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FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

ANTROPOLOGIA I
Vanessa Sander
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Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado
ao longo da apostila, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Elas são para chamar
a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada uma com uma função
especifica, mostradas a seguir:

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SUMÁRIO

UNIDADE ENCONTROS ENTRE POVOS E CULTURAS .......................................... 5

01
SENSIBILIDADE ANTROPOLÓGICA..................................................................... 5
PROTO-ANTROPOLOGIAS.................................................................................... 6
ILUMINISMO E ROMANTISMO ............................................................................ 12
FIXANDO O CONTEÚDO...................................................................................... 15

UNIDADE A CONSOLIDAÇÃO DA ANTROPOLOGIA ENQUANTO CAMPO


CIENTÍFICO ............................................................................................. 21

02 A PRIMAZIA DO CULTURAL ............................................................................... 21


EVOLUCIONISMO CULTURAL ............................................................................ 23
EDWARD TYLOR E JAMES FRAZER .................................................................. 25
DIFUSIONISMO ..................................................................................................... 27
FIXANDO O CONTEÚDO...................................................................................... 30

UNIDADE A INFLUÊNCIA DOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA ............................ 34

03
KARL MARX.......................................................................................................... 34
ÉMILE DURKHEIM ................................................................................................ 36
MAX WEBER ......................................................................................................... 40
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 43

UNIDADE A ESCOLA AMERICANA DE ANTROPOLOGIA..................................... 47

04
FRANZ BOAS E O CULTURALISMO ................................................................... 47
CULTURA E PERSONALIDADE .......................................................................... 49
MARGARETH MEAD ............................................................................................ 52
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 55

UNIDADE MALINOWSKI E A ETNOGRAFIA MODERNA ....................................... 60

05
A CONSAGRAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO NA ANTROPOLOGIA ........... 60
O KULA ................................................................................................................. 63
A VIDA SEXUAL DOS SELVAGENS .................................................................... 65
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 68

UNIDADE REVISITANDO O CONCEITO DE CULTURA.......................................... 73

06
O CONCEITO EM SEUS INÍCIOS ......................................................................... 76
NATUREZA E CULTURA: DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES .................. 77
FORMULAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA CULTURA ...................................... 80
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 84

RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ....................................... 89

REFERÊNCIAS ................................................................................... 90

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CONFIRA NO LIVRO

A unidade I explora as condições de possibilidade do surgimento da


antropologia: os encontros entre povos e seus registros, bem como
movimentos intelectuais importantes como o Iluminismo e o
Romantismo.

A Unidade II analisa a consolidação da antropologia enquanto


campo específico do conhecimento, apresenta os principais autores
da corrente antropológica conhecida como evolucionismo cultural, e
também aborda a corrente conhecida como difusionismo.

Concebendo o pensamento social de maneira articulada, a Unidade


III explora as principais contribuições que os três autores
conhecidos como os fundadores da sociologia – Marx, Durkheim e
Weber- trouxeram para o desenvolvimento da teoria antropológica.

A unidade IV apresenta as contribuições de Franz Boas e o seu


legado na formação da antropologia norte americana, em especial
da escola conhecida como Cultura e Personalidade, representada
por Ruth Benedict, Margarteh Mead e Zora Neale Hurston.

A unidade V apresenta como a etnografia e, mais precisamente, a


observação participante se tornaram metodologias consagradas na
antropologia a partir do trabalho de Malinowski. Através de sua obra,
exploramos também instituições e práticas “nativas" analisadas por
ele, tais como o "kula” e a sexualidade.

A unidade VI aprofunda a discussão sobre o conceito de cultura,


retomando alguns dos autores que foram apresentados no decorrer
do livro, e explorando também formulações mais contemporâneas
desse conceito fundamental para o pensamento antropológico.

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ENCONTROS ENTRE POVOS E UNIDADE
CULTURAS

SENSIBILIDADE ANTROPOLÓGICA

A palavra antropologia tem origem grega: o radical “antropo” vem de


antrophos, que significa “homem”, enquanto o sufixo “logia” vem de logos, que
significa “estudo”. Assim, traduzindo o termo com alguma literalidade, a antropologia
é o estudo do ser humano em seu aspecto amplo. Pode-se dizer que os antropólogos
buscam produzir conhecimento sobre diferentes povos e culturas, pensando sobre a
multiplicidade de modos de vida produzidos pelos seres humanos.
A antropologia só se consolidou enquanto um campo de conhecimento
específico em meados do século XIX. Contudo, relatos gerados pelo encontro de
distintas culturas, há muito tempo, mobilizam a curiosidade das pessoas. Por
exemplo, a diversidade cultural da espécie humana é um tema que inquietou
Confúcio, quatro séculos antes de Cristo, que já naquele momento defendia que “a
natureza dos homens é a mesma, são seus hábitos que os mantêm separados”. O
grande historiador grego Heródoto (484-424 a.C.) escreveu sobre a diversidade dos
lícios; o legendário viajante Marco Polo contou sobre a China e outras partes da Ásia
entre os anos 1271 e 1296; e o padre José Anchieta narrou seu encontro com os
índios Tupinambá. Tais exemplos ilustram como os homens se preocuparam com a
diversidade dos modos de comportamento existentes entre os diferentes povos ao
longo da história (LARAIA, 2009).
A sensibilidade antropológica pode ser sintetizada pelo esforço de estranhar
o familiar e familiarizar-se com o estranho. Ou seja, a partir da apreensão de
outros modos de vida, que muitas vezes parecem radicalmente distintos e exóticos,
colocar a própria cultura em perspectiva. Essa compreensão busca questionar os
fatos, ideias e visões de mundo que tomamos como “naturais”, pensando esses
elementos como frutos de nossos processos de socialização, inscritos em um tempo
e espaço específicos. Dessa forma, a antropologia se constitui para além de um mero
inventário, que registra outras possibilidades de ver o mundo e formas alternativas

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de vida social. Seu objetivo é alcançar, a partir de efeitos de contraste e comparação,
uma visão mais densa da cultura em que vivemos, do estar-no-mundo que nos é
familiar (BOAS, 2016).
Segundo Gomes (2009), para obter o pensar antropológico é preciso criar a
capacidade de colocar-se no lugar do outro, tomando certa distância da própria
cultura e dos valores por ela cultivados, para daí tentar entender outros modos de
vida. No entanto, ele reconhece que esse princípio da antropologia é uma espécie de
ideal a ser alcançado, uma ética difícil de se realizar plenamente, visto que é
impossível que uma pessoa se desprenda completamente dos significados e valores
aprendidos em sua própria sociedade. Assim, essa espécie de empatia antropológica
diante das diferenças e desigualdades está em permanente construção: é um esforço
constante e desafiador de entendimento daquilo que nos parece alheio.

PROTO-ANTROPOLOGIAS

Alguns estudiosos remontariam as origens da antropologia ao Iluminismo


europeu durante o século XVII; outros sustentariam que ela surgiu como ciência
apenas na década de 1850; outros ainda defenderiam que as pesquisas
antropológicas começaram depois da I Guerra Mundial (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
As pessoas sempre tiveram curiosidade sobre seus vizinhos e sobre
desconhecidos mais distantes e, nesse sentido, a formação desse campo de
conhecimento está permeada por ambiguidades.
Concebendo a antropologia como uma disciplina que busca compreender
como os povos viveram e vivem e como as culturas humanas se transformaram,
nessa unidade analisaremos as chamadas “proto-antropologias”. Chamamos aqui de
“proto-antropologias” alguns textos e obras que são anteriores à consolidação oficial
do conhecimento antropológico enquanto campo disciplinar, mas que carregam
questões caras para os antropólogos, por exibirem reflexões e narrativas

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emblemáticas sobre encontros interculturais.
Comecemos pela Grécia Antiga, nas pequenas cidades-Estado circundadas
de áreas rurais tradicionais da Idade do Ferro, ligadas ao mundo externo por uma
rede de relações comerciais marítimas entre povoados urbanos distribuídos ao longo
das costas do Mediterrâneo e do Mar Negro. Nessas cidades-Estado, chamadas de
berço da “democracia”, mais da metade da população era constituída de escravos, e
os cidadãos livres consideravam os trabalhos manuais atividades degradantes.
Numa dessas comunidades nasceu Heródoto, que ainda muito jovem passou a viajar
e registrar seus conhecimentos sobre os povos estrangeiros com os quais os gregos
mantinham contato.
Heródoto escreveu narrativas de viagem minuciosas sobre várias partes da
Ásia Ocidental, do Egito e da Pérsia. Apesar da distância temporal e espacial desses
relatos, é possível reconhecer neles dilemas antropológicos atuais, questionando
sobre como, afinal de contas, devemos relacionar-nos com “os outros”. Ele descreveu
da seguinte forma o sistema social dos povos lícios.:

Eles têm um costume singular pelo qual diferem de todas as outras nações
do mundo. Tomam o nome da mãe, e não o do pai. Pergunte-se a um lício
quem é, e responde dando seu próprio nome e o de sua mãe, e assim por
diante, na linha feminina. Além disso, se uma mulher livre desposar um
homem escravo, seus filhos são cidadãos integrais; mas se um homem livre
desposa uma mulher estrangeira, ou vive com uma concubina, embora seja
ele a primeira pessoa do Estado, os filhos não terão qualquer direito a
cidadania (PELTO, 1967, p. 22).

A partir dessas informações, Heródoto se pergunta: esses outros são


basicamente como nós ou são radicalmente diferentes? Grande parte da teoria
antropológica busca estabelecer um equilíbrio entre essas duas posições, e esse
também parece ter sido o caminho elegido pelo historiador da Grécia Antiga. As
vezes ele assume o papel de um “homem civilizado”, que expressa preconceitos e
desdenha dos costumes estrangeiros, como faziam os sujeitos de seu tempo. Em
outros momentos, ele reconhece que diferentes pessoas têm valores diferentes
porque vivem sob diferentes circunstancias. Nesse sentido, muitos gregos testaram
um paradoxo filosófico fundante do pensamento antropológico: o universalismo X o
relativismo.

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Alguns escritos europeus do período medieval tardio também podem ser
considerados como precursores da antropologia de nossos dias, tais como os
célebres relatos de Marco Polo sobre suas expedições pelo continente asiático. Ele
descreveu da seguinte maneira os principais costumes dos tártaros:

Eles têm casas circulares, de madeira e cobertas de feltro, que levam


consigo onde vão, em carroças de quatro rodas... asseguro-lhes que as
mulheres compram, vendem e fazem tudo que é necessário para seus
maridos e suas casas. Os homens não se têm de preocupar com coisa
alguma, exceto a caça, a guerra e a falcoaria... Não têm objeções a que se
coma a carne de cavalos e cães, e se tome o leite de égua... Coisa alguma
no mundo os faria tocar na mulher do outro: têm extrema consciência de que
isso é um erro e uma desgraça (PELTO, 1967, p. 24).

Relatos como os de Marco Polo incentivaram a realização de muitas e longas


viagens marítimas exploratórias, financiadas por governantes europeus. No
Ocidente, essas viagens com destino à África, Ásia e América são chamadas de “as
grandes descobertas”, embora os povos “descobertos” quase sempre tenham razão
para questionar as intenções grandiosas dessas expedições (ERIKSEN; NIELSEN,
2012).
As grandes jornadas coloniais tiveram impactos importantes no mundo, e
alimentaram a imaginação dos europeus com descrições vívidas de lugares e povos
até então desconhecidos por eles. Com a invenção da imprensa, em 1448, os relatos
dessas expedições chegaram a um público numeroso, visto que o livro se
transformou em um item comum e acessível na Europa.
Um dos relatos que adquiriu status de documento histórico, vem da chegada
das embarcações portuguesas à costa do território que hoje chamamos de Brasil.
Pero Vaz de Caminha escreveu um texto célebre endereçado ao Rei D. Manuel de

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Portugal, onde conta sobre os recursos naturais encontrados na chegada ao
continente americano e descreve o encontro com os nativos. Seguem alguns trechos
importantes dessa correspondência:

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos
sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles
os pousaram. [...] A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados,
de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma
cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm
tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo
furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento
duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta
como um furador. [...] O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma
cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos
pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau
Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados
no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal
de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs
olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e
depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou
para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente
para o castiçal como se lá também houvesse prata. Mostraram-lhes um
papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e
acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um
carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo
dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
[...] Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque
neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas;
infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á
nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se
pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal
semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não houvesse mais
que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria.
Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza
tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé (CAMINHA, 1500,
p. 02-12) .

O documento (Figura 1) foi exposto no Pavilhão da Bienal, em São Paulo, em


abril de 2000, como parte dos eventos sobre os 500 anos do “descobrimento” do país.
As narrativas de viagens mudaram os paradigmas do pensamento europeu daquele
momento, provocando reflexões sobre diferenças culturais e descrevendo a chegada
a um continente que nem sequer estava mencionado na Bíblia, que era a maior grade
de entendimento do mundo ocidental naquele momento.

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Figura 1: Imagem da Carta de Pero Vaz de Caminha

Fonte: Mércio (2016, online)

Figura 2: Quadro “Índios a Bordo da Nau Capitânea de Cabral” de Oscar Pereira da Silva

Fonte: Silva (1990)

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O encontro com os índios fez com que os europeus questionassem suas
próprias noções de humanidade, visto que os nativos não se comportavam de modos
que lhes parecessem “naturais” para os seres humanos. Nesse sentido, os elementos
e diferenças culturais que causavam curiosidade, riso e espanto nos colonizadores
descortinavam elementos importantes sobre o jeito como eles mesmos viam o
mundo. Essa percepção criou imagens dos indígenas como povos menos
desenvolvidos ou mesmo destituídos de humanidade, e colaborou com a emergência
dos ideais de progresso que pautaram os rumos do continente europeu. Nos séculos
seguintes, as sociedades europeias viveram uma franca expansão, através do
comércio, das guerras, da colonização, da pesquisa científica e das iniciativas
missionárias. Assim, o contato com “os outros” passou a ser cada vez mais comum
e, muitas vezes, atravessado por violências.
Essa breve pré-história da antropologia mostra como os povos tidos como
exóticos foram retratados como essencialmente semelhantes ou profundamente
diferentes por seus observadores. É importante ressaltar o caráter normativo dessas
descrições, que muitas vezes recaem em perspectivas substancialmente
etnocêntricas.

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comem rãs e escargots; entre os alemães, o nudismo é bastante comum em praias e
lagos; a carne de vaca é proibida aos hindus; muitas mulheres muçulmanas usam burcas
que deixam apenas o rosto a mostra. Pensando sobre esses comportamentos, você
consegue identificar algum pensamento etnocêntrico que teve diante de alguma diferença
social, cultural ou regional? Você é capaz de relativizar esse costume situando-o em seu
contexto social específico? Você consegue pensar em algum hábito comum no Brasil que
poderia ser considerado completamente estranho por um europeu?

ILUMINISMO E ROMANTISMO

Nessa seção, exploraremos duas correntes intelectuais do século XVII e do


início do século XIX que foram fundamentais para a consolidação da antropologia
como disciplina acadêmica: o Iluminismo e o Romantismo. Nesse período, novas
formas de pensar as diferenças humanas começaram a tomar forma no pensamento
europeu, compondo ambientes intelectuais inéditos. Em resumo, o Renascimento
nos séculos XIV e XV significou um rompimento com o pensamento religioso para
pensar sobre a natureza, advindo daí o desenvolvimento das ciências naturais e da
saúde, como a medicina. Por sua vez, o Iluminismo no século XVIII propôs reflexões
sobre a sociedade de maneira mais independente da religião. Nessa lógica, o ser
humano passou a ser visto menos a partir de uma ideia de uma criação de Deus e
mais pelas potencialidades do uso da razão, considerada atributo essencial da
humanidade. Assim, as diferenças entre os povos passaram a ser vistas mais como
graus de humanidade do que como ausência de humanidade (OLIVEIRA, 2018).
Uma dimensão importante desenvolvida durante esse período foi a de que a
mente humana não opera a partir de princípios inatos, como se costumava acreditar.
Filósofos como John Locke defenderam que conhecimentos e comportamentos
humanos são aprendidos e ensinados. Assim, todas as nossas ideias e valores
resultam de nossas experiências. Portanto, as pessoas não nascem diferentes, elas
se tornam diferentes através de diferentes maneiras de estar no mundo. Jean-
Jacques Rousseau também foi um pensador fundamental para ressaltar uma certa
dimensão pedagógica da vida social, por atribuir um papel fundamental a educação,
chegando mesmo a acreditar que essa capacidade teria colaborado para completar
a transição entre os grandes macacos e os homens.

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Com o desenvolvimento do Iluminismo, a autoridade divina e a autoridade
monárquica deixaram de ser consideradas um pressuposto natural e absoluto. O
indivíduo livre deveria ser a medida de todas as coisas, pautando a ordem social. A
ênfase na mente racional do ser humano, contribuiu para a disseminação da noção
de civilização. A civilidade de um povo teria a ver com o refinamento dos seus
costumes e seu progresso material. Assim, a natureza era concebida como uma força
a ser controlada, mais precisamente, civilizada através do desenvolvimento da
tecnologia e do progresso.
Por sua vez, o Romantismo foi uma tendência intelectual que surgiu como uma
espécie de desdobramento do Iluminismo. Nesse sentido, esse movimento também
valoriza a razão, mas privilegia aspectos considerados menores, como as emoções.
A partir disso, o foco na noção de indivíduo é deslocado para uma ideia de grupo, de
coletivos sociais, para sua linguagem e subjetividade. Ademais, a natureza era
tratada como o domínio mais propício para o exercício da razão humana. Nesse
sentido, o progresso não era visto como uma marcha civilizatória capaz de subjugar
a natureza pela técnica, uma vez que o homem era visto como parte integrante dessa
mesma natureza.
A Alemanha emergiu como o centro do pensamento romântico, tomando como
base central o conceito de Volk, elaborado pelo filósofo Johann Gottfried von Heder.
Heder criticava o universalismo do Iluminismo francês, afirmando que todo Volk
(povo) tem seus próprios valores, costumes, língua e espírito. Além disso, o termo
germânico Kultur, que originou o vocábulo cultura, era utilizado para simbolizar todos
os aspectos espirituais de uma comunidade. O conceito de Volk foi posteriormente
politizado e desenvolvido por outros pensadores, que o utilizaram de duas maneiras
bastante distintas: como um instrumento de germinação de movimentos nacionalistas
que se espalharam pela Europa na esteira das Guerras Napoleônicas; e como um
conceito acadêmico fundamental para desenvolver a proposição do relativismo

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cultural. Assim, paradigmas antagônicos como o relativismo e o nacionalismo
remontam suas origens às mesmas noções embrionárias de cultura, originadas no
Romantismo alemão (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).

Pode-se dizer que o pensamento antropológico conjuga essas duas correntes


de pensamento, Iluminismo e Romantismo, visto que objetiva compreender todos
culturais (um projeto romântico), ao mesmo tempo que pretende sistematiza-los,
analisá-los e compará-los (um projeto iluminista). Diversos são os movimentos
intelectuais que desenvolvem teses sobre as manifestações da interação humana,
contudo, destacamos as que deram passos essenciais para a instituição da
antropologia enquanto campo científico, fornecendo um cabedal de ideias que forjou
as condições de possibilidade para a formação e consolidação desse campo
disciplinar.

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UFU- adaptado) A humanidade cessa nas fronteiras da tribo, do grupo linguístico,


às vezes mesmo da aldeia; a tal ponto, que um grande número de populações ditas
primitivas se autodesigna com um nome que significa 'os homens' (ou às vezes -
digamo-lo com mais discrição? - os 'bons', os 'excelentes', 'os completos'),
implicando assim que as outras tribos, grupos ou aldeias não participam das
virtudes ou mesmo da natureza humana, mas são, quando muito, compostos de
'maus', 'malvados', 'macacos da terra' ou de 'ovos de piolho'.
(LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. Antropologia Estrutural Dois. São Paulo: Tempo Brasileiro,
1989: 334.)

Nesse trecho, o antropólogo Claude Lévi-Strauss descreve a reação de


estranhamento que é comum às das sociedades humanas quando defrontadas com
a diversidade cultural. Tal reação pode ser definida como uma tendência:

a) Etnocêntrica
b) Iluminista
c) Relativista
d) Ideológica
e) Romântica

2. (UECE – adaptado) “O questionamento do mundo colonial pelo colonizado não é


um confronto racional dos pontos de vista. Não é um discurso sobre o universal,
mas afirmação passional de uma originalidade apresentada como absoluta. O
mundo colonial é um mundo maniqueísta. Não basta ao colono limitar fisicamente,
isto é, com seus policiais e guardas, o espaço do colonizado. Como que para ilustrar
o caráter totalitário da exploração colonial, o colono faz do colonizado uma espécie
de quintessência do mal".
(FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005).

Considerando as reflexões de Frantz Fanon sobre o mundo colonial, avalie as


afirmações a seguir.

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I. O domínio de princípios universais possibilita ao colono estabelecer noções de
certo e errado que constroem um mundo a ser respeitado pelos colonizados.
II. Os valores que compõem o mundo colonial são meios de estabelecer os
colonizados como elementos corrosivos que representam uma espécie de mal
absoluto.
III. O colono estabelece um domínio racional que garante ao colonizado sua
humanidade na medida em que ele compreende as regras de conduta
estabelecidas.

É correto o que se afirma somente em:


a) I e III.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) I, II e III.

3. (UNIOESTE) O relativismo cultural é um princípio segundo o qual não é possível


compreender, interpretar ou avaliar de maneira significativa os fenômenos sociais
a não ser que sejam considerados em relação ao papel que desempenham no
sistema cultural.

Tendo por base a afirmação acima, é correto afirmar que:

a) relativizar é construir descrições exteriores sobre diferentes modos de vida.


b) relativizar é uma tentativa de construir descrições e interpretações dos fatos
culturais a partir do que nos dizem e do que fazem os atores destes fatos culturais.
c) relativizar é uma defesa da homogeneidade cultural.
d) é o reconhecimento da unidade biológica da espécie humana. Através dessa
unidade biológica podemos explicar as realidades culturais e o comportamento das
pessoas.
e) o relativismo defende que todas as culturas tendem a se assemelhar com o passar
do tempo, e que ao difundir nossos hábitos estamos colaborando com esse
processo.

16
4. (Unilavras – adaptado) O domínio europeu sobre suas colônias tinha como
pressuposto básico a postura civilizadora, em que os europeus se colocavam como
povos de uma "cultura superior" e tinham como objetivo impor seu conceito de
"civilização" aos nativos do novo mundo. Essas práticas de dominação se
embasavam em pressupostos etnocêntricos. Por ser um fenômeno advindo do
encontro entre culturas distintas, qual o elemento central do etnocentrismo?

a) o diálogo passivo entre culturas diferentes com o intuito de compreender o contexto


no qual o outro está inserido.
b) a chave para se estabelecer o contato com as diversas culturas, pois tem como
princípio básico o respeito ao diferente.
c) a visão do "bom selvagem", proposta pelo filósofo Rousseau. Essa ideia serviria
como norteadora para o contato entre culturas.
d) o estranhamento entre as culturas. A falta de diálogo unida à visão eurocêntrica de
mundo fez com que esse estranhamento se convertesse em conflitos culturais.
e) o processo de familiarização com os elementos externos a sua cultura considerados
estranhos ou exóticos, concebendo-os dentro de sua lógica interna.

5. (ENEM) Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) compara, nos trechos, as


guerras das sociedades Tupinambá com as chamadas “guerras de religião” dos
franceses que, na segunda metade do século XVI, opunham católicos e
protestantes.

“[...] não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na
verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. [...] Não
me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade [o canibalismo], mas
que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos.
Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto;
e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos,
ou entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o
lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é
bem mais grave do que assar e comer um homem previamente executado. [...]

17
Podemos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos
à inteligência, mas nunca se compararmos a nós mesmos, que os excedemos em
toda sorte de barbaridades.”
(MONTAIGNE, Michel Eyquem de. Ensaios. São Paulo: Nova Cultural, 1984)

De acordo com o texto, pode-se afirmar que, para Montaigne:

a) a ideia de relativismo cultural baseia-se na hipótese da origem única do gênero


humano e da sua religião.
b) a diferença de costumes não constitui um critério válido para julgar as diferentes
sociedades.
c) os indígenas são mais bárbaros do que os europeus, pois não conhecem a virtude
cristã da piedade.
d) a barbárie é um comportamento social que pressupõe a ausência de uma cultura
civilizada e racional.
e) a ingenuidade dos indígenas equivale à racionalidade dos europeus, o que explica
que os seus costumes são similares.

6. (UEL) O etnocentrismo pode ser definido como uma “[...] atitude emocionalmente
condicionada que leva a considerar e julgar sociedades culturalmente diversas com
critérios fornecidos pela própria cultura. Assim, compreende-se a tendência para
menosprezar ou odiar culturas cujos padrões se afastam ou divergem dos da
cultura do observador que exterioriza a atitude etnocêntrica. [...] Preconceito racial,
nacionalismo, preconceito de classe ou de profissão, intolerância religiosa são
algumas formas de etnocentrismo”.
(WILLEMS, E. Dicionário de Sociologia. Porto Alegre: Globo, 1970. p. 125)

Com base no texto, assinale a alternativa cujo discurso revela uma visão
etnocêntrica:

a) A existência de culturas subdesenvolvidas relaciona-se à presença, em sua


formação, de etnias de tipo incivilizado.
b) Os povos indígenas possuem um acúmulo de saberes que podem influenciar as

18
formas de conhecimentos ocidentais.
c) Os critérios de julgamento das culturas diferentes devem primar pela tolerância e
pela compreensão dos valores, da lógica e da dinâmica própria a cada uma delas.
d) As culturas podem conviver de forma democrática, dada a inexistência de
elementos de superioridade e inferioridade entre elas.
e) O encontro entre diferentes culturas propicia a humanização das relações sociais,
a partir do aprendizado sobre as diferentes visões de mundo.

7. (UNESP) Cada cultura tem suas virtudes, seus vícios, seus conhecimentos, seus
modos de vida, seus erros, suas ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais
importante é cada nação aspirar a integrar aquilo que as outras têm de melhor, e a
buscar a simbiose do melhor de todas as culturas. A França deve ser considerada
em sua história não somente segundo os ideais de Liberdade-Igualdade-
Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas também segundo o
comportamento de uma potência que, como seus vizinhos europeus, praticou
durante séculos a escravidão em massa, e em sua colonização oprimiu povos e
negou suas aspirações à emancipação. Há uma barbárie europeia cuja cultura
produziu o colonialismo e os totalitarismos fascistas, nazistas, comunistas.
Devemos considerar uma cultura não somente segundo seus nobres ideais, mas
também segundo sua maneira de camuflar sua barbárie sob esses ideais.
(Edgard Morin. Le Monde, 08.02.2012. Adaptado.)

No texto citado, o pensador contemporâneo Edgard Morin desenvolve:

a) reflexões elogiosas acerca das consequências do etnocentrismo ocidental sobre


outras culturas.
b) um ponto de vista idealista sobre a expansão dos ideais da Revolução Francesa na
história.
c) argumentos que defendem o isolamento como forma de proteção dos valores
culturais.
d) uma reflexão crítica acerca do contato entre a cultura ocidental e outras culturas na
história.
e) uma defesa do caráter absoluto dos valores culturais da Revolução Francesa.

19
8. (UEG- adaptado) “Não quero que a minha casa seja cercada de muros por todos
os lados, nem que minhas janelas sejam tapadas. Quero que as culturas de todas
as terras sejam sopradas para dentro de minha casa, o mais livremente possível.
Mas recuso-me a ser desapossado da minha por qualquer outra.”
GANDHI, M. Relatório do desenvolvimento humano 2004. In: TERRA, Lygia; COELHO, Marcos de
A. Geografia geral. São Paulo: Moderna, 2005. p.137.

Considerando-se as ideias pressupostas, o texto

a) afirma que a globalização aumentou, de modo sem precedente, os contatos e a


união entre os povos e seus valores, reforçando o respeito às diferenças
socioculturais.
b) critica a intolerância com relação a outras culturas, gerando assim os conflitos
comuns neste novo século.
c) indica o reconhecimento à diversidade cultural, além da necessidade de afirmação
da identidade, seja étnica, seja cultural, seja religiosa.
d) nega a existência da exclusão cultural e ressalta a homogeneização mundial e a
superação/eliminação de fronteiras culturais.
e) crítica o etnocentrismo e a adoção de um paradigma multiculturalista que iguala a
história de todos os povos.

20
A CONSOLIDAÇÃO DA UNIDADE
ANTROPOLOGIA ENQUANTO
CAMPO CIENTÍFICO

A PRIMAZIA DO CULTURAL

O século XIX chegou, acompanhado das novas visões sobre o homem e as


sociedades, trazendo transformações importantes: desenvolvimento industrial,
emergência do movimento operário, urbanização acelerada, migrações massivas e
aprofundamento das relações coloniais. Esse novo cenário trouxe novas relações de
poder: entre patrões e operários, entre administradores coloniais e nativos, entre
proprietários rurais e escravos negros. Na esteira dessas novas relações sociais,
novas ideias, filosofias e mitos vieram para tentar compreende-las, desde manifestos
abolicionistas da escravidão até ideologias de supremacia racial organizadas
cientificamente. Não por acaso a antropologia surgiu como disciplina nesse período,
buscando produzir dados e reflexões sobre as diferenças e desigualdades cada vez
mais explícitas.
Nessa época, uma palavra ascendeu ao vocabulário científico e se tornou
central na forma como as diferenças humanas eram pensadas: raça. O maior
desenvolvimento tecnológico das sociedades europeias (majoritariamente brancas),
passou a ser comparado com sociedades de outros continentes (não-brancas), para
evidenciar uma suposta superioridade racial de uma população sobre a outra. Dessa
forma, o racismo ganhou um status científico no século XIX, impulsionado sobretudo
pela biologia e pela medicina, que atribuíam um sentido morfológico para as
diferenças. Esse ideário também influenciou as ciências humanas, principalmente o
direito, campo em que ideias que relacionavam determinados traços raciais a uma
maior propensão a comportamentos violentos ganharam popularidade.
Muitas vezes, o racismo do século XIX, que ainda persiste em muitas práticas
e instituições atuais, aparecia combinado com outros elementos na explicação das
diferenças entre povos. Recorria-se, por exemplo, ao clima para dizer que países

21
tropicais eram menos propensos ao desenvolvimento do que países de clima frio.
Assim, a diversidade humana era justificada através de fatores somatológicos ou
mesológicos, teorias chamadas de determinismo biológico e determinismo
geográfico.
Um contraponto interessante foi produzido pelo antropólogo haitiano Anténor
Firmin (1850-1911) (Figura 3) que escreveu um ensaio, em 1885, intitulado Ensaio
sobre a Igualdade das Raças Humanas, em que criticava as hierarquias raciais
vigentes na época e argumentava que “todos os homens possuem as mesmas
qualidades e os mesmos defeitos, sem distinção de cor ou forma”. Ainda que sua
obra seja de extrema importância e tenha influenciado uma série de antropólogos
negros, seu nome foi e ainda é frequentemente invisibilizado nos cânones da
disciplina.

Figura 3: Anténor Firmin

Fonte: Fluehr-Lobban (2005, p. 95)

22
Se, após o Iluminismo, a humanidade passou a ser considerada uma essência
que unia todos os povos, as tentativas de explicar as diferenças no interior dessa
unidade eram múltiplas. Emergiram com força posições que justificavam a diversidade
a partir de fatores considerados biológicos ou climáticos. O surgimento e a
consolidação da antropologia trouxeram ainda explicações que adicionaram a esse
bojo teórico argumentos que advogavam pela primazia do cultural na justificação
dessas diferenças. Nesse sentido, as diferenças entre os povos estariam menos
relacionadas a elementos físicos, genéticos ou geográficos e mais aos contextos de
aprendizado cultural. Contudo, em qualquer uma dessas posições, a Europa era
tomada como referência do lugar civilizado por excelência. Nesse contexto, uma
corrente do pensamento antropológico chamada evolucionismo ganhou destaque
no desenvolvimento da disciplina.

EVOLUCIONISMO CULTURAL

O pensamento evolucionista na antropologia foi inspirado pelo impacto que a


noção de evolução teve nas ciências naturais, através da obra de Charles Darwin.
Ademais, as ideias do filósofo Herbert Spencer e a experiência do colonialismo foram
fundamentais para o seu desenvolvimento. Um dos fatores fundamentais para a
aceitação da ideia de evolução era sua associação com a ideia de progresso, cuja
imagem mais comum é a de uma escada cujos degraus estão dispostos numa
hierarquia linear (CASTRO, 2005).
O evolucionismo veio como uma resposta contundente aos questionamentos
sobre a diversidade humana: nessa corrente, as diferenças culturais passaram a ser
tratadas como estágios históricos de um mesmo caminho evolutivo. Assim, toda
espécie humana constituía uma unidade psíquica essencial, contudo, em todas as
partes do mundo, a humanidade teria se desenvolvido em estágios sucessivos,
seguindo uma direção que ia do mais simples ao mais complexo.
Nessa perspectiva, o caminho evolutivo humano passava por um gradiente
que começava nos povos “selvagens” ou “tradicionais” e terminava nos europeus, os
“mais civilizados”. Assim, as populações “não-ocidentais” existentes no mundo eram
vistas como uma espécie de “museu vivo” da história humana, representando etapas
anteriores da trajetória universal do homem rumo à condição dos povos mais

23
avançados; eram tratados como exemplos vivos do que os povos da Europa haviam
sido no passado (BOAS, 2016).
Entre o período que vai de 1870 até a Primeira Guerra Mundial, o
evolucionismo foi a corrente hegemônica na antropologia. Em 1877, o norte-
americano Lewis Morgan publicou sua obra de maior impacto, intitulada A sociedade
Antiga, onde expõe sua investigação sobre as linhas do progresso humano. Nessa
obra, Morgan apresenta os estágios de desenvolvimento da humanidade a partir da
análise de cinco casos exemplares: os aborígenes australianos, os índios iroqueses,
os astecas, os gregos e os romanos. O autor contava com uma imensa quantidade
de dados sobre os sistemas de parentesco desses povos, visto que considerava o
tema do parentesco uma porta de entrada para os estudos da evolução social.
Morgan divide a humanidade em três grandes estágios da evolução cultural:
selvageria, barbárie e civilização (com três subestágios para a selvageria e para a
barbárie). Os critérios para essas divisões são substancialmente técnicos: os
selvagens eram caçadores coletores, o barbarismo estava associado à agricultura e
a “civilização” à formação do Estado e à urbanização. A seguir, vemos o quadro
esquemático sintético elaborado por Morgan (2016):

Quadro 1: O quadro esquemático sintético elaborado por Morgan


Períodos Condições
I. Período inicial de Status inferior de Da infância da raça humana até o começo do
selvageria selvageria próximo período
II. Período Status Da aquisição de uma dieta de subsistência à base
Intermediário de intermediário de de peixes e de um conhecimento do uso do fogo até
Selvageria selvageria etc.
III. Período final de Status superior de Da invenção do arco e flecha até etc.
selvageria selvageria
IV. Período Inicial de Status inferior de Da invenção da arte da cerâmica até etc.
barbárie barbárie
V. Período Status Da domesticação de animais no hemisfério oriental
intermediário de intermediário de e, no ocidental, do cultivo irrigado de milho e
barbárie barbárie plantas, com o uso de tijolos de adobe e pedras até
etc.
VI. Período final de Status superior de Da invenção do processo de fundir minério de ferro,
barbárie barbárie com o uso de ferramentas de ferro, até etc.
VII. Status de Status de Da invenção do alfabeto fonético, com o uso da
civilização civilização escrita, até o tempo presente.
Fonte: Morgan (2016, p. 14)

24
Vemos que Morgan vincula o desenvolvimento gradual das sociedades a
alguns critérios importantes: subsistência, governo, linguagem, família, religião,
arquitetura e propriedade. Tais critérios eram arbitrários, construídos a partir de
elementos que o autor considerava centrais em sua própria sociedade. É importante
ressaltar que Morgan não trabalhou em um vácuo intelectual, e sim inserido em um
contexto em que os estudos e interesses pelas culturas estavam em ascensão, e o
acesso aos dados empíricos crescia vertiginosamente graças ao colonialismo.

EDWARD TYLOR E JAMES FRAZER

Nessa seção, apresentaremos dois autores que, além de Morgan, tiveram


destaque importante durante o desenvolvimento do evolucionismo cultural na
antropologia: Edward Tylor e James Frazer. O antropólogo inglês Tylor publicou seu
principal livro, Cultura Primitiva, também em 1877, ano em que Morgan publicou seu
livro mais conhecido. Ainda que os dois autores se assemelhassem na primazia que
davam as condições materiais para asseverar a unidade psíquica da humanidade (e
também para diferenciá-la), Tylor estava preocupado em observar os sobreviventes
culturais. Sobreviventes eram traços culturais que haviam perdido suas funções
originais em sua sociedade de origem, mas que haviam sobrevivido por força do
hábito, sendo de grande valia para reconstruir a história da evolução humana,
permanecendo como provas e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que
evoluiu para uma mais recente. Nessa perspectiva, o autor apresenta a humanidade
como dividida em graus de cultura, de maneira que algumas sociedades eram
descritas como mais avançadas e outras menos.
Para Tylor, a antropologia deveria tomar as ciências naturais como referência,
ou seja, assim como um botânico estuda a distribuição geográfica e o
desenvolvimento das espécies de plantas, o antropólogo deveria pesquisar a respeito
dos detalhes das diferentes culturas e as peculiaridades de cada manifestação local:

25
os artefatos usados para fazer fogo, os instrumentos musicais, as flechas e demais
instrumentos de caça. Nas palavras de Tylor:

Um primeiro passo no estudo da civilização é dissecá-la em detalhes e, em


seguida, classificá-los em seus grupos apropriados. Assim, ao examinar as
armas, elas devem ser classificadas como lança, maça, funda, arco e flecha,
e assim por diante; … o trabalho do etnógrafo é classificar esses detalhes
com vistas a estabelecer sua distribuição na geografia e na história e as
relações existentes entre eles. Em que consiste essa tarefa é um ponto que
pode ser quase perfeitamente ilustrado comparando esses detalhes de
culturas com as espécies de plantas e animais tal como estudadas pelo
naturalista (BOAS, 2016, p. 76-77).

A partir disso, o autor adiciona uma proposição importante: após a observação


desses traços culturais, eles deveriam ser comparados entre si e classificados em
tipos. Essa tarefa constituiria o método comparativo, que se tornou importante para
o desenvolvimento da disciplina. Assim como faziam os naturalistas, o trabalho de
estudar a cultura consistia na classificação e na comparação taxonômica de itens
tomados de maneira isolada: tipos de casamento, de alimentação, de crença
religiosa, etc. (OLIVEIRA, 2018).

James Frazer foi um aluno de Tylor que se consagrou como célebre


evolucionista após a publicação de seu livro O Ramo de Ouro, de 1890. A obra foi
escrita a partir da compilação de literatura de viagem e relatórios do sistema colonial
inglês, e consiste em uma extensa investigação da história do mito, da religião e de
outras “crenças exóticas”, com exemplos tirados de todas as partes do mundo e de
vários momentos históricos. Apesar da riqueza monumental do livro, que estabeleceu

26
novas bases para os estudos sobre mitologia e religião, o autor não teve nenhum
contato direto com os povos que cita na obra.
Como muitos evolucionistas, Frazer acreditava em um modelo de evolução
cultural dividido em três etapas: primeiro, um estado primitivo “mágico”, seguido por
um estágio “religioso”, que dá lugar a um estágio final, o “científico”. Embora o autor
tratasse os ritos mágicos como irracionais e considerasse que os “primitivos”
baseavam sua vida em compreensões ilusórias sobre a natureza, seu principal
interesse era identificar padrões e traços universais no pensamento mítico. A partir
dessa ideia, o público inglês da época ficou escandalizado com a sugestão de que
certos elementos do cristianismo estavam relacionados a mitos e rituais pagãos.
Morgan, Tylor e Frazer entraram para a história da antropologia classificados
como autores evolucionistas. Embora dialoguem com essa corrente do pensamento
social, o evolucionismo aparece na obra de casa um deles com matizes particulares.
Em comum, os autores faziam parte de um projeto ambicioso de esboçar grandes
esquemas evolutivos, unilineares na intenção e universalistas nas pretensões; além
de compartilharem o objetivo de documentar a imensa amplitude da variação
sociocultural humana (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Contudo, os pressupostos evolucionistas foram muito criticados, nas duas
primeiras décadas do século XX, por antropólogos que preferiam explicar a
diversidade cultural humana a partir da ideia de difusão, e não da evolução.

DIFUSIONISMO

O difusionismo foi uma espécie de reação ao pensamento evolucionista, em


que uma série de autores defendeu a ideia de difusão cultural como chave
explicativa para a ocorrência de fenômenos culturais similares em diversas partes do
mundo. Ao estudar a distribuição geográfica e a migração de traços culturais, os
difusionistas advogavam que as culturas eram mosaicos de traços com várias origens
e histórias. Assim, as partes de uma cultura não estavam necessariamente ligadas a
um todo maior. O pressuposto evolucionista da unidade psíquica da humanidade, de
que a mente humana funcionava da mesma forma em toda parte, era confrontado
com a ideia de que a transmissão cultural ocorria através de diversos processos:
guerras, comércio, viagens, etc.

27
Assim como os evolucionistas, os difusionistas também se utilizavam dos
traços e sobreviventes culturais para reconstruir o passado, mas o passado não era
mais pensado como um movimento unilinear através de estágios bem definidos. A
histórica cultural era pensada como uma narrativa fragmentada de encontros
culturais, migrações, conflitos e influências. Eles sustentavam que a evolução cultural
não era unilinear e que não havia um elo determinista simples entre uma possível
complexidade tecnológica e a complexidade em outras áreas. Isso significa que um
povo com uma tecnologia simples poderia ter um sistema religioso altamente
sofisticado, assim como o inverso também poderia ocorrer.

Figura 4: Imagem da expedição Kon-Tiqui, realizada em 1947 pelo difusionista norueguês Thor
Heyerdahl,

Fonte: Museu Marítimo (2017, online)

28
29
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (SEEC-RN) Ao se voltar, mais uma vez, para a conquista de novos mercados além-
mar, a Europa passa a lidar com civilizações organizadas sob princípios diferentes
dos seus. A concepção evolucionista da biologia, transposta para as ciências
sociais, leva os cientistas europeus a olharem essas sociedades não europeias
como:

a) exemplos de sociedades evoluídas que não possuíam tecnologia competitiva,


sendo, por isso, passíveis de dominação.
b) exemplos de sociedades primitivas que se encontravam em um estágio de evolução
inferior ao europeu.
c) anômicas, pois se organizavam harmonicamente sob o princípio do politeísmo, da
poligamia e da divisão do trabalho social.
d) civilizações que se encontravam em um estágio tecnológico diferente do europeu,
instaurando uma visão mais relativista.
e) harmoniosas, na medida em que a resolução de seus conflitos sociais se dá por
meio da coerção.

2. (UNESP) Ao final do século passado, a dominação e a espoliação assumiam


características novas nas áreas partilhadas e neocolonizadas. A crença no
progresso, o darwinismo social e a pretensa superioridade do homem branco
marcavam o auge da hegemonia europeia. Assinale a alternativa que encerra, no
plano ideológico, certo esforço para justificar interesses imperialistas:

a) A humilhação sofrida pela China, durante um século e meio, é algo inimaginável


para os ocidentais.
b) A civilização deve ser imposta aos países e raças onde ela não pode nascer
espontaneamente.
c) A invasão de tecidos de algodão do Lancashire desferiu sério golpe no artesanato
indiano.

30
d) A diplomacia do canhão e do fuzil, a ação dos missionários e dos viajantes
naturalistas contribuíram para quebrar a resistência cultural das populações
africanas, asiáticas e latino-americanas.
e) O mapa das comunicações nos ensina: as estradas de ferro colocavam os portos
das áreas colonizadas em contato com o mundo exterior.

3. (SEE/SP – adaptado) Segundo Denys Cuche, a primeira definição etnológica de


cultura deve-se ao antropólogo Edward Tylor. Nela, ele retoma também o conceito
de civilização, de modo a conceber cultura e civilização como um conjunto
complexo que:

a) inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e os outros


instintos naturais do homem.
b) inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras
capacidades inatas ou hábitos adquiridos institivamente pelo homem enquanto
conquista dos períodos étnicos.
c) exclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as
outras capacidades do ser humano
d) exclui os conhecimentos adquiridos historicamente, mas sobretudo as artes, as
crenças, a moral, o direito, os costumes os hábitos adquiridos pelos homens em
situação de selvageria e barbárie.
e) inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras
capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade.

4. (SUDEP - adaptado) A teoria evolucionista marcou muitos estudos elaborados


desde o século XIX até o início do século XX. A partir do seu conhecimento em
Antropologia pode-se dizer que essa teoria considera que

a) as sociedades “primitivas” não eram testemunhos dos estados mais antigos das
sociedades ocidentais.
b) as sociedades tendem a evoluir em um mesmo ritmo, sem levar em consideração
suas particularidades para essa evolução;
c) os povos primitivos são verdadeiros museus vivos da história da humanidade,

31
representando estágios anteriores de seu desenvolvimento.
d) a sociedade ocidental é inferior às sociedades ditas primitivas, motivo pelo qual
vivem em menor harmonia com a natureza.
e) a evolução do homem era pensada em consonância com os discursos religiosos
do criacionismo.

5. O evolucionismo cultural teve um papel fundamental na constituição da


antropologia como ramo científico. Sobre essa corrente de pensamento, assinale o
que for correto

a) O evolucionismo define que as estruturas, naturais ou sociais, passam por processo


de diferenciação e integração que levam ao seu aprimoramento.
b) O evolucionismo propõe que a evolução das sociedades ocorre em estágios
sucessivos de aculturação.
c) O evolucionismo considera o Estado Militar como a forma mais evoluída de
organização social, fundamentada na cooperação interna e obrigatória.
d) O evolucionismo rejeita o modelo político e econômico liberal, baseado na livre
iniciativa e no laissez-faire, considerando-o uma orientação contrária à evolução
social
e) O evolucionismo defende a unidade biológica e cognitiva da espécie humana,
independente de variações particulares

6. (IFB – adaptado) A ampliação das conquistas coloniais no século XIX ampliou


também os horizontes geopolíticos, e essa realidade se apresentava como solo
fértil para o pensamento social. Houve, então, uma efervescência na produção de
teorias sobre as sociedades descobertas. Constituindo as primeiras grandes obras
da antropologia evolucionista, títulos como: “A Cidade Antiga”; “A Sociedade
Antiga”; “Cultura Primitiva” e “O Ramo de Ouro” datam deste período. Sobre a
autoria dessas obras, é possível afirmar que foram escritas, respectivamente, por:

a) Antenor Firmin, Tylor, Lewis Morgan e Fustel de Coulanges.


b) Lewis Morgan, Montagne, James Frazer e Tylor.
c) Fustel de Coulanges, James Frazer, Lewis Morgan e Tylor.

32
d) James Frazer, Montagne, Lewis Morgan e Tylor.
e) Fustel de Coulanges, Tylor, Lewis Morgan, Tylor e James Frazer.

7. Segundo a perspectiva do ___________, qualquer cultura poderia ser estudada


segundo princípios gerais, tornando-se via de acesso às leis gerais do pensamento
e da ação humana. Essas, por sua vez, deveriam ser analisadas pela comparação
entre culturas compreendendo, dessa forma, a evolução das mesmas.

Complete a lacuna com a opção correta

a) evolucionista Tylor
b) evolucionista Frazer
c) difusionista Tylor
d) evolucionista Morgan
e) difusionista Frazer

8. Classifique as afirmações sobre o esquema evolutivo de Morgan com V


(verdadeiro) ou F (falso)

(X) A invenção da arte da cerâmica está relacionada ao período da selvageria.


(X) O uso da escrita está relacionado ao status de civilização.
(X) A domesticação de animais faz parte do período da barbárie.
(X) O uso do arco e flecha é um marco do período final da barbárie.

Assinale a sequência correta:


a) F-V-F-F
b) V-V-F-F
c) V-V-V-F
d) F-V-V-F
e) F-F-V-V

33
A INFLUÊNCIA DOS UNIDADE
CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

Três pensadores modernos ficaram conhecidos como os pais fundadores da


sociologia: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Contudo, os três tiveram
impactos nas ciências humanas de forma mais ampla. Nessa unidade, discutiremos
brevemente a influência do pensamento desses autores na constituição da
antropologia, com o intuito de pensar as diferentes áreas das ciências sociais de
forma articulada.
Foi a partir da obra de Marx, Durkheim e Weber que as ciências sociais se
configuraram como um campo de conhecimento com métodos e objetivos próprios.
Valores, instituições e práticas que eram consideradas desde um ponto de vista supra
histórico passam a ser entendidos como frutos da interação humana. Com o tempo,
nenhum tema seria considerado menos nobre ou escaparia ao desejo de
entendimento: o Estado, as religiões, os povos tribais, a família, a sexualidade, o
mercado, o mundo do trabalho, a justiça, a violência, etc. Assim, a sociologia e a
antropologia nasceram no cerne de turbulentas mudanças sociais, enquanto modos
de interpretação convocados a explicar novas relações sociais e cenários “caóticos”
que pareciam atravessar a sociedade (QUINTANEIRO, 2002).

KARL MARX

Karl Marx (Figura 5) se formou em filosofia antes de se dedicar a uma carreira


como teórico social, editor, jornalista, organizador trabalhista e revolucionário. Ele se
envolveu ativamente com os movimentos revolucionários que impactaram a Europa
em 1848-1849, e na Comuna de Paris em 1870, ficando conhecido como uma das
figuras mais importantes do movimento operário internacional. Marx escreveu sua
obra no século XIX, um contexto em que o pensamento social procurava estabelecer
leis que regessem o funcionamento da sociedade, com o intuito de dar caráter
científico às reflexões produzidas. A pretensão cientifica daquele momento era

34
aplicar ao estudo das sociedades o critério das ciências. Assim, quando Marx utilizou
o termo socialismo para definir seu posicionamento teórico e político, agregou a ele
o adjetivo “científico”. Em O Capital, de 1867, uma de suas obras mais importantes,
o autor busca apresentar as leis que regiam o funcionamento das sociedades
capitalistas. A perspectiva marxista está centrada nos modos de produção,
reconhecendo que os regimes de propriedade e as relações de trabalho modificam
as sociedades (OLIVEIRA, 2018).

Figura 5: Karl Marx

Fonte: Mayall (1875, online)

A ideia de um processo evolutivo marcado por uma sucessão de estágios foi


extremamente profunda no pensamento do século XIX. Mesmo abordagens
analíticas que não se enquadravam sob o escopo do evolucionismo trabalharam com
essa perspectiva. O materialismo dialético desenvolvido por Marx, por exemplo, que
analisava a história das sociedades humanas por meio de uma série de modos de
produção econômica, anunciava a passagem de formas de propriedades comunais
para a propriedade privada capitalista, a passagem do campo para a cidade, a
passagem do trabalho coletivo para o trabalho alienado.
Junto a seu companheiro Friedrich Engels, Marx tentou integrar as ideias de
Morgan em sua própria teoria evolucionária. Como a propriedade era vista por
Morgan como um ponto decisivo para o surgimento da civilização, sua obra teve
impacto posterior importante nas ideias marxistas sobre o desenvolvimento do
capitalismo. Segundo os autores:

35
De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em
última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Mas essa
produção e essa reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de
meios de existência, de produtos alimentícios, habitação e instrumentos
necessários para tudo isso; de outro lado, a produção do homem mesmo, a
continuação da espécie. A ordem social em que vivem os homens de
determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas
espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um
lado; e da família, de outro (ENGELS, 1984, p. 02)

Nas poucas passagens de sua vasta obra em que Marx e Engels dedicaram
atenção às chamadas sociedades tribais, os autores relacionaram a organização do
parentesco e a emergência do Estado antigo com a produção dos meios de vida e a
organização da sociedade. Essa discussão, organizada no volume A Origem da
Família, da Propriedade Privada e do Estado, de 1884, repercutiu na antropologia
durante muito tempo, de formas múltiplas e indiretas.

https://bit.ly/3gf0OwK

ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim (Figura 6) foi um personagem fundamental na


institucionalização da sociologia enquanto disciplina na França, tendo ocupado a
primeira cátedra com esse nome, em 1906, na Sorbonne, renomada universidade
parisiense. Embora nunca tenha se apresentado como antropólogo, o autor aparece
com destaque também na história da antropologia por conta dos estudos que fez a
partir da bibliografia disponível à época sobre os povos “primitivos”. Ademais, ele
deixou uma marca importante na disciplina ao orientar seu sobrinho Marcel Mauss,
que se tornou um expoente da antropologia francesa.

36
Figura 6: Émile Durkheim

Fonte: Mendes (2008, online)

Para Durkheim, a teoria social deveria tratar dos fatos sociais. Nessa
perspectiva, explicar sociologicamente um fato não é explicar suas origens, pois essa
tarefa caberia à história, mas estabelecer suas relações com os diferentes domínios
da sociedade. Diferentemente tanto dos difusionistas como dos evolucionistas,
Durkheim não tinha um interesse particular pelas origens da humanidade. Ele
procurava mais explicações sincrônicas do que diacrônicas.

Assim como os difusionistas, mas diferentemente dos evolucionistas,


Durkheim estava empenhado em fundamentar sua reflexão em dados observáveis
empiricamente, em geral quantificáveis. Diferentemente dos difusionistas, porém, ele
estava convencido de que as sociedades eram esquemas lógicos, integrados, em
que todas as partes eram dependentes umas das outras e trabalhavam juntas para

37
manter o todo. O autor consagrou a análise social através de metáforas organicistas,
ou seja, concebendo a sociedade como um organismo social, uma analogia entre
os sistemas funcionais do corpo e da sociedade (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Em suas análises, Durkheim deixava de lado as questões de estágios de
evolução e justapunha sociedades tradicionais e modernas sem postular que as
primeiras necessariamente evoluiriam para as segundas. As sociedades ditas
primitivas não eram tratadas como sobreviventes de um passado nebuloso nem
passos em direção ao progresso, mas organismos sociais que mereciam ser
estudados por seu valor intrínseco. Em seu livro A Divisão Social do Trabalho (1979),
Durkheim concentra-se no estudo da diferença entre organizações sociais simples e
complexas. Na perspectiva do autor, as sociedades simples se baseiam na
solidariedade mecânica: as pessoas apoiam a ordem social existente e umas às
outras porque tem a mesma vida em comum, realizam as mesmas atividades e se
percebem semelhantes. Por outro lado, as sociedades complexas se baseiam na
solidariedade orgânica, ou seja, pela percepção que as pessoas têm uma das
outras como diferentes, com papeis complementares. Cada pessoa realiza uma
tarefa distinta que contribui para o todo, criando laços de interdependência. Contudo,
Durkheim faz mais do que postular um contraste entre os europeus e “os outros”, na
medida em que defende que as duas formas de solidariedade devem ser entendidas
como princípios gerais de interação social, que coexistem na maioria das sociedades.
A última obra de Durkheim, As Formas Elementares da Vida Religiosa,
publicada em 1915, foi sua contribuição de maior impacto para a antropologia. No
livro, ele argumenta que a religião atua como uma representação coletiva importante
para gerar solidariedade nas sociedades, a partir da construção de imagens,
símbolos e modelos comuns aos grupos sociais. Para elaborar proposições sobre
religiosidades elementares, Durkheim analisa dados e relatos sobre os rituais das
sociedades aborígenes australianas. Na época, esses povos eram usualmente
considerados como as sociedades mais “primitivas” existentes, dentro da perspectiva
evolucionista então predominante. Por isso, eram tomadas como o exemplo de
sociedades mais simples, menos diferenciadas e de menor complexidade social. A
partir da análise de ritos e símbolos religiosos dos aborígenes, Durkheim argumenta
que embora esses elementos se desenvolvam através de relações interpessoais,
eles adquirem um caráter objetivo supraindividual. Assim, as religiões atuam como

38
entidades morais, com poder sobre as emoções das pessoas.
Durkheim explora o apego emocional dos indivíduos a representações
coletivas através da análise dos rituais (como o casamento, mostrado na Figura 7).
O ritual seria a forma através da qual esse apego é expressado e representado
através da interação física, de forma que a solidariedade se torna uma experiência
direta, corporal. O ritual seria um momento especial, que separa da vida cotidiana
profana, traçando um círculo de excepcionalidade em torno do seu próprio domínio
sagrado.

Figura 7: Casamento Religioso (Cristão)

Fonte: Correa (2016, online)

A religião e os rituais foram interesses primordiais e perenes do pensamento


antropológico, e sua grande variedade de formas empíricas foi amplamente
documentada. A perplexidade diante de símbolos e crenças consideradas exóticas
foi o motor de grande parte da pesquisa antropológica. Ademais, o problema da
compreensão da integração social em sociedades que não apresentavam Estado foi
uma preocupação importante para os evolucionistas. Nesse sentido, Durkheim deu
um passo adiante ao oferecer uma ferramenta analítica que integrava todos esses
interesses: o “exótico” poderia ser compreendido como um sistema integrado de

39
representações coletivas cuja função era criar solidariedade social (Eriksen &
Nielsen, 2012). Suas contribuições sobre o estudo das religiões e também dos
sistemas de parentesco tiveram ecos importantes no pensamento antropológico.

MAX WEBER

Max Weber (Figura 8) publicou em 1905 o livro que muitos consideram como
sua obra de maior importância: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. O
autor herdou de Marx o interesse pelo capitalismo ocidental como grande tema de
investigação, estudando-o da perspectiva histórica, econômica, ideológica e
sociológica. Contudo, Weber criticava o monismo causal que o materialismo marxista
pode adquirir em suas formas vulgares, defendendo que, assim como os fatores de
ordem material e econômica, as ideias cobram força na explicação sociológica
(QUINTANEIRO, 2002).

Figura 8: Max Weber

Fonte: Fundação Editora da Unesp (2017, online)

Para dar carne e osso a suas teorizações, ele demonstra como o calvinismo
foi uma das múltiplas razões da ascensão do capitalismo. A partir de um pensamento
afeito a complexidade dos fenômenos sociais, Weber argumenta que o
protestantismo, de uma maneira geral, formulou uma ideologia afinada com a ética
capitalista. Nessa perspectiva, os valores religiosos podem ser tão importantes
quanto o modelo de organização econômica para a análise social, na medida em que
os valores protestantes possibilitaram a aceitação de ideias essenciais para o
desenvolvimento capitalista, tais como os juros e a poupança.
As análises weberianas são baseadas na hermenêutica, nome dado a

40
vertente filosófica que tem como objetivo compreender e interpretar o ponto de vista
de uma pessoa ou de uma cultura. Essa intenção interpretativa motivou Weber a
pesquisar as motivações por trás das ações: como determinados modos de agir
poderiam fazer sentido para os indivíduos, apreendendo seus motivos, as escolhas
com as quais eles se defrontam e as respostas que seriam naturais em face das
circunstancias de suas vidas. Interessa-lhe não o sistema ou o todo, mas o fato de
que, quando indivíduos fazem coisas, eles têm razoes concretas para fazê-las. Nessa
perspectiva, Weber é um dos primeiros representantes do que mais tarde se
chamaria de individualismo metodológico. Como seus contemporâneos, os
difusionistas, ele se opunha a esquemas teóricos abstratos, distantes da experiência.
(ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Se Durkheim sustenta que os fenômenos sociais devem ser estudados como
coisas, e defende que os indivíduos são mais produtos da sociedade do que seus
produtores, Weber, de certa forma, inverte esses vetores, ao propor o estudo dos
valores que orientam as ações e as ideias. De forma correlata, se Marx defende que
a mudança social não surge a partir de indivíduos e suas vontades, mas a partir de
conflitos estruturais de classe de movimento lento no seio do sistema social, Weber
concentra-se nos efeitos das estratégias individuais e coletivas para alcançar o poder.
Assim, na perspectiva weberiana, a sociedade é um esforço mais individual e menos
coletivo do que para Marx ou para Durkheim, que podem ser classificados como
coletivistas metodológicos. Para Weber, a sociedade não é uma ordem moral dada
coercitivamente, como em Durkheim, e também não é produto de forças coletivas
determinadas pela distribuição dos modos de produção, como em Marx. A sociedade
é uma ordem complexa, gerada quando diferentes pessoas e grupos com diferentes
interesses e valores se encontram e tentam (em última análise pela força) chegar a
uma espécie de acordo.

41
Pode-se dizer que o legado de Weber sobre a antropologia foi menos direto
que o de Durkheim, visto que seu impacto sobre a disciplina ocorreu em grande parte
apenas após a II Guerra Mundial. Ainda assim, é necessário lembrar da originalidade
e do refinamento das reflexões de Weber. A maneira como interpretou o
desenvolvimento histórico do Ocidente, como uma marcha orientada por ideais de
racionalidade, representa um avanço em termos de precisão metodológica orientada
para a compreensão do outro e duas suas ações.

42
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Enumere a segunda coluna a partir dos seus respectivos autores, enumerados na


primeira coluna. Posteriormente, marque a sequência correta:

1. Karl Marx
2. Max Weber
3. Êmille Durkheim

(X) Racionalidade
(X) As Formas Elementares da Vida Religiosa
(X) Materialismo Histórico
(X) Hermenêutica

a) 3, 2, 3, 1;
b) 2, 2, 1, 3;
c) 1, 3, 3, 2;
d) 3, 3, 1, 2;
e) 2, 3, 1, 2.

2. (UFMA) Os principais fatos histórico-sociais que propiciaram o surgimento da


sociologia foram:

a) a Revolução dos cravos em Portugal e a Revolução Moçambicana.


b) a Revolução Industrial e a Revolução Francesa.
c) a Revolução Russa e a Revolução Chinesa.
d) a Revolução Mexicana e a Revolução Nicaraguense.
e) a Revolução Cubana e a Revolução Chinesa.

3. (UEM) Sobre a relação entre a revolução industrial e o surgimento da sociologia


como ciência, assinale o que for correto

43
a) A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu a uma grande
concentração da população no ambiente urbano, o qual acabou se constituindo em
laboratório para o trabalho de intelectuais interessados no estudo dos problemas
que essa nova realidade social gerava.
b) A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades
gerou uma série de problemas modernos, que passaram a demandar investigações
visando à sua resolução ou minimização.
c) Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos provocados pela
revolução industrial compartilhavam uma perspectiva positiva sobre os efeitos do
desenvolvimento econômico baseado no modelo capitalista.
d) Os conflitos entre capital e trabalho, potencializados pela concentração dos
operários nas fábricas, foram tema de pesquisa dos precursores da sociologia e
continuam inspirando debates científicos relevantes na atualidade.
e) A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas e indústrias
do século XIX inserissem sociólogos em seus quadros profissionais para atuarem
no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes e produtivos.

4. De acordo com Émile Durkheim, os fatos sociais moldam o comportamento dos


indivíduos em sociedade. Os fatos sociais são definidos pelo autor como sendo:

a) Exteriores ao indivíduo, racionais e generalizados.


b) Generalizados, expressivos e naturais.
c) Exteriores ao indivíduo, coercitivos e generalizados.
d) Coercitivos, naturais e racionais.
e) Escolhas racionais dos indivíduos.

5. A sociologia, para Durkheim, deveria ocupar-se do estudo das sociedades no intuito


de:

a) conhecer a fundo o ser humano e suas diversas facetas perante a sua interação
com o outro, priorizando sua individualidade.
b) Entender a fundo os processos sociais que formam a realidade social do Homem,
atentando principalmente aos aspectos gerais, e não aos individuais.

44
c) Descobrir e tratar todos os males humanos que afligem a sociedade, tendo como
objetivo a formação de uma raça humana perfeita.
d) A criação de uma seita científica, com o objetivo de construir o verdadeiro
conhecimento em busca da perfeição humana.
e) A organização da classe trabalhadora e o entendimento das relações sociais de
poder forjadas pela distribuição dos meios de produção.

6. Duas expressões que podem ser usadas para caracterizar e distinguir os métodos
sociológicos desenvolvidos por Émile Durkheim e Max Weber, respectivamente,
são:

a) romantismo e coletivismo.
b) hermenêutica e construtivismo.
c) holismo e individualismo.
d) difusionismo e empirismo.
e) idealismo e materialismo.

7. (SEDU-ES) Complete as lacunas do trecho abaixo:


[...] O capítulo o “Iluminismo como mistificação das massas” abre com uma
refutação de suas teses sociológicas. Com efeito, _________ pensava que o
crescimento da divisão do trabalho levaria a um processo de diferenciação social
que só poderia ser integrado ao todo social no seio de um novo tipo de
solidariedade, a solidariedade _________.
(Adaptado de: ORTIZ, R. A Escola de Frankfurt e a Questão da Cultura, RBCS, n. 1, vol. 1, jun.
1986)

a) Weber − solidariedade orgânica.


b) Durkheim − solidariedade mecânica.
c) Marx − solidariedade mecânica.
d) Durkheim − solidariedade orgânica.
e) Weber − solidariedade mecânica.

8. Complete as lacunas do trecho abaixo:

45
O antropólogo evolucionista ________ influenciou os escritos de Karl Marx, por
tratar a propriedade privada como um elemento importante no esquema
evolucionário da humanidade. A sistematização do desenvolvimento das relações
de produção ao longo do tempo foi importante para a explanação do _________.

a) Tylor – materialismo histórico.


b) Morgan – romantismo.
c) Frazer – difusionismo.
d) Tylor – evolucionismo.
e) Morgan – materialismo histórico

46
A ESCOLA AMERICANA DE UNIDADE
ANTROPOLOGIA

FRANZ BOAS E O CULTURALISMO

Franz Boas ficou conhecido como um dos fundadores da antropologia


moderna. Nascido na Alemanha, estudou física e interessou-se também por
geografia e antropologia física. Em 1883, Boas passou cerca de um ano na ilha de
Baffin, no Canadá, estudando os esquimós e seu modo de vida. Em 1886, mudou-se
para os Estados Unidos, onde realizou a maior parte de sua produção intelectual e
orientou alunos que consolidaram a escola estadunidense de antropologia. Junto a
colegas e alunos ele realizou uma série de expedições entre os nativos norte-
americanos, principalmente entre os Inuítes e os Kwakiutls, que passaram a ser seu
foco principal de pesquisa.
A partir de suas investigações, Boas elaborou formulações críticas ao
evolucionismo, defendendo que cada cultura contém em si seus próprios valores e
sua própria história particular. Ao contrário dos autores evolucionistas, que usavam
as palavras cultura e sociedade humana no singular, ele passou a falar em culturas,
no plural. Nesse sentido, o objetivo da antropologia boasiana deixava de ser a
reconstituição do grande caminho linear da evolução humana, e se tornava a
compreensão de culturas particulares, com suas especificidades. Segundo o autor, o
importante passava a ser o estudo detalhado de costumes em sua relação com a
cultura total da “tribo” que os pratica (BOAS, 2016).
Essa perspectiva, que enxerga valor intrínseco na pluralidade das práticas
culturais no mundo, ficou conhecida como particularismo histórico. O trecho do
texto de Boas a seguir sintetiza parte das ideias que defendia:

Quando se trata desse problema – o mais difícil da antropologia –, assume-


se o ponto de vista de que, se um fenômeno etnológico desenvolveu-se
independentemente em vários lugares, esse desenvolvimento é o mesmo
em toda parte; ou, dito de outra forma, que os mesmos fenômenos
etnológicos devem-se sempre às mesmas causas. Isso leva à generalização
ainda mais ampla de que a semelhança de fenômenos etnológicos
encontrados em diversas regiões é prova de que a mente humana obedece
às mesmas leis em todos os lugares. É óbvio que essa generalização não

47
se sustentaria, caso desenvolvimentos históricos diferentes pudessem
conduzir aos mesmos resultados. Sua existência apresentaria para nós um
problema inteiramente diverso: como desenvolvimentos culturais tão
frequentemente levam ao mesmo resultado? É preciso compreender com
clareza, portanto, que, quando compara fenômenos culturais similares de
várias partes do mundo, a fim de descobrir a história uniforme de seu
desenvolvimento, a pesquisa antropológica supõe que o mesmo fenômeno
etnológico tenha se desenvolvido em todos os lugares da mesma maneira.
Aqui reside a falha no argumento do novo método, pois essa prova não pode
ser dada. Até o exame mais superficial mostra que os mesmos fenômenos
podem se desenvolver por uma multiplicidade de caminhos. Darei alguns
exemplos. Tribos primitivas são quase universalmente divididas em clãs que
possuem totens. Não pode haver dúvida de que essa forma de organização
social surgiu repetidas vezes de modo independente. Certamente justifica-
se a conclusão de que as condições psíquicas do homem favorecem a
existência de uma organização totêmica da sociedade, mas daí não decorre
que toda sociedade totêmica tenha se desenvolvido em todos os lugares da
mesma maneira. O dr. Washington Matthews acredita que os totens dos
Navajo tenham se originado pela associação de clãs independentes. O
capitão Bourke presume que ocorrências similares deram origem aos clãs
dos Apache; e o dr. Fewkes chegou à mesma conclusão com relação a
algumas tribos Pueblo. Por outro lado, temos prova de que os clãs podem
se originar por divisão. Eu mostrei que tais eventos ocorreram entre os índios
da costa norte do Pacífico. Associação de pequenas tribos, por um lado, e
desintegração de tribos que aumentaram de tamanho, por outro, têm levado
a resultados que em tudo parecem idênticos. Para dar outro exemplo:
investigações recentes sobre arte primitiva têm mostrado que os desenhos
geométricos originaram-se algumas vezes de formas naturalistas que foram
gradualmente convencionalizadas, outras vezes, a partir de motivos
técnicos, e ainda em outros casos, eram geométricos desde a origem, ou
que derivaram de símbolos. As mesmas formas se desenvolveram a partir
de todas essas fontes. Com base em desenhos representando diversos
objetos surgiram, no curso do tempo, gregas, meandros, cruzes, etc.
Portanto, a ocorrência frequente dessas formas não prova nem uma origem
comum, nem que elas tenham sempre se desenvolvido de acordo com as
mesmas leis psíquicas. Pelo contrário, o mesmo resultado pode ter sido
alcançado por quatro linhas diferentes de desenvolvimento e de um número
infinito de pontos de partida [...].Esses poucos dados bastam para mostrar
que o mesmo fenômeno étnico pode se desenvolver a partir de diferentes
pontes. Quanto mais simples o fato observado, mais provável é que ele
possa ter se desenvolvido de uma fonte aqui e outra ali. Desse modo,
reconhecemos que a suposição fundamental tão frequentemente formulada
pelos antropólogos modernos não pode ser aceita como verdade em todos
os casos. Não se pode dizer que a ocorrência do mesmo fenômeno sempre
se deve às mesmas causas nem que ela prove que a mente humana
obedece às mesmas leis em todos os lugares. Temos que exigir que as
causas a partir das quais o fenômeno se desenvolveu sejam investigadas, e
que as comparações se restrinjam àqueles fenômenos que se provem ser
efeitos das mesmas causas. Devemos insistir para que essa investigação
seja preliminar a todos os estudos comparativos mais amplos. [...] Vimos que
os fatos não favoreceram absolutamente a suposição da qual aqui falamos;
muito pelo contrário, eles apontam na direção oposta. Dessa maneira,
devemos também considerar que todas as engenhosas tentativas de
construção de um grande sistema da evolução da sociedade têm valor muito
duvidoso, a menos que se prove também que os mesmos fenômenos
tiveram sempre a mesma origem. Até que isso seja feito, o pressuposto mais
aceitável é que o desenvolvimento histórico pode ter seguido cursos variados
(BOAS, 2016, p. 36-38)

48
A partir das formulações de Boas, vemos que o autor defendia que cada
cultura continha seus próprios valores e sua própria histórica única que, em alguns
casos, poderia ser reconstituída pelos antropólogos. Desse modo, ele sustenta uma
desconfiança das generalizações grandiosas e dos perigos da teorização vazia,
buscando identificar as circunstâncias singulares que que haviam gerado culturas
particulares. Boas também se mostrava cauteloso com o uso da comparação, que
com muita facilidade estabelecia semelhanças artificiais entre sociedades
fundamentalmente diferentes (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).

CULTURA E PERSONALIDADE

Para dar um efeito de continuidade ao trabalho de Boas na antropologia norte


americana, daremos um salto cronológico até 1930, período em que seus alunos e
alunas asseguraram a continuação de seu programa disperso de documentação e
análise das culturas particulares. Se Boas alimentava interesses bem abrangentes,
seus alunos tendiam à especialização: cada um seguiu uma parte do projeto global
de seu mentor. É importante ressaltar que as mais célebres representantes da
herança boasiana foram mulheres, em uma época em que o trabalho acadêmico
ainda era domínio tipicamente masculino. Destacaremos o trabalho de três de suas
orientandas Ruth Benedict, Zora Neale Hurston, e, no tópico seguinte, Margareth
Mead. Elas compuseram uma corrente da antropologia estadunidense de orientação

49
mais psicológica, chama de Cultura e Personalidade. Benedic e Mead
conquistaram amplo reconhecimento, e seus livros eram lidos por um público grande
e diverso, enquanto Hurston não alcançou a mesma visibilidade na antropologia,
ficando mais conhecida por suas obras no campo da literatura.
As autoras se concentravam nas relações entre fatores psicológicos, tais
como personalidade, emoções e caráter (conceitos em voga na discussão das
ciências psi naquele momento), e nas condições culturais, como socialização,
papéis de gênero e valores. O problema fundamental dessa escola do pensamento
antropológico era o de saber até que ponto as características mentais humanas são
inatas e até que ponto são adquiridas. Boas havia sustentado que a quantidade de
variação cultural entre os seres humanos é uma forte indicação de que a cultura não
é inata, e suas alunas também eram coerentemente culturalistas em suas
orientações.
Como a maioria dos antropólogos estadunidenses da época, Ruth Benedict
realizou alguns trabalhos de campo entre os índios norte-americanos, de onde tirou
grande parte do material que utilizou para escrever o livro Padrões de Cultura, de
1934. Na obra, Benedict realiza um contraste empírico entre duas tribos: os Zuhnis e
os Kwakiutls, desenvolvendo a ideia de que a cultura pode ser analisada como uma
espécie de padrão macropsicológico. Por um lado, os Zuhnis eram descritos como
tendo forte solidariedade grupal, laços políticos comunitários, rituais discretos e uma
educação branda de suas crianças. De outro, os Kwakiutls eram retratados como
competitivos, individualistas, de ritos exagerados e dramáticos e de pedagogia mais
agressiva. Em vez de catalogar a substância da cultura, Benedict procurava
identificar a configuração da personalidade coletiva dos povos, o “estilo emocional”
ou a “estética” com que cada cultura permeava a ação, a emoção e o pensamento.
Ela chamava essa “personalidade cultural” de ethos. Ao afirmar que emoções e
cultura estão interligadas a autora deu um passo radical, visto que a cultura era
majoritariamente tratada como um elemento coletivo enquanto as emoções eram
consideradas como vivências individuais. As emoções eram tradicionalmente vistas
como não tendo nenhuma relação com a sociedade de uma forma mais ampla e,
além disso, eram tomadas como vagas, femininas e não cientificas. Benedict, pelo
contrário, defendia que padrões de emoção também podiam ser compartilhados, que
também faziam parte da cultura (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).

50
Ainda que suas formulações iniciais sobre o ethos tenham advindo de
pesquisas sobre os nativos norte-americanos, uma das obras mais célebres de
Benedict é O Crisântemo a Espada, de 1946, onde descreve as tensões psicológicas
da cultura japonesa, entre a violência brutal e o estetismo delicado, estabelecendo
relações envolventes com a cultura norte americana. O livro foi escrito durante a
Segunda Guerra Mundial, quando Bendict dedicou-se a delicada missão de escrever
uma espécie de relatório sobre a cultura e o caráter nacional japonês. Ela não chegou
a fazer pesquisa de campo presencial no Japão, mas entrevistou veteranos
japoneses, assistiu a filmes e programas de TV e explorou a literatura japonesa,
resultando em um texto que descreve suas formas de pensar e seus valores. A partir
da década de 1980, esse livro gerou uma série de debates sobre as questões éticas
no exercício da antropologia, questionando sobre seus possíveis agenciamentos
imperialistas e militares.
Outra aluna importante de Boas foi Zora Neale Hurston, que escreveu tanto no
campo da antropologia quanto no da literatura, entre as décadas de 1930 e 1950. No
que concerne ao campo da antropologia, a autora desenvolveu um importante
trabalho em relação ao estudo das religiosidades de matriz africana no sul dos
Estados Unidos e na América Central. Além disso, escreveu, em 1938, a biografia de
Cudjo Lewis, última pessoa viva nos Estados Unidos a atravessar o atlântico como
escravizado. Contudo, suas contribuições foram constantemente deixadas em
segundo plano no decorrer do desenvolvimento do campo disciplinar.
Como mulher negra, a atuação de Hurston colocou em questão os modos de
se fazer pesquisa dos cânones acadêmicos brancos e masculinos que pautavam a
antropologia. A autora contrariava os padrões estabelecidos escrevendo na primeira
pessoa e mesclando marcas de oralidade, típicas da fala da população afro-
americana, com uma escrita formal. Nesse sentido, as obras de Hurston foram vistas

51
como distantes das normas convencionadas para a realização de uma antropologia
séria e adequada para os padrões da época, o que contribuía para que seus textos
fossem taxados como pouco antropológicos. A própria autora também aponta que seu
não reconhecimento enquanto uma antropóloga “séria” teria sido influenciado por um
movimento de resistência à profissionalização das mulheres em geral (LOURENÇO,
2019).

MARGARETH MEAD

A mais célebre das orientandas de Boas foi Margareth Mead, que vendeu uma
quantidade impressionante de livros para um público amplo, e encheu auditórios em
suas palestras. Sua escrita acessível e sua capacidade de instigar a identidade
pessoal e cultural do leitor com contrastes surpreendentes e comparações
impressionantes lhe garantiu o posto de sucessora direta, visto que assumiu a
cátedra de Boas após a morte do mestre.
Sua fama se estabeleceu já no início de sua carreira, quando publicou artigos
sobre a adolescência em “sociedades tribais”. Nesses trabalhos, Mead explorava a
ideia de que as formas pelas quais periodizamos a vida - com infância, adolescência,
adultez e velhice – são socialmente construídas e culturalmente variáveis. A partir de
seus estudos iniciais, feitos entre jovens na Samoa, a autora desnaturaliza a ideia
americana de que a adolescência constituía uma fase de questões psicológicas
universais. Se a adolescência estadunidense era comumente representada como
uma fase invariavelmente difícil, de crise e rebeldia, Mead mostra como entre as
samoanas aquele momento era vivido com certa tranquilidade e liberdade, sobretudo
liberdade sexual. A autora mostra como as adolescentes samoanas valorizavam
socialmente comportamentos completamente diferentes de suas equivalentes norte-
americanas (OLIVEIRA, 2018).
Contudo, a obra mais conhecida de Mead, foi Sexo e Temperamento,
publicado em 1935. No livro, a autora apresenta um estudo em que compara a
criação de crianças em três sociedades diferentes na região da Nova Guiné: os
Arapesh, os Mundugumor e os Tchambuli. Mead se deu conta de que, em diferentes
contextos, homens e mulheres desempenhavam funções diversas na criação das
crianças e na vida social de uma forma geral. Sua pesquisa comparativa de

52
personalidades nessas diferentes culturas constatou que, entre os Arapesh, homens
e mulheres atuam de forma evidentemente feminina: ambos são maternais, passivos,
carinhosos e gentis. Por sua vez, entre os Mundugumor, tanto os homens como as
mulheres agem de forma predominantemente masculina: são violentos, agressivos,
competitivos e hostis. E, entre os Tchambuli, observou uma inversão dos papéis
convencionados masculinos e femininos, ou seja, as mulheres dirigem e dominam,
enquanto os homens são submissos, passivos e dependentes emocionalmente das
mulheres. O trecho da autora a seguir conta sobre as relações entre homens e
mulheres Tchambuli

Apesar dos Tchambuli serem patrilineares em sua organização, apesar de


haver poliginia e do homem pagar pela esposa – duas instituições que
popularmente se afiguram a degradar as mulheres – são as mulheres, entre
os Tchambuli, que detêm a verdadeira posição de poder na sociedade.
Quanto à alimentação, o povo depende da pesca das mulheres. Os homens
nunca pescam, a menos que um cardume apareça de repente no lago,
quando saltam das canoas com o espírito jovial e lanceiam alguns peixes.
Ou nas cheias, quando a estrada da praia se transforma num canal, pescam
um pouco por esporte à luz das tochas. Mas o verdadeiro negócio da pesca
é inteiramente controlado pelas mulheres. Em troca do peixe obtem sagu,
taioba, noz de areca. A manufatura mais importante, os mosquiteiros dois
duas quais compram uma canoa comum, é totalmente produzida pelas
mulheres. Os habitantes do médio Sepik compram estes mosquiteiros; na
realidade a procura é tanta que os compradores os reservam muito antes de
estarem terminados. E as mulheres controlam os lucros em kinas e talibun,
e permitem aos homens efetuar compras, tanto de alimentos no mercado,
como no transacionar dos mosquiteiros. Os homens convertem estas
viagens de compras numa ocasião de gala; quando esse homem é
incumbido das negociações finais por um dos mosquiteiros de suas esposas,
parte resplandecente, ornado de penas e conchas, para passar alguns dias
deliciosos à custa da transação. Hesita e negaceia, avança aqui e retrocede
ali, aceita este talibun e rejeita aquele, pede para ver um kina mais delgado
e outro mais bem cortado, insiste em trocar metade dos artigos de compra
depois de espalhados, faz uma verdadeira orgia de escolha, tanto quanto
uma mulher moderna, com um bolsa recheada, espera fazer numa viagem
de compras numa grande cidade. Contudo, somente com o consentimento
da esposa, ele pode gastar os itens que traz de volta de suas férias. Acertou
com jeito um bom preço com o comprador; ainda lhe resta conseguir com
jeito, com a esposa, parte do preço. Desde a meninice, é esta a atitude dos
homens no que toca à propriedade. A verdadeira propriedade, aquela que o
homem realmente possui, ele a recebe das mulheres, em troca de olhares
lânguidos e palavras doces (MEAD, 1969, p. 246).

A partir pesquisa na Nova Guiné, Mead notou que, em diferentes sociedades


e culturas, há varias formas de conceber os papeis e o comportamento de homens e
mulheres. Antes mesmo da utilização do conceito de gênero, no pensamento social,
ela mostrou que nos três casos que foram objeto de seus estudos os comportamentos
e práticas que não correspondiam às convenções de gênero comuns nos Estados

53
Unidos de sua época, onde tarefas como o cuidado com as crianças eram pensadas
como naturalmente femininas. Dessa maneira, ao mostrar que o comportamento de
gênero varia culturalmente, ela defende a impossibilidade de se afirmar
categoricamente que as diferenças percebidas entre homens e mulheres sejam
resultado imediato do aparato biológico humano, isso é, do nosso corpo. Ao contrário:
a autora nos convida a pensar que a cultura, e não a penas a natureza, explica as
diferenças entre masculino e feminino (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016).

Figura 9: Mead com jovens mulheres Samoanas

Fonte: Miranda (2015, online)

https://www.youtube.com/watch?v=fLKjTt63yjw

54
FIXANDO O CONTEÚDO

1. “O alemão Franz Boas foi o primeiro a ressaltar a importância do estudo das


diversas culturas em seu próprio contexto, a partir das suas peculiaridades. Boaz
ressaltava não haver cultura superior ou inferior. Para ele, deveriam ser
considerados os fatores históricos, naturais e linguísticos que influenciavam o
desenvolvimento de cada cultura em particular.”
(LUCCI, Elian A. e outros. Território e sociedade no mundo globalizado: geografia geral e do
brasil. São Paulo: Saraiva, 2010, adaptado)

A abordagem apresentada no texto, desenvolvida por Boas é conhecida como

a) Particularismo histórico
b) Relativismo histórico
c) Difusionismo cultural
d) Cultura e Personalidade
e) Evolucionismo Social

2. (FCC- adaptado) “Recebemos uma lista de invenções, instituições e ideias, mas


aprendemos pouco ou nada sobre o modo pelo qual o indivíduo vive sob essas
instituições, com essas invenções e ideias, assim como não sabemos como suas
atividades afetam os grupos culturais dos quais ele participa. As informações sobre
esses pontos são extremamente necessárias, pois a dinâmica da vida social só
pode ser compreendida com base na reação do indivíduo à cultura na qual vive.”
(BOAS, Franz. Alguns problemas de metodologia nas ciências sociais. Rio de Janeiro:
Expresso Zahar, 2014)

Franz Boas é considerado um dos fundadores da Antropologia Cultural, e dentre


suas teses, destaca-se que:

a) as culturas deveriam ser comparadas entre si de maneira a se encontrar os


princípios comuns que as regem, e a considerar as particularidades que as tornam
mais ou menos distantes umas das outras, em um percurso evolutivo comum.

55
b) as culturas obedecem a um conjunto mínimo de estruturas universais do
pensamento, de maneira que o autor julgava incorreta a perspectiva que
hierarquiza as culturas e as classifica entre superiores e inferiores.
c) o estudo de cada cultura deve partir de sua individualidade histórica, de maneira a
ressaltar a relatividade dos hábitos, ritos e crenças e o seu pertencimento a cada
cultura singular.
d) o objeto primordial da Antropologia são as funções sociais exercidas pelos
costumes e crenças de cada comunidade, e tal qual Durkheim indicara no âmbito
da Sociologia, existe um paralelo entre as funções presentes nos organismos
físicos e aquelas presentes nos organismos sociais.
e) a cultura é um conjunto de interpretações, de maneira que a Antropologia seria uma
interpretação de segundo grau, devendo o seu método ser entendido como uma
“descrição densa”, pois consiste em uma interpretação de interpretações.

3. (Unioeste - adaptado) Para a antropóloga Ruth Benedict, “a cultura é como uma


lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam
lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas.”
(BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972).

Portanto, é CORRETO afirmar

a) A cultura nos ensina a perceber as coisas e classificá-las, mas não serve para
orientar a nossa conduta cotidiana.
b) Um índio Guarani vê a floresta com olhos diferentes das pessoas não-Guaranis;
seu olhar percebe a floresta como alimento e morada dos deuses, enquanto uma
pessoa não-guarani pode ver uma oportunidade de negócio.
c) Um índio Guarani, que vive em sua aldeia, e uma pessoa não-indígena, que vive
na cidade, possuem valores idênticos.
d) Em todas as culturas, mulheres e homens têm os mesmos direitos, os mesmos
papéis sociais. Exemplo: povo Palestino e povo Americano.
e) A cultura determina absolutamente todas as decisões humanas de maneira
inescapável.

56
4. Sobre a antropologia norte-americana é correto afirmar que:

a) Franz Boas enfatiza a capacidade biológica de adaptação humana aos vários


ambientes, em detrimento dos aspectos culturais.
b) Margareth Mead, em Sexo e Temperamento, ignora que a personalidade não é
apenas uma dimensão da individualidade, mas a própria manifestação da
coletividade em sujeitos específicos.
c) ao estudar a cultura japonesa em um contexto de guerra Ruth Benedict inova em
termos de construções metodológicas alternativas a pesquisa presencial, mas
ignora implicações ético-políticas.
d) Zora Neale Hurston fez contribuições teóricas importantes sobre gênero e raça que
a tornaram uma figura célebre no campo da antropologia.
e) Todas as alternativas anteriores.

5. (SEE/SP- adaptado) Denys Cuche nos informa que devemos a Franz Boas a
concepção antropológica do relativismo cultural. O relativismo cultural de Boas é

a) uma abordagem funcionalista e semiótica da cultura


b) uma metodologia da história cultural dos povos sem história
c) uma ciência positiva em busca de significados culturais
d) um princípio metodológico e uma concepção relativista da cultura
e) uma teoria antropológica da cultura fundada a partir de princípios evolucionistas

6. (ENADE- adaptado) Os papéis sociais foram, no passado, conhecidos como o


resultado de uma divisão “natural” do trabalho. Para os cientistas sociais que
estudam gênero, como a antropóloga Margareth Mead, a divisão sexual de tarefas,
longe de ser consequência natural de diferenças biológicas, é construção criada e
mantida pela sociedade. Nesse sentido, assinale a opção correta com relação aos
objetivos da pesquisa de gênero, no âmbito das ciências sociais

a) os estudos de gênero têm como objetivo exclusivo a distribuição do poder feminino


no conjunto da sociedade.

57
b) a pesquisa de gênero tem como objetivo mostrar para a sociedade que as mulheres
possuem características inatas diferentes no que tange à divisão social do trabalho.
c) a pesquisa de gênero tem como objetivo básico demonstrar que as diferenças entre
homens e mulheres no mercado de trabalho são biologicamente determinadas.
d) os estudos de gênero realizados no âmbito das ciências sociais têm como objetivo
restrito e exclusivo a introdução das mulheres no mercado de trabalho.
e) nas ciências sociais, a pesquisa de gênero procura estudar a distribuição de poder
e de recursos entre homens e mulheres em uma dada sociedade, considerando a
questão de gênero como uma dimensão da análise fundamental de toda
organização social.

7. (ENADE) “Acredito que o estado atual de nosso conhecimento nos autoriza a dizer
que, embora os indivíduos difiram, as diferenças biológicas entre as raças são
pequenas. Não há razão para acreditar que uma raça seja naturalmente mais
inteligente, dotada de grande força de vontade, ou emocionalmente mais estável
do que outra, e que essa diferença iria influenciar significativamente sua cultura.
Também não há razão para acreditar que as diferenças entre as raças são tão
grandes, que os descendentes dos casamentos mistos devem ser inferiores a seus
pais.” (Boas, F. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004).

Considerando o texto apresentado, parte de uma conferência proferida em 1931,


que teve importante impacto no âmbito da Antropologia, avalie as afirmações a
seguir, acerca das ideias de Boas a respeito de cultura e origem racial das
populações.

I. As ideias de Boas tornaram-se importantes para a antropologia americana em


razão do valor atribuído pelo autor ao conceito de cultura para a explicação dos
comportamentos e costumes de uma população.
II. As propostas do autor, que enfatizavam a cultura, impactaram, na época,
interpretações que se contrapunham às teorias raciais, tendo influenciado o
pensamento social brasileiro, notadamente o de Gilberto Freyre.

58
III. O pensamento de Boas é representativo do contexto intelectual e acadêmico da
época, no qual a noção de raça, como possibilidade de explicação das
desigualdades sociais, estava desacreditada.
IV. As reflexões do autor apontaram os fatores culturais do ambiente social como
adequados para explicar os antagonismos raciais da época e outras disputas
entre diferentes grupos culturais, tais como as ocorridas entre religiões.

É correto apenas o que se afirma em:

a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) I, II e IV.
e) I, III e IV.

8. Em Padrões de Cultura, Ruth Benedict compara e descreve traços característicos


de culturas diferentes, e contrapõe a existência de dois modelos comportamentais
típicos: o padrão apolíneo (de tipo equilibrado, ordenado, harmonioso conformista
e artístico) e o padrão dionisíaco (mais violento, desordenado, conflituoso e
guerreiro).
Assinale a alternativa abaixo que mais se aproxima ao pensamento da autora

a) Benedict acreditava na difusão de caracteres culturais na conformação de tipos de


personalidade.
b) Benedict advogava contra o contraste ente culturas e defendia análises
particularizadas.
c) Benedict enfatizava o aspecto da cultura como formador e regulador da
personalidade.
d) Benedict ignorava o papel da educação e da transmissão intergeracional de
aspectos culturais.
e) Benedict concebia a cultura a partir de sua incoerência e falta de coesão internas,
numa concepção fluida e fragmentada da mesma.

59
MALINOWSKI E A ETNOGRAFIA UNIDADE
MODERNA

A CONSAGRAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO NA ANTROPOLOGIA

Bronislaw Malinowski nasceu na Polônia, e teve formação em ciências exatas


antes de apaixonar-se pela antropologia (após ler a obra de James Frazer), e emigrar
para a Inglaterra, em 1910, para seguir com os estudos. Em 1914, viajou para fazer
pesquisas na Nova Guiné, mas com o início da Primeira Guerra Mundial acabou
permanecendo na região até o final do conflito. Aproveitou então para fazer uma
longa pesquisa de campo entre os nativos das Ilhas Trobriand, arquipélago situado
no litoral leste da Nova Guiné (CASTRO, 2016).
Nesses quatro anos de pesquisa, Malinowski teve a oportunidade de se
aproximar do modo de vida trobriandês a partir da convivência: aprendeu sua língua,
participou de vários rituais, vivenciou o dia-dia nas ilhas, observou diversas técnicas
locais (de caça, pesca, construção, arquitetura, etc.), sistematizou relações de
parentesco e ouviu explicações nativas para fenômenos naturais (OLIVEIRA, 2018).
Mesmo sem ter sido o primeiro antropólogo a fazer pesquisa de campo in loco,
também conhecida como etnografia, o autor entrou para a tradição antropológica
como uma espécie de inventor desse método de pesquisa, em particular na sua
dimensão de observação participante da vida dos nativos.
Segundo Malinowski (1978, p. 16) “[...] o trabalho de campo mediante
observação participante, preferivelmente em um grupo social de dimensões reduzidas
bem diferente daquele ao qual pertence o investigador, é o marco da antropologia
social/cultural’’.
Nesse sentido, a observação participante consistia em viver com as pessoas
que estavam sendo estudadas e em aprender e participar o máximo possível de suas
atividades. Para tal, é fundamental permanecer tempo suficiente no campo para
familiarizar-se totalmente com o movo de vida local e capacitar-se a usar o idioma
local como instrumento de trabalho (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
O autor ficou conhecido por sua defesa apaixonada da etnografia, método que

60
habilitaria o pesquisador a captar a totalidade da vida de uma determinada cultura,
observada desde o ponto de vista do nativo. Para chamar atenção do leitor,
Malinowski utilizava recursos literários envolventes, com uma narrativa que tentava
aproximá-los de sua experiência peculiar em uma pequena aldeia no pacífico. Ele abre
seu livro mais conhecido, Argonautas do Pacífico Ocidental, de 1922, nos convidando
a colocar-nos em seu lugar de antropólogo e relatando seus primeiros contatos iniciais
de pesquisa:

Imagine-se deixado de repente sozinho, cercado por todo o seu equipamento,


numa praia tropical próxima a uma aldeia nativa, enquanto a lancha ou o
barco inflável que o trouxe se afasta até sumir de vista. Como irá residir nas
instalações de algum homem branco vizinho, comerciante ou missionário,
você não tem nada a fazer além de começar de imediato seu trabalho
etnográfico. Imagine além disso que você é iniciante, sem experiência prévia,
sem nada para guia-lo e ninguém para ajuda-lo, porque o branco está
temporariamente ausente, ou é incapaz, ou não se dispõe a perder qualquer
tempo com você. Isso descreve exatamente minha primeira iniciação no
trabalho de campo na costa meridional da Nova Guiné. Lembro-me bem das
longas visitas que fiz às aldeias durante as primeiras semanas: o sentimento
de desesperança e desalento depois que muitas tentativas obstinadas, mas
fúteis, haviam fracassado inteiramente em me pôr em contato verdadeiro com
aos nativos, ou em me fornecer algum material. Eu tinha períodos de
desânimo, quando me enterrava na leitura de romances do mesmo modo que
alguém, num acesso de depressão e tédio tropicais, começaria a beber.
Imagine-se, então, fazendo sua primeira entrada na aldeia, sozinho ou a
companhia de seu cicerone branco. Alguns nativos se reúnem à sua volta,
em especial se sentirem cheiro de fumo. Outros, os mais dignos e idosos,
permanecem sentados onde estão. Seu companheiro branco tem sua forma
rotineira de tratar os nativos e não compreende a maneira como você, um
etnógrafo, terá de abordá-los, nem se interessa muito por isso. Você sai da
primeira visita com um sentimento confiante de que, quando voltar sozinho,
as coisas serão mais fáceis. Pelo menos essa foi a minha esperança
(MALINOWSKI, 2016, p. 96-97).

A franqueza metodológica do relato de Malinowski tem a ver com as pretensões


do autor em edificar a etnografia enquanto um método extremamente pessoal e ao
mesmo tempo rigoroso, em que a obscuridade na apresentação dos dados deveria
ser combatida. Ele defende que o antropólogo deve apreender a forma como os
nativos vivem suas tradições através de exemplos bem concretos, de maneira que
sua tarefa central consistiria no registro de sua "vida real”. Para o autor, as fontes
etnográficas seriam inquestionáveis na medida em que se pudesse traçar claramente
a linha entre os resultados da observação direta e de afirmações e interpretações
nativas; bem como identificar as interferências do autor, baseadas em seu senso
comum e disposições psicológicas. Assim, as fontes etnográficas poderiam ser
levadas tão a sério quanto as fontes históricas, tais como antigos documentos, ainda

61
que as primeiras, as “fontes vivas” do antropólogo, pudessem ser esquivas e
complexas.
Malinowski propõe que o método etnográfico deve ser pautado por uma
observação compreensiva, orientada pelos seguintes princípios: o investigador deve
guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos; deve providenciar condições
razoáveis para o desenvolvimento de seu trabalho de campo, o que exige viver
efetivamente entre os nativos; e deve recorrer a um certo número de métodos
especiais complementares de recolha de dados, que envolve recenseamento sócio
demográfico, entrevistas e sistematização das linhagens de parentesco. Contudo, é
no decorrer da vida cotidiana, com um forte sentido de tempo e processualidade, que
está a potência da etnografia. Por isso, o autor defende que existe uma grande
diferença entre o contato esporádico com as aldeias pesquisadas e o contato real com
elas.
Malinowski relata que ainda que sua presença causasse estranhamento nos
contatos iniciais, com o tempo, os nativos passaram a vê-lo com mais naturalidade e
sua presença foi gradualmente incorporada na vida tribal. Segundo ele, é nesse
processo que o pesquisador adquire a sensibilidade para apreciar a companhia dos
nativos e de sentir-se verdadeiramente em contato com eles, acompanhando
acontecimentos triviais (mas significativos) da vida cotidiana, como brigas, piadas,
jogos, rituais, culinária, trabalho, higiene corporal, etc. Em suas descrições do modo
de vida trobriandês, com imagens matizadas e naturalistas, os nativos emergem não
como exóticos ou espetaculares, nem como “radicalmente diferentes” dos ocidentais,
mas simplesmente como diferentes.

62
Figura 10: Malinowski com nativos nas Ilhas Trobriand.

Fonte: Petropouleas (2017, online)

Um recurso metodológico da etnografia amplamente usado e defendido por Malinowski,


como ferramenta que conferia rigor científico, era o diário de campo. Visto que a
observação participante demanda interação por um período de tempo significante entre
pesquisador e grupo pesquisado, é preciso que o antropólogo organize formas de registro
desses dados em campo, para serem analisados posteriormente. Para o autor, o diário de
campo ajuda a dar conta da complexidade da realidade social estudada. No entanto, a
defesa de Malinowski dos diários teve um desfecho curioso: em

https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/1365

O KULA

O livro Argonautas do Pacífico Ocidental tornou-se célebre não apenas por


sua defesa e sistematização do método etnográfico, mas também pela análise
vigorosa e extremamente detalhada que Malinowski fez de uma única instituição
trobriandesa: o sistema de comércio kula.

63
Figura 11: Imagem que mostra a rota de circulação dos objetos no kula

Fonte: Malinowski (1978)

Os participantes do kula viajavam centenas de quilômetros a bordo de canoas


construídas manualmente, transportando os objetos de valor, chamados de vaigua’a.
Tais objetos consistiam em braceletes feitos de conchas brancas (que circulavam no
sentido anti-horário) e colares de conchas vermelhas (transportados no sentido
horário). Do ponto de vista de uma economia utilitarista, o kula parecia um
desperdício de tempo e energia, já que os presentes trocados não possuíam valor de
uso: sua troca tinha a ver com o estabelecimento de alianças entre diferentes clãs
que habitavam as ilhas. Assim, acima do valor estético advindo do trabalho artesanal
empregado na confecção dos objetos dessa troca ritual, está o estabelecimento de

64
relações sociais que envolvem o ganho de prestígio social.
Essa dinâmica complexa de trocas acionava todos os aspectos da vida social:
família, política, economia, magia, arte, etc. Malinowski usava o sistema como uma
espécie de chave para compreender, de modo mais totalizante, a sociedade nas Ilhas
Trobriand e seu funcionamento. Denominando-se um funcionalista, o autor buscava
mostrar como aquela sociedade funcionava, atribuindo valor e sentido a práticas e
ideias estranhas aos europeus (OLIVEIRA, 2018).
Malinowski buscava entender como instituições culturais particulares
funcionavam na manutenção do indivíduo diante de situações de dificuldade. Em sua
perspectiva, todas as práticas e instituições sociais eram funcionais no sentido de
que se ajustavam num todo operante. Num primeiro momento, o funcionalismo de
Malinowski parece aproximá-lo de Durkheim, contudo, para o autor, o objetivo último
do sistema eram os indivíduos e não a sociedade, já que, em última análise, ele
considera como tudo funciona como resposta da busca do indivíduo para suprir suas
necessidades fisiológicas como as de reprodução, alimentação e proteção.

A VIDA SEXUAL DOS SELVAGENS

Outra obra de Malinowski que ficou bastante conhecida foi A Vida Sexual dos
Selvagens, publicada em 1926. O assunto central do livro é a relação entre homens e
mulheres nas Ilhas Trobriand, tratando de amor, casamento e sexualidade na vida
tribal. Para o autor, a sexualidade, assim como o kula, estava conectada a diversos
domínios da cultura trobriandesa, como economia, leis, religião, arte, etc. Por isso, o
domínio do sexo era importante para a análise social, mais ainda se não considerado
de forma isolada, e sim a partir de suas injunções e conexões que compõem a vida
social.
Com o intuito de combater determinismos biológicos, Malinowski afirma que
visa reabilitar a sexualidade de paradigmas que a consideram uma questão universal
e puramente fisiológica. Ele demonstra que, na verdade, a vida sexual implica também
emoções, atitudes e varia culturalmente. O autor descreve, por exemplo, uma atitude
que demonstra interesse sexual e também afeto entre os trobriandeses, mas que
causaria repugnância entre os europeus: a “catação de piolhos”.
"Cada um revira os cabelos do outro e retira dali os piolhos que come; prática

65
que consideramos nojenta, mas que os indígenas consideram natural e agradável
entre dois amantes; é igualmente seu passatempo favorito quando estão com os
filhos.’’ (MALINOWSKI, 1982, p. 54).
Além de demonstrar variabilidade cultural, o autor usa seus dados etnográficos
para argumentar que a teoria freudiana do complexo de Édipo, que baseava o
entendimento da sexualidade no ocidente, não é universal. Com sua postura
relativista, ele abriu caminho, seguido por vários autores, tais como Mead e Benedict,
para a asserção de que a cada configuração cultural corresponde um determinado
tipo de psiquismo.
Outro tema importante abordado na obra, é a compreensão trobriandeza sobre
a gravidez e a concepção, construída através de articulações complexas com a
cosmologia local. Malinowski conta que, para os trobriandeses, os espíritos têm um
papel fundamental na concepção das crianças. Nesse sistema de crenças, a relação
sexual serve como um mecanismo de abertura de caminhos espirituais, visto que a
mulher engravida somente nas relações em que o espírito baloma coloca o waiwai (o
espírito-criança) dentro do útero da mulher. Baloma é o nome dado aos espíritos
matrilineares, ou seja, entidades espirituais de ancestrais mortos da família do lado
materno).

Na perspectiva trobriandesa, a verdadeira causa da gravidez é sempre um


espírito baloma, que entra no corpo da mulher e entrega a criança. E sem a existência
desses espíritos ela não poderia engravidar. Para eles, o sexo não garante a gravidez,
já que nem sempre que se faz sexo se engravida. Logo, a gravidez requer essa
relação com os espíritos. Para os trobriandeses, o intercurso sexual é necessário não
para a fertilização, mas para a abertura de caminhos espirituais e, principalmente,

66
para que a mulher gere uma criança perfeita. O pai não apenas abre caminho para o
espírito através do sexo, mas atua também moldando as feições da criança com o
sêmen. E é à essa substância corpórea que os trobriandeses atribuem a semelhança
das feições entre pais e filhos. Malinowski termina suas análises sobre o espírito
baloma com duas conclusões centrais: os trobriandeses acreditam em reencarnação
e eles desconhecem as causas fisiológicas da gravidez.

Como nós mesmos misturamos, através de nossas próprias cosmologias e compreensões


religiosas, entendimentos biológicos e crenças baseadas na fé? Um dos discípulos de
Malinowski, e também um de seus maiores críticos, Edmund Leach (1983), reprova que a
concepção do espírito baloma que engravida seja tomada como marca ignorante do
primitivismo. Ele levanta provocações sobre as cosmologias ocidentais sobre a concepção,
em que o nascimento de um semideus filho de uma virgem é uma característica das
civilizações tidas como as mais desenvolvidas. Contudo, as histórias de Dionísio filho de
Zeus com uma virgem mortal, ou Jesus filho de Deus e da Virgem Maria, não indicam
ignorância. No contexto cristão, o mito do Nascimento Virgem não implica em ignorância
dos fatos da paternidade fisiológica. Inclusive, a paternidade física e espiritual de Deus-Pai
não exclui a crença na paternidade “social” de São José. Leach defende que, tanto para os
ocidentais quanto para os povos tidos como selvagens, o mito não distingue o
conhecimento da ignorância. Ele estabelece categorias e afirma relações.

67
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (FCC) “Consiste a se observar observando, a observar o observador em seu


trabalho de observação ou de transcrição de suas observações, por um retorno
sobre a experiência do campo, sobre a relação com os informantes.”
O trecho acima se refere ao seguinte instrumental de pesquisa:

a) análise de redes
b) estudo de trajetórias
c) observação participante
d) grupo focal
e) survey

2. (ENADE) Com base em uma perspectiva semiótica, Clifford Geertz concebe cultura
como teias de significados construídos pelos homens em sociedade. Essa
perspectiva se contrapõe às concepções de cultura como algo “externo” ao homem
ou como algo superorgânico. Opõe-se também, à concepção de que a Antropologia
é uma ciência experimental que busca a descoberta de leis. No que diz respeito ao
posicionamento desse autor, analise as seguintes asserções.

A etnografia não corresponde ao discurso social bruto de determinada cultura.


PORQUE
Os textos antropológicos são interpretações de segunda ou de terceira mão.

Acerca dessas asserções, assinale a opção correta.

a) as duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa


correta da primeira.
b) as duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma
justificativa da primeira.
c) a primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda, uma proposição
falsa.

68
d) a primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda, uma proposição
verdadeira.
e) tanto a primeira quanto a segunda asserções são proposições falsas.

3. (ENADE) “Às vezes ouço dizer que qualquer pessoa pode observar e escrever um
livro sobre um povo primitivo. Talvez qualquer pessoa possa, mas não vai estar
necessariamente acrescentando algo à antropologia. Na ciência, como na vida, só
se acha o que se procura. Não se pode ter respostas quando não se sabe quais
são as perguntas. Por conseguinte, a primeira exigência para que se possa realizar
uma pesquisa de campo é um treinamento rigoroso em teoria antropológica, que
dê as condições de saber o quê e como observar, e o que é teoricamente
significativo. É essencial percebermos que os fatos em si não têm significado. Para
que o possuam, devem ter certo grau de generalidade. É inútil partir para campo às
cegas.”
(EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005, p. 243).

Nesse fragmento de texto, Evans-Pritchard argumenta que:

a) a boa etnografia deve, necessariamente, conjugar teoria e prática.


b) o trabalho de campo é sempre instintivo, não pode ser ensinado e só é aprendido
na prática.
c) um bom trabalho de campo resume-se ao detalhamento do máximo de fatos e a
sua descrição minuciosa.
d) não é necessário especialização para realizar uma etnografia que contribua para o
desenvolvimento da antropologia.
e) é importante chegar a campo sem idéias preconcebidas, sem questões
predeterminadas e sem uma teoria a ser seguida

4. (ENADE) A partir das proposições de Malinowski, é correto afirmar que o método


de trabalho de campo

a) foi proposto como complementar aos modelos de explicação evolucionistas, para


se tentar comprovar in loco as análises teóricas obtidas pelo método comparativo.

69
b) representou uma novidade em pesquisa na Antropologia, visto que era
desconhecido dos pesquisadores anteriores, apelidados de "antropólogos de
gabinete".
c) foi considerado importante na época das reflexões de Malinowski, porém
atualmente tornou-se sem importância em face dos problemas metodológicos dele
decorrentes.
d) passou a ser considerado como o método por excelência da pesquisa
antropológica, marcando a história e a especificidade da disciplina, por possibilitar
o contato direto com as formas de organização social estudadas.
e) foi necessário na formação da disciplina, uma vez que as sociedades estudadas
estavam geograficamente muito distantes das áreas de origem dos pesquisadores,
mas ficou obsoleta com o advento das novas tecnologias de comunicação.

5. (ENADE) “O fato é que, dentro da grande metrópole, seja Nova York, Paris ou Rio
de Janeiro, há descontinuidades vigorosas entre o ‘mundo’ do pesquisador e outros
mundos, fazendo com que ele, mesmo sendo nova-iorquino, parisiense ou carioca,
possa ter experiência de estranheza, não reconhecimento ou até choque cultural.
(VELHO, G. Um antropólogo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2013).
Com base no tema tratado no texto, avalie as afirmações a seguir:
I. Por estar familiarizado com a cidade, o pesquisador que deseja estuda-la deve
adotar metodologias objetivas.
II. A grande metrópole apresenta desvantagens para a experiência de
estranhamento de pesquisadores nativos.
III. O grau de familiaridade e de conhecimento de fenômenos sociais pelo
pesquisador não é homogêneo.
IV. A observação mais atenta de fenômenos urbanos faculta ao pesquisador
estranhar o familiar
É correto apenas o que se afirma em:
a) I e II.
b) I e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.

70
6. (ENADE) “Às vezes ficava pensando se simplesmente estar parado na esquina
seria um processo suficientemente ativo para ser dignificado pelo termo ‘pesquisa’.
Talvez devesse fazer perguntas a esses homens. No entanto, é preciso aprender
quando perguntar e quando não perguntar, e também que pergunta fazer. No dia
seguinte, Doc explicou a lição da noite anterior, ‘Vá devagar, Bill, com essa coisa
de quem, o quê, porquê, quando, onde. Você pergunta essas coisas e as pessoas
se fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por perto e saberá as
respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as perguntas.
(WHITE, W. F. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada,
Rio de Janeiro: Zahar, 2005)

A partir da leitura do texto apresentado, é correto identificar os princípios


metodológicos da observação participante no trabalho etnográfico como:

a) Investigação longa e uso de amostra probabilística.


b) Investigação rápida e uso de questionário.
c) Interação com grupo e uso de amostra probabilística.
d) Investigação rápida e uso de diário de campo.
e) Investigacao longa e uso de diário de campo.

7) (Stoodi) “Vivendo na aldeia, sem quaisquer responsabilidades que não a de


observar a vida nativa, o etnógrafo vê os costumes, cerimônias, transações etc.,
muitas e muitas vezes; obtém exemplos de suas crenças, tais como os nativos
realmente as vivem”.

(MALINOWSKI. Argonautas do Pacífico Ocidental, p. 62.)


Nesse trecho, Malinowski aplica a “observação participante”, que consiste em:
I. Utilizar os valores da nossa cultura para participar da outra.
II. Analisar outras culturas sem se envolver com elas.
III. Vivenciar as experiências de outras culturas para entendê-las.

Dentre as afirmativas acima, é correto afirmar:


a) I
b) II

71
c) III
d) I e II
e) II e III

8) “Essa longa estadia fez Malinowski refletir sobre o método que vinha sendo usado
pela Antropologia. Tratava-se agora, ele propunha, do antropólogo conviver um
longo período entre os “primitivos” que queria entender até passar despercebido
por entre eles (ele acreditava que isso fosse possível). Somente essa experiência
de trabalho de campo lhe permitiria captar o que ele chamou de ________. “
(Uriarte, U. Ponto Urbe, São Paulo, 2012).

Preencha a lacuna ao final do texto com a alternativa correta

a) ponto de vista do nativo


b) relativismo cultural
c) sistemas integrados
d) kula
e) observação etnográfica

72
REVISITANDO O CONCEITO DE UNIDADE
CULTURA

A antropóloga Corrêa (2003) afirma que talvez seja uma ironia adequada para
a antropologia, que se quer uma ciência do outro, que ela tenha criado tradições
antropológicas nacionais fundadas por estrangeiros: Franz Boas nos Estados Unidos
e Malinowski na Inglaterra. No Brasil não foi diferente: o alemão Curt Nimuendaju e o
francês Claude Lévi-Strauss tiveram papel fundamental nos estudos dos povos
indígenas brasileiros e também na criação de universidades e cursos de ciências
humanas no país. Por isso, segundo a autora, se acrescenta ainda a este interesse
ambíguo dos estrangeiros pelos nativos, às vezes uma harmonia, às vezes um
descompasso, entre “como pensamos” e “como nos pensam”, principalmente nos
países ditos de “terceiro mundo”. Assim, a antropologia, em diversos contextos, se fez
a partir de encontros, desenraizamentos, trânsitos, relações de diferença e
desigualdade e embates entre objetividade e subjetividade. Nessa unidade,
aprofundaremos a discussão sobre um conceito que permeia a trajetória do
pensamento antropológico, desde seus inícios: o conceito de cultura. O faremos
retomando alguns dos autores que foram apresentados no decorrer do livro,
explorando a discussão em torno desse conceito fundamental para a teoria social, e
para suas formulações sobre o encontro com “o outro”.

Parte da trajetória de pesquisa do antropólogo Curt Nimuendaju no Brasil é relatada no


vídeo Cultura Indígena: Curt “Nimuendaju” Unkel – um alemão que virou índio, disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=wjSVu7mtHLI

Discussões sobre alteridade, objetividade e subjetividade no conhecimento


antropológico sempre fizeram parte da história da disciplina, e estão bastante
presentes nas reflexões sobre alteridade, distanciamento e pesquisa etnográfica. A

73
própria constituição das ciências sociais enquanto campo científico se deu com base
em embates entre a ciência e a literatura. No contexto francês, a trajetória de Auguste
Comte, conhecido como um dos fundadores da sociologia, aparece como potente
ilustração dessa tensão entre cientistas e literatos. Em um primeiro momento, a obra
de Comte era marcada pela rigidez: a vontade de fundar uma ciência natural do social,
de sistematizar a realidade e seu próprio cotidiano. Sempre temendo a contaminação
intelectual, o autor estava obstinado em formular os princípios de uma filosofia e
política positivas. O intelecto era sempre mais importante que o afeto. No entanto, em
1985 o pensamento de Comte passou por grandes mudanças, na medida em que foi
marcado por uma grande paixão que lhe permitiu conhecer o lado afetivo da vida
humana. Nesse novo positivismo de Comte, a filosofia, a poesia e a política teriam
igual importância, assim como o sentimento em relação ao intelecto. Essa mudança
decisiva em sua doutrina positivista levou, mais tarde, ao desenvolvimento de duas
linhas da posteridade do autor que, no final do século XIX, entraram em diversos
conflitos. Émile Durkheim e muitos outros cientistas se vinculavam ao Comte da
primeira fase, porém, alguns políticos, católicos e muitos literatos defendiam a última
fase do filósofo (LEPENIES, 1996).
Durante a Terceira República francesa, as teorias de Durkheim se destacaram
na reforma universitária: o anticlericalismo deixou sua marca, e no lugar da religião e
da metafísica teorias científicas e morais ganharam força. Além de obcecado por
métodos, Durkheim via na divisão do trabalho uma chave importante para a análise
da realidade e uma possibilidade de resgate do indivíduo. A mesma divisão do
trabalho podia ser vista nos caminhos que tomava a política universitária da Nova
Sorbonne, já que o ensino, cada vez mais especializado, se voltava progressivamente
para o mercado de trabalho, e o estudo de línguas mortas e as formações clássicas
perdiam importância. De um lado, os políticos republicanos que reformaram a
instituição enxergavam na sociologia durkheimiana a doutrina que a republica
precisava: uma ciência moral capaz de substituir de forma eficaz a educação religiosa.
De outro, monarquistas, escritores, religiosos e intelectuais, como Gabriel Tarde,
desqualificavam Durkheim como um escolástico, tirano intelectual e criador de uma
disciplina cheia de pretensões e métodos, mas pobre em resultados. Charles Péguy,
outro adversário de Durkheim, dizia que os sociólogos jogaram fora os instrumentos
da literatura sem ter qualquer possibilidade de alcançar a exatidão e objetividade das

74
ciências naturais. Dessa forma, “literatura” e “sociologia” se tornaram termos
corriqueiros para designar novas frentes políticas na França da virada do século. Os
ataques dos literatos às teorias de Durkheim representavam o confronto entre a velha
França e as tendências de desenvolvimento da moderna sociedade industrial
(LEPENIES, 1996).
Durkheim demonstrava um interesse ambíguo perante as ditas sociedades
arcaicas. Esse estudo era chamado de etnologia, etnografia ou mesmo antropologia.
Como se sabe, o esforço deste pensador de tornar a sociologia uma disciplina
institucionalmente legítima e propriamente científica vem, também, do fato dele
apresentar uma sólida teoria da coesão social, baseada na interdependência das
funções sociais e na concepção da sociedade enquanto um todo integrado. A
dimensão comparativa também exerceu grande força na metodologia durkheimiana,
e é justamente neste sentido que a antropologia ganhou um papel de destaque. Uma
vez que, para Durkheim e sua escola, admitia-se um princípio geral pautado na
possibilidade de derivação das funções sociais mais complexas partindo das mais
simples (arcaicas), a fim de compreender um processo de coesão social universal. Os
recursos da etnologia fizeram-se necessários, já que forneciam o método de coleta e
sistematização dos dados acerca dos costumes e modos de vida primitivos. Assim
sendo, as funções sociais, como o direito positivo, o parentesco e a economia, eram
mais facilmente estudáveis e observáveis nos grupos humanos arcaicos, pois eles
“ainda se encontravam num estágio de indiferenciação formal que tinha como principal
causa o primado do fenômeno religioso e suas formas elementares. Dessa forma, a
antropologia se constituiu enquanto ciência indispensável para a compreensão da vida
social. Seu método etnográfico de observação, descrição minuciosa e escrita da
experiência também ganhou prestígio com a ascensão institucional da Escola
Sociológica francesa, perpetuada pelos seguidores de Durkheim.
As análises antropológicas, se constituíram fortemente ancoradas nos
conceitos de sociedade e/ou cultura. Isso se deu não apenas no contexto francês,
pontuado anteriormente, mas também em outros cenários importantes para a
consolidação da disciplina, como o inglês e norte-americano. Criados como uma
espécie de resposta ao biologizante conceito de raça, esses conceitos embasaram
diversas vertentes de cunho organicista, estruturalista, e funcionalista na disciplina, e
são bastante problematizados atualmente. As noções de Cultura e sociedade revelam

75
como a antropologia construiu seu conhecimento através de uma noção de alteridade,
forjada no fazer etnográfico, a partir de dicotomias como eu X outro, Oriente X
Ocidente, que implicam diretamente no trabalho de campo e nas teorias elaboradas
pela disciplina, e por isso, foram alvo de extensas reflexões e debates, que
abordaremos de forma sucinta.

O CONCEITO EM SEUS INÍCIOS

Comecemos pela contribuição mais importante do evolucionista Edward Tylor


para a antropologia moderna, que é justamente sua definição de cultura:

Cultura, ou civilização, tomada em seu sentido amplo, etnográfico, é aquele


todo complexo que inclui conhecimento crença, arte, moral, costume e
quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como
membro da sociedade (ERIKSEN; NIELSEN, 2012, p. 35)”

Com essa conceptualização, Tylor sintetizou dois termos importantes para a


teoria social naquele momento: kultur e civilization. No final do século XVIII, o termo
germânico kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos culturais de uma
comunidade, enquanto a palavra francesa civilization referia-se principalmente às
realizações materiais de um povo. Por um lado, a cultura é tomada como um termo
geral que perpassa estágios evolutivos: onde a evolução diferencia sociedades em
termos qualitativos, a cultura une a humanidade em uma unidade psicológica. Por
outro lado, Tylor equipara cultura com civilização, outro termo qualitativo. Cultura
assim, pelo menos implicitamente, se torna uma questão de grau: todos têm, mas não
em quantidade igual. Com essa definição, Tylor abrangia em uma só palavra todas as
possibilidades de realização humana, e marcava fortemente o caráter de aprendizado
da cultura em oposição a ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos
biológicos. Além disso, o autor demonstrou que a cultura pode ser objeto de estudo
sistemático, pois trata-se de um fenômeno que possui causas e regularidades,
permitindo um estudo objetivo e uma analise capazes de proporcionar a formulação
de leis sobre o processo cultural e a evolução (LARAIA, 2009).
A principal crítica a noção de cultura formulada pelos evolucionistas veio de
Franz Boas, ao defender o uso do método comparativo. Boas afirma que a
antropologia possui duas tarefas centrais: a reconstrução da história de povos ou
regiões particulares, e a comparação da vida social de diferentes povos, desde que

76
seja provada a possibilidade de compará-los. Em suma, o autor advoga que cada
cultura segue caminhos próprios, em função dos eventos históricos particulares que
enfrentou. Portanto, ele desloca a explicação evolucionista da cultura, mostrando que
ela só faz sentido em termos de uma abordagem multilinear.
Em 1917, o antropólogo norte-americano Alfred Kroeber radicalizou a
concepção da cultura como sendo os comportamentos e práticas aprendidos que
independem da transmissão genética. Segundo o autor, seria justamente a
capacidade de produzir e transmitir cultura o elemento central de definição da
humanidade, ou seja, o que separaria o homem dos demais animais, visto que ele
seria o único ser capaz de superar suas limitações orgânicas.

Não faz muitos anos que os seres humanos atingiram também o poder da
locomoção aérea. Mas o processo pelo qual esse poder foi alcançado, e seus
efeitos, são completamente diferentes daqueles que caracterizaram a
aquisição, pelos primeiros pássaros, da faculdade de voar. Nossos meios de
voar são exteriores aos nossos corpos. O pássaro nasce com um par de asas;
nós inventamos o aeroplano. O pássaro renunciou a um par potencial de mãos
para obter as suas asas; nós, porque a nossa faculdade não é parte de nossa
constituição congênita, conservamos todos os órgãos e capacidade de nossos
antepassados, acrescentando-lhes a nova capacidade. O processo do
desenvolvimento da civilização é claramente acumulativo: conserva-se o
antigo, apesar da aquisição do novo. Na evolução orgânica, a introdução de
novos traços só é geralmente possível mediante a perda ou a modificação de
órgãos ou faculdades existentes (LARAIA, 2009, p. 39)

Assim, a perspectiva de Kroeber, propõe um afastamento crescente de dois


domínios: o da natureza e o da cultura. Essa dicotomia, pautada numa tradição
dualista do pensamento ocidental moderno, acabou por romper todos os laços entre
“cultural” e “biológico”, postulando a supremacia do primeiro em relação ao segundo.
Para o autor, o homem superou o orgânico através da cultura, criando o seu próprio
processo evolutivo. Nesse sentido, a humanidade é herdeira de um longo processo
acumulativo de conhecimento e experiência adquiridas pelas gerações
predecessoras. Esse patrimônio cultural, se operacionalizado corretamente, permite
inovações e invenções importantes.

NATUREZA E CULTURA: DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES

Margareth Mead também foi fundamental para questionar as teorias que


defendiam a primazia da natureza no desenvolvimento da humanidade, através das
relativizações que fez dos comportamentos supostamente baseados no sexo

77
biológico. A partir de seus estudos na Nova Guiné, a autora mostrou que as diferenças
corporais não estabelecem um padrão único de papéis sexuais para homens e
mulheres. Os contextos analisados por Mead dizem respeito a como as culturas
podem estabelecer relações diversas entre sexo e personalidade. Os exemplos de
diversas sociedades ajudam a esclarecer também que a divisão sexual do trabalho
pode adquirir organizações sociais distintas em cada parte do mundo, de maneira que
o que distribui as funções de cuidado e trabalho doméstico na vida social não são os
chamados “instintos”, tal como o “instinto materno”, mas toda uma aprendizagem
social. Assim, as relações de gênero não têm uma relação mimética com o “sexo
biológico” e, embora possa funcionar pela descrição de diferenças biológicas, não
estão ligadas a diferenças biológicas de maneiras padronizadas e universais.
Claude Levi-Strauss também fez formulações importantes a respeito das
relações entre cultura e natureza. O autor considera a cultura como sistemas
simbólicos estruturais, que são uma criação cumulativa da mente humana. Seu
trabalho buscava descobrir na estruturação dos domínios culturais, como mito, arte,
parentesco e linguagem, os princípios da mente que geram essas elaborações
culturais (LARAIA, 2009).
Assim, para Levi-Strauss, a antropologia deveria superar essa divisão radical
entre natureza e cultura, visto que considerava que

“O homem é um ser biológico ao mesmo tempo que um individuo social. Entre


as respostas que dá as citações exteriores ou interiores algumas dependem
inteiramente de sua natureza, outras de sua condição. Por isso não há
dificuldade alguma em encontrar a origem respectiva do reflexo pupilar e da
posição tomada pela mão do cavaleiro ao simples contato das rédeas. Mas
nem sempre a distinção é tão fácil assim. Freqüentemente o estimulo físico-
biológico e o estimulo psicossocial despertam reações do mesmo tipo, sendo
possível perguntar, como já fazia Locke, se o medo da criança na escuridão
explica-se como manifestação de sua natureza animal ou como resultado das
histórias contada pela ama.
Mais ainda, na maioria dos casos, as causas não são realmente distintas e a
resposta do sujeito constitui verdadeira integração das fontes biológicas e das
fontes de seu comportamento. Assim, é o que se verifica na atitude da mãe
com relação ao filho ou nas emoções complexas do espectador de uma
parada militar. É que a cultura não pode ser considerada nem simplesmente
justaposta nem simplesmente superposta à vida. Em certo sentido substitui-
se à vida, e em outro sentido utiliza-a e a transforma para realizar uma síntese
de nova ordem (LÉVI-STRAUSS, 2009, p. 17)

O autor afirma que é difícil estabelecer com clareza causalidades biológicas ou


sociais para as ações humanas, na medida em que atitudes de origem cultural podem
misturar-se a comportamentos de natureza biológica, e vice-versa, de maneira que o

78
grande desafio seria integrá-los. Para Lévi-Strauss, não é possível subestimar a força
da oposição entre natureza e cultura na teoria social, nem negar o desafio da
passagem entre as duas ordens: “onde acaba a natureza? Onde começa a cultura?”,
ele se pergunta.

Para pensar a confusão entre os domínios da natureza e da cultura, Laraia (2009) propõe
que pensemos como o exercício de atividades consideradas como parte da fisiologia
humana podem refletir diferenças culturais. O riso, por exemplo, é uma propriedade do
homem e dos primatas superiores, tratando-se da contração de determinados músculos da
face e da emissão de um certo tipo de som vocal que exprime, em geral, um estado de
contentamento. Toda a humanidade ri, mas o fazem de maneiras diferentes e por motivos
diversos. Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diferentes, por isso podemos
encontrar dificuldades ao assistir uma comédia japonesa ou não acharmos graça em um
pastelão americano.

(Homem da tribo Dinka, do Sudão do Sul, Foto de Richard Storch, 1909, Fonte: Pinterest)

Laraia (2009) conta que a primeira vez em que viu um índio Kaapor gargalhar
foi motivo de susto: a emissão sonora muito alta se parecia a imaginários gritos de
guerra, e a expressão facial em nada se assemelhava com o que estava acostumado
a ver. Tal fato se explica porque cada cultura tem um determinado padrão para esse
fim. Assim o riso seria condicionado pelos padrões culturais, apesar de toda sua
fisiologia. Que outras atividades que tomamos como universais ou puramente

79
fisiológicas podem ser condicionadas culturalmente?

FORMULAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA CULTURA

Mais de um século transcorrido desde a definição de cultura de Tylor, era de se


esperar que houvesse atualmente algum consenso entre os antropólogos a respeito
desse conceito. Mas, na verdade, as centenas de definições formuladas após Tylor
serviram para, ao mesmo tempo, estabelecer debates acirrados e ampliar os limites
do conceito (LARAIA, 2009).
Lembramos que nos referimos à cultura em geral e também a culturas
específicas tais como: a brasileira, a russa, a popular, a erudita, a negra, a indígena
entre outras.
Nesse sentido, Cunha (2009, p. 357) propõe uma diferenciação explicativa
entre duas noções de cultura: a cultura (sem aspas) e a “cultura” com aspas. A cultura
seria uma definição mais ampla, que abrange “um complexo unitário de pressupostos,
modos de pensamento, hábitos, e estilos que interagem entre si, conectados por
caminhos secretos e explícitos com os arranjos práticos de uma sociedade”.
Por sua vez, a “cultura” seria a seleção de elementos diacríticos para delinear
certas unidades culturais, espécies de elaborações indentitárias que promovem
cristalizações que nos permitem dizer coisas como “cultura brasileira”, ou “cultura hip
hop” a partir do enquadramento de determinados elementos. Para a autora, os
antropólogos teriam responsabilidade direta na consolidação dessa noção de cultura
com aspas, já que a disciplina, através de seus escritos, retratou e colaborou na
cristalização de todos culturais aparentemente homogêneos, tais como “os
trobriandeses”, “os guaranis” ou “os nuer”, como se esses povos se tratassem de
unidades coerentes paradas no tempo. Contudo, Cunha ressalta que muitos desses
povos estudados pelos antropólogos passaram a usar essa noção fixadora da
“cultura” como parte de um sistema de representação e identidade, que os permite
dialogar com o Estado nacional. Os Yanomami, por exemplo, reclamam a preservação
da “cultura material e imaterial yanomami” para que não percam a posse de suas
terras para os interesses econômicos da mineração.

80
Cultura material e imaterial são dois tipos de patrimônio cultural reconhecidos pelo Estado,
que expressam a cultura e as particularidades de determinado grupo ou região. A cultura
material é composta por elementos tangíveis, tais como utensílios, objetos artísticos e
construções. Por sua vez, a cultura imaterial está relacionada a elementos abstratos, como
hábitos e rituais.

Assim como Cunha, outros autores foram críticos quanto a capacidade da


antropologia de produzir caricaturas das realidades culturais que pretendiam revelar,
fechando populações em unidades coerentes aparentemente paradas no tempo.
Podemos pensar, por exemplo, a partir do modo com são tratados os indígenas
brasileiros que vivem nas cidades ou que agregam artefatos e práticas supostamente
“ocidentais” ou “contraditórias” aos seus modos de vida. Ainda faz parte do nosso
senso comum discursos que afirmam que um indígena que dirige um automóvel ou
possui um smartphone “deixou de ser índio”, como se tais artefatos tecnológicos
contaminassem a pureza de sua cultura original. Por muito tempo, a antropologia
insistiu na ideia de aculturação, para caracterizar o encontro interétnico, mais
precisamente para falar da “perda de cultura” dos “povos tradicionais” para os “povos
europeus” ou “civilizados”. Essa noção de cultura, assentada em desejos nostálgicos
e encarnações fetichizadas de outros povos, produz uma tentativa de manter os
indígenas como reféns de um momento de sua própria história. Assim, apenas os
“povos civilizados” teriam direito a história e a uma concepção de cultura que é
dinâmica e se transforma.
Sahlins (1997), nos provoca a pensar como essa é uma atitude profundamente
etnocêntrica, visto que marcos históricos e sociais como o Renascimento, não foram
simplesmente inventados pelos europeus, visto que tratava-se de um movimento
social, político e científico caracterizado pela incorporação de elementos adquiridos
pelo contato com outros povos, principalmente através do comércio no Mediterrâneo.
Contudo, ao incorporarem a astronomia da Mesopotâmia ou a culinária da
Constantinopla nunca foram definidos como aculturados ou deixaram de se considerar
europeus. Portanto, porque pensa-se que os indígenas perdem sua “identidade
verdadeira” se incorporam a tecnologia ao seu cotidiano?

81
Como provoca Linton (1936) a respeito dos americanos: sabemos que estamos
na moderna civilização norte-americana quando, após tomar seu café da manhã, um
homem se recosta para ler seu jornal "impresso em caracteres inventados pelos
antigos semitas, sobre um material inventado na China, por um processo inventado
na Alemanha. Enquanto digere as notícias sobre os problemas estrangeiros, ele irá,
se for um bom cidadão conservador, agradecer a uma divindade hebréia, em uma
língua indo-européia, pela graça de ser 100% americano".

O grupo de Rap Brô MCs (Figura 12) é formado por jovens da etnia guarani, que residem
no Mato Grosso do Sul, e foram precursores de um movimento que levou o gênero musical
tipicamente urbano para as aldeias. O clipe Eru Orendive está disponível no Youtube
https://www.youtube.com/watch?v=oLbhGYfDmQg

Figura 12: Grupo indígena Brô MC’s

Fonte: Montesanti (2017, online)

Wagner (2010) em sua A invenção da cultura promove uma reflexão sobre a


própria antropologia, partindo da problematização do conceito de cultura, um de seus
instrumentos mais clássicos. Segundo o autor, a presunção e a consciência da cultura
trazem implicações importantes para a produção do conhecimento antropológico: é
preciso renunciar à clássica pretensão científica de racionalismo e objetividade
absoluta em favor de uma objetividade relativa. Essa objetividade relativa pode ser
alcançada através da reflexão sobre as maneiras pelas quais nossa cultura nos
permite compreender as outras e os limites que isso impõe a tal compreensão. Assim,
um antropólogo denomina a situação que está estudando como cultura, antes de mais
nada, para poder entendê-la em termos familiares e, dessa forma, acaba por “criar”

82
uma cultura, na medida em que ela emerge precisamente desse seu ato de invenção,
do uso que faz de significados por ele conhecidos ao construir uma representação
compreensível de seu objeto de estudo. Nesse sentido, a antropologia realiza duas
tarefas necessariamente simultâneas: ela apreende o caráter relativo de sua cultura
mediante a formulação concreta de outra. E é apenas por meio desse contraste
experienciado no trabalho de campo e na escrita que sua própria cultura se torna
visível. Assim, no ato de inventar outra cultura o antropólogo inventa sua própria
cultura e acaba por reinventar a própria noção de cultura.
Esse panorama de reflexões a respeito do conceito de cultura nos mostram a
necessidade de pensar como é difícil delimitar onde começa e termina cada unidade
que definimos como uma cultura específica. A cultura deve ser considerada como uma
espécie de mosaico fluido, frequentemente controverso, parcialmente integrado e
permeado por relações e poder e desigualdade que marcam os encontros
interculturais. Ademais, podemos ver que os indivíduos participam diferentemente de
sua cultura e que as culturas são dinâmicas. Nesse sentido, as transformações não
necessariamente implicam perdas ou substituições da cultura, mas adaptações, nem
sempre conscientes ou elegidas. É importante lembrar ainda que em uma única
sociedade, por menor que seja, em uma pequena aldeia africana, por exemplo, podem
coexistir historias e visões de mundo diversas, segundo critérios de gênero, geração
e estrato social (COMAROF; COMAROF, 2010).

83
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UFPA) Sobre patrimônio material e imaterial no Brasil, é correto afirmar:

a) As práticas e expressões culturais, para serem consideradas como bens imateriais,


devem apresentar associação entre os objetos, artefatos e os lugares onde são
desenvolvidos.
b) O Palacete Pinho, o Parque Zoobotânico do Museu Emilio Goeldi e o Complexo do
Ver-o-Peso são considerados como patrimônio imateriais do Brasil por
resguardarem a memória dos povos indígenas.
c) Os recursos naturais são bens culturais de patrimônio imaterial, por isso é grande
o risco de desaparecerem, caso não sejam preservados por políticas sociais.
d) O Ofício das Baianas de Acarajé agrega diferentes classes socioeconômicas,
promovendo a equidade e a justiça social, e é caracterizado apenas como
patrimônio material.
e) Os bens materiais têm que apresentar uma prática cultural regular tal como ocorre,
por exemplo, com o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, com o complexo cultural
do Bumba meu Boi do Maranhão e com a Roda de Capoeira.

2. (UFPA) A noção de Cultura Popular corresponde às práticas cultivadas de maneira


tradicional porque:

a) está relacionada à tradição oral, coletiva, e muitas vezes, é marcada pela relação
das pessoas com seu ambiente.
b) atinge simultaneamente as pessoas pelos meios de comunicação eletrônica, como
ocorre, por exemplo nos programas de rádio.
c) sua forma de difusão é a escrita, repassada de geração a geração desde tempos
remotos.
d) representa a cosmovisão das classes tradicionalmente dominantes
e) é comercializada e consumida em larga escala devido às atuais técnicas de
reprodução.

84
3. (UFU- adaptada) Uma das superstições características da cultura popular é relativa
ao mês de agosto, considerado mês de mau agouro, quando nenhuma decisão
importante deve ser tomada: não se deve fechar negócios, nem marcar
casamentos, ou fazer mudanças de qualquer espécie. O Jornal Correio de
Uberlândia, em agosto de 2008, publicou reportagem que atestava mudanças
nesse comportamento, durante o referido mês, tais como: realizações de
casamentos, de mudanças residenciais, ou de negócios em andamento ou, ainda,
salões de beleza com movimento normal para “mudanças de visual”. Considerando
o enunciado acima e o conceito antropológico de cultura, marque a alternativa
correta

a) só há pureza e autenticidade nas manifestações provindas da zona rural, não


contaminadas pelas vertiginosas transformações do mundo urbano.
b) as práticas culturais não são congeladas no tempo, são partes integrantes da
história e estão em processo de transformação com a própria história.
c) as manifestações culturais populares passam por um processo de
descaracterização, pois para permanecerem autênticas e tradicionais devem
reproduzir integralmente o passado e evitar mudanças.
d) as verdadeiras práticas tradicionais não se alteram com o tempo e são reproduzidas
da mesma forma como foram originadas
e) as subculturas urbanas estão menos sujeitas às manifestações culturais de ordem
mágica, religiosa ou mística.

4. (ENADE) “Cada vez que somos levados a qualificar uma cultura humana de inerte
ou estacionária, devemos, portanto, nos perguntar se este imobilismo aparente não
resulta da ignorância que temos de seus interesses verdadeiros, conscientes ou
inconscientes, e se, tendo critérios diferentes dos nossos, esta cultura não é, a
nosso respeito, vítima da mesma ilusão.
(LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. In: Antropologia Estrutural Dois, Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1976, p. 346.)

O fragmento de texto acima foi utilizado por um professor de Antropologia em uma


atividade preparatória para uma pesquisa de campo em uma pequena localidade
urbana, envolvendo seus alunos, em sua maioria jovens moradores de uma

85
metrópole. A qual objetivo metodológico presente na obra de Lévi-Strauss atende
a proposta desse professor?

a) estar atento às diferentes perspectivas presentes em outras sociedades, a fim de


melhor classificá-las e compará-las em sua complexidade.
b) apurar o olhar para o conhecimento da diferença, compartilhando com o outro suas
perspectivas e visões de mundo.
c) adotar uma vigilância epistemológica frente ao que, a princípio, pode parecer aos
olhos do pesquisador uma sociedade sem história.
d) perceber que o outro também tem atitudes etnocêntricas frente à sua sociedade,
cabendo ao pesquisador resguardar-se em suas relações de campo.
e) compreender que, apenas com o estudo prolongado, o antropólogo é capaz de
traduzir por completo os códigos culturais de uma sociedade.

5. (ENADE) Leia trechos da carta-resposta de um cacique indígena à sugestão, feita


pelo governo do estado da Virgínia (EUA), de que uma tribo de índios enviasse
alguns jovens para estudar nas escolas dos brancos:

“[...] Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem
e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que
diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os
senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a
mesma que a nossa. [...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas
escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram
para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de
suportar o frio e a fome. Não sabiam caçar o veado, matar o inimigo ou construir
uma cabana e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, inúteis. [...]
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos
aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, concordamos que os nobres senhores de
Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo que
sabemos e faremos deles homens.”
(Carlos Rodrigues Brandão. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1984.)

86
A relação entre os dois principais temas do texto da carta e a forma de abordagem
da educação privilegiada pelo cacique está representada por:

a) a sabedoria e política / educação difusa.


b) identidade e história / educação formal.
c) ideologia e filosofia / educação superior.
d) ciência e escolaridade / educação técnica.
e) educação e cultura / educação assistemática.

6. (IFRS- adaptado) Considerando o desenvolvimento do conceito de cultura, analise


as afirmações abaixo e identifique “V” como “VERDADEIRA” e “F” como “FALSA”,
assinalando a seguir a alternativa CORRETA na sequência de cima para baixo:

(X) O conceito de cultura, como utilizado atualmente, foi definido pela primeira vez por
Franz Boas, o qual sintetizou o termo germânico Kultur e a palavra francesa
Civilization no vocabulário inglês Culture.
(X) Pode-se dizer que o etnocentrismo é um fenômeno universal, sendo comum a
crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo sua única
expressão.
(X) Nas sociedades complexas, a participação do indivíduo em sua cultura é limitada,
já que ele não pode participar de todos os elementos de sua cultura. Isso não ocorre
nas sociedades mais simples, onde a especialização refere-se apenas a diferenças
de sexo e geração.
(X) Alfred Kroeber, no livro “O superorgânico”, demostra que graças à cultura a
humanidade distanciou-se do mundo animal, o que permitiu ir além de suas limitações
orgânicas.
Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA, na ordem de cima para baixo:

a) F – V – F – V.
b) V – V – F – V.
c) V – V – V – V.
d) V – F – V – F.
e) F – V – F – V.

87
7. (ENEM) “Muitos países se caracterizam por terem populações multiétnicas. Com
frequência, evoluíram desse modo ao longo de séculos. Outras sociedades se tornaram
multiétnicas mais rapidamente, como resultado de políticas incentivando a migração, ou
por conta de legados coloniais e imperiais.” (GIDDENS,A. Sociologia. Porto Alegre:
Penso, 2012, adaptado)
Do ponto de vista do funcionamento das democracias contemporâneas, o modelo de
sociedade descrito demanda, simultaneamente:

a) defesa do patriotismo e rejeição ao hibridismo.


b) universalização de direitos e respeito à diversidade.
c) segregação do território e estímulo ao autogoverno.
d) políticas de compensação e homogeneização do idioma.
e) padronização da cultura e repressão aos particularismos.

8. (ENEM) “Quanto ao “choque de civilizações”, é bom lembrar a carta de uma menina


americana de sete anos cujo pai era piloto na Guerra do Afeganistão: ela escreveu
que – embora amasse muito seu pai – estava pronta a deixá-lo morrer, a sacrificá-
lo por seu país. Quando o presidente Bush citou suas palavras, elas foram
entendidas como manifestação “normal” de patriotismo americano; vamos conduzir
uma experiência mental simples e imaginar uma menina árabe maometana
pateticamente lendo para as câmeras as mesmas palavras a respeito do pai que
lutava pelo Talibã – não é necessário pensar muito sobre qual teria sido a nossa
reação.”
(ZIZEK. S. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Bom Tempo. 2003.)

A situação imaginária proposta pelo autor explicita o desafio cultural do(a)


a) prática da diplomacia.
b) exercício da alteridade.
c) expansão da democracia.
d) universalização do progresso.
e) conquista da autodeterminação.

88
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 02 - A CONSOLIDAÇÃO DA
UNIDADE 01 - ENCONTROS ENTRE POVOS
ANTROPOLOGIA ENQUANTO CAMPO
E CULTURAS
CIENTÍFICO
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 E
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 D

UNIDADE 03 - INFLUÊNCIA DOS CLÁSSICOS UNIDADE 04 - A ESCOLA AMERICANA DE


DA SOCIOLOGIA ANTROPOLOGIA
QUESTÃO 1 E QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 C
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 D
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 E
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 D
QUESTÃO 8 E QUESTÃO 8 C

UNIDADE 05 - ALINOWSKI E A ETNOGRAFIA UNIDADE 06 - REVISITANDO O CONCEITO


MODERNA DE CULTURA
QUESTÃO 1 C QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 E QUESTÃO 6 E
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 B
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 B

89
REFERÊNCIAS

BOAS, F. As limitações do Método Comparativo da Antropologia. In: CASTRO, C.


(Org.). Textos básicos de antropologia: cem anos de tradição: Boas, Malinowski,
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(Coleção Antropologia Social). Tradução de Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005. 128 p. Disponível em: https://bit.ly/2Vtn39Z. Acesso em: 05 out.
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Malinowski, Lévi-Strauss e outros. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

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Iracema Dulley e Olívia Janequine). Revista de Antropologia e Arte, Campinas, v.
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https://bit.ly/2PfgPXT. Acesso em: 12 jun. 2020.

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DURKHEIM, E. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. História da Antropologia. Petrópolis: Vozes, 2012.

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