Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
In:
ANPEd. Ética e pesquisa em educação: subsídios. v. 2. Rio de Janeiro: ANPEd, 2021. p. 1-
9. (o e-book completo estará disponível em agosto de 2021).
Ético-ontoepistemologia ativista:
pesquisa e estudo de resistência1
Anna Stetsenko
The City University of New York
Neste texto, argumento que todas as formas de pesquisa, e de fato todas as formas e
todos os atos de ser-saber-fazer, carregam consigo – e, o que é importante, neles, como sua
dimensão inerentemente constitutiva – orientações ético-políticas específicas (sistemas de
valores e objetivos finais almejados) voltadas a e derivadas de projetos socio-politicamente
situados e, em última análise, sempre práticos de organização da vida social. Esses sistemas de
valores e orientações – o ethos sociopolítico – influenciam indelevelmente todos os outros
elementos e as dimensões do conhecimento e da própria existência social. Como tal, o ethos
sociopolítico é apenas uma parte, embora criticamente significativa, da ético-ontoepistemologia geral
que pode ser discernida dentro de qualquer ato de conhecimento, de qualquer programa de
pesquisa, de tradição acadêmica e de escola de pensamento.
Esse argumento está alinhado a trabalhos que desafiam os cânones hegemônicos da
ciência como uma busca objetiva e neutra de valor da “realidade pura”, dos “fatos objetivos”,
da “informação neutra” e da “evidência nua” purificada de todas as dimensões humanas e
políticas – interesses, motivações, aspirações, emoções e agendas sociopolíticas. O modelo
tradicional de ciência é atualmente um dos pilares da agenda neoliberal e sua economia do
conhecimento sustenta o status quo sociopolítico e econômico geral. Isso não é nada mais do que
um regime imperial da verdade – com modelos específicos de ciência canonizados e reificados
como um cânone quase religioso. A imposição bruta de modelos hegemônicos de ciência é
1
Tradução de Janete Bridon. Revisão técnica de Eduardo Vianna (The City University of
New York) e Jefferson Mainardes (Universidade Estadual de Ponta Grossa).
realizada sob a bandeira da objetividade, da validade e do rigor científico que, afirma-se,
permitem que a ciência permaneça neutra e distante da ideologia e da política. Na verdade,
estamos lidando com uma busca muito ambiciosa, claramente ideológica de uma “ideologia sem
ideologia” enganosa e profundamente falha que é inequivocamente política e ideológica em seu
esforço para cumprir os interesses do mercado e os valores gerenciais. Esses valores são
exemplificados na proliferação da vigilância e da “dataficação” da vida social, que se torna
calculável e manipulável, imposta por poderosas redes de políticas (WARD, 2011).
Infelizmente, apesar de muitos desenvolvimentos importantes – incluindo no marxismo,
no feminismo, no pós-modernismo, nas abordagens indígenas, na filosofia da ciência e nos
estudos da ciência, na pedagogia crítica e na teoria racial crítica que desafiam os modelos
canônicos de ciência, a ideia de um estudo científico politicamente comprometido e moralmente
engajado ainda soa a muitos como contaminado, até mesmo assustador (SCHEPER-HUGHES,
1995). Ainda há muito trabalho pela frente para se consolidar, fortalecer e para fazer avançar
esses desenvolvimentos como uma alternativa unificada e forte às tendências neoliberais
atualmente prevalecentes na ciência e na pesquisa. É com esse objetivo em mente que ofereci
uma abordagem sistêmico-dialética denominada Transformative Activist Stance (TAS) –
Posicionamento Ativista Transformador –, sustentada por um conjunto de visões sobre
questões centrais como o que é realidade, desenvolvimento humano, sociedade, mudança social,
objetividade e uma série de suposições críticas relacionadas às Ciências Sociais.
Marx e muitos estudiosos que o seguiram vincularam a produção de conhecimento à
crítica político-ideológica e à ação social – seguindo o famoso lema de Marx: “Os filósofos
apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. De fato,
suas teorias foram alimentadas por um desejo apaixonado por uma sociedade justa, como parte
de “[...] revolucionar o mundo existente, de atacar e de transformar praticamente
as coisas existentes” (MARX; ENGELS, 1978, p. 169, tradução nossa), lançando as bases para
uma longa tradição vincular compreensões específicas da vida social com concepções carregadas
de valores de uma formação desejada do eu e da sociedade. No entanto, as velhas tensões no
marxismo entre objetividade e subjetividade, valores e fatos, determinismo e agência, fatalismo
e voluntarismo ainda precisam ser discutidas.
O entendimento de Marx era que a existência humana é criada por meio do trabalho
colaborativo humano – uma atividade/práxis coordenada por pessoas que criam condições para
suas vidas enquanto unem seus esforços e contam com ferramentas e know-how coletivamente
inventados e cada vez mais sofisticados, uma vez que estes são acumulados e passados por
gerações. Em outras palavras, toda a vida social e todo o desenvolvimento humano (com ambos
inalienavelmente interligados) têm a ver com sua origem e incorporação na dinâmica sempre
incessante da práxis humana. Nas palavras de Marx:
Não apenas o material da minha atividade – como a própria língua na qual o pensador
é ativo – me é dado como produto social, a minha própria existência é atividade social;
por isso, o que faço de mim, faço a partir de mim para a sociedade, e com a consciência
de mim como um ser social. (MARX, 1978, p. 86, tradução nossa).
Referências
BAKHTIN, M. Toward a philosophy of the act. Tradução e edição Vadim Liapunov e Michael
Holquist. Austin: University of Texas Press, 1993.
EAGLETON, T. Marx. The great philosopher’s series. London: Routledge, 1997.
FANON, F. The wretched of the earth. [s. l.]: Grove Press, 1963.
FREIRE, P. Pedagogy of freedom: Ethics, democracy, and civic courage. Lanham: Rowman &
Littlefield, 1998.
MARX, K. Economic and philosophical manuscripts. In: Tucker, R. C. (ed.). The Marx-Engels
Reader. 2. ed. New York: Norton, [1844] 1978. p. 66-125.
MARX, K.; ENGELS, F. The German ideology. In: TUCKER, R. C. (ed.). The Marx/Engels
reader. 2. ed. New York: Norton, [1844] 1978. p. 146-200.
SCHEPER-HUGHES, N. The primacy of the ethical: Propositions for a militant
anthropology. Current Anthropology, [s. l.], v. 36, p. 409-420, 1995.
STETSENKO, A. From relational ontology to transformative activist stance: expanding Vygotsky’s
(CHAT) project. Cultural Studies of Science Education, [s. l.], v. 3, n. 2, p. 465-485, 2008. DOI:
https://doi.org/10.1057/9780230119864_8
STETSENKO, A. The challenge of individuality in cultural-historical activity theory: “Collectividual”
dialectics from a transformative activist stance. Outlines: Critical Practice Studies, [s. l.], v. 14, n. 2, p.
7-28, 2013a.
STETSENKO, A. Theorizing personhood for the world in transition and change: reflections from a
transformative activist stance. In: MARTIN, J. (ed.). The psychology of personhood: philosophical,
historical, social-developmental, and narrative perspectives. Cambridge: Cambridge University Press,
2013b. p. 181-203.
STETSENKO, A. Transformative activist stance for education: inventing the future in moving
beyond the status quo. In: CORCORAN, T. (ed.). Psychology in Education: critical theory~practice.
Rotterdam: Sense, 2014. p. 181-198.
STETSENKO, A. Theory for and as social practice of realizing the future: Implications from a
transformative activist stance. In: MARTIN, J. (ed.). The Wiley handbook of theoretical and
Philosophical Psychology: methods, approaches, and new directions for Social Sciences. New York:
Wiley, 2015. p. 102-116.
STETSENKO, A. The transformative mind: expanding Vygotsky’s approach to development and
education. New York: Cambridge University Press, 2016a.
STETSENKO, A. Vygotsky’s theory of method and philosophy of practice: implications for
trans/formative methodology. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v. 39, n. 4, p. 32-41, 2016b.
DOI: https://doi.org/10.15448/1981-2582.2016.s.24385
STETSENKO, A. Putting the radical notion of equality in the service of disrupting inequality in
education: research findings and conceptual advances on the infinity of human potential. Review of
Research in Education, [s. l.], v. 41, n. 1, p. 112-135, 2017a. DOI:
https://doi.org/10.3102/0091732x16687524
STETSENKO, A. Science education and transformative activist stance: activism as a quest for
becoming via authentic-authorial contribution to communal practices. In: BRYAN, L. (ed.). 13
Questions: Reframing Education’s Conversation - Science. New York: Peter Lang, 2017b. p. 33-47.
STETSENKO, A. Research and activist projects of resistance: the ethical-political foundations for a
transformative ethico-onto-epistemology. Learning, Culture and Social Interaction, [s. l.], v. 26,
set. 2018a. DOI: https://doi.org/10.1016/j.lcsi.2018.04.002
STETSENKO, A. Confronting biological reductionism from a social justice agenda: transformative
agency and activist stance. Literacy Research: Theory, Method, & Practice, [s. l.], v. 67, n. 1, p. 44-
63, 2018b. DOI: https://doi.org/10.1177/2381336918787531
STETSENKO, A. Radical-transformative agency: continuities and contrasts with relational agency
and implications for education. Frontiers in Education, [s. l.], v. 17, p. 1-13, 2019a. DOI:
https://doi.org/10.3389/feduc.2019.00148
STETSENKO, A. Hope, political imagination, and agency in Marx and beyond: explicating the
transformative worldview and ethico-ontoepistemology. Educational Philosophy and Theory, [s.
l.], v. 52, n. 7, p. 726-737, 2019b. DOI: https://doi.org/10.1080/00131857.2019.1654373
STETSENKO, A. Creativity as dissent and resistance: transformative approach premised on social
justice agenda. In: LEBUDA, I.; GLAVENAU, V. (ed.). The Palgrave handbook of social
creativity. London: Springer, 2019c. p. 431-446.
STETSENKO, A. Personhood through the lens of radical-transformative agency. In: SUGARMAN,
J.; MARTIN, J. (ed.). A humanities approach to the psychology of personhood. London:
Routledge, 2020a. p. 65-83.
STETSENKO, A Radical-transformative agency: developing a transformative activist stance on a
Marxist-Vygotskyan foundation. In: NETO, A. T. (ed.). Revisiting Vygotsky for social change:
bringing together theory and practice. London: Peter Lang, 2020b. p. 31-62.
STETSENKO, A. Critical challenges in cultural-historical activity theory: the urgency of agency.
Cultural-Historical Psychology, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 5-18, 2020c. DOI:
https://doi.org/10.17759/chp.2020160202
STETSENKO, A. Scholarship in the context of a historic socioeconomic and political turmoil:
reassessing and taking stock of Cultural-historical activity theory. Mind, Culture and Activity: An
International Journal, [s. l.], v. 28, n. 1, p. 32-45, 2021. DOI:
https://doi.org/10.1080/10749039.2021.1874419
STETSENKO, A.; ARIEVITCH, I. M. Vygotskian collaborative project of social transformation:
history, politics, and practice in knowledge construction. The International Journal of Critical
Psychology, [s. l.], v. 12, n. 4, p. 58-80, 2004. DOI: https://doi.org/10.1163/9789004261228_012
VIANNA, E.; STETSENKO, A. Research with a transformative activist agenda: creating the future
through education for social change. National Society for the Studies of Education, [s. l.], v. 113,
n. 2, p. 575-602, 2014.
WARD, S. The machinations of managerialsim: new public management and the diminishing power
of professionals. Journal of Cultural Economy, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 205-215, 2011. DOI:
https://doi.org/10.1080/17530350.2011.563072