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UNIVERSIDADE SANTO AMARO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Thiago de Araújo Marques

A COR DO AMOR: A AFETIVIDADE DA MULHER NEGRA NA OBRA DE


bell hooks E ANGELA DAVIS

São Paulo
2019
THIAGO DE ARAÚJO MARQUES

A COR DO AMOR: A AFETIVIDADE DA MULHER NEGRA NA OBRA DE


bell hooks E ANGELA DAVIS

Projeto de Pesquisa apresentado como pré-


requisito para o Trabalho de Conclusão de
Curso.

Orientadora: Profª. Drª. Jussara Parada Amed

São Paulo

2019
A COR DO AMOR: A AFETIVIDADE DA MULHER NEGRA NA OBRA DE bell
hooks E ANGELA DAVIS

Thiago de Araújo Marques 1

Resumo: Este presente artigo visa compreender como ocorrem as


relações afetivas das mulheres negras. Tem por finalidade analisar como
as autoras apresentam as estruturas raciais ao longo da história, que são
projetadas tanto em âmbito social como cultural e que prejudicam os
relacionamentos das mulheres negras. O estudo se desenvolve a partir dos
seguintes problemas: Como as estruturas racistas e sexistas podem
impactar nas expectativas e relações afetivas da mulher negra? Como é a
representação desta mulher negra na sociedade e como ela molda sua
identidade social e cultural através de estereótipos? Qual a importância de
movimentos sociais entre mulheres negras para a compreensão e
resistência na luta contra o pensamento racista e machista? Esta pesquisa
se utilizará de obras de bell hooks e Angela Davis, renomadas autoras nos
assuntos sobre mulheres negras. O devido estudo terá como suporte para
a análise o Método Comparativo relacionando algumas obras destas
determinadas autoras como uma possibilidade para a interpretação das
dificuldades afetivas da mulher negra. De acordo com a devida forma de
análise será possível pensar na formação da identidade, assim como os
conflitos na afetividade da mulher negra ambientada numa sociedade
opressora sob a perspectiva proposta pelo teórico Stuart Hall que nos
demonstra análises de construção da identidade do indivíduo moderno.

Palavras-chave: Mulheres Negras; Afetividade; Identidade.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa aborda a história das mulheres negras e seus


relacionamentos afetivos inseridos numa estrutura machista e racista e como
estas mulheres resistem e reagem a determinadas imposições sociais a partir
das obras das autoras bell hooks e Angela Davis. O estudo analisa como a
história das mulheres negras desde o período escravocrata que serviu de base
para uma estrutura opressora para essas mulheres e que permanece até os

1
Aluno do sexto semestre do Curso de Graduação em Licenciatura História da Universidade
Santo Amaro – UNISA, São Paulo. thiagoamarques@gmail.com. Professor Orientador: Dr.
Jussara Parada Amed. jamed@prof.unisa.br
dias de hoje, sendo um tema pouco discutido e difícil de ser trabalhado pois
carrega uma mágoa para algumas mulheres que se identificam com esta
situação tanto no âmbito familiar quanto em seus relacionamentos amorosos
ou mesmo numa relação intrapessoal. Assim, a realização deste trabalho nos
permite pensar os seguintes problemas: como a escravidão deixou marcas
ainda tão fortes na sociedade e principalmente em mulheres negras, como
esse problema afeta mulheres negras em seus relacionamentos como
psicologicamente traz problemas decorrentes a um possível distanciamento
afetivo/amoroso, como é possível que estas mulheres identifiquem tal problema
para discutir e se opor a esta situação.
Os motivos acadêmicos que justificam o estudo encontra respaldo nos
estudos de bell hooks e Angela Davis autoras que já realizaram estudos sobre
o tema proposto em algumas de suas obras publicadas. Vale ressaltar que as
obras das autoras divergem as ideias em determinados momentos o que não
necessariamente distancia uma autora da outra, mas colaboram para uma
discussão com varias vertentes e possibilidades.

Nós negros temos sido profundamente feridos, como a gente diz,


"feridos até o coração", e essa ferida emocional que carregamos afeta
nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos
(hooks,1994).

As experiências acumuladas por todas essas mulheres que labutaram


sob o chicote de seus senhores, trabalharam para sua família,
protegendo-a lutaram contra a escravidão e foram espancadas, mas
nunca subjugadas. (DAVIS, 2016, p.41).

Deste modo, método comparativo nos permite avaliar o tratamento que


ambas autoras utilizam para o mesmo assunto. Este método comparativo vale
tem como objetivo comparar autores possibilitando um estudo aprofundado e
maior consistência para compreender o determinado tema em questão.
Neste sentido, esta pesquisa procurou demonstrar que as relações
afetivas das mulheres negras não ocorrem de forma natural, e sim de acordo
com uma estrutura machista e racista a impõe.
A partir das reflexões de Stuart Hall (2004) é possível analisar a
identidade dessa mulher negra na sociedade contemporânea considerando
que estudar estas mulheres é compreende-las como parte de uma sociedade e
logo há necessidade de relacionamentos afetivos satisfatórios, é uma forma de
interpretar fontes documentais a partir da redução da escala de análise, sem
deixar de lado as considerações das estruturas estabelecidas pela História
mais geral.

As Estruturas Opressoras: A Desumanização da Mulher Negra no Período


Escravocrata

O ponto de partida para qualquer exploração e negação na vida das


mulheres negras tem origem na escravidão, onde a figura do negro foi
desumanizada, pois foi separado de sua comunidade, família, privado de seu
convívio social, de sua cultura. Mulheres estavam sempre muito mais
vulneráveis a todo tipo de exploração, pois além do racismo intenso havia
também um terrível sexismo institucionalizado para acentuar ainda mais como
forma de dominação.

No que diz respeito ao trabalho, a força e a produtividade sob a


ameaça do açoite eram mais relevantes do que questões relativas ao
sexo. Nesse sentido, a opressão das mulheres era idêntica à dos
homens. Mas as mulheres também sofriam de forma diferente,
porque eram vítimas de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros
que só podiam ser infligidos a elas. (DAVIS, 2016, p.19).

A violência sexual sofrida por estas mulheres nada tinha a ver com o
prazer do opressor, a prática era realizada apenas como forma de castigo,
dominação, tinha o intuito de causar além do dano físico um terror psicológico,
ainda maior do que já era praticado com os seguidos açoites. O homem negro
era na maioria dos casos apenas explorado para trabalhos no campo, já para a
mulher negra a situação era muito pior, pois não se tinha uma diferenciação
entre mulher e homem, condição esta empregada apenas para escravizados,
logo a produtividade das mulheres deveria ser igual à dos homens, porém as
mulheres poderiam ser realocadas para serviços domésticos nas casas dos
proprietários, as punições eram violentas tanto para o homem quanto para a
mulher negra, porém violência sexual era apenas aplicada as mulheres, neste
momento elas eram reduzidas à condição de fêmea.
O homem negro escravizado foi primordialmente explorado como
trabalhador do campo, a mulher negra foi explorada como
trabalhadora do campo, em atividades domésticas, como reprodutora
e como objeto para assédio sexual perpetrado pelo homem branco.
(hooks, 2019, p.47).

Com o passar do tempo e de seguidos estupros a estas mulheres,


percebesse sua fertilidade e logo os proprietários passam a utilizá-las como
reprodutoras, sendo que quanto maior a capacidade de procriar mais valor
seria agregado numa possível venda da escrava, estas mulheres não seriam
entendidas como mães e somente eram pensadas como um instrumento
gerador de mais força de trabalho e lucro monetário pensando a longo prazo
quanto a exploração das crianças.

Obviamente, os proprietários buscavam garantir que suas


“reprodutoras” dessem à luz tantas vezes quanto fosse
biologicamente possível. (DAVIS, 2016, p.21).

Como estas mulheres tinham dificuldades impostas para que não


pudessem ter companheiros, seus filhos seriam gerados por uma violência a
qual lhes era recorrente e posteriormente estes filhos eram afastados das
mesmas, como se o direito de amar e experimentar esse sentimento lhes fosse
negado, qualquer relação afetiva seria um ato de resistência e era comum que
sentimentos afetivos fossem reprimidos devido às condições em que os
escravos viviam era difícil compreender relacionamentos e expressar seus
sentimentos e desejos amorosos.

Num contexto onde os negros nunca podiam prever quanto tempo


estariam juntos, que forma o amor tomaria? Praticar o amor nesse
contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimento
insuportável. (hooks, 1994).

Após a abolição, negros estavam ávidos por relações, mas como


construir estas relações tendo como referência experiências negativas? Os
sentimentos antes reprimidos ora por evitar um sofrimento maior por uma
possível perda do companheiro ora por uma estratégia de sobrevivência já que
demonstrar sentimentos durante a escravidão poderia lhes render severas
punições para com seus “donos”. Reprimir sentimentos e conter emoções
passa a ser assimilado como uma qualidade de uma personalidade “forte”,
porém fica nítido que essa repressão pode ter o efeito contrário e prejudicial ao
sujeito. O que a mulher negra poderia almejar numa relação, já que suas
experiências com o sexo oposto eram de extrema violência? Como ela poderia
expressar suas dores, alegrias, seus desejos? Como construir relações
baseadas no carinho no afeto? Desde criança já se aprendia a conter esses
sentimentos, expressá-los seria demonstrar suas fraquezas seus anseios.

Muitos negros tem passado essa ideia de geração a geração: se nos


deixarmos levar e render pelas emoções, estaremos comprometendo
nossa sobrevivência. Eles acreditavam que o amor diminui nossa
capacidade de desenvolver uma personalidade sólida. (hooks, 1994).

A assimilação de afeto então carrega os estigmas trazidos da


escravidão, logo como suas experiências foram acumuladas de
relacionamentos viveram, o homem negro assume o status patriarcal antes
representado pelo homem branco, subjugando sua parceira, enquanto o
homem negro ganha uma posição social, ainda que sem alguns privilégios pois
socialmente ele é visto como inferior pois é negro numa sociedade racista, ele
está a frente da mulher negra pois nesta sociedade racista e machista ela
acaba ficando por último numa escala de pertencimento social.

O fato de que projetamos a nós próprios nessas identidades culturais,


ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores,
tornando-os parte de nós, contribui para alinhar nossos sentimentos
subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e
cultural. (HALL, 2004, p.12).

Representação da Mulher Negra: A identidade dentro do Imaginário


Criado ao Longo da História das Mulheres Negras

Se historicamente as mulheres já têm seus direitos reduzidos, pois na


construção do patriarcado o homem branco está no topo, o que se pode pensar
de uma mulher negra já que além de machista a sociedade é em grande parte
racista. Pensar a figura da mulher negra é pensar através de um imaginário
construído pela branquitude, que em termos sexistas apresenta a mulher negra
como depravada e de uma sexualidade aflorada, sendo argumentos essenciais
para justificar e institucionalizar a cultura do estupro durante o período de
escravidão.

A designação de todas as mulheres negras como depravadas,


imorais e sexualmente desinibidas surgiu no sistema de escravidão.
Mulheres e homens brancos justificaram a exploração sexual de
mulheres negras escravizadas, argumentando que elas iniciavam o
envolvimento sexual com os homens. (hooks, 2019, p.93).

Este estereótipo transcorreu por gerações e ainda pode ser


percebido na modernidade. A mulher negra que foi explorada fisicamente,
sexualmente, e diante de tantas violências sofridas, também acaba assimilar
esta construção de sua representação criando assim uma insegurança
emocional que faz com que a mesma não consiga criar uma afirmação positiva
consigo mesma, o que torna a necessidade de um autoconhecimento muito
maior, aprender a se amar para amar também o outro, o uso da expressão
“amor interior” e não ‘amor próprio” porque a palavra “próprio” é geralmente
usada para definir nossa posição aos outros (hooks, 1994). Compreendendo este
sentimento e encontrando esse mundo afetivo e emocional diminuindo estas
cicatrizes que carrega por gerações.

O sujeito ainda tem um núcleo ou sujeito interior que é o”eu real”,


mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os
mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos
oferecem . (HALL, 2004, p.11).

Existe também o problema ocasionado por diversos tipos de mídias que


colaboram por perpetuar esta representação negativa contra as mulheres
negras, pois é comum vermos a sexualização destas mulheres em músicas
que descrevem a mulher de forma pejorativa, imagens onde a mulher negra
tem sempre que se mostrar de forma provocante ao imaginário de forma
sexualizada, ou em filmes que acabam por reproduzir justamente a mulher
negra como foi criada durante a escravidão para que se justificasse a violência
sexual. O eurocentrismo ainda está vivo nos pressupostos e discursos da mídia
e da cultura de massa, a história colonialista se recicla nos discursos públicos
contemporâneos (HALL, 2003, p.18).

Relações Negras: Como a Busca por Afeto pode Encontrar a Solidão

Dentro deste processo histórico que tem como uma de suas ações a
desumanização da mulher negra, a colocando como um sujeito que não é
digno de ser amado, visto que é objetificada, ultrassexualizada, temos em
nossa sociedade um miscigenação que é fruto de estupro, as mulheres negras
carregam estes estereótipos e imposições. E o homem negro que é parte desta
sociedade acaba por absorver determinados valores desta sociedade com
ideais eurocêntricos, e que tem a mulher branca como a mulher bonita, ideal
como padrão de beleza, sendo a mulher que merece ser amada, logo o
homem negro passa a entender que estar com esta mulher branca é o correto
dentro desta concepção de relacionamentos a mulher negra acaba sendo
preterida até por seus pares raciais, tornando-as as pessoas que menos casam
podendo leva-las ao que se conhece como “celibato definitivo”.

Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou


nenhum amor. (hooks, 1994).

Considerações Finais

O processo histórico no qual se construiu as relações afetivas da mulher


negra, é de uma agressividade que as prejudica drasticamente, e perpassa ao
logo da história carregando estes estigmas. Para bell hooks a violência sofrida
pela mulher negra impacta na construção de sua autoestima, afetividade, falt a
de representatividade e conflitos de identidade. Para Angela Davis mostra que
mulheres negras estão sempre sozinhas, diante de uma sociedade machista e
racista, e esta mulher somente poderia combater a violência e opressão sofrida
através de movimentos sociais de mulheres negras, este empoderamento é
que faria com que estas mulheres deixassem de serem oprimidas.

Referências

DAVIS, Angela. Mulher, raça e classe. Boitempo: São Paulo, 2016.

HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e mediações culturais. Belo


Horizonte/Brasília: Editora UFMG/UNESCO, 2003.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós – modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,

2004.

hooks, bell. E eu não Sou uma Mulher? 1 ed. Rio de Janeiro, Rosa dos
Tempos, 2019.
hooks, bell. Olhares Negros: Raça e Representação. 1 ed. São Paulo,
Elefante, 2019.
hooks, bell. A Vivendo de Amor. 1994.

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