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História Antiga
Robson Costa
Volume 1
Recife, 2011
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Apresentação.................................................................................................................. 4
4.1 O Início......................................................................................................................33
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História Antiga
O que é Civilização?
Poderia iniciar nosso primeiro capítulo com uma pergunta mais elaborada,
complexa, daquelas de arrepiar o cabelo de qualquer aluno. Mas optei pela simplicidade
da palavra. Na verdade, engana-se quem pensa que o conceito que abre nossa discussão
seja algo já resolvido, devido a seu uso disseminado nos diferentes campos da sociedade.
Se comportar à mesa, comer com talheres, vestir-se adequadamente de acordo com cada
situação. Ou seja, ser educado e possuir cultura. Pronto! Eis aí a nossa resposta. Então,
porque complicar uma palavra já tão conhecida nossa, que está tão bem resolvida e todos a
utilizam de forma perfeita?
A questão é que este termo esconde muitos problemas. Sua construção tem história
própria. Uma simples palavra (ou melhor, seus usos) pode servir como “boa” justificativa
para a pilhagem, para a dominação, para a escravidão. É sobre esta problemática que iremos
nos dedicar neste capítulo. A história deste conceito deita suas raízes lá na Grécia Antiga,
mas só se fará adulta no século XIX, quando o imperialismo europeu se derramou sobre os
inúmeros povos do mundo. Você está pronto para desconstruir seus (pré)conceitos?
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História Antiga
Você deve lembrar (em Introdução aos Estudos Históricos) que para o autor
Reinhart Koselleck, os conceitos têm sua própria história (KOSELLECK, 1990 apud REIS,
1999 p. 12). Não poderia ser diferente com a palavra Civilização. Muitos historiadores se
utilizaram do vocábulo indiscriminadamente, sem perceber – ou com clara intenção – os
problemas advindos com a aplicação deste termo, que acaba por polarizar a humanidade
em “sociedades avançadas” e “sociedades selvagens”.
Às vezes parece até que muitos dos textos clássicos acabaram por reproduzir o
ideal de civilização inaugurado pelos gregos, para os quais todos aqueles que não faziam
parte de seu “mundo” seriam considerados “bárbaros”. Esse ideal contribuiu ainda para que
várias nações se apropriassem desse conceito para fins bastante claros: disseminar o ódio e
a discriminação racial, visando o controle do poder de nações inteiras.
O nazi-fascismo é um exemplo bem conhecido nosso, que muito se beneficiou
de concepções norteadas por princípios de superioridade e inferioridade. Todavia, com a
crise dos Estados fascistas, os historiadores passaram a ter mais cuidado no emprego deste
termo. O conceito não foi abandonado, mas desenvolveu-se a prática de explicar seu uso,
para assim evitar equívocos.
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História Antiga
Holanda (“História Geral da Civilização Brasileira”) são bons exemplos de como o termo foi
reapropriado e utilizado para referir-se não apenas aos povos da antiguidade, mas também
às diversas sociedades em diferentes espaços e tempos. Como se pode perceber, o termo é
ao mesmo tempo problemático e sedutor, como bem demonstra a reprodução de seu uso
por vários autores. Por isso faz-se necessário explicá-lo.
Fernand Braudel foi um dos autores que se preocupou em explicar o uso deste
conceito. Em seu livro “Gramática das Civilizações”, publicado pela primeira vez em
1963, Braudel dedicara o primeiro capítulo para esclarecer “as variações do vocabulário”
Civilização. Esta palavra será utilizada por ele em outros textos, como o clássico “Civilização
Material, Economia e Capitalismo”, dividido em três volumes, concluído em 1979.
Nas palavras de Braudel, “seria agradável definir a palavra civilização com clareza e
simplicidade, se possível como se define uma linha reta, um triângulo, um corpo químico...”.
Mas, nas ciências humanas, o vocabulário nelas empregado não permite conceituações
definitivas. A maioria dos termos não é fixa, pois “variam de autor para autor e não param
de evoluir sob os nossos olhos” (BRAUDEL, 2004, p. 25).
Fernand Braudel demonstra em sua obra que, apesar do vocábulo Civilização já
ser empregado na Europa desde o século XVI, seu uso se restringia ao universo jurídico,
quando um julgamento tornava civil um processo criminal. O sentido “passagem ao estado
civilizado” só aparecerá tardiamente na França, em meados do século XVIII. E a palavra
Civilização entrará pela primeira vez em um livro impresso apenas em 1756, na obra Traité
de la Populacion, escrito por Mirabeau (BRAUDEL, 2004, p. 25).
Para que seu novo significado ganhasse sentido, seria necessário construir seu
oposto, ou seja, uma expressão que caracterizasse aqueles não-civilizados. Civilizados de
um lado, selvagens, primitivos ou bárbaros do outro. A sociedade francesa dos tempos
de Luiz XIV é tributária desta nova perspectiva, que se vê detentora de um modo de viver
que deveria servir de modelo para os povos subjugados. Levar a civilização para além das
fronteiras francesas estaria nas bases da conquista dos territórios além mar. Condutas
morais, religiosas, alimentares, formas de se expressar, de se comportar e tantos outros
procedimentos serão parte integrante do homem civilizado.
Um indivíduo civilizado era aquele que era bom, urbano, educado e culto. Para os
Iluministas, a civilização se caracterizaria como o oposto a barbárie, com sua violência, sua
selvageria. Construía-se, assim, um ideal que deveria ser almejado pelos demais povos.
Ainda hoje, ao utilizarmos a expressão civilizado, queremos dizer que determinada pessoa
é culta, educada, pacífica. Aqueles que não se adéquam a este modelo são considerados
incultos, rudes, violentos, ou seja, incivilizados. Assim, ser civilizado é fazer parte de um
grupo “superior”, o que define obrigatoriamente a existência de grupos “inferiores”, que
estão fora dos “padrões” estabelecidos (SILVA, 2006, p. 59-61).
No século XVIII, para os filósofos racionalistas e seus herdeiros, a “nova” palavra
passara a significar, de forma geral, “um conjunto de instituições capazes de instaurar a
ordem, a paz, a felicidade e, mais ainda, de favorecer o processo intelectual e moral da
humanidade, em suma, de assegurar o triunfo das luzes” (CROUZET, 1993, p. 19).
Rapidamente este conceito irá substituir outras expressões muitas vezes
fragmentadas que tocavam no sentido assumido na França. Vários países foram
influenciados pelos novos usos do termo, aglutinando palavras a este novo conceito.
Expressões que se referiam a boas maneiras, a ordem social, a requinte, a enobrecer, etc.
passaram a ser associadas ao próprio sentido geral de Civilização. Com o tempo, esta palavra
será acompanhada de outro conceito, que assumirá praticamente o mesmo sentido: Cultura
(BRAUDEL, 2004, p. 27-28). Alguns países construíram estes conceitos de forma separada,
mas outros os utilizaram como sinônimos. Ser civilizado é ter cultura. Mas também será
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Todavia, assim Huntington, outros tantos destacaram que este conceito vai além do Estado,
“e se caracterizaram mais como um princípio de identidade cultural” (SILVA, 2006, p. 62).
Mas, de forma geral, os diversos estudiosos começaram a abandonar o sentido
evolutivo, progressista e eurocêntrico da palavra Civilização. Historiadores, sociólogos
e etnólogos passaram a compreender que “todo grupo humano organizado possui sua
civilização, que mesmo “um pouco selvagem” tem sua civilização própria” (CROUZET, 1993,
p. 20). Os pesquisadores passaram a ampliar seu olhar sobre as diversas “Civilizações”,
considerando o conjunto de seus bens culturais, tais como “uma ideia, um utensílio, uma
técnica, uma prática culinária, por vezes um simples pormenor de vestimenta” (CROUZET,
1993, p. 21). As visões tradicionais foram aos poucos abandonadas, evitando-se antigas
visões sobrecarregadas de juízo de valor.
Até o século XIX (e boa parte do XX), estudar uma “civilização” não-européia
correspondia a se debruçar a um mundo de barbárie, selvageria, onde aspectos “exóticos”
e “irracionais” saltavam aos olhos dos leitores mais aguçados, que consumiam na Europa os
relatos e estudos advindos de cronistas e cientistas (ou pseudocientistas) que voltavam de
suas aventuras em terras estranhas e publicavam as novas descobertas.
No entanto, apesar das hesitações e cuidados com o uso da palavra Civilização,
o termo ainda provoca polêmica no mundo acadêmico, e ainda se faz muito presente em
nosso cotidiano. Maurice Crouzet, que organizou uma grande coleção, iniciada em 1953,
buscou demonstrar a superação do velho significado ao se utilizar de expressões como
“civilização paleolítica” e “civilização neolítica”. Era uma clara tentativa de superar a divisão
tradicional entre povos primitivos/selvagens e povos civilizados. Mas muitos historiadores
preferem mesmo evitar seu uso, evitando possíveis críticas ou mesmo o mau emprego da
palavra. Dessa forma, é importante que o leitor esteja atento ao seu uso nos diversos textos
sobre os povos antigos, identificando possíveis equívocos, preconceitos e juízo de valor
decorrente do etnocentrismo.
Essa visão do mundo está ancorada ainda hoje sob a ótica Europeia, que impõe o
que é importante na História e, claro, o que não é. Infelizmente, esta visão se faz fortemente
presente em muitos círculos acadêmicos na atualidade. Assim, ao nos debruçarmos sobre
a Antiguidade, precisamos ter em mente que seu estudo, apesar da importância para
compreendermos a formação do mundo contemporâneo, ainda carrega muito do peso do
exotismo e da curiosidade pouco construtiva ou reducionista. Não é que não seja importante
desenvolver nossa curiosidade sobre as antigas civilizações, mas temos que ter em mente
que, como estudantes de História, nosso olhar sobre este passado vai muito além do mero
espectador ou colecionador de antiguidades.
Em decorrência disto, é comum supervalorizarmos os povos que se desenvolveram
em torno de grandes construções e Estados Centralizados, que produziram monumentos
de pedra, escrita complexa, objetos ornamentados com metais preciosos e grupos sociais
altamente hierarquizados. Quando nos deparamos com sociedades tribais, nômades ou
seminômades, vivendo da caça e da coleta, com uma agricultura rudimentar e alheios
ao uso dos metais e da escrita, rapidamente nos desinteressamos, relegando a estes um
segundo plano em nossos estudos, desconhecendo seu papel na História das Sociedades.
Sabemos muito mais sobre o Egito e a Mesopotâmia do que sobre os povos que viveram no
Brasil antes da chegada dos europeus. Às vezes, sabemos muito menos ainda sobre nossa
aldeia, nossa vila, nossa cidade. Mas não se engane: estas também são parte integrante da
História das Civilizações.
Com isso, ao se deparar com os povos da antiguidade que serão apresentados neste
e nos demais volumes, procure as semelhanças e as diferenças entre estes e a sua civilização,
afastando-se, dessa forma, da “adoração” desmedida e improdutiva das sociedades antigas.
Todavia, o exercício de “comparação” necessita de cuidados. Seu objetivo não é hierarquizar,
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Leitura Complementar
A Palavra “Civilização”
As principais referências da história sobre a palavra civilização são hoje conhecidas
com uma aproximação satisfatória. Em francês, civil (século XIII), civilidade (século XIV)
justificam-se facilmente por seus antecedentes latinos. Civilizar é atestado mais tardiamente.
Ele é encontrado no século XVI em duas acepções:
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Leitura Complementar
O que é Civilização?
Mariano Rivera, o lançador do time dos Yankees, natural da República Dominicana,
foi convocado para o jogo pelo técnico Joe Torre no oitavo turno. Era a sétima e última
partida da Série Mundial do ano de 2001. Os beques dos Yankees, de Nova York, e os dos
Diamonds, do Arizona, já haviam ganho três partidas cada. O jogo estava 2 a 1, a favor
dos Yankees. Os infalíveis arremessos de Rivera, uma revelação, haviam sido uma arma
inestimável, durante toda a temporada. Era sua responsabilidade manter a contagem e
assim os Yankees seriam os campeões.
O universo parou. Eu conseguia ouvir o ranger dos dentes do meu vizinho e os nós
de seus dedos estalando. A câmara deu um, dois, três closes no rosto afro-caribenho de
Rivera que, nervoso, olhava para o local onde os lançadores esquentavam os músculos. Seria
ele capaz de, com um único arremesso, definir a partida, naquele momento de tamanhas
consequências?
Josh, meu filho de dez anos e eu estávamos grudados na televisão. Então, quando
as lentes da câmara o focalizaram mais uma vez, aconteceu o inesperado: de repente, sem
que se visse sequer a sombra de um lenço, Rivera assou o nariz. A cena foi desagradável,
para dizer o mínimo.
“Que nojo!”, murmurou meu filho, acrescentando enfático: “Isso é coisa de
bárbaros!”
O repórter televisivo também reagiu com espanto. “O que o telespectador acaba de
ver é lastimável”, foi seu comentário ou qualquer outra frase nesse sentido. Quanto a mim,
desconcentrei-me. Será que Mariano Rivera havia esquecido as boas maneiras? Acaso não
sabia que estava diante dos olhos de toda a nação?
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Atividades de Reflexão
Agora que você seu e releu este capítulo, está na hora de trabalhar. Reúna-se com
seus colegas e com o professor para discutir um pouco mais sobre o assunto. A ideia é tentar
desconstruir o conceito de clássico de Civilização. Assim, com base em tudo o que você leu
e, escreva um pequeno texto sobre o assunto a partir das discussões e reflexões realizadas
em grupo.
Bons estudos!
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Fig. 1 - Tutankhamon
Todavia, nas palavras de Pedro Paulo Funari, “a arqueologia não se reduz a essas
imagens. É um campo muito rico e complexo – atualmente desenvolvido com grande
profissionalismo (um tanto distante das versões romanceadas e cinematográficas)”. Funari
se refere ao caráter aventureiro e romântico que foi atribuído à arqueologia durante muitos
anos, reproduzido por filmes e obras literárias em todo o mundo. Nas últimas décadas,
uma “nova arqueologia” buscou desconstruir esta imagem, levando muitos profissionais a
radicalizar a crítica em relação a este estereótipo hollywoodiano (FUNARI, 2006, p. 11).
O arqueólogo brasileiro Paulo Zanettini chegou a publicar um artigo, no Jornal da
Tarde, de São Paulo, intitulado “Indiana Jones deve morrer!”, como reação a esta visão
romanceada da profissão, que acaba por deturpar o trabalho profissional e árduo dos
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Mas a ideia de que a História Antiga não deveria mais ser associada a preconceitos
e a opressão tomou conta dos novos estudos deste campo de conhecimento. Por isso, é
importante ficarmos atentos aos discursos produzidos sobre o passado, inclusive aqueles a
que se referem à Antiguidade. Isso porque, muitas das narrativas que se debruçaram sobre
este passado antigo, visavam inventar uma história que atendesse aos interesses de grupos
que buscavam reivindicar certa herança clássica (SILVA, 2007, p. 27).
A produção destas memórias nacionais esteve atrelada, principalmente no século
XX, à “obsessão pela comemoração”, como parte integrante da necessidade de justificar o
presente através da busca pelas “origens” e por um passado que legitimasse as ações de
quem pretendia controlar o futuro.
Mas é importante termos em mente que, ao falarmos em Antiguidade, devemos
nos perguntar a que Antiguidade estamos nos referindo, pois cada construção do passado
está presa ao seu presente. Em cada tempo, um novo olhar sobre a História Antiga foi
construído. Por exemplo, no Renascimento, quando buscava-se no pensamento clássico
o seu modelo; ou na “descoberta” da América, quando as comparações entre o mundo
civilizado e o bárbaro ganharam seus primeiros contornos; também em 1789, quando
jacobinos e girondinos a utilizaram para servir a seus interesses; ou no século XIX, quando
se forjavam as identidades nacionalistas dos Estados europeus; sem falar na primeira
metade do século XX, quando os regimes autoritários buscavam na antiguidade suas bases
legitimadoras (SILVA, 2007, p. 30).
Estas representam algumas das diferentes leituras da Antiguidade, que não podem
ser compreendidas se separadas de seus momentos históricos, assim como, do compromisso
implícito ou explícito entre aqueles que produziram o discurso sobre o passado e os grupos
no poder. Muitos foram aqueles que buscaram apropriar-se das “heranças” deixadas pelo
mundo antigo, que julgam serem herdeiros diretos das civilizações antigas, cujo patrimônio
cultural foi alvo de constantes disputas entre os diferentes grupos que reivindicavam sua
posse.
No decorrer da História, a Antiguidade Clássica foi revisitada constantemente pelo
Ocidente. Como já levantamos, o mundo antigo acabou se constituindo em um importante
elemento na construção das identidades nacionais, preocupados, muitas vezes, em definir-
se em relação aos povos “selvagens”. Com isso, as potências européias da Idade Moderna
buscaram legitimar suas ações de conquista através de sua ascendência étnica, fosse romana
ou grega. Dessa forma, poderiam melhor justificar sua superioridade frente aos demais
povos a serem conquistados. Incluir heróis da Guerra de Tróia nas árvores genealógicas
de determinado grupo, dava um belo tom na ascendência étnica de qualquer pessoa,
cuja “glorioso” passado contribuía para a reivindicação de um suposto parentesco racial
com as civilizações clássicas, justificando, com isso, os direitos de posse, o imperialismo, o
colonialismo (SILVA, 2007, p.32).
Por isso, a História Antiga, durante muito tempo, foi virada e revirada de ponta a
cabeça com objetivos precisos, nem sempre compromissados com a preservação do passado
e com as contribuições para o presente. Isso porque, o legado do mundo antigo nem sempre
foi visto de forma ampla, restringindo-se à glorificação dos monumentos e dos grandes reis,
tornando-se um instrumento de legitimação da elite dominante, “herdeira” das tradições
e dos privilégios construídos sob os alicerces da exclusão social e do monopólio do poder.
Era comum os reis serem educados nas tradições clássicas, dedicando-se ao estudo
das civilizações antigas como elemento básico para a construção de sua formação erudita.
No Brasil não foi diferente. Durante muito tempo, a “Antiguidade exerceu função erudita
em um contexto nobiliárquico, a reforçar o caráter aristocrático da sociedade brasileira”. O
próprio imperador D. Pedro II recebeu uma educação baseada nos estudos clássicos. Mas
não apenas ele. O ensino durante o Império seguia esta orientação, o mesmo ocorrendo
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nas exposições que marcaram a trajetória do Museu Nacional. Mas esta prática não foi
abandonada com o fim da monarquia, em 1889. A República oligárquica que se instalara
deu continuidade a este legado, objetivando manter o caráter aristocrático daqueles que
estavam no poder (FUNARI et al, 2007, p. 09).
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Enquanto o Velho Mundo vivia nas trevas da Baixa Idade Média, civilizações experimentavam no
Brasil um florescimento cultural. Contemporâneos dos incas e dos maias, eram autores de uma
arte sofisticada. Só agora a arqueologia começa a decifrar quem foram esses antigos habitantes
da terra brasilis.
Urna funerária da cultura Guarita (entre os séculos 9 e 16), civilização que viveu nas proximidades
da atual cidade de Manaus. Enquanto o Velho Mundo vivia nas trevas da Baixa Idade Média,
civilizações experimentavam no Brasil um florescimento cultural. Contemporâneos dos incas e
dos maias, eram autores de uma arte sofisticada. Só agora a arqueologia começa a decifrar quem
foram esses antigos habitantes da terra brasilis.
Se pudéssemos voltar no tempo e visitar a Amazônia de mil anos atrás, veríamos um mundo
diferente. Não haveria a grande área desmatada e ocupada por pastagens e cultivos do sul e do
sudeste da região, no atual Pará. Em trechos hoje cobertos por selvas densas, se destacariam sinais
claros de ocupação humana: grandes aldeias ou mesmo cidades, cercadas de áreas de roças e
de matas secundárias, ligadas umas às outras por largos e longos caminhos. Em alguns locais,
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Em alguns aspectos, a Amazônia do ano 1000 não era diferente da Europa naquele mesmo período.
O francês Jacques Le Goff, um dos mais importantes historiadores da Idade Média, mostrou como
seria possível identificar na Europa áreas de bosque entremeadas a pequenas cidades, algumas
delas fortificadas, conectadas por redes de caminhos em que ocorria o comércio. Mas uma
diferença entre a Amazônia e o Velho Mundo era que, devido à escassez de rochas, a matéria-
prima para a construção na floresta sempre foi a terra. É por isso que sítios arqueológicos com
aterros ou valas são tão comuns na região. Muitos deles se encontram ainda cobertos pelasmatas
que cresceram de novo após o início da colonização europeia, quando houve queda brusca na
população nativa por causa da propagação de doenças, da guerra e da escravidão.
Uma jornada ao longo do rio Amazonas pode ser reveladora de como a população amazônica -
talvez mais de 5 milhões de pessoas - desapareceu de forma abrupta: desde Macapá, perto da
foz, até Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e o Peru, no alto Solimões, despontam incontáveis
sítios arqueológicos, alguns deles ocupados até o início do período colonial. Por outro lado,
o número de terras indígenas nessas mesmas áreas é pequeno, com exceção da região do alto
Solimões. A explicação é simples: a calha do Amazonas e do Solimões estava repleta de índios até o
século 16, mas eles foram os primeiros a perecer com a colonização. Atualmente, as maiores terras
indígenas no Brasil ficam longe da calha do Amazonas, em locais como o alto rio Negro, Roraima,
Acre, Rondônia ou o alto Xingu.
Enquanto a Europa vivia a Baixa Idade Média e lutava para reconquistar a península Ibérica dos
árabes, os povos da Amazônia vivenciavam, nessa mesma época, profundo florescimento cultural.
Alguns séculos antes de a Renascença surgir na Itália, cerâmicas com padrões gráficos sofisticados
eram produzidas em Marajó e nas regiões de Manaus e Santarém - esta última, talvez, a cidade
mais antiga do Brasil. A civilização marajoara protagonizou quase mil anos de história, tendo
desaparecido antes da chegada dos europeus. Seu apogeu, no entanto, parece ter ocorrido ao
redor do ano 1000. Esculturas de pedra eram esculpidas na foz do rio Trombetas, próximo da atual
Oriximiná, onde havia também centros de produção de muiraquitãs, pequenas esculturas lapidadas
em pedra polida em forma de animais ou seres humanos. No alto Xingu, grandes aldeias circulares
eram construídas com urbanismo igualmente sofisticado e inovador, assim como outras aldeias
floresciam no Acre, marcadas com estruturas geométricas agora conhecidas como geoglifos.
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vistos correndo de um lado para outro. Uma castanheira demora décadas para crescer e começar
a frutificar. Muitos castanhais têm centenas de anos de idade.
Sabemos hoje que a dispersão dessas árvores ocorreu a partir de um centro original no leste do
Pará. E também sabemos que existem na natureza apenas dois animais que conseguem quebrar a
casca do ouriço e dispersar sua castanha: a cutia e o Homo sapiens. Assim, é certo que a dispersão
dos castanhais se deu por meio da atividade humana. Ao mesmo tempo, a baixíssima variabilidade
genética entre castanheiras localizadas em pontos distintos da Amazônia, como se os espécimes
tivessem sido clonados, sugere que o processo de dispersão foi recente e começou 2 mil anos atrás
- em sincronia com o processo de florescimento cultural, indicado nos sítios. Ou seja, castanhais são
não apenas produto da natureza mas também resultado concreto da presença humana ancestral
na Amazônia [...].
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Como você deve ter percebido, a lista de filmes sobre o mundo antigo é imensa,
principalmente aqueles que se voltaram sobre os tesouros perdidos ou mistérios que
impulsionaram grandes aventuras que visavam desvendá-los. Diante de tantos filmes, farei
as seguintes propostas:
a) Assista um dos filmes de Indiana Jones e procure refletir acerca dos discursos
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Mas quando e como o fascínio pela Antiguidade começou a fazer parte de nosso
olhar sobre o passado? Essa é a pergunta que tentaremos responder nesta primeira parte
do capítulo. Isso porque, apesar do valor histórico deste passado ser incontestável, ele
foi incorporado com um determinado propósito, atrelado a um contexto específico, com
objetivos bem claros. Faz-se, então, necessário desconstruirmos alguns mitos, ao mesmo
tempo em que construiremos uma nova visão acerca deste passado tão longínquo.
Começaremos com sua localização e condições naturais. Apesar dos livros didáticos
sempre colocarem o Egito como parte integrante do Oriente Próximo, devido às semelhanças
entre os povos que faziam parte do imaginário “Crescente Fértil”, suas fronteiras eram
mais complexas. Ele se estendia ao longo do curso inferior do rio Nilo, ocupando ambos os
lados de suas margens, a nordeste do continente africano. Limitava-se, ao norte, pelo mar
Mediterrâneo, à oeste pela atual Líbia e o deserto do Saara, ao sul com a Núbia (atualmente
Sudão e parte do Egito) e a leste pelo mar Vermelho e mais acima pela península do Sinai.
Tendo em vista apenas a área habitável, o Egito Antigo alcançou uma dimensão de
40.000 km², dos quais a metade correspondia a região do Delta. Mas o que seria o Delta do
Nilo? Segundo a definição de Federico Mella, “o Delta é um triângulo eqüilátero de mais ou
menos duzentos quilômetros de largura através do qual o Nilo chegava ao mar com sete
ramificações” (MELLA, 1998, p. 89).
Sua diversidade geográfica e a superação de suas adversidades foram pontos
importantes na construção de um imaginário extremamente rico acerca da civilização
egípcia. O Egito seria um dos “berços das civilizações”. Segundo Margaret Marchiori Bakos,
a imagem de um Egito representado como “a terra da prosperidade, da perenidade, da
riqueza”, ou seja, o “celeiro da Antiguidade” alimentaria cada vez mais a curiosidade e
fascínio dos pesquisadores que se dedicaram ao seu estudo. Era o lugar ainda das “riquezas
entesouradas, faraós imortais e deuses poderosos” (BAKOS, 2008, p. 17).
Apesar dos limites impostos pela natureza e o período inicial de isolamento, o
Egito construiu um intenso comércio principalmente por vias marítimas. De um lado, o mar
Vermelho se transformaria no elo entre o sudeste da África e as Índias; e do outro, através
do Mediterrâneo, um importante comércio com os cretenses, os gregos e os macedônios e,
mais tarde, com os romanos (BAKOS, 2008, p. 17).
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Somos herdeiros de uma prática que foi construída a longa data: a Egiptomania.
Esta seria responsável pela reutilização contínua de traços culturais do Egito Antigo,
atribuindo-lhe sempre novos significados. Mesmo que a história de seus monumentos
seja desconhecida por seus adeptos, a instrumentalização destes elementos se tornou um
grande empreendimento comercial. Nas palavras de Bakos: “O Egito Vende!” (BAKOS, 2008,
p. 19).
Esta prática evidentemente se diferencia da Egiptologia, ciência que tem como
objetivo estudar o antigo Egito através do rigor científico, conferindo uma cronologia
pertinente aos seus monumentos. Esta ciência também nos fornece subsídios para
compreender o processo de reutilização dos ícones representativos do Egito e a construção
das identidades através de seu “legado”. A origem deste campo de conhecimento remonta
ao final do século XVIII, quando foi encontrada, pela missão científica de Napoleão
Bonaparte, em 1799, a famosa Pedra da Rosetta (BAKOS, 2008, p. 19-20). Através de Jean
François Champollion, que decifrou a escrita egípcia em 1822, um novo passo foi dado em
direção a História do Egito Antigo.
É a partir desta expedição napoleônica que o conhecimento sobre o Egito torna-se
mais palpável, deixando de ser um mero contato indireto para inaugurar o que podemos
chamar de Egiptologia. Inaugurava-se, então, uma fase de redescoberta do Egito, que teve
como etapa inicial o período compreendido entre 1798 e 1824. Antes deste período, o que
se sabia sobre esta civilização se resumia aos escritos de Heródoto e Maneton (escrivão da
corte e sacerdote sob o reinado de Ptolomeu II). Maneton, por volta de 280 a.C., escreveu
uma história de seu país na língua grega, que chegou até os dias atuais apenas através de
citações de outros autores. Sua obra intitulava-se Aegytiaca. Outros vieram depois, como
Estrabão e Diodoro Sículo, seguidos apenas pelo silêncio (MELLA, 1998, p. 09).
Tanto para a França quanto para o resto da Europa, o Egito era uma terra
desconhecida. O que os europeus tinham em mãos e em mente era apenas uma imagem
turva, mesclada por histórias fantásticas, maravilhas monumentais e segredos milenares.
A expedição de 1798 que tinha como objetivo conquista militarmente o Egito, não
deixou de conquistá-lo também cientificamente. Isso porque, além do poderoso exército,
o general levou consigo um grupo de técnicos e cientistas, assim como, muitos livros,
caixas de instrumentos científicos e duas tipografias (MELLA, 1998, p. 09). Os estudiosos
que fizeram parte da campanha possuíam objetivos bem diferentes dos militares aos
quais se misturaram: explorar os vários aspectos daquele território, incluindo a botânica, a
geologia e a arquitetura. Uma descrição científica completa do vale do Nilo, eis o interesse
de seus pesquisadores (FUNARI, Raquel, 2006, p. 30). Ao todo, o grupo era formado por
cento e sessenta e sete cientistas, incluindo, além dos já citados: cartógrafos, engenheiros,
naturalistas, historiadores e desenhistas (MELLA, 1998, p. 10).
Todavia, apesar desta expedição representar um marco na redescoberta do
Egito, Napoleão e seus comandados foram expulsos do território em 1801, sob a pressão
dos ingleses, dos mamelucos e dos turcos. Ao saírem, foram obrigados a entregarem os
achados arqueológicos que haviam recolhido e estudado durante a estadia. Contudo,
apesar da frustração diante de tais perdas, o sucesso científico da expedição foi garantido
pelo trabalho minuciosos desempenhado pela equipe de pesquisadores, que registrou
detalhadamente as descobertas, permitindo que entre 1809 e 1813 fosse publicada a
importante obra Description de l’Egypte, organizando em nove volumes de texto e catorze
com ilustrações, entre estas poderiam ser encontradas novecentos mapas de zoologia,
botânica, mineralogia, costumes, paisagens e arqueologia.
As ilustrações eram acompanhadas ainda de grandes textos descritivos (MELLA,
1998, p. 10-11). A obra completa totalizava quatro mil páginas e três mil ilustrações. A
Egiptomania se renovara através do colecionismo. Os temas que faziam parte da coletânea
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História Antiga
Saiba Mais
Mastaba
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História Antiga
Fig. 8 - Mastaba
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História Antiga
desta cultura. Foram os gregos que iniciaram o processo de mitificação do antigo Egito.
Quando Heródoto, por volta de 450 a.C. iniciou sua viagem em busca de resposta para
os conflitos entre gregos e persas, se surpreendeu com a riqueza daquele país. As cheias
do Nilo, a escrita e seus segredos, os ritos fúnebres etc. Era uma mistura de assombro e
admiração (FURNARI, 2006, p.28).
Mas porque o Egito se destacou de forma tão evidente em relação a tantos outros
povos? Johnni Langer nos dá uma dica: “nenhuma civilização conseguiu reunir tantas
sensações, tamanhas diferenças de percepções visuais e de conteúdos simbólicos sobre a
cultura material” (LANGER, 2003 apud FUNARI, 2006, p.26).
Os romanos foram os primeiros a levar os monumentos egípcios para a sua capital,
já no governo do imperador Otávio Augusto. Era uma forma de demonstrar o seu grande
poderio. Na Renascença, o interesse pelo Egito reaparece, devido a multiplicação de
publicações através da invenção da imprensa. Conhecer as realizações humanas passava a
povoar as mentes mais curiosas. Era uma época de valorização do progresso, e o Egito se
transformaria paulatinamente em um dos seus maiores representantes. Relatos de viajantes
e reprodução de textos clássicos, tomaram conta dos primeiros séculos da Idade Moderna,
(re)aproximando cada vez mais a Europa do mundo dos faraós. Daí para frente, como vimos,
as apropriações só tenderiam a aumentar, devido a formação das potências imperialistas.
(FUNARI, 2006, p. 26).
Tudo isso foi ainda mais estimulado com a construção do Canal de Suez, em 1869,
que passava ligar o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho. Isso colocou ainda mais em
evidência o contato com o Egito. Mas foi com a descoberta da tumba de Tutancâmon que
a egiptomania ganhou maior contorno. Este achado foi considerado por muitos como a
maior façanha arqueológica do século XX. Tinha início uma nova onda de apropriações dos
elementos e símbolos egípcios, dando origem a produção de jóias, a objetos decorativos, a
edificação de prédios, etc. (FUNARI, 2006, p. 26).
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História Antiga
Leitura Complementar
A Chave do Passado
Como um bloco de pedra encontrado por acaso, em Rosetta, ofereceu a peça que
faltava para desvendar os hieróglifos e mais de 3 mil anos de história egípcia
por Eduardo Szklarz
No meio do caminho tinha uma pedra: um bloco de quase 760 quilos na rota dos
soldados franceses que ocupavam o Egito em julho de 1799, numa expedição liderada pelo
temido general Napoleão Bonaparte. O tablete cinzento de 114 x 72 cm apareceu quando
eles cavavam trincheiras a leste de Alexandria, perto da cidade de El-Rashid, chamada de
Rosetta pelos ocidentais. A pedra estava caída no chão, como uma lápide semi-enterrada.
Uma versão menos aceita entre os historiadores dá conta de que ela estava incrustada num
muro que os militares demoliam. Seja como for, a Pedra de Rosetta chamou atenção de
imediato porque tinha gravadas três escritas diferentes. Coordenador das obras, o capitão
Pierre-François Bouchard sabia que uma das grafias era o grego. Embora não identificasse
bem quais eram as outras - o hieróglifo e o demótico -, ele suspeitou da importância do
artefato e o enviou para o Cairo, onde cientistas franceses estavam reunidos. Os sábios
confirmaram o palpite: pela primeira vez, um texto em grego aparecia junto com hieróglifos.
Assim, a pedra poderia ser a chave para entender a escrita sagrada dos faraós.
Esses sinais tinham marcado a paisagem urbana do Egito por mais de 3 mil anos,
até desaparecerem no século 4. Diversos pesquisadores já haviam tentado decifrá-los,
sem sucesso. Inúmeras perguntas sobre a civilização egípcia permaneciam sem resposta.
Quais eram os faraós que ergueram aqueles templos gigantescos? Para que construíam suas
tumbas? Por que preservavam os mortos? A seguir você verá como um pedaço de basalto
encontrado por acaso nas areias do deserto ajudou a elucidar esses mistérios.
Em 1798, o general francês Napoleão Bonaparte era a sensação de seu país.
Derrotara o exército austríaco na Itália e tinha tudo para segurar as rédeas da Revolução
Francesa. Aos 28 anos, sua fama era comparável à de um pop star moderno. O povo aplaudiu
quando ele anunciou uma milionária expedição ao Egito para bloquear as rotas inglesas de
comércio com o Oriente e conquistar uma preciosa colônia para a França. A missão tinha
valor estratégico duvidoso, mas foi patrocinada pelo Diretório, o governo imposto pela alta
burguesia. Afinal, era uma forma de manter o general longe da política parisiense enquanto
eram definidos os rumos da revolução.
“A expedição foi motivada pela competição colonial europeia, mas também por
uma fantasia pessoal de Napoleão. Ele sonhava em ser o novo Alexandre, o Grande”, diz
Nina Burleigh, autora de Miragem - Cientistas de Napoleão e suas Descobertas no Egito.
Para imitar os passos do conquistador macedônio, o general destacou quase 50 mil soldados
e marinheiros.
Na cola dos militares, marchava uma unidade especial formada por cerca de
150 sábios, os savants. Eram cientistas, matemáticos, botânicos, astrônomos, químicos,
engenheiros, poetas e até um musicólogo. Napoleão imitava outra faceta do ídolo:
Alexandre viajara com uma trupe de filósofos ao conquistar a Pérsia, no século 4 a.C. Para
o general, a campanha tinha caráter civilizatório. Levaria as luzes de Paris aos “bárbaros”
mamelucos que dominavam o Egito. Antigos guerreiros da Ásia Central convertidos ao
Islã, os mamelucos tinham sido escravos dos árabes por séculos e acabaram fundando seu
próprio império.
30
História Antiga
A descoberta
E veio a surpresa. Numa dessas reuniões, o conselho de savants soube da Pedra
de Rosetta. “Quando a viram, os sábios logo perceberam sua importância”, diz Nina. Cópias
das inscrições foram enviadas de imediato a Paris e intelectuais começaram a trabalhar na
decifração. Com a vitória na guerra, os ingleses se apoderaram de várias relíquias que os
savants haviam pilhado. Entre elas a Pedra de Rosetta, que foi parar no Museu Britânico.
Duelo de titãs
Era o início de outro combate entre a França e a Inglaterra, agora para decifrar as
inscrições enigmáticas no artefato. O duelo reuniu duas mentes brilhantes, obcecadas por
entender os hieróglifos: o cientista inglês Thomas Young e o jovem linguista francês Jean-
François Champollion. Era uma briga desigual. Young era um catedrático nobre e famoso,
que tinha o apoio da coroa e trabalhava diretamente sobre a pedra. Já Champollion era um
garoto-prodígio humilde, cujos estudos eram bancados a duras penas pelo irmão mais velho,
e que precisou descolar cópias dos textos da relíquia sem ter certeza se eram bem feitas. A
partir do grego, os dois gênios souberam que a Rosetta continha um decreto emitido por
um conselho de sacerdotes egípcios em 196 a.C. “Assumindo que os textos das outras duas
escritas eram idênticos, então a pedra poderia ser usada para decifrar os hieróglifos”, diz o
cientista Simon Singh em artigo para a BBC.
Só que havia um problema. “O grego revelava o que os hieróglifos significavam,
mas ninguém havia falado a antiga língua egípcia por vários séculos. Assim, era impossível
determinar o som das palavras egípcias”, afirma Singh. “A menos que os pesquisadores
soubessem pronunciá-las, eles não poderiam deduzir a fonética dos hieróglifos.” E
tampouco entender a escrita de forma a traduzir qualquer inscrição. O demótico presente
na pedra, uma forma cursiva e simplificada de escrita egípcia, já conhecida no Ocidente,
dava elementos para a comparação, mas não a engrenagem que faltava.
Pesquisadores já haviam tentado quebrar o código, mas derraparam numa hipótese
falsa: a de que os hieróglifos eram desenhos impronunciáveis. Achavam que se tratava de
uma grafia simbólica, não fonética, e que, portanto não podia ser lida como este texto.
Young sabia dos avanços de Champollion, e vice-versa. Nessa corrida, eles usaram
outros documentos além do bloco de basalto, como as inscrições do templo de Abu Simbel
e do zodíaco do Templo de Dendera. Os dois gênios, porém, seguiram técnicas distintas.
Young usou um método matemático: se havia 30 estruturas iguais no texto grego, ele
checava se essas 30 estruturas se repetiam nos hieróglifos - e assim foi formando um
alfabeto rudimentar, por aproximação. Até publicou seus primeiros achados, mas não foi
muito longe. “Parece que ele não conseguiu superar a ideia reinante de que os hieróglifos
eram só desenho. Não estava preparado para quebrar esse paradigma”, diz Singh.
Já Champollion conhecia diversas línguas, e isso fez toda a diferença. Ele percebeu
que havia uma escrita por trás daqueles desenhos. Começou associando nomes gregos
como “Ptolomeu” aos hieróglifos correspondentes. E, com a ajuda do irmão, foi a Paris para
estudar e tentar provar sua teoria. Logo viu que seria difícil. Até seu professor defendia a
tese dos desenhos mudos. Champollion recusava a ideia, mas como seria possível descobrir
o som daqueles símbolos estranhos?
A solução do jovem foi aplicar o copta, o idioma dos primeiros cristãos do Egito
que ainda era falado em algumas igrejas de Paris. Ele percebeu que a sonoridade do copta
se relacionava com a da antiga língua. Se pudesse coincidir os sons do copta com os dos
hieróglifos, poderia “fazer falar” os faraós. Assim matou a charada. “Enquanto o idioma
grego ajudou a entender o hieróglifo, o copta ajudou a sonorizá-lo”, diz o historiador Júlio
Gralha, especialista em Egito antigo, professor da UERJ. Ao ver um círculo com um ponto
no meio, por exemplo, Champollion conseguia associá-lo ao deus egípcio Sol. Mas não
31
História Antiga
sabia o nome que ele tinha, pois faltava sonorizá-lo. Foi aí que o copta entrou na jogada:
ao unir seus sons com as imagens dos hieróglifos, Champollion conseguiu ler “Ramsés” e
outras palavras. “Os pesquisadores da época sabiam que havia um faraó chamado Ramsés,
mas não sabiam como escrever seu nome. E Champollion triunfou. Young não teve essa
perspicácia”, afirma o egiptólogo.
As investigações do francês incomodaram a Igreja. Temia-se que a compreensão
dos hieróglifos ameaçasse a noção do Dilúvio Universal, que teria ocorrido em cerca de
2300 a.C. Se a escrita demonstrasse que os egípcios existiam antes do episódio e não foram
afetados por ele, os bispos teriam um abacaxi para descascar.
Mas Champollion deu de ombros. Desde criança queria calcular a idade do mundo,
e achava que os hieróglifos lhe dariam a resposta. Mais de duas décadas após a descoberta
da Pedra de Rosetta, no outono de 1822, ele finalmente conseguiu decifrar a língua sagrada.
Em 1828, realizou outro sonho: foi ao Egito. Só não teve tempo de somar a idade do mundo.
Morreu em 1832, aos 41 anos, em Paris, vítima de um acidente vascular cerebral.
Hoje, a Pedra de Rosetta é uma das atrações mais visitadas do Museu Britânico.
Está lá desde 1802 e só saiu de Londres por algumas semanas para ser exposta no Museu
do Louvre, em 1972, no aniversário de 150 anos da decifração dos hieróglifos. Há anos o
Egito tenta negociar a devolução. E Champollion, quem diria, nunca pôde ver esse pedaço
de rocha que tanto admirava. Uma das muitas ironias da história. [...]
Para ver o texto completo, Cf.: http://historia.abril.com.br/cultura/chave-passado-536901.
shtml
No século XIX o Egito Antigo foi virado do avesso. Muito de seu passado veio à tona,
atraindo inúmeros aventureiros em busca dos tesouros perdidos dos faraós. Todavia, poucos
foram aqueles que se dedicaram ao Egito após a queda da dinastia Ptolomaica. Nos últimos
meses, os egípcios novamente ganharam a atenção do mundo. Dessa vez, sob a legenda de
“Primavera dos Povos Árabes”. Faça uma pesquisa sobre o tema e depois desenvolva um
texto destacando as mudanças ocorridas ao longo da história do Egito.
32
História Antiga
4.1 O Início
Como vimos no início do capítulo anterior, a trajetória da civilização egípcia se
desenvolveu totalmente atrelada ao rio, o que contribuiu fortemente para os rumos dos
povos que lá habitaram. Não que a geografia tivesse determinado seu curso, pois seria
limitar por demais a capacidade humana de se adaptar ao meio, como se este impusesse
suas condições de forma irreversível.
Nada disso! O meio ambiente que os povos tribais encontraram era inóspito e
às vezes até cruel com aqueles que não soubessem desvendar os sinais da natureza. Os
seres humanos provaram que era possível não apenas se adequar aos ditames da natureza,
mas também que era possível moldá-la as suas necessidades. Para melhor compreender a
História do Egito, comecemos pela ocupação do seu território pelos primeiros povos que
deram origem a esta civilização.
33
História Antiga
No período Paleolítico, a região onde se localizaria o Egito era avassalada por chuvas
abundantes. Isso contribuiu tanto para o rápido crescimento de árvores e de ervas, quanto
para o afastamento dos seres humanos, que evitavam, nesta época, áreas tão tumultuadas.
Vestígios humanos foram encontrados apenas nas áreas montanhosas, mais afastadas do
vale.
Em tempos mais remotos, o rio Nilo possuía várias ramificações, o que possibilitava
o acesso à sua água mesmo distante de suas margens mais caudalosas. Com o tempo,
provavelmente no final do Paleolítico, o norte da África foi secando gradualmente, levando
as tribos nômades a se descolarem em direção a fontes mais duradouras. Os caminhos que
levavam ao Nilo eram intermediados por alguns oásis, o que possibilitou uma migração
paulatina rumo às margens e ao coração do que viria a ser o Egito (MELLA, 1998, p. 97).
Com o desenvolvimento da agricultura no período Neolítico, as margens do
rio começaram a se apresentar atrativas. Inicialmente, as tribos que se instalaram no
vale egípcio por volta de 5.000 a.C. se dedicavam principalmente à caça e à coleta, mas
a agricultura e a pecuária já faziam parte de seu cotidiano, ocupando paulatinamente um
espaço de destaque na economia destes povos.
O Egito ocupava um estreito do Nilo, cercado a oeste e a leste por montanhas.
Este vale possuía aproximadamente 15 a 20 quilômetros de largura. A oeste, as montanhas
separavam o Egito do Saara (antes chamado de deserto Líbio). Já as montanhas a leste
o separavam do mar Vermelho. Estas montanhas transformaram-se em importantes
elementos na constituição do Egito, pois eram as responsáveis pelo fornecimento das
pedras que foram utilizadas nas diversas construções, destacando-se o granito, o basalto e
o calcário.
Ao leste e em direção a Núbia, abundantes reservas de ouro enriqueceram ainda
mais os objetos e construções egípcias. Árvores também faziam parte da sua paisagem,
possibilitando a construção de barcos fluviais e diversos tipos de armações. E como o Nilo
derramava suas águas em direção ao Mediterrâneo, não demoraria para que os egípcios
se lançarem na concorrência comercial que tanto caracterizara os povos da antiguidade
(DIAKOV; KOVALEV, 1976, p. 175).
Na parte sul do Nilo, as cataratas dificultavam a sua navegação, o que contribuiu
para que o Egito se isolasse dos povos que habitavam as regiões meridionais. As areias,
o mar, as montanhas e os trechos mais agitados do rio evitaram, por algum tempo, que o
Egito sofresse ataques súbitos. Segundo a expressão de Diakov e Kovalev, “o Egito é uma
espécie de oásis à beira do deserto”. Quase nunca chovia na região, e mesmo as chuvas
raras eram consideradas um sinal de mau presságio (DIAKOV;KOVALEV, 1976, p. 175).
Mas suas cheias forneceram aos povos que lá se instalaram uma grande riqueza
escondida às margens do rio: o húmus. Um adubo natural riquíssimo, resultado das
enchentes periódicas que tinham início em meados de junho, inundando todo o vale. A
água que transbordava só começava a baixar por volta de novembro, deixando sobre a terra
um rico material orgânico, composto por restos e plantas aquáticas putrificadas e restos
minerais. No mês de janeiro iniciava-se o plantio, lavrando-se sobre a terra ainda umedecida
(DIAKOV;KOVALEV, 1976, p. 176).
Nas palavras de Federico Arborio Mella (1998, p. 89), “sem as cheias, o Nilo não
passaria de um estranho rio no deserto”. Com exceção das cidades construídas em locais
elevados e os povoados construídos nas margens mais distantes dos transbordamentos,
todo o Egito ficava coberto pela água durante três a quatro meses. Com o recuo da água,
uma área de trinta quilômetros ao longo das margens era tomada por uma camada de dez
a doze centímetros de limo fértil, propiciando o plantio de uma variedade de produtos
agrícolas (MELLA, 1998, p. 90).
34
História Antiga
Fig. 10 - Nilômetro - Instrumento que servia para medir a altura das cheias do Nilo
Outra preocupação desse povo era o cuidado em reter o máximo de água possível,
pois no Egito quase nunca chovia. Devido a necessidade de controlar o rio, logo se
desenvolveu a concepção de que o trabalho deveria ser realizado de forma contínua e em
grande emprego de mão-de-obra, o que não poderia se resumir a apenas uma cidade ou
mesmo cooperativa de povoados. Fazia-se necessário que todos aqueles que dependessem
das águas do Nilo, desde o mais simples trabalhador até o Faraó, se mobilizassem em função
de uma organização estatal bem estruturada.
Devido a esta necessidade, os camponeses que não estavam se dedicando ao
35
História Antiga
plantio (entre a semeadura e a colheita) eram recrutados para desenvolverem trabalhos nas
construções públicas, de interesse geral, como na abertura de canais, no levantamento dos
diques, em reparos ou mesmo na coleta de cereais destinados aos armazéns. E quando a
cheia tomava conta de quase todo o Egito, os camponeses eram destinados ao transporte
de pedras de granito, principal material para a construção de edifícios públicos e privados,
aproveitando o nível alto da água para facilitar, através de barcaças, o deslocamento deste
material pesado até as proximidades das obras (MELLA, 1998, p. 91).
Seriam, então, os camponeses escravos? Ao que tudo indica, o trabalho exercido
por estes nas grandes construções não se tratava, a rigor, de trabalho forçado, mas sim,
de um recrutamento estatal que tinha como pressuposto uma remuneração, o que,
evidentemente, levou muitos a recorrerem aos tribunais dos nomos para reclamarem dos
abusos cometidos. Greves também poderiam ter atrapalhado o curso de certas obras,
resultado, talvez, da má remuneração ou excessos cometidos pelos grandes.
Por isso, era comum exigirem contratos com cláusulas que previam graves penas
contra os infratores. Também devemos considerar que, em épocas em que o trabalho
no campo estava impossibilitado (devido a entressafra e as cheias), o emprego nas obras
poderia ser uma boa alternativa para quem precisava pagar os tributos cobrados pelo
Estado (MELLA, 1998, p. 91).
Mas qual seria a origem étnica das primeiras tribos que ocuparam a região? O que
é certo dizer é que era bastante diversificada. Ao norte do Delta, a população poderia ter
se originado da mistura entre os povos do leste (Líbios) e dos semitas oriundos do Sinai e
da Síria. Mais ao sul, encontramos povos tribais que receberam a denominação de camitas,
referência esta decorrente dos escritos bíblicos que relatam que esta parte da África foi
ocupada pelos descendentes de Cam, filho de Noé.
Mais tarde, na Idade Moderna, este relato serviria para justificar a escravização dos
povos africanos, já que Noé teria amaldiçoado seu filho, afirmando: – Maldito seja Canaã;
servo dos servos será de seus irmãos. “ (Gn, 9:25). Os camitas teriam também dado origem
aos povos denominados de somalis. O contato entre os diferentes povos que deram origem
ao Egito, aos poucos foram se transformando em uma população mais homogênea, devido
a intensa miscigenação (MELLA, 1998, p. 97). Alguns estimativas sobre sua população,
afirmam que poderiam ter inicialmente cerca de um milhão de pessoas, alcançando a marca
dos sete milhões por volta da época ptolomaica e romana (MELLA, 1998, p. 89).
As controvérsias em torno destas origens ainda hoje perturbam muitos
pesquisadores. Alguns preferem não entrar na questão, pois discutir sobre “raça” e “cor” é
um assunto que provoca muita polêmica, evitando-se, dessa forma, colocar mais lenha na
fogueira. O que é certo é que, durante muito tempo, o cinema reproduziu inúmeros filmes
em que os povos egípcios eram retratados com pele clara e olhos azuis. O que seria pouco
provável. Com isso, nas últimas décadas, pesquisadores buscaram evidenciar as origens
negras deste povo, destacando, inclusive, as figuras encontradas nas artes egípcias, com
suas peles escuras. Mas a polêmica continua até hoje.
36
História Antiga
Leitura Complementar
A Maldição de Cam
[...]
18. Ora, os filhos de Noé, que saíram da arca, foram Sem, Cam e Jafé; e Cam é o pai de
Canaã.
19. Estes três foram os filhos de Noé; e destes foi povoada toda a terra.
20. E começou Noé a cultivar a terra e plantou uma vinha.
21. Bebeu do vinho, e embriagou-se; e achava-se nu dentro da sua tenda.
22. E Cam, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai, e o contou a seus dois irmãos que
estavam fora.
23. Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre os seus ombros, e
andando virados para trás, cobriram a nudez de seu pai, tendo os rostos virados, de
maneira que não viram a nudez de seu pai.
24. Despertado que foi Noé do seu vinho, soube o que seu filho mais moço lhe fizera;
25. e disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos será de seus irmãos.
26. Disse mais: Bendito seja o Senhor, o Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.
27. Alargue Deus a Jafé, e habite Jafé nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.
28. Viveu Noé, depois do dilúvio, trezentos e cinqüenta anos.
29. E foram todos os dias de Noé novecentos e cinqüenta anos; e morreu.
Fonte: http://www.bibliaonline.com.br/
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História Antiga
em sua economia. Cada vez mais estes povos se aproximavam das margens do rio,
compreendendo sua importância em detrimento de outras áreas mais afastadas, que
tendiam a ficar mais secas e mais pobres. Cultivar no solo regado pelo Nilo parecia cada vez
mais atrativo. Os metais começavam a ser empregados no dia-a-dia, inicialmente o ouro
e o cobre. A utilização do sílex e da cerâmica é aperfeiçoada. Com tais melhoramentos, a
alimentação se diversifica e a população cresce, consolidando os clãs (DIAKOV;KOVALEV,
1976, p. 179).
Evidentemente que, com o desenvolvimento de tanta riqueza, logo surgiriam
aqueles que se apresentariam como organizadores da colheita, líderes permanentes,
intermediários entre os homens e os deuses, etc. A comunidade primitiva desagregava-se
e as desigualdades se instalavam. Era o início da Civilização. A necessidade de controlar o
rio levou a uma maior mobilização comunitária, levando estes povos a desenvolverem um
conjunto complexo de técnicas capazes de desviar, conter, drenar e conduzir as águas do
grandioso Nilo.
Aos poucos, os egípcios se transformariam em uma das maiores civilizações
hidráulicas do mundo. Obras de irrigação rudimentares foram construídas, apresentando-
se, inicialmente, como meras covas abertas às margens do rio. Com o tempo as técnicas
de irrigação foram aperfeiçoadas, transformando-se em um dos pilares de sua agricultura
(DIAKOV; KOVALEV, 1976, p. 180).
Na transição do Neolítico para o Estado Egípcio, novas mudanças podem ser
notadas. A diversificação do trabalho artesanal (ferreiros, talhadores de pedra, etc.);
relações econômicas com outras regiões (mesmo que ainda irregulares) e a invenção da
escrita pictográfica. E no quarto milênio a.C., representações de escravos já podem ser
conferidas na arte egípcia. Neste contexto, a criação de gado é aprimorada e a agricultura
agora tem a charrua. Formam-se ainda “comunidades de vizinhança”, caracterizadas por
pequenas e grandes famílias unidas em torno do uso da água e da terra, ganhando forma a
ideia de propriedade comum entre seus membros.
Antigas tribos acabaram por estabelecer uniões territoriais bastante extensas,
chamadas Spat. Todavia, os historiadores preferiram apropriar-se da designação criada
pelos gregos: Nomos. Possivelmente, os nomos eram isolados entre si, não representando
qualquer tipo de unidade egípcia. Com isso, é provável que cada um possuísse seu próprio
dialeto, seus mitos, suas lendas. Dessa forma, os conflitos entre os diferentes nomos eram
inevitáveis. Disputavam-se melhores terras, o domínio sobre a água e até mesmo escravos
(DIAKOV;KOVALEV, 1976, p. 181).
Aos poucos, o Egito Antigo que conhecemos se configurava. Nas palavras de Paul
Petit (1995, p. 07), a região que estava se formando era “tão estranha quanto sua civilização,
concomitantemente única e fechada”. Oásis, inundações regulares, húmus. Gradualmente,
os grupos humanos que ali se instalaram perceberam a necessidade de controlar as cheias,
distribuir a água de forma mais equilibrada, expandir a área irrigada e drenar os pântanos.
Cedo também perceberam a necessidade de uma unidade política, de um “poder central
absoluto”. Mas era preciso criar mecanismos de convencimento para a maioria, que deveria
se submeter aos mandos de um grupo autoritário e altamente centralizado.
Mas as dificuldades naturais contribuíram para atrasar uma possível unidade
total, o que levou, inicialmente, a configuração de duas áreas distintas (PETIT, 1995, p. 07-
08), que se apresentavam bastante heterogêneas. Enquanto ao norte, em torno do Delta,
desenvolveu-se uma região mais comercial, com uma produção “industrial” crescente
(devido ao surgimento de um intercâmbio com os povos da Síria e da Mesopotâmia), o sul
se caracterizaria mais pela agricultura, mais fechada e, de certa forma, mais pobre que a
primeira.
38
História Antiga
Assim, formou-se ao norte o Baixo Egito (no Delta), com vinte províncias (ou
nomos) e ao sul o Alto Egito (em Assuã), com vinte e dois nomos. Apesar da divisão, que
era mais simbólica do que real, durante muito tempo o Egito ficaria submetido a poderes
descentralizados. Os reinos estavam divididos em pequenos “principados” independentes,
cada um com seu respectivo governante, dominados pelos nomarcas ou outra autoridade
equivalente. O “principado” poderia ser hereditário ou mesmo ter como governante alguém
designado pelo próprio rei. Todavia, mesmo os subordinados ao rei poderiam alcançar
grande prestígio, adquirindo com o tempo prerrogativas de um verdadeiro príncipe. Com
isso, não era incomum que seu cargo também se tornasse hereditário.
Cada nomo ou cidade possuía seu próprio exército, destinado à proteção e
policiamento de seus habitantes, assim como na escolta de caravanas ou para deter
possíveis incursões de saqueadores. Durante muito tempo, o Egito não possuiu um exército
verdadeiramente nacional (MELLA, 1998, p. 97-98). Ao mesmo tempo em que era cercado
por grandes desertos em ambas as margens, o que possibilitava uma defesa natural contra
seus inimigos, o Delta, composto por um emaranhado de rede de canais e pântanos, evitou,
durante muito tempo, ataques de povos que poderiam ameaçá-lo pelo mar.
Isso levou a formação de um povo que, além da superação de possíveis problemas
de subsistência, sentia-se tão seguro em suas fronteiras que não constituiu-se de um
poderoso exército para defendê-lo (MELLA, 1998, p. 92). Em tempos de guerra, os nomos
forneciam ao rei a força armada necessária para conter os inimigos. Era comum se empregar
também forças mercenárias, contratados por tempo determinado (MELLA, 1998, p. 97-98).
Mas é na transição do Neolítico para a civilização propriamente dita, que foi
construída a imagem e o poder do Faraó. Mas história destes primeiros monarcas é
cercada de muitos mitos e lacunas ainda hoje perturbadoras. Daí a importância da obra
de Maneton, sacerdote de Heliópoles que viveu na época de Ptolomeu II, um dos muitos
faraós pertencentes às últimas dinastias estrangeiras, além de outros achados que revelam
um pouco dos primeiros reis do Egito. Apesar da obra de Maneton não chegar aos nossos
dias, muitos foram os autores da antiguidade que os citaram, legando um pouco de seu
escrito para a posteridade.
Por ter escrito na língua dos faraós das dinastias macedônicas, a sua obra tornou-se
uma importante referência para os interessados na história egípcia. Do original conservou-
se apenas uma lista de faraós encontrados em alguns papiros. Além desta lista, outros
dois escritos revelam muito das origens do Egito Antigo: O Papiro de Turim, de um autor
desconhecido pertencente aos tempos de Ramsés II e A Pedra de Palermo.
Todavia, apesar da importância destes três documentos para melhor
compreendermos estes tempos remotos, os mesmos deixam grandes lacunas e dúvidas
sobre os seus conteúdos. Isso porque, os relatos e informações neles contidos se misturam
a lendas e mitos que buscavam evidenciar o papel dos deuses na formação desta civilização.
Estes escritos nos transportam à época dos “Filhos de Hórus” (semsu hor), expressão
utilizada para designar os antigos governantes do Egito. Apesar das polêmicas sobre seu
conteúdo, estes são os únicos relatos que trazem alguma luz ao obscuro passado longínquo
dos egípcios (VALLEGO, 2005, p. 46).
É através da leitura da Lista de Maneton e do Papiro de Turim que encontramos
a referência ao nome de Menês, considerado por estes documentos como o primeiro
faraó. Contudo, os historiadores nunca encontraram seu nome em qualquer outra
referência documental, fosse ela arqueológica, monumental, escrita, pictórica, etc. O que
os pesquisadores afirmam é que este “‘primeiro” monarca seria na verdade o rei Narmer,
pois sua tumba apresenta os signos de poder tanto do Alto quanto do Baixo Egito. Mas,
da mesma forma que nada se sabe sobre a vida de Menês, o mesmo pode ser dito sobre
Narmer. Já na Pedra de Palermo, encontramos que o primeiro faraó teria sido Aha. Apesar
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História Antiga
de sua tumba ter sido encontrada, os hieróglifos que a adornam são considerados pelos
especialistas como controversos (VALLEGO, 2005, p. 47).
Apesar das controvérsias, encontramos nos diversos livros sobre o Egito Antigo
a afirmação categórica de alguns historiadores de que Menês (Narmer?) teria sido
realmente o primeiro faraó. Talvez assim, evitam-se maiores complicações. A exemplo
disto, Bernadette Menu afirma que este rei foi o fundador do Estado Egípcio por volta de
3.200 a.C., identificado como o responsável pela construção dos princípios fundamentais
da monarquia faraônica. Suas afirmações se baseiam principalmente nos objetos esculpidos
em pedra que trazem representações de possíveis faraós, a exemplo do rei Escorpião e do
próprio Narmer, considerados por muitos como sendo a mesma pessoa.
Estes “documentos fundadores” são grandes objetos esculpidos chamados
Clavas. Estas contêm os principais personagens aqui apresentados. Na Paleta de Narmer
encontramos a representação de um rei com a coroa típica dos faraós egípcios. É nesta clava
que encontramos a imagem do escorpião, o que resultou na identificação do Rei-Escorpião
como sendo Narmer. As paletas eram inicialmente placas de xisto onde se macerava pinturas
de rostos. Na Paleta de Narmer encontramos o rei ostentando tanto a coroa branca quanto
a coroa vermelha, signos do Baixo e do Alto Egito. Segundo os estudiosos, estes documentos
sobre Narmer referem-se a comemoração da unificação do Egito. (MENU, 2002, p. 28-29).
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História Antiga
são construídas. Um personagem de grande poder toma conta destes importantes objetos,
agregando símbolos que se tornariam referência para a realeza egípcia. Construía-se
paulatinamente a imagem do Faraó. Os primeiros estágios da escrita hieroglífica começam a
aparecer, esculpida não apenas nas paletas mas também em pequenas etiquetas em marfim
ou em rótulos. As divindades também tomam conta do cenário artístico. Os símbolos, signos
e mitos que conhecemos se configurava.
Mas é entre 3150 e 2920 que o Estado Egípcio mais se evidencia. É neste período
que o Alto e o Baixo Egito se unificam, pela ação sucessiva de um grupo de reis. O primeiro
teria sido Narmer, por volta de 3100 a.C., identificado por uns como sendo o mítico Menês,
como já mencionamos. Mas a confusão sobre este período é enorme. Narmer teria sido
o fundador da primeira capital, Mênfis, localizada no Baixo Egito. O sistema de irrigação
é aperfeiçoado, impostos são cobrados nas várias vilas, uma administração centralizada é
criada tendo como referência o palácio real e a escrita se transforma em um importante
meio de controle e registro da vida cotidiana (BRANCAGLION, 2001, p. 38).
A primeira e a segunda Dinastias (2920-2649 a.C.) se encontram no período
denominado de Arcaico ou Thinita. Neste contexto o Egito apresenta seus traços mais
característicos, consolidando-se enquanto Civilização. O Estado se expande por todo o vale
do Nilo até o Delta. É então que a cidade de Thinis (ou This) se transforma na primeira capital
do Egito Dinástico. Foi próximo a esta cidade, no cemitério de Abibos, que foram enterrados
os primeiros reis em suas grandes tumbas. Estes teriam sido os primeiros “Hórus”.
O Faraó se apresentava como o poder central de um grandioso Estado, inculcando
na população uma ideologia em que a realeza penetrava em todos os poros da sociedade,
cercado por um corpo de funcionários que se encarregavam da cobrança de impostos, da
produção e da estocagem das riquezas. Quando havia a necessidade de um determinado
produto que não fazia parte de sua produção, empreendiam expedições comerciais para
adquiri-las.
A partir da terceira dinastia, tem início a “História” egípcia. O período que vai
de 2649 a 2152 a.C. é denominado de Antigo Império. A organização social e política se
encontram bem aperfeiçoadas, enquanto a figura do faraó se transforma em elemento
primordial. A capital passa a ser instalada em Mênfis, decorrente da unificação. Uma classe
de altos dignitários se estabelece, principalmente em torno dos escribas, responsáveis
pelo registro da produção e da força de trabalho. Uma tradição advinda da época Thinita
estabelecia que os altos funcionários deveriam pertencer à família do faraó, já que, de certa
forma, carregavam consigo uma parte do poder divino do monarca. Mas a partir da quinta
dinastia esta tradição perde força, quando tais cargos passaram a ser ocupados também por
pessoas sem laços sanguíneos com o rei. Era um Estado bem organizado, capaz de mobilizar
imensos recursos e poder, possibilitando ao faraó liderar a construção dos elementos mais
característicos do Egito Antigo, a exemplo das Grandes Pirâmides de Gizé. (BRANCAGLION,
2001, 38-39).
No final da sexta dinastia o poder do faraó é contestado, levando ao enfraquecimento
do Estado egípcio através de conflitos entre o monarca e os chefes locais, ou seja, os
nomarcas. Uma crise interna levara ao separatismo, agravada ainda mais por um período
de seca e fome ao norte da África. Tinha início o denominado I Período Intermediário (2150-
2010 a.C.). Duas dinastias passaram a disputar o poder. É nesta fase que a imagem do faraó
será afetada pela primeira vez, a exemplo do que ocorreu com os rituais funerários e os
textos sagrados, que passaram a ser “democratizados”, deixando de ser exclusividade do
monarca (BRANCAGLION, 2001, p. 40-41).
Por volta de 2040 e 1640 a.C., o Alto e o Baixo Egito foram novamente unificados,
através do poder do faraó tebano Mentuhotep II. A capital passara então a ser a cidade de
Tebas. Tinha início o Médio Império. As relações comerciais se expandiram, principalmente
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foram levantadas, destacando-se, entre outras, o templo esculpido nas rochas em Abu
Simbel. Com o fim do reinado de seu sucessor, Ramsés III, o poder egípcio começou a
declinar, não alcançando mais o seu esplendor.
Entre 1070 e 657 a.C., o Egito vivenciou o III Período Intermediário. Um longo
período de decadência abatera a civilização, com disputas regionais que enfraquecera
paulatinamente o poder do faraó. A influência egípcia no exterior se esfacela, refletindo
em insegurança social e pilhagens das tumbas reais. Vários faraós disputavam o controle
político. “Reis sacerdotes”, reis líbios, reis núbios. Esta instabilidade enfraquecera a tal
ponto o Egito que novas invasões seriam questão de tempo.
Uma tentativa de restauração se deu em torno de uma nova capital, Saís, no Delta,
dando origem ao período denominado de Renascimento Saíta. Contudo, entre 712 e 664
a.C., o Egito sofrera uma nova onda de invasões. Primeiro foram os núbios e depois os
assírios, seguidos pelos persas (525 a 404 a.C. e depois em 343 a 332 a.C.). Com a segunda
invasão persa os reinados independentes chegaram ao fim. Em 332 a.C. era a vez de uma
nova potência militar ocupar o Egito, liderada por um jovem rei chamado Alexandre. A partir
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História Antiga
de então, os egípcios passariam a ser governados por faraós de origem estrangeira. Esta
fase seria chamada de Período Ptolomaico (323 a 30 a.C.). É nesta dinastia que surge a figura
emblemática de Cleópatra (p. 45).
Esta rainha, por ter entrado em conflito com o imperador Otaviano, não só perdeu
a sua coroa como também contribuiu para anexação do Egito pelos romanos, após a morte
do último dos ptolomeus: Cesarion, filho de Cleópatra com Júlio César. Aos poucos, o Egito
ia perdendo suas características mais peculiares, principalmente com a introdução do
cristianismo, das tradições judaicas e da cultura Greco-romana (BRANCAGLION, 2001, p. 49).
Muito ainda poderia ser dito sobre a Civilização Egípcia, mas o tempo é nosso
inimigo. Contudo, não poderia deixar de abordar alguns aspectos importantes deste povo.
Por isso, a seguir você encontrará uma seleção de textos que contribuirá para preencher as
lacunas deixadas neste volume, mas cabe também a você buscar mais.
Leitura Complementar
Heródoto
Como se mumificava no Egito?
LXXXVI – Há, no Egito, certas pessoas encarregadas por lei de realizar os
embalsamamentos e que fazem disso profissão. Quando lhes trazem um copo, mostram
aos portadores modelos de mortos em madeira, pintados ao natural. O mais digno de
atenção represente, segundo eles dizem, aquele cujo nome tenho escrúpulos de mencionar
aqui. Mostram depois um segundo modelo, inferior ao primeiro e mais barato; e ainda um
terceiro, perguntando, então, por que modelo querem que seja o morto embalsamado.
Combinado o preço, os parentes retiram-se.
Os embalsamadores trabalhão em suas próprias casas, e eis como procedem os
embalsamadores mais caros: Primeiramente, extraem o cérebro pelas narinas, uma parte
com um ferro recurvo e a outra por meio de drogas introduzidas na cabeça. Fazem, em
seguida, uma incisão no flanco com pedra cortante da Etiópia e retiram, pela abertura,
os intestinos, limpando-os cuidadosamente e banhando-os com vinho de palmeira e
óleos aromáticos. O ventre, enchem-no com mirra pura moída, canela e essências várias,
não fazendo uso, porém, do incenso. Feito isso, salgam o corpo e cobrem-no com natro,
deixando-o assim durante setenta dias. Decorridos os setenta dias, lavam-no e envolvem-no
inteiramente com faixas de tela de algodão embebidas em commi [goma-arábica. É extraída
da acácia, árvore muito comum no Alto Egito], de que os Egípcios se servem ordinariamente
como cola. Concluído o trabalho, o corpo é entregue aos parentes, que o enterram numa
urna de madeira feita sob medida, colocando-a na sala destinada a esse fim. Tal maneira
mais luxuosa de embalsamar os mortos.
LXXXVII – Os que preferem um tipo médio de embalsamento e querem evitar
despesas, escolhem esta outra espécie, em que os profissionais procedem da seguinte
maneira: Enchem as seringas de um licor untuoso tirado do cedro e injetam-no no ventre
do morto, sem fazer nenhuma incisão e sem retirar os intestinos. Introduzem-no igualmente
pelo orifício posterior e arrolam-no, para impedir que o líquido saia. Em seguida, salgam o
corpo, deixando-o assim durante determinado prazo, findo o qual fazem escorrer do ventre
o licor injetado. Esse líquido é tão forte que dissolve as entranhas, arrastando-as consigo
ao sair. O natro consome as carnes, e do corpo nada resta a não ser a pele e os ossos.
Terminada a operação, entregam-no aos parentes, sem mais nada fazer.
LXXXVIII – O terceiro tipo de embalsamento destina-se aos mais pobres. Injeta-se
no corpo o licor denominado surmaia, envolve-se o cadáver no natro durante setenta dias,
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História Antiga
Leitura Complementar
Osíris e Ísis
A morte ainda não havia entrado no mundo, quando Osíris e Ísis eram os deuses
que reinavam no Egito. O povo nada sabia sobre o pecado; não havia violência nem ambição,
inveja ou ódio a dividir os homens. As pessoas falavam-se através da poesia, e eram sempre
gentis e honestas. O próprio Osíris amava o povo e havia ensinado aos egípcios as artes
da plantação, da irrigação e a sabedoria e as leis dos seres humanos. Osíris e sua esposa
Ísis eram filhos de Geb (terra) e Nut (céu). Não havia pecado algum por serem deuses, de
serem ao mesmo tempo irmão e irmã e marido e esposa. Assim governou o casal a terra,
cirando condições de prosperidade, fazendo com que o rio Nilo transbordasse, deixando
o solo rico para o trigo – e que todos tivessem pão à mesa. O fiel escudeiro de Osíris era
o deus da sabedoria, Toth, que havia inventado a escrita e os números e depois resolvera
ensinar essas artes aos egípcios.
Mas havia, porém, Seth. Seth, o irmão perverso de Toth. Seth, que governava o
deserto sem chuva e sem vida. Seth, o destrutivo, de natureza violenta, tão violenta que, ao
nascer, abrira um buraco no ventre de sua mãe. E, à medida que o povo ia recuperando a
terra pela irrigação, Seth ia aumentando sua raiva por Osíris, pois seu reino assim diminuía.
E aumentava sua inveja em relação a Toth.
Seth tinha muito tempo para pensar, uma vez que nada acontecia em seus
domínios. Ele contemplava seu reino e só via dunas, escorpiões e rochas. Um reino inóspito,
varrido pela areia, pelos ventos, pelo frio. E um dia ele resolveu fazer um belo sarcófago
para seu irmão, feito de madeira perfumada. Seth convocou uma grande reunião para
todos os deuses, antes da chegada da estação de secas (a favorita dele, claro). No salão de
entrada, ele colocou o sarcófago. Todos admiraram sua obra, que cheirava a bálsamo, cedro
e incenso. Alguns se deitaram no sarcófago, se divertindo com aquilo. Todos entraram para
a sala do banquete.
Osíris chegou atrasado. Ele e Seth, sozinhos no salão de entrada. Osíris viu o
sarcófago. Seth convenceu o irmão, que não tinha malícia alguma, a experimentar o “último
leito”. Assim que Osíris se deitou nele, os servos de Seth apareceram do nada e pregaram a
tampa e a selaram com chumbo quente. Lá dentro, o som dos martelos chamou a atenção
dos demais deuses, que rapidamente voltaram ao salão de entrada. Seth e seus asseclas já
haviam fugido com o sarcófago rumo à noite do deserto. Os deuses compreenderam tudo:
que Osíris devia estar dentro do sarcófago. Tentaram segui-los, mas era tarde demais. Como
suspeitava àquela altura, o malvado Seth já jogara o sarcófago no Nilo; e Osíris já deveria ter
morrido, sufocado.
A morte de Osíris trouxe uma série de males ao Egito, males até então
desconhecidos. Os desertos de Seth ganharam terrenos, secando os campos férteis. A fome
chegou. As pessoas puseram-se a brigar e a roubar as migalhas da comida que restava. As
mães não dormiam mais com o choro das crianças famintas. O reino de areia de Seth quase
invadia as margens do Nilo. O desespero era tanto que o povo chegava a sentir inveja dos
mortos. Então Ísis, sua irmã Néftis – irmã também de Seth – e o sábio deus Toth puseram-se
à procura de Osíris por todo o território egípcio.
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de bondade.
A alma de Osíris viajara para o Reino dos mortos, onde ele era agora o rei e o Grande
Juiz, e dali em diante homens e mulheres mortais podiam ganhar a imortalidade da alma
na morte, seus corpos e suas almas reunidos pela ressurreição. E embora Seth houvesse
trazido o pecado ao mundo, Osíris trouxera a esperança. Menos de nove meses depois de
Osíris ter partido para o Mundo Inferior, Ísis deu à luz Hórus, que foi protegido e instruído
por Néftis e Toth. A criança foi criada para ser o vingador do pai, o herói dos deuses e da
humanidade contra Seth, que a partir daí nunca mais reinaria em paz.
No entanto Seth fez com que um escorpião mordesse Hórus, tirando-se a vida.
Desesperada, Ísis rezou à Rá, o deus Sol. Toth foi então enviado para ensinar-lhe os
encantamentos que fariam Hórus reviver. Foi bom que ele passasse um tempo no Reino
dos Mortos; só assim conheceu o pai e aprendeu com sua sabedoria. E Hórus passou a ser
considerado o patrono dos faraós reinantes e guardião da prosperidade do Egito.
Leitura Complementar
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História Antiga
das múmias prova que os egípcios já comerciavam com essas regiões, alguns milhares de
anos antes de Cristo.
Essas revelações não excluem que existam outros componentes ainda não
identificados nas resinas. Afinal, nada se sabe com segurança sobre como era feita a
mumificação – um segredo guardado a setenta chaves pelos sacerdotes embalsamadores,
que acreditavam estar repetindo os cuidados ministrados ao deus egípcio dos mortos, Osiris,
para garantir-lhe a ressurreição. Há séculos levantam-se hipóteses sobre os componentes
dos bálsamos e suas proporções corretas. O estudo da múmia de Tebas com o auxilio do
computador deve continuar até elucidar a fórmula.
“Chegaremos a novos tratamentos com as plantas utilizadas pelos egípcios”, prevê
Patrick Josset, chefe da equipe francesa. “O que é bom para as múmias poderá ser bom
também para os seres vivos.”
Os próprios egípcios talvez ignorassem que os bálsamos empregados na
conservação dos mortos pudessem ter alguma utilidade em suas vidas. A prova disso,
segundo as pesquisas mais recentes, é que a maioria dos egípcios mumificados deve ter
morrido de doenças infecciosas agudas, paraas quais não havia tratamento na época – o
homem de Tebas, por exemplo, apresenta lesões nos pulmões, sinal de que provavelmente
morreu de broncopneumonia.
O que mais chamou a atenção dos franceses que examinaram a múmia, porém,
foi um vaso em seu interior contendo pele humana e pelos tingidos em tom avermelhado.
Sabe-se que, no processo de embalsamamento, os egípcios costumavam retirar todas as
vísceras do cadáver, para tratá-las separadamente e guardá-las em vasos, dentro das
múmias. Mas guardar pele humana num desses vasos não era costume, ao que se saiba.
Isso faz os estudiosos do Antigo Egito pensarem na hipótese de algum ritual especial.
Os egípcios também costumavam rechear as múmias com panos, a fim de manter
as formas naturais do corpo. Também nesse ponto a múmia do Museu de Lyon reservava
uma surpresa: um dos panos nela guardados era simplesmente uma vela de barco. Segundo
os restauradores que participaram da autópsia, a vela data de 3700 anos atrás. O cidadão
de Tebas, por sinal, devia ter boa saúde: não há na múmia vestígios de doenças crônicas
ou tumores. Os cientistas acreditam que os egípcios, em geral, eram saudáveis, e o motivo,
uma alimentação equilibrada, com pouco açúcar: é raro encontrar uma múmia com marcas
de cárie nos dentes.
Ter noção da saúde de pessoas que viveram há milhares de anos a partir de um
único exame só é possível com a tomografia computadorizada. Graças a ela, pode-se avaliar
tamanhos e distâncias dentro de um organismo, por exemplo. O estudo de múmias com
raios X tinha uma grande limitação: por apenas distinguir com nitidez estruturas mais
compactas, como ossos, requeria que todas as bandagens fossem retiradas. Isso motivava
toda sorte de protestos dos egiptólogos, para quem se deve manter as múmias o mais
possível intactas, em obediência ao mandamento “olhar, sim; mexer, não”.
Além disso, perto da tomografia, outros exames são incompletos: cientistas
americanos notaram na chapa de raio X de um sacerdote egípcio, cuja múmia data de
700 a.C., que ele tinha uma deformação na bacia. A gravidade do problema só foi avaliada
quando o computador mediu as distancias entre os ossos e chegou ao diagnóstico de que,
na adolescência, o sacerdote era tão obeso a ponto de forçar os ossos da bacia, que antes
dos 20 anos ainda não estão unidos. Com isso, a perna esquerda ficou mais curta e com
certeza ele só conseguia andar com auxílio de bengala.
Problemas ortopédicos, aliás, devem ter sido comuns no Antigo Egito. Durante
muito tempo, antropólogos se perguntavam por que as mulheres egípcias morriam bem
mais jovens do que os homens. Só recentemente cientistas italianos descobriram que
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História Antiga
muitas delas morriam ao dar à luz, por terem os ossos da bacia incrivelmente estreitos.
A razão dessa anomalia anatômica é desconhecida. Há três anos, cientistas suecos
conseguiram fazer, pela primeira vez, a clonagem (cópia feita de organismos vivos) do DNA
de uma criança de 1 ano, embalsamada há mais de 24 séculos. Isso foi possível porque, no
caso dessa múmia, embora as células tivessem perdido suas membranas protetores, o DNA
estava quase intacto
Desde então, cientistas do mundo inteiro tentam experiências semelhantes. Mas o
que será que se pode descobrir a partir de uma simples molécula de alguém que morreu há
séculos? Os cientistas buscam três objetivos. Um deles é aprimorar a técnica para encontrar
fragmentos de DNA em corpos mumificador de criaturas que morreram muito antes dos
antigos egípcios: cientistas americanos descobriram fragmentos de DNA em um mamute
que viveu há mais de 40 mil anos. Se fizerem clones desse DNA, poderão aprender lições
valiosos sobre a evolução da vida comparando as cópias das moléculas do mamute com
moléculas de animais dos tempos atuais.
Outro objetivo é encontrar nas múmias egípcias fragmentos de DNA de vírus e
assim estudar o seu desenvolvimento e o das doenças que provocam. Mais especificamente,
os cientistas buscam fragmentos do papilomavírus nos sinais de verrugas das múmias; caso
consigam clonar tais vírus, talvez possam esclarecer se na sua evolução o papiloma poderia
mesmo ter vindo a causar câncer de pele, como se desconfia. Finalmente, o estudo das
moléculas de múmias poderá ajudar também os antropólogos que pesquisam o Antigo
Egito, esclarecendo graus de parentesco entre faraós e sacerdotes, descobrindo pelas
informações genéticas quem foi quem de fato nas elites dirigentes egípcias.
Descobrir a identidade de uma múmia é sempre fascinante – e às vezes um
serviço muito demorado. Até o ano passado, não se tinha conseguido definir o sexo
de uma múmia, encontrada no chamado Vale dos Reis, em Luxor, no longínquo ano
de 1907. Então, odontologistas americanos resolveram aplicar na múmia uma técnica
que vem sendo utilizada experimentalmente em crianças pequenas, para prevenir
problemas de prognatismo (dentes salientes). Trata-se de examinar as chapas de raios X
por um computador que mede cada osso da face, fazendo comparações e prevendo seu
crescimento. O computador apontou tantas semelhanças entre o crânio da múmia de sexo
incerto e não sabido e o crânio do faraó Tutankhamon, morto aproximadamente em 1346
a.C., que os cientistas puderam finalmente resolver o enigma: era Smenkhare, meio-irmão
de Tutankhamon.
Exames semelhantes foram feitos também nos Estados Unidos, com a múmia de
uma jovem egípcia, que morreu em 950 a.C., chamada Tabes. Quem visita seu esquife, no
Egito, fica impressionado com a beleza do seu retrato. Segundo os cientistas, Tabes queria,
mas nunca teve, o rosto de traços harmônicos mostrado na pintura que, certamente, como
era hábito, foi feita por encomenda quando a jovem ainda era viva. As análises revelaram
que Tabes, além de ter um nariz imenso, era tão prognata, tanto na dentição inferior como
na superior, que não conseguia nem fechar a boca. Esse era o segredo da múmia, disfarçado
pelo retrato mentiroso.
A maldição era um fungo
Guiado por um xeque, o viajante inglês Richard Pococke, em 1743, foi o primeiro
a chamar a atenção da Europa para uma região conhecida como Vale dos Reis, a oeste de
Tebas, no Egito. Ele tinha avistado catorze dos sessenta túmulos existentes no Vale, mas não
sabia que todos os faraós e nobres mortos entre 1567 e 1085 a.C. estavam ali enterrados.
Na época de Pococke, era impossível explorar o local: todos os que se aproximavam eram
expulsos por quadrilhas de ladrões que habitavam as colinas. Talvez a primeira grande
descoberta tenha ocorrido em 1881, quando o subdiretor do Museu do Cairo, Emile
Brugsch, seguindo a pista de um ladrão, encontrou num poço nada menos de 31 caixões e
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História Antiga
Exames de DNA revelam a verdade sobre os pais do faraó-menino e novas pistas de sua morte
prematura
Tutankhamun KV62
Filho de uma união entre irmãos, o faraó sofria de uma má-formação congênita no pé e de uma
doença óssea que lhe dificultavam a locomoção. O casamento endogâmico pode ter causado a
deformidade e até mesmo impedido que tivesse herdeiros com a esposa.
As múmias provocam a nossa imaginação. Impregnadas de mistério e magia, elas já foram pessoas
que viveram e amaram, tal como nós. Estou convencido de que é nosso dever honrar esses mortos
antigos e garantir que descansem em paz. No entanto, há segredos dos faraós que só podem
ser revelados por meio do estudo de suas múmias. Em 2005, quando foram feitas tomografias
computadorizadas da múmia de Tutankhamon, pudemos comprovar que ele não morrera devido a
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História Antiga
um golpe na cabeça, como muitos acreditavam. Nossa análise revelou que o orifício na parte
de trás de seu crânio havia sido aberto durante o processo de mumificação. O exame também
mostrou que Tut morreu com apenas 19 anos de idade - talvez logo depois de ter sofrido uma
fratura na perna esquerda. Porém, ainda restam outros mistérios em relação ao faraó-menino que
até mesmo a tomografia computadorizada não consegue esclarecer. Por isso, decidimos realizar um
exame ainda mais profundo de sua múmia e, no fim, acabamos descobrindo fatos extraordinários a
respeito de sua vida, seu nascimento e sua morte.
Para mim, a história de Tutankhamon é como uma peça teatral cujo fim ainda está sendo escrito.
O primeiro ato do drama tem início por volta de 1390 a.C., décadas antes do nascimento de Tut,
quando o faraó Amenhotep III (também conhecido como Amenófis III) sobe ao trono do Egito. À
frente de um império que se estende por 1,9 mil quilômetros, desde o rio Eufrates ao norte até
a quarta catarata do Nilo ao sul, esse soberano da 18ª dinastia vive em meio a uma abundância
material inimaginável. Ao lado da poderosa rainha Tiye, governa o Egito por 37 anos, venerando
os deuses de seus ancestrais, sobretudo Amon, enquanto o povo prospera e imensas riquezas,
originárias de seus domínios estrangeiros, se acumulam em seus cofres.
Se o primeiro ato tem a ver com bonança e estabilidade, o segundo é marcado pela revolta. Ao
morrer, Amenhotep III é sucedido por seu segundo filho, que assume o trono como Amenhotep IV
- um visionário que dá as costas ao culto de Amon e de outros deuses do panteão oficial e passa a
venerar uma divindade única, conhecida como Aton, o disco do Sol. No quinto ano de seu reinado,
ele muda o próprio nome para Akhenaton, ou “aquele que é benéfico a Aton”. Também atribui a si
mesmo a condição de deus vivo e abandona o tradicional centro religioso de Tebas, erguendo uma
cidade cerimonial 290 quilômetros ao norte, em um local hoje conhecido como Amarna. Ali ele
vive com sua rainha, a bela Nefertiti, e juntos se tornam os sumo-sacerdotes de Aton, cumprindo
essa função com a ajuda de suas seis filhas. Os sacerdotes são despojados de todo poder e riqueza,
e Aton reina supremo. Nesse período, a arte é perpassada por novo e revolucionário realismo:o
próprio faraó não é mais, como os antecessores, retratado com semblante idealizado e corpo
jovem e musculoso, e sim com aparência afeminada, barriga protuberante, rosto alongado e lábios
carnudos.
O fim do reino de Akhenaton está envolto em confusão - como se a ação da peça se transferisse aos
bastidores. Um ou talvez dois faraós governam por breves períodos, com Akhenaton ainda vivo, já
morto ou em ambos os casos. Como outros egiptólogos, estou convencido de que o primeiro desses
“reis” é, na verdade, Nefertiti. Já o segundo é um personagem enigmático chamado Smenkhkare,
sobre o qual pouco conhecemos. O que se sabe com certeza é que, ao subir a cortina e começar
o terceiro ato, o trono está ocupado por um menino de apenas 9 anos de idade: Tutankhaton (“a
imagem viva de Aton”). Em algum momento nos dois primeiros anos de seu reinado, ele e sua
mulher, Ankhesenpaaton (que era filha de Akhenaton e de Nefertiti), abandonam Amarna e voltam
a Tebas, reabrindo os templos e restituindo-os à antiga glória e prosperidade. Também alteram
os próprios nomes, para Tutankhamon e Ankhesenamon, proclamando sua rejeição à heresia de
Em seguida a cortina se fecha. Dez anos depois de subir ao trono, Tutankhamon morre, sem deixar
herdeiros que possam ocupar o seu lugar. Ele é sepultado às pressas em uma tumba de pequenas
dimensões, projetada para um indivíduo comum não para um faraó. Em represália contra a heresia
de Akhenaton, seus sucessores empenham-se em obliterar dos registros históricos quase todos os
traços dos reis de Amarna, entre eles Tutankhamon.
52
História Antiga
Ironicamente, essa tentativa de eliminar a memória dele acabou preservando Tutankhamon para
sempre. Menos de um século após ele morrer, a localização de sua sepultura havia sido esquecida.
Oculta de saqueadores por outras edificações erguidas no mesmo local, ela permaneceu intacta
até ser descoberta em 1922. Mais de 5 mil objetos foram encontrados no interior da tumba. No
entanto, os registros arqueológicos até hoje não conseguiram esclarecer os relacionamentos
familiares mais próximos do faraó. Afinal, de quem ele era filho? O que aconteceu com a sua viúva,
Ankhesenamon? Os dois fetos mumificados achados no túmulo seriam filhos prematuros de Tut ou
sinais de pureza para acompanhá-lo na vida após a morte?
Para esclarecer essas dúvidas, resolvemos analisar o DNA de Tutankhamon, assim como o
de dez outras múmias que se supõe serem membros de sua família imediata. No passado, fui
contra o estudo genético das múmias de faraós. A probabilidade de obter amostras viáveis e ao
mesmo tempo evitar a contaminação delas com DNA moderno era por demais insignificante para
justificar a manipulação desses restos mortais sagrados. Todavia, em 2008, vários geneticistas me
convence ram de que as técnicas haviam sido aperfeiçoadas de tal modo que havia boa chance de
conseguirmos resultados aproveitáveis. Assim, montamos dois laboratórios de sequenciamento
genético, um deles no porão do Museu Egípcio do Cairo e o outro na Faculdade de Medicina da
Universidade do Cairo.
A pesquisa seria conduzida por dois cientistas egípcios, Yehia Gad e Somaia Ismail, do Centro
Nacional de Pesquisa, também no Cairo. Decidimos ainda realizar tomografias computadorizadas
de todas as múmias, sob a direção de Ashraf Selim e Sahar Saleem, da Faculdade de Medicina da
Universidade do Cairo. Três especialistas internacionais trabalharam como consultores: Carsten
Pusch, da Universidade Eberhard Karls, de Tübingen, na Alemanha; Albert Zink, do Instituto Eurac,
em Bolzano, na Itália; e Paul Gostner, do Hospital Central de Bolzano.
As identidades de quatro das múmias eram conhecidas: a do próprio Tutankhamon, que permanecia
em seu túmulo no Vale dos Reis, e três múmias expostas no Museu Egípcio - a de Amenhotep III,
e as de Yuya e Tuyu, os pais de Tiye, a rainha de Amenhotep III. Entre as múmias não identificadas
havia um homem achado em um misterioso túmulo no Vale dos Reis identificado como KV55.
Os indícios arqueológicos e textuais sugeriam que se tratava provavelmente de Akhenaton ou de
Smenkhkare.
A busca pela mãe e pela esposa de Tutankhamon concentrou-se em quatro múmias do sexo
feminino não identificadas. Duas delas, apelidadas de “Dama Mais Idosa” e “Dama Mais Jovem”,
haviam sido descobertas em 1898, desenroladas e colocadas no piso de uma câmara lateral da
tumba de Amenhotep II (KV35), ocultas ali por sacerdotes após o fim do Novo Império, por volta de
1000 a.C. As outras duas múmias anônimas provinham de uma pequena tumba (KV21), também no
Vale dos Reis, cuja arquitetura indicava ter sido feita na 18a dinastia. Ambas estavam com o punho
esquerdo apoiado no peito, considerado um gesto próprio de rainhas.
Por fim, tentaríamos obter amostras de DNA dos fetos achados no túmulo de Tut - uma perspectiva
pouco promissora, dado o estado deteriorado em que estavam. Caso conseguíssemos algo,
teríamos as peças faltantes em um quebra-cabeça régio que abrange cinco gerações. A fim de obter
mostras utilizáveis, os geneticistas extraíram tecidos de diferentes partes de cada múmia, sempre
de um nível profundo nos ossos, de modo a excluir por completo a possibilidade de contaminação
pelo DNA de arqueólogos anteriores - ou mesmo dos sacerdotes egípcios que haviam feito a
mumificação. Depois de extraídas as amostras, era preciso separar o DNA de outras substâncias
indesejáveis, como unguentos e resinas, usadas na preservação do corpo. E, como o material de
embalsamamento mudava de uma múmia para a outra, variavam os passos necessários para a
purificação do DNA.
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História Antiga
No centro desse estudo estava Tutankhamon. Se o processo de extração e isolamento fosse bem-
sucedido, o DNA dele seria capturado sob a forma de uma solução líquida translúcida, pronta
para ser analisada. Para nossa decepção, contudo, as soluções iniciais eram todas de coloração
escura e opaca. Seis meses de trabalho duro foram necessários para descobrirmos uma forma de
eliminar o contaminante - algum produto ainda hoje desconhecido no processo de mumificação - e
conseguirmos uma amostra adequada para ser amplificada e sequenciada. [...]
Atividade de Pesquisa
Apesar de tudo que falamos e sugerimos como leitura, há muito ainda a ser visto.
Por isso, considero importante aprofundarmos algumas questões ou irmos em busca
de novas descobertas. Assim, sob a orientação do professor formador, pesquisem outros
aspectos não discutidos neste volume. Existem muitos sites interessantes para pesquisar,
tais como: National Geographic Brasil, Aventuras na História, entre outros.
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Referências Bibliográficas
Livros
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Sites
http://historia.abril.com.br
http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic
http://www.bibliaonline.com.br/
http://www.discoverybrasil.com
http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2003
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