daniel
no período neobabilônico. Tal teoria coloca a produção do livro como sendo nada mais que
vaticinia ex eventu. Esta argumentação já se comprovou tão frágil quanto as demais, uma vez
comprovado que tanto o aramaico encontrado em Esdras quanto o de Daniel correspondem ao
aramaico imperial oficial, usado no período que compreende 700-300 a.C. Ademais, parece
ilógico que um autor vivendo no segundo século se utilizasse de uma forma de língua tão
anterior ao seu próprio momento histórico.

6. Estrutura Apocalíptica de Mateus 24


O termo “apocalíptico” tem sua origem na palavra grega ‘apokalypsis’, que significa
“revelação”. Estudar a literatura apocalíptica é de extrema importância, haja vista que esta não
se limita ao seu contexto imediato, “mas possui uma amplitude cósmica, que vai desde o
continuum da história mundial para o enfoque no tempo do fim” (DEDEREN, 2011, p.882).
É possível encontrar nas Escrituras uma série de profecias apocalípticas, dentre as quais vale
ressaltar as dos livros de Daniel e Apocalipse. Não obstante, tais profecias não se limitam
unicamente a estes dois livros ou à seção de neviin6 da Bíblia hebraica.

Tal evidência torna-se nítida ao se analisar a estrutura do capítulo 24 do evangelho


sinótico de Mateus. A natureza apocalíptica é evidenciada também pelo fato de que as
palavras de Jesus se referem a eventos futuros, concernentes tanto a Israel quanto ao povo de
Deus no decorrer da história (o que corrobora com o propósito da apocalíptica bíblica de
revelar nuances dEste à humanidade e provar que Ele está no controle da história.

Jesus é o elo indispensável para a compreensão da narrativa de Mateus 24, sendo neste
capítulo estabelecida uma ponte entre o sermão do Olivete e as profecias relatadas por Daniel
seis séculos antes. É importante observar que o sermão profético de Cristo segue o mesmo
estilo literário do livro de Daniel, a saber, profecia apocalíptica. Para LaRondelle, este
capítulo possui similaridades teológicas com Daniel.

Jesus faz uso de termos simbólicos tirados do livro de Daniel, tais como o
“Reino”, “Filho do Homem”, “abominação desoladora”, indicando que Ele
teve um profundo interesse nas profecias apocalípticas de Daniel
(LARONDELLE, 1997, p.34).

Cristo aplica muitas destas expressões ao Seu ministério e, no discurso do Olivete, o


estudante tem seu pensamento remetido ao livro do profeta Daniel (assim como foram os
discípulos ao ouvirem Suas palavras) ao passo que algumas das Suas palavras estabelecem um
link direto entre o discurso e tais profecias apocalípticas. No sermão do Olivete Cristo
comenta sobre o livro, fato que ocorre, por exemplo, em “abominação desoladora” [βδέλυγμα
τῆς ἐρημώσεως], trecho usado por Ele [Cristo] ao se referir à futura destruição da “cidade e do
santuário” (Dn 9:26,27), aplicando tal expressão ao seu contexto imediato [Israel] e ao futuro
[1260 dias]. “Alguns tem chamado o discurso do Olivete, de comentários de Jesus ou
midrash sobre o livro de Daniel” (LARONDELLE, 1997, p.34) especialmente devido ao
paralelismo e a conexão do sermão profético com o capítulo 9 de Daniel, especificamente a

6
Neviim (do hebraico ‫ )נביאים‬ou Profetas é o nome de uma das três seções do Tanakh, estando esta entre a Torá
e Kethuvim. Tal seção não inclui o livro de Daniel.
profecia das setenta semanas, que já foi mencionada. Uma correta compreensão da
apocalíptica bíblica pode elucidar o significado do texto em questão, a saber, Mateus 24:15.

7. O Significado de Mateus 24:15

Torna-se necessário antes de se analisar a expressão “abominação desoladora”


destacarem-se alguns pontos elementares concernentes ao discurso de Cristo, tais como o
contexto e princípio tipológico utilizado por Cristo, haja vista serem estes a chave para a
interpretação do discurso e da “abominação desoladora”.

8.1. O Contexto

Jesus estava na área do templo com Seus discípulos que por sua vez destacavam a beleza e
importância do templo, motivo de orgulho para a nação judaica. Enquanto os discípulos
destacam cada detalhe da estrutura bem arquitetada, Jesus interrompe os dizendo: “Não vedes
tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja
derribada” (Mt 24:2). Tal declaração vinda do Messias é motivo de perturbação entre Seus
seguidores, posto não conseguirem compreender como poderia tal predição se cumprir, uma
vez que o templo era visto como a habitação de Deus e símbolo também de Sua proteção.

Os discípulos não entendiam como poderia Deus permitir tal acontecimento. Herodes
havia investido muito na reconstrução e durante cinquenta anos havia se empenhado nesta
obra, resultando no magnífico templo conforme destaca Josefo. Parecia-lhes impossível que a
assertiva de Jesus fosse para seus dias, mas que tal evento só poderia ocorrer no fim do
mundo. Seus seguidores ainda não haviam compreendido Seu ministério messiânico,
alimentando ainda a esperança de que o Messias se proclamasse rei e libertasse os judeus do
jugo romano. Tamanha foi a dúvida que após o ocaso do sol, terça-feira da semana da paixão,
os discípulos procuraram a Cristo e lhe questionaram: “Dize-nos quando sucederão estas
coisas e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século” (Mt 24:3). Tal pergunta é
o que introduz o sermão profético e, desta forma, se faz necessária a análise da perspectiva
tipológica presente no capítulo 24 a fim de se compreender a resposta dada por Cristo.

8.2 Princípio Tipológico Utilizado por Cristo

Na tipologia bíblica o tipo é um evento histórico, pessoa ou instituição


veterotestamentária, que serve como uma espécie de modelo ou padrão profético para um
elevado e intensificado cumprimento no futuro, que é conhecido como o antítipo. “O Novo
Testamento inteiro é essencialmente caracterizado pela aplicação tipológica e escatológica do
Velho Testamento” (LARONDELLE, 2002, p.44). A tipologia se destaca como maneira
predominante de interpretação veterotestamentária presente no Novo Testamento. Tal
ferramenta utilizada por Cristo se caracteriza pelo seu cumprimento escatológico dos “últimos
dias”.

Este princípio pode ser encontrado no discurso do Olivete, isto é, nas palavras de Cristo,
palavras estas que descrevem vários eventos em uma perspectiva tipológica. Quando os
discípulos procuram a Cristo para lhe indagar possuíam duas dúvidas em mente: primeiro
“Dize-nos quando sucederão estas coisas? [destruição do Templo]; segundo: que sinal
haverá da tua vinda e da consumação do século” (Mt 24:3). Estas duas perguntas obviamente
exigiriam duas respostas distintas, contudo, em Seu discurso, Cristo mescla ambas as
respostas, visto não existir na mente de Seus discípulos distinção de tempo para o
cumprimento de tais eventos (para eles a destruição do Templo só poderia ter seu lugar na
segunda vinda de Cristo).

Jesus descreve alguns sinais que deveriam merecer a atenção de Seus seguidores, tais
como: “falsos cristos e falsos profetas” (v.4); “guerras e rumores de guerras” (v.6); “fome e
terremotos” (v. 6-8). Alguns aplicam estes sinais como eventos que precederão a segunda
vinda do Messias (o que não está errado), entretanto tais eventos e sinais devem ser
entendidos dentro do princípio tipológico.

A análise dos escritos históricos datados do primeiro século ajudam a elucidar a tipologia
do sermão profético. Flávio Josefo historiador do primeiro século destaca que no período de
39 anos que separaram o discurso de Cristo da destruição do templo, surgiram muitos falsos
profetas tentando enganar o povo e que, de fato, muitos judeus foram enganados. Jesus
também predisse que haveria “guerras e rumores de guerras” (v.6) e “fome e terremotos”
(v.6-8). Somente no curto reinado do imperador Cláudio (41 a 54 d.C) há o registro de quatro
grandes ondas de fome, uma das quais é mencionada em At 11:28. Graves terremotos
reconhecidamente ocorreram nos domínios do império, principalmente em Creta (46 ou 47
d.C.). Roma também desenvolveu guerras em Mauritânia (41 a 42 d.C.), Bretanha (43 a 61
d.C.) e Armênia (no início dos anos 60 d.C.).

Todos estes sinais são entendidos como um tipo que se cumpriria antes da destruição de
Jerusalém e do Templo pelo exército romano em 70 d.C. Estes eventos ocorreram em escala
menor em comparação com o seu respectivo antítipo que teria o cumprimento nos “últimos
dias”. LaRondelle amplia a tipologia usada por Cristo ao afirmar que “em Seu julgamento
sobre Jerusalém, Cristo proveu ao mundo um exemplo do futuro julgamento”
(LARONDELLE, 1997, p.41). O juízo de Deus sobre Jerusalém no ano 70 d.C., em
decorrência dos judeus terem rejeitado o Messias, era um tipo do juízo final [antítipo] de Deus
sobre todos aqueles que rejeitaram a Jesus e Seu ministério salvífico.

8.3 O significado da expressão “Abominável da desolação”

Jesus menciona em Seu sermão profético a expressão “Abominável da desolação” Mt


24:15. Haja vista que já mencionamos neste estudo os paralelismos presentes tanto no livro de
Daniel quanto nos sinóticos, é possível elucidar significado do termo a luz da tipologia e
apocalíptica bíblica que envolve o texto. Nos paralelos estabelecidos no livro de Daniel,
encontramos várias semelhanças entre as atividades do chifre pequeno em Daniel 7 e 8 com a
“abominação desoladora” ou “transgressão assoladora”.

Alberto R. Timm comenta que o mesmo poder apóstata que haveria de estabelecer a
"abominação desoladora" em lugar do "sacrifício diário" é descrito em Daniel 7 e 8 como o
"chifre pequeno", e em Daniel 11 como o "rei do Norte". Conforme a abordagem historicista,
a qual é defendida neste estudo, que rejeita a Antíoco IV Epifânio como o chifre pequeno e
entende que este é um símbolo de Roma tanto pagã quanto papal. Pois unicamente Roma é
que cumpre as predições feitas tanto quanto ao “chifre pequeno” quanto a “abominação
desoladora”. Se o chifre pequeno é interpretado como uma referência profética a Roma,
subentende-se que a “abominação desoladora” ou “abominação” que causa desolação se
referem ao mesmo império.
8.3.1 Cumprimento Típico

No ano 63 a.C, Jerusalém foi tomada pelos romanos, e a Judéia foi incorporada ao
império, era comum que se exigisse dos povos conquistados, o oferecimento de sacrifícios e
ofertas em favor do imperador, os judeus nunca aceitaram a idéia de estarem sob o jugo
romano. No ano 60 d.C. os sacerdotes decidiram que não mais ofereceriam sacrifícios em
favor do imperador, o que gerou uma revolta por parte de Roma, que entendeu o ato como
traição. O imperador decidiu que os judeus deveriam ser punidos.

Então o imperador no ano 66 d.C enviou a Cestius Gallus, governador da província da


romana da Síria para ir a Jerusalém e obrigar os sacerdotes a restituírem tais sacrifícios e
orações em favor do imperador, Cestius partiu com duas legiões de soldados. Cestius
encontrou resistência, mas decidiu marchar em direção ao templo. Josefo relata que o cerco
não durou uma semana, quando a vitória estava quase certa, misteriosamente Gallus decidiu
partir em retirada, o que custou a vida de 6000 soldados que foram atacados de surpresa e
mortos ao se dirigirem para o norte.

Mais tarde os romanos decidiram retornar. Nero, que era o imperador na época, chamou a
um de seus generais chamado Vespasiano, e ordenou que ele partisse para a Judéia e rendesse
o povo, Vespasiano juntamente com seu filho Tito partiram em direção a Terra Santa. Na
primavera do ano 70 d.C. época em que os judeus relembravam a páscoa, Tito fechou o cerco
a cidade. A fome tomou conta dos moradores, grupos fanáticos surgiram e aterrorizavam os
que ali viviam, muitos judeus se abrigaram no templo, pois pensavam que mesmo depois de
rejeitarem as advertências de Deus, Ele não permitiria que tamanho mal viesse sobre eles. ´

Não era plano de Tito destruir o templo, era seu plano deixa-lo como marco de sua
conquista. Após um conflito alguns soldados romanos atearam fogo a um pedaço de madeira e
jogaram em direção ao templo, o fogo logo se alastrou e o templo foi destruído no incêndio,
então Tito liderou suas tropas e levou Jerusalém a destruição total. Muitos foram mortos neste
dia, Josefo relata que o sangue corria pelas escadas da cidade, muitos foram vendidos como
escravos e outros foram levados as arenas para serem devorados por feras. Jerusalém estava
completamente desolada. (MAXWELL, 2010, p.26).

Estes fatos podem elucidar o significado das palavras de Cristo: “Quando, pois, virdes o
abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê entenda),
então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes;” (Mt 24:15,16). A interpretação
desta perícope fica mais clara, a luz da narrativa do evangelho de Lucas que diz: “Quando,
porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação.”
(Lc 21:20). Conforme já citado neste estudo, existe um paralelo nos sinóticos ao comparar-se
os dois textos, entende-se que tal abominação se refere ao futuro iminente de Israel em seu
cumprimento típico.

Portanto a luz de tais eventos e da perspectiva apresentada na narrativa de Lucas, entende-


se o texto da seguinte forma: “Quando, pois, virdes o abominável da desolação [exército
romano sitiando a Jerusalém] de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê
entenda), então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes;” (Mt 24:15,16). Esta era
uma advertência de Cristo aos judeus cristãos, este seria o sinal, quando estes vissem o
“abominável da desolação” ou Jerusalém sitiada, estes deveriam fugir para os montes, tal fato
foi o ocorrido em 66 d.C. no cerco de Cestius Gallus que durou uma semana, muitos judeus
cristãos reconheceram aquele acontecimento como o cumprimento das palavras de Cristo, e
muitos se refugiaram em Pela uma cidade no interior, e não participaram da destruição
completa em 70 d.C. Portanto todo aquele que desejou teve a oportunidade de fugir,
atendendo a advertência de Cristo.

LaRondelle salienta que “o conselho de Jesus para fugirem de Jerusalém em Mt 24:16,


tem uma aplicação universal concernente ao fim dos tempos” (LARONDELLE, 1997, p. 46).
Esta assertiva deixa claro a tipologia presente no texto, no qual a destruição de Jerusalém é
um tipo do juízo final de Deus sobre o mundo.A destruição de Jerusalém cumpriu a predição
de Cristo “Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja
derribada.” (Mt  24:2). O que Jesus havia predito aos Seus discípulos se cumpriu neste
acontecimento. Em seu cumprimento típico o “abominável da desolação” citado tanto por
Daniel quanto por Jesus refere-se ao exército romano que sitiou a Jerusalém e destruiu o
templo. No período posterior a destruição do templo de Jerusalém os judeus construíram no
mesmo local um templo de adoração a Júpiter, o que com certeza tornou-se uma
“abominação” ao Senhor.

8.3.2 Cumprimento Antítipico

Se o texto de Mateus 24:15 está inserido em um contexto tipológico, e a cidade de


Jerusalém e a destruição do templo, eram um tipo. Qual é o cumprimento antítipico da
“abominação desoladora”? Esta abominação deveria representar mais do que apenas os
exércitos romanos.

Rodríguez comenta que a abominação nas Escrituras designa tudo aquilo que é ofensivo
ao caráter perfeito de Deus, por vezes esta expressão é encontrada na Bíblia fazendo
referência a prática da idolatria, prática considerada abominável aos olhos de Deus, exemplos
são encontrados em II Reis 23:13, Isaías 44:19; 66:3 e Jeremias 7:30. E em alguns casos se
refere a quem pratica a idolatria como em Oséias 9:10, quando Deus condena a Israel por sua
idolatria. (RODRÍGUEZ, 2002, p.85).

Daniel usa o termo “transgressão assoladora” Dn 8:13. Expressão esta que conforme já
visto anteriormente está interligado com outros termos semelhantes citados no livro e
ressaltado por Jesus, Maxwell diz:
“Portanto, a “transgressão assoladora”, a “abominação desoladora” (ou
abominável da desolação) e o “sacrilégio desolador”, mencionados por Jesus
e Daniel, são uma só coisa. Em essência, seria um sistema pecaminoso de
adoração, que praticaria o sacrilégio de tripudiar (e desolar) a cidade de Deus,
o santuário de Deus e o povo de Deus.” (MAXWELL, 2010, p.29)

Conforme visto anteriormente esta transgressão é equiparada ao chifre pequeno dos


capítulos 7 e 8 de Daniel, portanto representa a Roma pagã/papal. Partindo da perspectiva de
que o “abominável da desolação” de Mateus 24:15 é a mesma “transgressão assoladora” de
Daniel 8:13. O texto de Daniel corrobora com tal interpretação: “Até quando durará a visão
do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o santuário e o
exército, a fim de serem pisados?” (Dan 8:13). O texto diz que esta abominação pisaria o
santuário de Deus e Seu exército (povo). Em sua fase pagã Roma destruiu o templo de Deus e
perseguiu o Seu povo.

A pergunta de Daniel 8:13 era “Até quando durará a visão do sacrifício diário e da
transgressão assoladora...?” e a resposta foi “E ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes
e manhãs; e o santuário será purificado.” (Dn 8:14). Portanto a “transgressão assoladora”
duraria 2300 anos conforme o princípio profético dia-ano. Conforme já visto neste estudo a
profecia das setenta semanas de Daniel 9:24-27 marcam o início destes 2300 anos que iniciam
em 457 a.C. Conclui-se então que a “transgressão assoladora” deveria durar até o final dos
2300 dias.

Em 503 d.C. após o concílio de “sinodus palmaris” realizado em Roma, foi decidido que
o papa seria substituto de Deus, o papa seria juiz e não poderia ser julgado por homem algum,
o papa seria o mediador entre Deus e o homem. Este falso sistema de adoração tentaria
usurpar o tamid7 do príncipe do exército. (GONZALEZ, 1994, p.79) E este sistema
pecaminoso instituído por Roma realmente obscureceu o ministério de Cristo no santuário
celestial, pois colocava o papa como mediador e intercessor e não Cristo. Este ato marcou a
troca do contínuo pela “transgressão assoladora”. Posterior a isso em 508 a.D. Clovis, rei do
Francos, após unir-se a igreja católica através do batismo, derrotou as últimas tribos ostis ao
papado no ocidente, abrindo o caminho para a “transgressão assoladora”.

“Observada a partir deste ponto de vista, a “abominação desoladora” pode ser


compreendida como um falso sistema de adoração: Roma em ambas as fases,
7
O termo hebraico tamid, significa "diário" ou "contínuo", a este termo foi acrescida a palavra "sacrifício", que
não se encontra no texto original de Daniel 8:13 e 12:11. Esse termo (tamid) é usado nas Escrituras em relação
não apenas com o sacrifício diário do santuário terrestre (ver Êxodo 29:38 e 42) mas também com vários outros
aspectos da ministração contínua daquele santuário (ver Êxodo 25:30; 27:20; 28:29, 38; 30:8; I Crôn. 16:6). No
livro de Daniel o termo se refere, obviamente, ao contínuo ministério sacerdotal de Cristo no santuário/templo
celestial (ver Dan. 8:9-14).
pagã e cristã. Roma pagã atacou o santuário visível de Deus, o templo de
Jerusalém, enquanto perseguia o cristianismo. Roma cristã igualmente
perseguiu, opondo-se ao santuário invisível de Deus, no Céu, onde Cristo
ministra em nosso favor.” (MAXWELL, 2010, p.30)

A frase comumente encontrada em Daniel “abominação que causa desolação” aplica-


se a destruição do templo e de Jerusalém (tipo) e ao trabalho durante a idade média (antítipo).
Ao se referir ao chifre pequeno Daniel diz: “E proferirá palavras contra o Altíssimo, e
destruirá os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e eles serão
entregues na sua mão, por um tempo, e tempos, e a metade de um tempo.” (Dan  7:25).Este
seria o tempo de duração da “transgressão assoladora” em seu cumprimento antítipico. Não
nos ateremos a todos os detalhes deste tempo, mas seguindo a abordagem bíblica este período
de “um tempo, dois tempos e metade de um tempo”.

Em Daniel 7:25; 12:7 e Apocalipse 12:14, menciona-se "um tempo, dois tempos e
metade de um tempo", ou seja, três tempos e meio, que na verdade, equivalem a três anos e
meio. Três anos e meio, multiplicados pelos 12 meses do ano, dão 42 meses, que,
multiplicados por 30 dias de cada mês, resultam outra vez em 1260 dias. Em Apocalipse 11:3
e 12:6, faz-se menção de 1260 dias. Em Apocalipse 11:2 e 13:5, são mencionados 42 meses,
que, multiplicados por 30 dias do mês, resultam também em 1260 dias. Estes 1260 anos
deveriam ter o seu início no ano 538 a.D., ano este que marca o início da supremacia papal,
que duraria 1260 anos, culminando no ano de 1798 a.D. Estes 1260 anos devem ser
compreendidos dentro do paralelismo do livro de Daniel que conecta os (1.260, 1.290, 1.335 e
2.300 dias). Daniel menciona que: “Depois do tempo em que o sacrifício diário for tirado, e
posta a abominação desoladora, haverá ainda mil duzentos e noventa dias.” (Dan  12:11).
Estes 1290 dias/anos, tem o seu início em 508 a.D e terminam também em 1798 a.D. Neste
ano o general Berthier por ordem de Napoleão chegou a Roma e aprisionou o papa Pio VI,
dando fim a supremacia papal e chegando ao fim dos 1260 e 1290 dias de Daniel 7:25 e
12:11. A “transgressão assoladora” ou “abominável da desolação” teria seu fim neste período.

Mas ainda resta a referência de Daniel a 1335 dias que diz: “Bem-aventurado o que
espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias.”(Dan  12:12). Este verso expressa a
felicidade daqueles que estivessem vivendo neste período. (GONZALEZ, 1994, p. 81).
Porque aquele que estivesse vivendo neste período de 1335 anos após o estabelecimento da
abominação desoladora, ou seja, 1335 anos após 508 a.D., veria o inverso, seria
reestabelecido o verdadeiro culto a Deus. Observa-se que este tempo de 1335 dias nos leva ao
ano de 1844, período que se cumpre também a profecia de Daniel 8:14 referente a purificação
do santuário ao final dos 2300 dias. Este período seria o período de restauração da verdade
concernente ao ministério sumo sacerdotal de Cristo no santuário celestial, durante 1260 e
1290 dias/anos este ministério foi obscurecido por um falso sistema de adoração, mas no
período de 1839 a 1844 houve um grande interesse pelo estudo das profecias de Daniel, e
durante o movimento milerita a grande verdade sobre a intercessão de Cristo em nosso favor
no santuário celestial foi reestabelecida.

Portanto em seu cumprimento antítipico a “abominação desoladora” tanto de Daniel


quanto referida por Cristo se referia a um amplo sistema de contrafação a esse ministério,
construído sobre as teorias antibíblicas da imortalidade natural da alma, da mediação dos
santos, do confessionário, do sacrifício da missa.

8. Conclusão

Há quem defenda que esta seção seja uma profecia de cumprimento duplo. E relamente,
algumas profecias possuem cumprimento duplo, isto é, possuem um cumprimento de caráter
mais imediato e um desdobramento mais amplo. HASEL (2010) afirma que um
“cumprimento duplo pode ser identificado apenas se as Escrituras exigem um cumprimento
inicial e parcial e mais tarde indicam claramente um cumprimento final e completo”. Esta
ideia pode ser encontrada, por exemplo, na profecia de Joel 2 acerca do derramamento do
Espírito Santo.

Muitos entendem a profecia do sermão do Olivete como possuindo um cumprimento


duplo, entretanto, a natureza da narrativa não permite esta interpretação. É importante
observar que o capítulo 24 de Mateus segue o mesmo estilo literário do livro de Daniel, a
saber, profecia apocalíptica, e segundo Hasel (2010) “profecias apocalípticas não têm
cumprimentos duplos ou múltiplos”. O que pode ser percebido em uma narrativa apocalíptica
não é o duplo cumprimento, mas a repetição e ampliação.

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