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Literatura Inglesa

Material Teórico
Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.a Dr.a Palma Simone Tonel Rigolon

Revisão Técnica:
Prof.ª Dr.ª Nathalia Botura

Revisão Textual:
Prof. Esp. Bruno Reis
Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

• A Literatura Pós-Colonial
• Literatura Pós-Moderna
• Autores contemporâneos

O objetivo desta unidade é discutir alguns aspectos da literatura pós-colonial,


apontando características do hibridismo cultural e seus reflexos na literatura.
Trabalharemos também autores pós-modernos e contemporâneos.

Para obter um bom desempenho, você deve percorrer todos os espaços, materiais e
atividades disponibilizados na unidade.
Comece seus estudos pela leitura do Conteúdo Teórico. Nele, você encontrará o material
principal de estudos na forma de texto escrito. Depois, assista à Videoaula, que sintetizam e
ampliam conceitos importantes sobre o tema da unidade.
Por fim, consulte as indicações sugeridas nas seções Material Complementar e Referências
Bibliográficas para aprofundar e ampliar seus conhecimentos.
Lembramos você da importância de realizar todas as leituras e as atividades propostas dentro
do prazo estabelecido para cada unidade, no cronograma da disciplina, disponível no Bb no
link “Calendário”. Para isso, organize uma rotina de trabalho e evite acumular conteúdos e
realizar atividades no último minuto. Em caso de dúvidas, utilize a ferramenta “Mensagens” ou
“Fórum de dúvidas” para entrar em contato com seu(sua) tutor(a).
É muito importante que você exerça a sua autonomia de estudante para construir novos
conhecimentos.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Contextualização

Conforme já mencionamos, estudaremos a literatura pós-colonial, que busca constituir a


identificação de um povo e a maneira pela qual a língua, a cultura, a religião e a forma de
pensar foram alteradas em virtude de todo o processo colonial.
De acordo com o dicionário eletrônico Houaiss, a definição de pós-colonialismo é: “uma
corrente de crítica de inspiração pós-estruturalista que se especializa em buscar traços de
dominação colonial no pensamento e no texto literário”.
Segundo Aschcroft et al. (2001), o termo pós-colonialismo refere-se às culturas afetadas pelo
processo imperial do momento da colonização até o presente. Essa definição já revela que o
“pós” do termo não é uma referência temporal, a um evento passado, e sim uma referência de
lugar, ou seja, refere-se aos locais onde diferentes povos foram afetados pelo colonialismo.
Esse tipo de literatura nos proporciona o contato com diferentes culturas que foram silenciadas
por muito tempo devido à colonização e ao consequente poder do colonizador.
São considerados literatura pós-colonial os textos produzidos após a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945).
Após trabalharmos a literatura do pós-colonialismo, trabalharemos a questão da globalização
e seus reflexos na literatura inglesa.

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A Literatura Pós-Colonial

A literatura teve um papel importantíssimo durante o período da colonização. Como exemplo,


podemos citar o gênero romance, que foi central no processo de colonização da Índia.
Festino (2007) aponta que foi por meio do romance que as elites indianas se familiarizaram
com a maneira de pensar e os padrões culturais europeus e relegaram sua cultura a segundo
plano. Isso produziu uma aproximação dos ingleses e do modo ocidental de pensar, bem como
um afastamento de sua própria cultura, ou seja, os ingleses utilizaram sua tradição literária
para “civilizar” os indianos. Porém, o que os ingleses não consideraram foi o papel subversivo
da literatura: os colonizados se apoderaram da língua (o inglês) e do gênero (o romance) do
colonizador para recriar sua própria cultura, que tinha sido menosprezada pelo colonizador, e
assim resistir.
Festino (2007) ainda aponta como exemplo desse processo, o prefácio do romance indiano
Kanthapura (1938), do escritor Raja Rao. O teórico afirma também que o gênero é o elo
entre o escritor e o leitor. Muitos dos romances escritos na Índia no século XIX e na primeira
parte do século XX apresentam um prefácio no qual o escritor sente a necessidade de explicar
o novo estilo para sua audiência local e estrangeira. No prefácio de Kanthapura, Rao
narra o encontro entre a forma narrativa inglesa e a cultura indiana (Festino, 2007). Observe:

There is no village in India, however mean, that has not a rich


sthala-purana, or legendary history, of its own. Some god or
godlike hero has passed by the village — Rama might have rested
under this pipaltree, Sita might have dried her clothes, after her
bath, on this yellow stone, or the Mahatma himself, on one of
his many pilgrimages through the country, might have slept in
this hut, the low one, by the village gate. In this way, the past
mingles with the present, and the gods mingle with men to make
the repertory of your grandmother always bright. One such story
from the contemporary annals of a village I have tried to tell. The
telling has not been easy. One has to convey in a language that is
not one’s own, the spirit that is one’s own. One has to convey the
various shades and omissions of a certain thought movement that
looks maltreated in an alien language. I use the word ‘alien’, yet
English is not really an alien language to us. It is the language of our
intellectual make-up like Sanskrit or Persian was before — but not
of our emotional make-up. We are all instinctively bilingual, many
of us writing in our own language and in English. We cannot write
only as Indians. We have grown to look at the large world as part
of us. Our method of expression therefore has to be a dialect which
will some day prove to be as distinctive and colorful as the Irish or
the American. Time alone will justify it. After language the next
problem is that of style. The tempo of Indian life must be infused
into our English expression, even as the tempo of American or Irish
life has gone into the making of theirs. We in India, think quickly,
we talk quickly, and when we move, we move quickly. There must
be something in the sun of India that makes us rush and tumble and
run on. And our paths are paths interminable. The Mahabharata

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

has 214.778 verses and the Ramayana 48.000. The Puranas are
endless and innumerable. We have neither punctuation nor the
treacherous ‘ats and ons’ to bother us — we tell one interminable
tale. Episode follows episode, and when our thoughts stop our
breath stops, and we move on to another thought. This was and
still is the ordinary style of our story-telling. I have tried to follow
it myself in this story. It may have been told of an evening, when
as the dusk falls, and through the sudden quiet, lights leap up in
house after house, and stretching her bedding on the veranda,
a grandmother might have told you, newcomer, the sad tale of
her village.
(RAO, 1938, apud FESTINO, 2007)

Festino (2007) explica que Rao é ciente de que seu texto implica duas audiências e olha em
duas direções, já que, no tempo ficcional do texto, ele relaciona a cultura do colonizador à dos
indianos. Por um lado, Rao diz escrever um “romance”, apropriando-se de uma forma europeia
de narrar; por outro, ele explica que, segundo a tradição literária indiana, lenda e história vão
se entrelaçar no seu texto quando homens, como Gandhi, e deuses, como Rama (que, por sua
vez, compartilham do divino e do humano ao mesmo tempo) vão caminhar pelas mesmas ruas.
Assim, por meio da sua narrativa, o gênero romance vai ser vernacularizado quando o tempo
divino e o mortal, o presente e o passado da nação, passam a coexistir lado a lado.

Essa discussão nos mostra o hibridismo cultural trazido pelo processo de colonização. Tanto
a cultura do colonizado como a do colonizador são influenciadas, tornando-se híbridas.

Então percebemos que esse hibridismo começou há muito tempo, não é mesmo? Imagine
agora como as culturas se influenciam nesse mundo globalizado em que vivemos. Sabemos
o que se passa do outro lado do mundo em questão de segundos, temos acesso a todas as
culturas por meio de um clique. Então, a globalização afeta a literatura e a língua dos povos do
mundo. É importante termos isso em mente.

Bem, agora que discutimos um pouco sobre o hibridismo presente na literatura pós-colonial
e abordamos brevemente o hibridismo trazido pela globalização, vamos tratar dos autores
contemporâneos que, inevitavelmente, são influenciados por todas as questões que foram
abordadas até agora.

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Literatura Pós-Moderna
O Pós-Modernismo é um movimento literário que teve início a partir de 1950, uma época
marcada pela Guerra Fria e pelos excessos de consumo. Difere do Modernismo porque tira
o convencional de foco e sua estrutura é completamente solta no tempo e no espaço. Além
disso, esse movimento não tem a preocupação em atender o gosto popular.
Como uma das características, podemos dizer que há uma tentativa de estabelecer a validade
trans-histórica ou transcultural, que afirma que a pesquisa para a realidade é inútil, já que o
“real” é condicionado por tempo, lugar, raça, classe, gênero e sexualidade. Não há nenhum
conhecimento ou experiência que seja superior ou inferior a outra.
Esse período foi desenvolvido na segunda metade do século XX, influenciado por uma série
de acontecimentos que marcaram a época, como, por exemplo, o genocídio que ocorreu
durante a Segunda Guerra Mundial, a Revolução Cultural chinesa, a destruição em massa
causada por bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, a insegurança da Guerra
Fria, bem como a supremacia de corporações multinacionais, e o pós-industrialismo, com as
novas tecnologias, a violência, a contra-cultura e a cultura de consumo, tudo isso influenciou a
percepção dos escritores da época.
Enquanto o Pós-Modernismo teve pouca relevância para a poesia e apenas uma influência
limitada no drama moderno (aplicada apenas para o Teatro do Absurdo), teve um enorme
impacto na ficção, especialmente nos romances. Podemos citar os seguintes autores: Samuel
Beckett (1955) e John Osnorne (1956), com o teatro do absurdo; as mulheres escritoras que
discutiam a questão do feminismo, como Angela Carter e Fey Weldon; George Orwell (1949);
William Goldwin (1954).
Escolhemos o autor Graham Greene e sua obra The Power of Glory (1939) para analisar.
Vamos a ele?

Graham Greene (1904-1991)


Henry Graham Greene nasceu em 2 de outubro de 1904 em
Berkhamsted, Inglaterra. Teve uma infância difícil, tentou suicídio em várias
ocasiões. Por causa disso, foi encaminhado a uma terapeuta que lhe sugeriu
que olhasse para a escrita como uma forma de lidar com suas emoções
turbulentas.
Na Balliol College, em Oxford, estudou história moderna, trabalhou como
editor de um jornal do campus e viveu um estilo de vida um tanto quanto
libertino. Após a graduação, trabalhou para o jornal The Nottingham
Journal e conheceu sua futura esposa, Vivien Dayrell-Browning, que foi
fundamental para sua conversão ao catolicismo.
Fonte: Wikimedia Commons Após a publicação de The Man Within, que foi um sucesso comercial e
de crítica, começou a escrever em tempo integral. Depois de certo tempo,
começou a escrever roteiros de filmes, críticas para cinema e tornou-se um
crítico bem conceituado.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Em 1939, escreveu The Power of Glory (O Poder e a Glória), que é uma crítica à perseguição
religiosa. Nesse mesmo ano, publicou The Confidential Agent e escreveu histórias infantis,
que foram publicadas após o fim da guerra. Seu romance The Heart of the Matter é baseado
em suas experiências em Serra Leoa durante a guerra, onde passou a trabalhar para o Serviço
Secreto de Inteligência em 1941.
Ao longo de sua vida, Greene frequentemente visitava locais de conflito como Vietnã,
Quênia, Polônia, Cuba e Haiti, com o objetivo de coletar material para seus romances.
O autor morreu na Suíça em 1991.
Burgess (2008) aponta que Greene mostra-se obcecado pelo problema do bem e do
mal. Segundo o teórico, seus livros são uma mistura de “teologia e do mais direto realismo
moderno”. São essas características que veremos em O Poder e a Glória.

The Power and the Glory (O Poder e a Glória, 1939)


Vamos começar contando um pouco sobre os personagens principais dessa história.
» O Padre: sem nome durante toda a narrativa, também chamado de “o padre uísque”, é
o protagonista do romance. Passa a maior parte da narrativa em fuga da polícia por ser
o único padre católico remanescente e atuante. Sem amigos e sem teto, está à procura
de um propósito para sua vida. Depois de algum tempo, o Padre encontra sua filha,
fruto de um caso secreto com uma das paroquianas.
» O Tenente: defensor da lei e opositor da Igreja Católica, é o perseguidor do Padre. Seu ódio
pela Igreja vem de sua infância.
» O Mestiço: uma pessoa que o Padre encontra em sua jornada, é de caráter duvidoso e
tem por objetivo enganar o Padre.
Agora que já conhecemos os principais personagens dessa história vamos contar rapidamente
um pouco da trama antes de analisá-la.
No início da narrativa, o Padre já está em fuga da polícia. Nessa fuga acaba indo para uma
aldeia onde já havia trabalhado e encontra Maria, com quem teve uma filha, Brígida.
Depois de rezar a missa, o Tenente aparece com soldados para prender o Padre. O Padre
vai para a praça da cidade com o objetivo de enfrentar seus “inimigos”, porém ninguém
o delata e o Tenente acaba levando uma mulher como refém caso ninguém conte sobre o
paradeiro do Padre.
Nosso protagonista vai para a cidade de Carmen e, no caminho, encontra um homem
conhecido como Mestiço que o acompanha em sua jornada. A intenção do Mestiço é entregá-
lo para a polícia para obter o dinheiro da recompensa.
O Padre acaba sendo preso por outro motivo. Na prisão, encontra o Mestiço novamente.
Acaba sendo solto.
Depois de vários acontecimentos, o Padre é finalmente preso.

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Análise
Nessa narrativa, Greene analisa as bases do pecado e da salvação e tem como foco os
últimos meses de vida de um homem que é o último padre católico que ainda pratica sua
vocação clandestinamente.
O mais genial da obra é que o autor permite que o leitor tire suas próprias conclusões com
relação ao destino do Padre na eternidade.
A obra nos mostra o contrassenso do ser humano por meio do personagem principal, que
insiste em continuar praticando sua vocação às escondidas para realizar a vontade de Deus,
mas por outro lado, é um beberrão que cometeu adultério.
O texto mostra duas visões, a reflexão do Padre sobre o estado de sua alma e sobre as questões
teológicas, como o pecado, por exemplo. Veja o excerto a seguir, extraído do Capítulo 3.

That was another mystery: it sometimes seemed to him that


venial sins—impatience, an unimportant lie, pride, a neglected
opportunity—cut off from grace more completely than the worst
sins of all. Then, in his innocence, he had felt no love for anyone:
now in his corruption he had learnt…
(GREENE, 1939)
Ao abordar os pecados veniais, que são os pecados considerados mais leves, o autor os
retrata como sérios, pois podem passar despercebidos na vida das pessoas e por isso podem
causar um atraso no aperfeiçoamento do espírito. Porém Greene aponta que, mesmo os
pecados sendo considerados “piores”, as pessoas que os cometem são consideradas “inocentes”
porque não têm consciência deles.
No caso do protagonista da narrativa, ele aprende a sentir amor mesmo com seus atos “corruptos”.
O trecho a seguir, extraído do Capítulo 2, descreve o Tenente. Por meio desse personagem,
o autor tece uma crítica velada às pessoas sem fé. Observe:

Heat stood in the room like an enemy. But he believed against


the evidence of his senses in the cold empty ether spaces.
A radio was playing somewhere: music from Mexico City, or
perhaps even from London or New York filtered into this obscure
neglected state. It seemed to him like a weakness: this was his own
land, and he would have walled it in with steel if he could, until
he had eradicated from it everything which reminded him of how
it had once appeared to a miserable child. He wanted to destroy
everything: to be alone without any memories at all
(GREENE, 1939, grifo nosso)

Esse excerto enfatiza a crença do Tenente no vazio. Curiosamente, o narrador afirma


que, mesmo contra tudo, é necessário ter fé em alguma coisa, mesmo que seja uma fé sem
propósito, ou seja, segundo o autor, a crença no nada não existe verdadeiramente.
Percebemos também que o calor e a música aparecem como “inimigos” do Tenente e
são coisas que enfeitam a vida do ser humano “normal”. O narrador deixa registrado que os
sentimentos do Tenente são cheios de violência e negação à vida; são sentimentos de alguém
que é contra o catolicismo, contra a vida.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

No Capítulo 1, também encontramos uma citação importante que ilustra a linha tênue que
existe entre o desejo de perfeição espiritual e a perfeição como algo que não faz parte da
humanidade, já que o ser humano é imperfeito por natureza.

One mustn’t have human affections—or rather one must love


every soul as if it were one’s own child. The passion to protect
must extend itself over a world—but he felt it tethered and aching
like a hobbling animal to the tree trunk. He turned his mule south
(GREENE, 1939)

Nesse trecho, o Padre sente-se culpado por amar tanto sua filha, fruto de adultério, pois,
de acordo com sua religião, ele teria de amar a todos da mesma maneira, sem parcialidade.
Essa é uma questão implícita em todo o romance e deixa vários questionamentos ao leitor,
como, por exemplo, até que ponto os seres humanos são obrigados a se libertar de respostas
comuns, habituais e buscar algo mais elevado; em que situações é melhor aceitar a natureza
humana como falível.
A citação também apresenta uma metáfora interessante que é a do “animal mancando”,
que evidencia o desespero sobre a percepção de que seu amor é pontual e limitado e compara
esse sentimento com o animal que não pode se mover. Mas percebemos que esse animal
se movimenta, ou seja, percebe o que sente, luta contra esse sentimento, que deveria sentir
sendo um padre, e continua em sua busca de aprimoramento, dentro de seus limites humanos.
Veja agora um trecho do último capítulo, em que Greene descreve as reações das pessoas
diante da execução do Padre. Ele termina com a reação de um menino, observe as imagens
de Jesus que o autor tece no sonho do menino Júlio César.

He dreamed that the priest whom they had shot that morning was
back in the house dressed in the clothes his father had lent him
and laid out stiffly for burial. The boy sat beside the bed and his
mother read out of a very long book all about how the priest had
acted in front of the bishop the part of Julius Caesar: there was
a fish basket at her feet, and the fish were bleeding, wrapped in
her handkerchief. He was very bored and very tired and somebody
was hammering nails into a coffin in the passage. Suddenly the
dead priest winked at him—an unmistakable flicker of the eyelid,
just like that.
(GREENE, 1939, grifo nosso)
Só para relembrar, Júlio César, além de ter sido vítima de traição e assassinato, tem as
mesmas iniciais de Jesus Cristo. O autor também menciona cestos de peixes, sangramento,
que são referências à multiplicação dos pães e dos peixes e à crucificação.
Outra referência, porém menos dramática, é quando o Padre treme as pálpebras, significando
que voltou à vida após sua execução.
Para finalizar, o autor deixa por conta do leitor decidir como será a vida do Padre na eternidade.
Espero que você tenha gostado da obra e tenha a curiosidade para ler outros romances de Greene.

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Autores Contemporâneos
Não podemos deixar de abordar os autores contemporâneos, não é mesmo? Vamos
começar mencionando autores importantes da virada do século.

Ian McEwan (1948-) escreveu muitas obras importantes e ganhou vários prêmios.
Podemos citar: Primeiro Amor, Últimos Ritos (First Love, Last Rites, 1975), que recebeu o
Somerset Maugham Award; Entre os Lençóis (In Betweeen The Sheets, 1978); O Jardim de
Cimento (The Cement Garden, 1978); Ao Deus-Dará (The Comfort of Strangers, 1981); A
Criança no Tempo (The Child In Time, 1987); Amsterdã (Amsterdam, 1998), que recebeu
o Man Booker Prize; Reparação (Atonement, 2001); Serena (Sweet Tooth, 2012). Como já
dissemos, focalizaremos esse autor nesta unidade.

Podemos citar também o autor japonês naturalizado inglês Kazuo Ishiguro, que escreveu
obras como: Uma Pálida Visão dos Montes (A Pale View of Hills, 1982); Um Artista do
Mundo Flutuante (An Artist of the Floating World, 1986); Os Vestígios do Dia (The Remains
of the Day, 1989); Não Me Abandone Jamais (Never Let Me Go, 2005).

Não podemos deixar de mencionar dois autores escoceses importantes, Irvine Welsh e
William Boyd.

Welsh publicou seu primeiro romance, Trainspotting, em 1993 e outras obras importantes
vieram depois, como The Accid House (uma coletânea de contos), The Bedroom Secrets of
the Master Chefs (2006) e The Sex Lives of Siamese Twins (2014).

William Boyd teve várias de suas obras premiadas, como Um Homem Bom na África
(1981), vencedor do prêmio Whitbread e do prêmio Somerset Maugham; Uma Guerra de
Sorvete (1982), vencedor do Prêmio John Rhys Llewellyn; A Praia de Brazzaville (1990),
vencedor do prêmio McVitie e do James Tait Black Memorial Prize; A Tarde Azul (1993),
vencedor do Livro do Ano do Sunday Express (1993) e do Prêmio de Ficção do Los Angeles
Times (1995); Any Human Heart (2002), vencedor do Prix Jean Monnet.

É claro que temos de mencionar a literatura popular inglesa do século XX, que foi bastante
importante e é muito conhecida, principalmente entre os jovens: Agatha Christie (1890-
1976), com seus famosos romances de suspense; Ian Fleming (1908-1964), autor das
histórias de James Bond; J. R. R. Tolkien (1892-1973), com sua famosa obra O Senhor dos
Anéis; C. S. Lewis (1898-1963), com As Crônicas de Nárnia.

No tocante à literatura infantil, podemos citar Enid Blyton (1897-1968), J. K. Rowling


(1965-), com o estrondoso sucesso Harry Potter; Roald Dahl (1916-1990), com sua famosa
obra Charlie e a Fábrica de Chocolate.
Como já dissemos, nosso foco será Ian McEwan. Vamos começar conhecendo um pouco
sobre sua história.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Ian McEwan (1948-)


O autor inglês passou parte de sua infância na Alemanha e no
norte da África porque seu pai era oficial do Exército e viajava
constantemente. Hoje mora em Londres. Seu último romance é The
Children Act (2014).

Como já vimos, o autor ganhou vários prêmios com suas obras. A


obra que escolhemos para analisar aqui é Atonement (Reparação),
publicada em 2001.
Fonte:Thesupermat/Wikimedia Commons

Assista à entrevista com McEvan sobre seu processo de criação. Disponível em:
https://goo.gl/v7ku2L

Atonement – (Reparação, 2001)


Vamos iniciar com um breve resumo da história, que você certamente já deve ter lido.
A história começa em uma pequena cidade do interior da Inglaterra no início do século XX
e é sobre uma família de classe alta, os Tallis, que é tradicional e que enfrenta os problemas
típicos dessa classe.
Os pais, Jack e Emily, vivem uma relação conturbada. Jack trabalha enquanto Emily fica
em casa praticamente reclusa por causa de suas constantes dores de cabeça. O casal tem três
filhos: Leon e Cecília, já adultos, e Briony, uma adolescente de treze anos de idade.
A narrativa é dividida em três partes: a primeira é narrada sob a ótica de Briony; a segunda,
sobre o problema enfrentado por Robbie (filho da governanta e namorado de Cecília) que é acusado
injustamente por Briony de violência sexual; e a terceira, sob a perspectiva de Cecília, que se afasta
da família para esperar por Robbie.
A história começa com a família Tallis esperando a visita dos primos e Briony escreve uma
peça que será representada por eles. Briony adora escrever.
Cecília e Robbie (filho da governanta da casa e considerado como filho pela família) acabam
se apaixonando.
Um fato importante que influencia toda a trama é um episódio em que Cecília pega um vaso
antigo, valioso e de grande valor sentimental para a família para colocar flores que recebera de
seu primo. Decide ir até a fonte para pegar água. Lá encontra Robbie, que insiste em ajudá-
la a encher o vaso. Os dois acabam deixando o vaso cair. Cecília fica muito irritada, Robbie
assume a culpa, o que não ameniza a raiva da moça, que tira a roupa e mergulha na fonte
para pegar os pedaços do vaso. Ao sair da água, Robbie observa seu corpo molhado e sedutor.
O que eles não sabiam é que Briony assistia tudo da janela e entendia a cena de acordo com
a imaginação de uma garota de treze anos.

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Robbie decide escrever uma carta para Cecília e acaba escrevendo duas. Em uma delas,
ele relata todo seu desejo sexual por ela e, na outra, uma carta mais formal, fala de seu amor.
Robbie acaba pegando a carta errada e pede para que Briony a entregue para Cecília. Briony lê
a carta antes de entregá-la e fica chocada com o que lê, achando que Robbie é um pervertido.
A prima Lola é encontrada por Briony, chorando porque havia sido violentada. Briony
afirma ter visto o autor da violência e acusa Robbie, que acaba sendo preso.
Conforme o desenrolar da trama, a história é direcionada para a Londres de 1940 até mais
ou menos 1990, quando Robbie sai da prisão para juntar-se à Força Expedicionária Britânica
contra os nazistas.
A parte final do livro é contada por Briony em primeira pessoa que, aos 70 anos de idade, é
uma autora famosa e acaba de saber que sofre de uma doença muito séria e que em um curto
espaço de tempo a levará à senilidade e à morte. O leitor fica sabendo que o livro Atonement
é escrito por ela.
Para publicação da obra, Briony espera pela morte de Paul e Lola, temendo ser processada
por eles. Porém, ao saber de sua doença, teme que sua obra não seja publicada em vida. Além
disso, faz uma importante revelação ao dizer que a história não é totalmente verdadeira, que
Cecília e Robbie não ficam juntos, mas morrem durante a guerra. Robbie é acometido por
uma doença contagiosa e não resiste e Cecília morre em um bombardeio em Londres.

Análise da obra
Um dos aspectos importantes da obra é o uso da metalinguagem, ou melhor, a metaficção,
que possibilita ao leitor entrar no espaço literário, como se estivesse participando de sua
produção, o que é conseguido a partir da criação do personagem-autor, no caso, Briony. O
extraordinário é que o leitor só perceberá que está lendo uma narrativa escrita por Briony
por volta mais ou menos da página 300 do livro. Sendo assim, não existe distinção entre o
escritor, o narrador onisciente e a voz narrativa de Briony que o leitor só percebe ao final da
narrativa, quando ela assina “BT” (Briony Tallis).

Metaficção, de acordo com Linda Hutcheon (1984), é a ficção sobre a ficção,


isto é, a ficção inclui dentro de si mesma o comentário sobre a narrativa, como é
Glossário o caso de Briony que narra a história e comenta sobre ela.

Outro ponto importante que devemos enfatizar com relação ao estilo do autor é a utilização
da técnica do fluxo de consciência para revelar o pensamento dos personagens. Vamos ver
um excerto para exemplificar.

O “fluxo de consciência” em Atonement se refere ao seu modo de narrativa. Esse


modo narrativo consiste em pensamentos aleatórios, memórias e na descrição
dos eventos, que são contados de uma forma desorganizada assumindo que
o narrador, que pode ou não ser o personagem principal, está ativamente se
lembrando deles ao longo da história. Outro aspecto desse estilo de narrativa é
que o narrador analisa constantemente emoções e pensamentos.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Briony carried her half-smoked cigarette to the sink. She was


feeling sick... Her sister’s confirmation of her crime was terrible to
hear. But the perspective was unfamiliar. Weak, stupid, confused,
cowardly, evasive- she had hated herself for everything she had
been, but she had never thought of herself as a liar.
(MCEWAN, 2001)

A obra apresenta muitos exemplos dessa técnica porque os eventos são contados a partir
do ponto de vista de Briony, ou seja, como ela lembra e entende tais eventos. Isso porque,
aos treze anos de idade, a visão de Briony é baseada em sua própria perspectiva. Como se
ela, uma jovem mulher, tivesse de explicar para si mesma (assim como para o leitor) seu papel
nos acontecimentos que levaram a família Tallis ao caos. Veja mais um exemplo:

As into the sunset we sail. An unhappy inversion. It occurs to me


that I have not traveled so very far after all... Or rather, I’ve made
a huge digression and doubled back to my starting place. It is only
in this last version that my lovers end well, standing side by side on
a South London pavement as I walk away.
(MCEWAN, 2001)

Esse exemplo em particular mostra os pensamentos desorganizados e repentinos que


surgem com o desenrolar da história e como eles expressam o inconsciente do narrador.
Agora que você já sabe um pouco sobre a história, vamos pensar sobre o título. Podemos
dizer que a reparação acontece desde o início da narrativa em que Briony, após perceber seu
erro, busca repará-lo ao longo da história, principalmente ao final, quando diz que o encontro
entre Cecília e Robbie não aconteceu de verdade.
Vamos aprender um pouco sobre os personagens principais?
Começaremos com Briony. Você já deve ter percebido a paixão de Briony em escrever, não
é mesmo? Também deve ter notado que a personagem-autora tem necessidade de perfeição;
quando criança, achava que o mundo girava ao seu redor. O equívoco em achar que Robbie
havia estuprado Lola desencadeia toda a trama e, ao perceber seu erro, Briony tenta repará-lo.
Então, tenta fazer com que “seus” amantes, Cecília e Robbie, sejam felizes pelo menos em sua
história. Notamos então o perfeccionismo e a autocentralidade da personagem: no primeiro
momento, quando acredita estar salvando sua irmã de um maníaco, e depois ao pensar que
por meio de sua história tudo poderia ser perdoado diante de um final feliz. O excerto a seguir
mostra algumas características de Briony. Observe:

[Briony] felt foolish, appearing to know about the emotions of


an imaginary being. Self-exposure was inevitable the moment
she described a character’s weakness; the reader was bound to
speculate that she was describing herself... Only when a story
was finished, all fates resolved and the whole matter sealed off at
both ends so it resembled, at least in this one respect, every other
finished story in the world, could she feel immune.
(MCEWAN, 2001)

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Percebemos a luta constante de Briony em perceber o que vai na mente dos outros
personagens. Ela sente-se meio tola ao tentar “entrar” na mente dos outros personagens.
Além disso, ela enxerga as fraquezas alheias como se fossem suas. Se observarmos, nem
mesmo ao final da narrativa Briony sente-se segura, já que é o leitor quem vai decidir sobre a
reparação de seu ato.
Cecília, como você deve se lembrar, é a irmã mais velha de Briony. Podemos considerá-la
como a “outra metade” de Robbie. O personagem se desenvolve por meio dos diálogos com
Robbie e Briony. Não podemos nos esquecer de que é Briony quem narra a história, então
o personagem de Cecília foi construído por ela. Veja a seguir um trecho que ilustra a relação
das duas:

This would not be the first time [Cecilia] had rescued Briony from
self-destruction.
(MCEWAN, 2001, p. 41)

Note que, no início, Cecília, como irmã mais velha, protege Briony. Porém mais tarde,
Briony acusa Robbie com o intuito de proteger sua irmã, como se fosse sua vez de protegê-la,
como se ela precisasse retribuir tal proteção.
Robbie pertence a outra classe social, diferente dos Tallis, mas, em virtude do abandono de
seu pai, os Tallis lhe pagam os estudos (ele e Cecília vão estudar na mesma universidade) e o
acolhem. O excerto a seguir mostra a maneira com que Robbie enxerga sua vida:

He knew by heart certain passages from her letters, he had revisited


their tussle with the vase by the fountain, he remembered the
warmth from her arm at the dinner when the twins went missing.
These memories sustained him, but not so easily. Too often they
reminded him of where he was when he last summoned them.
They lay on the far side of a great divide in time, as significant as
B.C. and A.D. Before prison, before the war, before the sight of a
corpse became a banality.
(MCEWAN, 2001, p. 213)

Observe que Robbie vê sua vida em duas partes: antes e depois da acusação de Briony. Suas
lembranças de antes do incidente refletem a felicidade do passado e ele acaba agarrando-se
a esse passado para conseguir levar sua vida em frente, como por exemplo, ao esperar pelas
cartas de Cecília.
Esse romance é fascinante e envolvente, assim como as outras obras do autor. Espero que
você tenha se contagiado com a história e leia mais obras de Ian McEwan.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Material Complementar

Aproveite o material elencado abaixo para aprimorar seu conhecimento.


Nos dois links seguintes, você poderá acessar os e-books em português e em inglês. Escolha
de acordo com sua proficiência linguística.
Vídeos:
A seguir, deixo alguns links para que você saiba mais a respeito da análise dessa obra e
aproveite para praticar a habilidade de compreensão da língua inglesa.
Análise de The Power and the Glory, em inglês, disponível em: https://youtu.be/f3lCtjJvbsw

Filme:
No link seguinte, você poderá assistir ao filme baseado no romance de Ian McEwan.
Atonement (2007), disponível em:
https://goo.gl/TG3rZx

Livros:

The Power and the Glory, em inglês, disponível em: http://bookarest.net/?p=13703

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Referências

ASHCROFT, B.; GRIFFITHS, G.; TIFFIN, H. Post-colonial concepts: the key concepts.
London: Routledge, 2001.

BORGES, J. L. Curso de literatura inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. São Paulo: Ática, 2008.

FESTINO, C. G. Hybridity and travel writing in English: the grand tour and the imperial frontier.
Letras e Letras, Uberlândia v.26, n.2, p. 325-343, 2010.

_________. Uma praja ainda imaginada: uma representação da nação em três romances
indianos de língua inglesa. São Paulo: EDUSP, 2007.

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Unidade: Literatura Pós-Colonial e o Mundo Globalizado

Anotações

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