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Problemas Metafísicos

Material Teórico
Problemas Metafísicos de ordem histórica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Valter Luiz Lara

Revisão Textual:
Profa. Ms. Fátima Furlan
Problemas Metafísicos de ordem histórica

• Introdução
• Noções De História
• Espaço, Tempo, Matéria E Movimento
• Indagações Metafísicas sobre a Intervenção Humana na HISTÓRIA
• Kant e as Antinomias da Razão
• Conclusão

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer teorias e concepções sobre história, o movimento, o tempo
e o espaço, determinismo histórico, destino e liberdade.
· Aprender a identificar noções e tendências na ciência histórica;
· Distinguir diferentes concepções de espaço, tempo, movimento e
matéria como pressupostos da história;
· Aprender a relacionar noções de história e as diferentes concepções
de acaso, destino e níveis distintos de intervenção humana na história;
· Compreender determinados limites e contradições da racionalidade hu-
mana, principalmente aqueles que Kant chamou de antinomias da razão.
· Refletir as críticas que se faz à metafísica a partir da filosofia de Kant.

ORIENTAÇÕES
Nesta Unidade, o pensamento crítico da Metafísica irá te conduzir ao mundo desses
conceitos cotidianos e que representam o modo como entendemos o tempo, o
movimento e nosso posicionamento no espaço. São todos pressupostos que variam
com a cultura e a evolução da ciência sobre a realidade.
Verifique com cuidado distinções importantes nos conceitos presentes na simples
palavra “história” e veja como não há nada que seja histórico que não possa ser
objeto de interpretação. Por mais que se aleguem fundamentos em fatos, informações
e fontes objetivas para o resgate da história, tudo o que é objeto da ciência histórica
é, na verdade, produto seletivo de interesses de quem pretende retomar os eventos
históricos exatamente porque os compreende como relevantes ao momento presente.
Alguns aspectos da cosmologia serão retomados para ampliar sua noção de espaço,
tempo, matéria e movimento. Tudo isso está implícito na percepção de história,
inclusive na produção de nossos calendários e cronologias.
E o mais interessante dessa Unidade... A parte final apresenta um panorama novo de
reflexão metafísica muito importante para compreensão do valor que muitos autores
dão ou deixam de dar a essa forma filosófica de conhecer e questionar a realidade que
é a metafísica. Kant é considerado o filósofo que deu fim à metafísica. Mas como você
verá não é bem assim... Mas isso vai exigir atenção redobrada em sua leitura e que
você também forme uma opinião crítica a esse respeito.
Bons estudos!
UNIDADE Problemas Metafísicos de ordem histórica

Contextualização
Antes de começar a estudar essa Unidade, pense um pouco no sentido que tem
para você o tradicional Mito grego de Sísifo. Esse personagem recebeu um castigo
terrível dos deuses: por ter sido muito esperto em suas habilidades humanas foi
punido com um castigo de duração eterna, veja só! Ele deveria empurrar uma
pedra para o topo de uma montanha e quando chegasse lá em cima, a pedra
descambaria para baixo e todo esforço deveria ser recomeçado na manhã seguinte.
Leia abaixo o resumo dessa história e o sentido que o filósofo Albert Camus deu a
ela no século XX.
Sísifo, então, recebeu uma punição exemplar: rolar diariamente uma
pedra montanha acima até o topo. Ao chegar ao topo, o peso e o
cansaço promovidos pela fadiga fariam a pedra rolar novamente até o
chão e no outro dia ele deveria começar tudo novamente e assim para
todo o sempre. Essa punição era um modo de envergonhar Sísifo por sua
esperteza e habilidade usadas para tramar contra os deuses.
No século XX, um autor do movimento conhecido como “existencialismo”,
Albert Camus, retomou o mito para explicar a condição humana e
promover o que ficou conhecido como “A revolta metafísica”. Explicava
Camus que a vida dos homens era tal como o mito de Sísifo: seguir uma
rotina diária, sem sentido próprio, determinada por instâncias como a
religião e o sistema capitalista de produção. No mundo administrado,
levantamos de manhã, trabalhamos, comemos, reproduzimos etc., e tudo
isso não faz o menor sentido, já que se refere a modos de pensar que se
impõem ao indivíduo sem que ele participe da estruturação desse modo
de vida, como se não tivéssemos escolhas.
[...] o mito serve para mostrar que seguindo as ideologias dominantes,
seremos punidos com a mesmice [...]. Fica o alerta para a compreensão
sobre a liberdade e a responsabilidade humana com relação à sua vida, ao
seu mundo e aos outros.
Fonte: Texto de João Francisco P. Cabral publicado no Site do Brasil Escola.
Disponível em: http://goo.gl/irmpZ
Acesso em 08/10/2015 às 11h08minh

Pense no caráter cíclico, rotineiro e completamente opressivo que são muitas de


nossas atividades e principalmente o trabalho que desenvolvemos nesse curto período
de história em que vivemos... Que liberdade temos de fato para transformar os
condicionamentos que recebemos como legado histórico? Existe um determinismo
ainda que parcial que parece nos condenar a algo como um destino? Não há saída
para o que já foi dado historicamente a não ser obedecer com resignação aos
ditames da realidade que nos obriga ao enquadramento das regras socioculturais
que já existiam antes de nascermos? Que sentido tem a história e qual é o nosso
papel dentro dela? A história se repete como no Mito de Sísifo? Discuta com seus
colegas usando as informações, experiências e memória histórica que você possui.

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Introdução
O que você entende por história? Já parou para pensar que história é uma
noção que pressupõe necessariamente a noção de tempo e por consequência a
noção de espaço? E além desses dois conceitos, história pressupõe igualmente
como sua condição a noção de movimento ou de mudança? Perceba isso aplicando
o conceito de história para compreender a sua vida.

Viu como não há como falar de sua história sem a noção de tempo? Quando
você nasceu, quantos anos você tem? Mas espera aí. O “quando” exige, pressupõe
e está ligado de certa forma ao “onde”, você não acha? Claro que “quando” e
“onde” são distintos, mas é possível pensar o “quando” sem sua localização no
“espaço”? Sim, é possível, mas apenas em tese e de forma demasiadamente
abstrata, pois qualquer que seja o momento preciso de sua história de vida que você
escolheu para descrever ou comentar, ele estará circunscrito a uma determinada
localização no espaço, lugar, posição geográfica, bairro, cidade, estado, país ou
região do planeta, talvez até fora do planeta como é o caso da história de vida de
um astronauta, por exemplo.

Pois é isso. Essa Unidade não é exatamente um estudo sobre história, mas como
o próprio título já o indica, trata-se de uma análise dos problemas metafísicos que
estão envolvidos no que nós entendemos por história. Os problemas metafísicos
de ordem histórica são aqueles que fundam e condicionam a realidade do ponto
de vista da história. Daremos importância e destaque ao caráter humano da noção
de história e os problemas que derivam dessa relação entre história, indivíduo e
sociedade, destino, acaso, autonomia, liberdade e determinismo do sujeito que
atua na história.

Iniciaremos com uma breve apresentação dos problemas implicados na


1) noção de história e logo em seguida trataremos dos temas que estão pressupostos
no conceito humano de história: 2) espaço, tempo, matéria e mudança como
realidades que condicionam nosso modo de ver, perceber e nos relacionar com
o mundo. Depois disso, passaremos a discutir os problemas que envolvem a 3)
atuação do ser humano na história e diferentes modos de interpretar temas
como determinismo, destino, acaso e liberdade humana diante da história. Ao
final, como contribuição crítica à metafísica dos problemas de ordem histórica,
apresentaremos 4) o pensamento de Kant a respeito de alguns desses temas
que ilustram bem as dificuldades e contradições da argumentação ao dedicar sua
atenção para refletir o que ele chamou de antinomias da razão.

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UNIDADE Problemas Metafísicos de ordem histórica

Noções de História
A ideia comum que temos de história evoca o que se passou em algum lugar no
passado. História nesse sentido é acontecimento pretérito, aquilo que já aconteceu.
Pode ser algo que é aconteceu recentemente ou fato mais antigo bem distante de
nosso tempo presente. É a história como evento ou acontecimento passado que
nos remete ao que se pode denominar de conhecimento ou investigação sobre
o passado. O primeiro conceito é realidade ocorrida, o segundo é estudo dessa
realidade. Ambos têm o mesmo nome, história. Portanto, no primeiro temos o
evento histórico, no segundo temos o que hoje se diz ciência histórica.

História como conhecimento relativo aos interesses do


historiador
Nessa primeira aproximação à noção de história há duas dimensões inseparáveis,
mas distintas. Durante muito tempo e ainda hoje há gente que pensa ser a ciência
histórica um conhecimento objetivo que diz a verdade absoluta sobre o que
aconteceu no passado. Essa ideia não é mais sustentável. Qualquer evento do
passado só pode ser recuperado como conhecimento na forma de representação,
isto é, como discurso que relata o que se passou.

A filosofia crítica e demais ciências da linguagem, da sociologia do conhecimento


e da história igualmente crítica já estabeleceu que o discurso sobre a realidade
histórica, por mais que pretenda neutralidade e persiga objetividade no
retrato da realidade, é sempre um ponto de vista entre tantos outros possíveis
sobre a realidade. Um exemplo disso é o conflito inclusive jurídico quando se trata
de publicar biografias de personagens vivas ou ainda que sejam de gente que já
morreu, mexem com interesses e interpretações conflitantes. Isso prova que não
há relato histórico fora de interesses bem concretos para o presente de quem
investiga o passado.

História como ciência


A história como ciência não existe fora do interesse de sujeitos que a partir
de seus presentes históricos se voltam para recuperar o passado. Por mais que
se demonstrem fundamentos científicos da ciência histórica em suas exigências
de prova material, documentos, depoimentos, memória testemunhal e tantos
outros recursos que se tem hoje em dia para guardar e registrar a lembrança dos
acontecimentos passados, o fato é que tudo isso não passa de fragmentos sobre o
passado histórico. Haverá sempre o que contar e recontar se uma nova ótica, um
novo enfoque, um novo elemento ou informação for descoberta e incorporada no
conjunto significativo do que se investiga do passado.

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Diversidade dos modelos científicos de História
Veja, por exemplo, voltando a sua própria história de vida, quanta coisa é
passível de interpretação e o quanto a interpretação condiciona a seleção e o modo
como se conta os eventos que marcaram a sua história. Sua história é única, mas o
relato histórico é diverso. Isso significa que a história como ciência é diversa em sua
metodologia de abordagem, em seus interesses e conclusões a respeito dos eventos
históricos. Por isso, uma das novidades da pesquisa histórica nas últimas décadas
é o interesse pela micro história. Trata-se da pequena história de personagens
anônimos, vencidos, esquecidos ou simplesmente negligenciados pelas narrativas
dos vencedores que marcam a memória da macro história da humanidade e das
sociedades em geral. A história dos grandes nomes, indivíduos, heróis e personagens
das estruturas dominantes de poder.

Para uma consulta breve e introdutória a respeito das perspectivas contemporâneas na área
Explor

da história sugiro a leitura do livro de Vavy Pacheco Borges (1981, p. 39-66).

Carlo Ginzburg é desses historiadores atuais que testemunham esse novo jeito
de fazer ciência histórica. A partir de fatos marginais, esquecidos ou negligenciados
pela memória dominante da história no presente de nosso tempo, Ginzburg
busca recuperar o outro lado da história, da pequena história que existiu e resistiu
desde um determinado ponto de vista à narrativa macro histórica dominante.
Assim ele reconstrói a história de Menocchio em seu livro O queijo e os vermes
(GINZBURG, 2006).

Menocchio é protagonista e objeto de investigação do livro de Ginzburg. Menocchio é o


Explor

apelido de Domenico Scandella. Foi condenado e assassinado pela Inquisição e viveu no


século XVI no território daquela que seria mais tarde parte da Itália unificada. Ganhava
a vida como moleiro, carpinteiro, marceneiro, pedreiro e alugava moinhos. Não fosse a
curiosidade de Ginzburg “Ao folhear um dos volumes manuscritos dos julgamentos de
sentença extremamente longa” da Inquisição (GINZBURG, 2006, p. 9), provavelmente não
saberíamos da existência de Menocchio que se manteria anônimo, homem que revela a
dimensão da micro história de muita gente que como ele viveu a macro história desde uma
perspectiva distinta e desconhecida pelos relatos que concebem a história apenas a partir
das estruturas macrossociais.

História então não é ciência isenta de ideologia e de interesses em conflito no


presente de quem investiga e narra os eventos históricos.

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História como relato mítico


Os primeiros relatos com pretensão de contar a história dos povos, das culturas e
sociedades humanas foram produzidos segundo a lógica da narrativa mitológica. Mito
é literalmente palavra grega que significa relato, narrativa. Homero e Hesíodo foram
os primeiros a registrar os mitos que os povos legaram como memória proveniente
de tradições orais milenares. Os eventos presentes na tradição dos relatos míticos es-
tão fundados nas origens que antecedem a própria história no tempo e se constituem
como relatos de ações dos deuses e heróis primitivos em tempos imemoriais.

Origens da história como ciência e seus critérios cronológicos


As origens da história como relato científico que busca não mais basear-se nas
ações dos deuses para explicar o presente é encontrada pela primeira vez em
Heródoto (484 – 425 aC). Considerado o pai da história, ele foi o primeiro a usar
a palavra “história” no sentido de investigação e pesquisa aplicada exclusivamente
às ações humanas. Veja como ele se apresenta e abre seu livro sobre a história das
guerras entre gregos e persas:
Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve em mira
evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem
com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gregos,
assim como as dos bárbaros, permanecessem ignoradas; desejava ainda,
sobretudo, expor os motivos que os levaram a fazer guerra uns aos outros
(HERÓDOTO, 2006).

A História no Ocidente é marcada pela cronologia da cristandade desde a ótica


dos interesses do mundo Europeu. Veja que a própria noção de história “antes e
depois” de Cristo traz a marca dos interesses do mundo cristão. Povos de cultura
judaica, islâmica e de outras matrizes culturais como chineses, hindus, budistas e
demais sociedades possuem outro calendário para evocar a história. Povos como
os Maias, Astecas e Incas também possuíam seus próprios critérios de percepção
da história. Os impérios antigos marcavam o tempo segundo o nascimento ou a
entronização ao poder de seu imperador.

O fato é que hoje a ciência como conhecimento que pretende ser linguagem
objetiva e universal, toma o calendário cristão do mundo ocidental e sem se referir
a Cristo o substitui com a expressão “Era Comum”. Ao invés de “antes” e “depois”
de Cristo, se escreve “antes” e “depois” da Era Comum.

Abaixo, transcrevemos o que a história científica, evidentemente essa que tem a


ótica dos interesses do mundo europeu ocidental, define como principais períodos
da história, adotando como critério em primeiro lugar a escrita como divisor de
águas para o que se convencionou chamar de pré-história e história. Pré-história
como o enorme período que antecede a invenção, uso da escrita e ascensão das
primeiras cidades e impérios; enquanto a história como tudo aquilo que ocorre
após esse momento.

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• Idade Antiga (Antiguidade): de 4.000 a.E.C. até 476 d.E.C. (data da queda
do Império Romano)
• Idade Média (História Medieval): de 476 d.E.C. a 1453 (data da conquista
de Constantinopla pelos turcos otomanos)
• Idade Moderna (Modernidade): de 1453 a 17 (data em que ocorreu a
Revolução Francesa)
• Idade Contemporânea: de 1789 até os dias atuais.

As diferentes formas de conceber história, seja como evento, seja como ciência,
apontam para uma necessária consciência crítica do caráter relativo de nossa fragmen-
tada e contextualizada noção de história. Mas isso não é tudo. Importa reconhecer as
pressupostas noções de tempo e espaço, movimento e seus correlatos conceitos de
ruptura e continuidade ao lidar com os temas da história. É o nosso próximo ponto.

Para completar essa visão crítica da ciência histórica e obter mais informações sobre
Explor

tendências contemporâneas da pesquisa histórica sugiro a leitura do artigo de Norberto Luiz


GUARINELLO (2004) publicado na Revista Brasileira de História.
Disponível on-line: http://goo.gl/aAnPPT
Acesso em 04/10/2015 às 16:08h.

Espaço, Tempo, Matéria e Movimento


Tratemos a partir de agora da história no sentido mais abrangente, isto é, do
modo mais metafísico possível, para além da história humana, da vida e do planeta:
a história do Universo. Vamos tomar como referência a hipótese mais aceita
sobre a origem do Universo que é a teoria do Big Bang, pois é a partir dela que o
problema do tempo, do espaço, do movimento e da matéria transparecem como
realidades que se auto implicam na constituição e origem de tudo o que existe.

Figura 1
Fonte: iStock/Getty Images

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UNIDADE Problemas Metafísicos de ordem histórica

Preste atenção nessa explicação simples sobre a hipótese do Big Bang:


Até o momento, a explicação mais aceita sobre a origem do universo entre
a comunidade cientifica é baseada na teoria da Grande Explosão, em inglês,
Big Bang. Ela apoia-se, em parte, na teoria da relatividade do físico Albert
Einstein (1879-1955) e nos estudos dos astrônomos Edwin Hubble (1889-
1953) e Milton Humason (1891-1972), os quais demonstraram que o uni-
verso não é estático e se encontra em constante expansão, ou seja, as galá-
xias estão se afastando umas das outras. Portanto, no passado elas deveriam
estar mais próximas que hoje, e, até mesmo, formando um único ponto.
A teoria do Big Bang foi anunciada em 1948 pelo cientista russo
naturalizado estadunidense, George Gamow (1904-1968) e o padre
e astrônomo belga Georges Lemaître (1894-1966). Segundo eles, o
universo teria surgido após uma grande explosão cósmica, entre 10 e 20
bilhões de anos atrás. O termo explosão refere-se a uma grande liberação
de energia, criando o espaço-tempo (FRANCISCO, 2015).

Você notou que os conceitos de tempo e espaço estão associados e


automaticamente inseridos na concepção de universo físico? Sendo assim, caberia
uma pergunta: se o universo tem uma origem no Big Bang, nessa grande explosão
inicial, antes dela o que existiu ou ainda existe (se é que existiu alguma coisa) só
pode ser objeto de investigação metafísica e de hipóteses que encontramos de
modo abundante nos mitos e narrativas religiosas. Em ciência, seria impossível
afirmar qualquer coisa fora da noção de tempo e de espaço. Veja o que diz o
cientista brasileiro, doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier (França) e
pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária):
O que havia antes dela? O que havia antes do Big Bang? Que eventos
ocorreram antes desse evento? Não há uma resposta científica a isso. Nem
há muito sentido físico nessas perguntas. Antes do Big Bang não existia
tempo, nem espaço-tempo. Não havia física e apenas talvez algo que
poderia ser chamado de metafísica ou protofísica. Neste sentido, afirmar
que o Universo nasceu do Big Bang é afirmar a ignorância da ciência
sobre sua origem, já que esta escapa da descrição física. As teorias físicas
e astronômicas atuais não dão conta de uma compreensão da natureza do
espaço/tempo/matéria (Universo aberto ou fechado?) e são impotentes
para formalizar a construção de outros universos, em que alguns se
aventuram. [...]O Big Bang não criou o Universo. Como poderíamos
explicar o que tempo 0, numa minúscula unidade, de densidade, de
temperatura e impulsos inimagináveis, estivesse contido todo o potencial
de um Universo com seus mais de 100 bilhões de galáxias? É muita “fé”
depositada pela razão humana nesse modelo cosmológico. Em termos
de coisas “inacreditáveis” nada talvez na teologia ou na metafísica se
aproxime do Big Bang (MIRANDA, 2010, p. 60 e 69).

Considere meu caro aluno, que as palavras citadas são afirmação de cientista
conceituado com publicações na Revista Científica Internacional National
Geographic e assessor da UNESCO para as questões ambientais. Elas constituem
um exemplo de outras inúmeras divergências com relação à hipótese do Big Bang.

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Entretanto, o nosso propósito não é defender ou atacar esse ou outro modelo
cosmológico para a origem do Universo. Importa verificar que os modelos
cosmológicos são construídos com base no que se entende por tempo, espaço,
movimento e matéria. Quanto mais avançamos na compreensão desses conceitos,
mais hipóteses aparecem para explicar o universo. Se aceitamos o modelo do Big
Bang é possível falar de uma cronologia em que aparecem as diferentes etapas
da história de expansão do Universo desde sua origem. Veja abaixo a imagem
disponibilizada pela NASA para mostrar a idade que tem o Universo.

Figura 2
Fonte: NASA/WMAP Science Team

Segundo essa cronologia, destacamos na tabela abaixo algumas dessas idades


cósmicas até o aparecimento da humanidade na Terra (MIRANDA, 2010, p. 60-67):
• Universo: 13,7 bilhões de anos
• Sol: 4,57 bilhões de anos
• Terra: 4,5 a 4,6 bilhões de anos
• Vida: 1,5 bilhões de anos
• Primeiros Hominídeos: 2,4 a 1,5 milhões de anos
• Homo Sapiens: 200 a 150 mil anos

Contudo, as noções de tempo e de espaço permanecem como desafio para


nossa capacidade de pensar o mundo. A seguir verificaremos algumas concepções
distintas tanto de espaço quanto de tempo que ao longo da história foram ganhando
força na mente humana.

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Concepções de Espaço
Para começo de conversa, é preciso admitir que prioridade aqui não é a ótica da
geografia humana que entende espaço como ambiente físico e natural a partir do
qual o ser humano se relaciona com o planeta e o concebe como território, região,
relevo, ecossistema, incluindo as dimensões de clima, temperatura, vegetação
e outras características típicas e relevantes da observação humana ao ocupar
o espaço a sua volta. Interessa-nos a noção de espaço como fenômeno físico,
material, abrangente que pode referir-se a qualquer lugar no universo e que contém
a princípio qualquer coisa ou objeto material que se possa pensar.

Nesse sentido, podemos afirmar que a noção mais exata de espaço que temos
nasceu com a geometria de Euclides de Alexandria (Cerca de 300 aC) que postulou
a ideia dos espaço tridimensional para os objetos sólidos (altura, comprimento e
largura) e bidimensional (comprimento e largura) para os objetos planos. Com
Descartes (1596-1650), o espaço tridimensional ganha uma fundamentação
matemática precisa inaugurando assim o que se convencionou chamar de
geometria analítica. A ideia de um espaço quadridimensional, embora já existisse
anteriormente, só se tornou aceita com as demonstrações lógicas da matemática
de Bernhard Riemann (1826-1866) e da física de Einstein (1879-1955).

A quarta dimensão do espaço, embora tenha sido especulada como hipótese por outros
Explor

pensadores e cientistas, ela só consegue ser demonstrada a partir da teoria da relatividade


que teve de tratar espaço e tempo numa só representação espaço-temporal o que implicou
na consideração do tempo como a quarta dimensão do espaço, além é claro das três já
conhecidas pela geometria euclidiana: comprimento, largura e altura.

A ideia do espaço como grande continente, o maior de todos a abrigar todos os


objetos existentes prevaleceu até o advento da teoria da relatividade de Einstein.
A física clássica de Newton (1642-1727) tornou célebre o conceito de espaço
absoluto que envolve todos os corpos e todo o vazio que pode haver entre os
objetos no Universo. Esse conceito era condição para a mecânica newtoniana, uma
vez que os corpos e a relação entre eles dependiam de uma espécie de continente
infinito, imutável que pudesse garantir o movimento dos objetos e a própria noção
de objeto como possibilidade.

Porém, as experiências de Maxwell em campos eletromagnéticos não validavam


as teorias de Newton. A partir de inadequações como essa, o conceito de espaço de
Newton começou a ser questionado. Mas é com Einstein e sua teoria da relatividade
que a o conceito de espaço absoluto cai por terra e a noção de espaço relativo
associado ao tempo toma o seu lugar.

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Concepção de espaço e tempo associados, relativos um ao outro.
A teoria da relatividade revolucionou o modo como até então se pensava o
espaço e o tempo. Além de deixarem de ser conceitos separados, o caráter objetivo
de coisas em si mesmas como são concebidos os objetos, eles não podem mais
serem considerados sem o referencial do sujeito em movimento segundo a variável
da velocidade e aceleração ou repouso desse sujeito de referência.

Transcrevemos do site “Mundo Estranho”, uma explicação bem simples e didática


dessa noção de Einstein, mas muito adequada aos que não são iniciados em física
teórica, pois não tem a preocupação com a precisão técnica dos conceitos:
Em 1905, o genial físico alemão Albert Einstein afirmou que tempo
e espaço são relativos e estão profundamente entrelaçados. Parece
complicado? Bem, a idéia é sofisticada, mas, ao contrário do que se pensa,
a relatividade não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. A principal sacada é
enxergar o tempo como uma espécie de lugar onde a gente caminha.
Mesmo que agora você esteja parado [...] você está se movendo - pelo
menos, na dimensão do tempo. Afinal, os segundos estão passando, e
isso significa que você se desloca pelo tempo como se estivesse em um
trem que corre para o futuro em um ritmo constante. Até aí, nenhuma
novidade bombástica. Mas Einstein também descobriu algo surreal ao
constatar que esse “trem do tempo” pode ser acelerado ou freado. Ou
seja, o tempo pode passar mais rápido para uns e mais devagar para
outros. Quando um corpo está em movimento, o tempo passa mais
lentamente para ele.
Se você estiver andando, por exemplo, as horas vão ser mais vagarosas
para você do que para alguém que esteja parado. Mas, como as
velocidades que vivenciamos no dia-a-dia são muito pequenas, a diferença
na passagem do tempo é ínfima. Entretanto, se fosse possível passar um
ano dentro de uma espaçonave que se desloca a 1,07 bilhão de km/h e
depois retornar para a Terra, as pessoas que ficaram por aqui estariam dez
anos mais velhas! Como elas estavam praticamente paradas em relação
ao movimento da nave, o tempo passou dez vezes mais rápido para elas -
mas isso do seu ponto de vista. Para os outros terráqueos, foi você quem
teve a experiência de sentir o tempo passar mais devagar. Dessa forma, o
tempo deixa de ser um valor universal e passa a ser relativo ao ponto de
vista de cada um - daí vem o nome “Relatividade”.

Disponível em: http://goo.gl/LQFhX


Explor

Acesso em 04/10/2015 às 02:05h

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Viu como o conceito de relatividade é bem adequado não só a essa teoria, mas
ao modo como estão definitivamente “relacionados”, tempo, espaço, matéria e
movimento? Pois não é isso mesmo o que determina em última instância a hora
do nosso relógio, os dias, semanas, meses e anos? Não é o movimento da Terra
em torno do sol (calendário solar), e da lua em torno da terra (calendário lunar)
segundo o lugar (fuso horário), isto é, o ponto de nossa localização nesse planeta
em que vivemos? Pois sim, é isso mesmo, é o movimento nesse espaço em que
habitamos que determina a noção de tempo que possuímos.

Volte agora para a noção inicial de história que propusemos na introdução e


veja como realmente faz sentido a relação entre espaço e tempo. Embora seja
possível pensar o espaço separado do tempo e este separado do espaço, quando
especificamos um e outro não há como não associar uma coisa que no tempo
esteja no espaço e essa coisa no espaço que não esteja em determinado momento
temporal na observação de algum sujeito. Tome novamente sua história como
exemplo e você verá como isso é verdadeiro. Pense algum momento específico
de sua história e veja se você é capaz de dissociá-lo de algum lugar concreto no
espaço? Por outro lado, tente pensar um lugar e veja se você consegue vislumbrá-lo
como imagem fora do tempo?

Matéria e movimento
Na teoria clássica da física newtoniana, a força de atração entre os corpos
considerava apenas a relação entre matéria e espaço, isto é, entre a massa e a
distância entre eles. A novidade da teoria da relatividade é que além da massa dos
corpos outras variáveis entram em jogo para compreender o Universo. Espaço,
tempo e o movimento dos corpos em sua situação de aceleração da velocidade estão
mutuamente implicados. A equação “E = mc2” (energia = massa x a velocidade da
luz ao quadrado) de Einstein é a demonstração de que matéria e energia estão mais
interligadas do que pensávamos. A velocidade altera a matéria. Espaço, tempo
e matéria são fenômenos relativos e passíveis de alteração segundo recebam o
influxo do movimento.

De volta à história: agora como movimento e transformação


As descobertas da ciência condicionaram a visão que temos não só do Universo,
mas da concepção que temos de todas as coisas. Não há dúvida que a relatividade
não está presente apenas na física. A história contemporânea assumiu essa noção
da variação na abordagem dos acontecimentos, inclusive na intervenção dos sujeitos
no campo da história. O movimento entendido como alteração ou transformação
histórica das condições legadas pela tradição tem sido cada vez mais assumido
pelas diferentes teorias em história.

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Através do materialismo histórico e dialético, a filosofia de Marx elaborou, antes
mesmo do anúncio da teoria da relatividade, ainda no século XIX, uma noção de
história como desenvolvimento de forças sociais disputando o controle da produção
e reprodução material da vida.

O materialismo histórico é a concepção segundo a qual a história é produto da


evolução material dos processos de transformação tecnológica que o ser humano
atinge ao confrontar-se com suas necessidades básicas e materiais de produção e
reprodução da vida. Marx escreveu em parceria com Engels as seguintes palavras
sobre esse conceito:
O primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a
existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar
é, pois a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua
relação dada com o resto da natureza. [...] O modo pelo qual os homens
produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos
meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir. [...] Tal como os
indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide,
portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o
modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende
das condições materiais de sua produção [O grifo é nosso] (MARX e
ENGELS, 1993, p. 27-28).

O materialismo dialético é teoria que entende a história como movimento


dialético, isto é, como resultado do desenvolvimento contraditório dos fenômenos
sociais em permanente conflito e disputa pela hegemonia do controle dos processos
produtivos. As transformações históricas não são consequência natural do
desenvolvimento harmonioso da sociedade, mas produto dos conflitos de interesse
dos diferentes grupos e classes disputando espaços de poder no cenário social.

As noções de matéria, espaço, tempo e movimento alteraram, a partir da física


e astronomia não só a visão que temos do Universo, mas de modo particular a
visão que a modernidade e a contemporaneidade foram construindo de história.
As noções de história cosmológica e história humana em particular estão de certa
forma produzindo alterações na concepção que ambas tem de si mesma. Afinal,
não é possível pensar o ser humano como centro do Universo, mas por outro lado,
não se pode negar que somos produto singular e inteligente desse mesmo Universo
em estado de movimento constante.

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UNIDADE Problemas Metafísicos de ordem histórica

Indagações Metafísicas sobre a Intervenção


Humana na História
Quem são os protagonistas da história?
Até que ponto pode-se atribuir o resultado da história humana à vontade de
seus sujeitos? Quem são os protagonistas da história? Indivíduos ou coletividades?
Pessoas com carisma de liderança ou sujeitos coletivos que desenvolvem, criam,
levam e sustentam no poder os seus próprios líderes? São as classes sociais
dominantes e grupos tradicionais ou apenas aqueles que por algum acaso ou quem
sabe privilégio, chegaram à condição de poder e domínio sobre os demais?

O desenvolvimento das forças produtivas, do avanço tecnológico e seu respectivo


controle por determinados setores e grupos humanos é o que de fato determina
a evolução histórica? Uma tribo indígena que não desenvolveu tecnologia de
informação digital não evoluiu historicamente?

Que papel tem o imponderável no processo histórico tanto da sociedade humana,


quanto no desenvolvimento da história de cada indivíduo? E as escolhas de cada
indivíduo, que papel e relação elas têm no conjunto da realidade considerada na
equação complexa das escolhas coletivas?

Liberdade ou condicionamento?
A liberdade no caminho de nossa história é uma realidade ou apenas uma ilusão,
pois de fato somos condenados ao condicionamento do legado cultural que já
determinou os limites e o alcance de nossas escolhas? Até que ponto se pode
romper com os condicionamentos de nosso tempo e da sociedade na qual vivemos?

O que de fato é ser livre se o condicionamento não só de nossas ações, mas dos
costumes, visões de mundo e até mesmo de nossos desejos são, pelo menos em
parte, determinados e enquadrados pelos padrões socioculturais?

Liberdade, determinismo ou destino?


Se voltarmos a relacionar história humana ao problema metafísico cosmológico
que esteve e continua presente nos relatos míticos e com certeza, nas mais diferentes
formas de fé religiosa, sempre haverá espaço para alguma noção de destino e
determinismo histórico.

A ideia de que somos destinados a isso ou aquilo nunca foi extirpada da mente
humana. Haverá um fio condutor guiado por alguma entidade (Deus, deuses,
orixás, espíritos ou outras forças) que está além de nossa capacidade de controle

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e opera os caminhos de nossa efêmera existência histórica? Somos resultado do
que de fato escolhemos por nossa autonomia e liberdade ou tudo isso não passa de
um palco em que somos mais marionetes de uma trama previamente definida por
algum sujeito divino onisciente que está além e fora do tempo?

Se forças do além que transcendem o nosso calendário histórico e espaço


terrestre de fato existem, que poder elas têm de influenciar e alterar nossa história?
Você pode achar que isso é uma questão exclusivamente religiosa. Sim é verdade.
Mas é também filosófica. Eu posso refletir e tentar buscar uma resposta para essa
questão. Toda religião tem como pano de fundo uma doutrina de caráter metafísico.
O que a caracteriza, porém, diferente da metafísica como disciplina filosófica que
exige a lógica do argumento racional, é a lógica da fé, que se define por uma
adesão incondicional e gratuita às suas verdades.

Cabe ainda perguntar se a velha astrologia de fato não tem algum sentido. Se
considerarmos o número de periódicos, jornais e pessoas que acompanham os
prognósticos do horóscopo através de leituras e interpretação do mapa astral em
sua rotina de vida evidentemente que a resposta é sim. Mas se, de fato, somos
feito do mesmo material de que são feitas as estrelas, por que não relacionar o
comportamento dos astros ao comportamento humano e da vida em geral? Talvez
a relação não seja tão específica e direta quanto parece estabelecer os prognósticos
diários dos astrólogos, mas a negativa não esgota as inquietações sobre o alcance
das influências que o mundo astral possa ter na psique humana e mais precisamente
em nosso humor. Note você, por exemplo, como a alteração do clima, que não
deixa de ser consequência do movimento dos astros, altera sobremaneira o estado
de humor e a disposição de muita gente.

Todas essas questões permanecem abertas e por isso mesmo constituem


parte do grande repertório dos problemas metafísicos de ordem especificamente
histórica. Vamos agora para a última parte dessa unidade, visitando o pensamento
de Kant que tão bem soube demonstrar as contradições da razão que se contradiz
ao tratar seus argumentos como verdades absolutas quando seu objeto é a
indagação metafísica.

Kant e as Antinomias da Razão


Immanuel Kant (1724-1804) é o primeiro grande filósofo a questionar a
possibilidade da Metafísica como conhecimento. Entenda primeiramente que para
Kant a possibilidade do conhecimento se dá apenas dentro do paradigma da ciência
experimental que em seu tempo tem um grande desenvolvimento e sucesso com a
física newtoniana. Espaço e tempo são condições que limitam a possibilidade do
conhecimento, entenda, ciência, segundo o paradigma da experiência sensível,
porque tanto um quanto o outro são intuições puras da sensibilidade.

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UNIDADE Problemas Metafísicos de ordem histórica

A obra em que Kant propõe as antinomias da razão é a sua clássica e conhecida Crítica da
Explor

Razão Pura (KANT, 2005).

O que isso significa? Significa que para Kant todo conhecimento dos objetos de
nossa indagação precisam estar condicionados aos limites das noções de espaço e
tempo se quiserem ser validados como conhecimento. Como espaço e tempo para
Kant, diferente da concepção newtoniana, não são realidades em si mesmas, mas
modos humanos de intuir, isto é, de perceber sensivelmente as coisas, isso significa
que só coisas que supostamente cabem nesse limite da percepção espaço-temporal
são passíveis da verificação e conhecimento.

A consequência imediata surpreendente desse pressuposto kantiano é que a


metafísica fica inviabilizada como conhecimento, uma vez que ultrapassa os limites
da sensibilidade, a saber, das intuições de espaço e tempo. Os exemplos clássicos
dados por Kant são os três objetos mais tradicionais da metafísica: o Universo, a
alma e Deus. Os três transcendem, isto é, ultrapassam o que pode ser verificado
através das intuições sensíveis espaço-temporais. Por isso, podem ser objetos de
especulação metafísica como sempre foram, mas não como objeto de conhecimento
segundo as exigências kantianas. Para alguns filósofos, dessa forma Kant decretou
o fim da metafísica.

As antinomias da razão são, portanto, aquelas teses que admitem do próprio


ponto de vista da razão a possibilidade de sua antítese, isto é, do argumento
contraditório, sem haver como provar qual deles é verdadeiro. Por isso é que a
metafísica fica inviabilizada como conhecimento, pois sobre o mesmo objeto se pode
argumentar e atribuir juízos contraditórios sem a possibilidade de demonstração
definitiva sobre qual deles é correto. Em seguida, na forma de síntese, citamos as
quatro antinomias relacionadas ao Universo.
A primeira antinomia é aquela em que se contrapõe a tese e antítese
seguinte: Tese: o universo tem um princípio no tempo e limites
no espaço. Antítese: o universo é infinito no tempo e no espaço. A
segunda antinomia refere-se [...] à estrutura do universo no espaço. A
tese diz: tudo quanto existe no universo está composto de elementos
simples, indivisíveis. A antítese diz: aquilo que existe no universo não
está composto de elementos simples, mas de elementos infinitamente
divisíveis. Terceira antinomia. Nela diz Kant: o universo deve ter tido
uma causa que não seja por sua vez causada. A antítese diz: o universo
não pode ter uma causa que por sua vez não seja causada. A quarta
e última antinomia é uma variedade da terceira. Na quarta Kant diz na
tese: nem no universo nem fora dele pode haver um ser necessário; e
na antítese diz: no universo ou fora dele há de haver um ser que seja
necessário. Como se vê, é uma simples variante da anterior [O grifo é
nosso] (MORENTE, 2006).

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As antinomias acerca da alma e de Deus seguem raciocínio semelhante
daquele aplicado ao Universo, seguindo a ideia de que da mesma forma como
há argumentos para defender a existência de Deus e da alma, há também para
negar a existência de ambas.

Conclusão
E assim chegamos ao final dessa unidade sobre os problemas metafísicos
de ordem histórica. Esperamos ter apresentado um panorama de questões que
envolvem o que normalmente se entende por história de um modo mais abran-
gente e crítico.

O objetivo perseguido nesta unidade foi relacionar o conceito complexo de


história às questões de ordem cosmológica como o espaço, tempo, matéria e
movimento. Todas elas estão pressupostas no conceito de história, cronologia
e calendário e são frequentemente admitidas como se fossem óbvias, naturais
e absolutas, quando na verdade dependem da formas variadas de modelos
de interpretação metafísica sobre o Universo que acompanham o avanço do
conhecimento humano, seja através da fé religiosa, da filosofia ou da ciência.

A história é conhecimento dos fenômenos históricos. Os acontecimentos


históricos enquanto fenômenos objetivos da realidade independem da representação
que se possa fazer deles e existem a despeito do nosso conhecimento. O fato é que
tudo o que se refere à história continuará a ser objeto de inquietações humanas,
sobretudo quando se sabe que o passado não mais existe, a não ser como memória,
representação, registro e narrativa do presente histórico.

As afirmações kantianas revolucionaram a metafísica questionando sua validade


como conhecimento, mas é importante que se entenda mais uma vez, a objeção
de Kant não elimina a tendência humana para levantar as questões metafísicas.
Ainda que aceitemos o argumento das antinomias da razão como fundamento
que dá fim à metafísica, Kant o faz apenas no horizonte daqueles que pretendem
transformar a metafísica em conhecimento científico de verdades absolutas sobre
as coisas. O que Kant decretou com as antinomias da razão, na verdade não é o
fim da metafísica, mas o fim do dogmatismo ingênuo que pretende raciocinar e
concluir os objetos da metafísica como verdades absolutas e únicas. Pense nisso e
continue a desenvolver um pensamento filosófico metafísico cada vez mais crítico,
menos dogmático e mais aberto a novas descobertas.

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UNIDADE Problemas Metafísicos de ordem histórica

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Revista Brasileira de História
Indico a leitura completa do artigo de Norberto Luiz GUARINELLO sobre história.
Trata-se de um texto que ilustra e completa várias das noções que desenvolvemos
sobre história científica e suas tendências atuais.
GUARINELLO Norberto Luiz. “História científica, história contemporânea e história
cotidiana”. In: (Versão On-line), Vol. 24, nº 48. São Paulo: 2004.
Disponível em: http://goo.gl/aAnPPT
Acesso em 04/10/2015 às 16h08minh.

Vídeos
Lenine - Paciência - Legendado
Ouça com atenção a música “Paciência” de Lenine. Reflita a letra sob a ótica do que
você aprendeu nessa Unidade. Observe como a poesia propõe uma noção irônica de
paciência questionando a ordem vigente da pressa e correria de nosso tempo. Observe
como o tempo condiciona o jeito de nos conduzirmos no espaço sociocultural afetando
nossa postura diante da vida e de tantas outras coisas que nos fazem sucumbir aos valores
impressos nessa dinâmica desse “[...] mundo (que) vai girando cada vez mais veloz”.
A música pode ser ouvida no link: https://www.youtube.com/watch?v=oyv0HuhviNk
A Máquina do Tempo
Há vários filmes de ficção científica sobre viagens no tempo. Indico A Máquina
do Tempo, ficção científica norte-americano de 2002, dirigido por Simon Wells e
produzido por Arnold Leibovit. O longa-metragem é baseado no romance homônimo
de H. G. Wells, de 1895; e uma nova versão do primeiro filme de 1960 com o mesmo
nome, de David Duncan. O filme de 2002 se passa em Nova Iorque em vez de Londres,
e possui muitos outros elementos não presentes na história original, incluindo um
romance vivido pelo personagem principal e a criação de vários personagens extras,
como o holograma inteligente interpretado por Orlando Jones e o líder dos Morlocks,
interpretado por Jeremy Irons.
Assista-o completo no link: https://www.youtube.com/watch?v=835gRrXptkU
[RESENHA] A Máquina do Tempo - H. G. Wells (Livro + Filmes) Ficção Científica sobre viagem no tempo
Veja também uma resenha oral sobre o livro A Máquina do Tempo de H. G. Wells que
deu nome ao filme no Youtube.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y7iKoR0-E6c
Aggeu - Máquina do Tempo
É uma belíssima canção para viajar no tempo de maneira nostálgica e refletir sobre o seu
passado como realidade ausente e paradoxalmente presente de alguma forma no que
somos atualmente. Flávio Venturini também a gravou. Divirta-se aprendendo...
E por fim, curta a música Máquina do Tempo de Aggeu Marques.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9Cl-PXfApvk

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Referências
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. 84p.

FRANCISCO, Wagner De Cerqueria E. “Big Bang - A Teoria do Big Bang”. Brasil


Escola. Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/big-bang.htm

Acesso em 03 de outubro de 2015 às 22h15minh.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as ideias de um moleiro


perseguido pela Inquisição. Tradução de Maria Betânia Amoroso. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. 255p.

GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de Criação ao Big Bang.


São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 434p.

GUARINELLO, Norberto Luiz. “História científica, história contemporânea e


história cotidiana”. In: Revista Brasileira de História (Versão On-line), Vol. 24, nº
48. São Paulo: 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-01882004000200002 Acesso em 04/10/2015 às 16h08minh.

GUSDORF, Georges. Tratado de Metafísica. Tradução de Antonio Pinto de


Carvalho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960. 557p.

HERÓDOTO. História. Traduzido do grego por Pierre Henri Larcher (1726–


1812). Fontes digitais desta edição Digitalizada do livro em papel. Volumes XXIII e
XXIV. Rio de Janeiro: W. M. Jackson Inc., 1950. Versão para o português de J. Brito
Broca. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.
html. Acesso em 03/10/2015 às 18h09minh.

KANT, Immanuel. Critica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur
Moosburger. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural. 2005.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). 9.ed. São


Paulo: Hucitec, 1993.

MIRANDA, Evaristo Eduardo de. O íntimo e o infinito. O Universo das ciências e


o Cosmos das religiões. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 207p.

MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia. Lições Preliminares.


8.ed. São Paulo: Mestre Jou, 2006. (Versão On-line) Disponível em: http://www.
consciencia.org/fundamentosfilosofiamorente18.shtml Acesso em 04/10/2015
às 20h31minh.

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