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As 95 Teses de Martin Lutero Página 1 de 11

Estudo Introdutório às 95 Teses de Martinho


por
ALEXANDER
Lutero*
MARTINS Alexander Martins Vianna
VIANNA
Professor do
Departamento de -1-
História da FEUDUC-
Segundo a tradição luterana que celebra a persona Lutero (1483-1546), as “95
RJ
Teses” foram afixadas na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg em 31 de outubro
de 1517. Se este ato, recorrentemente celebrado como fundador da Reforma
Luterana, realmente aconteceu, não teria, em si mesmo, nada de excepcional: na
verdade, isso era um modo costumeiro de se anunciar uma “disputa” ou “justa
teológica” entre os doutos de Wittenberg. Portanto, não se tratava de uma ação que
deveria ter uma conotação individual, visto que as disputas eram debates que
VERSÃO PARA envolviam professores e estudantes. Isso explica o fato de Lutero pedir para aqueles
IMPRIMIR que não pudessem se fazer presentes à disputa que, ao menos, enviassem as suas
opiniões por escrito para serem lidas. Afinal, segundo as regras da eloqüência, as
“teses” deveriam ser vistas como “pontos a serem debatidos” em uma plenária de
doutos.
clique e acesse
Nesse sentido, trata-se de um ato público envolvendo doutos e/ou seus estudantes,
todos os textos
como demonstra o fato de as teses terem sido escritas originalmente em latim e não
clássicos publicados
em alemão (língua familiar de Lutero). Observa-se também que o tom irônico e uma
certa preocupação com a métrica e a rima fazem parte do ritual de “belo
discurso” (arte da retórica) – conhecimento obrigatório nas universidades de teologia
e direito da época de Lutero. Portanto, ao lançar as suas “95 Teses”, Lutero tornava
públicas (mas não populares) as suas idéias, com a finalidade de expor a doutos
algumas questões que o incomodavam a respeito das “vendas de
perdão/indulgências”, cujas contradições práticas e doutrinais, somadas à corrupção
de determinados setores do clero, eram vistas por ele como uma ameaça à
credibilidade da fé cristã e da Igreja de Roma. Isso significa que, ao tornar públicas as
suas teses, Lutero esperava receber o apoio do papa, em vez de sua censura. No
entanto, depois de novas disputas teológicas, desta vez com agentes enviados pelo
Papa Leão X (1475-1521; pontificado: 1513-1521), foi redigida contra Lutero uma
carta de excomunhão datada em 21 de janeiro de 1521, que ele receberia meses
depois.
-2-
Entre 1517 e 1521, Lutero fora submetido a algumas disputas teológicas – e quase
metade de suas teses foi refutada pelos doutos do papa. Aos poucos, a situação
fugiu dos muros da universidade, e muitas idéias de Lutero foram convenientemente
distorcidas por membros da nobreza alemã, que utilizaram a “desculpa da fé” para
tomar bens e terras de famílias inimigas e da própria Igreja. Imprevisivelmente, toda
esta situação foi consolidando uma atmosfera de cisma religioso na Europa que
estava longe das intenções de Lutero. Portanto, deve-se entender que a ação de
Lutero misturou-se involuntariamente com interesses políticos e com outras
tendências do debate teológico e da cultura religiosa que remontavam ao século XIII.
Ora, isso nos possibilita entender por que Lutero manifestou-se tanto contra as
revoltas camponesas (marcadamente “anabatistas”) quanto contra os nobres que
mesclavam seus interesses mundanos com o debate teológico que ele suscitara.
Além disso, não se deve perder de vista que Lutero estava historicamente inscrito no
universo sociocultural do Antigo Regime e, portanto, era muito cioso das hierarquias
sociais. Por isso mesmo, criticava a nobreza e parte do clero por não darem “bom
exemplo” ao explorarem os camponeses com tributações extraordinárias, pois isso
apenas servia, segundo a sua opinião, para alimentar novas circunstâncias de
revoltas sociais. Assim, não é paradoxal que, em 1520, ele tenha escrito o seu
“Apelo à Nobreza Germânica” e, em 1525, no contexto das guerras camponesas,
tenha escrito “Sobre a Autoridade Secular”, admoestando ambos os estamentos por
criarem situações de instabilidade política e social.
Nestes dois escritos, Lutero define claramente o caracter secular da autoridade
política como chave para se manterem equilibrados os direitos e responsabilidades
que justificavam as hierarquias sociais tradicionais. Portanto, frente a um mundo que
se apresentava instável e inseguro, Lutero apelava para dispositivos tradicionais
como meios de restauração da segurança no mundo, mas com uma novidade
doutrinal que jamais foi praticada plenamente em parte nenhuma da Europa do
Antigo Regime: uma década antes de ceder ao pragmatismo dos príncipes
protestantes da Liga de Smalkalde (1531-1547), quando então ratificou o princípio
“cujus regio, ejus religio”, Lutero afirmava que era Deus que deveria julgar a fé

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individual e, portanto, nenhuma autoridade política deveria, em nome dela, causar


perdas de vida e de bens entre seus súditos.
-3-
Por fim, valeria fazer uma última indagação: Se a ação de Lutero de lançar as suas
teses em 1517 não teria nada de excepcional, por que posteriormente isso foi
celebrado em muitos livros didáticos de história com uma certa conotação de
heroicidade ou excepcionalidade?

 Em primeiro lugar, porque os desdobramentos não necessariamente luteranos


de uma fé reformada ganharam avultado corpo e agentes sociais nas décadas
que se seguiram a Lutero. Sem isso, não há quem celebre ou crie memória
social em torno de determinado evento como “marco fundador”. Em todo caso,
foi ao final do século XVII, contexto da expansão militar de Luís XIV (que
revogou o Édito de Nantes em 1685) na Europa Central, que se começou a
celebrar nos meios protestantes o “dia de lançamento das 95 Teses de Lutero”
como um marco histórico de ruptura com Roma.
 Em segundo lugar, desde meados do século XVIII, várias idéias de outros
escritos de Lutero foram lidos numa chave interpretativa iluminista de
progresso cultural, particularmente as implicações sociais e institucionais de
sua percepção de que a fé ou a consciência religiosa não deveria ser matéria
dos príncipes. Aliás, vale lembrar que Immanuel Kant (1724-1804) está inscrito
na tradição luterana quando escreve o artigo “O que é
Esclarecimento?”(1784), no qual define um nexo causal entre secularização,
tolerância religiosa e progresso cultural.
 Em terceiro lugar, é bastante significativo lembrarmos que, no último terço do
século XIX, políticos e intelectuais – bem antes da sociologia de Max Weber –
começaram a estabelecer um nexo causal entre “protestantismo”, “progresso
capitalista” e “expansão colonial moderna”, de modo a explicar e justificar a
emergência imperial da Grã-Bretanha e da Prússia em face à “decadência
ibérica” e à “derrocada napoleônica”.

Cronologia:
1483, 10 de novembro: Nasce Lutero.
1509: Henrique VIII(1491-1547) torna-se rei da Inglaterra. Nasce João Calvino em 10
de julho.
1517, 31 de outubro: Lutero fixa as suas “95 Teses” na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg.
1518: Lutero recusa-se a retratar-se perante o papa Leão X(1475-1521; pontificado:
1513-1521).
1520, junho: Leão X condena 41 proposições de Lutero.
1521, 21 de janeiro: Leão X excomunga Lutero, mas levam vários meses até a ordem
de excomunhão chegar à Alemanha.
1522: Lutero publica a sua advertência contra os distúrbios e publica a tradução do
grego para o alemão do Novo Testamento, com gravuras de Lucas Cranach (1472-
1553).
1523: Lutero publica texto que fala do direito de a comunidade de fiéis julgar toda a
doutrina e nomear e demitir clérigos.
1524-1525: Revolta camponesa liderada por Thomas Müntzer (1490-1525).
1525: Lutero publica texto contra os “profetas sagrados” e contra as “revoltas
camponesas”.
1528: Mandato imperial ameaça de morte os anabatistas.
1530: Carlos V (1500-1558) – rei de Espanha desde 1516 e eleito imperador
Habsburgo desde 1519 – fracassa em impor uma ortodoxia religiosa ao império.
1534: Ruptura de Henrique VIII da Inglaterra com Roma, supressão dos monastérios
e concessão de permissão para os padres se casarem. Na Alemanha, Lutero publica
a tradução do hebreu para o alemão do Velho Testamento.
1534-1535: Anabatistas tomam o poder em Münster, mas seu “reino” é derrubado
pela coligação de forças católicas e protestantes.
1536: Surge a primeira edição de “Instituições da Religião Cristã”, de João Calvino.
Ocorre também a introdução da bíblia vernacular na Inglaterra.
1542: Calvino organiza o seu catecismo em Genebra.
1544: Calvino admoesta os anabatistas.

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LEIA + 1545, 13 de dezembro: Começa o Concílio de Trento.


1546, 18 de fevereiro: Morre Lutero.
O que é
1547: Eduardo VI(1537-1553) assume o trono na Inglaterra e demonstra forte
esclarecimento? tendência calvinista.
Por Emmanuel Kant
[Apresentação, 1549: Eduardo VI lança o livro de pregações e pretende forçar a uniformidade
tradução e notas: religiosa em torno da fé reformada na Inglaterra.
Alexander Martins
Vianna ] 1553: Morre Eduardo VI e sua irmã mais velha, Maria I(1516-1558), pretende o
retorno da Inglaterra ao Catolicismo.
Novo Moderno 1558: Morre Carlos V da Espanha e Maria I da Inglaterra. Elizabeth (1533-1603)
Prometeu: O assume o trono da Inglaterra e tenta restaurar o anglicanismo de seu pai, Henrique
Espelho de VIII, o que significava evitar os extremos puritano(Eduardo VI) e católico(Maria I).
Victor 1560, Março: Fracasso de uma conspiração de jovens aristocratas huguenotes contra
Frankenstein a Casa Católica do Duque de Guise na França. Primeiro édito de tolerância é editado.
(Parte I)
1561, Setembro-Novembro: Colóquio de Poissy, mas fracassa a tentativa de
Novo Moderno restaurar a unidade entre huguenotes e católicos na França.
Prometeu: O
Espelho de 1562, março: Massacre dos huguenotes em Vassy comandada pela Casa Católica de
Victor Guise. Primeira Guerra Civil Religiosa na França.
Frankenstein 1563: Em março, Catarina de Médicis(1519-1589; regente: 1560-1574) tenta por fim à
(Parte II) guerra civil francesa com a assinatura da Paz de Amboise, que concede certo grau
de tolerância para os huguenotes. Neste mesmo ano, encerra-se o Concílio de
Trento.
1564, 27 de maio: Morre João Calvino. Théodore de Béze(1519-1605) sucede
Calvino como líder da reforma protestante centrada em Genebra.
1572, 23-24 de agosto: Noite do Massacre de São Bartolomeu em Paris.
1598: Publicação do Édito de Nantes.
1685: Revogação do Édito de Nantes.

As 95 Teses de Martinho Lutero


(Versão bilíngüe, com texto original em latim)

Amore et studio elucidande veritatis Com um desejo ardente de trazer a


hec subscripta disputabuntur verdade à luz, as seguintes teses serão
Wittenberge, Presidente R. P. defendidas em Wittenberg sob a
Martino Lutther, Artium et S. presidência do Rev. Frei Martinho
Theologie Magistro eiusdemque Lutero, Mestre de Artes, Mestre de
ibidem lectore Ordinario. Quare petit, Sagrada Teologia e Professor oficial da
ut qui non possunt verbis presentes mesma. Ele, portanto, pede que todos
nobiscum disceptare agant id literis os que não puderem estar presentes e
absentes. disputar com ele verbalmente, façam-
no por escrito.
In nomine domini nostri Hiesu Christi.
Em nome de Nosso Senhor Jesus
Amen.
Cristo.
Amém.
1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt
1. Dominus et magister noster Iesus 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus
Christus dicendo ‘Penitentiam agite Cristo quis que toda a vida dos fiéis
&c.’ omnem vitam fidelium fosse penitência.
penitentiam esse voluit. 2. Esta penitência não pode ser
2. Quod verbum de penitentia entendida como penitência sacramental
sacramentali (id est confessionis et (isto é, da confissão e satisfação
satisfactionis, que sacerdotum celebrada pelo ministério dos
ministerio celebratur) non potest sacerdotes).
intelligi.
3. No entanto, ela não se refere apenas
3. Non tamen solam intendit a uma penitência interior; sim, a
interiorem, immo interior nulla est, penitência interior seria nula se,
nisi foris operetur varias carnis externamente, não produzisse toda
mortificationes. sorte de mortificação da carne.
4. Por conseqüência, a pena perdura
enquanto persiste o ódio de si mesmo
4. Manet itaque pena, donec manet (isto é a verdadeira penitência interior),
odium sui (id est penitentia vera ou seja, até a entrada do reino dos
intus), scilicet usque ad introitum céus.
regni celorum.

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5. O papa não quer nem pode


dispensar de quaisquer penas senão
5. Papa non vult nec potest ullas
daquelas que impôs por decisão própria
penas remittere preter eas, quas ou dos cânones.
arbitrio vel suo vel canonum imposuit.
6. O papa não tem o poder de perdoar
6. Papa non potest remittere ullam
culpa a não ser declarando ou
culpam nisi declarando, et
confirmando que ela foi perdoada por
approbando remissam a deo Aut
Deus; ou, certamente, perdoados os
certe remittendo casus reservatos
casos que lhe são reservados. Se ele
sibi, quibus contemptis culpa prorsus
deixasse de observar essas limitações,
remaneret.
a culpa permaneceria.
7. Deus não perdoa a culpa de
7. Nulli prorus remittit deus culpam, qualquer pessoa sem, ao mesmo
quin simul eum subiiciat humiliatum in tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada,
omnibus sacerdoti suo vicario. ao sacerdote, seu vigário.
8. Canones penitentiales solum 8. Os cânones penitenciais são
viventibus sunt impositi nihilque impostos apenas aos vivos; segundo os
morituris secundum eosdem debet mesmos cânones, nada deve ser
imponi. imposto aos moribundos.
9. Inde bene nobis facit 9. Por isso, o Espírito Santo nos
spiritussanctus in papa excipiendo in beneficia através do papa quando este,
suis decretis semper articulum mortis em seus decretos, sempre exclui a
et necessitatis. circunstância da morte e da
necessidade.
10. Indocte et male faciunt
sacerdotes ii, qui morituris penitentias 10. Agem mal e sem conhecimento de
canonicas in purgatorium reservant. causa aqueles sacerdotes que
reservam aos moribundos penitências
11. Zizania illa de mutanda pena canônicas para o purgatório.
Canonica in penam purgatorii
videntur certe dormientibus episcopis 11. Essa cizânia de transformar a pena
seminata. canônica em pena do purgatório parece
ter sido semeada enquanto os bispos
12. Olim pene canonice non post, sed certamente dormiam.
ante absolutionem imponebantur
tanquam tentamenta vere contritionis. 12. Antigamente se impunham as
penas canônicas não depois, mas
13. Morituri per mortem omnia antes da absolvição, como verificação
solvunt et legibus canonum mortui da verdadeira contrição.
iam sunt, habentes iure earum
relaxationem. 13. Através da morte, os moribundos
pagam tudo e já estão mortos para as
14. Imperfecta sanitas seu charitas leis canônicas, tendo, por direito,
morituri necessario secum fert isenção das mesmas.
magnum timorem, tantoque maiorem,
quanto minor fuerit ipsa. 14. Saúde ou amor imperfeito no
moribundo necessariamente traz
15. Hic timor et horror satis est se consigo grande temor, e tanto mais
solo (ut alia taceam) facere penam quanto menor for o amor.
purgatorii, cum sit proximus
desperationis horrori. 15. Este temor e horror por si sós já
bastam (para não falar de outras
coisas) para produzir a pena do
16. Videntur infernus, purgaturium, purgatório, uma vez que estão
celum differre, sicut desperatio, prope próximos do horror do desespero.
desperatio, securitas differunt. 16. Inferno, purgatório e céu parecem
17. Necessarium videtur animabus in diferir da mesma forma que o
purgatorio sicut minni horrorem ita desespero, o semidesespero e a
augeri charitatem. segurança.
17. Parece necessário, para as almas
no purgatório, que o horror devesse
18. Nec probatum videtur ullis aut diminuir à medida que o amor
rationibus aut scripturis, quod sint crescesse.
extra statum meriti seu augende
charitatis. 18. Parece não ter sido provado, nem
por meio de argumentos racionais nem
da Escritura, que elas se encontrem
19. Nec hoc probatum esse videtur, fora do estado de mérito ou de
quod sint de sua beatitudine certe et crescimento no amor.
secure, saltem omnes, licet nos 19. Também parece não ter sido
certissimi simus. provado que as almas no purgatório
estejam certas de sua bem-
aventurança, ao menos não todas,
20. Igitur papa per remissionem mesmo que nós, de nossa parte,
plenariam omnium penarum non tenhamos plena certeza disso.

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simpliciter omnium intelligit, sed a 20. Portanto, por remissão plena de


seipso tantummodo impositarum. todas as penas, o papa não entende
simplesmente todas, mas somente
21. Errant itaque indulgentiarum aquelas que ele mesmo impôs.
predicatores ii, qui dicunt per pape
indulgentias hominem ab omni pena 21. Erram, portanto, os pregadores de
solvi et salvari. indulgências que afirmam que a pessoa
é absolvida de toda pena e salva pelas
22. Quin nullam remittit animabus in
indulgências do papa.
purgatorio, quam in hac vita
debuissent secundum Canones 22. Com efeito, ele não dispensa as
solvere. almas no purgatório de uma única pena
que, segundo os cânones, elas
23. Si remissio ulla omnium omnino
deveriam ter pago nesta vida.
penarum potest alicui dari, certum est
eam non nisi perfectissimis, i.e. 23. Se é que se pode dar algum perdão
paucissimis, dari. de todas as penas a alguém, ele,
certamente, só é dado aos mais
24. Falli ob id necesse est maiorem
perfeitos, isto é, pouquíssimos.
partem populi per indifferentem illam
et magnificam pene solute 24. Por isso, a maior parte do povo está
promissionem. sendo necessariamente ludibriada por
essa magnífica e indistinta promessa
25.Qualem potestatem habet papa in de absolvição da pena.
purgatorium generaliter, talem habet
quilibet Episcopus et Curatus in sua 25. O mesmo poder que o papa tem
diocesi et parochia specialiter. sobre o purgatório de modo geral,
qualquer bispo e cura tem em sua
[26] Optime facit papa, quod non diocese e paróquia em particular.
potestate clavis (quam nullam habet)
sed per modum suffragii dat 26. O papa faz muito bem ao dar
animabus remissionem. remissão às almas não pelo poder das
chaves (que ele não tem), mas por
[27] Hominem predicant, qui statim ut
meio de intercessão.
iactus nummus in cistam tinnierit
evolare dicunt animam. 27. Pregam doutrina mundana os que
dizem que, tão logo tilintar a moeda
[28] Certum est, nummo in cistam lançada na caixa, a alma sairá voando
tinniente augeri questum et avariciam
[do purgatório para o céu].
posse: suffragium autem ecclesie est
in arbitrio dei solius. 28. Certo é que, ao tilintar a moeda na
[1]
[29] Quis scit, si omnes anime in caixa , pode aumentar o lucro e a
purgatorio velint redimi, sicut de s. cobiça; a intercessão da Igreja, porém,
Severino et Paschali factum narratur. depende apenas da vontade de Deus.
[30] Nullus securus est de veritate 29. E quem é que sabe se todas as
sue contritionis, multominus de almas no purgatório querem ser
consecutione plenarie remissionis. resgatadas, como na história contada a
respeito de São Severino e São
[31] Quam rarus est vere penitens, Pascoal?
tam rarus est vere indulgentias
redimens, i. e. rarissimus. 30. Ninguém tem certeza da veracidade
de sua contrição, muito menos de haver
conseguido plena remissão.
[32] Damnabuntur ineternum cum 31. Tão raro como quem é penitente de
suis magistris, qui per literas verdade é quem adquire
veniarum securos sese credunt de autenticamente as indulgências, ou
sua salute. seja, é raríssimo.
[33] Cavendi sunt nimis, qui dicunt 32. Serão condenados em eternidade,
venias illas Pape donum esse illud juntamente com seus mestres, aqueles
dei inestimabile, quo reconciliatur
que se julgam seguros de sua salvação
homo deo.
através de carta de indulgência.
33. Deve-se ter muita cautela com
[34] Gratie enim ille veniales tantum aqueles que dizem serem as
respiciunt penas satisfactionis indulgências do papa aquela
sacramentalis ab homine constitutas. inestimável dádiva de Deus através da
qual a pessoa é reconciliada com Ele.
[35] Non christiana predicant, qui
docent, quod redempturis animas vel 34. Pois aquelas graças das
confessionalia non sit necessaria indulgências se referem somente às
contritio. penas de satisfação sacramental,
determinadas por seres humanos.
[36] Quilibet christianus vere
compunctus habet remissionem 35. Os que ensinam que a contrição
plenariam a pena et culpa etiam sine não é necessária para obter redenção
literis veniarum sibi debitam. ou indulgência, estão pregando
doutrinas incompatíveis com o cristão.
36. Qualquer cristão que está
* Revisão técnica [37] Quilibet versus christianus, sive

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vivus sive mortuus, habet verdadeiramente contrito tem remissão


participationem omnium bonorum plena tanto da pena como da culpa,
Christi et Ecclesie etiam sine literis que são suas dívidas, mesmo sem uma
veniarum a deo sibi datam. carta de indulgência.
[38] Remissio tamen et participatio 37. Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou
Pape nullo modo est contemnenda, morto, participa de todos os benefícios
quia (ut dixi) est declaratio de Cristo e da Igreja, que são dons de
remissionis divine. Deus, mesmo sem carta de
indulgência.
[39] Difficillimum est etiam doctissimis
Theologis simul extollere veniarum 38. Contudo, o perdão distribuído pelo
largitatem et contritionis veritatem papa não deve ser desprezado, pois –
coram populo. como disse – é uma declaração da
[2]
remissão divina .
[40] Contritionis veritas penas querit 39. Até mesmo para os mais doutos
et amat, Veniarum autem largitas teólogos é dificílimo exaltar
relaxat et odisse facit, saltem simultaneamente perante o povo a
occasione. liberalidade de indulgências e a
[3]
verdadeira contrição.
[41] Caute sunt venie apostolice 40. A verdadeira contrição procura e
predicande, ne populus false intelligat ama as penas, ao passo que a
eas preferri ceteris bonis operibus abundância das indulgências as
charitatis. afrouxa e faz odiá-las, ou pelo menos
[4]
dá ocasião para tanto.
[42] Docendi sunt christiani, quod 41. Deve-se pregar com muita cautela
Pape mens non est, redemptionem sobre as indulgências apostólicas, para
veniarum ulla ex parte comparandam que o povo não as julgue erroneamente
esse operibus misericordie. como preferíveis às demais boas obras
[5]
do amor.
[43] Docendi sunt christiani, quod 42. Deve-se ensinar aos cristãos que
dans pauperi aut mutuans egenti não é pensamento do papa que a
melius facit quam si venias compra de indulgências possa, de
redimereet. alguma forma, ser comparada com as
obras de misericórdia.
[44] Quia per opus charitatis crescit
charitas et fit homo melior, sed per 43. Deve-se ensinar aos cristãos que,
venias non fit melior sed tantummodo dando ao pobre ou emprestando ao
a pena liberior. necessitado, procedem melhor do que
[6]
se comprassem indulgências.
[45] Docendi sunt christiani, quod, qui 44. Ocorre que através da obra de
videt egenum et neglecto eo dat pro amor cresce o amor e a pessoa se
veniis, non idulgentias Pape sed torna melhor, ao passo que com as
indignationem dei sibi vendicat. indulgências ela não se torna melhor,
mas apenas mais livre da pena.
[46] Docendi sunt christiani, quod nisi
superfluis abundent necessaria 45. Deve-se ensinar aos cristãos que
tenentur domui sue retinere et quem vê um carente e o negligencia
nequaquam propter venias effundere. para gastar com indulgências obtém
para si não as indulgências do papa,
mas a ira de Deus.
[47] Docendi sunt christiani, quod 46. Deve-se ensinar aos cristãos que,
redemptio veniarum est libera, non se não tiverem bens em abundância,
precepta. devem conservar o que é necessário
[48] Docendi sunt christiani, quod para sua casa e de forma alguma
Papa sicut magis eget ita magis desperdiçar dinheiro com indulgência.
optat in veniis dandis pro se devotam 47. Deve-se ensinar aos cristãos que a
orationem quam promptam compra de indulgências é livre e não
pecuniam. constitui obrigação.
[49] Docendi sunt christiani, quod 48. Deve ensinar-se aos cristãos que,
venie Pape sunt utiles, si non in cas ao conceder perdões, o papa tem mais
confidant, Sed nocentissime, si desejo (assim como tem mais
timorem dei per eas amittant. necessidade) de oração devota em seu
favor do que do dinheiro que se está
pronto a pagar.
e notas, estudo [50] Docendi sunt christiani, quod si
introdutório da Papa nosset exactiones venialium 49. Deve-se ensinar aos cristãos que
fonte e predicatorum, mallet Basilicam s. as indulgências do papa são úteis se
organização da Petri in cineres ire quam edificari não depositam sua confiança nelas,
cronologia, por porém, extremamente prejudiciais se
Alexander Martins
cute, carne et ossibus ovium suarum.
perdem o temor de Deus por causa
Vianna

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delas.
[51] Docendi sunt christiani, quod 50. Deve-se ensinar aos cristãos que,
Papa sicut debet ita vellet, etiam se o papa soubesse das exações dos
vendita (si opus sit) Basilicam s. pregadores de indulgências, preferiria
Petri, de suis pecuniis dare illis, a reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro
quorum plurimis quidam a edificá-la com a pele, a carne e os
concionatores veniarum pecuniam ossos de suas ovelhas.
eliciunt.
51. Deve-se ensinar aos cristãos que o
papa estaria disposto – como é seu
dever – a dar do seu dinheiro àqueles
[52] Vana est fiducia salutis per muitos de quem alguns pregadores de
literas veniarum, etiam si
indulgências extorquem ardilosamente
Commissarius, immo Papa ipse suam
o dinheiro, mesmo que para isto fosse
animam pro illis impigneraret. necessário vender a Basílica de S.
Pedro.
[53] Hostes Christi et Pape sunt ii, qui 52. Vã é a confiança na salvação por
propter venias predicandas verbum meio de cartas de indulgências, mesmo
dei in aliis ecclesiis penitus silere que o comissário ou até mesmo o
iubent. próprio papa desse sua alma como
garantia pelas mesmas.
[54] Iniuria fit verbo dei, dum in
eodem sermone equale vel longius 53. São inimigos de Cristo e do Papa
tempus impenditur veniis quam illi. aqueles que, por causa da pregação de
indulgências, fazem calar por inteiro a
[55] Mens Pape necessario est, quod, palavra de Deus nas demais igrejas.
si venie (quod minimum est) una
campana, unis pompis et ceremoniis 54. Ofende-se a palavra de Deus
celebrantur, Euangelium (quod quando, em um mesmo sermão, se
maximum est) centum campanis, dedica tanto ou mais tempo às
centum pompis, centum ceremoniis indulgências do que a ela.
predicetur.
55. A atitude do Papa necessariamente é:
se as indulgências (que são o menos
importante) são celebradas com um toque
[56] Thesauri ecclesie, unde Pape dat de sino, uma procissão e uma cerimônia,
indulgentias, neque satis nominati o Evangelho (que é o mais importante)
sunt neque cogniti apud populum deve ser anunciado com uma centena de
Christi. sinos, procissões e cerimônias.
56. Os tesouros da Igreja, a partir dos
[57] Temporales certe non esse quais o papa concede as indulgências,
patet, quod non tam facile eos não são suficientemente mencionados
profundunt, sed tantummodo colligunt nem conhecidos entre o povo de Cristo.
multi concionatorum. 57. É evidente que eles, certamente,
não são de natureza temporal, visto
que muitos pregadores não os
[58] Nec sunt merita Christi et distribuem tão facilmente, mas apenas
sanctorum, quia hec semper sine os ajuntam.
Papa operantur gratiam hominis
interioris et crucem, mortem 58. Eles tampouco são os méritos de
infernumque exterioris. Cristo e dos santos, pois estes sempre
operam, sem o papa, a graça do ser
[59] Thesauros ecclesie s. Laurentius humano interior e a cruz, a morte e o
dixit esse pauperes ecclesie, sed inferno do ser humano exterior.
locutus est usu vocabuli suo tempore.
59. S. Lourenço disse que os pobres da
[60] Sine temeritate dicimus claves Igreja são os tesouros da mesma,
ecclesie (merito Christi donatas) esse empregando, no entanto, a palavra
thesaurum istum. como era usada em sua época.
60. É sem temeridade que dizemos que
[61] Clarum est enim, quod ad as chaves da Igreja, que foram
remissionem penarum et casuum proporcionadas pelo mérito de Cristo,
sola sufficit potestas Pape. constituem estes tesouros.
61. Pois está claro que, para a
remissão das penas e dos casos
[62] Verus thesaurus ecclesie est especiais, o poder do papa por si só é
sacrosanctum euangelium glorie et [7]
gratie dei. suficiente.

[63] Hic autem est merito 62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o


odiosissimus, quia ex primis facit santíssimo Evangelho da glória e da
novissimos. graça de Deus.
[64] Thesaurus autem indulgentiarum 63. Mas este tesouro é certamente o
merito est gratissimus, quia ex mais odiado, pois faz com que os
novissimis facit primos. primeiros sejam os últimos.

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64. Em contrapartida, o tesouro das


indulgências é certamente o mais
[65] Igitur thesauri Euangelici rhetia
benquisto, pois faz dos últimos os
sunt, quibus olim piscabantur viros primeiros.
divitiarum.
65. Portanto, os tesouros do Evangelho
são as redes com que outrora se
[66] Thesauri indulgentiarum rhetia pescavam homens possuidores de
sunt, quibus nunc piscantur divitias riquezas.
virorum. 66. Os tesouros das indulgências, por
[67] Indulgentie, quas concionatores sua vez, são as redes com que hoje se
vociferantur maximas gratias, pesca a riqueza dos homens.
intelliguntur vere tales quoad
67. As indulgências apregoadas pelos
questum promovendum.
seus vendedores como as maiores
graças realmente podem ser
entendidas como tais, na medida em
[68] Sunt tamen re vera minime ad que dão boa renda.
gratiam dei et crucis pietatem
comparate. 68. Entretanto, na verdade, elas são as
graças mais ínfimas em comparação
com a graça de Deus e a piedade da
[69] Tenentur Episcopi et Curati cruz.
veniarum apostolicarum 69. Os bispos e curas têm a obrigação
Commissarios cum omni reverentia de admitir com toda a reverência os
admittere. comissários de indulgências
[70] Sed magis tenentur omnibus apostólicas.
oculis intendere, omnibus auribus 70. Têm, porém, a obrigação ainda
advertere, ne pro commissione Pape maior de observar com os dois olhos e
sua illi somnia predicent. atentar com ambos os ouvidos para
que esses comissários não preguem os
seus próprios sonhos em lugar do que
lhes foi incumbidos pelo papa.
[71] Contra veniarum apostolicarum 71. Seja excomungado e amaldiçoado
veritatem qui loquitur, sit ille quem falar contra a verdade das
anathema et maledictus. indulgências apostólicas.
[72] Qui vero, contra libidinem ac 72. Seja bendito, porém, quem ficar
licentiam verborum Concionatoris alerta contra a devassidão e
veniarum curam agit, sit ille licenciosidade das palavras de um
benedictus. pregador de indulgências.
[73] Sicut Papa iuste fulminat eos, qui 73. Assim como o papa, com razão,
in fraudem negocii veniarum fulmina aqueles que, de qualquer
quacunque arte machinantur. forma, procuram defraudar o comércio
[74] Multomagnis fulminare intendit de indulgências,
eos, qui per veniarum pretextum in 74. muito mais deseja fulminar aqueles
fraudem sancte charitatis et veritatis que, a pretexto das indulgências,
machinantur. procuram fraudar a santa caridade e
[75] Opinari venias papales tantas verdade.
esse, ut solvere possint hominem, 75. A opinião de que as indulgências
etiam si quis per impossibile dei papais são tão eficazes a ponto de
genitricem violasset, Est insanire. poderem absolver um homem mesmo
que tivesse violentado a mãe de Deus,
caso isso fosse possível, é loucura.
[76] Dicimus contra, quod venie
papales nec minimum venialium 76. Afirmamos, pelo contrário, que as
peccatorum tollere possint quo ad indulgências papais não podem anular
culpam. sequer o menor dos pecados venais no
que se refere à sua culpa.
[77] Quod dicitur, nec si s. Petrus
modo Papa esset maiores gratias 77. A afirmação de que nem mesmo
donare posset, est blasphemia in São Pedro, caso fosse o papa
sanctum Petrum et Papam. atualmente, poderia conceder maiores
graças é blasfêmia contra São Pedro e
o Papa.
[78] Dicimus contra, quod etiam iste 78. Dizemos contra isto que qualquer
et quilibet papa maiores habet, papa, mesmo São Pedro, tem maiores
scilicet Euangelium, virtutes, gratias, graças que essas, a saber, o
curationum &c. ut 1.Co.XII. Evangelho, as virtudes, as graças da
administração (ou da cura), etc., como
está escrito em I.Coríntios XII.
79. É blasfêmia dizer que a cruz com as
[79] Dicere, Crucem armis papalibus armas do papa, insigneamente erguida,
insigniter erectam cruci Christi

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equivalere, blasphemia est. eqüivale à cruz de Cristo.


80. Terão que prestar contas os bispos,
curas e teólogos que permitem que
[80] Rationem reddent Episcopi,
semelhantes sermões sejam difundidos
Curati et Theologi, Qui tales
entre o povo.
sermones in populum licere sinunt.
81. Essa licenciosa pregação de
[81] Facit hec licentiosa veniarum
indulgências faz com que não seja fácil
predicatio, ut nec reverentiam Pape
nem para os homens doutos defender a
facile sit etiam doctis viris redimere a dignidade do papa contra calúnias ou
calumniis aut certe argutis questões, sem dúvida argutas, dos
questionibus laicorm. leigos.
[82] Scilicet. Cur Papa non evacuat
82. Por exemplo: Por que o papa não
purgatorium propter sanctissimam
esvazia o purgatório por causa do
charitatem et summam animarum
santíssimo amor e da extrema
necessitatem ut causam omnium
necessidade das almas – o que seria a
iustissimam, Si infinitas animas
mais justa de todas as causas –, se
redimit propter pecuniam
redime um número infinito de almas por
funestissimam ad structuram Basilice
causa do funestíssimo dinheiro para a
ut causam levissimam?
construção da basílica – que é uma
causa tão insignificante?
[83] Item. Cur permanent exequie et 83. Do mesmo modo: Por que se
anniversaria defunctorum et non mantêm as exéquias e os aniversários
reddit aut recipi permittit beneficia pro dos falecidos e por que ele não restitui
illis instituta, cum iam sit iniuria pro ou permite que se recebam de volta as
redemptis orare? doações efetuadas em favor deles,
visto que já não é justo orar pelos
redimidos?
[84] Item. Que illa nova pietas Dei et 84. Do mesmo modo: Que nova
Pape, quod impio et inimico propter piedade de Deus e do papa é essa que,
pecuniam concedunt animam piam et por causa do dinheiro, permite ao ímpio
amicam dei redimere, Et tamen e inimigo redimir uma alma piedosa e
propter necessitatem ipsius met pie amiga de Deus, mas não a redime por
et dilecte anime non redimunt eam causa da necessidade da mesma alma
gratuita charitate? piedosa e dileta por amor gratuito?
85. Do mesmo modo: Por que os
[85] Item. Cur Canones penitentiales cânones penitenciais – de fato e por
re ipsa et non usu iam diu in semet desuso já há muito revogados e mortos
abrogati et mortui adhuc tamen – ainda assim são redimidos com
pecuniis redimuntur per dinheiro, pela concessão de
concessionem indulgentiarum indulgências, como se ainda
tanquam vivacissimi? estivessem em pleno vigor?
[86] Item. Cur Papa, cuius opes hodie 86. Do mesmo modo: Por que o papa,
sunt opulentissimis Crassis cuja fortuna hoje é maior do que a dos
crassiores, non de suis pecuniis ricos mais crassos, não constrói com
magis quam pauperum fidelium struit seu próprio dinheiro ao menos esta
unam tantummodo Basilicam sancti uma basílica de São Pedro, ao invés de
Petri? fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
87. Do mesmo modo: O que é que o
papa perdoa e concede àqueles que,
[87] Item. Quid remittit aut participat pela contrição perfeita, têm direito à
Papa iis, qui per contritionem plena remissão e participação?
perfectam ius habent plenarie
remissionis et participationis? 88. Do mesmo modo: Que benefício
maior se poderia proporcionar à Igreja
[88] Item. Quid adderetur ecclesie do que se o papa, assim como agora o
boni maioris, Si Papa, sicut semel faz uma vez, da mesma forma
facit, ita centies in die cuilibet fidelium concedesse essas remissões e
has remissiones et participationes participações cem vezes ao dia a
tribueret? qualquer dos fiéis?
89. Já que, com as indulgências, o
[89] Ex quo Papa salutem querit papa procura mais a salvação das
animarum per venias magis quam almas do que o dinheiro, por que
pecunias, Cur suspendit literas et suspende as cartas e indulgências,
venias iam olim concessas, cum sint outrora já concedidas, se são
eque efficaces? igualmente eficazes?
[90] Hec scrupulosissima laicorum 90. Reprimir esses argumentos muito
argumenta sola potestate perspicazes dos leigos somente pela
compescere nec reddita ratione força, sem refutá-los apresentando
diluere, Est ecclesiam et Papam razões, significa expor a Igreja e o papa
hostibus ridendos exponere et à zombaria dos inimigos e fazer os
cristãos infelizes.

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infelices christianos facere. 91. Se, portanto, as indulgências


fossem pregadas em conformidade
com o espírito e a opinião do papa,
[91] Si ergo venie secundum spiritum todas essas objeções poderiam ser
et mentem Pape predicarentur, facile facilmente respondidas e nem mesmo
illa omnia solverentur, immo non teriam surgido.
essent. 92. Portanto, fora com todos esses
profetas que dizem ao povo de Cristo
"Paz, paz!" sem que haja paz!
[92] Valeant itaque omnes illi
prophete, qui dicunt populo Christi 93. Que prosperem todos os profetas
“Pax pax”, et non est pax. que dizem ao povo de Cristo "Cruz!
[8]
Cruz!" sem que haja cruz!
[93] Bene agant omnes illi prophete, 94. Devem-se exortar os cristãos a que
qui dicunt populo Christi “Crux crux”, se esforcem por seguir a Cristo, seu
et non est crux. cabeça, através das penas, da morte e
do inferno.
[94] Exhortandi sunt Christiani, ut
caput suum Christum per penas, 95. E que confiem entrar no céu antes
mortes infernosque sequi studeant, passando por muitas tribulações do que
por meio da confiança da paz.
[95] Ac sic magis per multas
tribulationes intrare celum quam per [1517 A.D.]
securitatem pacis confidant.

M.D.Xvii.

Notas Finais:

*
Originalmente publicado em: Revista Espaço Acadêmico – Nº 34 – Março de 2004 –
ISSN 1519.6186. Edição revista e estudo introdutório ampliado. Agradeço muito a
leitura atenta e a sugestão de revisão do reverendo Günter M. Pfluck (Passo Fundo–
RS), em 10 de setembro de 2008.

[1]
Lutero refere-se à caixa de coleta de rendas oriundas da venda de “cartas de
indulgência”. (Vide Tese 36)
[2]
Observa neste trecho o quanto a postura de Lutero não é cismática, mas
reformadora, pois reconhecia, pelo menos em 1517, o papel do Papa como
intercessor.(Vide Teses 61, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84,
87, 89, 90, 91)
[3]
No século XVII, Gregório da Mattos Guerra(1633-1696) voltaria, com sarcasmos, a
este tema em seu poema-missiva “A Jesus Cristo Nosso Senhor”: Pequei, Senhor;
mas não porque hei pecado./Da vossa clemência me despido,/porque, quanto mais
tenho delinqüido,/vos tenho a perdoar mais empenhado./.../Eu sou, Senhor, a ovelha
desgarrada./ Cobrai-a e não queirais, pastor divino,/perder na vossa ovelha a vossa
glória. (MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos. São Paulo, Cultrix, 1976. p. 297).
(Vide Teses 44, 49, 67, 76, 84, 93)
[4]
Lutero é marcadamente agostiniano e, por isso, insiste no valor pedagógico do
castigo, na utilidade do sofrimento, no recurso necessário aos métodos repressivos –
tanto em matéria de fé quanto de política.(Vide Teses 94, 95)
[5]
Em 1525, Lutero afirmaria abertamente que condenada estaria toda a obra que
não nascesse do amor, no sentido da “charitas” de Cristo, o que significava que a
“obra” concebida como “cálculo de indulgência” não teria o menor efeito, mesmo
porque não caberia ao homem julgar a fé de outrem, pois somente Deus conheceria o
que se passava no coração dos homens. O efeito disso, diferentemente do tom ainda
conciliador de 1517, era tornar a instituição eclesiástica completamente
desnecessária para reger o “mundo interior” do cristão.(Vide Teses 47, 48, 49, 51, 52,
53, 55, 57, 58, 65, 66)
[6]
Esta tese tem dois alvos: em âmbito geral, a elite nobre e não-nobre alemã que
desperdiçava recursos em encomendas de missas ou patrocínio de igrejas às custas
da miséria ou exação de seus subordinados; em âmbito particular, o Cardeal Alberto
de Brandeburgo(1490-1545). Para ter sua confirmação para o Arcebispado de
Mayence em 1514, Alberto tinha que conseguir uma soma considerável e enviá-la
para Roma. Para tanto, ele fez um empréstimo e o assentou, com autorização papal,
sobre a arrecadação das indulgências vinculadas à construção da Basílica de São

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Pedro em Roma. Segundo o acordo entre Alberto e o Papado, metade do arrecadado


iria para a construção da basílica e a outra metade para Alberto quitar suas dívidas
provenientes da investidura no arcebispado. No final das contas, o Papa teria o
conjunto das rendas de Brandeburgo vinculadas às indulgências.(Vide Teses 46, 47,
48, 50, 51, 52, 55, 56, 59, 65, 66, 82, 83, 85, 86, 88)
[7]
Vide Tese 38.
[8]
Com tal imprecação, Lutero espera uma reforma moral da Igreja e seu rebanho, o
que significava a interiorização da fé, da contrição e da “charitas”.(Supra notas “3” e
“5”)
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