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Música nos Séculos XX e XXI

Brasília-DF.
Elaboração

Marcelo Matias Elme

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
A MÚSICA MODERNA (1894-1938)......................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
A CENA MUSICAL MODERNA.................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
PRINCIPAIS COMPOSITORES MODERNOS................................................................................. 15

CAPÍTULO 3
REPERTÓRIO SELECIONADO/ MÚSICA MODERNA..................................................................... 27

UNIDADE II
A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)............................................................................................. 42

CAPÍTULO 1
CENA MUSICAL NO PÓS-GUERRA............................................................................................ 42

CAPÍTULO 2
PRINCIPAIS COMPOSITORES DO PÓS-GUERRA......................................................................... 49

CAPÍTULO 3
REPERTÓRIO SELECIONADO/ MÚSICA NO PÓS-GUERRA........................................................... 58

UNIDADE III
CONTEMPORANEIDADE (1967-2019).................................................................................................... 70

CAPÍTULO 1
CENA MUSICAL CONTEMPORÂNEA......................................................................................... 70

CAPÍTULO 2
PRINCIPAIS COMPOSITORES CONTEMPORÂNEOS.................................................................... 79

CAPÍTULO 3
REPERTÓRIO SELECIONADO/ MÚSICA CONTEMPORÂNEA ...................................... 84
REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 92
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Acontecimentos marcantes, ocorridos na segunda metade do séc. XIX e na virada do
XIX para o XX, deflagraram, na humanidade, o surgimento de uma nova percepção
de mundo. Em 1859, Darwin publicou “A Origem das Espécies”, propondo a teoria
evolucionista de seleção natural, que afrontava dogmas ainda em voga; 1867 foi o ano
de lançamento de “O Capital”, livro em que Marx fundamentava sua teoria de que a
história é uma luta de classes; em 1872, Nietszche confrontava a tradição filosófica
com “A Origem da Tragédia”; na virada do século, em 1900, Freud publicou “A
Interpretação dos Sonhos”, abalando a própria noção de identidade por meio de uma
nova ciência, a Psicanálise; e não tardaria para que Einstein demolisse as fundações
da Física com sua Teoria da Relatividade, em 1905.

Os artistas, antenas sensíveis da sociedade, refletiam em suas obras essas


mudanças de perspectiva, como no caso das artes plásticas – o impressionismo
francês, por exemplo, procurava captar as diferentes nuances de tom dos objetos,
observando-os ao ar livre e em variados momentos do dia, valorizando assim
as diversas impressões possíveis da realidade. Também na música (assunto
desta apostila) experiências ocorridas na segunda metade do século XIX e que
buscavam expandir o sistema tonal acabaram por causar a própria reavaliação
deste sistema, e, em casos extremos, sua dissolução.

A possibilidade da reprodutibilidade técnica por meio de gravações, por sua vez, alçou a
outro patamar um campo musical ainda pouco explorado economicamente, o da música
popular, afastando-o da associação com o folclore e viabilizando o surgimento de obras
singulares e, muitas vezes, complexas, por meio de estilos como o Jazz, o Rock e a MPB.

Após o estabelecimento e consolidação de toda uma indústria musical durante o


século XX, outra revolução balançou os pilares desta indústria e marcou o surgimento
de uma nova sensibilidade, na virada do século XX para o XXI. Estamos falando,
naturalmente, da Internet.

Esta apostila tratará das diversas correntes estéticas surgidas a partir das
experiências fascinantes realizadas pelos músicos dos séculos XX e XXI, que, ao
mesmo tempo em que refletiram as transformações da sociedade, ajudaram a
moldar a sensibilidade do homem contemporâneo.

Embora o enfoque aqui seja a música erudita contemporânea, a partir de certo ponto
será necessário abordar outros universos musicais. Isso porque, devido aos cada vez

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mais recorrentes cruzamentos ocorridos entre as vertentes eruditas e populares – e
que têm provocado reavaliações no próprio conceito de música “erudita”, ou “clássica”,
ou “de concerto”, ou “séria” de “alto repertório” etc. –, certos trabalhos produzidos
nas diversas áreas, do Jazz ao Rock, do Pop à Música Popular Brasileira, que tragam
similaridades estéticas e técnicas com as obras significativas dos séculos XX e XXI, serão
também comentados. Assim, a Unidade III, especialmente, confrontará a intersecção
dos gêneros e estilos, incorporando compositores e obras expressivas.

Objetivos
»» Identificar e contextualizar as correntes estéticas musicais mais
significativas dos séculos XX e XXI.

»» Reconhecer os principais compositores do período, assim como suas


características autorais.

»» Reconhecer as obras representativas do período.

»» Consolidar a compreensão das características desse tipo de música por


meio da escuta, análise dos elementos constitutivos das obras e leitura
crítica de textos.

»» Compreender a música como produto de uma sociedade e época,


relacionando estética com o pensamento vigente.

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A MÚSICA MODERNA UNIDADE I
(1894-1938)

CAPÍTULO 1
A Cena Musical Moderna

Experiências realizadas por compositores que atuaram na segunda metade do séc.


XIX, como o uso de cromatismos, dissonâncias e acordes não resolvidos, acabaram por
desgastar a linguagem tonal, levando ao seu propagado esgotamento. Um dos autores
responsáveis pela extrapolação desse sistema foi o alemão Richard Wagner, que viveu
entre 1813 e 1883. Wagner foi um artista sempre inconformado com normas que
pudessem tolher sua criatividade – sua ópera Tristão e Isolda, por exemplo, constitui
um marco da música ocidental, com temas contrastantes que se fundem em passagens
notadamente bitonais. Apontada como um divisor de águas entre a antiga e a nova
harmonia, a peça traz modulações imprevisíveis, dissonâncias não resolvidas e intenso
cromatismo, abolindo as hierarquias tonais e viabilizando o surgimento de uma nova
sensibilidade musical.

A maior parte dos compositores envolvidos com música erudita na segunda


metade do séc. XIX foi influenciada pela música wagneriana. Porém, dois autores
foram tocados de maneira especial: o austríaco Gustav Mahler e o alemão Richard
Strauss, que possuem algumas de suas peças associadas ao Expressionismo,
movimento proveniente das artes plásticas que buscava manifestar a emoção em
seu limite extremo.

As obras de Mahler e Strauss são consideradas, hoje, como uma “ponte” entre a música
Romântica e a Moderna, por alcançarem as fronteiras da atonalidade. No caso do
primeiro, resultado de profunda busca interior, e, no caso do segundo, devido à extrema
criatividade e pesquisa.

Embora o colapso do sistema tonal atingisse quase todos os compositores, cada um


deles buscou soluções diversas, adequadas às suas sensibilidades particulares.

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

Assim, enquanto alguns apostaram numa radicalização do cromatismo e na


supressão da tonalidade, chegando ao atonalismo e, posteriormente, ao sistema
dodecafônico – como os austríacos Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern
– , outros preferiram diluir as funções harmônicas pelo uso de acordes de quartas
superpostas ou da inserção do modalismo – como os franceses Claude Debussy e
Maurice Ravel.

Se alguns buscaram inspiração no exotismo do folclore – como o russo Sergei


Prokofiev, o húngaro Béla Bartók, o espanhol Manuel DeFalla e o brasileiro Heitor
Villa-Lobos, outros investiram em parâmetros musicais pouco explorados (métrica,
textura, ruidismos) – como o russo Igor Stravinsky, o francês Edgar Varèse e o norte-
americano Charles Ives.

Destacaremos aqui as correntes estéticas e alguns dos procedimentos adotados


pelos compositores na virada do século, que estabeleceram a moderna cena musical
no campo erudito.

Figura 1. Lírios D’água (1906), de Claude Monet

Fonte: https://www.rawpixel.com/image/547294/monet-water-lilies-painting

Impressionismo
Termo proposto pela crítica francesa, de forma negativa, para classificar a estética de
um grupo de pintores da segunda metade do séc. XIX (como Édouard Manet, Claude
Monet e August Renoir), cujas obras buscavam captar a fugacidade da luz sobre o

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

objeto. O resultado desse processo eram quadros que necessitavam de uma distância
conveniente para serem apreciados, parecendo borrados e imprecisos quando vistos de
perto. Afrontando a crítica, os artistas incorporaram a denominação.

Em 1887, a crítica musical aplicou o termo também à música, durante o julgamento


oficial de Printemps, do compositor francês Claude Debussy (GRIFFITHS, 1995,
p.107). Segundo os estudiosos, a obra de Debussy apresenta afinidade com os pintores,
principalmente, na escolha de temas pictóricos e na indefinição produzida por sua
harmonia e instrumentação.

Para o compositor e regente francês Pierre Boulez, a música moderna se inicia com
uma peça de Claude Debussy: Prélude à L’après-midi d’un faune. Por esse motivo,
optamos por delimitar o primeiro capítulo dessa apostila a partir do ano de lançamento
da obra, 1894.

Segundo Griffiths (1995, p. 107), o rótulo “Impressionismo” tornou-se útil para


algumas obras dos compositores franceses Maurice Ravel, Paul Dukas e Jacques Ibert,
além do húngaro Béla Bartók, “embora seu valor seja solapado pela associação que
também se faz dele com os intensos momentos de impressão subjetiva encontrados
nas miniaturas atonais de Schoenberg e Webern”.

Modalismo
A música erudita ocidental estabelecida entre os séc. XVII e início do séc. XX baseava-
se na redução do número de modos disponíveis a dois, o maior e o menor, contrastando
com a música anterior a esse período, que contava com os diversos modos eclesiásticos.

No séc. XIX, o modalismo foi reincorporado à música ocidental – nesse caso, já no


âmbito do sistema tonal, adaptando-se às suas regras – pela corrente nacionalista, que
explorava elementos da música folclórica, como as escalas típicas de cada país, para
imprimir uma “cor” local às composições. O Nacionalismo musical pretendia, dessa
forma, estabelecer um repertório que representasse e consolidasse a identidade dos
respectivos países, muitos dos quais ainda em processo de formação.

A desestabilização do sistema tonal, provocada pelas experiências dos compositores


românticos, deflagrou a introdução do modalismo nos processos melódicos e
harmônicos de forma cada vez mais intensa, dessa vez como opção estilística, e não
mais, necessariamente, como referência local. Assim, modos eclesiásticos, pentatônicos
e folclóricos passaram a fazer parte do ambiente sonoro da música do séc. XX.

O modo lídio, por exemplo, devido ao seu potencial desagregador da tonalidade


causado por seu trítono característico, foi bastante usado, justamente por esse

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

motivo, por Bartók e pelo o inglês Peter Maxwell Davies, entre outros. Bartók
também fez uso de um modo que descobriu na música romena, que consistia numa
metade inferior lídia e uma superior mixolídia (GRIFFITHS, 1995, p.141), ou seja:
dó-ré-mi-fá sustenido-sol-lá-si bemol-dó.

Já Debussy encantou-se com as escalas ditas exóticas, sobretudo com a gama


pentatônica javanesa (que corresponde às mesmas relações da sequência dó, ré, fá, sol
e lá sustenidos), e com a gama hexacordal de seis tons inteiros – escala que, devido à
supressão da 5ªJ, substituída pela 5ª aumentada, e com sua abundância de trítonos,
ampliava a ambiguidade tonal de suas obras.

Há casos, ainda, do uso de modos inventados especificamente para determinadas


composições, como os observados em composições de Olivier Messiaen (1908-1992).

Atonalidade
O termo refere-se às peças musicais composta por autores como Stravinsky, Ives e
o russo Alexander Scriabin que apresentam características pós-tonais, nas quais as
polarizações típicas do sistema tornam-se imprecisas. No entanto sua aplicação mais
comum refere-se às composições de Schoenberg e seus discípulos criadas anteriormente
ao desenvolvimento do sistema dodecafônico.

O termo é controverso, pois certos teóricos defendem que a aparente atonalidade é, na


verdade, uma tonalidade em rápida mudança – Schoenberg, por exemplo, preferia o
termo “pantonalidade”.

Música Dodecafônica
Arnold Schoenberg desenvolveu os princípios da música dodecafônica durante a
década de 1920. Buscava, dessa forma, apresentar uma alternativa ao já desgastado
sistema tonal.

Para isso, considerou as doze notas do sistema tonal, destituindo-as das antigas
funções tonais e valorizando os intervalos resultantes entre elas. Propôs, então,
uma organização democrática, criando as partituras a partir de uma série que
deveria conter todas as notas da escala cromática sem que um único som fosse
repetido, ressaltando assim as particularidades intervalares.

A série dodecafônica aparece não apenas em sua forma original, mas através de três
desdobramentos: inversão (notas descendentes tornam-se ascendentes e vice-versa),

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

retrógrado (a série é tocada de trás para a frente) e retrógrado da série invertida. A


exploração do sistema, promovida principalmente pelo discípulo de Schoenberg Anton
Webern, levou ao surgimento do serialismo integral, método adotado por compositores
importantes da segunda metade do séc. XX.

Enfoque em parâmetros pouco explorados


Elementos musicais até então considerados menos relevantes que as alturas sonoras
assumiram o protagonismo em diversas obras do séc. XX. O ritmo, embora já fosse
importante elemento de articulação do discurso tonal, ganhou destaque especial
após o surgimento de obras como A Sagração da Primavera, de Stravinsky. Nessa
peça, as alterações recorrentes nas fórmulas de compasso, a acentuação irregular dos
fraseados e a polirritmia entre as vozes redefiniram o conceito de métrica, catapultando
o parâmetro rítmico para o primeiro plano.

Outro elemento que ganhou importância foi a textura, o que pode ser observado
em composições de Debussy como La Mer, obra na qual esse parâmetro parece
orientar todo o desenvolvimento musical. Na segunda metade do século XX, a maior
exploração dos parâmetros musicais continuaria vigente, como, por exemplo, no caso
da investigação da dinâmica realizada pelo norte-americano Morton Feldman por meio
de suas delicadas peças, às vezes no limite mínimo da audibilidade.

Neoclassicismo

Num movimento inverso, alguns compositores voltaram-se para preceitos do séc. XVIII
ou anteriores, porém, por meio de perspectivas modernas e muitas vezes irônicas. A
primeira obra relevante apontada como neoclássica é Pulcinella, de Stravinsky, obra
para três cantores e orquestra de câmara baseada em árias e peças instrumentais
atribuídas ao compositor do período barroco Giovanni Battista Pergolesi, e realizada
sob encomenda, para os Balés Russos. Já Villa-Lobos referenciou-se em Johann
Sebastian Bach para compor as Bachianas Brasileiras. Ravel, Prokofiev e o francês
Francis Poulenc são exemplos de outros autores atraídos pelo neoclassicismo.

Incorporação do ruído e exploração do


silêncio
O ruído como elemento estrutural tornou-se comum em diversas obras do séc. XX,
como no caso das obras compostas exclusivamente para a percussão de Edgar Varèse

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

ou das barulhentas peças do futurista1 italiano Luigi Russolo. Também a exploração


sonora extrema de instrumentos convencionais, conhecida como técnica estendida,
deu à orquestra e aos grupos instrumentais o potencial de gerar ruidismos antes
impensáveis.

Além disso, a ampla presença de pausas, como ocorre em diversas obras de Webern,
fragmentaram de tal forma as melodias que muitas delas passaram a não mais serem
reconhecidas como tal, originando a chamada “textura pontilhista”. José Miguel Wisnik
relaciona o grande índice de ruído e silêncio presente na música de compositores como
Stravinski, Schoenberg e Varèse a uma resposta, no campo artístico, à eclosão da
Primeira Guerra Mundial:

O potencial acumulado das armas de guerra, sua capacidade mortífera


e ruidosa, muito amplificada, estoura a dimensão individual do espaço
imaginário e o silencia (...). A ecologia sonora do mundo estará alterada,
e ruído e silêncio entrarão com inevitável violência no templo leigo do
som, a redoma da representação tonal em que se constituía o concerto.
(O fim da Segunda Guerra Mundial aprofundará esse quadro: a bomba
atômica anuncia uma forma definitiva de maximalização do ruído e do
silêncio – depois dela a história humana ganha um caráter póstero, ou,
se quisermos, pós-moderno) (WISNIK, 1989, p.41-53).

Figura 2. O Barulho da Rua (detalhe) (1915), de Umberto Boccioni.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Boccioni-The_Noise_of_the_Street_detail.jpg

1 O Futurismo foi um movimento artístico italiano idealizado pelo poeta e jornalista Filippo Tommaso Marinetti, que propunha
uma estética agressiva e atualizada com o novo século. O autor chegou a afirmar que “um carro a motor roncando... é mais belo
que a Vitória da Samocrácia”. Os preceitos do movimento podem ser observados na pintura e escultura de Balla, Boccioni e
Severini, e na música de Russolo.

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CAPÍTULO 2
Principais Compositores Modernos

A seguir, destacaremos alguns dos compositores ocidentais que delinearam os


caminhos musicais no século XX.

Gustav Mahler (1860-1911)


Compositor e regente austríaco. Griffiths (1995, p.130-131) observa que suas obras
podem ser compreendidas como “capítulos de uma autobiografia de profunda busca
interior”, ressaltando que sua produção influenciou de forma decisiva compositores tão
heterogêneos como Schoenberg e Bernstein, Shostakovich e Webern, Britten e Henze.

Mahler, em geral, se opôs ao cromatismo wagneriano, preferindo basear-se,


predominantemente, no diatonismo. Apesar disso, é possível detectar em algumas
de suas peças o desenvolvimento contínuo próprio da atonalidade, além de texturas
heterofônicas.

Assim, embora aparentemente conservador em relação à melodia, o uso intenso da


polifonia em suas peças resultou, por vezes, em encontros de vozes surpreendentes e
aparentemente fortuitos, que já não podem mais ser considerados processos tonais.
Por esse motivo, alguns críticos ressaltam que suas duas últimas sinfonias, a 9ª e a
10ª, influenciaram as primeiras tentativas de música atonal realizadas por outros
compositores.

Mahler também incorporou à orquestra instrumentos não tradicionais, como violão,


bandolim e celesta, além de instrumentos tradicionais em afinações insólitas, alçando o
timbre orquestral a um patamar importante.

Richard Strauss (1864-1949)

Compositor alemão. Em 1878 teve uma partitura sua apresentada publicamente pela
primeira vez, gerando a expectativa de que seria o sucessor espiritual de Brahms. Porém,
em meados da década de 1880 mudou completamente de rumo, passando a admirar
e se deixar influenciar pelas obras mais ousadas do húngaro Franz Liszt e do alemão
Richard Wagner. Compôs obras sinfônicas, óperas e inúmeras canções.

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

A partir de 1900 o compositor avançou na extrapolação dos procedimentos tonais,


beirando, por vezes, a atonalidade. Sua ópera Salomé, de 1905, causou grande comoção
no meio intelectual devido à violenta orquestração, às ousadias harmônicas, à exploração
das extensões das vozes e aos temas sombrios e trágicos – essa parcela de sua obra foi a
que mais influenciou compositores como Bartók, Prokofiev e Berg. Em 1909, com outra
ópera, compôs uma de suas mais densas e dissonantes partituras: Elektra, baseada
no clássico mito grego sobre a vingança. A obra foi, pela violenta carga emocional,
associada ao movimento expressionista. Após um momento lírico e melodioso a partir
1910, retornou à experimentação sobretudo por meio de Lied, em 1918. Em sua última
fase, entre 1939 e 1949, voltou-se ao neoclassicismo.

Jean Sibelius (1865-1957)

Compositor finlandês. Quando se apresentou pela primeira vez ao público na


conclusão de seu curso no Instituto de Música, em 1889, Sibelius já possuía em seu
acervo várias obras, tendo a primeira sido composta quando contava com apenas
dez anos. No entanto só encontrou sua verdadeira voz quando, na virada do século,
abandonou os elementos mais marcadamente românticos e caminhou em direção à
disciplina clássica, lançando-se, ao mesmo tempo, em uma bem-sucedida carreira
internacional. O autor dedicou-se especialmente às grandes formas orquestrais, em
especial ao poema sinfônico e à sinfonia. Inspirado pelo folclore da Finlândia, Sibelius
foi um compositor nacionalista e tornou-se o mais importante de seu país. Sua obra
mais célebre é o poema sinfônico Finlândia, composto em 1899 e revisto no ano
seguinte. De fortes conotações políticas, pois nessa época a Finlândia encontrava-se
sob o jugo da Rússia, essa obra tornou-se um símbolo da luta pela independência. A
modernidade do compositor pode ser observada na Sinfonia no 4, em Lá Menor, Opus
63, de 1911, obra despojada e rica em contrastes politonais, considerada totalmente
nova pelo uso que o compositor faz de acordes e tonalidades aparentemente sem
relação entre si.

Achille-Claude Debussy (1862-1918)

Compositor francês. Mesmo antes de o século XIX terminar, já havia libertado a


música de normas relacionadas ao desenvolvimento temático e ao encadeamento
harmônico evolutivo. Subverteu a lógica da harmonia tonal ao incorporar os modos
eclesiásticos e diversas escalas exóticas, como a pentatônica e a hexafônica, de
tons inteiros. O enfraquecimento tonal veio acompanhado de “formas de caráter
improvisatório, em que os desenvolvimentos temáticos tendiam cada vez mais
a ser assuntos momentâneos na música de progressão em geral menos lógica”

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

(GRIFFITHS, 1995, p.59-60). Em sua obra, as sutilezas timbrísticas adquiriram


importância fundamental, e o autor elevou ao primeiro plano a orquestração e as
texturas resultantes do encontro entre os instrumentos. Atraído por temas visuais e
pela poesia de Verlaine, Debussy foi associado ao Impressionismo.

Maurice Ravel (1875-1937)

Compositor francês. Inovou na escrita para o piano (seu instrumento) e explorou a


orquestração de forma virtuosística, dedicando muitas composições aos dois meios. Em
busca da perfeição, criou uma obra bem acabada, sendo, por isso, apontado pela crítica
como o último grande clássico. Sua arte sofreu variadas influências, de Liszt a Debussy,
do folclore espanhol aos compositores barrocos e clássicos, da música oriental ao jazz.
Porém, devido ao grande domínio técnico, soube depurar as diversas informações,
criando um estilo bastante pessoal. Ravel, em geral, evitava o cromatismo, mesclando
elegantemente o modalismo à tonalidade, e preferia a repetição, sequência e variação
ao desenvolvimento temático mais tradicional. Isso resultava em melodias despojadas,
sem ornamentações, nas quais os intervalos de sétima possuíam lugar de destaque.

Erik Satie (1886-1925)

Compositor francês. A importância de Satie na música do século XX não ficou clara


num primeiro momento, mas, a partir dos anos 1950, foi possível perceber que por
detrás de sua irreverência havia, na verdade, uma mudança de paradigma a respeito
de questões já cristalizadas no campo da música erudita. Apesar de inicialmente
considerado um compositor de segundo escalão, encantou e influenciou Debussy
com suas experiências harmônicas que incluíam o modalismo e sétimas e nonas não
resolvidas, quando os compositores se conheceram por volta de 1890. É possível
observar essa estética nas Gymnopédies e Gnossiennes, pequenas peças para piano
de simplicidade quase geométrica, por meio das quais o autor negava o Romantismo
e apostava na reavaliação dos modos eclesiásticos. A personalidade irônica de Satie
se revelava nos bem-humorados títulos de suas peças, como Três Peças em Forma de
Pera e Árias de Fazer Fugir – Walter Benjamin associou o músico ao surgimento do
Movimento Dadá2.

Algumas de suas contribuições para a renovação da estética e do pensamento


musical são: Parade, uma suíte de pequenas peças arranjadas para orquestra que
inclui máquina de escrever e sirene, encomendada por Diaghilev para um balé;
2 O Dadá foi um movimento iconoclasta que surgiu por volta de 1917, principalmente na literatura e nas artes visuais. Tornou-se
célebre a obra Fonte, de Marcel Duchamp, na verdade um urinol deslocado de sua função original e exposto como obra de arte,
resultando em sua ressignificação. Em alguns casos, o fenômeno transbordou para a música, como na obra de Jef Golishev e
Kurt Schwitters, cuja Sonata em Sons Primitivos é um texto fonético para interpretação vocal.

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

Música de Mobiliário, peças instrumentais feitas para serem ignoradas devido à sua
função de compor a decoração da casa, e que foram apontadas como precursoras do
minimalismo; e Socrate, um canto de meia hora influenciado pelo cantochão e sem
nenhum acompanhamento instrumental.

Alexander Scriabin (1886-1925)

Compositor russo. Após as primeiras peças em estilo chopiniano, rapidamente


progrediu para obras de textura exuberante e marcadas pela retórica, aparentente
estimulado pela filosofia de Nietzsche e pela teosofia. Acreditava no sentido filosófico,
espiritual e místico da arte. Sua produção consiste, em sua maior parte, de pequenas
peças, com eventuais movimentos mais longos de elaboração gradual, como no caso das
obras Poema do Êxtase e Prometeu. Desenvolveu um estilo bastante pessoal, em que
a harmonia muitas vezes se mantém estática por longos períodos enquanto a melodia
se desenvolve de forma ornamentada, em obras cujo material musical inclui escalas
de tons inteiros, o acorde de sétima diminuta e o trítono. Experiências harmônicas em
suas últimas peças o levaram à beira da atonalidade. O autor planejava uma grande
obra final que deveria ser a síntese de seu pensamento, denominada Mistério, que, além
da música, deveria conter luzes coloridas, perfumes e sabores. Devido à sua morte por
septicemia, Scriabin não chegou a escrevê-la, mas deixou esboços da primeira parte,
intitulada Ação Preparatória, que incluíam acordes de 12 notas.

Figura 3. Improvisação 14 (1910), de Wassily Kandinsky3.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Vassily_kandinsky,_improvvisazione_XIV,_1910.JPG

3 Kandinsky tornou-se amigo de Schoenberg, que também pintava, e na correspondência de ambos se observa o ímpeto de se
superar técnica e tradição.

18
A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

Arnold Schoenberg (1874-1951)

Compositor austro-americano. Para Schoenberg, a originalidade era necessária para


a composição musical, pois apenas ela podia representar de forma autêntica a visão
interior. Porém essa originalidade devia estar calcada na clara exposição das ideias, e
por isso o autor considerou essencial também o desenvolvimento sinfônico. Assim, se
no início de sua carreira o autor extrapolou as normas de tonalidade e da forma, nos anos
seguintes dedicou-se a elaborar um novo sistema musical que permitisse expor suas
ideias de forma organizada: o sistema dodecafônico. Sua vocação para a investigação
do novo, mas também para a estruturação formal, o tornou um dos mais respeitados
professores de música, tendo entre seus alunos Berg, Webern, Eisler e Cage.

Após os primeiros estudos e composições em Viena, onde nasceu, compôs sua primeira
obra significativa em 1899, o sexteto de cordas Verklärte Nacht, combinando harmonia
wagneriana e desenvolvimento brahmsiano. Nas obras seguintes, harmonias não
resolvidas e elaboradas polifonias foram utilizadas para transmitir estados emocionais
profundos, como nas Gurrelieder, de 1900 e no poema sinfônico Pelleas und Melisande,
de1903. Após uma fase em que investiu no gradativo abandono das regiões tonais,
chocou o establishment com aquela que seria sua obra mais célebre, Pierrot Lunaire,
já marcadamente atonal. Ensinando em Viena, desenvolveu os princípios do sistema
dodecafônico e lançou em 1923 as primeiras peças seriais, dedicando-se a essa técnica
pelos próximos anos. Em 1933 começou a compor sua ópera Moses und Aron e mudou-
se ao final desse ano para os EUA, onde permaneceu até o resto de sua vida, compondo
e ensinando na UCLA.

Nessa fase, Schoenberg retomou as composições tonais, alternando-as com obras


dodecafônicas. As obras instrumentais seriais dessa fase mostram uma nova
compreensão do sistema dodecafônico, o que lhe permitiu elaborar grandes formas de
maneira tão eficiente como era possível realizar anteriormente na tradição da música
tonal. Ressalta-se também, em obras como Ode a Napoleão, um retorno à intensidade
expressionista, embora reavaliada pela maturidade técnica.

Alban Berg (1885-1935)

Compositor austríaco. Foi um dos mais próximos alunos de Schoenberg, tanto de


forma pessoal como em relação às ideias, dedicando algumas de suas obras ao mestre.
No entanto, ainda que se dedicasse ao atonalismo e serialismo, possuía também um
fascínio pelo tonalismo do Romantismo Tardio que se vê nas obras de Mahler e Richard
Strauss, o que lhe ajudou a compor um estilo bastante pessoal.

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

Também era atraído por esquemas secretos, como palíndromos (sua ópera Lulu é
dividida em duas partes simétricas, cuja segunda é um palíndromo exato da primeira)
e proporções aritmétricas, e, no entanto, o alto nível de elaboração jamais interferiu na
dramaticidade de suas obras.

Anton Von Webern (1883-1945)

Compositor austríaco. Foi aluno de Schoenberg e, baseado nos princípios do


serialismo, desenvolveu uma obra concisa e inspirada na natureza – Griffiths (1995,
p.237) observa a aspiração do autor em “espelhar a perfeição das flores da montanha
e de espécimes de cristal”. Isso o levou a priorizar a estrutura, e grande parte de sua
música é canônica.

Desde que começou as primeiras obras atonais, na década de 1900, estas foram ficando
cada vez menores, ao ponto de a última das 3 Pequenas Peças para Violoncelo e Piano
consistir em apenas 20 notas. Entre 1915 e 1926 encontrou no gênero canção um veículo
para suas ideias. Ao adotar o sistema dodecafônico, em 1924, descobriu a aptidão da
técnica para o cânone rigoroso e a variação simetricamente padronizada, investindo
doravante nesse estilo. A partir daí e ao contrário de Schoenberg, aplicou o sistema
dodecafônico em tudo que compôs, de peças instrumentais a canções e cantatas. O
autor organizou de forma mais compacta as relações de alturas estabelecidas pelo
sistema dodecafônico, chegando a séries de apenas 3 ou 4 notas.

Acolhido por artistas da geração seguinte, como Boulez, Stockhausen e Berio, que
admiravam a organização extrema de suas composições, influenciou na criação do
serialismo integral desenvolvido por eles. Por outro lado, o efeito textural resultante da
recorrência de notas curtas e pausas em muitas de suas peças foi denominado “textura
pontilhista”, influenciando no surgimento da chamada “música textural”. Sua morte,
em 1945, atingido por engano pelo tiro de um soldado americano que ainda não tinha
sido informado sobre o término da guerra, simboliza também o final da primeira fase do
experimentalismo musical no séc. XX, que foi seguida por uma ampliação dos conceitos
originais lançados pelos primeiros compositores modernos.

Igor Stravinsky (1882-1971)

Compositor russo. Filho de um cantor lírico, Igor Stravinsky cresceu em um ambiente


musical, começando a estudar piano aos nove anos e obtendo uma rápida evolução no
instrumento. Na faculdade de direito, que concluiu por insistência dos pais, conheceu o
filho de Rimsky-Korsakov, importante compositor e orquestrador russo, e o contato lhe
facilitou estudar com o músico durante cinco anos.

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

Após compor as primeiras obras, uma das quais dedicada a Korsakov – a Sinfonia nº1,
de 1907 –, Stravinsky recebeu uma encomenda do empresário Sergei Diaghilev para
compor uma partitura para os Balés Russos. Diaghilev iniciou suas atividades em 1908
impactando a estética teatral, trabalhando em Paris, no ano seguinte, já na direção dos
Balés Russos. Dessa forma, em 1910, estreava O Pássaro de Fogo, primeira de uma
série de composições do músico para esse grupo de dança – a segunda obra, Petruchka,
apresentada em 1911, é considerada sua primeira obra realmente original.

Mas foi sua terceira colaboração com Diaghilev a que maior impacto causou, dividindo
o público entre aplausos e vaias, causando brigas durante o espetáculo, e, com o passar
do tempo, tornando-se uma das obras mais emblemáticas de todo o século XX. Trata-
se de A Sagração da Primavera, estreada em 1913. O caráter primitivo e violento da
obra inaugurava um novo capítulo na história da música, imbuindo a cultura erudita
de uma renovação vital e necessária. Trazendo o ritmo para o primeiro plano, o autor
desarticulou toda uma estética sonora até então baseada na organização das alturas
musicais. Até o fim da primeira grande guerra Stravinsky manteve laços com as
fontes russas, encantando as plateias européias por meio de um apelo exótico. Após
essa fase, voltou-se para a tradição musical ocidental, sendo considerado o primeiro
compositor neoclássico. Em sua última fase, já radicado nos Estados Unidos, acolheu,
surpreendentemente, o serialismo de Schoenberg. Sua versatilidade musical e obra
dividida em fases contrastantes lhe rendeu comparações com o pintor Pablo Picasso,
outro pesquisador inconformado.

Figura 4. Retrato de Picasso (1912), de Juan Gris.

Fonte: https://www.wikiart.org/es/juan-gris/retrato-de-pablo-picasso-1912

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Sergei Prokofiev (1891-1953)

Compositor russo. Em sua juventude, Prokofiev envolveu-se com o movimento


de renovação musical da virada do século, desenvolvendo uma linguagem seca e
emocionalmente fria, e em vários momentos, sarcástica. São dessa época obras como
Sugestões Diabólicas, Concerto nº 1 Para Piano e Orquestra e Tocata Opus 11, peças
que se tornaram bastante conhecidas. Mas a peça que causou verdadeiro escândalo foi
o Concerto nº 2 Para Piano e Orquestra, quando a plateia vaiou e esbravejou, e muitos
abandonaram o espetáculo. Após a Revolução Russa de 1917, saudada por ele como um
grande evento, mas que dificultou sua atuação como músico devido aos problemas que
se seguiram, decidiu investir numa carreira internacional, em países como França e
Estados Unidos.

A partir de 1933, depois de longo período ausente de sua terra natal, voltou algumas
vezes à União Soviética, estabelecendo residência definitiva em 1936. Lá, encontrou
uma política oficial que exigia dos artistas maior comunicação com o público.

Sensível às palavras de ordem, simplificou seu estilo, compondo marchas diatônicas,


corais para amadores e cantatas comemorativas, realizando, apesar das limitações,
obras primas como a música incidental para o filme de Eisenstein, Alexandre Nevsky,
e a obra educativa Pedro e o Lobo. Não se tornou imune, no entanto, à censura, tendo
sofrido diversas humilhações nos últimos anos. Curiosamente, morreu no mesmo dia
que Stalin.

Dmitri Shostakovich (1906-1975)

Compositor russo. A situação política na União Soviética levava ao escrutínio de suas


obras, que sofriam avaliações a respeito de seu maior ou menor engajamento – a
influência ocidental contemporânea, por exemplo, era duramente criticada, como no
caso das óperas O Nariz e Lady Macbeth, esta última rechaçada pelo jornal Pravda.

Por esse motivo, considera-se que a obra mais relevante de Shostakovich deve
ser desemaranhada daquela que criou como compositor “oficial” que produzia
propaganda política sob ordens, obrigado a utilizar uma linguagem acessível para
maior aproximação com as massas. Entre as obras importantes, compôs 15 sinfonias
que se destacam pela qualidade e pela quantidade, num período em que o gênero já
não possuía o mesmo apelo que no século anterior.

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

Béla Bartók (1881-1945)

Compositor e pianista húngaro. Suas obras ajudaram a consolidar uma tradição


musical na Hungria, influenciado tanto pelos velhos modos folclóricos húngaros
como pela revitalização musical capitaneada por Debussy e também baseada em
procedimentos modais. Além da música folclórica húngara, pesquisou também a
cultura de outros povos da Europa Oriental.

Dessa forma, percebeu que poderia redefinir a tonalidade por meio dos modos e
desenvolver formas eficientes a partir da variação constante de pequenos motivos.
Notou também que os ritmos poderiam ser mais bem explorados, além dos binários e
ternários. Impressionado com A Sagração da Primavera, de Stravinsky, criou uma de
suas partituras mais exuberantes, O Mandarim Maravilhoso, com ritmos impetuosos
e grande colorido orquestral. Uma de suas últimas obras, Concerto para Orquestra, é
hoje amplamente executada.

Charles Ives (1874-1954)

Compositor norte-americano. Como Satie, demorou a ser assimilado pelos seus


contemporâneos, e, no entanto, tornou-se referencial para a música do pós-guerra. Mas
no seu caso, muito se deve ao seu desinteresse por apresentar suas composições.

O autor, que começou a tocar órgão numa igreja batista aos 14 anos e a criar peças
musicais por volta dos 20, não seguiu carreira musical, tornando-se corretor de seguros
e compondo esporadicamente e em isolamento, antes de praticamente abandonar
a música na década de 1920. A despeito do pouco tempo dedicado, sua obra é
surpreendentemente extensa.

Além disso, não teve nenhuma peça publicada antes de 1920, quase nenhuma de
suas peças foi ouvida antes de 1930, e muitas das mais importantes só foram tocadas
após sua morte. Porém, graças à publicação por Cowell de movimentos orquestrais
e canções e aos concertos públicos com suas obras por Slonimsky e Webern, sua
música chamou a atenção.

A cada nova peça descoberta, crítica e público se impressionavam com a genialidade


de Ives. Tudo que movimentou a cena musical no início do século XX já estava ali:
politonalidade, atonalidade, ritmos assimétricos. E mais que isso, pois elementos que
só integrariam efetivamente a linguagem musical após a metade do século – como
música espacial, música textural e colagem – já faziam parte de sua gramática.

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

Destacam-se em seu repertório as peças sutis e transcendentais The Unanswered


Question, Three Places in New England, Concord Sonata e a Sinfonia Hollidays, além
de inúmeras canções.

Edgar Varèse (1883-1965)

Compositor franco-americano. Em suas primeiras obras, nas décadas de 1920 e 1930,


priorizou os instrumentos de percussão e a complexidade do ritmo, apostando também
na dissonância, na estridência e nas formas livres. É autor da primeira obra composta
exclusivamente para instrumentos de percussão, Ionisation, de 1931.

Outras composições que exploram percussão aliada a outras famílias de instrumentos


são Hyperprism, Intégrales e Ecuatorial – esta última peça inclui um dos primeiros
instrumentos musicais eletrônicos com teclado, denominado ondas martenot. No início
dos anos 1950, criou duas das primeiras composições para fita magnética, Déserts, com
orquestra, e Poème Électronique.

George Gershwin (1898-1937)

Compositor norte-americano. Iniciou tardiamente ao piano, com 12 anos, mas aos 16


já trabalhava com música popular, e em 1916, com 18 anos, teve sua primeira canção
publicada. Tornou-se um dos mais importantes cancionistas estadunidenses, ajudando
a formar o repertório jazzístico clássico, mas almejava compor obras em grande escala,
como óperas e concertos. Por esse motivo, investiu em estudos musicais com Cowell e
Schillinger, entre outros. Dessa forma, produziu obras híbridas, que foram incluídas
no repertório erudito, notadamente: as peças pianísticas Prelúdios, de 1926 e Duas
Valsas, de 1933; as peças orquestrais Rhapsody in Blue, de 1924 e Um Americano em
Paris, de 1928; e a ópera-jazz Porgy and Bess, de 1935.

Kurt Weill (1900-1950)

Compositor germano-americano. Suas primeiras obras, na década de 1920, são


estilisticamente desiguais, devido às suas diversas influências ainda não depuradas, de
autores como Busoni, Schreker, Schoenberg e Stravinsky. No entanto, algumas delas o
tornaram famoso, como no caso da ópera expressionista Der Protagonist. Encontrou
sua originalidade ao incorporar uma densa e livre tonalidade ao jazz e à música de
cabaré, na obra Royal Palace. O estilo se mostrou adequado nas canções criadas
em parceria com o dramaturgo Bertold Brecht e utilizadas em suas peças de teatro,

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

acentuando a crítica social presente nas montagens. Entre elas, destacam-se a Ópera
dos Três Vinténs e Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny.

Quando os nazistas tomaram o poder em 1933, fugiu para Paris, e, em 1935 radicou-se
nos Estados Unidos, onde trabalhou como compositor de musicais para a Broadway.

Aaron Copland (1900-1991)

Compositor norte-americano. Seu estilo extremanente pessoal representa uma


afirmação de americanidade, ainda que fortemente influenciado pela Sagração
da Primavera e pela fase neoclássica do russo Stravinky. O cultivo das formas
clássicas e a predileção pelo lúdico e gracioso, evitando os excessos expressionistas,
podem ser creditados às orientações de sua professora, Nadia Boulanger, que
aprimorou os talentos de muitos dos compositores americanos daquela geração,
como Thomson, Harris e Blitztein.

O autor introduziu a intensidade rítmica na música de concerto norte-americana,


inspirando-se no jazz e na música popular, e, ao mesmo tempo, especializou-se em
ambientações lacônicas e contemplativas. Envolveu-se com partidos de esquerda e
se impressionou com a obra de Weill e Brecht, buscando, a partir daí, a fórmula que
combinasse crítica social e o apelo de massas. Apesar da radicalização implícita em
certas obras, muitas delas foram apropriadas por políticos de várias tendências ao
longo dos anos – ironicamente, o som das pradarias de Copland embalou a campanha
presidencial de Ronald Reagan – e constam em inúmeros filmes e comerciais de
televisão.

Heitor Villa-Lobos (1887-1959)

Compositor brasileiro. Seu pai, músico amador, tocava violoncelo, fagote e clarinete, e
lhe ensinava violoncelo, mas faleceu muito cedo, quando Heitor contava apenas com 11
anos. Sem a oportunidade de uma educação musical sistemática devido às dificuldades
financeiras (esta só viria a ocorrer mais tarde, e por breve período), o rapaz envolveu-se
com diversos gêneros de música, dos mais populares a requintadas peças camerísticas,
o que contribuiu para a originalidade de sua escrita.

Sua obra, profundamente inspirada na música popular brasileira, tornou-se


universal após sua estada em Paris entre 1923 e 1930, pois conseguiu ajuda financeira
para a viagem após ter conquistado certa fama em seu país, no final da década de
1910. Em Paris, o exotismo de seus Choros orquestrais causou sensação – nessa
série de peças com variadas formações instrumentais, o autor depurou elementos

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

do gênero popular brasileiro e os reavaliou por meio de procedimentos modernos.


Varèse tornou-se seu amigo e Messiaen, um admirador. Voltou ao Brasil em 1930 e
se dedicou à educação musical, criando seu próprio conservatório em 1942. Entre
suas últimas obras, destacam-se as Bachianas Brasileiras, que incorporam o estilo
de Bach à linguagem da música popular brasileira.

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CAPÍTULO 3
Repertório Selecionado/ Música
Moderna

Sinfonia nº 1, “Titã” (Gustav Mahler) (1889)


A Sinfonia nº 1, também denominada “Titã”, foi concebida por Mahler de forma
monumental, com uma grande orquestra cuja textura é pensada em faixas de timbres
contrastantes, com diversos instrumentos fazendo papel solista e sendo utilizados nos
registros extremos da tessitura. Nesse sentido, o autor se antecipou à valorização da
textura, elemento importante nas obras do séc. XX, assim como no uso da heterofonia.
Além disso, o autor administra velhos materiais de forma inédita, como num mosaico,
o que lhe rendeu a comparação com obras pertencentes à estética art-nouveau.

Apesar de menos complexa que as outras sinfonias do autor, a “Titã” expõe seu espírito
angustiado, que frequentemente buscava nas memórias de sua infância as melodias
e ritmos – no terceiro movimento da sinfonia, por exemplo, há a alusão à melodia de
“Bruder Martin”, na verdade o “Frère Jacques” dos franceses. Porém, a alegre melodia é
transfigurada para o tom menor e acrescida de dissonâncias, resultando numa dolorosa
paródia.

Por esse tipo de procedimento, Mahler é considerado precursor do Expressionismo


Musical, estética associada, posteriormente, às obras atonais da Segunda Escola de
Viena (Schoenberg, Berg e Webern).

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

Figura 5. O Beijo (1908), de Gustav Klimt.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:The_Kiss#/media/File:El_beso(Gustav_Klimt).jpg

Prélude à L’après-midi d’um faune (Claude Debussy)


(1894)

A peça é apontada pela crítica como a primeira grande obra de Debussy. Baseada em
poema de Stéphane Mallarmé (1842-1898), é uma das mais sensuais obras do autor,
ilustrando os desejos de um fauno ao calor da tarde.

Sua introdução com uma sinuosa melodia cromática e descendente, realizada pela
flauta, inaugurou a música moderna. E a delicada orquestração subsequente, que
envolve trompete e harpa e busca evocar o clima tranquilo da tarde, já traz a marca de
uma sutil instabilidade, característica do autor nas próximas obras de Debussy.

Diversos procedimentos inéditos ou pouco habituais proliferam nessa obra: ao invés


do desenvolvimento temático, a recorrência e justaposição de diversos motivos
sem lógica aparente, imprimindo à peça um caráter de improvisação; o emprego
de timbres traz transparência e delicadeza essencialmente novas; além disso, já
nessa obra é possível observar a atitude do autor em rejeitar o acorde como função,
considerando-o como fenômeno sonoro autônomo, valorizando som em si mesmo,
não mais subordinado a um determinado sistema musical – filosofia que se tornou
comum entre os autores do século XX.

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

Jeux d’eau (Maurice Ravel) (1902)

Um marco na literatura do piano solo, pela maneira como o autor aborda a articulação
do instrumento. Ravel é apontado pela crítica como o último grande “clássico”, e,
embora na maioria de suas composições o autor priorizasse frases delineadas com
precisão, algumas de suas obras podem ser associadas ao Impressionismo pela
dissolução da linha melódica observada na escrita deste estilo.

É o caso dessa obra, que, embora não abandone o campo da tonalidade, possui uma
harmonia expandida, com o emprego pouco usual do acorde de sétima. Segundo
Ross (2007, p.99), em diversas peças para piano da primeira década do novo século
“Ravel realizou uma espécie de revolução de veludo, renovando a linguagem musical
sem perturbar a paz”, caso de Jeux d’eau, em que “a melodia e o acompanhamento se
desmaterializam em respingos e meneios que imitam o movimento da água de uma
fonte”.

Concerto para violino (Jean Sibelius) (1904)

Sibelius desenvolveu um estilo peculiar e original a partir do material musical típico


do século XIX. O compositor revigorou as formas clássicas por meio de interpretações
bastante pessoais, como no caso desse concerto, cujas partes, apesar de não seguirem
padrões formais estabelecidos, possuem lógica própria e coerência interna, devido ao
material temático intensamente inter-relacionado. Dessa forma, o autor reinventou a
forma em função das ideias musicais, produzindo grande organicidade e demonstrando
que talvez o anúncio do esgotamento da linguagem tonal fosse algo exagerado. De fato,
as experiências posteriores dos compositores neoclássicos provaram que ainda seria
possível compor muita música tonal interessante.

Salomé (Richard Strauss) (1905)

Baseada em texto de Oscar Wilde, essa ópera é ainda hoje considerada revolucionária.
No texto, a princesa Salomé, não correspondida em seu amor por João Batista, pede a
cabeça do profeta ao seu padrasto, Herodes. Seduzindo o padrasto, que a desejava, com
uma dança de sete véus, a princesa recebe a cabeça de João Batista em uma bandeja de
prata, e a beija. Herodes, horrorizado, ordena que Salomé seja morta.

A ópera ocorre em apenas um ato e assemelha-se a um poema sinfônico,


desenvolvendo-se ininterruptamente, sem trechos em coro ou solos que possam
remeter às óperas tradicionais. A música reproduz a atmosfera violenta explicitada

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

no texto, pricipalmente na rapsódia dividida em três episódios Dança dos Sete Véus,
um dos raros momentos da ópera que podem ser vistos de forma isolada.

Escalas orientais perpassam toda a dança, e, em muitos casos, o desenvolvimento


melódico beira o atonalismo.

La Mer (Claude Debussy) (1905)

A obra foi chamada por Debussy de “três esboços sinfônicos”, e seu encanto provém
da maneira peculiar com que o autor trata a orquestração. O próprio desenvolvimento
textural da obra sugere o movimento do mar.

De fato, a textura é o assunto principal da peça, pois não há aqui o esperado


desenvolvimento temático, já que as ideias melódicas e harmônicas são sugeridas e
abandonadas, divididas entre os mais variados grupos instrumentais – já foi dito que
Debussy considera todos os instrumentos da orquestra como solistas.

O tempo musical é extremamente fluido, traço que se tornou comum em muitas das
obras de Debussy. Já a harmonia considera os acordes por sua sonoridade única,
desprezando os encadeamentos ou qualquer tipo de direcionamento – procedimento
que se tornou uma dos características mais marcantes do compositor.

Poema do Êxtase (Alexandre Scriabin) (1908)

A obra inova na aplicação da forma-sonata, tornando-a praticamente irreconhecível. O


uso expressivo das dissonâncias e o timbre da orquestra explorado em sua agressividade
apontam para o futuro, antecipando procedimentos comuns durante todo o século XX.

A obra, inspirada em um poema que o próprio autor escreveu em russo em 1904,


foi concluída em 1907 e apresentada no ano seguinte, e é considerada uma das mais
complexas de Scriabin – apenas na exposição são apresentados nove temas diferentes.
Sua forma é ambígua, entre o poema sinfônico e a sinfonia, exigindo uma enorme
orquestra. Segundo o autor, a obra não deveria lembrar nada do que escrevera até então.
O Poema do Êxtase foi utilizado na Rússia como saudação ao retorno dos primeiros
astronautas.

Pierrot Lunaire (Arnold Schoenberg) (1912)

Composta a partir de versos do poeta belga Albert Giraud (em tradução alemã de Otto
Erich Hartleben) e sob encomenda para a atriz e cantora Albertine Zehme, foi dividida
em três partes de sete recitações cada uma, e tornou-se a obra mais popular do autor.

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Pierrot Lunaire recebeu arranjo para voz e um grupo de câmara de instrumentação


incomum, que não se restringia a mero acompanhamento, formado por piano, flauta,
flautim, clarinete, clarinete baixo, violino, viola e violoncelo, podendo, porém, ser
executado por apenas cinco músicos. O grupo é convocado em formações diferentes,
como solos, duos, trios e quartetos, e apenas na última peça todos os instrumentos são
ouvidos.

O intenso cromatismo não estabelece tonalidades específicas, sendo a peça classificada,


em geral, como atonal. Porém, a técnica utilizada pela cantora corresponde a uma
“oralização” da melodia, de maneira que, atingida a nota, esta imediatamente é
abandonada, com a voz deslizando para a próxima nota, o que situa a linha melódica de
Pierrot Lunaire entre o canto e a fala – esse efeito, denominado Sprechgesang, ainda
hoje provoca estranhamento.

Diversas técnicas de composição são utilizadas, dos cânones e fugas dos antigos
mestres flamengos à livre associação de ideias. Em algumas das recitações, pequenas
células geradoras de três ou quatro notas engendram todo o discurso, o que alguns
consideram uma antecipação do sistema dodecafônico.

Figura 6. Noite Estrelada (1889), de Vincent van Gogh.

Fonte: http://www.essential-humanities.net/western-art/painting/modern/

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

A Sagração da Primavera (Igor Stavinsky) (1913)


Hoje considerada a obra mais emblemática da música no século XX, A Sagração da
Primavera foi clamorosamente vaiada em sua estreia, sob a regência de Pierre Monteux
em 29 de maio de 1913, no Teatro dos Champs-Élysées. A obra quase não foi ouvida na
ocasião, tão grande a confusão que ocorreu logo nos primeiros compassos da partitura.
No entanto, o passar do tempo lhe conferiu lugar de destaque entre as obras-primas do
século XX, e a análise da peça tornou-se obrigatória entre os estudantes de composição.

A Sagração afrontava diretamente cânones estabelecidos: a melodia, que na música


tradicional era o ponto focal, fora reduzida a alguns pequenos motivos repetidos;
ao invés de estruturas harmônicas servindo como acompanhamento à melodia,
aglomerados sonoros (hoje denominados clusters e já incorporados à linguagem
musical contemporânea), nos quais acordes provenientes de tonalidades distintas
soavam simultaneamente, esvaziando funções tonais; além disso, devido à grande
concentração de sons em determinadas passagens, já não se podia distinguir sons
“musicais” e ruídos.

Mas talvez a maior contribuição da obra tenha sido delegar ao ritmo a função de
elemento organizador do discurso, contrariando quase toda a música composta
anteriormente, que relegava a esse parâmetro musical o papel de suporte para as
melodias e harmonias.

Sagração foi a terceira escrita sob encomenda para os Balés Russos, companhia de
danças capitaneada pelo empresário russo Sergei Diaghilev (1872-1929). As outras
foram O Pássaro de Fogo e Petruchka. Diaghilev foi um dos principais incentivadores
da música nova, encomendando, para integrar seus inovadores espetáculos, diversas
obras para compositores como Debussy (Jeux), Ravel (Daphnis et Chloé) e Richard
Strauss (Josephslegende).

Seis Peças Op. 6 (Anton Von Webern) (1913)

Webern compôs seu ciclo orquestral Seis Peças Op. 6 em 1909 (a peça só foi
apresentada ao público em 1913), ainda sob o impacto da morte da mãe anos antes,
em 1906. Nessa delicada obra, cuja orquestração sutil atenua a aridez do atonalismo,
o compositor expõe as etapas de sua experiência pessoal. Pressentimento, choque e
lembrança se sucedem, e a imagem de uma procissão funerária é evocada pelo arranjo
com ênfase nos instrumentos de sopro: trompas, trompetes, trombones são tocados
com grande intensidade e no limite do ruído, e o solo agudo de um clarinete em mi
bemol é percebido como um lamento, para ser respondido pela flauta em região grave

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

e gutural. Em dado momento, tropas e trompetes em surdina apresentam momentos


mais líricos, com acordes ao fundo. Mas os trombones se erguem, seguidos pelas
madeiras e metais. “A peça é coroada por uma esmagadora sequência de acordes de
nove e dez notas, depois da qual a percussão inicia um crescendo, chegando a um
estrondo que não deixa ouvir mais nada” (ROSS, 2007, p.77). Da mesma forma que
Stravinsky, mas em outra chave conceitual, Webern contribui para a deflagração do
ruído no século XX.

El Amor Brujo (Manuel De Falla) (1915)

A partitura de balé foi encomendada pela atriz e dançarina Pastora Imperio em 1915,
e composta inicialmente para o conjunto de câmara que estava disponível para o
espetáculo, sendo no ano seguinte rearranjada para orquestra sinfônica, forma como
se tornou conhecida tanto nos palcos de dança como nas salas de concerto. A obra está
entre as mais exuberantes do artistas e apresenta grande riqueza de timbres, que inclui,
além da orquestra, piano e voz feminina.

O enredo diz respeito ao amor de Candelas por Carmelo, relação prejudicada pela
interferência do fantasma do antigo amor da cigana, que a persegue e atormenta com
seu ciúme. Carmelo concebe um estratagema para que o fantasma se apaixone por
outra moça, Lucía, o que, de fato, ocorre, fazendo com que o casal seja deixado em paz.

Contendo várias seções distintas, a partitura inclui a Dança Ritual do Fogo, uma das
mais célebres páginas do compositor. Com uma impressionante economia de meios,
De Falla criou uma peça cujo espírito representa fidedignamente à cultura cigana.

Pulcinella (Igor Stavinsky) (1920)

Anos após a revolução provocada pela Sagração da Primavera, Stravinsky mudou


radicalmente de rumo, apresentando uma obra orquestral baseada em temas inspirados
em autores barrocos antigos, em especial no compositor Pergolesi, criada para compor
um espetáculo de dança: Pulcinella.

A obra foi projetada para um grupo de cantores e um conjunto de câmara, e a ação


deveria ser realizada por personagens da comédia dell’arte, com cenário de Picasso.
Mais uma vez, o compositor causou impacto no público, mas pelo motivo inverso,
pois quando todos esperavam violência sonora, Stravisnky optou por se guiar pelo
modelo acadêmico.

Sua intenção, nessa época, era a de desenvolver um estilo universal e clássico,


baseado em mestres do passado como Bach, Haendel e Mozart, porém depurado

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

por sua criatividade. Alguns viram um retrocesso em relação à novidade da


Sagração, outros, um pastiche do século XVIII, mas para o compositor e regente
Robert Siohan, tratava-se de uma evocação musical transfigurada por uma
invenção rítmica espirituosa.

Muitas das obras consequentes de Stravinsky seguiram esse padrão. Entre as obras
neoclássicas, destacam-se o Octeto, de 1923, composto para flauta, clarinete, dois
fagotes, dois trompetes e dois trombones, e o Concerto para Violino e Orquestra em Ré
Maior, de 1931, em que o autor levou o virtuosismo instrumental a um de seus grandes
momentos, resgatando a escrita barroca e levando o pastiche às últimas consequências
(seu movimento final é um tango). Porém, o espírito inconformista de Stravinsky não o
deixaria se acomodar em um só estilo, e o compositor ainda se interessaria por diversas
vertentes, do jazz à música serial.

O Amor por Três Laranjas (Sergei Prokofiev) (1921)

Ainda na juventude, Prokofiev deixou a Rússia por muitos anos, pois a Revolução
deixava poucas condições para que o compositor investisse em sua carreira. Após
alguns concertos em Tókio e Yokohama, alcançou grande sucesso nos Estados Unidos e
em Paris, países onde obras como O Amor Por Três Laranjas, O Bufão e o Concerto nº
3 Para Piano e Orquestra foram consideradas obras originais. Amor por Três Laranjas
é uma ópera baseada na peça fantástica de Gozzi. Estreou em Chicago obtendo êxito
retumbante, que seria repetido em várias partes do mundo. A partitura pertence àquele
considerado o segundo período criativo do compositor.

O primeiro, entre 1907 e 1921, corresponderia às obras da juventude, em que o artista


abandonava as formas aprendidas no conservatório para realizar peças inovadoras,
alinhando-se aos compositores de sua época. O segundo, entre 1922 e 1932, no qual
Prokofiev viveu fora da Rússia, mostram um criador aprimorando seu estilo, até então
bastante agressivo, colorindo-o com elementos folclóricos de seu país. O último período
situa-se entre 1933 e 1953, marcado por um caminho de simplificação, no qual o artista
buscava se dirigir ao homem do povo.

O Mandarim Maravilhoso (Béla Bartók) (1926)

O Mandarim Maravilhoso é considerada a mais criativa peça de Bartók realizada para


orquestra. Trata-se de uma pantomima para cenografia de Menyhért Lengyel, cujo
enredo relata a sedução do Mandarim por uma prostituta, com o intuito de que fosse
atacado por seus cúmplices. O protagonista morre, mas apenas após realizar seu desejo
sexual. A peça frequentemente é comparada à Sagração da Primavera, de Stravinsky,

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

pela violência e pelo ritmo como princípio gerador, mas sua orquestração de Bartók é
mais despojada e seca.

A obra de Bartók prioriza as escalas primitivas e arcaicas, como pentatônicas, orientais,


eclesiásticas e, ocasionalmente, em quartos de tom, o que lhe auxiliou a enfrentar a
“tirania” dos modos maior e menor ocidentais.

A partir dessa perspectiva, é possível observar em suas peças o uso de cromatismos não
apenas de maneira funcional, ou seja, como alteração de sustenido ou bemol apenas
para destacar a “nota-mãe” diatônica, mas como graus independentes da escala. Sua
preferência pelo intervalo de quarta, tanto melódico como harmônico, provém da
música folclórica magiar. Eclético, no entanto, Bartók não dispensa os progressos
harmônicos feitos pela música ocidental.

Críticos observam em sua música uma austeridade voluntariamente tosca, um lirismo


com arestas afiadas e linhas angulosas, expressividades tensas e viris, e uma singela
pureza.

Essas qualidades, somadas ao dinâmico e elementar sentido rítmico típico de suas


composições – muitas delas utilizando como punhaladas os acordes martellato – lhe
valeram o epíteto de “bárbaro”. Muitos desses elementos podem ser observados em O
Mandarim Maravilhoso.

Choros VIII (Heitor Villa-Lobos) (1927)

Quando chegou em Paris, em 1923, Villa-Lobos animava-se em explorar possibilidades


inéditas. Mammì (2017, p.132) observa que o compositor apresenta uma enorme
variedade de instrumentos de percussão na peça Noneto, e que na Suíte para Canto e
Violino a voz percorre em glissandos o limiar entre o canto e o grito, além de explorar
fonemas percussivos.

O autor buscava novas possibilidades, mas não se preocupava em inseri-las num


sistema formal, considerando cada peça musical a partir do material e da técnica a
serem investigados. Nisso, alinhava-se à cultura parisiense na década de 20, em
que a pesquisa do timbre se sobrepunha ao desenvolvimento temático e harmônico,
perspectiva influenciada pela obra de Debussy.

A atitude apontava para a valorização do som em si, independente de estruturas


musicais que pudessem justificar as escolhas composicionais. Nesse sentido, a obra
Choros VIII, apresentada em 1927, em Paris, aprofundava a proposta do compositor

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

de justapor materiais heterogêneos extraídos de universos estilísticos diferentes


(MAMMÌ, 2017, p.132).

Em muitos momentos, a densidade dos acordes é tamanha que estes passam a ser
percebidos como ruídos. Há uma tendência a atribuir aos instrumentos uma função
percussiva, pela repetição de notas em ritmos variados. Mammì analisa trechos da obra:

O elenco orquestral, em Choros VIII, é particularmente amplo: uma


grande seção de sopros (27 instrumentos, dos quais doze metais); uma
bateria de treze instrumentos de percussão diversos; uma terceira
seção composta de dois pianos, duas harpas e uma celesta; por fim,
o quinteto de cordas. As possibilidades de combinação tímbrica, já
notáveis, são multiplicadas com o uso da surdina nos metais e nas cordas
e com a indicação de modos particulares de execução, detalhadamente
prescritos. Alguns dos contrabaixos têm cinco cordas (...). Cada grupo
de instrumentos, porém, tem sua própria curva de desenvolvimento,
que apenas de modo indireto contribui para formar a curva geral. Os
dois pianos, por exemplo, intervêm somente na metade do primeiro
crescendo, desaparecem na metade do decrescendo central e voltam
na metade do crescendo sucessivo, continuando até o fim. Aparecem,
portanto, somente quando a orquestra atingiu certa densidade. (...)
poderíamos falar em “temas tímbricos”: o glissando ascendente (...)
funciona como verdadeiro leitmotiv da composição (...) Villa-Lobos
(...) o deixa no centro da estrutura, submetendo-o a uma série de
engenhosas transformações colorísticas – por vezes ele é confiado a
um solista; outras, vários instrumentos o executam ao mesmo tempo,
mas partindo cada um de uma nota diferente, de modo a obter, em
cada ponto do glissando, certa espessura sonora, mais ou menos
dissonante; alternando a forma ascendente e descendente, e mudando
o registro, constituem-se simetrias simples; e também a extensão do
glissando é variável (...). Através da evolução do colorido orquestral,
portanto, é possível reconstruir a forma geral da obra. Ao contrário,
seguindo o fio dos desenvolvimentos harmônicos e melódicos, nos
perdemos logo num labirinto. (MAMMÌ, 2017, p.136-138).

Bolero (Maurice Ravel) (1928)

Peça orquestral composta a pedido da bailarina Ida Rubinstein para ser dançada
com outra obra do compositor, La Valse, o Bolero se tornou uma das peças mais
emblemáticas e populares de Ravel. Para compô-la, o compositor partiu de um
obsessivo tema, por meio do qual explorou os timbres da orquestra, levando a

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

orquestração a uma espécie de autonomia. A harmonia em dó maior é bastante


simples, apenas sendo modificada, perto do final, para o inesperado tom de mi maior,
para logo retornar à tonalidade do início.

A melodia se utiliza de escalas espanholas, mas também orientais, assumindo


abertamente o modalismo. A cada retomada do tema, somam-se novas cores orquestrais,
em uma intensidade cada vez mais viva. A coreografia idealizada por Rubinstein
ambientou o Bolero em um decadente cabaré de Barcelona. Sobre uma plataforma,
uma bailarina dançava rodeada por um grupo de homens, que fechava o círculo cada
vez mais, à medida que a música se desenrolava num crescendo. Assim, a composição
trouxe enfoque para um parâmetro menos explorado de forma estrutural em peças
tonais, a dinâmica.

A genialidade de Bolero decorre da maneira como Ravel administrou o timbre e a


dinâmica, através da orquestração, incluindo cores instrumentais raramente utilizadas,
como o oboé d’amore, o clarinete em mi bemol (sopranino) e três tipos de saxofone.
Durante o crescendo, novas combinações instrumentais vão sendo colocadas em jogo,
fazendo com que a ampliação não se dê apenas no campo do volume sonoro, mas
também no domínio do timbre. Por meio de melodias paralelas, Ravel sugere as notas
resultantes da série harmônica, e provoca, com o choque de timbres, novos harmônicos
resultantes.

A Ópera dos Três Vinténs (Kurt Weill) (1928)

A transição entre o estilo acadêmico e a hoje reconhecível escrita popular e cortante de


Kurt Weill foi catalisada por dois personagens: Bertolt Brecht, o dramaturgo politizado
com quem o compositor firmou parceria, e a cantora Lotte Lenya, envolvimento
profissional e romântico de Weill.

No caso de Brecht, a influência de seu estilo extremamente pessoal, cujas frases


vão direto ao ponto, estimulou na criação de uma música também rude, seca, e
extremamente irônica, com dissonâncias bem colocadas, mas já distantes da
vertente atonal das primeiras composições. Já Lenya encantou o compositor com
sua voz rústica, desgastada, e, no entanto, exuberante – segundo depoimento do
compositor, embora a cantora não soubesse ler música, ao cantar conquistava a
atenção da plateia como fazia Caruso.

Uma das obras que consolidou essa transformação do compositor foi A Ópera dos
Três Vinténs, inspirada em uma ópera-balada do séc. XVIII de John Gay, a Ópera do
Mendigo. Brecht tinha uma fascinação especial pelos fora da lei e desajustados socias,

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

e utilizou-os como matéria-prima de muitas de suas peças, como nesse musical,


acreditando no potencial revolucionário desses personagens, que afrontavam o
discurso da moralidade oficial.

A peça contém a mais popular das parcerias Weill-Brecht, a canção “Die Moritat vom
Mackie Messer”, mais conhecida como “Mack, a Faca”. Trata-se de um catálogo de
homicídios, descrevendo um protagonista que não apenas mata por dinheiro, mas que
sente prazer nisso. A melodia criada por Weill é simples e circular, detendo-se várias
vezes num acorde de tríade com sexta acrescentada, recurso comum no jazz e também
utilizado por Debussy pelo potencial ambíguo que remete à tonalidade menor.

Devido ao arranjo criado para a banda de sete músicos (que deveriam tocar nada
menos que 23 instrumentos), que prioriza instrumentos graves, o acorde em suspenso
estabelece um clima misterioso. Assim, o ambiente da peça se alterna entre sombrio e
eufórico, o melancólico e o sarcástico, sempre um tom acima e remetendo vagamente
ao expressionismo musical.

A ambiguidade chega à indefinição do estilo, situado na fronteira entre o clássico e o


popular. Ao exigir que os músicos toquem tantos instrumentos, Weill trouxe à peça um
caráter de imrovisação, evitanto o profissionalismo burocrático. Além disso, permitia
aos cantores que improvisassem, o que se tornou uma tradição na interpretação de
obras.

Ionization (Edgar Varèse) (1931)

Esta obra de Varèse foi composta para uma orquestra de percussão de 13 músicos,
sendo a primeira dedicada exclusivamente a essa família de instrumentos – apenas
antecipada por Les Choëphores, de Darius Milhaud, e Les Noces, de Stravinsky, obras
com passagens que enfatizavam a percussão. Varése utilizou instrumentos sem altura
definida até quase o final da peça, quando o piano, o glockenspiel e os sinos tubulares
intervêm.

Lulu (Alban Berg) (1934)

A obra é uma síntese das peças Espírito da Terra e Caixa de Pandora, de Wedekind,
nas quais a cantora Lulu, que se torna prostituta após frequentar a alta sociedade,
encontra a morte pelas mãos de Jack, o Estripador. Lulu reúne as contradições da
cultura centro-europeia às vésperas da ascenção de Hitler, alternando-se entre hiper-
romantismo e vanguarda, a empatia e a brutalidade. O autor compôs grande parte da
peça e apresentou-a como suíte em 1934, mas a finalização da obra foi interrompida

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

por ocasião de sua morte, em 1935, faltando ainda concluir boa parte da orquestração
do terceiro ato. Como a sua viúva havia proibido que a obra fosse concluída, durante
muito tempo esta foi apresentada como uma ópera em dois atos. Após a morte de Helen
Berg e pelo fato das intenções do compositor serem muito claras, foi possível o término
da partitura pelo compositor austríaco Friedrich Cerha, e a obra estreou completa em
1979. Berg, embora dedicado ao dodecafonismo, fazia deste um uso peculiar, tendo
confessado a Adorno, em carta, que o sistema de Schoenberg lhe interessava pela
possibilidade de gerar novos tipos de tonalidade, e muitas das séries escolhidas pelo
compositor dão margem a alusões tonais e a fragmentos de músicas do passado – o
Concerto para Violino, por exemplo, apresenta as primeiras notas de um coral de Bach.
Ross analisa trecos de Lulu:

Como em Wozzeck, os diversos atos e cenas são compostos a partir de


formas clássicas. O terceiro ato inclui também a opereta, o vaudeville
e o jazz. (...) Lulu apresenta uma estrutura circular (...) girando no
interior de uma estreita configuração de séries tonais, leitmotivs
e relações harmônicas. De certo modo, trata-se de um gigantesco
palíndromo, cujo ponto médio se situa no interlúdio que une Espírito
da Terra e Caixa de Pandora. Num truque tomado de empréstimo a
Palácio Real, de Weill, Berg recorre a um breve filme mudo, narrando
o julgamento, aventuras na prisão e fuga. Bem no meio do interlúdio,
a música começa a tocar ao contrário. A partir desse momento, a ópera
é saturada pelo déjà vu. Repetem-se motivos, passagens e até mesmo
seções inteiras (...). O fato de a maioria dos motivos se relacionar a
uma única série de doze tons contribui para a atmosfera de estranheza.
Como na Suíte Lírica, a série principal contém implicações tonais,
dividindo-se entre a região das teclas brancas e a das pretas, que
correspondem a dó maior e fá sustenido maior. De fato, os cadernos
de rascunho revelam que Berg pensava em suas séries como fontes
de modos, anotando as tríades que podiam ser extraídas de cada uma
(ROSS, 2007, p.226-227).

The Unanswered Question (Charles Ives) (1935)

The Unanswered Question foi originalmente composta por Ives em 1906 e revisada
entre 1930-1935, quando ganhou a partitura definitiva. A peça busca expressar o
questionamento sobre o sentido da vida através de uma orquestração estereofônica, em
que as cordas, fora do palco, se contrapõem a um lamentoso trompete, e este, por sua
vez, dialoga com quatro frenéticas flautas. A densidade da massa sonora é um elemento

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UNIDADE I │ A MÚSICA MODERNA (1894-1938)

marcante, orientando a articulação musical mais do que qualquer desenvolvimento


temático, ao mesmo tempo em que a discrepância entre as cordas e os instrumentos de
sopro instaura uma textura heterofônica.

Figura 7. Uma Nova Geração (1892), de Jan Toorop.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Symbolist_paintings#/media/File:A_New_Generation_1892_Jan_Toorop.jpg

Porgy and Bess (George Gershwin) (1935)

Gershwin almejava escrever uma grande ópera lírica há tempos, quando, em outubro
de 1926, se deparou com a leitura de um conto que estava sendo bastante comentado
em Nova York. Tratava-se de Porgy, história do mendigo aleijado Porgy e sua paixão
por uma bela mulher, Bess – esta, por sua vez, envolvida com um violento estivador.
Animado com a possibilidade de haver encontrado o libreto para sua composição,
Gershwin entrou em contato com o autor do texto, DuBoise Heyward, e aventou a
possibilidade de se tornarem parceiros. Quatro anos mais tarde, o Metropolitan Opera
de Nova York lhe encomendou uma ópera, e o compositor se lembrou do conto de
Heyward, animado em criar uma ópera americana que não fosse uma imitação das
óperas francesas, italianas ou alemãs, como ocorria até então.

Porgy lhe permitiria dramatizar o cotidiano simples de pessoas do povo, explorando


a nascente cultura musical do jazz, estilo musical genuinamente norte-americano.
Devido à dificuldade de Heyward em escrever versos para serem cantados, George
convocou seu irmão, que já era seu parceiro em inúmeras canções, para auxiliá-lo. O

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A MÚSICA MODERNA (1894-1938) │ UNIDADE I

nome Porgy and Bess foi sugerido por empresários, o que alinhou a obra à tradição de
outros títulos de ópera, como Tristão e Isolda e Sansão de Dalila. A estreia, embora
prevista para o palco do Metropolitan Opera de Nova York, teve que ser alterada para
o Colonial Theatre, em Boston, devido à decisão de Gershwin em escalar um elenco
composto apenas de artistas afroamericanos, pois o teatro de Nova York, nessa época,
não aceitava a presença de negros.

Foram contratados artistas importantes: para a direção de cena, Rouben Mamoulian,


que dirigiu com sucesso a peça em prosa; para a direção musical, o aclamado regente
Alexander Smallens; para o papel de Porgy, o barítono negro Todd Duncan; para Bess,
a famosa soprano Ann Brown; além destes, o compositor inovou ao escalar um cantor
popular de musicais, o também sapateador John W. Bubbles, para o papel do traficante
Sportin’ Life.

A peça foi um enorme sucesso, aplaudida em pé por quinze minutos, e, além das
inúmeras montagens operísticas, tornou-se parte do cancioneiro popular norte-
americano, recebendo versões cantadas e instrumentais, de intérpretes como Louis
Armstrong e Ella Fitzgerald e músicos de jazz como Miles Davis.

Billy The Kid (Aaron Copland) (1938)

O balé Billy the Kid está entre as primeiras composições de Copland, mas já apresenta
o estilo americano que o consagrou. Trata-se de uma homenagem a William Bonney,
fora da lei que, segundo relatos, roubava dos ricos, era amigo dos pobres, encantava as
damas e matou 21 homens (ROSS, 2007, p.296). Por meio de artifícios como a citação de
músicas de caubói como “Great Granddad”, “Whoopee ti yi yo, git along little dogies” e
“The Old Chisholm Treil”, o autor evoca a atmosfera dos Estados Unidos de um período
pré-capitalista (Copland havia se envolvido com o ativismo de esquerda e tinha críticas
ao modelo econômico).

As músicas tradicionais são, no entanto, apresentadas numa polirritmia desajustada,


sinal da influência adquirida da obra de Stravinsky. Em outros trechos, sopros em
quintas paralelas buscam evocar a imagem de um trem percorrendo um longo e
poeirento Vale do Oeste – o esvaziamento dos acordes, resultante das quintas paralelas,
ajuda a criar a ilusão de um espaço aberto. Apesar do radicalismo implícito em certas
obras de Copland, muitas delas constam em inúmeros filmes e comerciais de televisão, e
foram apropriadas por políticos de várias tendências ao longo dos anos – ironicamente,
o som das pradarias de Copland embalou a campanha presidencial de Ronald Reagan.

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A MÚSICA NO PÓS- UNIDADE II
GUERRA (1939-1966)

CAPÍTULO 1
Cena Musical no Pós-Guerra

Figura 8. Composição com Amarelo e Azul e Vermelho (1942), de Piet Mondrian.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Piet_Mondrian#/media/File:Composition-with-red-yellow-and-blue.jpg

A eclosão da segunda guerra mundial determinou a geografia da música erudita na


segunda metade do século XX, pois foram muitos os compositores e músicos que
deixaram a Europa para escapar ao conflito, compondo novas obras em solo estrangeiro
e levando sua expertise para outros países (vários deles tornaram-se professores,
influenciando no estilo de seus alunos). Embora não fosse incomum que artistas de
países diversos viajassem pelo mundo buscando a troca de informações com seus pares,
a intensidade com que isso ocorreu a partir da segunda guerra marcou os rumos da
música como nunca antes.

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

Destino de grande parte dos artistas europeus, os Estados Unidos começaram a se firmar
como uma grande potência musical, acolhendo autores como Stravinsky e Schoenberg,
que compuseram novas obras em solo americano – no caso de Stravinsky, algumas
delas, como Ebony Concerto, inspiradas no jazz. Além disso, após a consolidação de
um estilo americano na primeira metade do século XX por autores como Gershwin,
Thomson, Harris e Copland (este ainda bastante jovem), um novo grupo de artistas
norte-americanos levaria as propostas estéticas de uma música genuinamente
americana adiante, entre eles, o próprio Copland, aprimorando seu estilo, Walter
Piston, Lou Harrison e Roger Sessions.

Já na Europa, no início dos anos 1950, um grupo de jovens músicos ampliou os preceitos
da escola dodecafônica, chegando ao chamado serialismo integral, ou seja, um tipo de
técnica composicional que buscava organizar todos os parâmetros musicais possíveis
de acordo com as regras da composição dodecafônica. Entre esses compositores
podemos destacar Pierre Boulez, Luciano Berio, Luigi Nono, Bruno Maderna, Karlheinz
Stockhausen e Henri Pousseur, ou seja, alguns dos principais nomes da música de alto
repertório na segunda metade do séc. XX.

Ainda que Webern representasse indiscutivelmente o modelo central,


os serialistas manifestavam interesse pelas composições para percussão
de Varèse, pelas obras de Messiaen, pela música indiana, pelas canções
populares, pelos ritmos africanos. Trabalhavam lado a lado com os
engenheiros de som nos estúdios de música eletrônica de Paris, Milão e
Colônia, aceitando vínculos – nem sempre pacíficos, mas, de qualquer
modo, de colaboração – com as indústrias que pesquisavam o setor.
Desde o início, pois, a nova escola serial se caracterizava pelo esforço de
manter uma relação positiva, ainda que crítica, com a realidade social
(MAMMÌ, 2017, p.144-145).

Os variados interesses desses autores, portanto, acabaram por direcioná-los para


diversas searas musicais.

Boulez, por exemplo, dividiu o tempo dedicado à composição musical com sua
atividade como regente de obras seminais da música contemporânea de autores
como Debussy, Schoenberg, Stravinsky, Webern e Bartók, e, a partir dos anos 1970,
envolvido na criação e direção do estúdio de música computadorizada denominado
Institut de Recherche et de Coordination Acoustique/Musique, em Paris.

Stockhausen, por sua vez, voltou-se para a música eletrônica, compondo as primeiras
obras dedicadas exclusivamente ao sintetizador. Buscando humanizar a audição
excessivamente árida das apresentações eletrônicas, passou a incluir executantes

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

humanos nesse tipo de performance. Alé disso, o autor foi influenciado pela filosofia
oriental, passando a considerar a execução musical de forma holística, na qual o
compositor, o executante e o público interagem e são igualmente afetados.

Já Berio desenvolveu uma concepção estruturalista da música como uma


linguagem de gestos em sons (GRIFFITHS, 1995, p.22), contribuindo com
o repertório para a música vocal experimental graças à sua associação com a
esposa e cantora Cathy Berberian.

Ao mesmo tempo em que autores buscavam o máximo controle sobre as composições,


figuras como John Cage e Morton Feldman inseriram na história da música ocidental
alto grau de indeterminação, por meio da chamada “Música Aleatória”.

A valorização do som como elemento criativo, não necessariamente atrelado a algum


sistema musical, gerou obras de ênfase textural, como as densas camadas sobrepostas
das peças para religiosas de Penderecki ou as etéreas Apparitions e Atmosphères, do
compositor György Ligeti.

No campo da música popular, o Jazz incorporou paulatinamente procedimentos


radicais, desenvolvidos na música erudita ou originados no próprio estilo, aproximando
os universos musicais.

A seguir, listaremos e decreveremos algumas das principais vertentes musicais nos


anos pós-guerra.

Serialismo Integral

Trata-se da organização de todos os parâmetros musicais possíveis de acordo


com os pressupostos do sistema dodecafônico. Quem primeiro se interessou em
aplicar um tratamento serial para outros elementos além da altura sonora foi
Webern, discípulo de Schoenberg. Em suas últimas obras percebe-se o esforço para
desenvolver esse pensamento, em especial no campo do ritmo. Nas Variações Op.
30, por exemplo, há conjuntos seriais relacionados a durações com as proporções
de 2-2-1-2 (correspondendo, por exemplo, a mínima, mínima, semínima, mínima)
e 3-1-2-6, em que utiliza as séries e seus movimentos retrógrados.

Babbitt incorporou o procedimento, aplicando, além do movimento retrógrado,


aquilo que chamou de inversão, em que complementava as durações para 6
– resultando, assim, na transformação de 5-1-4-2 em 1-5-2-4. Dessa forma,
estabeleceu-se o primeiro exemplo real de serialismo rítmico. Messiaen e Boulez
levaram adiante experiências com as proporções rítmicas e aplicadas a outros

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

parâmetros – Boulez propôs, por exemplo, serializar modos de ataque para as


figuras. Stockhausen, em Kreuzspiel, de 1951, aplicou princípios racionais para
opções a partir de um conjunto de níveis dinâmicos. Como as alturas, agora as
durações e a dinâmica eram atribuídas separadamente a cada nota. Em alguns casos
a dispersão resultante de pontos musicais revelou-se limitada como textura musical,
e alguns compositores optaram por trabalhar com entidades maiores. Os ideais de
organização total perduraram e evoluíram na obra de diversos artistas, incluindo
aqueles que inicialmente os desenvolveram. Em peças como Elektronische Studien,
de 1954, e Gruppen , de 1955, por exemplo, Stockhausen desenvolveu ambientes
musicais sintéticos e consistentes nos quais os parâmetros seriais determinam o
uso da altura, do ritmo, do timbre e dos andamentos.

Música Concreta

Elaborada por Pierre Schaeffer em 1948, a música concreta foi inicialmente criada
em disco e, em breve, em fita magnética, por meio de técnicas simples de edição,
inversão e mudança de velocidade feitas sobre gravações de instrumentos e vozes,
além de outros sons captados por gravação, como sons da natureza ou locomotivas.
Alguns teóricos inicialmente utilizavam o termo em oposição a Música Eletrônica.
Porém, desde que as técnicas foram combinadas em obras como Poème Électronique,
de Edgar Varèse, e Cântico dos Adolescentes, de Stockhausen, foi abolida a distinção,
acolhendo-se “Música Eletrônica” de forma generalizada e relegando a denominação
“Música Concreta” de forma histórica, remetendo às peças criadas por Schaeffer e
seus colaboradores em Paris, nas décadas de 1940 e 1950.

Música Eletrônica

A denominação diz respeito à música cuja execução depende de meios eletrônicos.


No caso das composições eletrônicas não gravadas, mas apresentadas em concertos,
foram estabelecidos, inicialmente, termos como “Música Eletrônica ao Vivo” ou
“Música para Instrumentos Eletrônicos”.

O primeiro instrumento eletrônico e rudimentar a realizar música foi o telarmônio,


exibido por Thadeus Cahill em Massachusetts, em 1906, mas os instrumentos
eletrônicos viáveis só surgiram na década de 1930. Em 1948, veio a música concreta
de Schaeffer, inicialmente por meio de técnicas de produção de discos e, na década de
1950, utilizando fita magnética.

Estúdios dedicados à criação de música eletrônica foram criados em Paris, Alemanha,


Nova York, Milão, Londres e em muitas outras cidades, nas décadas seguintes. O

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

advento do sintetizador, nos anos 1960, permitiu aos compositores aprimorarem as


ideias musicais, e a criação de programas de composição para computadores tornou
mais fácil controlar a geração do som, assim como armazenar informações sobre
parâmetros de sons individuais e estruturas musicais. Em meados dos anos 1980, o
equipamento digital começou a ser comercializado, permitindo a criação de estúdios
caseiros.

Música Eletroacústica

Em certo momento, os compositores notaram que o público se entediava ao


comparecer em concertos nos quais a atração principal eram os alto-falantes. Por
volta dos anos 1960, os instrumentistas e cantores foram levados à cena juntamente
com os equipamentos eletrônicos, e, em certos momentos, de forma bastante
dramática, como ocorre em Kontakte, de Stockhausen, peça na qual os sons sintéticos
e controlados são contrapostos a um pianista e um percussionista, representando o
confronto entre o homem e a máquina.

Música Aleatória

Contrapondo-se às composições baseadas no total controle dos parâmetros, surgiu


um grupo de compositores, liderado por John Cage, que apresentava uma música
na qual era concedida ao executante maior liberdade, recuperando práticas de
improvisação que não ocorriam na música erudita desde o período barroco.

Charles Ives foi quem lançou as bases: algumas de suas partituras incluem
alternativas, exortações à liberdade e notações irrealizáveis que convidam o
intérprete a encontrar uma solução.

John Cage, inicialmente adepto do serialismo – o compositor estudou com Schoenberg


– e admirador de Ives, desenvolveu os pressupostos. Após estudar, nos anos 1940, a
filosofia budista, que valoriza mais a contemplação do que a ação, passou a valorizar
a criação da música, mais do que a construção de obras, por exemplo escrevendo
a orquestração de certas peças depois da execução, tornando-as peças abertas e
invertendo a tradição musical ocidental.

As primeiras obras em que Cage incorporou o elemento do acaso utilizavam o método


chinês antigo I Ching, que consiste em lançar uma moeda para o ar, o que passava a
decidir qual linha de ação a seguir na estruturação de uma peça. Outra peça, Paisagem
Imaginária, consiste em doze rádios manipulados pelos intérpretes, o que resulta, em
cada ocasião que é tocada, em sonoridades únicas, já que os rádios sempre captarão

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

programas diferentes. Um dos adeptos dos processos de aleatoriedade foi o compositor


Morton Feldman.

Stockhausen e Boulez, a despeito de seus trabalhos altamente controlados, aplicaram


o princípio do acaso a muitas de suas obras, oferecendo aos intérpretes caminhos
opcionais. Especialmente Stockhausen foi além, em obras compostas para seus grupos
eletrônicos, nas quais substituiu as partituras por sistemas de sinais simples, como em
Prozession, de 1967, ou por textos curtos, como em Aus Den Sieben Tagen, de 1968.

Música Estocástica

O termo foi tomado de empréstimo da teoria das probabilidades pelo compositor


grego Iannis Xenakis. Trata-se de uma música na qual a estrutura é governada pelas
regras de probabilidade. Por exemplo, no caso da “cadeia de Markov”, cada nova
ocorrência é orientada por todas que aconteceram até então. No início do processo,
quando a história de ocorrências é pequena, o grau de acaso é alto, mas este diminui
progressivamente, com o processo tendendo para uma meta. Na música estocástica,
os grandes processos são definidos, mas os detalhes são considerados insignificantes.

Colagem

O termo provém das artes visuais, em que significa a reunião de materiais heterogêneos
na composição de um quadro, como na obra de Picasso quando este utiliza-se de recortes
de jornal aplicados à tela. Em música, é aplicado quando há reunião de fragmentos
sonoros discordantes, muitas vezes provenientes de outras músicas. Algumas obras de
Ives, por exemplo, incluem colagens de marchas, danças, canções, etc. Porém, a técnica
foi mais explorada após a Segunda Guerra Mundial, pelos processos realizados em fita
magnética ou com o uso de sintetizadores e computadores. Um exemplo já clássico do
processo de colagem é o Poème Électronique, de Varèse.

Música Textural

O termo foi cunhado para denominar a música na qual o enfoque na textura parece
ser a característica predominante, subvertendo-se melodia e ritmo em prol de massas
sonoras definidas pela sua densidade. Embora grande parte da música eletrônica
produzida nos anos 1950 e 1960 se encaixe na descrição, o termo é mais habitualmente
usado para classificar obras orquestrais como Atmosphères, de Ligeti, além de grande
parte das peças de Xenakis e Penderecki.

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

Bebop e Free Jazz

As décadas posteriores à Segunda Guerra apresentaram ao mundo o Bebop e o Free


Jazz. Elementos estéticos presenciados, até então, apenas no universo da chamada
“música séria” passaram a fazer parte do vocábulário de artistas formados de maneira
espontânea. Ross descreve o ambiente da criação do Bebop:

Para os jovens compositores americanos com ouvidos atentos, as


décadas da Guerra Fria foram, acima de tudo, a era do bebop e do
jazz moderno. Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Thelonious Monk,
Miles Davis, John Coltrane e Charles Mingus romperam os limites
formais do suingue e fizeram uma música cool e imperturbável que
reverberava liberdade. No auge do bop, sequências de notas elétricas
chicoteavam como linhas de força caídas no pavimento molhado.
(...) Foi no fim da Segunda Guerra Mundial que muitos jovens
músicos de jazz começaram a se considerar “músicos sérios” (...).
Quando inseriu as notas de abertura de Sagração da Primavera
em “Salt Peanuts”, Charlie Parker estava mostrando respeito e ao
mesmo tempo declarando sua liberdade com certo ar impudente.
Não era possível dançar “Koko”; era preciso sentar e escutar Parker
rabiscando relâmpagos no ar. Monk contribuiu com linhas angulares
e acordes dissonantes, suavizando-os com a elegância de seu
toque. Coltrane condimentava acordes de quarta do Concerto para
Orquestra de Bartók. (...) O jazz entrou na era moderna e assumiu
o desprezo modernista pelas convenções (ROSS, 2007, p.499-500).

No caso do Free Jazz, surgido nos anos 1960 e capitaneado pelo saxofonista Ornette
Coleman, a improvisação – um dos principais pilares do gênero jazz – foi ampliada,
chegando, em muitos momentos, à improvisação livre, desconectada de temas musicais
prévios, o que sugere uma aproximação com os processos aleatórios de Cage e seus
discípulos.

Além disso, o estilo trazia outras novidades, como: o ingresso numa tonalidade
expandida, que no início suscitou a impressão de atonalidade; uma nova concepção
rítmica caracterizada pela dissolução do metro, do beat e da simetria; adesão às
culturas musicais diversas, como as da Índia, África, Japão e países árabes; ênfase
no parâmetro da intensidade, explorando-o além do que já ocorrera no próprio jazz
realizado anteriormente; expansão do som musical para o âmbito do ruído (BERENDT
& HUESMANN, 2014, p.46).

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CAPÍTULO 2
Principais Compositores do Pós-Guerra

A seguir, contemplaremos alguns dos pricipais compositores eruditos que se


destacaram no pós-guerra.

Olivier Messiaen (1908-1992)


Compositor e professor francês. Embora já atuasse na primeira metade do século XX,
foram os trabalhos realizados nos anos pós-Segunda Guerra Mundial que marcaram
mais significativamente a História da Música, com destaque para o Quarteto para
o Fim dos Tempos, composto durante o cativeiro num campo de concentração, e as
peças baseadas no canto dos pássaros.

Católico fervoroso, suas principais influências foram Debussy e Stravinsky, levando-o


a uma predileção por um tipo de música mais expositiva e ornamentada do que por
aquelas dependentes de um desenvolvimento temático. Isso o orientou em direção
às culturas com músicas característicamente mais circulares, como a grega antiga,
sânscrita e indonésia. Além disso, estudou o canto dos pássaros, extraindo motivos para
diversas obras a partir dos padrões melódicos encontrados. Seu interesse em novos
meios de composição, como o serialismo e a influência da cultura oriental na qualidade
da instrumentação e na percepção do tempo, o fizeram um dos mais importantes
professores de composição do século, tendo entre seus alunos Boulez e Stockhausen.

Pierre Boulez (1925-2016)


Compositor e maestro francês. Em suas primeiras obras, por volta de 1945, aliava
métodos dodecafônicos e a influência de Messiaen, seu professor, muitas vezes
utilizando como pano de fundo formas clássicas, como no caso de Sonatina para
Flauta e Sonatas para Piano nº 1 e nº 2. Nessa fase, transformou em canções
diversos poemas de René Char, entre eles Le Visage Nuptial e Le Soleil des Eaux, que
resultaram em obras em geral intensas e de andamento veloz, refletindo a violência
dos textos de Char.

Na década de 1950, ajudou a desenvolver o serialismo integral em obras como


Poliphonie X, o primeiro livro de Estruturas Para Dois Pianos e Études em Musique

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

Concrète, tornando-se, também nesse período, professor em Darmstadt e líder da


nova vanguarda europeia.

Criou a primeira obra-prima da nova música, Le Marteau Sans Maître, entre 1953 e
1955, na qual, mais uma vez, recorria aos versos de Char, porém dessa vez utilizando-os
de forma mais fragmentada.

Encantou-se, juntamente com outros compositores da nova vanguarda, pela obra de


Cage, incorporando processos aleatórios em suas composições, como em Pli Selon Pli,
sonata composta de cinco “formantes” (apenas dois foram publicados) que podem ser
dispostos em várias ordens, oferecendo ao intérprete opções de velocidade, dinâmica e
conexão formal.

Nos anos 1960 e início dos 1970 colocou em segundo plano a composição, para se
dedicar à regência, principalmente nos concertos no Domaine Musical, que fundara em
Paris em 1954 com o objetivo de difundir a nova música e reavaliar obras antigas.

Em meados da década de 1970, envolveu-se na criação e direção do estúdio de música


computadorizada Institut de Recherche Et de Coordination Acoustic/ Musique, em
Paris. Retornou à atividade composicional como consequência da pesquisa no estúdio,
o que resultou na obra Répons, que utiliza uma instrumentação percussiva peculiar
somada a acessórios eletrônicos, avançando no universo da música serial.

Karlheinz Stockhausen (1928-2007)

Compositor alemão. Após os estudos na Musikhochschule de Colônia entre 1947 e


1951, onde teve aulas de composição com Martin, passou a frequentar o curso de
Darmstadt, travando contato com compositores como Nono e Goeyvaerts.

Ao retornar para Colônia começou a compor suas primeiras peças significativas,


como Kreuzspiel (Peça Cruzada), peça para piano, oboé, clarinete baixo e
três percussionistas, envolvendo processos de cruzamentos e séries de altura
e duração. A peça ajudou a firmar o nome do compositor entre os autores de
vanguarda ligados ao serialismo integral.

Nessa época, iniciou seus estudos com Messiaen e conheceu Boulez, trabalhando
no estúdio de Shaeffer e também compondo Kontrapunkte e a primeira das
Klavierstücke. Foi convidado a codirigir o novo estúdio de música da Westdeustscher
Rundfunk, onde compôs em sintetizador de som uma das primeiras obras totalmente
eletrônicas, 2 Studien. Assim como Boulez, também se tornou professor em

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

Darmstadt, além de firmar-se como figura dominante da música europeia, seguindo


assim por toda a segunda metade do século XX.

A partir das obras Gruppen, Cântico dos Adolescentes e Klavierstük XI, o autor
incorporou diversas técnicas de composição, preocupando-se mais com o conceito
da composição do que com a realização detalhada – seu contato com os processos
aleatórios contribuíram para esse caminho. Por exemplo, em obras da década de 1960,
como Plus-Minus, Prozession e Spiral não há incidências sonoras predeterminadas,
apenas notações para padrões de mudança.

Aus Den Sieben Tagen traz apenas palavras como estímulo à música intuitiva. Essas
proposta foi estimulada pela atividade de Stockhausen com seu próprio conjunto
realizando música eletrônica ao vivo, fase inaugurada com a peça Mikrophonie I.
Atuou a partir de então com enfoque na música eletrônica e suas interações com
orquestra e vozes.

Também conseguiu a edificação de prédios especiais para sua música, como na Exposição
de Osaka, em 1970, e desde Momente, apresentada em 1972, a maioria de suas obras
foi concebida como eventos de grande duração, ocorrendo em certas ocasiões, durante
uma noite inteira. Alguns de seus filhos se tornaram executantes de sua obra.

Figura 9. Número 8 (detalhe) (1949), de Jackson Pollock.

Fonte: https://www.wikiart.org/en/jackson-pollock/number-8-detail

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

John Cage (1912-1992)

Compositor norte-americano. Cage foi um dos autores fundamentais para o


estabelecimento da paisagem sonora no mundo pós-Segunda Guerra. Entre
outras contribuições, em suas obras o autor sugeriu que operações casuais fossem
incorporadas às decisões dos intérpretes, acolhendo a indeterminação como
parte do processo criativo. Para chegar aos resultados desejados, utilizou-se,
muitas vezes, de partituras não convencionais, que pudessem sugerir caminhos
alternativos aos músicos.

Suas primeiras obras, na década de 1930, foram ensaios em composição dodecafônica.


No final da década, organizou um grupo de percussão (que incluía instrumentos
não convencionais, como latas de conserva), e pelos próximos anos a maioria de
suas peças foi dedicada à percussão, com o compositor substituindo os métodos
dodecafônicos por princípios construtivos baseados em proporções rítmicas –
um exemplo é A First Construction, que emula a música de gamelão. Sua escolha
de instrumentos insólitos já apontava para a disposição do compositor pelo não
ortodoxo. O autor utilizou, por exemplo, aparelhos elétricos, osciladores, rádios,
uma bobina elétrica amplificada, além do célebre piano preparado.

Trata-se de um piano contendo entre suas cordas vários objetos, com o objetivo de
que esses interfiram no som, resultando numa orquestra de percussão para espaços
limitados. Durante a década de 1940, muitas obras foram compostas para piano
preparado, como as Sonatas e os Interlúdios, e algumas dessas peças foram utilizadas
pela companhia de balé de seu colaborador, o coreógrafo Merce Cunnigham.

O interesse de Cage pela cultura oriental levou-lhe à filosofia zen-budista, o


que, por sua vez, o conduziu à ideia de não intenção, materializada na opção
por escolher timbres, variação de sons e duração de tempo lançando uma moeda
para o alto e respeitando o resultado – processo utilizado na composição de
Music of Changes, de 1951 – ou mesmo decidindo-se pela não ação, como na
obra que exalta o silêncio, 4’33’’.

Com a negação da intenção como necessária à composição, o compositor transformou,


mais radicalmente que qualquer outro músico do século, a maneira de se ver a música:

Para Cage, a função do compositor não é produzir e organizar sons,


mas sim criar condições para que o som, ou o silêncio, se exprimam
por si mesmos. O acaso passa a ser elemento essencial da composição.
A verdadeira e única música experimental, para Cage, é aquela cujo
desenrolar ninguém pode prever, nem mesmo o autor. (MAMMÌ,
2017, p.145).

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

Luciano Berio (1925-2003)

Compositor italiano. Muito de sua obra surgiu de uma concepção estruturalista da


música como uma linguagem de gestos de sons (GRIFFITHS, 1995, p.22). Influenciado
por escritores italianos de sua geração, como Eduardo Sanguineti, Umberto Eco e Italo
Calvino, buscou atrelar a música ao contexto de outras linguagens. Utilizou, entre
outras: linguagens verbais em suas obras vocais; linguagens de comunicação não verbal
em obras para voz solo e instrumentais; linguagens musicais históricas, como a forma-
concerto; linguagens de convenção teatral.

Suas influências musicais iniciais incluem Stravinsky, Dallapiccola e a música


eletrônica, e década de 1950 produziu obras complexas como Tempi Concertati, par
flauta, violino, dois pianos e quatro grupos instrumentais, porém em breve reagiria
contra a seriedade predominante. Nos próximos anos, orientou-se para duas direções,
por vezes combinadas, a apresentação solo e o teatro. Essa fase foi inaugurada com a
Sequenza, para flauta, primeira de uma série de peças virtuosísticas para diferentes
instrumentos solistas.

A parceria com sua esposa, a cantora norte-americana Cathy Berberian, incentivou a


criação de muitas obras dedicadas à voz. Uma das primeiras obras-primas do gênero
eletrônico, Thema (Omaggio a Joyce), é o resultado da manipulação da voz de
Berberian recitando trechos de Ulysses, de James Joyce. Sua voz também compareceu
em peças individuais compostas na década de 1960, como Visage, Epifanie e Circles.
Em algumas de suas peças, deu voz à crítica social, como em Opera, onde relaciona a
crise da ópera à crise do capitalismo ocidental. Em outras óperas, como La Vera Storia
e Um Re In Ascolto, preocupou-se mais em examinar os meios pelos quais é possível
contar histórias do que, necessariamente, com o enredo dessas histórias.

Iannis Xenakis (1922-2001)

Compositor greco-francês. Nascido na Romênia de pais gregos, chegou à Grécia em


1932, onde estudou engenharia, mudando-se em 1947 para a França. Inicialmente
autodidata em música, estudou com Messiaen entre 1950 e 1951, ao mesmo tempo
conhecendo Le Corbusier, a quem auxiliou em diversos projetos, como o pavilhão
Philips na Exposição de Bruxelas, em 1958. Já começava a atrair a atenção como
músico, e, aos poucos, passou a se dedicar com maior afinco à profissão.

Metastasis, sua primeira obra editada, já incorporava a conexão entre música e


matemática que se tornou sua marca. O interesse em controlar grande número de
ocorrências o levou à matemática de probabilidades, e daí ao conceito de música

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

estocástica, realizando diversas peças com o auxílio do computador. Em relação às


composições para instrumentos, a densidade das ocorrências produziu obras que
necessitavam de técnica extrema, no limite do virtuosismo, principalmente no caso das
peças solo, como Herma, para piano, e Nomos Alpha, para violoncelo. Nas décadas
seguintes, o autor orientou-se para a simplicidade, investindo em melodias marcadas e
simples ou padrões rítmicos que sugerem a música folclórica.

Pierre Schaeffer (1910-1995)

Compositor francês. Criador da Música Concreta. Produziu as primeiras peças do


estilo em 1948, após trabalhar na rádio como técnico, entre elas Étude Violette e
Étude Pathétique. Em seguida, organizou um grupo de compositores em seu estúdio,
o Groupe de Musique Concrète, colaborando com um deles, Pierre Henry, em algumas
peças, como Sinfonia para Um Homem Só, em 1950, e a ópera Orphée 53, em 1953.

Suas últimas peças foram criadas ainda nos anos 1950, entre elas Étude Aux
Allures, de 1958, e Étude Aux Objets Sons Animés, de 1959, passando a se dedicar
ao ensino e à atividade filosófica.

Benjamin Britten (1913-1976)

Compositor inglês. Dedicou-se intensamente ao repertório vocal, compondo diversas


óperas, além de canções e corais. Suas peças orquestrais e de câmara foram, em sua
maioria, compostas antes de 1945, e representam um número menor que as obras
vocais.

Em 1935 começou a compor profissionalmente, criando músicas para


documentários feitos pelo Departamento Geral de Correios. No final da década
de 1930, suas primeiras obras orquestrais, como Our Hunting Fathers e Bridge
Variations, lhe conferiram a fama de enfant terrible, por trazerem uma aguda
sátira musical. De 1930 a 1942 viveu nos Estados Unidos com aquele que seria
seu companheiro por toda a vida, o tenor Peter Pears, para quem compôs muitas
de suas músicas e papéis principais em óperas, sendo Michelangelo Sonnets, de
1940, a primeira dessas obras.

Em 1944, de volta à Inglaterra, iniciou sua ópera Peter Grimes, revelando ao mundo
um talento incomum para criar óperas, sendo comparado a Purcell por estabelecer
a atmosfera dramática por meio de interlúdios orquestrais e pela habilidade de criar
personagens marcantes. Tinha preferência pela ópera de câmara, com orquestra de cerca
de doze instrumentos e poucos cantores, estabelecendo uma sensação de intimidade

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

rara no gênero. Seu temperamento musical mudou pouco desde o início da carreira,
mas o compositor explorou o sistema dodecafônico em The Turn Of The Screw. Em seu
último e reverenciado trabalho, Quarteto nº 3, recuperou a escrita orquestral em larga
escala. Os críticos observam que Britten buscou conciliar o passado inglês de Purcell
com o presente europeu de Stravinsky e Bartók.

Milton Babbitt (1916-2011)

Compositor e professor norte-americano. Estudou na Universidade de Nova York


e com Sessions em Princeton, tornando-se professor em 1938. Nessa atividade e em
suas composições, dedicou-se a promover dodecafonismo nos EUA, desenvolvendo
seus princípios. Analisou as últimas obras seriais de Schoenberg, descobrindo nelas
o uso das relações seriais para sustentar grandes estruturas musicais de um modo tão
coerente quanto, antes, as relações diatônicas.

Observando a obra de Webern desenvolveu a ideia de “conjunto derivado”, a partir


do qual é possível comandar por meio do sistema dodecafônico outros elementos que
não o tom. Essa descoberta coincide com sua primeira obra editada, Três Composições
para Piano, de 1947.

Suas peças posteriores mantiveram o constante refinamento lógico, com uma


orientação para a composição eletrônica como um veículo capaz de executar detalhes
cada vez mais sutis. Alguns críticos ressaltam o cerebralismo de suas obras, enquanto
outros reconhecem que, se contextualizadas em relação à natureza sistemática do
compositor, é possível encontrar qualidades puramente musicais de humor e drama.

Figura 10. Office At Night (1940), de Edward Hopper.

Fonte: https://search.creativecommons.org/photos/db7f4c59-b3a5-403d-8b69-d2b8918cf979

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

Morton Feldman (1926-1987)

Compositor norte-americano. Após seus estudos com Riegger e Wolpe, conheceu


John Cage, associando-se a ele e aos pintores que atuavam em Nova York. Destes,
absorveu a noção de que a música é uma “coloração do tempo com fios de diferentes
pigmentos” (GRIFFITHS, 1995, p.11). Sua música tem como principal característica a
expansão no tempo, operando com sons de ataque imperceptível e longa duração, nos
quais a transformação da textura tem atuação determinante. Na série Projections,
o compositor utilizou-se de notações gráficas, ao invés de partituras tradicionais,
reforçando o caráter aberto de suas peças, alinhado com Cage. Posteriormente,
recuperou partituras tradicionais, mesclando-as com outras menos convencionais.
Algumas de suas obras representativas são The King of Denmark, de 1964, para
percussão, e o Quarteto de Cordas nº 2, de 1983, com quatro horas de duração.

György Ligeti (1923-2006)

Compositor húngaro. Estudou no conservatório local e depois na Academia de


Budapeste, onde passou a ensinar a partir de 1950. Nessa época, sua composição
se dividia entre obras mais tradicionais, cujo modelo eram as peças do compositor
húngaro Zoltán Kodály, e composições mais audaciosas, inspiradas em Schoenberg,
Webern e Bartók. Em 1956, após a invasão russa, partiu para Viena e depois
Colônia, trabalhando em um estúdio de música eletrônica.

A análise minuciosa que fez de Structures, de Boulez, colocou-o no caminho do


serialismo, ao mesmo tempo em que o fez questionar pontos teóricos e estéticos
da técnica. Priorizou a ideia de repertório de objetos musicais em detrimento da
organização serial, desenvolvendo um ideal de mudança lenta e contínua que envolvia
o uso de clusters, e utilizando esse conceito nas obras orquestrais Apparitions
e Atmosphères. O aprimoramento de sua linguagem caminhou das texturas que
evoluem por meio de transformações em sua densidade até a redescoberta de
eventos harmônicos mais definidos, porém, quase sempre, foi preservado o conceito
de “nuvens” que se transformam lentamente.

Krysztof Penderecki (1933-)

Compositor polonês. Estudou e lecionou no Conservatório de Cracóvia, desde que


se formou, em 1958. A partir da década de 1960, atraiu atenção para suas peças
com ênfase em texturas, nas quais observam-se clusters, novos efeitos nas cordas
e inusitados sons de percussão. Esses recursos comparecem em obras densas como
Anaklasis, Trenodia para as Vítimas de Hiroshima e Oratório de Auschwitz,

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

ajudando a estabelecer o clima expressionista da ópera Os Demônios e de obras


religiosas, como Salmos e O Sonho de Jacó.

Investiu na conciliação entre a tradição e a vanguarda, introduzindo o órgão medieval


e velhos corais de igreja em sua Paixão de São Lucas, de 1965. Nos anos 1980, voltou-
se cada vez mais para um material motívico mais simples, chegando a uma sonoridade
austera.

Mauricio Kagel (1931-2008)

Compositor e cineasta argentino-alemão. Criou música e filmes em Buenos Aires,


antes de se mudar para Colônia, em 1957. Era autodidata e o contato com a música
serial refinou sua técnica, sem no entanto interferir na linguagem bastante pessoal. O
compositor gostava de empregar materiais insólitos em suas composições, investindo,
principalmente, em trabalhos de colagem insolentes e exuberantes. Segundo Ross (2007,
p.484), talvez o mais definitivo trabalho de colagem tenha sido a partitura que Kagel
escreveu para seu filme Ludwig van, de 1969, “no qual pedaços e retalhos de sonatas
para piano de Beethoven e outros trabalhos são transcritos para uma banda fuleira
cujos músicos parecem não saber tocar bem seus instrumentos”. Pela irreverência e
enfoque teatral, Kagel é associado à tradição do dadaísmo, ao cinema mudo e a Beckett.

La Monte Young (1935-)

Compositor norte-americano. Estudou na UCLA, Berkeley e New School for Social


Research, em Nova York. Entre 1956 e 1958 dedicou-se à composição dodecafônica,
cuja característica peculiar, em seu caso, era a de possuir notas muito longas. Em 1959
esteve em Darmstadt e empolgou-se com a obra de Stockhausen e, de forma marcante,
com a de John Cage. De volta a Nova York, envolveu-se com o movimento artístico
Fluxus, que se declarava contra a visão mercadológica do objeto artístico e organizava
palestras e performances no campo da música, artes visuais e poesia. Após essa fase, a
principal característica de suas composições envolve a música contínua, ou seja, sons
sustentados ininterruptamente por longas durações. Nos anos 1970 estudou a música
indiana, que considerava mais profunda e espiritual que a ocidental. O autor é apontado
como precursor do Minimalismo.

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CAPÍTULO 3
Repertório Selecionado/ Música no Pós-
Guerra

Alexandre Nevsky (Sergei Prokofiev) (1939)


Prokofiev retornou à Rússia em 1927, após muitos anos morando longe de sua
terra natal. Lá, encontrou um cenário em que o estilo dos artistas soviéticos era
controlado em detalhes. Havia uma ideologia que exigia um tipo de simplicidade que
viabilizasse a apreciação das obras de arte pelo povo. Na verdade, esse estilo não estava
demasiadamente distante daquele desenvolvido, por esse período, por Prokofiev, já que
o autor se afastara das experiências vanguardistas em prol de uma nova simplicidade,
enraizada em tradições clássicas e românticas. De maneira que o compositor concluiu
que o ponto de vista soviético coincidia com o seu, colocando sua arte a serviço do
Estado.

Após diversos trabalhos oficiais, como o balé épico Romeu e Julieta, Prokofiev
interessou-se pela trilha de cinema, encontrando no cineasta Sergei Eisenstein o
colaborador ideal. O músico foi convidado a escrever a partitura para o filme Alexandre
Nevsky, de Eisenstein, que contaria a história do príncipe que conteve os Cavaleiros
Teutônicos no gelo do lago Peipus, no século XIII.

Devido aos recursos ainda incipientes no cinema, várias dificuldades tiveram que ser
superadas, mas os autores tiveram grande sucesso: a cena da batalha sobre o gelo só
foi filmada quando a música estava esboçada, mas, no resultado final, som e imagem
adequaram-se integralmente. Em alguns casos, Eisenstein queria movimentação
rítmica nas cenas, e Prokofiev tamborilava os dedos marcando as sequências para
depois escrever os trechos – Eisenstein só finalizava a montagem após a música estar
pronta, usando-a para estabelecer o ritmo. Percebe-se na obra que a linguagem tonal de
Prokofiev atingiu, por essa época, grande sofisticação, com dissonâncias bem escolhidas
e certo acabamento ácido, evitando o sentimentalismo.

Canções da Prisão (Luigi Dallapiccola) (1941)


Nos anos pré-Segunda Guerra, o italiano Luigi Dallapiccola emplogou-se com
o pseudo-heroísmo de Mussolini, acreditando por algum tempo no facismo. No
entanto, com a formação do Eixo Itália-Alemanha, o compositor, cuja esposa era

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

judia, perdeu a fé em Mussolini, protestando contra o governo totalitário por


meio da música. O estilo de Dallapiccola, que unia a dissonância de Schoenberg
ao neoclassicismo de Stravinsky, trouxe aos versos de Mary Stuart, Boethius e
Savonarola uma beleza sutil e sombria, sintetizando-os na peça para coral Canções
da Prisão. Segundo Ross (2007, p.342), a obra representava “todos os que foram
jogados na prisão por expor suas ideias ou simplesmente por ser quem eram”. O
autor encontrou alguns dos versos iniciais – “Feliz é aquele que rompe as amarras
da pesada terra”, “O mundo pode fazer pressão, o inimigo pode atacar, nada temo”
num livro de Stefan Zweig, ex-libretista de Strauss. O poeta, alguns dias após a
apresentação de Canções da Prisão, suicidou-se, sem esperanças diante da situação.

Quarteto para o Fim dos Tempos (Olivier Messiaen)


(1941)

A obra foi composta quando o compositor se encontrava confinado em um campo


de prisioneiros de guerra, o Stalag VIII A, após ser capturado pelos alemães em
1940, quando estes invadiram a França. Mantido no campo de prisioneiros com
outros amigos músicos, Messiaen começou a escrever a peça sob permissão de um
dos guardas, Karl-Albert Brüll, grande admirador de música, que lhe concedeu
lápis, borracha e papel pautado para trabalhar – há relatos que descrevem muitos
oficiais que se mostravam refratários ao regime de Hitler. Além de liberado de suas
tarefas, o artista foi posto em um alojamento vazio com um guarda posicionado
na porta para que não ocorressem interrupções. A combinação instrumental
escolhida foi piano, clarinete, violino e violoncelo, instrumentos que ele e seus
colegas de prisão tocavam. A estreia ocorreu em 5 de janeiro de 1941, em um teatro
improvisado no campo, para centenas de prisioneiros e com os oficiais alemães
sentado à frente. A peça era desconcertante, mas foi ouvida em silêncio respeitoso.
Pouco tempo depois, a soltura de Messiaen foi acelerada graças à cooperação de
Brüll na falsificação dos documentos necessários.

O Quarteto para o Fim dos Tempos possui oito movimentos baseados na imagética
do Apocalipse: 1 - Liturgia de cristal: processo rítmico abstrato; 2 - Vocalise, para
o anjo que anuncia o fim dos tempos:canção de êxtase; 3 - Abismo dos pássaros:
solo de clarineta; 4 - Interlúdio: animada dança sem piano; 5 - Louvor à eternidade
de Jesus: adágio para violoncelo e piano; 6 - Dança das Fúrias: a maior parte para
quarteto em forte uníssono; 7 - Feixes de arco-íris, para o anjo que anuncia o fim
dos tempos: trecho de desenvolvimento; 8 - Louvor à imortalidade de Jesus: adágio
para violino e piano. No cabeçalho da partitura, o autor escreveu um texto que
remete ao Livro da Revelação: “Em homenagem ao Anjo do Apocalipse, que ergue
suas mãos ao céu dizendo: ‘Não haverá mais tempo’”.
59
UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

Concerto para Orquestra (Bela Bartók) (1944)

Assim como em toda a obra de Bartók, em maior ou menor grau, elementos como o
modalismo, a orquestração seca e angulosa e a violência rítmica estão presentes em seu
Concerto para Orquestra, porém resultam atenuados em comparação com a maioria
de sua obra. Exilado na América após abandonar a Hungria devido à guerra, Bartók
compôs a obra em condições precárias, sem perspectivas de trabalho e acometido de
leucemia, que o mataria no ano seguinte à estreia da peça. Dessa forma, é impressionante
que o compositor tenha composto uma obra de colorido orquestral tão intenso.

O caráter melódico é bastante acentuado, em comparação com suas peças anteriores, e


além da exuberância, há traços de humor e leveza raros em obras do autor. O tratamento
virtuosístico aparece em seções do movimento inicial e em trechos do último movimento,
mas, especialmente, no segundo movimento, onde pares de instrumentos aparecem
consecutivamente. E, devido à distribuição de instrumentos, a forma da peça sugere
uma transfiguração do modelo utilizado pelo concerto grosso barroco.

Sonetos Sagrados de John Donne (Benjamin Britten)


(1945)

Britten acabara de obter sucesso com a ópera Peter Grimes, quando foi convidado,
juntamente com o violinista Yehudi Menuhin, para uma incursão pela Alemanha
derrotada. Nessa viagem, os músicos visitaram um campo de concentração, o de Bergen-
Belsen, apresentando-se para os ex-prisioneiros. O cenário de desolação foi tão forte
para o compositor que este decidiu compor uma peça para exteriorizar suas emoções.
Decidiu musicar o ciclo de Sonetos Sagrados do poeta jacobita inglês John Donne, que
trazia versos como “Malhai meu coração, malhai, Trindade Santa” e “Orgulhosa não
sejas, morte” – Ross (2007, p.365) observa que, quando o cantor declama as palavras
“E a morte não será nada” numa escala ascendente, deve permanecer por nove longos
compassos na palavra “morte”, “para afinal trovejar, sobre uma cadência de tônicas e
dominantes em conflito: ‘Sim, morte, morrerás’”.

Sonatas e Interlúdios (John Cage) (1948)

A técnica de “preparar” o piano foi introduzida por John Cage nas peças de 1940 Second
Construction e Bacchanale. Consiste em inserir diversos tipos de objetos entre as
cordas do piano, como parafusos, pedaços de cartolina, materiais de vedação de portas
e janelas, etc. Durante a década, o autor aprimorou o procedimento, e suas Sonatas
e Interlúdios para Piano Preparado trazem indicações precisas sobre quais tipos de
material e onde devem ser colocados em cada uma das 45 pequenas peças.

60
A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

A música para piano preparado é anotada em partituras comuns, mas perdem-se as


referências, pois determinada nota pode soar como um ruído abafado. Assim, a notação
torna-se um sistema de instruções para o músico, e não uma representação visual da
música. Essa situação influenciou na criação das partituras não ortodoxas que Cage
usou posteriormente. Ross observa que o autor tocava a fronteira entre o ruído e o
silêncio, situação habitual em suas obras criadas para piano preparado:

(...) Cage adorava ruídos. Em um manifesto de 1937 ele declarou:


“Acredito que o uso de ruído para fazer música vai continuar e aumentar
até chegarmos a uma música produzida com a ajuda de instrumentos
elétricos que tornarão disponíveis para propósitos musicais todo e
qualquer som que possa ser ouvido”. Ele fez seu nome como compositor
de percussão, fabricando instrumentos como tambores de freios, cubos
de roda, molas helicoidais e outras peças de automóveis descartadas.
Ao mesmo tempo, era fascinado por sons suaves, ciciando a fronteira
entre o ruído e o silêncio. O piano preparado, sua mais famosa invenção,
nunca deixou de surpreender os ouvintes que esperavam ser agredidos
por alguma algazarra maluca; o processo de preparação, envolvendo a
inserção de pinos, parafusos, moedas, pedações de madeira e feltro e
outros objetos entre as cordas é conceitualmente violento, mas os sons
em si eram naturalmente suaves. As peças de Cage para piano preparado
– entre elas The perilous night [A noite perigosa], Daughters of the
lonesome isle (Filhas da ilha solitária] e o ciclo Sonatas e Interlúdios –
têm algo da pungência de Erik Satie, cuja música Cage adorava desde
garoto (ROSS, 2007, p.386).

Estudos (Conlon Nancarrow) (1948-1993)

O interesse do compositor mexicano-americano Conlon Nancarrow (1912-1997)


por complexos ritmos cruzados levou-o, a partir de 1950, a compor para a pianola,
também conhecida como piano mecânico, ou seja, um piano que executa músicas
automaticamente, por meio de motores a vácuo. Dessa forma, tornou-se possível
a realização das diversas linhas melódicas sobrepostas em cânones de diferentes
métricas e velocidades, com accelerandos e ritardandos específicos para cada voz.
As primeiras peças do compositor sobrepunham inúmeras melodias que seguiam
esquemas melódico-harmônicos típicos do ragtime, porém com velocidades
diferentes. Com o passar do tempo, suas peças, com características únicas, foram
reunidas na série denominada Estudos.

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

No Estudo nº 33, por exemplo, os intervalos são sobrepostos de acordo com uma
relação matemática. Já o Estudo nº 37 tem doze linhas melódicas individuais e
de métricas e andamento diferentes. A energia hipercinética situa as peças de
Nancarrow adiante das principais tendências do modernismo pós-guerra. Porém,
o autor só saiu do relativo anonimato na década de 1980, quando, então, foi
proclamado como um dos mais importantes compositores do século XX, sendo,
inclusive, elogiado por Ligeti.

Figura 11. Relativity Lattice (1953), de Maurits Cornelis Escher.

Fonte: https://www.wikiart.org/en/m-c-escher/relativity-lattice

Sinfonia Para Um Homem Só (Schaeffer/ Henri)


(1950)

Em 1948 Schaeffer criou seus cinco Estudos de Ruídos, peças que consistiam na
gravação de chiados, apitos e bufos de seis locomotivas na estação de trem de
Batignolles, utilizando discos fonográficos. Em breve percebeu que a gravação
em fita magnética, aperfeiçoada durante a guerra, poderia lhe oferecer melhores
condições artísticas, pois o autor poderia recorrer a colagens de sons se cortasse,

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

selecionasse os trechos e reconstituísse as fitas. Em colaboração com Pierre


Henry iniciou um longo trabalho de colagem que foi denominado Sinfonia
Para Um Homem Só, definindo esse trabalho com o termo Música Concreta.
Para a concepção da obra, após a coleta e seleção dos sons – que abarcaram
inúmeros timbres, desde locomotivas até uma voz feminina –, Shaeffer e Henri
reconstruíram os registros, tocando as fitas de trás para a frente, aumentando e
reduzindo a velocidade, repetindo trechos incessantemente e sobrepondo esses
sons, criando contrapontos complexos.

4’33’’ (John Cage) (1952)

Uma das obras mais originais e excêntricas de Cage é 4’33’. Trata-se de uma peça
para piano inteiramente silenciosa, na qual o pianista aciona um cronômetro e
espera, sentado ao instrumento, por exatamente 4’33’’, movendo as mãos acima do
teclado, porém, sem tocá-lo, realizando três intervalos para sugerir três andamentos
diferentes. Na estreia da peça, em 1952, o público sentiu-se ultrajado, achando que
Cage o ironizava, o que, até certo ponto, também era verdade. Mas a finalidade era
mais filosófica. O autor pretendia que as pessoas questionassem a razão de estarem ali,
e, acima de tudo, refletissem sobre o valor do silêncio – que, em última medida, não
existe para o ser humano, pois mesmo numa câmara à prova de som este ouvirá dois
sons: seu próprio batimento cardíaco e o som agudo do sistema nervoso. Dessa forma, a
“música” também funciona como moldura para os ruídos percebidos durante os 4’33’’,
que, a cada realização da peça, serão diferentes.

Sinfonia nº 10 (Dmitri Shostakovich) (1953)

Durante a década de 1940, a situação dos compositores na Rússia era crítica. Suas
obras eram supervisionadas e estes deviam cumprir um modelo que atendesse às
especificações do Estado quanto à simplicidade, de maneira que as peças fossem
facilmente compreendidas pelo povo. Os críticos percebem que, nessa época,
Shostakovich simplificou tanto suas peças que deixou de ser ele mesmo, manifestando
sua própria personalidade apenas em obras de menor alcance, como quartetos de
cordas. A reunião de sua persona dividida ocorreu apenas depois da morte de Stálin,
na Sinfonia nº 10, composta meses após a morte do ditador. Nela, percebe-se a intensa
recorrência do tema autorreferente D S C H (Dmitri SCHostakowitch, transliteração
de seu nome para o alemão), além de passagens eufóricas, vistas pelos musicólogos
como uma celebração histérica e exaurida. Segundo eles, a persistência mecânica de
certos temas reflete uma marionete que, no entanto, sobrevive, e goza de uma espécie

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

de vitória. Apesar da transparência desconcertante, e por causa dela, a peça apresenta


uma vertente do expressionismo raramente explorada.

Le Marteau Sans Maître (Pierre Boulez) (1955)

Em Le Marteau Sans Maître (O Martelo Sem Mestre), Boulez encadeia trechos


musicais e comentários sobre três poemas de René Char, resultando numa
espécie de violência controlada.

A obra é considerada um clássico da vanguarda do pós-guerra, impondo forte influência


sobre os compositores subsequentes. Composta com base no serialismo integral,
ressalta fortemente o aspecto do timbre sob a perspectiva dessa técnica, principalmente
devido à colorida paleta de instrumentos escolhida. Esta inclui voz (contralto), flauta
alto, viola, violão e percussão, ressaltando-se as ressonâncias indonésias através do
vibrafone e as africanas através da xilorimba.

Metastasis (Iannis Xenakis) (1955)

Xenakis, que acumulava as funções de músico, engenheiro, arquiteto e projetista,


acreditava que as peças musicais poderiam ser construídas de forma semelhante a
uma estrutura, sem quebras ou junções. Trabalhando com Le Corbusier, especializou-
se em modelos arquitetônicos de formas onduladas côncavas e convexas. Teve a ideia
de aplicar esses modelos ao espaço musical, desenhando formas onduladas em papel
gráfico e transportando-as para a partitura.

Nos anos 1950, aprimorou seus métodos, chegando à, denominada por ele, “Música
Estocástica”, referenciando-se no ramo da matemática que estuda a atividade aleatória
ou irregular das partículas. Porém, o autor não se encaixava na descrição de “músico
de laboratório”, preocupando-se com a forma com que a plateia reagiria a suas peças,
buscando atrair sua atenção por meio do impacto. Nesse sentido, alcançou êxito com a
obra Metastasis. Ross analisa brevemente essa peça:

O título da primeira composição em forma de onda de Xenakis,


Metastaseis, estabelece sua intenção de superar a estase do serialismo
integral: a tradução dessa palavra grega é “além da imobilidade”. Começa
com um som estupefaciente: 46 instrumentos de cordas tocando a
nota sol em uníssono, depois subindo e descendo em glissandos, cada
glissando se movendo em tempos diferentes. Ao final do processo, as
cordas se tornam uma massa de 46 notas diferentes zumbindo. Clusters
logo são infiltrados por zombeteiros glissandos de trombone e outros

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

sons de metal em vibrato. No auge desse tumulto meticulosamente


planejado, o ouvinte é incapaz de perceber o que cada instrumento está
fazendo; apenas a soma das ações transparece. Xenakis comparava o
efeito ao som de granizo martelando uma superfície dura, ou milhões
de cigarras cantando em campo aberto numa noite de verão. Numa
metáfora mais incisiva, Xenakis citou lembranças de uma demonstração
antinazista em Atenas: um slogan é entoado pela multidão, outro slogan
sobe para substituí-lo, “o ritmo perfeito do último slogan se rompe num
imenso aglomerado de gritos caóticos”, metralhadoras são disparadas,
estabelecendo “uma calma explosiva, cheia de desespero, poeira e
morte”. Mas a nota em uníssono no final – meio tom acima da do início
– sugere que uma batalha foi vencida (ROSS, 2007, p.418-419).

Cântico dos Adolescentes (Karlheinz Stockhausen)


(1956)

Gesang der Jünglinge, ou Cântico dos Adolescentes, é uma das mais emblemáticas e
originais obras já compostas para instrumentos eletrônicos. Trata-se da manipulação
sintética da voz de um menino coralista entoando o cântico católico “Louvação ao
Senhor”.

A voz do rapaz é distorcida, quebrada em fragmentos fonéticos, remixada e sobreposta


em camadas, sugerindo não uma, mas diversas vozes. Essas representariam as crianças
Ananias, Misael e Asarias, lançadas por Nabucodonosor em uma fornalha por se
recusarem a venerar um ídolo dourado, como consta no Livro de Daniel.

De forma intensa, o Cântico dos Adolescentes une e, ao mesmo tempo, contrapõe o


mundo natural e o artificial. Na estreia, o impacto da peça foi ampliado devido à opção
pela estereofonia, que dividiu os sons em cinco canais diferentes. Mais tarde, a peça foi
adaptada para fita de quatro pistas e dois canais de disco.

Catálogo de Pássaros (Olivier Messiaen) (1959)

Durante os anos 1950, Messiaen derivou muitas de suas linhas instrumentais das
melodias dos cantos de pássaros, procedimento que marcou sua música até o final.
Iniciou nesse caminho com Réveil Des Oiseaux, ou Despertar dos Pássaros, para piano
e orquestra, apresentado em 1953.

Nessa peça, após as vozes de dezenas de pássaros serem apresentadas


individualmente, vinte e uma se unem numa polifonia intrincada, no movimento

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

denominado “coral do amanhecer”. Antes da estreia dessa obra, Messiaen declarou


que estava ansioso para desaparecer atrás dos pássaros, sugerindo que, como
Cage, pretendia entregar o controle de sua música a forças externas.

Outras obras explicitamente baseadas em vozes de pássaros foram criadas, como


Oiseaux Exotiques (Pássaros Exóticos). Segundo Ross (2007, p.474), a estética baseada
em pássaros de Messiaen tinha um som impecável, fragmentado e pontilhístico, como
se o pássaro canoro, o azulão e o picapau tivessem produzido o serialismo antes de
Babbitt e Boulez.

Talvez a mais ambiciosa obra referenciada no canto dos pássaros seja Catalogue
D’oiseaux, ou Catálogo dos Pássaros, um ciclo de treze peças para piano, cada uma delas
referenciando-se no canto de um pássaro francês em seu habitat, durando, no total,
cerca de seis horas. Mais especificamente, a obra foi composta a partir das impressões
de Messiaen das diversas paisagens cênicas da França, ilustradas pelos pássaros que as
habitam.

Nessa obra, a confiança no canto dos pássaros fez com que Messiaen restaurasse a
primazia da linha melódica. A partir de então, o autor não precisava mais escolher entre
seus diversos estilos, que abarcavam, até esse momento, o sensualismo de trabalhos
anteriores aos anos 1950 e a dureza da fase pós-Segunda Guerra.

The Shape Of Jazz To Come (Ornette Coleman)


(1960)

O jazz já havia adentrado no universo da música moderna desde o Bebop. Porém, a


aparição de Ornette Coleman (1930-2015) – autodidata que desenvolveu um estilo livre
e dissonante que viria a ser classificado como Free Jazz – causou enorme impacto.
Trabalhando como ascensorista porque os músicos o desprezavam pela estranheza de
sua música, muitas vezes deixava o elevador, pouco utilizado, parado no décimo andar,
para estudar harmonia. Desenvolveu um pensamento harmônico que denominou
sistema harmolódico, no qual a harmonia é determinada pela linha melódica, o que,
segundo a análise de George Russell, o libera das obrigações harmônicas tradicionais:

Parece-me que Ornette, na maioria das vezes, quando toca uma canção,
detém-se sobre uma tonalidade de modo apenas aproximativo, intuitivo.
Ele a utiliza como ponto de partida para sua própria melodia. Com
isso, não quero dizer que sua música possa se fixar numa determinada
tonalidade. Digo que as melodias e os acordes de suas composições
possuem, no lugar de um tom específico, uma sonoridade geral, que
Ornette usa como fundamento. Essa aplicação realmente o libera, como

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

improvisador, para cantar suas próprias canções sem precisar satisfazer


as exigências de um determinado esquema de acordes (RUSSELL apud
BERENDT & HUESMANN, 2014, p.138).

The Shape Of Jazz To Come, segundo LP de Coleman, traz sua mais famosa
composição, “Lonely Woman”. O disco é um bom exemplo do estilo melódico
pleno de arestas do autor, representando aqui o universo do Free Jazz – cuja
pesquisa, naturalmente, demanda maior atenção do que é possível disponibilizar
nesta apostila. No registro em disco pode-se observar como a ação performática do
saxofonista tem uma ligação direta com o desenvolvimento do material sonoro.

Atmosphères (György Ligeti) (1961)


Essa obra orquestral de Ligeti consiste em um som contínuo que se transforma de
maneira gradual. O acorde de abertura tem 59 notas distribuídas por cinco oitavas e meia,
o que resulta numa atmosfera misteriosa. Dentro da “nuvem” é possível identificar, de
forma fugidia, sutis acordes em movimento. O efeito do choque entre os harmônicos de
tamanha massa sonora, que gera intervalos naturais e distantes do diapasão temperado,
contribui para envolver o ouvinte num clima quase espacial – a peça foi utilizada como
trilha incidental do filme-fetiche 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick.
Além desta, o cineasta utilizou no filme trechos de outras obras de Ligeti: Réquiem, Lux
Aeterna e Aventures.

De fato, uma das características da obra de Ligeti é o uso da micropolifonia, que


normalmente surge de um zumbido formado por uma grande massa sonora em volume
crescente, com cada instrumento tocando em seu próprio ritmo. Nesse processo,
texturas mais luminosas tendem a surgir a partir das massas mais opacas. Atmosphères
foi a primeira peça em que essa técnica se consolidou – experimentada, porém, na
última parte de Apparitions, composta dois anos antes – e deflagrou o surgimento da
chamada “Música Textural”.

Composition 1960 (La Monte Young) (1961)

Young conta que em sua infância, vivida numa pequena comunidade em Idaho, se
encantava com os acordes microtonais das linhas de transmissão de energia, os ruídos
das perfuratrizes, o apito de trens distantes, os zumbidos dos gafanhotos, o assobio do
vento sobre o lago Utah. Segundo ele, essas manifestações sonoras refletiam-se numa
sensação de reverência, de que as coisas podiam durar muito tempo, o que apenas se

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UNIDADE II │ A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966)

intensificou quando o artista mudou-se para Los Angeles com a família, já que sempre
havia tempo na Califórnia.

Para que o autor transportasse essa sensação para sua música ainda demoraria um
tempo. Inicialmente, dedicou-se ao Bebop e à música dodecafônica. Percebeu que
poderia diminuir o andamento nos eventos dodecafônicos, transformando cada nota
em uma nota muito longa. Assim, os sons se moviam tão lentamente que não se podia
identificar o movimento dodecafônico da melodia, e nem mesmo a identidade dos
próprios sons no contexto geral. Seu Trio para Cordas, após intervalos que duravam
de um a dois minutos antes de se moverem, termina com um dó e um sol no violoncelo
que soam por vários minutos, enquanto decresce o volume. Para alguns, essa cintilante
quinta aberta apontou o caminho da tonalidade minimalista.

O autor criou Composition 1961 numa época em que se voltava para a arte conceitual,
influenciado por Cage, criando trabalhos que envolviam móveis arrastados pelo chão,
latas de lixo lançadas escada abaixo e fogueiras queimando no palco. Composition
1961 se inicia com as quintas abertas com as quais o Trio Para Cordas terminava, e
a partitura consiste nas notas si e fá sustenido, com a seguinte instrução: “Manter
por um bom tempo”.

Folk Songs (Luciano Berio) (1964)

Folk Songs foi composta para mezzo-soprano e sete instrumentos, e cantada pela
primeira vez por sua esposa e parceira musical, Cathy Berberian. Nessa peça, Berio
promoveu a desconstrução de arranjos de canções tradicionais da França, Itália,
Azerbaijão, Armênia e Estados Unidos.

A obra pode ser classificada como uma colagem, processo pelo qual o artista incutia em
sua obra citações e pastiches, com alto teor de ironia. Dessa forma, a música clássica
tonal podia se encontrar com elementos como ruídos abruptos, o que sinalizava um
retorno à realidade contemporânea. Muitos vêem esse tipo de procedimento como uma
nostalgia do antigo mundo tonal, por meio do qual os compositores contemporâneos
podiam recrutar elementos antigos sem ameaçar o status de artistas transgressores.

Esse tipo de obra sinaliza, na verdade, o esgotamento de uma “tradição da ruptura”,


hábito que, por si só, já não contribuiria para a criação de música interessante, e que
seria abandonado sistematicamente pelos compositores minimalistas.

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A MÚSICA NO PÓS-GUERRA (1939-1966) │ UNIDADE II

Requiem Canticles (Igor Stravinsky) (1966)

A peça é uma obra-prima do último período do compositor, sintetizando os vários


estilos de sua longa trajetória: o russo primitivo, o neoclássico parisiense, o americano
moderno, etc. (ROSS, 2007, p.410). Alguns críticos a percebem como uma contraparte
da Sinfonia dos Salmos. Alguns anos antes, em 1962, o autor voltara à Rússia natal,
após uma ausência de cinco décadas, reencontrando amigos, parentes, passando por
lugares conhecidos e interagindo com a multidão russa, em posição de celebridade. A
experiência marcou profundamente a criação de Requiem Canticles, como descreve
Ross:

Aspectos há muito suprimidos ressurgiram em sua personalidade


e em sua música. Requiem Canticles, composta em 1965 e 1966, faz
uso sistemático, pela primeira vez em décadas, da escala octatônica
de Rimsky-Korsakov e outros recursos que ancoraram os primeiros
trabalhos de Stravinsky. Havia acordes como as famosas dissonâncias
politonais da segunda parte de A Sagração, só que agora com
movimentos mais lentos, como um lamento. No final, soam acordes
de sinos à meia-distância. No único gesto romântico de sua carreira,
o compositor havia criado um réquiem para si mesmo. Ele morreu em
1971, e foi enterrado em Veneza, perto do túmulo de Serguei Diaguilev
(ROSS, 2007, p.411).

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CONTEMPORANEIDADE UNIDADE III
(1967-2019)

CAPÍTULO 1
Cena Musical Contemporânea

No âmbito dos sistemas musicais, o final do século trouxe o Minimalismo, corrente


estética em que os processos de repetição orientam o desenvolvimento das peças. Uma
das demandas dos compositores minimalistas era a reaproximação com o público, que
se afastara da música contemporânea devido à complexidade excessiva.

De fato, após a reintegração da simplicidade musical, compositores vivos como Arvo


Pärt, Philip Glass e Steve Reich ganharam hoje algo que se assemelha a um público
de massa.

Além disso, Ross (2007, p.539-540) observa que a música clássica atinge, hoje, um
público muito maior que em qualquer época da história, com novas plateias que se
materializaram no leste da Ásia e na América do Sul, por exemplo, e que boa parte do
repertório inclui a música do século XX, tendo entre as peças mais adoradas a Sagração
da Primavera, de Stravinsky e o Concerto para Orquestra, de Bartók.

Um dos aspectos extremamente relevantes para a difusão da nova música foi o


desenvolvimento da tecnologia de reprodução, que desde que surgiu, no final do século
XIX, causou impacto direto sobre a estética musical dos séculos seguintes.

Walter Benjamin (1987) foi um dos autores que dedicou estudos à questão das novas
tecnologias surgidas na virada do século XIX, em especial ao tema da reprodutibilidade
técnica, percebendo nas técnicas industriais uma mudança de paradigma em relação às
técnicas artesanais. Vale a pena nos debruçarmos sobre o assunto para compreendermos
a trajetória da enorme difusão musical durante o século XX e suas consequências na
contemporaneidade.

Segundo Benjamin, ainda que a obra de arte sempre tenha sido suscetível de
reprodução, como no caso dos discípulos que copiam as obras dos mestres a título de

70
CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

exercício ou dos falsários que as copiam visando proveito material, seu processo de
replicação técnica (iniciado com a xilogravura na Idade Média, seguido da estampa
em chapa de cobre e água forte e chegando à litografia no início do século XIX)
permitiu colocar no mercado produções em massa.

Porém o salto decisivo foi dado com a invenção da fotografia, pois, além de esta
proporcionar a difusão das imagens em grande velocidade pela facilidade de produção,
pela primeira vez “a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes,
que agora cabiam unicamente ao olho” (BENJAMIN, 1987, p.167).

À fotografia seguiu-se o cinema falado e a reprodução técnica do som, contando


com as mesmas características de propagação.

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UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

Figura 12. Marilyn (1967), de Andy Warhol.

Fonte http://www.ebc.com.br/cultura/2016/01/conheca-5-pintores-da-arte-moderna-e-contemporanea

Essas técnicas permitiram alterar os aspectos registrados de forma arbitrária,


colocando a cópia em situações impossíveis para o original, o que fez com que a própria
cópia atingisse status de obra de arte autônoma. Nesse processo um dos elementos
tradicionais da obra de arte se perdeu: seu aqui e agora, “sua existência única, no lugar
em que ela se encontra” (BENJAMIN, 1987, p.167).

A técnica passou a reproduzir situações, aproximando a obra do indivíduo por meio


da fotografia ou do disco: “a catedral abandona seu lugar para instalar-se no estúdio
de um amador; o coro, executado numa sala ou ao ar livre, pode ser ouvido num
quarto” (BENJAMIN,1987, p.168).

O resultado foi a substituição do status de raridade e da atmosfera mística que


fundamentavam a obra de arte no passado por um valor de exibição, ocasionando a
perda de sua “aura”:

O que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte


é sua aura. Esse processo é sintomático, e sua significação vai muito
além da esfera da arte. Generalizando podemos dizer que a técnica
da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido.
Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência

72
CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

única da obra por uma existência serial. E, na medida em que essa


técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em
todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. Esses dois
processos resultam num violento abalo da tradição, que constitui o
reverso da crise atual e a renovação da humanidade (BENJAMIN,
1987, p.168-169).

Em O autor como produtor, Benjamin defende, ainda, que o objeto artístico deve se
situar nos “contextos sociais vivos”, ou seja, que a técnica deve ser compatível com o
período histórico, permitindo que a arte se situe dentro das relações de produção de
sua época. Seu argumento é o de que “temos que repensar a ideia de formas ou gêneros
literários em função dos fatos técnicos de nossa situação atual, se quisermos alcançar as
formas de expressão adequadas às energias literárias de nosso tempo”. O autor ressalta
que “nem sempre houve romances no passado, e eles não precisarão existir sempre”,
defendendo o jornalismo como meio técnico ideal para a difusão de uma nova literatura,
ajustada com o contexto político vigente e em que a distinção convencional entre o
autor e o público desapareça, já que o leitor está sempre pronto a escrever, descrever
e prescrever (BENJAMIN, 1987, p.124). No caso da música, tanto melhor seria uma
reprodução quanto mais se aproximasse da qualidade de uma apresentação ao vivo.
No final da década de 1940, já em plena fase elétrica, o advento do sistema de gravação
em alta-fidelidade, ou hy-fi, aproximou-se do som realista, “para unir-se à imagem da
televisão como parte da recuperação da experiência tátil” (VALENTE, 2003, p.73).

Com o tempo, o parâmetro deixou de ser a performance ao vivo, deslocando-se para


o signo dessa performance, e “o que a maioria dos ouvintes entende hoje por audição
musical refere-se à escuta por sistemas reprodutores, como rádio, discos e fitas
magnéticas” (IAZETTA, 1996, p.25 apud VALENTE, 2003, p.73). O advento do LP
transformou a maneira como se ouviu música no século XX, e hoje as novas tecnologias
trouxeram mais uma mudança de paradigma. A Internet, ao mesmo tempo em que
permite divulgar amplamente o repertório contemporâneo, provocou a fragmentação
da música em uma infinidade de subculturas e nichos de mercado, enfraquecendo o
poder da mídia tradicional na disseminação da cultura (ROSS, 2007, p.540).

A indústria fonográfica tradicional começa a se organizar na rede, disponibilizando


a venda online dos fonogramas, que podem ser adquiridos individualmente. Essa
maneira de consumo aos poucos está fazendo com que o formato “álbum”, com o qual
o consumidor já havia se acostumado, perca a sua relevância. Dessa forma, trabalhos
conceituais em que as músicas dialogavam na construção de um sentido amplo tendem a
desaparecer, uma vez que as novas gerações já crescem adaptadas ao formato individual
das músicas, chamando, inclusive, as antigas “faixas” musicais de “arquivos”:

73
UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

Hoje, quando o CD está desaparecendo, é fácil reconhecer que não se


alforriou do LP. Mas difícil é identificar as causas. (...) Não espanta,
então, que também a escuta da música, vencida a frágil resistência do
CD, tenha se refugiado na rede. Mas isso tem consequências estéticas
que é importante avaliar. A primeira é o fim da organização sequencial
das faixas. Escolhe-se uma canção por vez, e o mecanismo de busca se
encarrega de indicar outras composições próximas (...). É um critério
bastante estatístico, que não permite a construção de universos originais
e complexos. (...) Uma poética baseada na livre associação de estilos
diferentes necessita de um ouvinte que escute a sequência inteira,
ou pelo menos a reconheça como unidade. Mas a internet não tem
contornos: nela, cada faixa emerge de uma totalidade indeterminada,
e nela volta a afundar. (...) Talvez estejamos adquirindo a consciência
tardia de que o LP não foi apenas um suporte, mas uma forma artística
(MAMMÌ, 2014, p.40-41).

No entanto, o cruzamento de informações permitiu a intensa contaminação de elementos


da música erudita contemporânea sobre outros repertórios – como se pode observar,
por exemplo, na música da artista pop islandesa Björk. Wisnik distingue e contrapõe
dois fenômenos responsáveis pelas transformações operadas na cultura mundial: o
processo de globalização que transforma a música em mercadoria de massa destinada
à vendagem em megaquantidades, implicando uma imediata reposição consumista; e o
processo de mundialização, que nos expõe a informações múltiplas por meio das quais
nenhuma vida cultural pode manter-se “pura”:

Se por um lado a globalização nos remete à generalização das relações


econômicas transnacionais, dependentes do modelo norte-americano
e de seus padrões, por outro a mundialização nos leva à constatação
de que os sujeitos culturais deixaram há muito tempo de ser
necessariamente nativos de uma região, de uma etnia, de uma cultura
nacional ou de uma classe social ontologicamente determinada. (...)
Globalização e mundialização vêm a ser, assim, fenômenos associados,
ao mesmo tempo que potencialmente divergentes. Mercadoria de
massas, consumismo, regressão da audição e império do gênero estão
associados a essa cultura dita globalizada. Isso tudo seria simplesmente
acachapante não fosse o fato de que, apesar de tudo, há vida cultural
como fenômeno vivo (me desculpem o pleonasmo), em que se dão
trocas, diálogos, expressão de contradições, de experiências singulares,
de talentos e de espontaneidades, e que, efetivamente, se constituíram
criadores e ouvintes que não são nativos de nichos culturais fechados,

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CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

mas desse mundo poroso que vigora, num equilíbrio muito instável e
precário, fora e dentro da indústria do entretenimento (WISNIK, 2004,
p.321).

Griffiths (1995, p.249) ressalta o fato de que a história normalmente só pode ser
identificada anos após sua ocorrência. De fato, torna-se bastante arriscado realizar
afirmações acerca da música no presente.

Resta-nos discorrer sobre constatações aparentemente relevantes, entendendo que


o enfoque escolhido pode ser reavaliado a partir de perspectivas que vão surgindo.
Considerando essas limitações, destacaremos, a seguir, cenários musicais que se
destacam na contemporaneidade.

Pós-Modernismo
O termo, incorporado à crítica de arte, teria surgido em algum momento da década de
1960, associado à arte conceitual (COELHO, 1986, p.128-129), trazendo como pedra
de toque a ideia de que a arte deveria ser um processo com ênfase no mental, e não no
material.

O “pós-moderno” não se coloca mais sob o signo do “novo”, permitindo-se usufruir


de todas as descobertas observadas na história da arte. O “pós-moderno”, em música,
busca explicar da pluralidade estética observada no final do século XX e início do XXI,
porém, embora ainda amplamente utilizado, é repleto de controvérsias:

É muito difícil elaborar um relato preciso da composição nesse


recente fin de siècle. Estilos de todos os tipos – minimalismo, pós-
minimalismo, música eletrônica, música de laptop, música de internet,
nova complexidade, espectralismo, colagens e meditações místicas da
Europa Oriental e da Rússia, apropriações do rock e do hip-hop, novas
experiências em música folclórica na América Latina, no Extremo
Oriente, na África e no Oriente Médio – se acotovelam, nenhum deles
chegando à supremacia. Alguns tentaram chamar o período de pós-
moderno, mas “modernismo” já é um termo tão equivocado que o
acréscimo de um “pós” o torna ainda mais sem sentido. Em retrospecto,
podemos dizer que o modernismo, no sentido de vanguarda unificada,
nunca existiu. O século XX sempre foi uma época de “muitas
tendências”, um “delta”, nas sábias palavras de John Cage. O que se
segue é um passeio aéreo sobre uma passagem em constante mudança
(ROSS, 2007, p.540).

75
UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

Minimalismo
Se a expressão originou-se para descrever criações em que o material musical
é mínimo – como as peças de poucas e longas notas de La Monte Young, e, no
extremo, a música silenciosa 4’33’’, de Cage –, consolidou-se ao ser aplicada
a composições nas quais a repetição de figuras, em geral curtas, predomina,
ou seja, a obra de autores como Reich, Riley, Glass, etc. Além de La Monte
Young, são apontados como precursores do minimalismo o irreverente Erik
Satie, em particular sua série Música de Mobiliário (peças orquestrais de poucos
compassos musicais que deveriam ser repetidos infinitamente, de maneira a
compor o mobiliário de um cômodo da casa), e Cage.

Nos anos 1960, Glass e Reich acrescentaram uma noção de processo, ou de mudança
gradual efetuada no desenvolvimento de texturas repetitivas. Se no início as obras
minimalistas impressionavam mais pela beleza de sua simplicidade, provaram-se
capazes de elaboração, como nas óperas de Glass ou peças posteriores de Reich. Ganhou
adeptos nos EUA e Europa, influenciando compositores como Ligeti, que já haviam
chegado ao material repetitivo independentemente, além de invadir o mundo pop por
meio da música eletrônica feita para dançar.

Influência mútua entre Oriente e Ocidente


A música contemporânea de alto repertório não é mais predominantemente europeia.
Por exemplo, a partir de 1980, os compositores chineses da chamada “Nova Onda”
se atualizaram rapidamente, percorrendo o repertório de Debussy a Cage, mas sem
abandonarem as tradições da música rural ao qual estiveram expostos durante o
trabalho compulsório em fazendas coletivas, o que originou obras como as de Tan, que
justapôs ruídos de água e papel (assimilados de Cage), com orquestrações românticas e
singelas melodias folclóricas (ROSS, 2007, p.544).

Segundo Ross (2007, p.544), “se a música clássica chinesa conseguir assimilar a nova
música do século XXI, o centro de gravidade pode mudar de forma permanente para o
oriente”. Exemplo disso é a importância mundial adquirida por compositores como o
japonês Toru Takemitsu.

Nova Complexidade
O movimento conhecido como “Nova Complexidade” surgiu pela proposta de Brian
Ferneyhough, inglês radicado nos Estados Unidos, de testar os limites extremos do

76
CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

que o ouvido poderia alcançar e do que os músicos podem tocar. As partituras de


Ferneyhough são extremamente complexas. Ross (2007, p.548) descreve alguns
compassos de seu Terceiro Quarteto para Cordas: o primeiro violino executa frases
angulares em cordas duplas, que se expandem em várias oitavas através de glissandos,
trinados e sete dinâmicas diferentes; o segundo violino toca 29 notas em fusas; a viola
toca uma quiáltera de 33 notas no tempo de 32 fusas; e o violoncelo insinua melodias
fragmentadas na região grave.

Como, por mais que os intérpretes sejam habilidosos, não é possível executar a obra de
maneira precisa, a obra se torna um tipo de improvisação planejada, próxima do Free
Jazz ou de um rock delirante, muito mais que da tradição clássica.

Espectralismo
Após o minimalismo romper com vários tabus musicais modernistas por meio da
insistência de pulsos estáveis e consonâncias, coube ao espectralismo representar
o retorno à natureza. Trata-se de uma corrente musical iniciada nos anos 1970 por
três compositores, Tristan Murail, Gérard Grisey e Hughes Dufourt, que utilizaram
programas de computador avançados para analisar os espectros de som superpostos
que acompanham qualquer tom ressonante, concebendo um novo tipo de música a
partir dos complexos padrões encontrados (ROSS, 2007, p.551).

Mantendo-se fiéis às séries harmônicas, esses compositores não negligenciavam os


intervalos nas pontas mais graves no espectro desses sons, ou seja, a oitava, a quinta e a
terça maior, de onde surge o sistema tonal. Dessa forma, os compositores recuperaram
certa hierarquia, embora as obras não sejam necessariamente consonantes o tempo
todo.

Música Popular Experimental


Com o lançamento do álbum Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles,
inaugurou-se oficialmente uma era em que a música popular de massa incorporou
deliberadamente procedimentos caros à música erudita do século XX, como a
emancipação do ruído e a predominância da textura sobre outros parâmetros musicais.
Embora o marco considerado oficial seja esse álbum (no qual, inclusive, nos baseamos
para seccionar a última unidade desta apostila), essa atitude já vinha acontecendo em
outros álbuns dos Beatles (um bom exemplo é a fantasia textural de “Tomorrow Never
Knows”, do disco Revolver, de 1966), e na guitarra alucinada de Jimmi Hendrix. No
ano seguinte, os ingleses avançaram na experimentação em seu Álbum Branco, cuja

77
UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

faixa “Revolution 9” é uma colagem com fitas de gravação, na qual podem ser ouvidos
os acordes finais da Sétima Sinfonia, de Sibelius.

Pouco depois, podia-se ouvir de roqueiros declarações entusiasmadas sobre a


“música séria” – Frank Zappa admirava a música de Varèse, participantes do
Grateful Dead e do Jefferson Airplane compareceram a palestras de Stockhausen,
e alguns alunos deste criaram o grupo Kraftwerk, que levou as experiências
eletrônicas para o campo popular.

No Brasil, Caetano Veloso e Gilberto Gil lançaram o movimento Tropicalista,


influenciados por Sargent Pepper´s, que contava com a acessoria de nomes ligados
à vanguarda artística, como o poeta concretista Augusto de Campos e o arranjador
de várias canções Rogério Duprat. Caetano, inclusive, foi além no campo da
experimentação com seu álbum Araçá Azul. Alguns anos depois, consolidava-se o
trabalho do Clube da Esquina, capitaneado por Milton Nascimento, que, além do
jazz contemporâneo e de influências brasileiras como a bossa nova, aplicava em
suas canções e peças instrumentais procedimentos como polimetria, polirrritmia,
politonalidade, modalismo e ênfase em texturas, entre várias experiências – um
bom exemplo é a faixa em 5/4 “Saudades dos Aviões da Panair (Conversando no
Bar)”, do álbum Minas, de Milton Nascimento, que sofre a sobreposição inesperada
da canção “Paula e Bebeto”, entre outras rupturas.

78
CAPÍTULO 2
Principais Compositores
Contemporâneos

Terry Riley (1935)


Compositor norte-americano. Após realizar seus estudos na Universidade da Califórnia,
trabalhou nos estúdios da rádio francesa, ampliando seu conhecimento técnico.
Interessou-se, nessa época, por repetições sobrepostas de pequenos motivos tonais.
Compôs alguns dos primeiros clássicos da música minimalista, como os Keyboard
Studies, de 1963, e In C, de 1964. Tornou-se professor no Mills College, na Columbia,
em 1972.

Steve Reich (1936)


Compositor norte-americano. Estudou com Darius Milhaud e Luciano Berio durante
sua formação, em escolas norte-americanas. Trabalhou no Tape Music Center, em São
Francisco, e depois em seu próprio estúdio, em Nova York, onde passou a se apresentar
com seu conjunto. O ponto de partida dessas apresentações eram ostinati em cânones
lentíssimos. Em breve, o grupo começou a utilizar duas ou mais gravações simultâneas
que começavam a entrar em defasagem, gerando polifonias rítmicas complexas e que
consideravam o efeito dos harmônicos na textura – técnica que originou a série de
obras que inclui Piano Phase (para dois pianos ou duas marimbas) e Violin Phase (para
violino e tape ou quatro violinos), ambas de 1967.

Muitas de suas obras foram dedicadas a instrumentos de percussão, e, a partir da


década de 1980 liberou a execução de suas obras a quem se interessasse, pois antes
eram restritas ao uso de seu grupo. É considerado um dos nomes mais importantes do
Minimalismo.

Philip Glass (1937)


Compositor norte-americano. Após estudar em escolas americanas, teve aulas com
Nadia Boulanger em Paris. Lá, trabalhou com o músico indiano Ravi Shankar, e, quando
retornou a Nova York em 1967, com Alla Rakha. A música indiana influenciou sua
estética inicialmente, em obras nas quais se utilizava de ostinatos em lenta mudança,

79
UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

às vezes com sons agressivamente amplificados. Junto com os outros minimalistas,


redescobriu a tonalidade de uma forma que em nada lembrava as velhas práticas.

Formou seu conjunto para realizar suas peças, que trazia uma energia compatível a um
grupo de rock, apresentando-se em galerias de arte, apartamentos do Upper East Side,
parques e clubes noturnos, entre eles o famoso Max’s Kansas City. Com suas óperas
chegou a um nível de reconhecimento popular que nenhum compositor moderno já havia
alcançado desde Stravinsky. Ampliou ainda mais o alcance de sua arte compondo trilha
para cinema e contribuindo com músicos populares, como no caso dos brasileiros do
grupo UAKTI. Como Reich, é considerado um dos nomes importantes do Minimalismo.

John Adams (1947)


Compositor e regente norte-americano. Estudou com Kirchner, Kim e Sessions em
Harvard, mudando-se, em seguida, para São Francisco, realizando diferentes trabalhos
conceituais, influenciado pela obra de Cage.

Nessa época, apresentou Lo Fi, que previa um conjunto aleatório de discos velhos e
riscados de 78 rpm sendo tocados por mais de uma hora em um equipamento de áudio
antiquado. Depois disso, começou a achar a estética de Cage limitadora, encontrando
uma saída no Minimalismo.

Desenvolveu uma sofisticada forma de música minimalista, expandindo a técnica


do estilo ao combinar as repetições de Reich e Glass com as formas expansivas e a
orquestração wagneriana. Em 1972 passou a ensinar no Conservatório de São Francisco.

Entre suas composições, existem peças eletrônicas e obras para instrumentos


tradicionais, como Shaker Loops, para sete instrumentos de cordas. Suas óperas mais
conhecidas são Nixon in China, de 1987, e Doctor Atomic, de 2005, sobre o projeto
Manhattan, iniciativa que resultou na criação da bomba atômica.

Brian Eno (1948)


Compositor norte-americano. Preencheu um campo musical intermediário entre
a música minimalista e o pop. Formado em escolas de arte, tinha como primeiros
interesses musicais John Cage e La Monte Young, e gostava de provocar as plateias
tocando os repetitivos acordes de X for Henry, de Young.

Tornou-se uma celebridade por volta de 1971, quando tocava teclados e criava efeitos
sonoros para a banda de rock-art Roxy Music. Incluiu no segundo álbum do Roxy Music,

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CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

For Your Pleasure, efeitos de fase apreendidos da obra de Reich, marcando uma das
primeiras invasões do minimalismo na linguagem do pop. Saiu do grupo para seguir
carreira solo e consolidou-se como produtor musical de estrelas como David Bowie.

Ainda sob a égide do Minimalismo, propagou um novo gênero denominado Ambient


Music, que consistia em um som leve e transcendental, prenunciando a chamada
cultura New Age.

Sofia Gubaidulina (1931)


Compositora russa. Estudou composição e piano no conservatório Kazan, graduando-
se em 1954. Seu objetivo principal era a renovação espiritual no ato da composição.
Admirava Cage, o que a influenciou na escolha do material musical de suas partituras,
que trazem, em geral, texturas semelhantes a zumbidos, glissandos estridentes nos
sopros e metais, sussurros e arranhões nas cordas e trechos improvisados, muitas vezes
utilizando também instrumentos folclóricos russos, da Ásia Central e do leste da Ásia.
É possível encontrar em suas obras trechos de extrema calma alternados a ruídos de
tantãs, tubas e guitarras elétricas.

Pauline Oliveros (1932-2016)


Compositora e acordeonista norte-americana. Estudou na Universidade de Houston de
1949 a 1952, e depois com Robert Erickson de 1954 a 1960, trabalhando, a seguir, no
Tape Musica Center de São Francisco. Depois de 1967, passou a ensinar na Universidade
da Califórnia, em San Diego.

Suas composições se utilizam de meios mistos, abarcando o acústico e o eletrônico.


Em sua peça I of IV, de 1966, composta para fita, dispensou as mixagens próprias do
estilo, optando pela realização em tempo real. Escreveu livros e cunhou o conceito de
Deep Listening (nome com o qual batizou seu grupo musical) que incluía retiros para
audições musicais concentradas na Europa, Novo México e Nova York.

Arvo Pärt (1935)


Compositor estoniano. Desafiou o ateísmo da União Soviética com suas obras criadas
no final dos anos 1960, como a cantata Credo, de 1968, que incorpora em forma de
colagem trechos do Prelúdio em Dó Maior, de Bach.

81
UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

Após essa fase, aprofundou-se no estudo da polifonia medieval renascentista,


ressurgindo na cena musical em 1976 com a peça para piano Für Alina, peça
que consiste em apenas duas notas, uma que se move melodicamente e outra
alternando as notas de uma tríade de si menor. Com essa obra, o autor ingressou
num tipo de composição que tem ênfase no silêncio e na quietude.

Quando o selo alemão ECM começou a lançar suas obras nos anos 1980, milhões de
cópias foram vendidas, de maneira incomum para a música erudita contemporânea,
alçando o compositor à condição de pop star. A crítica musical explica isso pelo fato de
as puras e espirituais composições de Pärt oferecerem um oásis aos ouvidos já saturados
do novo milênio.

Toru Takemitsu (1938-1996)


Compositor japonês. Embora tenha estudado com Kiyose a partir de 1948, a maior parte
de sua formação foi autodidata. Foi influenciado pela música ocidental de Debussy,
Webern e Messien, cujo caráter se assemelhava ao da música oriental no sentido de um
tempo não linear, da economia de elementos e da sofisticação de coloridos.

Algumas de suas peças incorporam instrumentos japoneses, como é o caso de Passos


de Novembro, de 1967, para biva, shakuhachi e orquestra, mas a maioria é criada para
orquestra ou conjuntos de formação ocidental.

Também compôs peças para fita magnética e trilha de cinema. Algumas de suas trilhas
acompanharam obras-primas do cinema japonês, como Dodeskaden, de Kurosawa, com
música baseada em temas populares japoneses, e A Mulher de Areia, de Teshigahara,
em que utiliza ruídos e glissandos arrepiantes, típicos de Xenakis. Na época de sua
prematura morte, Takemitsu já havia criado um estilo de estrutura precisa, rico em
timbres, beirando o tonal e profundamente misterioso.

Dominic Muldowney (1952)


Compositor inglês. Estudou com Harvey na Universidade de Southampton, com
Birtwistle em Londres e com Rands e Blake na Universidade de York. Em 1976,
integrou a direção musical do National Theatre de Londres. Sua obra é compreendida
pela crítica como seca e inquisitiva, abrangendo músicas para textos de Brecht e
peças instrumentais, como os quartetos de cordas de 1973 e de 1983 e o concerto para
saxofone, de 1984.

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CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

Osvaldo Golijov (1960)


Compositor argentino. Golijov, embora nascido na Argentina, é descendente de russos
e judeus da Europa Oriental, trazendo essa influência para o centro de sua música. Em
suas peças, mescla textos em aramaico, cantilações judaicas e sons latino-americanos,
dominando o arco narrativo de suas peças de forma controlada em direção ao clímax.

Thomas Adès (1971)


Compositor inglês. Estudou composição com Robert Saxton na Guildall School of
Music and Drama. Seu instrumento é o piano, tendo estudado com Paul Berkowitz, o
que lhe ajudou a desenvolver apreço pela tradição clássica que influenciou sua obra, na
qual mescla orquestrações inspiradas em Sibelius e aspectos polirrítmicos presentes
em Nancarrow. Aos vinte anos já era um nome conhecido na cena musical britânica.
Em 2000, herdou a direção artística do importante Festival de Aldeburg. Porém, ao
compatibilizar-se com o pop da mesma forma que, com toda a tradição de vanguarda
do século XX, alcançou uma plataforma bastante visível para se expressar.

83
CAPÍTULO 3
Repertório Selecionado/ Música
Contemporânea

In C (Terry Riley) (1964)


Com In C, Riley projetou uma peça instrumental que unia bordões estáticos e anéis
de gravação, tocados mais rápido ou lentamente ao mesmo tempo (ROSS, 2007, p.
520). A partitura da peça foi desenvolvida na forma de um mapa de 53 breves figuras
motívicas, denominadas por ele como “módulos”. Cada músico foi instruído a mudar
de um módulo para o outro em seu próprio andamento, de acordo com seus desejos
momentâneos ou necessidades do instrumento. Os motivos derivavam das sete notas
da escala de dó maior, que era temperada com alguns fá sustenidos e si bemois.
Independente das escolhas feitas pelos músicos, a tendência da harmonia era evoluir
para mi menor no meio da peça, e para a dominante de dó, sol maior, próximo ao
final, com o si bemol trazendo um elemento de blues na cadência. Ligando tudo, do
início ao fim havia um par de dós agudos no piano pulsando sem nenhuma variação.
O tecladista do piano elétrico na noite de estreia foi Steve Reich. Em breve, Riley se
lançaria à cultura hippie, conquistando multidões de fãs para sua música psicodélica,
que cada vez mais se aproximava do público. Seu disco A Rainbow In A Curved Air, de
1967, cuja faixa título fazia do minimalismo discurso pop assemelhava-se em conceito
a outra obra-prima da época, esta assumidamente no campo da música popular,
Sargent Pepper´s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles.

It’s Gonna Rain (Steve Reich) (1965)


Em 1964, Reich captou trechos da voz de um pastor pentecostal, o irmão Walter, que
fazia seu sermão na Union Square, de São Francisco, para, posteriormente, trabalhar
sobre esses registros. Entre as frases, constava um trecho em que o pastor dizia “It’s
gonna rain”, referente à passagem bíblica sobre Noé e o Dilúvio. Em 1965, por fim,
decidiu explorar o material, mas um erro na montagem da fita levou-o a uma descoberta
que se refletiu em diversas obras suas. Ross descreve o ocorrido:

Um dia de janeiro de 1965, Reich estava em frente a dois gravadores


com as palavras “It’s gonna rain!” gravadas em cada um. Sua intenção
era cortar rapidamente “It’s gonna” em uma máquina para “rain”

84
CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)│ UNIDADE III

na outra. Mas ele tinha montado as fitas de forma errada, e quando


apertou o botão, elas tocaram em uníssono: “It’s gonna rain! It’s gonna
rain! It’s gonna rain!”. Ele estava prestes a desligar os aparelhos quando
percebeu um interessante fenômeno. Um dos gravadores tocava um
pouco mais rápido que o outro, de maneira que o uníssono começou
a quebrar em frases: “It’s gonna-a-rain! It’s-‘s gonna rai-in! It’s-t’s
gonna-onna rai-ain! It’s gonna-gonna rain-rain!”. Ouvindo com fones
de ouvido estereofônicos, um ouvido no aparelho da esquerda e outro
no da direita, Reich teve uma reação física ao som. “É uma realidade
acústica em que, se você ouve um som uma fração de segundo depois
do outro, ele parece ser direcional”, declarou algum tempo depois. “A
sensação era de que o som entreva pelo meu ouvido esquerdo e escorria
pelo meu ombro esquerdo e descia pela minha perna até o chão (ROSS,
2007, p.523).

A força da peça não reside apenas nos padrões polirrítmicos, mas na intensidade
adquirida pela voz, amplificando a emoção do pastor e intensificando o momento
indefinidamente. Mais tarde, Reich aproveitou a técnica de vozes defasadas sobrepostas
na criação de uma série de peças instrumentais, iniciada com Piano Phase e Violin
Phase, ambas de 1967.

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (The


Beatles) (1967)
Molina (2017) observa que após o lançamento do clássico álbum Sgt Pepper´s
Lonely Hearts Club Band, do grupo inglês The Beatles, uma transformação não
apenas na construção de sonoridades em estúdio numa música pop, mas também
no modo como essas canções seriam percebidas pelo público. Recursos básicos
de amplificação de som, como microfones, amplificadores e caixas acústicas
passaram a ser usados criativamente, tornando-se não somente extensões de
vozes e instrumentos, mas também instrumentos eles mesmos, impondo-se
sobre as qualidades acústicas da fonte sonora. Nesse sentido, Sgt. Pepper´s se
assemelharia mais aos processos desenvolvidos na montagem de cinema do que
ao formato tradicional de canção. Muito elaborado em seu conteúdo musical, com
elementos próprios da música de “alto repertório”, como ruídos, dissonâncias
e ênfase na textura, o disco promoveu a assimilação desses elementos graças
à grande popularidade do grupo. Dessa forma, ainda segundo Molina (2017,
p.30), a audição repetida favorecia uma gradativa assimilação mais profunda das
novas sonoridades, que, “potencializavam a atenção dessa escuta que passava a

85
UNIDADE III │ CONTEMPORANEIDADE (1967-2019)

identificar e acolher cada vez mais nuances particulares a cada faixa”. Algumas
faixas do disco apresentavam semelhanças com os experimentos de Darmstadt,
como o tema “A Day In The Life”, com sequências de som ad libitum e camadas
texturais se sobrepondo.

Stimmung (Karlheinz Stockhausen) (1968)


A palavra Stimmung representa afinação, estado de espírito. Nessa obra meditativa
para seis cantores, Stockhausen exige dos intérpretes a técnica vocal asiática do canto
difônico, com a qual é possível multiplicar o som vocal ressaltando seus harmônicos.
Além disso, o autor usa meios eletrônicos para projetar os harmônicos naturais de um
si bemol grave. Os “momentos” da peça são distinguidos por diferentes opções da série
harmônica, além das diferentes “palavras mágicas” – nomes de divindades americanas
e orientais cantadas pelos intérpretes.

Request (Wendy Carlos) (1975)


O LP Request, lançado por Wendy Carlos apresentou interferências eletrônicas sobre
obras de compositores consagrados, como Bach, Wagner e Tchaikovsky. A última
faixa, de forma irônica, traz colagens de obras que, pela intensa exposição, integram
hoje o universo do “Kitch” – as citações são costuradas por temas da peça “Pompa e
Circunstância”, do compositor inglês Edward Elgar. O uso indiscriminado de material
do passado coloca o disco sob o rótulo da pós-modernidade.

Einstein On The Beach (Philip Glass) (1976)


Evento teatral criado por Glass em colaboração com o diretor teatral Robert Wilson.
Trata-se de “uma ópera sem enredo, uma peça conceitual que se sustenta por meio
de temas visuais recorrentes e textos objetos” (ROSS, 2007, p.529). Uma sucessão de
acontecimentos costura a peça: intérpretes cantando dó-ré-mi; uma locomotiva da
Guerra Civil se arrasta pelo palco; numa cena de tribunal, um juiz idoso fala mal de um
francês; um ator interpretando Einstein toca um violino; uma dançarina recita frases
referentes a um “supermercado prematuro de ar-condicionado; slogans da emissora
WABC são recitados; três dos quatro Beatles (menos Ringo) são citados; no final aparece
uma nave espacial.

Musicalmente, há uma colagem de estilos musicais do passado, como solos de órgão


bachianos, corais de igreja distorcidos, acompanhamentos com baixo de Alberti. De

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forma surpreendente, os autores conseguiram estimular grande emoção no público


com movimentos harmônicos mínimos e mínima ação de palco.

Tabula Rasa (Arvo Pärt) (1977)


Concerto para dois violinos em que Pärt explora a quietude. De acordo com Ross
(2007, p.556), no início do segundo movimento, denominado “Silentium”, “um arpejo
farfalhante em um piano preparado, como o rufar de asas, introduz lindos e gelados
acordes em ré menor. Tanto a evocação do silêncio quanto o uso de um piano preparado
remetem a John Cage, que tantas portas abriu”. Nessa peça, o autor sai de um processo
restrito, típico de obras anteriores, e parte para a livre expressão.

O alento proporcionado pela peça pode ser percebido na declaração de uma


enfermeira de um hospital em Nova York, que dizia tocar a peça para jovens com
Aids em estado teminal, que em seus últimos dias pediam para ouvir a música
várias vezes.

Clara Crocodilo (Arrigo Barnabé) (1980)


Na São Paulo da década de 1980, diversos grupos cuja conexão se dava pela tendência
à experimentação foram batizados pela imprensa como “Vanguarda Paulista”. Entre
os artistas que participaram dessa cena, podemos destacar Arrigo Barnabé, Itamar
Assumpção, os grupos RUMO, Premeditando o Breque e Língua de Trapo e as
cantoras Tetê Espíndola, Ná Ozzetti, Neuza Pinheiro, Vânia Bastos, Eliete Negreiros,
Suzana Salles. Os novos parâmetros artísticos propunham uma radicalização musical,
incorporando ruídos, transgressão da tonalidade e do temperamento musical,
instrumentos explorados em suas tessituras extremas e uma emissão vocal diferenciada.
O grupo RUMO, por exemplo, liderado por Luiz Tatit, valorizou a inflexão da fala sobre
o canto, incorporando microtons aos contornos melódicos e investindo na afinação
não temperada, o que lembrava, em certos momentos, a técnica de canto falado
Sprechgesang, utilizada por Arnold Schoenberg em Pierrot Lunaire,

Já o trabalho de Arrigo Barnabé conjugava rock, jazz, MPB e a composição


dodecafônica, elementos presentes já em seu primeiro trabalho de estúdio, o
hoje clássico LP Clara Crocodilo. Vocalmente, isso resultava em melodias
dissonantes cantadas em regiões extremas pelas vozes femininas da banda Sabor
de Veneno. As locuções gritadas pelo próprio Arrigo, que remetiam aos programas
policiais radiofônicos, contribuíam para o aumento no índice de ruído. A cantora
Tetê Espíndola, que, além de seu trabalho solo altamente experimental que

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encontrava caminhos alternativos para a música sertaneja, também contribuiu


com seus vocais na banda Sabor de Veneno. Podemos fazer uma aproximação
dos procedimentos vocais radicais dos intérpretes da Vanguarda Paulista com
a técnica vocal estendida utilizada por cantores eruditos a partir do século
XX. A sugestão para a audição de Clara Crocodilo, aqui, simboliza, além do
próprio universo musical da Vanguarda Paulista, o caráter inovador que sempre
acompanhou a linguagem sofisticada da chamada MPB. Realizando uma
arqueologia musical, seremos capazes de encontrar elementos modernos desde
o fraseado jazzístico de Pixinguinha até as inovações estilísticas do Clube da
Esquina, passando, é claro, pela harmonia impressionista de Dorival Caymmi,
Tom Jobim e os compositores da bossa nova.

Offertorium (Sofia Gubaidúlina) (1980)


Na obra para violino e orquestra Offertorium, Sofia Gubaidúlina desconstrói
o tema de A Oferenda Musical, de Bach, distribuindo as notas por diferentes
instrumentos, à maneira de Schoenberg, Berg e Webern. No final, esse mesmo
tema transforma-se numa melodia litúrgica que soa arcaica, passando para uma
orquestra murmurante que evoca uma procissão.

Répons (Pierre Boulez) (1981)


Répons foi composta após a experiência de Boulez na criação e direção do estúdio
de música computadorizada Institut de Recherche et de Coordination Acoustique/
Musique de Paris. A obra reflete a pesquisa, recorrendo a instrumentos eletrônicos,
sínteses sonoras computadorizadas, programas para manipulação instantânea de sons
ao vivo, o que resulta em efeitos espetaculares. Isso ocorre, por exemplo, logo após a
longa introdução instrumental, no início da parte I, quando estrondos de sons alterados
eletronicamente se avolumam a partir de seis pontos distribuídos em um círculo ao
redor da plateia, trazendo densos arpejos de acordes.

Trio de Trompa (György Ligeti) (1982)


Ligeti adotou, em seus últimos dias de vida, uma linguagem que denominou “não
atonalidade”, “uma espécie de caleidoscópio harmônico em que acordes tonais,
melodias quase folclóricas, canções naturais e outras relíquias do passado giram
em torno de si mesmas em um contraponto fraturado” (ROSS, 2007, p.558). Dessa
fase é o Trio de Trompa, que começa com uma variação distorcida de um trecho

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da Sonata para Piano Opus 81, de Beethoven, e termina com um Lamento, uma
paisagem devastada, simbolizando o século que matou a maior parte de sua família
e sua fé na humanidade.

Mas a harmonia não fica tão triste quanto poderia: “No final, três notas brilham na noite:
um sol grave na trompa; um dó agudo no violino; e um lá que soa frágil na tessitura
média do piano” (ROSS, 2007, p.558). As notas são as mesmas que reaparecem na
ordem inversa em um quarteto de cordas final de Beethoven, em fá maior, no qual o
mestre anexou as palavras “É necessário”.

Les Espaces Acoustiques (Gérard Grisey) (1985)


Considerado um trabalho pertencente à vertente espectralista, Les Espaces Acoustiques
é um ciclo instrumental de noventa minutos, cujo material se desenvolve a partir de
uma única nota, um mi grave tocado em um trombone, utilizado pelo autor para gerar
os sons harmônicos (a partir da tecnologia de modulação-anel) convergindo numa
textura densa e extremamente dissonante. Em certos momentos, porém, é possível
identificar harmonias quase tonais, sugerindo harmonias impressionistas, tudo isso
devido à subordinação da proposta espectralista aos sons harmônicos naturais.

Harmonielehre (John Adams) (1985)


O título da peça faz referência ao famoso manual em que Schoenberg declarou que
a tonalidade estava morta. A obra é um trabalho sinfônico de quarenta minutos. Na
introdução, surgem quarenta acordes de mi menor muito fortes, com suas durações
diminuindo de forma gradual, para em seguida aumentarem novamente. A colossal
abertura era a tentativa de Adams de captar algo surgido em um sonho: a imagem
de um enorme navio petroleiro sobre as águas da baía de San Francisco, com seu o
casco enferrujado brilhando ao sol. Para Ross (2007, p.562), “em poucos minutos,
decadentes acordes wagnerianos proliferam por toda parte, embora filtrados pela
sensibilidade de um filho dos anos 1960 que já tinha viajado com LSD”.

Asyla (Thomas Adès) (1997)


Trabalho sinfônico em quatro movimentos, que reúne numa só peça o tipo de tonalidade
vaga de Ligeti, os polirritmos de Nancarrow e as paisagens nórdicas de Sibelius, além
de outras referências. Ross descreve a peça:

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O compositor dramatiza sua luta para se definir dentro e contra a


modernidade, procurando “asilos” de um e de outro tipo. Ritmos
estilhaçados e melodias microtonais criam desordem no nascedouro,
mas são seguidos por um expressivo tema nobre e fora de moda que
soa como a inspiração da Passacaglia e Fuga em Dó Menor de Bach. O
estudioso personagem “clássico” do primeiro movimento dá lugar a uma
melancolia espacial no segundo: matizes de Wagner e Mahler pairam na
orquestração. No terceiro movimento, “Ecstasio”, o protagonista jura
que não haverá mais solidão e perigos na cidade. O título vem de uma
das drogas favoritas em festas dos anos 90 e a orquestração reproduz
ruído e a ambientação de um clube londrino: ritmos marcantes, corais,
apupos, assobios, o ruído de multidão, a emoção e o perigo do contato
corpóreo (ROSS, 2007, p.560).

Paixão Segundo São Marcos (Osvaldo Golijov)


(2000)
O trabalho de Golijov agrega minimalismo, colagem e improvisação. Na introdução
da Paixão Segundo São Marcos, o compositor argentino recorre a uma série de
referências latino-americanas, de berimbaus brasileiros a maracas, de gemidos
fantasmagóricos de acordeão representando a voz de Deus a um coral cantando
enfaticamente um idioma espanhol africanizado, acompanhado de um ruído
suave realizado por tambores afro-cubanos. O autor evoca um clima de medo e
tensão, situando a peça entre a ópera e o ritual. Além disso, Golijov cede aos seus
cantores, instrumentistas e ritmistas a possibilidade de improvisação sobre o
material oferecido (ROSS, 2007, p.545).

Biophilia (Björk) (2011)


A cantora e compositora islandesa Björk é uma artista pop fortemente influenciada
pelo repertório erudito do século XX, incorporando em suas músicas aspectos de
Stockhausen, Messiaen e Arvo Pärt. Sua inclusão nesta apostila simboliza o atual
cenário em que se encontra a música deste novo milênio, em que os signos se cruzaram,
se fundiram e se dissolveram, tornando, por vezes, difícil classificar determinada obra.
Ross identifica a situação, ao afirmar que:

Se você ouvir às cegas “Na echo, a stain”, de Björk – em que a cantora


declama melodias fragmentárias respaldadas por uma suave nuvem
de vozes de coral –, e depois passar para o ciclo de canções Ayre de

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Osvaldo Golijov, com seu pulsante ritmo de dança sustentando canções


multiétnicas da Espanha dos mouros, poderá concluir que clássica é a
composição de Björk, e que Golijov é outra coisa. Um possível destino
da música do século XXI seria uma grande “fusão final”: artistas pop
inteligentes e compositores extrovertidos falando mais ou menos a
mesma linguagem (ROSS, 2007, p.567).

Nossa sugestão de audição para adentrar o universo musical de Björk é o álbum


Biophilia, pelo aspecto emblemático relativo ao uso da tecnologia, elemento
determinante nesse novo milênio. Lançado em outubro de 2011 pela Universal
Music em colaboração com a Apple, foi o primeiro álbum de estúdio no formato
de aplicativo, tendo sido, ele próprio, realizado num Ipad. Idealizado como
uma ópera experimental etérea, mesclou estilos como música minimalista,
música eletrônica e etheral wave.

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Referências

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versão). Trad. ROUANET, Sergio Paulo. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios
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