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História do Brasil
Volume 1
Recife, 2013
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Reitora: Maria José de Sena
Vice-Reitor: Marcelo Brito Carneiro Leão
Pró-Reitor de Administração: Gabriel Rivas de Melo
Pró-Reitor de Atividades de Extensão: Delson Laranjeira
Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Mônica Maria Lins Santiago
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: José Carlos Batista Dubeux Júnior
Pró-Reitor de Planejamento: Romildo Morant de Holanda
Pró-Reitor de Gestão Estudantil: Severino Mendes de Azevedo Júnior
Apresentação..................................................................................................................... 5
“A Europa e o novo mundo: a construção de um espaço chamado Brasil”............... 7
Cultura e sociedade na Colônia: relações familiares e vida privada......................... 35
A colônia portuguesa: relações de poder e tramas religiosas................................... 49
1808: uma corte no Brasil............................................................................................... 63
Ruas, gente, burburinho, teatralidade: as metamorfoses culturais........................... 67
Conheça o Autor.............................................................................................................. 82
Apresentação
Este volume poderia ter vários começos. Poderíamos ter narrado o Brasil antes
de Cabral, o Brasil colonial a partir de seus aspectos econômicos ou outros Brasis
possíveis. Mas, como tivemos que decidir de qual Brasil falar, montamos um volume
com três capítulos que narram episódios do Brasil colonial. Sinceramente, foi difícil
escolher o que entraria nestes capítulos, pois tudo desse período nos chama a atenção.
É fascinante olhar para a América Portuguesa – designação atribuída ao Brasil Colonial
– em suas múltiplas pluralidades, em sua multiplicidade de culturas, línguas, povos
e nações reunidos em só um lugar. Um lugar chamado Brasil, mas que poderia ter
outro nome ainda hoje: Terra dos Papagaios, Terra de Santa Cruz, Ilha de Vera Cruz,
enfim, o nome é apenas um rótulo, mas as vivências nesta terra no período colonial
despertaram o nosso olhar de historiador.
Por isso convido você, aluno(a) EAD, para um passeio de volta ao passado. Ao nosso
primeiro lugar de confrontos entre esta terra e os seus colonizadores. Para isso,
agrupamos nossa discussão em três capítulos. O primeiro, intitulado “a Europa e o
novo mundo: a construção de um espaço chamado Brasil” onde procuramos apresentar
uma leitura sobre os encontros e as identidades elaboradas entre o cá e o lá, ou seja,
confronto cultural entre nativos e portugueses no século XVI. Para isso, analisaremos a
construção narrativa de um espaço chamado Brasil, com suas cores sociais e culturais,
abordando as imagens que foram elaboradas para os nativos brasileiros pela literatura
europeia. Para mim, como escritor do mesmo, foi bastante significativo estudar os
primeiros contatos entre europeus e indígenas brasileiros no início do século XVI,
narrando o estranhamento e os confrontos culturais entre pessoas de cores, religião,
cultura e línguas diferentes. Nesse capítulo, analisamos a construção narrativa de um
espaço chamado Brasil pelos escritores europeus que, em crônicas, cartas e imagens
representaram esta terra como exótica e atrasada sob o ponto de vista cultural, político
e religioso, fixando, assim, a imagem de uma terra que precisava de fé, de lei e de rei.
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divinos, fruto das sociabilidades religiosas e dos discursos inquisitoriais e apocalípticos
que circulavam naquele período. Diante disso, achamos salutar a discussão acerca
da compreensão das redes religiosas que faziam parte do cotidiano da sociedade
colonial para situar você, caro estudante, sobre as práticas religiosas que os homens e
mulheres desenvolviam na Colônia.
Finalizando nosso volume, o terceiro capítulo situou o leitor num momento muito
especial para o Brasil: 1808 e a chegada da família real portuguesa, sob comando
de D. Maria I e de D. João VI. Denominado “1808: uma corte no Brasil”, o terceiro
capítulo versa sobre esse período brasileiro que passou a ser denominado, mais tarde,
de “Reino Unido de Portugal e Algarves”. Particularmente importante foi a investigação
das práticas culturais que foram estabelecidas no Rio de Janeiro de 1808 a 1822,
com a ampliação dos espaços de lazer e de atração de olhos, de corpos e de vidas.
Finalizando o capítulo, fizemos rapidamente um estudo sobre as transformações sócio-
culturais ocorridas no Brasil com a vinda da Família Real.
Seja bem vindo à América Portuguesa, a essa colônia de leitura e a esse reino de
encanto de palavras, de gestos e de posturas tão incomuns a nós, habitantes do século
XXI.
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Capítulo 1
“A Europa e o novo
mundo: a construção
de um espaço chamado
Brasil”
Objetivos
●● Estudar o confronto cultural entre portugueses e indígenas no século XVI;
●● Abordar as imagens que foram elaboradas para os nativos brasileiros pela literatura
europeia.
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O Brasil não é para principiantes. Como historiador e professor de
História, eu já ouvi esta frase muitas vezes. Afinal, está em jogo a
interpretação de um país imenso, onde reina a diversidade da cultura,
e cuja formação sócio-histórica teimou em vincular-se ao encontro
constante entre povos de culturas diferentes. Sendo assim, nossa
viagem pela história do Brasil parte de um lugar-social que reconhece
esta complexidade, mas que tenta retirar dela frutos os mais
saborosos possíveis.
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por Geraldo Pieroni no livro “Os Excluídos do Reino”. Dentre os
degredados, encontravam-se os cristãos novos, perseguidos pela
política inquisitorial tanto da Espanha quanto de Portugal, conforme
estudaremos em capítulos posteriores. Homens que tiveram que
abandonar a família para não serem mortos nas fogueiras da
Inquisição. Quem sabe, o temor e os perigos da viagem não poderiam
ser recompensados com a prosperidade comercial indiana?
Minibiografia
D. Manuel: o político dos descobrimentos
D. Manuel I foi o décimo quarto rei de Portugal, nono filho do infante D. Fernando e de
D. Brites. Filho adotivo do príncipe D. João II, a quem votava afeição filial. Realizou três
casamentos, o primeiro em 1497 com D. Isabel (viúva de D. Afonso), o segundo em 1500
com a infanta D. Maria de Castela e o terceiro em 1518, com D. Leonor, irmã de Carlos V.
1) O poder político que viera parar às suas mãos era forte, centralizado e o seu
governo tendeu abertamente para o absolutismo. Nas cortes de Montemor-o-Novo,
toma medidas no sentido da centralização mais profunda da administração pública:
mandou confirmar os privilégios, liberdades e cartas de mercê, pelos principais
letrados do reino que elegeu. Reformou os tribunais superiores e agiu com uma
política de tolerância em relação aos nobres emigrados por razões políticas e a
judeus castelhanos que D. João II reduzira à escravatura. Pelo decreto de 1496
obriga todos os judeus que não quisessem se batizar no catolicismo a abandonar o
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país no prazo de dez meses, sob pena de confisco e morte. Muitos destes judeus
que recusaram o batismo, vieram para o Brasil. O objetivo era agradar aos Reis
Católicos e ao mesmo tempo, evitar que os judeus continuassem a ser um todo
independente dentro do reino. Pelas Ordenações Afonsinas, deixa de reconhecer
individualidade jurídica aos Judeus. D. Manuel inaugura o Estado burocrático e
mercantilista.
Fonte:
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O “descobrimento do Brasil” sempre foi um tema bastante
controvertido. Aqui, gostaria de refletir sobre ele a partir de três
aspectos. O primeiro deles está relacionado com a pergunta que
nunca quer calar: Cabral foi mesmo o primeiro a chegar ao Brasil?
É óbvio que não. Ele e sua turma não encontraram um território
desabitado, vazio, desabitado. Muito pelo contrário, aqui já estavam
povos cuja cultura e sociedade eram tão complexas e diversificadas
como históricas e antigas. Havia nativos que habitavam há milhões
de anos este espaço, como assevera, entre tantos pesquisadores, as
arqueólogas Niède Guidon e Gabriela Martin D’ávila. Como se isso
não bastasse, há o registro de que outros navegantes, em especial
os espanhóis Américo Vespúcio e Vicente Pizón teriam passado pelas
terras “brasílicas” no ano de 1499, isso a pedido da coroa espanhola.
Esta versão da história já é discutida desde as primeiras décadas do
século XX, quando Olavo Bilac e Coelho Netto desconfiavam das
intenções de Portugal e da Espanha em relação ao Brasil.
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caravelas, aproou à terra, em rumo do Norte,
alcançando a 26 de Janeiro de 1500, um cabo a
que deu o nome de Santa Maria de la Consolacion,
cabo que, com fundados motivos, se julga ser o de
Mucuripe no Estado de Ceará, e não o de Santo
Agostinho, como se presumia. (COELHO NETTO;
BILAC, 1940, p. 11)
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esta experiência, sentem-se mais a vontade para falar em termos de
“conquista”, “invasão” e “tomada de posse”. Dentre os historiadores
que contestam essa visão, podemos destacar Marco Antônio Villa,
que enfatiza que em 1498, D Manuel I, rei de Portugal, incumbiu
o navegador Duarte Pacheco Pereira de uma expedição a oeste
do Atlântico Sul. Suas caravelas atingiram o litoral brasileiro e
chegaram a explorá-lo, à altura dos atuais estados do Amazonas e
do Maranhão. Para Villa, essa notícia foi mantida em segredo pelo
governo português, devido à concorrência espanhola na conquista da
América do Sul. 1500 não é visto por esse historiador como o ano da
chegada dos portugueses no Brasil, mas o momento em que Portugal
torna oficial a integração do território brasileiro ao sistema econômico
mercantilista, em vigor na Europa, e que teve no comércio do ouro
e das especiarias sua principal atividade. Esse momento representa,
também, a tomada de posse do território brasileiro pelo reino de
Portugal, bem como o momento de inclusão do Brasil na história
universal (VILLA, 2003).
Saiba Mais
Conceito de Representação para os historiadores da História Cultural
Fonte:
13
Difel, 1990.
14
A carta de Pero Vaz de Caminha atesta, textualmente, a presença
da esquadra de Pedro Álvares Cabral no Brasil, legitimando-se
juridicamente, dessa maneira, a posse da terra, bem como o vínculo
cultural estabelecido que nos fizessem herdeiros diretos da tradição e
dos costumes lusitanos.
Dica de Cinema
Para uma melhor compreensão das Reformas Religiosas, assista ao filme Luther.
Este filme retrata que, após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero acredita ter
recebido um chamado divino. Ele se junta ao monastério, mas logo fica atormentado
com as práticas adotadas pela Igreja Católica na época, em pleno início do século XVI.
Decidido a mudar, escreve 95 teses e as prega na porta de uma igreja alemã. Após isso,
Lutero passa a ser perseguido por Roma. Pressionado para que se redima publicamente,
Lutero se recusa a negar suas teses e desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam
erradas e contradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge e inicia sua
batalha para mostrar que seus ideais estão corretos e que eles permitem o acesso de
todas as pessoas a Deus. É o início de uma profissão de fé na Europa denominada de
Protestantismo.
Créditos: Título original: Luther. Lançamento: 2003 (Alemanha, EUA). Direção: Eric Till.
Atores: Joseph Fiennes, Alfred Molina, Bruno Ganz, Jonathan Firth. Duração: 112 min.
Gênero: Drama.
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em métodos de observação e experiência e não mais alicerçada na
crença, abre ao homem a possibilidade de um conhecimento mais
crítico da realidade, enquanto o desenvolvimento da imprensa por
Gutenberg permite uma difusão mais rápida dos conhecimentos.
Grandes avanços técnicos como o desenvolvimento da bússola, da
pólvora e do papel propiciam um cenário mais favorável ao êxito dos
grandes empreendimentos marítimo-comerciais. Era a tecnologia a
serviço da expansão marítimo-comercial.
Saiba Mais
“O estado sou eu” – Sobre o Estado Absolutista
A frase “O Estado sou eu” é atribuída a Luís XIV da França, conhecido como o Rei
Sol. Esta sentença sintetiza o absolutismo: o regime político em que uma pessoa, o
soberano, exerce o poder em caráter absoluto, sem quaisquer limites jurídicos. Sua
consolidação coincidiu com o fim do período medieval e o início da modernidade, sendo,
assim, expressão política de um novo modelo de Estado que surgia naquele momento de
transição: o Estado Absolutista, a quem correspondeu também uma forma inovadora de
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monarquia: a Monarquia Absolutista.
O sistema absolutista encontra sua mais fiel representação nas formas de governo das
monarquias da Europa ocidental nos séculos XVII e XVIII (Inglaterra, França, Áustria,
Espanha, Prússia e outras). O soberano possuía, de direito e de fato, a soma total dos
atributos do poder: legislava, julgava, nomeava e demitia, instituía e cobrava impostos,
organizava e comandava as forças armadas.
Fonte:
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O interesse inicial do governo português pelas terras americanas
não correspondeu ao tamanho da expedição que enviou para “tomar
posse” delas. O nome de Ilha de Vera Cruz foi rapidamente modificado
para Terra de Santa Cruz, visivelmente mais correto do ponto de vista
da geografia das terras “descobertas”. Mas durante cerca de 30 anos,
elas ficaram inexploradas pelos portugueses. Isso pelo menos de
forma mais sistemática e organizada, na medida em que as aventuras
individuais de reconhecimento da nova possessão portuguesa
correram soltas nos longos trinta anos que separam a “descoberta” do
começo efetivo da colonização ou exploração em 1530. A partir desta
década, outra história marcaria o rosto do Brasil. Novos personagens
entram em cena para morar, plantar, colher, vender e enviar riquezas
para o outro lado do Atlântico, mas precisamente para a metrópole
Portugal.
Você, caro estudante, pode perguntar: por que tudo isso ocorreu?
Uma das justificativas para esta pergunta é decorrente dos projetos
de Portugal e das demais nações europeias nesse contexto. Os
portugueses estavam procurando minerais preciosos e possibilidades
comerciais. Sendo assim, eles concentraram seus recursos na
consolidação de suas feitorias do litoral africano e na expansão de
seus domínios orientais. Dessa forma, os territórios americanos
ficaram, inicialmente, em segundo plano.
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Assim, traficantes franceses, apoiados pelo governo de seu país,
passaram a desembarcar com frequência no litoral brasileiro. Com
a ajuda de grupos nativos, retornavam para a França com os seus
navios abarrotados da madeira cobiçada.
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possível impedir a atividade comercial dos concorrentes estrangeiros.
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As águas são muitas: infindas. E em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem.
Porém o melhor fruto que dela se podem tirar me parece será salvar esta
gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa alteza em ela deve
lançar.
E que aí não houvesse mais que ter esta pousada para esta navegação
de Calicute, isso bastaria. Quanto mais disposição para nela se cumprir
e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, o acrescentamento da
nossa santa fé (...)
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, 1º de
maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha.
(Carta de Pero Vaz de Caminha, reproduzida em caderno especial pelo
Jornal Folha de São Paulo em 1999)
Carta de marear elaborada no século XVI com o objetivo de ajudar aos marinheiros durante
as viagens pelo Atlântico. Disponível em: https://www.mar.mil.br/dhn/dhn/hist1500.html. Acesso
em 5 set. 2011
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casamento, os cultos e a guerra.
Minibiografia
Pero Vaz de Caminha: o registro sobre o Brasil
Não se sabe ao certo quando e onde Pero Vaz de Caminha nasceu pela inexistência
de documentos da época a esse respeito. Supõe-se, porém, que seu nascimento tenha
ocorrido em 1450. Seria natural do Porto, uma cidade evidentemente portuária, de
grande importância entre os séculos 13 e 16. Nela, Pero Vaz teria se criado e passado a
maior parte da vida.
Caminha foi casado e pai de uma filha, Isabel de Caminha, que se uniu a certo Jorge
Osório, homem violento que acabou condenado ao exílio na África pela prática de assalto
a mão armada. É por ele que o escrivão intercede, ao final da célebre Carta, pedindo ao
rei que lhe mande o genro de volta a Portugal.
Nada mais se sabe sobre Pero Vaz de Caminha até sua nomeação para o cargo de
escrivão da armada de Cabral, aos cinquenta anos. Também não se conhecem ao certo
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as circunstâncias em que ela ocorreu. Mas não há dúvida de que o cargo revela prestígio
e confiança junto à Corte portuguesa.
Caminha exerceu a função durante a viagem, mas devia depois fixar-se na Índia, como
escrivão da feitoria portuguesa em Calecute, que talvez se tornasse um dos mais
lucrativos entrepostos no Oriente. Nem isso aconteceu, nem o escrivão da armada
chegou a ocupar o cargo. Diante da hostilidade dos habitantes de Calecute à sua frota,
Cabral reagiu com grande violência. Invadiu a cidade e massacrou sua população.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/pero-vaz-de-caminha.jhtm
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afirmavam que precisariam de muito trabalho para “salvar” esse
povo “sem fé, sem lei, sem rei”. Isto só poderia ser feito por meio
da catequese indígena, como podemos analisar na obra de José
Maria de Paiva (“Educação Jesuítica no Brasil Colonial”). Isso porque
quando não eram representados como preguiçosos, os nativos eram
temidos por sua ferocidade e violência, expressas, na visão dos
europeus, nos rituais de canibalismo de algumas culturas indígenas.
Esta representação do nativo foi reforçada pela literatura europeia
principalmente após o episódio na década de 1550, quando o alemão
Hans Staden foi aprisionado e quase devorado pelos tupinambás
do Rio de Janeiro. Porém, nos registros que fez dessa experiência,
ao lado do medo que sentiu, ele fez questão de ressaltar o caráter
ritualístico, social e religioso dessa prática.
Dica de Cinema
Para uma leitura sobre o canibalismo na visão cinematográfica, assista ao filme Como
era gostoso meu francês, Nelson Pereira do Santos. Este filme faz uma crítica
antropofágica do colonialismo, ao contar a história de um europeu capturado pelos índios
tupinambás na costa brasileira, e que é incorporado na aldeia. A encenação de um ritual
antropofágico no filme de Nelson Pereira do Santos sugere que o verdadeiro escândalo é
o genocídio feito pelas culturas dominantes, e não o ritual de devorar uma representação
“alegórica” do inimigo.
Créditos: Título original: Como era gostoso o meu francês. Diretor: Nelson Pereira dos
Santos. Brasil, 1970, 84min.
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permite vislumbrar alguns aspectos importantes dessa experiência de
encontro cultural.
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geral, essa relação com os indígenas acompanhou as vicissitudes e
os interesses da política colonial. Assim, num primeiro momento, os
nativos brasileiros foram tratados como uma espécie de parceiros
comerciais no escambo do pau-brasil.
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indígenas que resistissem às pretensões do colonizador. Além dos
nativos aprisionados nas “Guerras Justas”, aos colonos portugueses
era permitida a escravização dos indígenas trazidos das suas aldeias
para os aldeamentos organizados pelos colonizadores próximos às
vilas (trata-se dos nativos “descidos”), bem como dos índios feitos
prisioneiros de guerra durante os conflitos intertribais (chamados de
“índios resgatados).
Referências
Prezado aluno EAD, para suas leituras e pesquisas futuras, elencamos vários autores
que abordam a História do Brasil Colonial.
AMADO, Janaína & FIGUEIREDO, Luiz Carlos. No tempo das caravelas. Goiânia:
CEGRAF-UFG; São Paulo: Contexto, 1992.
AZEVEDO, Ana Maria de. Desta Vossa Ilha de Vera Cruz... é já outro Portugal.
Revista Camões, n. 8, Portugal, 2000.
BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos Viajantes. 2 ed. São Paulo:
Metalivros; Objetiva, Fundação Odebrecht, 1999.
27
CASTRO, Eduardo Batalha Viveiros de. Pontos e linhas: teoria e tupinologia. In:
Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986, p. 81-127.
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras: FAPESP: SMC, 1992, p. 9-24.
Evidências dos sistemas genéticos clássicos. Revista USP, São Paulo (34): 34-43,
FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2000.
Saiba Mais
O estranhamento do primeiro encontro
Para os índios era inexplicável que o europeu viesse de tão longe para buscar pau-brasil.
O francês Jean de Léry, que aqui esteve no século XVI, deixou registrado um diálogo
com um velho tupinambá, que lhe perguntou se os europeus não tinham árvores em sua
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terra. Ao saber que o pau-brasil explorado servia para tingir tecidos e que um só homem
comprava todo o carregamento de um navio, o índio perguntou:
O francês lhe respondeu que o homem rico também morria e deixava tudo para os filhos.
O velho se espantou. De seu ponto de vista, era loucura enfrentar o oceano, amontoar
riquezas e deixar para outros:
“Estamos certos de que, depois de nossa morte, a terra que nos nutriu também os nutrirá
(aos descendentes), por isso descansamos sem maiores cuidados.
Revisão
Este capítulo abordou os primeiros contatos entre europeus e nativos brasileiros no início
do século XVI, narrando o estranhamento e os confrontos culturais entre pessoas de
cores, religião, cultura e línguas diferentes. Tudo isso foi fundamental para a formação de
um espaço que veio a ser denominado Brasil. Para tanto, estudamos ao longo do capítulo
os diversos confrontos culturais entre portugueses e indígenas no século XVI, analisando
a construção narrativa de um espaço chamado Brasil pelos escritores europeus que,
em crônicas, cartas e imagens representaram esta terra como exótica e atrasada sob o
ponto de vista cultural, político e religioso, fixando, assim, a imagem de uma terra que
precisava de fé, de lei e de rei.
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Portugal com a intermediação do Papa Alexandre VI em 1494.
Por ele ficava determinado que todas as terras encontradas a
oeste do Meridiano de Tordesilhas (situado 370 léguas a oeste do
arquipélago de Cabo Verde) pertenceriam à Espanha, enquanto as
terras a leste seriam portuguesas.
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Cruzadas (Idade Média). As principais especiarias eram: pimentas,
canela, cravo, seda, marfim, cânfora, nós moscada, gengibre,
aloés, incenso, sândalo, perfumes e produtos aromáticos. O
comércio das especiarias do Oriente fez desenvolver o Capitalismo
europeu na sua fase mercantilista, favorecendo tanto Portugal
quanto Espanha a se lançarem nas Grandes Navegações, sendo
favorecidos, também, pela posição geográfica privilegiada, pela
tradição marítima (atividade pesqueira) e pela centralização
política pioneira. Dois foram os principais ciclos de navegação:
leste ou oriental (ciclo dos Portugueses) e oeste ou ocidental (ciclo
dos Espanhóis).
Atividades
1. Imagine que você estava na Frota que Pedro Álvares Cabral trouxe ao Brasil,
convidado pela Coroa Portuguesa para registrar os acontecimentos durante a
viagem. Escreva uma carta para D. Manuel I, rei de Portugal, contando o que viu
aqui no Brasil, descrevendo os nativos, a paisagem e as primeiras impressões da
terra. Com esta atividade, pretendemos:
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do estrangeiro (aquele que é diferente de nós). Dessa forma, você está desafiado a
se imaginar um viajante europeu que veio visitar o Brasil durante os primeiros anos
de colonização. Para organizar o seu diário, você pode lançar mão das próprias
discussões abordadas neste capítulo, bem como na literatura sobre a história do
Brasil. Organize o seu diário de bordo tematicamente, mostrando o que você viu na
economia, na relação entre os índios e os europeus, nas feitorias, na catequização
e na exploração do pau-brasil. Após elaborar o seu diário de bordo (que pode ser
em formato digital), poste-o na plataforma moodle para o conhecimento e discussão
dos demais colegas do curso de História.
3. Releia este capítulo e elabore um mapa conceitual com seis palavras-chave. Para
organizá-lo, você deve entender que os mapas conceituais são representações
gráficas semelhantes a diagramas, que indicam relações entre conceitos ligados
por palavras. Os mapas conceituais servem como instrumentos para facilitar o
aprendizado. Depois de escolher as seis palavras-chaves, você pode postar na
plataforma moodle e interagir com seus colegas a partir das mesmas. Por exemplo:
se uma das palavras escolhidas foi “documentos”, você pode fazer questionamentos
aos colegas do tipo: “Quais os principais documentos utilizados para se contar a
história do Brasil Colonial”? Faça isso com as demais palavras do mapa conceitual.
É um importante instrumento de revisão e de estímulo ao debate.
Dica de Cinema
Os filmes abaixo fazem diversas leituras sobre o Brasil no período colonial.
Referências
BOXER, Charles Ralph. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo:
Companhia de Letras, 2002.
32
MENEZES, Ângela Dutra. O Português que nos pariu. Rio: Relumé-Dumara,
2007.
NETTO, Coelho & BILAC, Olavo. A Pátria Brasileira. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1940. 27ª edição.
PAIVA, José Maria de “Educação Jesuítica no Brasil Colonial” In: 500 Anos de
Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
PRIORE, Mary Del. O livro de ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro,
2001.
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34
Capítulo 2
Cultura e sociedade
na Colônia: relações
familiares e vida privada
Objetivos
●● Estudar os espaços de sociabilidades familiares na Colônia;
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Iniciar nossos estudos a partir de uma iconografia de Rugendas e
de um pequeno fragmento do relato do cronista francês Tollenare,
torna-se importante para nos situar nos códigos culturais que ditavam
as regras de comportamento na sociedade colonial. Nesta, a figura
feminina será fundamental para mostrar as desigualdades de gênero
e as relações de poder sócio-político da época. Relegada aos espaços
do privado (casa, alcova), a presença feminina nas rodas sociais,
como exposto no relato de Tollenare, faz-se de certa forma ausente,
tendo em vista as condutas prescritas para as mulheres no seio da
sociedade colonial. Todavia, as “transgressões” se faziam presentes e
nesse contexto muitos/as puderam representar outros papéis que não
estavam prescritos no script de suas histórias!
Minibiografia
Rugendas: o “retratista” dos Brasis
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os códigos de comportamento, as práticas do dia a dia e, por
conseguinte, as transgressões instituídas pelos personagens dessa
instigante história. Vamos iniciar nossa jornada?
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Homens casados e filhos adultos ocupavam-se de diversas
atividades. Além das citadas acima, eles poderiam ser negociantes ou
atravessadores de carne, de sal, de aguardente e bebidas do reino,
um comércio cada vez mais lucrativo em São Paulo, no Rio de Janeiro
e nas Minas Gerais. Poderiam ser, ainda, empregados da Coroa, o
que lhes dava status numa sociedade altamente hierarquizada. Mas
para ocupações em cargos públicos, era importante obter atestados
de limpeza de sangue (judeus, ciganos e degredados eram proibidos,
muitas vezes, de ocuparem tais cargos), receber títulos da Ordem
de Cristo, pertencer às ordens mais privilegiadas das irmandades do
Carmo, do Santíssimo Sacramento ou das ordens terceiras de São
Francisco.
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para a conversão. Índios, escravos, judeus, ciganos e outros povos
que não confessavam o catolicismo, eram perseguidos pelos jesuítas,
uma empresa católica a serviço do projeto político de Portugal. Se
não se convertessem à fé de Roma, poderiam ter suas vidas ceifadas
pela Inquisição. Da mesma forma, as crianças também eram alvo
do ensino catequizador, principalmente por parte da Companhia de
Jesus:
As janelas com gelosias são um marco do controle e da exclusão feminina na elite colonial
(Fonte: Laura de Mello e Souza, História da vida privada no Brasil, 1998, p. 97).
39
Saiba Mais
A Companhia de Jesus
Esta Companhia foi fundada no século XVI por Inácio de Loyola. Em 1534, acompanhado
de seis discípulos, o espanhol Inácio de Loyola pronuncia em Montmartre (Paris)
votos de pobreza e castidade, formando um novo instituto religioso que passou a ser
denominado de Companhia de Jesus, submetendo-se, em Roma, ao serviço da Santa
Sé. A Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como jesuítas, não era uma
ordem religiosa como as demais existentes até então, pois seus combativos integrantes
tinham uma organização quase militar: a) consideravam-se soldados da Igreja Católica
Romana; b) defendiam a infiltração de seus membros em todas as atividades sociais e
culturais; c) eliminavam aqueles que pusessem em risco os princípios do catolicismo,
a exemplo dos judeus e cristãos novos. Em setembro de 1540, a Companhia de Jesus
recebeu a aprovação oficial do Papa Paulo III, na bula Regimini Militantis ecclesiae.
Seus membros deviam prestar voto especial de obediência ao sumo pontífice, a quem
dependiam diretamente.
O papa Paulo III aprova a nova Ordem em 1540, mediante a apresentação por Inácio do
esboço de uma regra, designada Formula Instituti. Diversas missões são empreendidas
pela Companhia em toda a América, especialmente nas colônias espanholas, no Brasil,
e no Canadá francês. Na América Latina, face à brutalidade dos colonos sobre os Índios
e à constante mobilidade das populações, os Jesuítas davam-lhes formação religiosa
e instalavam-nos em aldeias geridas por um sistema comunitário no qual os Índios
participavam. O filme A Missão, dirigido por Rolland Joffé, em 1986, apresenta uma
leitura dessa relação entre jesuítas e aldeamentos indígenas.
Fontes:
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Acrescentem-se as canecas de louça douradas da Índia com
pires, xícaras, sopeira de louça da China xícaras e pires franceses,
espelhos redondos vindos da Inglaterra. “Se as elites endinheiradas
e ligadas ao comércio internacional (...) sabiam ou não fazer bom uso
dos utensílios que adquiriam não se pode afirmar. Mas eles estavam
cada vez mais presentes nos lares dessa ‘gente de bem’”. Enquanto
isso, as pessoas pobres podiam apenas ver e desejá-las. (MALERBA,
2000, p. 162-163)
41
Não eram apenas as crianças filhas de relações “ilícitas” das mulheres
de elite que eram abrigadas pela “roda dos expostos”. Muitas mães
pobres, livres e/ou escravas recorriam às Santas Casas na busca
de alternativas para seus/suas filhos/as que não a morte. Del Priore
(1989) nos convida a refletir acerca das concepções de amor e família
que permitiam a essas mães improvisar o carinho e a ternura pelos
seus frente às dificuldades materiais que poderiam por em jogo a
própria sobrevivência da criança.
Saiba Mais
A roda dos expostos: a história da exclusão da infância no Brasil colonial
A roda dos expostos é um dispositivo que surgiu na Itália durante a Idade Média.
Inicialmente era utilizada para manter o máximo de isolamento dos monges reclusos (ao
receber oferendas como alimentos e roupas), mas torna-se, posteriormente, um meio
para preservar a identidade daqueles que depositam nela bebês enjeitados. O nome
“roda” se refere a um artefato de madeira fixado ao muro ou janela do hospital, no qual
era depositada a criança, sendo que, ao girar o artefato, a criança era conduzida para
dentro das dependências do mesmo, sem que a identidade de quem ali colocasse o
bebê fosse revelada.
Durante o Brasil Colônia, o método é trazido para cá com a finalidade de acolher órfãos,
seguindo a tradição ibérica, segundo a qual caberia à Santa Casa de Misericórdia o
monopólio da assistência à infância abandonada contando, no entanto, com o auxílio da
respectiva Câmara Municipal. Desde então, podemos observar recorrentes tensões entre
a entidade religiosa e o poder local, principalmente pela obrigação pública de contribuir
financeiramente para a manutenção da Santa Casa.
Após ser recebida pela Santa Casa, a criança era criada por uma ama-de-leite geralmente
até os três anos. As amas, mulheres pobres e na maioria sem nenhuma instrução
pedagógica, recebiam um pagamento pelos serviços prestados o que podia prolongar o
período de permanência dos pequenos. Essa situação dava margem para diversos tipos
de fraudes, como mães que abandonavam seus bebês e logo em seguida se ofereciam
como nutrizes. Por falta de recursos, a Santa Casa procurava logo empregar os órfãos.
Os do sexo masculino iam trabalhar geralmente nas Companhias de Marinheiros ou no
Arsenal de Guerra, nos quais conviviam com presos e degredados e as meninas como
domésticas.
42
Municipal para com os pequenos abandonados nas províncias onde houvesse uma Santa
Casa de Misericórdia. Isto significa uma das etapas de um processo de transformação
do caráter caritativo da assistência para uma perspectiva mais filantrópica, com maior
intervenção do Estado. Inicia-se, assim, uma fase filantrópica assistencialista que pensa
a educação “moralizante” das crianças como meio fundamental de torná-las úteis e
de resguardar a própria sociedade. Na verdade, filantropia e caridade se permeiam,
adquirindo características mútuas: de um lado as estratégias filantrópicas de prevenção
da desordem e de outro, os preceitos religiosos da caridade.
É também durante o século XIX que a medicina social ganha maior poder político e
respaldo social através da crescente intervenção dos médico-higienistas com suas
inúmeras críticas à estrutura urbana e moral a sua volta. No que concerne à Casa dos
Expostos, apontavam principalmente as altas taxas de mortalidade e a dinâmica de
aleitamento da ama-de-leite, contando com o poder jurídico, que já esboçava outros
meios de intervenção mais corretiva e moralizante.
43
engenho e as senzalas, sejam estes senhores, trabalhadores livres,
escravos, viajantes, clérigos, comerciantes, dentre outros.
Referências
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos
bens divinos. São Paulo: Edusp, 2004.
44
mão dupla deflagrado no século XVI (...) Emblema
maior da parceria entre sexualidade luso-indígena
e confronto-intercêmbio cultural, encontramo-lo
nos mamelucos originados dessas uniões mistas.
(VAINFAS, 1997, p. 231).
45
que o marido dela, assim como se o tal adúltero
fosse fidalgo e o marido cavaleiro ou escudeiro e o
marido peão, não farão as justiças nele execução
até no-lo fazerem saber e verem sobre isso nosso
mandado (PIMENTEL, 2007, p. 43).
46
“novo mundo” (DEL PRIORE, 1993).
Você Sabia?
O Concílio de Trento é o nome atribuído a uma série de reuniões de cunho religioso
convocada pelo papa Paulo III em 1546 na cidade de Trento, na Itália. No início do século
XVI, com o surgimento e expansão do protestantismo e da Reforma Protestante, diversas
modificações atingiram a Igreja Católica. Uma reação a tal expansão, denominada
“Contra-Reforma” foi guiada pelos papas Paulo III, Júlio III, Paulo IV, Pio V, Gregório XIII
e Sisto V, buscando combater a expansão da Reforma Protestante e das ideias de Martin
Lutero. Além da reorganização de várias comunidades e ordens religiosas já existentes,
outras foram criadas, dentre as quais a Companhia de Jesus ou Ordem dos Jesuítas, tendo
como fundador Santo Inácio de Loyola, tendo forte atuação no Brasil durante o projeto
de colonização. Assim, o Concílio de Trento agiu no Brasil ao lado da Coroa Portuguesa.
47
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
48
colonização do “novo mundo”.
Referências
CALAINHO, Daniela. Agente da fé. São Paulo: Edusc, 2006.
CHALOUB. Sidney. Visões da liberdade, São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
49
RESENDE, Maria Leônia Chaves de; JANUÁRIO, Mayara Amanda TURCHETTI,
Natália Gomes De jure sacro: a inquisição nas vilas d’El Rei. Varia hist., Jun
2011, vol.27, no.45, p. 339-359.
50
Antonio do Desterro, do Rio de Janeiro, possuía a maior coleção de
relíquias no Brasil, “incluindo lasquinhas da coluna da flagelação e da
cruz de Cristo, um fio de cabelo de Nossa Senhora, pedacinhos dos
ossos de todos os apóstolos e de uma infinidade de mártires” (MOTT,
1998, p. 173). Seu relicário, que até hoje é conservado no mosteiro
de São Bento, possuía 114 nichos. Cada devoto montava sua própria
“corte celestial”, incluindo, além das relíquias, anjos da guarda, santos
protetores e prediletos, ex-votos, dentre outras “tábuas de salvação”.
51
principalmente nos quartos ou na alcova do casal.
52
religiosidade colonial se inserem dentro da própria precariedade de
“instrução médica” e trato com o corpo e suas mazelas.
53
Malgrado a preocupação da Inquisição e da própria
legislação real, proibindo a prática das feitiçarias
e superstições, no Brasil antigo, em toda rua,
povoado, bairro rural ou freguesia, lá estavam as
rezadeiras, benzedeiras e adivinhos prestando
tão valorizados serviços à vizinhança. Quando
missionava na zona rural de Pernambuco, na
Quaresma de 1762, um frade capuchinho publicou
na freguesia de Serinhaém os editais do Santo
Ofício, obrigando os fregueses a denunciarem, no
prazo de trinta dias e sob pena de excomunhão
maior, a todos que fizessem uso de benzeduras
e supertições. Tal iniciativa redundou na relação
de uma centena de moradores, sobretudo gente
da arraia-miúda, envolvidos com sortilégios e
devoções proibidos pela Santa Madre Igreja.
(MOTT, 1999, p. 194)
54
“Tribunal do Santo Ofício” de indícios de “heresia” nas falas populares
que no contexto europeu certamente não representariam “subversão”
a ordem católica.
55
Observa-se, assim, o caráter ritualizado que caracteriza as práticas
religiosas e sociais na colônia portuguesa, apontando para marcas
da sociabilidade do “Antigo Regime”. Ao ritualizar os atos cotidianos,
encenadas nas práticas do “sagrado” as tramas religiosas e de
poder na colônia portuguesa se inserem no imaginário cultural do
próprio “antigo regime”, fazendo com que percebamos, ao longo
dessa viagem, as rupturas e continuidades que caracterizam essas
tramas de saber-poder do “sagrado” e do “profano” nas trajetórias da
sociedade colonial.
Saiba Mais
Preconceito de Sangue
Fonte:
56
representação de determinado tema. Atualmente, o estudo da
iconografia é bastante presente na História e demais campos de
conhecimento.
57
todas as funções referentes à Inquisição. (Fonte: GONZAGA, João
Bernardino. A Inquisição em Seu Mundo. São Paulo: Saraiva,
1994. NOVINSKY, Anita. Inquisição. 2 ed., São Paulo: Brasiliense,
2007)
Vamos Revisar?
Este capítulo foi um momento muito significativo em nossa disciplina, pois através do
mesmo procuramos mostrar modos de vida e formas de olhar o ambiente familiar no
período colonial brasileiro. Neste, estudamos os espaços de sociabilidades familiares
na Colônia, suas formas de ser família nesse ambiente tão distinto do que vivemos
atualmente, bem como procuramos analisar os comportamentos masculinos e femininos
na América Portuguesa. Homens, mulheres e crianças viviam, sentiam e agiam de
modos muito distintos dos que hoje nos cercam. Além disso, a América Portuguesa vivia
sob o medo do demônio e dos castigos divinos, fruto das sociabilidades religiosas e dos
discursos inquisitoriais e apocalípticos que circulavam naquele período. Diante disso,
achamos salutar a discussão acerca da compreensão das redes religiosas que faziam
parte do cotidiano da sociedade colonial para situar você, caro estudante, acerca das
práticas religiosas que os homens e mulheres desenvolviam na Colônia.
Atividades
1. A Inquisição Portuguesa perseguiu, torturou, prendeu e matou inúmeras pessoas
58
entre o final da Idade Média e início da Idade Moderna. No Brasil, muitos foram
perseguidos, incluindo judeus e cristãos-novos. Hoje, você vai desempenhar um
papel muito especial para a Igreja Católica no século XVI. Serás um inquisidor a
procura de “hereges” na terra brasilis. Para tanto, você vai elaborar um questionário
para inquirir os judeus e outros personagens suspeitos de heresias no Brasil. No
questionário, deve ter: nome do réu, profissão, se sabe o motivo da sua convocação
ao Tribunal, quais os principais “crimes” que cometeu contra a Madre Igreja, dentre
outros. É importante também registrar as respostas dos seus inquiridos.
2. O filme “Guerra de açúcar” (TV Brasil, 2011, 26min) apresenta uma leitura sobre
o período colonial baseada nas lutas que se travaram em torno das riquezas do
Brasil. Elabore uma resenha crítica sobre o filme, interpretando os conflitos nos
primeiros tempos de colonização. Como recurso didático-científico, a resenha não
se configura como um resumo, mas como um exercício de interpretação textual.
Para tanto, em sua resenha você deve abordar:
59
trabalhava numa Santa Casa de Misericórdia, local que recebia os enjeitados na
colônia. Diante de tantos enjeitados que chegava à Santa Casa, você resolveu
escrever um diário contando os episódios que envolviam essas crianças, tais como:
as horas mais frequentes em que os enjeitados chegavam, como eram cuidados
pelas freiras e/ou pessoas responsáveis, o que comiam, como se vestiam, as
doenças que os atacavam, as brincadeiras entre eles, enfim, o cotidiano de uma
criança enjeitada. Para isso, crie um blog em seu ambiente virtual e, durante 30
dias, crie novas situações mostrando um pouco desse passado tão presente em
nossos dias. Use a imaginação e elabore emocionantes episódios. Os objetivos
desta atividade são:
Referências
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes - Formação do Brasil no
Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo. Cia das Letras, 2000.
DEL PRIORI, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.
LEITE, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo: Comissão
do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, vol I.
60
MOTT, Luiz. Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA,
Laura de Mello e (org.). Cotidiano e vida privada na América Portuguesa.
Coleção História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1999.
61
62
Capítulo 3
Objetivos
●● Analisar o período brasileiro denominado “Reino Unido de Portugal”;
Dias e dias. Sol e chuva, frio e calor. Noites mal dormidas nos navios
que grassavam de Portugal ao Brasil. Famílias inteiras vinham
acompanhando o Rei. Enquanto isso, Portugal estava polvorosa
em virtude da invasão das forças de Napoleão. Em 1808, mais
precisamente no mês de janeiro, essa comitiva composta de pessoas
de distintos segmentos sociais, da qual fazia parte a família real
da metrópole portuguesa. Trazendo consigo toda a corte lusa, a
chegada da família real ao Brasil tornou o Rio de Janeiro, sede do
governo-geral da então colônia, também a sede de todo o (outrora
poderoso) Império lusitano. Já imagino a ânsia do leitor mais curioso
me perguntar: mas como e/ou por que isso ocorreu? Para entendê-lo
precisamos concatenar essa experiência histórica luso-brasileira com
os desdobramentos mundiais de um evento de inegáveis proporções:
a Revolução Francesa. Portanto, este é um dos objetivos deste texto:
fazê-lo compreender a transferência da corte portuguesa para o Brasil
e o nascimento do Reino Unido de Portugal.
63
Europa, guerra e perseguição. Na primeira década do século XIX,
Napoleão Bonaparte, obviamente junto com os exércitos franceses,
dominou grande parte dos países europeus, justificando esta política
imperialista como desdobramento natural da defesa dos ideais
democráticos da Revolução de 1789. Além do mais, o crescimento
político-militar francês propiciado pelos “louros” desta Revolução
Atenção de repercussões mundiais, ajudou bastante o “pequeno”5 grande
5
Embora grande Imperador francês no empreendimento de disponibilizar ao resto do
estrategista político e mundo, se fosse preciso através da força, a igualdade, a liberdade e a
militar, Bonaparte se
notabilizou também pela fraternidade francesas.
pequena estatura.
Se o desejo de dominar alimentava as ambições bonapartistas, o
imperador francês tratou logo de definir os seus possíveis aliados,
condição essencial para vencer os históricos inimigos franceses.
Sendo assim, o leitor já deve se recordar que em 1806, a fim de
isolar economicamente o seu principal adversário na Europa, no caso
a Inglaterra, bem como para demarcar muito claramente os seus
aliados mais fiéis, o governo francês decreta o famigerado Bloqueio
Continental.
Minibiografia
D. João VI – um rei no Brasil
64
brasileiras e abriu os portos do Brasil ao comércio estrangeiro. A D. João VI deve-se
a fundação da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, registrando-se também
importantes movimentos militares que proporcionaram a ampliação de nossas fronteiras.
Em 1821, a família real e sua corte seguiram para Portugal, deixando aqui o Príncipe D.
Pedro, que ficou como regente. Chegando a Portugal, D. João VI foi obrigado a assinar a
Constituição, mais seu filho D. Miguel organizou um movimento absolutista, que vitorioso,
repôs D. João como Rei absoluto.
Fonte:
65
invadido e submetido à força.
As fontes históricas atestam que esta proposta era muito bem vista
pelo governo inglês. O crescimento industrial britânico tornava o
mercado brasileiro uma menina para os olhos dos ingleses. O governo
britânico decidiu então apoiar extra-oficialmente a transferência da
coroa lusa para a sua colônia americana. Após algumas vacilações,
nem sem inúmeras pressões inglesas, o governo português se decidiu
pela transferência para a América. Em outubro de 1807, quando
Napoleão talvez já planejasse a invasão e a partilha de Portugal, a
Inglaterra se comprometia a providenciar a segurança da família real
e da corte portuguesa na viagem rumo ao Brasil. Em 27 de novembro
do mesmo ano, já com as tropas napoleônicas se preparando para
invadir Lisboa, a família real e a corte portuguesa embarcaram numa
frota de quatorze navios com destino ao Brasil.
66
Ruas, gente, burburinho, teatralidade:
as metamorfoses culturais
Alguns historiadores, como Jurandir Malerba, utiliza a metáfora
teatral para traduzir o que o Rio de Janeiro passou a ver e a conviver
com a chegada dos nobres portugueses. “Era um burburinho geral
e constante de uma cidade preta e mestiça em dois terços de
sua população; mas ela toda se rendia ao espetáculo cotidiano
da realeza”. Some-se ao burburinho, as manifestações públicas
aclamando o rei e em solidariedade aos acontecidos trágicos de sua
nação. “Acontecimentos de que participavam todos os indivíduos, de
todas as classes, num cenário que a maioria dos estrangeiros que
aqui estiveram não cansou de lisonjear” (MALERBA, 2000, p. 126-
127).
67
animais. Tudo para impressionar, pelo menos inicialmente, os novos
moradores “ilustres”. Como a capital ficou pequena para comportar
toda essa gente, muitos passaram a ocupar as cercanias da cidade.
As matas recuaram diante da expansão urbana.
68
e de se comportar:
69
e Algarves”. Embora esta medida tivesse o objetivo de formalizar a
participação de Portugal junto ao Congresso de Viena7, ela delegou
Atenção maior capital simbólico às pretensões autonomistas da colônia. Isso,
7
Realizado em somado à dinamização da economia colonial e ao florescimento
1815, o Congresso
artístico propiciado pelos investimentos culturais do governo dom
de Viena constituiu
uma conferência das João no Brasil, contribuiu para a maior autonomia da colônia, semente
potencias europeias que de sua futura emancipação política.
derrotaram o imperialismo
Bonapartista, com o
objetivo de restabelecer
a ordem política anterior
à Revolução Francesa de Referências
1789. Na medida em que
Sobre a corte no Rio de Janeiro e o período joanino, os textos abaixo nos ajudam a
só podiam participar deste
evento governos sediados pensar melhor esse período tão importante para a América Portuguesa.
nos seus próprios
territórios, a coroa lusa DEBRET, Jean B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia:
equiparou a colônia e São Paulo: Edusp, 1982. 3 v.
a metrópole por meio
do decreto que criava o EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis. Rio de Janeiro:
Reino Unido do Brasil, Imprensa Nacional/IHGB, 1932.
Portugal e Algarves.
LIMA, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil (1808-1821). 2 ed. Rio de Janeiro,
José Olímpio, 1945.
SANTOS, Luís Gonçalves dos. Memórias para servir à história do Brasil. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1981. 2 tomos.
70
(Heynemann & Vale). A fim de aparelhar artística e culturalmente o
novo integrante do Reino Unido de Portugal e Algarves, Dom João
VI8 criou as primeiras Escolas de Medicina do Brasil (em Salvador Atenção
e no Rio de Janeiro), visando à formação acadêmica da elite luso- 8
Em 1818, após a
morte da rainha Maria
brasileira.
I, dom João assumiu o
trono português com a
A ampliação da demanda por bens culturais foi notória após a designação de Dom João
chegada da família real. Isto foi visível porque, muitas famílias nobres, VI.
somadas às do corpo político-diplomático, às famílias dos grandes
comerciantes, “passaram a imitar os modos de vida dos nobres,
constituíam um próspero mercado consumidor de instrução básica e
boas maneiras”. Dessa maneira, educadores europeus voltados para
a instrução de rapazes e moças perceberam o campo de trabalho que
se abria e procuravam arrebanhar novos alunos. (MALERBA, 2000, p.
165)
71
Gouvea, O Real Teatro veio a se tornar uma peça fundamental não
só na vida artística e cultural da Corte, mas também social e política,
gerador de encontros e de sociabilidades várias. Assiduamente
frequentado pela família real e pelos “ilustres”, foi “palco não apenas
de peças, óperas e danças - incluindo a primeira apresentação de
balé clássico no Brasil, em 1813 - mas de reuniões entre importantes
figuras políticas e manifestações que marcariam o processo de
independência do Brasil”. Neste teatro apresentavam-se cantores,
compositores, companhias teatrais vindas da Europa e dançarinos,
tudo para alegrar a alma dos amantes dos espetáculos. (GOUVEA,
2011)
Referências
A vinda da família real ao Brasil, em 1808, despertou a curiosidade de diversos
historiadores e pesquisadores. Veja alguns deles:
CARVALHO, José Murilo de. D. João e as histórias dos Brasis. Rev. Bras. Hist.,
2008, vol.28, no. 56.
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República. São Paulo: Brasiliense, s/d.
GOMES, Laurentino. 1808. A fuga da família real para o Brasil. São Paulo:
Planeta Brasil, 2007.
GRAHAM, Maria. Diário de uma viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1990.
72
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. O abastecimento da corte na formação
política do Brasil (1808-1842). São Paulo: Símbolo, 1979.
73
É importante, caro estudante, deixar claro que estas novas formações
culturais atendiam a uma clientela muito seleta. Eram poucos os
homens e mulheres que adentravam nos espaços culturais e nos
ambientes de saber intelectualizado. Era a chamada elite letrada ou
poucos que, mesmo sem saber ler, se dirigiam a tais repartições. Por
falar em leitura, a imprensa era proibida no Brasil até então. Porém,
D. João VI decretou a abertura de jornais, causando grande impacto
social. “Mesmo com uma censura vigilante e burocrática, muitos
jornais surgiram, mudando o ambiente intelectual e político do país,
que passou a debater as ideias políticas que chegavam da Europa e
dos Estados Unidos” (GOMES, 2011, p. 41)
Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal impresso no Brasil, nas máquinas da Imprensa
Régia, no Rio de Janeiro. Seu lançamento marca o início da imprensa no país. Disponível
em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gazeta_do_Rio_de_Janeiro_1808.png
74
um órgão da imprensa do Norte enquanto um território de anúncios,
de propagandas políticas e comerciais, figurando compras, vendas,
leilões, aluguéis, arrendamentos, roubos, perdidos e achados. Some-
se a isso o anúncio sobre fugas, apreensões de gatunos, raptos,
aluguéis de peito de amas-de-leite, movimento portuário, discursos
parlamentares, dentre outras notícias que deixavam a família
pernambucana a par das novidades que ocorriam no Recife ou fora
dele.
Mas se havia leituras para os olhos, deveria também ter sons para
os ouvidos da burguesia e de quem pudesse pagar por ela. Com os
ouvidos educados pelos sons europeus, a corte portuguesa no Rio
de Janeiro queria continuar ouvindo essa arte. O pintor Debret, que
veio ao Brasil com a Missão Artística Francesa (1816), estimou que
D. João gastava aproximadamente 300.000 francos anuais. Este
valor era considerado “uma fortuna para a época, na manutenção da
Capela Real e seu corpo de artistas, que incluía “cinquenta cantores,
entre eles magníficos virtuoses italianos, dos quais alguns famosos
castrati, e cem executantes excelentes, dirigidos por dois mestres
da capela’”. Mas a mudança maior viria em 1815: “As mudanças
teriam seu ponto culminante em 16 de dezembro de 1815. Nesse dia,
véspera da comemoração do aniversário de 81 anos da rainha Maria
I, D. João promoveu o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal
e Algarves, ficando o Rio de Janeiro como sede oficial da coroa”.
Músicos, artistas, professores de dança, enfim, todo um conjunto de
professores das belas artes começou a chegar ao Brasil (GOMES,
2011, p. 41-42). A moda europeia como a invadir as ruas e salas
distintas do Rio de Janeiro.
75
de Londres e de Paris através dos diversos navios que chegavam a
vapor (GOMES, 2011, p. 35).
Saiba Mais
1817. A tentativa revolucionária de Pernambuco.
Mas nem só de prosperidade cultural viveu a corte portuguesa quando de sua estadia
aqui no Brasil. A chegada da família real agravou o descontentamento histórico da elite
comercial portuguesa contra a dominação colonial. Isso se deu por que a coroa passou
a favorecer os comerciantes portugueses. Além disso, o governo luso-brasileiro começou
a cobrar altos impostos para financiar as guerras em que se envolveu para dominar a
Província Cisplatina, atual Uruguai.
Invadida em 1815 pelo exército luso-brasileiro, essa região foi anexada ao Reino Unido
do Brasil Portugal e Algarves em 1821. Essa conquista, contudo, foi obtida mediante uma
guerra difícil e prolongada. A fim de gerar recursos para serem usados no combate, a
coroa lusitana aumentou os impostos e autorizou o recém-criado Banco do Brasil a emitir
grandes somas de papel-moeda, política que contribuiu grandemente para aumentar a
inflação, o custo de vida e, em consequência disso, a insatisfação popular com relação
às medidas joaninas.
Em Pernambuco, essas condições foram agravadas pelos efeitos da grande seca de 1815 a
16. Associe isto à difusão das ideias liberais e republicanas da Revolução Francesa (1789)
e da Independência dos EUA (1776), e teremos um clima bastante propício para a eclosão
de um movimento social de teor contestatório. Visando substituir a monarquia absoluta
portuguesa, legitimada pelo direito divino, por uma forma Republicana e liberal de governo,
este movimento ficou conhecido como a Revolução Pernambucana de 1817, durante a
qual foi instalado um governo Republicano neste estado que vigorou durante 74 dias.
Desse movimento fizeram parte à elite pernambucana, com destaque para a participação
de senhores de engenho, comerciantes, padres e militares. Após vencer as forças locais
leias ao governo Português, os líderes do movimento organizaram um governo provisório
e enviaram emissários a outras capitanias do Nordeste em busca de apoio. Paraíba,
Alagoas e Rio Grande do Norte aderiram ao movimento e engrossaram as fileiras
rebeladas contra o jugo português.
76
do país, mesmo após a sua independência, em 1822. Além disso,
é inegável que os melhoramentos propiciados pela transferência da
família real para a América, significaram uma ruptura na vida cultural
da colônia portuguesa. Apesar disso, cabe salientar que as benesses
desse movimento de reforma cultural acabaram ficando restritas aos
segmentos da elite luso-brasileira.
Você Sabia?
Antes da chegada da corte portuguesa, o Rio de Janeiro oferecia poucas distrações:
as famílias ricas iam a espetáculos, embora de má qualidade, e frequentavam bailes
familiares, enquanto os homens iam a reuniões de jogos. Praticamente não existia vida
noturna por causa da falta de iluminação.
Esse tipo de vida calmo e aparentemente sem preocupações foi de um dia para o outro
revolucionado pela chegada da família real portuguesa e toda a sua corte. Para atender
às suas exigências, foram logo construídas novas casas e reformadas as já existentes.
Os balcões fechados com madeira trançada, as rótulas, começaram a ser substituídos
por janelas com vidraças. Começaram a aparecer também residências isoladas, longe do
centro, em meio a jardins, com muitas árvores e gramados.
Com o aprimoramento do gosto, dos hábitos e dos costumes houve também um aprimoramento
cultural, por meio de novas escolas elementares, médias e superiores abertas não só no
Rio de Janeiro, mas também me outras capitais da província. A imprensa difundiu-se e
os livros começaram a circular fazendo crescer o interesse pela cultura e pelos estudos.
Fonte:
HOLANDA, Sério Buarque de. (org.) História geral da civilização brasileira, v.1. 1972,
p. 148 – 150.
Revisão
1808. A data, por mais insignificante que seja, representa um momento singular para o
77
Brasil, pois como vimos no decorrer deste capítulo, após a chegada da Família Real,
o Brasil, principalmente a cidade do Rio de Janeiro, passou a ser palco de muitas
transformações. Em nível nacional, a Abertura dos Portos possibilitou a construção
de uma nova teia de relações comerciais com outros países, a exemplo da Inglaterra,
diversificando o comércio local e a pluralidade de produtos vendidos e comprados no
Brasil. Em nível local, a cidade do Rio, sede da corte imperial, viveu novas reelaborações,
novas configurações espaciais e sentimentais, com a criação de casas de cultura, palcos
de saber, espetáculos teatrais, agências financeiras como o Banco do Brasil. Foi um
momento que D. João VI abriu as portas não apenas para as nações amigas, mas para a
mudança do próprio Brasil.
Atividades
Leitura de Imagens
78
a) os motivos de Napoleão pelo bloqueio;
b) as justificativas de Jorge III mostrando que tal ato francês é uma loucura;
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Caricature_gillray_plumpudding.jpg
c) Este texto vai orientar todo mundo: atores, criadores dos cenários, figurinos,
sonoplastas (que cuidam dos sons e músicas), iluminadores... Imagine algo
79
acontecendo de verdade. Feche os olhos e pense em todos os detalhes. Você
precisa descrever isto para que alguém veja exatamente o mesmo que você. Não
bastam os diálogos. Precisa mostrar que cara os atores fazem, os sons externos
etc.
d) Agora, mãos à obra, ou melhor, dedos ao teclado. Crie, invente, escreva. Depois,
compartilhe sua peça com os demais alunos da EAD no seu ambiente virtual.
Atenção 3. Os contos, no século XIX, eram muito utilizados pelos intelectuais que publicavam,
12
O conto é um gênero inicialmente, nos jornais diários. O conto12, como gênero textual, possui a
textual de ficção, no capacidade de falar determinadas verdades de uma maneira rápida, precisa. Para
qual representa os
acontecimentos humanos. exercitar a sua capacidade de escritor, escolha uma das temáticas trabalhadas
É uma prosa breve neste capítulo e elabore um conto. Após a elaboração, mostre ao seu professor-
que caracteriza-se por tutor. Depois da leitura do seu professor, poste-o na plataforma moodle.
apresentar a narratividade
como marca essencial.
Outros elementos
estruturais acentuam as
especificidades do conto
como gênero literário: Dica de Cinema
o reduzido número A Moreninha (1971). Direção: Glauco Laurelli.
de personagens; a
concentração do espaço No século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, jovem romântica vive um grande amor.
e do tempo em um único
Baseado no romance de Joaquim Manoel de Macedo.
relato; e a ação que
tende à simplicidade Carlota Joaquina (1994). Direção: Carla Camurati.
e à linearidade. Um
texto, portanto, conciso Sátira sobre a família real no Brasil, destacando a atuação de D. João e sua Esposa
e breve que busca, na Carlota Joaquina.
“economia” das palavras,
denunciar a condição de O Quinto dos Infernos (2002) Direção geral de Wolf Maya e Alexandre Avancini.
rapidez a que se encontra
submetido. Sua dimensão Produzida pela Rede Globo, num total de 48 capítulos. Foi escrita por Carlos Lombardi,
de complexidade se Margareth Boury e Tiago Santiago, com colaboração de Wolf Maya.
dá na profundidade do
que foi dito, provocando
uma unidade de efeito,
condição basilar de
sustentação semântica.
Ler mais: http://www.luso- Dica de Leitura
poemas.net
Revista de História da Biblioteca Nacional.
Referências
GOMES, Lauretino. 1822. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
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HEYNEMANN, Cláudia Beatriz, VALE, Renata William Santos do. Nas máquinas
do tempo: fábricas e manufaturas no Brasil joanino. Disponível em: http://www.
historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=974&sid=106.
Acessado em 21 set. 2011.
MALERBA, Jurandir. A corte no exílio. São Paulo: Companhia das letras, 2000.
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Conheça o Autor
Iranilson Buriti
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