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DE IPATINGA
ANTROPOLOGIA I
Vanessa Sander
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Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado
ao longo da apostila, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Elas são para chamar
a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada uma com uma função
especifica, mostradas a seguir:
2
SUMÁRIO
01
SENSIBILIDADE ANTROPOLÓGICA..................................................................... 5
PROTO-ANTROPOLOGIAS.................................................................................... 6
ILUMINISMO E ROMANTISMO ............................................................................ 12
FIXANDO O CONTEÚDO...................................................................................... 15
03
KARL MARX.......................................................................................................... 34
ÉMILE DURKHEIM ................................................................................................ 36
MAX WEBER ......................................................................................................... 40
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 43
04
FRANZ BOAS E O CULTURALISMO ................................................................... 47
CULTURA E PERSONALIDADE .......................................................................... 49
MARGARETH MEAD ............................................................................................ 52
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 55
05
A CONSAGRAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO NA ANTROPOLOGIA ........... 60
O KULA ................................................................................................................. 63
A VIDA SEXUAL DOS SELVAGENS .................................................................... 65
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 68
06
O CONCEITO EM SEUS INÍCIOS ......................................................................... 76
NATUREZA E CULTURA: DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES .................. 77
FORMULAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA CULTURA ...................................... 80
FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 84
REFERÊNCIAS ................................................................................... 90
3
CONFIRA NO LIVRO
4
ENCONTROS ENTRE POVOS E UNIDADE
CULTURAS
SENSIBILIDADE ANTROPOLÓGICA
5
de vida social. Seu objetivo é alcançar, a partir de efeitos de contraste e comparação,
uma visão mais densa da cultura em que vivemos, do estar-no-mundo que nos é
familiar (BOAS, 2016).
Segundo Gomes (2009), para obter o pensar antropológico é preciso criar a
capacidade de colocar-se no lugar do outro, tomando certa distância da própria
cultura e dos valores por ela cultivados, para daí tentar entender outros modos de
vida. No entanto, ele reconhece que esse princípio da antropologia é uma espécie de
ideal a ser alcançado, uma ética difícil de se realizar plenamente, visto que é
impossível que uma pessoa se desprenda completamente dos significados e valores
aprendidos em sua própria sociedade. Assim, essa espécie de empatia antropológica
diante das diferenças e desigualdades está em permanente construção: é um esforço
constante e desafiador de entendimento daquilo que nos parece alheio.
PROTO-ANTROPOLOGIAS
6
emblemáticas sobre encontros interculturais.
Comecemos pela Grécia Antiga, nas pequenas cidades-Estado circundadas
de áreas rurais tradicionais da Idade do Ferro, ligadas ao mundo externo por uma
rede de relações comerciais marítimas entre povoados urbanos distribuídos ao longo
das costas do Mediterrâneo e do Mar Negro. Nessas cidades-Estado, chamadas de
berço da “democracia”, mais da metade da população era constituída de escravos, e
os cidadãos livres consideravam os trabalhos manuais atividades degradantes.
Numa dessas comunidades nasceu Heródoto, que ainda muito jovem passou a viajar
e registrar seus conhecimentos sobre os povos estrangeiros com os quais os gregos
mantinham contato.
Heródoto escreveu narrativas de viagem minuciosas sobre várias partes da
Ásia Ocidental, do Egito e da Pérsia. Apesar da distância temporal e espacial desses
relatos, é possível reconhecer neles dilemas antropológicos atuais, questionando
sobre como, afinal de contas, devemos relacionar-nos com “os outros”. Ele descreveu
da seguinte forma o sistema social dos povos lícios.:
Eles têm um costume singular pelo qual diferem de todas as outras nações
do mundo. Tomam o nome da mãe, e não o do pai. Pergunte-se a um lício
quem é, e responde dando seu próprio nome e o de sua mãe, e assim por
diante, na linha feminina. Além disso, se uma mulher livre desposar um
homem escravo, seus filhos são cidadãos integrais; mas se um homem livre
desposa uma mulher estrangeira, ou vive com uma concubina, embora seja
ele a primeira pessoa do Estado, os filhos não terão qualquer direito a
cidadania (PELTO, 1967, p. 22).
7
Alguns escritos europeus do período medieval tardio também podem ser
considerados como precursores da antropologia de nossos dias, tais como os
célebres relatos de Marco Polo sobre suas expedições pelo continente asiático. Ele
descreveu da seguinte maneira os principais costumes dos tártaros:
8
Portugal, onde conta sobre os recursos naturais encontrados na chegada ao
continente americano e descreve o encontro com os nativos. Seguem alguns trechos
importantes dessa correspondência:
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos
sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles
os pousaram. [...] A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados,
de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma
cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm
tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo
furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento
duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta
como um furador. [...] O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma
cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos
pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau
Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados
no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal
de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs
olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e
depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou
para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente
para o castiçal como se lá também houvesse prata. Mostraram-lhes um
papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e
acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um
carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo
dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
[...] Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque
neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas;
infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á
nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se
pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal
semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não houvesse mais
que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria.
Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza
tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé (CAMINHA, 1500,
p. 02-12) .
9
Figura 1: Imagem da Carta de Pero Vaz de Caminha
Figura 2: Quadro “Índios a Bordo da Nau Capitânea de Cabral” de Oscar Pereira da Silva
10
O encontro com os índios fez com que os europeus questionassem suas
próprias noções de humanidade, visto que os nativos não se comportavam de modos
que lhes parecessem “naturais” para os seres humanos. Nesse sentido, os elementos
e diferenças culturais que causavam curiosidade, riso e espanto nos colonizadores
descortinavam elementos importantes sobre o jeito como eles mesmos viam o
mundo. Essa percepção criou imagens dos indígenas como povos menos
desenvolvidos ou mesmo destituídos de humanidade, e colaborou com a emergência
dos ideais de progresso que pautaram os rumos do continente europeu. Nos séculos
seguintes, as sociedades europeias viveram uma franca expansão, através do
comércio, das guerras, da colonização, da pesquisa científica e das iniciativas
missionárias. Assim, o contato com “os outros” passou a ser cada vez mais comum
e, muitas vezes, atravessado por violências.
Essa breve pré-história da antropologia mostra como os povos tidos como
exóticos foram retratados como essencialmente semelhantes ou profundamente
diferentes por seus observadores. É importante ressaltar o caráter normativo dessas
descrições, que muitas vezes recaem em perspectivas substancialmente
etnocêntricas.
11
comem rãs e escargots; entre os alemães, o nudismo é bastante comum em praias e
lagos; a carne de vaca é proibida aos hindus; muitas mulheres muçulmanas usam burcas
que deixam apenas o rosto a mostra. Pensando sobre esses comportamentos, você
consegue identificar algum pensamento etnocêntrico que teve diante de alguma diferença
social, cultural ou regional? Você é capaz de relativizar esse costume situando-o em seu
contexto social específico? Você consegue pensar em algum hábito comum no Brasil que
poderia ser considerado completamente estranho por um europeu?
ILUMINISMO E ROMANTISMO
12
Com o desenvolvimento do Iluminismo, a autoridade divina e a autoridade
monárquica deixaram de ser consideradas um pressuposto natural e absoluto. O
indivíduo livre deveria ser a medida de todas as coisas, pautando a ordem social. A
ênfase na mente racional do ser humano, contribuiu para a disseminação da noção
de civilização. A civilidade de um povo teria a ver com o refinamento dos seus
costumes e seu progresso material. Assim, a natureza era concebida como uma força
a ser controlada, mais precisamente, civilizada através do desenvolvimento da
tecnologia e do progresso.
Por sua vez, o Romantismo foi uma tendência intelectual que surgiu como uma
espécie de desdobramento do Iluminismo. Nesse sentido, esse movimento também
valoriza a razão, mas privilegia aspectos considerados menores, como as emoções.
A partir disso, o foco na noção de indivíduo é deslocado para uma ideia de grupo, de
coletivos sociais, para sua linguagem e subjetividade. Ademais, a natureza era
tratada como o domínio mais propício para o exercício da razão humana. Nesse
sentido, o progresso não era visto como uma marcha civilizatória capaz de subjugar
a natureza pela técnica, uma vez que o homem era visto como parte integrante dessa
mesma natureza.
A Alemanha emergiu como o centro do pensamento romântico, tomando como
base central o conceito de Volk, elaborado pelo filósofo Johann Gottfried von Heder.
Heder criticava o universalismo do Iluminismo francês, afirmando que todo Volk
(povo) tem seus próprios valores, costumes, língua e espírito. Além disso, o termo
germânico Kultur, que originou o vocábulo cultura, era utilizado para simbolizar todos
os aspectos espirituais de uma comunidade. O conceito de Volk foi posteriormente
politizado e desenvolvido por outros pensadores, que o utilizaram de duas maneiras
bastante distintas: como um instrumento de germinação de movimentos nacionalistas
que se espalharam pela Europa na esteira das Guerras Napoleônicas; e como um
conceito acadêmico fundamental para desenvolver a proposição do relativismo
13
cultural. Assim, paradigmas antagônicos como o relativismo e o nacionalismo
remontam suas origens às mesmas noções embrionárias de cultura, originadas no
Romantismo alemão (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
14
FIXANDO O CONTEÚDO
a) Etnocêntrica
b) Iluminista
c) Relativista
d) Ideológica
e) Romântica
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I. O domínio de princípios universais possibilita ao colono estabelecer noções de
certo e errado que constroem um mundo a ser respeitado pelos colonizados.
II. Os valores que compõem o mundo colonial são meios de estabelecer os
colonizados como elementos corrosivos que representam uma espécie de mal
absoluto.
III. O colono estabelece um domínio racional que garante ao colonizado sua
humanidade na medida em que ele compreende as regras de conduta
estabelecidas.
16
4. (Unilavras – adaptado) O domínio europeu sobre suas colônias tinha como
pressuposto básico a postura civilizadora, em que os europeus se colocavam como
povos de uma "cultura superior" e tinham como objetivo impor seu conceito de
"civilização" aos nativos do novo mundo. Essas práticas de dominação se
embasavam em pressupostos etnocêntricos. Por ser um fenômeno advindo do
encontro entre culturas distintas, qual o elemento central do etnocentrismo?
“[...] não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na
verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. [...] Não
me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade [o canibalismo], mas
que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos.
Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto;
e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos,
ou entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o
lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é
bem mais grave do que assar e comer um homem previamente executado. [...]
17
Podemos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos
à inteligência, mas nunca se compararmos a nós mesmos, que os excedemos em
toda sorte de barbaridades.”
(MONTAIGNE, Michel Eyquem de. Ensaios. São Paulo: Nova Cultural, 1984)
6. (UEL) O etnocentrismo pode ser definido como uma “[...] atitude emocionalmente
condicionada que leva a considerar e julgar sociedades culturalmente diversas com
critérios fornecidos pela própria cultura. Assim, compreende-se a tendência para
menosprezar ou odiar culturas cujos padrões se afastam ou divergem dos da
cultura do observador que exterioriza a atitude etnocêntrica. [...] Preconceito racial,
nacionalismo, preconceito de classe ou de profissão, intolerância religiosa são
algumas formas de etnocentrismo”.
(WILLEMS, E. Dicionário de Sociologia. Porto Alegre: Globo, 1970. p. 125)
Com base no texto, assinale a alternativa cujo discurso revela uma visão
etnocêntrica:
18
formas de conhecimentos ocidentais.
c) Os critérios de julgamento das culturas diferentes devem primar pela tolerância e
pela compreensão dos valores, da lógica e da dinâmica própria a cada uma delas.
d) As culturas podem conviver de forma democrática, dada a inexistência de
elementos de superioridade e inferioridade entre elas.
e) O encontro entre diferentes culturas propicia a humanização das relações sociais,
a partir do aprendizado sobre as diferentes visões de mundo.
7. (UNESP) Cada cultura tem suas virtudes, seus vícios, seus conhecimentos, seus
modos de vida, seus erros, suas ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais
importante é cada nação aspirar a integrar aquilo que as outras têm de melhor, e a
buscar a simbiose do melhor de todas as culturas. A França deve ser considerada
em sua história não somente segundo os ideais de Liberdade-Igualdade-
Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas também segundo o
comportamento de uma potência que, como seus vizinhos europeus, praticou
durante séculos a escravidão em massa, e em sua colonização oprimiu povos e
negou suas aspirações à emancipação. Há uma barbárie europeia cuja cultura
produziu o colonialismo e os totalitarismos fascistas, nazistas, comunistas.
Devemos considerar uma cultura não somente segundo seus nobres ideais, mas
também segundo sua maneira de camuflar sua barbárie sob esses ideais.
(Edgard Morin. Le Monde, 08.02.2012. Adaptado.)
19
8. (UEG- adaptado) “Não quero que a minha casa seja cercada de muros por todos
os lados, nem que minhas janelas sejam tapadas. Quero que as culturas de todas
as terras sejam sopradas para dentro de minha casa, o mais livremente possível.
Mas recuso-me a ser desapossado da minha por qualquer outra.”
GANDHI, M. Relatório do desenvolvimento humano 2004. In: TERRA, Lygia; COELHO, Marcos de
A. Geografia geral. São Paulo: Moderna, 2005. p.137.
20
A CONSOLIDAÇÃO DA UNIDADE
ANTROPOLOGIA ENQUANTO
CAMPO CIENTÍFICO
A PRIMAZIA DO CULTURAL
21
tropicais eram menos propensos ao desenvolvimento do que países de clima frio.
Assim, a diversidade humana era justificada através de fatores somatológicos ou
mesológicos, teorias chamadas de determinismo biológico e determinismo
geográfico.
Um contraponto interessante foi produzido pelo antropólogo haitiano Anténor
Firmin (1850-1911) (Figura 3) que escreveu um ensaio, em 1885, intitulado Ensaio
sobre a Igualdade das Raças Humanas, em que criticava as hierarquias raciais
vigentes na época e argumentava que “todos os homens possuem as mesmas
qualidades e os mesmos defeitos, sem distinção de cor ou forma”. Ainda que sua
obra seja de extrema importância e tenha influenciado uma série de antropólogos
negros, seu nome foi e ainda é frequentemente invisibilizado nos cânones da
disciplina.
22
Se, após o Iluminismo, a humanidade passou a ser considerada uma essência
que unia todos os povos, as tentativas de explicar as diferenças no interior dessa
unidade eram múltiplas. Emergiram com força posições que justificavam a diversidade
a partir de fatores considerados biológicos ou climáticos. O surgimento e a
consolidação da antropologia trouxeram ainda explicações que adicionaram a esse
bojo teórico argumentos que advogavam pela primazia do cultural na justificação
dessas diferenças. Nesse sentido, as diferenças entre os povos estariam menos
relacionadas a elementos físicos, genéticos ou geográficos e mais aos contextos de
aprendizado cultural. Contudo, em qualquer uma dessas posições, a Europa era
tomada como referência do lugar civilizado por excelência. Nesse contexto, uma
corrente do pensamento antropológico chamada evolucionismo ganhou destaque
no desenvolvimento da disciplina.
EVOLUCIONISMO CULTURAL
23
avançados; eram tratados como exemplos vivos do que os povos da Europa haviam
sido no passado (BOAS, 2016).
Entre o período que vai de 1870 até a Primeira Guerra Mundial, o
evolucionismo foi a corrente hegemônica na antropologia. Em 1877, o norte-
americano Lewis Morgan publicou sua obra de maior impacto, intitulada A sociedade
Antiga, onde expõe sua investigação sobre as linhas do progresso humano. Nessa
obra, Morgan apresenta os estágios de desenvolvimento da humanidade a partir da
análise de cinco casos exemplares: os aborígenes australianos, os índios iroqueses,
os astecas, os gregos e os romanos. O autor contava com uma imensa quantidade
de dados sobre os sistemas de parentesco desses povos, visto que considerava o
tema do parentesco uma porta de entrada para os estudos da evolução social.
Morgan divide a humanidade em três grandes estágios da evolução cultural:
selvageria, barbárie e civilização (com três subestágios para a selvageria e para a
barbárie). Os critérios para essas divisões são substancialmente técnicos: os
selvagens eram caçadores coletores, o barbarismo estava associado à agricultura e
a “civilização” à formação do Estado e à urbanização. A seguir, vemos o quadro
esquemático sintético elaborado por Morgan (2016):
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Vemos que Morgan vincula o desenvolvimento gradual das sociedades a
alguns critérios importantes: subsistência, governo, linguagem, família, religião,
arquitetura e propriedade. Tais critérios eram arbitrários, construídos a partir de
elementos que o autor considerava centrais em sua própria sociedade. É importante
ressaltar que Morgan não trabalhou em um vácuo intelectual, e sim inserido em um
contexto em que os estudos e interesses pelas culturas estavam em ascensão, e o
acesso aos dados empíricos crescia vertiginosamente graças ao colonialismo.
25
os artefatos usados para fazer fogo, os instrumentos musicais, as flechas e demais
instrumentos de caça. Nas palavras de Tylor:
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novas bases para os estudos sobre mitologia e religião, o autor não teve nenhum
contato direto com os povos que cita na obra.
Como muitos evolucionistas, Frazer acreditava em um modelo de evolução
cultural dividido em três etapas: primeiro, um estado primitivo “mágico”, seguido por
um estágio “religioso”, que dá lugar a um estágio final, o “científico”. Embora o autor
tratasse os ritos mágicos como irracionais e considerasse que os “primitivos”
baseavam sua vida em compreensões ilusórias sobre a natureza, seu principal
interesse era identificar padrões e traços universais no pensamento mítico. A partir
dessa ideia, o público inglês da época ficou escandalizado com a sugestão de que
certos elementos do cristianismo estavam relacionados a mitos e rituais pagãos.
Morgan, Tylor e Frazer entraram para a história da antropologia classificados
como autores evolucionistas. Embora dialoguem com essa corrente do pensamento
social, o evolucionismo aparece na obra de casa um deles com matizes particulares.
Em comum, os autores faziam parte de um projeto ambicioso de esboçar grandes
esquemas evolutivos, unilineares na intenção e universalistas nas pretensões; além
de compartilharem o objetivo de documentar a imensa amplitude da variação
sociocultural humana (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Contudo, os pressupostos evolucionistas foram muito criticados, nas duas
primeiras décadas do século XX, por antropólogos que preferiam explicar a
diversidade cultural humana a partir da ideia de difusão, e não da evolução.
DIFUSIONISMO
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Assim como os evolucionistas, os difusionistas também se utilizavam dos
traços e sobreviventes culturais para reconstruir o passado, mas o passado não era
mais pensado como um movimento unilinear através de estágios bem definidos. A
histórica cultural era pensada como uma narrativa fragmentada de encontros
culturais, migrações, conflitos e influências. Eles sustentavam que a evolução cultural
não era unilinear e que não havia um elo determinista simples entre uma possível
complexidade tecnológica e a complexidade em outras áreas. Isso significa que um
povo com uma tecnologia simples poderia ter um sistema religioso altamente
sofisticado, assim como o inverso também poderia ocorrer.
Figura 4: Imagem da expedição Kon-Tiqui, realizada em 1947 pelo difusionista norueguês Thor
Heyerdahl,
28
29
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (SEEC-RN) Ao se voltar, mais uma vez, para a conquista de novos mercados além-
mar, a Europa passa a lidar com civilizações organizadas sob princípios diferentes
dos seus. A concepção evolucionista da biologia, transposta para as ciências
sociais, leva os cientistas europeus a olharem essas sociedades não europeias
como:
30
d) A diplomacia do canhão e do fuzil, a ação dos missionários e dos viajantes
naturalistas contribuíram para quebrar a resistência cultural das populações
africanas, asiáticas e latino-americanas.
e) O mapa das comunicações nos ensina: as estradas de ferro colocavam os portos
das áreas colonizadas em contato com o mundo exterior.
a) as sociedades “primitivas” não eram testemunhos dos estados mais antigos das
sociedades ocidentais.
b) as sociedades tendem a evoluir em um mesmo ritmo, sem levar em consideração
suas particularidades para essa evolução;
c) os povos primitivos são verdadeiros museus vivos da história da humanidade,
31
representando estágios anteriores de seu desenvolvimento.
d) a sociedade ocidental é inferior às sociedades ditas primitivas, motivo pelo qual
vivem em menor harmonia com a natureza.
e) a evolução do homem era pensada em consonância com os discursos religiosos
do criacionismo.
32
d) James Frazer, Montagne, Lewis Morgan e Tylor.
e) Fustel de Coulanges, Tylor, Lewis Morgan, Tylor e James Frazer.
a) evolucionista Tylor
b) evolucionista Frazer
c) difusionista Tylor
d) evolucionista Morgan
e) difusionista Frazer
33
A INFLUÊNCIA DOS UNIDADE
CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA
KARL MARX
34
aplicar ao estudo das sociedades o critério das ciências. Assim, quando Marx utilizou
o termo socialismo para definir seu posicionamento teórico e político, agregou a ele
o adjetivo “científico”. Em O Capital, de 1867, uma de suas obras mais importantes,
o autor busca apresentar as leis que regiam o funcionamento das sociedades
capitalistas. A perspectiva marxista está centrada nos modos de produção,
reconhecendo que os regimes de propriedade e as relações de trabalho modificam
as sociedades (OLIVEIRA, 2018).
35
De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em
última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Mas essa
produção e essa reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de
meios de existência, de produtos alimentícios, habitação e instrumentos
necessários para tudo isso; de outro lado, a produção do homem mesmo, a
continuação da espécie. A ordem social em que vivem os homens de
determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas
espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um
lado; e da família, de outro (ENGELS, 1984, p. 02)
Nas poucas passagens de sua vasta obra em que Marx e Engels dedicaram
atenção às chamadas sociedades tribais, os autores relacionaram a organização do
parentesco e a emergência do Estado antigo com a produção dos meios de vida e a
organização da sociedade. Essa discussão, organizada no volume A Origem da
Família, da Propriedade Privada e do Estado, de 1884, repercutiu na antropologia
durante muito tempo, de formas múltiplas e indiretas.
https://bit.ly/3gf0OwK
ÉMILE DURKHEIM
36
Figura 6: Émile Durkheim
Para Durkheim, a teoria social deveria tratar dos fatos sociais. Nessa
perspectiva, explicar sociologicamente um fato não é explicar suas origens, pois essa
tarefa caberia à história, mas estabelecer suas relações com os diferentes domínios
da sociedade. Diferentemente tanto dos difusionistas como dos evolucionistas,
Durkheim não tinha um interesse particular pelas origens da humanidade. Ele
procurava mais explicações sincrônicas do que diacrônicas.
37
manter o todo. O autor consagrou a análise social através de metáforas organicistas,
ou seja, concebendo a sociedade como um organismo social, uma analogia entre
os sistemas funcionais do corpo e da sociedade (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Em suas análises, Durkheim deixava de lado as questões de estágios de
evolução e justapunha sociedades tradicionais e modernas sem postular que as
primeiras necessariamente evoluiriam para as segundas. As sociedades ditas
primitivas não eram tratadas como sobreviventes de um passado nebuloso nem
passos em direção ao progresso, mas organismos sociais que mereciam ser
estudados por seu valor intrínseco. Em seu livro A Divisão Social do Trabalho (1979),
Durkheim concentra-se no estudo da diferença entre organizações sociais simples e
complexas. Na perspectiva do autor, as sociedades simples se baseiam na
solidariedade mecânica: as pessoas apoiam a ordem social existente e umas às
outras porque tem a mesma vida em comum, realizam as mesmas atividades e se
percebem semelhantes. Por outro lado, as sociedades complexas se baseiam na
solidariedade orgânica, ou seja, pela percepção que as pessoas têm uma das
outras como diferentes, com papeis complementares. Cada pessoa realiza uma
tarefa distinta que contribui para o todo, criando laços de interdependência. Contudo,
Durkheim faz mais do que postular um contraste entre os europeus e “os outros”, na
medida em que defende que as duas formas de solidariedade devem ser entendidas
como princípios gerais de interação social, que coexistem na maioria das sociedades.
A última obra de Durkheim, As Formas Elementares da Vida Religiosa,
publicada em 1915, foi sua contribuição de maior impacto para a antropologia. No
livro, ele argumenta que a religião atua como uma representação coletiva importante
para gerar solidariedade nas sociedades, a partir da construção de imagens,
símbolos e modelos comuns aos grupos sociais. Para elaborar proposições sobre
religiosidades elementares, Durkheim analisa dados e relatos sobre os rituais das
sociedades aborígenes australianas. Na época, esses povos eram usualmente
considerados como as sociedades mais “primitivas” existentes, dentro da perspectiva
evolucionista então predominante. Por isso, eram tomadas como o exemplo de
sociedades mais simples, menos diferenciadas e de menor complexidade social. A
partir da análise de ritos e símbolos religiosos dos aborígenes, Durkheim argumenta
que embora esses elementos se desenvolvam através de relações interpessoais,
eles adquirem um caráter objetivo supraindividual. Assim, as religiões atuam como
38
entidades morais, com poder sobre as emoções das pessoas.
Durkheim explora o apego emocional dos indivíduos a representações
coletivas através da análise dos rituais (como o casamento, mostrado na Figura 7).
O ritual seria a forma através da qual esse apego é expressado e representado
através da interação física, de forma que a solidariedade se torna uma experiência
direta, corporal. O ritual seria um momento especial, que separa da vida cotidiana
profana, traçando um círculo de excepcionalidade em torno do seu próprio domínio
sagrado.
39
representações coletivas cuja função era criar solidariedade social (Eriksen &
Nielsen, 2012). Suas contribuições sobre o estudo das religiões e também dos
sistemas de parentesco tiveram ecos importantes no pensamento antropológico.
MAX WEBER
Max Weber (Figura 8) publicou em 1905 o livro que muitos consideram como
sua obra de maior importância: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. O
autor herdou de Marx o interesse pelo capitalismo ocidental como grande tema de
investigação, estudando-o da perspectiva histórica, econômica, ideológica e
sociológica. Contudo, Weber criticava o monismo causal que o materialismo marxista
pode adquirir em suas formas vulgares, defendendo que, assim como os fatores de
ordem material e econômica, as ideias cobram força na explicação sociológica
(QUINTANEIRO, 2002).
Para dar carne e osso a suas teorizações, ele demonstra como o calvinismo
foi uma das múltiplas razões da ascensão do capitalismo. A partir de um pensamento
afeito a complexidade dos fenômenos sociais, Weber argumenta que o
protestantismo, de uma maneira geral, formulou uma ideologia afinada com a ética
capitalista. Nessa perspectiva, os valores religiosos podem ser tão importantes
quanto o modelo de organização econômica para a análise social, na medida em que
os valores protestantes possibilitaram a aceitação de ideias essenciais para o
desenvolvimento capitalista, tais como os juros e a poupança.
As análises weberianas são baseadas na hermenêutica, nome dado a
40
vertente filosófica que tem como objetivo compreender e interpretar o ponto de vista
de uma pessoa ou de uma cultura. Essa intenção interpretativa motivou Weber a
pesquisar as motivações por trás das ações: como determinados modos de agir
poderiam fazer sentido para os indivíduos, apreendendo seus motivos, as escolhas
com as quais eles se defrontam e as respostas que seriam naturais em face das
circunstancias de suas vidas. Interessa-lhe não o sistema ou o todo, mas o fato de
que, quando indivíduos fazem coisas, eles têm razoes concretas para fazê-las. Nessa
perspectiva, Weber é um dos primeiros representantes do que mais tarde se
chamaria de individualismo metodológico. Como seus contemporâneos, os
difusionistas, ele se opunha a esquemas teóricos abstratos, distantes da experiência.
(ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Se Durkheim sustenta que os fenômenos sociais devem ser estudados como
coisas, e defende que os indivíduos são mais produtos da sociedade do que seus
produtores, Weber, de certa forma, inverte esses vetores, ao propor o estudo dos
valores que orientam as ações e as ideias. De forma correlata, se Marx defende que
a mudança social não surge a partir de indivíduos e suas vontades, mas a partir de
conflitos estruturais de classe de movimento lento no seio do sistema social, Weber
concentra-se nos efeitos das estratégias individuais e coletivas para alcançar o poder.
Assim, na perspectiva weberiana, a sociedade é um esforço mais individual e menos
coletivo do que para Marx ou para Durkheim, que podem ser classificados como
coletivistas metodológicos. Para Weber, a sociedade não é uma ordem moral dada
coercitivamente, como em Durkheim, e também não é produto de forças coletivas
determinadas pela distribuição dos modos de produção, como em Marx. A sociedade
é uma ordem complexa, gerada quando diferentes pessoas e grupos com diferentes
interesses e valores se encontram e tentam (em última análise pela força) chegar a
uma espécie de acordo.
41
Pode-se dizer que o legado de Weber sobre a antropologia foi menos direto
que o de Durkheim, visto que seu impacto sobre a disciplina ocorreu em grande parte
apenas após a II Guerra Mundial. Ainda assim, é necessário lembrar da originalidade
e do refinamento das reflexões de Weber. A maneira como interpretou o
desenvolvimento histórico do Ocidente, como uma marcha orientada por ideais de
racionalidade, representa um avanço em termos de precisão metodológica orientada
para a compreensão do outro e duas suas ações.
42
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Karl Marx
2. Max Weber
3. Êmille Durkheim
(X) Racionalidade
(X) As Formas Elementares da Vida Religiosa
(X) Materialismo Histórico
(X) Hermenêutica
a) 3, 2, 3, 1;
b) 2, 2, 1, 3;
c) 1, 3, 3, 2;
d) 3, 3, 1, 2;
e) 2, 3, 1, 2.
43
a) A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu a uma grande
concentração da população no ambiente urbano, o qual acabou se constituindo em
laboratório para o trabalho de intelectuais interessados no estudo dos problemas
que essa nova realidade social gerava.
b) A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades
gerou uma série de problemas modernos, que passaram a demandar investigações
visando à sua resolução ou minimização.
c) Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos provocados pela
revolução industrial compartilhavam uma perspectiva positiva sobre os efeitos do
desenvolvimento econômico baseado no modelo capitalista.
d) Os conflitos entre capital e trabalho, potencializados pela concentração dos
operários nas fábricas, foram tema de pesquisa dos precursores da sociologia e
continuam inspirando debates científicos relevantes na atualidade.
e) A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas e indústrias
do século XIX inserissem sociólogos em seus quadros profissionais para atuarem
no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes e produtivos.
a) conhecer a fundo o ser humano e suas diversas facetas perante a sua interação
com o outro, priorizando sua individualidade.
b) Entender a fundo os processos sociais que formam a realidade social do Homem,
atentando principalmente aos aspectos gerais, e não aos individuais.
44
c) Descobrir e tratar todos os males humanos que afligem a sociedade, tendo como
objetivo a formação de uma raça humana perfeita.
d) A criação de uma seita científica, com o objetivo de construir o verdadeiro
conhecimento em busca da perfeição humana.
e) A organização da classe trabalhadora e o entendimento das relações sociais de
poder forjadas pela distribuição dos meios de produção.
6. Duas expressões que podem ser usadas para caracterizar e distinguir os métodos
sociológicos desenvolvidos por Émile Durkheim e Max Weber, respectivamente,
são:
a) romantismo e coletivismo.
b) hermenêutica e construtivismo.
c) holismo e individualismo.
d) difusionismo e empirismo.
e) idealismo e materialismo.
45
O antropólogo evolucionista ________ influenciou os escritos de Karl Marx, por
tratar a propriedade privada como um elemento importante no esquema
evolucionário da humanidade. A sistematização do desenvolvimento das relações
de produção ao longo do tempo foi importante para a explanação do _________.
46
A ESCOLA AMERICANA DE UNIDADE
ANTROPOLOGIA
47
se sustentaria, caso desenvolvimentos históricos diferentes pudessem
conduzir aos mesmos resultados. Sua existência apresentaria para nós um
problema inteiramente diverso: como desenvolvimentos culturais tão
frequentemente levam ao mesmo resultado? É preciso compreender com
clareza, portanto, que, quando compara fenômenos culturais similares de
várias partes do mundo, a fim de descobrir a história uniforme de seu
desenvolvimento, a pesquisa antropológica supõe que o mesmo fenômeno
etnológico tenha se desenvolvido em todos os lugares da mesma maneira.
Aqui reside a falha no argumento do novo método, pois essa prova não pode
ser dada. Até o exame mais superficial mostra que os mesmos fenômenos
podem se desenvolver por uma multiplicidade de caminhos. Darei alguns
exemplos. Tribos primitivas são quase universalmente divididas em clãs que
possuem totens. Não pode haver dúvida de que essa forma de organização
social surgiu repetidas vezes de modo independente. Certamente justifica-
se a conclusão de que as condições psíquicas do homem favorecem a
existência de uma organização totêmica da sociedade, mas daí não decorre
que toda sociedade totêmica tenha se desenvolvido em todos os lugares da
mesma maneira. O dr. Washington Matthews acredita que os totens dos
Navajo tenham se originado pela associação de clãs independentes. O
capitão Bourke presume que ocorrências similares deram origem aos clãs
dos Apache; e o dr. Fewkes chegou à mesma conclusão com relação a
algumas tribos Pueblo. Por outro lado, temos prova de que os clãs podem
se originar por divisão. Eu mostrei que tais eventos ocorreram entre os índios
da costa norte do Pacífico. Associação de pequenas tribos, por um lado, e
desintegração de tribos que aumentaram de tamanho, por outro, têm levado
a resultados que em tudo parecem idênticos. Para dar outro exemplo:
investigações recentes sobre arte primitiva têm mostrado que os desenhos
geométricos originaram-se algumas vezes de formas naturalistas que foram
gradualmente convencionalizadas, outras vezes, a partir de motivos
técnicos, e ainda em outros casos, eram geométricos desde a origem, ou
que derivaram de símbolos. As mesmas formas se desenvolveram a partir
de todas essas fontes. Com base em desenhos representando diversos
objetos surgiram, no curso do tempo, gregas, meandros, cruzes, etc.
Portanto, a ocorrência frequente dessas formas não prova nem uma origem
comum, nem que elas tenham sempre se desenvolvido de acordo com as
mesmas leis psíquicas. Pelo contrário, o mesmo resultado pode ter sido
alcançado por quatro linhas diferentes de desenvolvimento e de um número
infinito de pontos de partida [...].Esses poucos dados bastam para mostrar
que o mesmo fenômeno étnico pode se desenvolver a partir de diferentes
pontes. Quanto mais simples o fato observado, mais provável é que ele
possa ter se desenvolvido de uma fonte aqui e outra ali. Desse modo,
reconhecemos que a suposição fundamental tão frequentemente formulada
pelos antropólogos modernos não pode ser aceita como verdade em todos
os casos. Não se pode dizer que a ocorrência do mesmo fenômeno sempre
se deve às mesmas causas nem que ela prove que a mente humana
obedece às mesmas leis em todos os lugares. Temos que exigir que as
causas a partir das quais o fenômeno se desenvolveu sejam investigadas, e
que as comparações se restrinjam àqueles fenômenos que se provem ser
efeitos das mesmas causas. Devemos insistir para que essa investigação
seja preliminar a todos os estudos comparativos mais amplos. [...] Vimos que
os fatos não favoreceram absolutamente a suposição da qual aqui falamos;
muito pelo contrário, eles apontam na direção oposta. Dessa maneira,
devemos também considerar que todas as engenhosas tentativas de
construção de um grande sistema da evolução da sociedade têm valor muito
duvidoso, a menos que se prove também que os mesmos fenômenos
tiveram sempre a mesma origem. Até que isso seja feito, o pressuposto mais
aceitável é que o desenvolvimento histórico pode ter seguido cursos variados
(BOAS, 2016, p. 36-38)
48
A partir das formulações de Boas, vemos que o autor defendia que cada
cultura continha seus próprios valores e sua própria histórica única que, em alguns
casos, poderia ser reconstituída pelos antropólogos. Desse modo, ele sustenta uma
desconfiança das generalizações grandiosas e dos perigos da teorização vazia,
buscando identificar as circunstâncias singulares que que haviam gerado culturas
particulares. Boas também se mostrava cauteloso com o uso da comparação, que
com muita facilidade estabelecia semelhanças artificiais entre sociedades
fundamentalmente diferentes (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
CULTURA E PERSONALIDADE
49
mais psicológica, chama de Cultura e Personalidade. Benedic e Mead
conquistaram amplo reconhecimento, e seus livros eram lidos por um público grande
e diverso, enquanto Hurston não alcançou a mesma visibilidade na antropologia,
ficando mais conhecida por suas obras no campo da literatura.
As autoras se concentravam nas relações entre fatores psicológicos, tais
como personalidade, emoções e caráter (conceitos em voga na discussão das
ciências psi naquele momento), e nas condições culturais, como socialização,
papéis de gênero e valores. O problema fundamental dessa escola do pensamento
antropológico era o de saber até que ponto as características mentais humanas são
inatas e até que ponto são adquiridas. Boas havia sustentado que a quantidade de
variação cultural entre os seres humanos é uma forte indicação de que a cultura não
é inata, e suas alunas também eram coerentemente culturalistas em suas
orientações.
Como a maioria dos antropólogos estadunidenses da época, Ruth Benedict
realizou alguns trabalhos de campo entre os índios norte-americanos, de onde tirou
grande parte do material que utilizou para escrever o livro Padrões de Cultura, de
1934. Na obra, Benedict realiza um contraste empírico entre duas tribos: os Zuhnis e
os Kwakiutls, desenvolvendo a ideia de que a cultura pode ser analisada como uma
espécie de padrão macropsicológico. Por um lado, os Zuhnis eram descritos como
tendo forte solidariedade grupal, laços políticos comunitários, rituais discretos e uma
educação branda de suas crianças. De outro, os Kwakiutls eram retratados como
competitivos, individualistas, de ritos exagerados e dramáticos e de pedagogia mais
agressiva. Em vez de catalogar a substância da cultura, Benedict procurava
identificar a configuração da personalidade coletiva dos povos, o “estilo emocional”
ou a “estética” com que cada cultura permeava a ação, a emoção e o pensamento.
Ela chamava essa “personalidade cultural” de ethos. Ao afirmar que emoções e
cultura estão interligadas a autora deu um passo radical, visto que a cultura era
majoritariamente tratada como um elemento coletivo enquanto as emoções eram
consideradas como vivências individuais. As emoções eram tradicionalmente vistas
como não tendo nenhuma relação com a sociedade de uma forma mais ampla e,
além disso, eram tomadas como vagas, femininas e não cientificas. Benedict, pelo
contrário, defendia que padrões de emoção também podiam ser compartilhados, que
também faziam parte da cultura (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
50
Ainda que suas formulações iniciais sobre o ethos tenham advindo de
pesquisas sobre os nativos norte-americanos, uma das obras mais célebres de
Benedict é O Crisântemo a Espada, de 1946, onde descreve as tensões psicológicas
da cultura japonesa, entre a violência brutal e o estetismo delicado, estabelecendo
relações envolventes com a cultura norte americana. O livro foi escrito durante a
Segunda Guerra Mundial, quando Bendict dedicou-se a delicada missão de escrever
uma espécie de relatório sobre a cultura e o caráter nacional japonês. Ela não chegou
a fazer pesquisa de campo presencial no Japão, mas entrevistou veteranos
japoneses, assistiu a filmes e programas de TV e explorou a literatura japonesa,
resultando em um texto que descreve suas formas de pensar e seus valores. A partir
da década de 1980, esse livro gerou uma série de debates sobre as questões éticas
no exercício da antropologia, questionando sobre seus possíveis agenciamentos
imperialistas e militares.
Outra aluna importante de Boas foi Zora Neale Hurston, que escreveu tanto no
campo da antropologia quanto no da literatura, entre as décadas de 1930 e 1950. No
que concerne ao campo da antropologia, a autora desenvolveu um importante
trabalho em relação ao estudo das religiosidades de matriz africana no sul dos
Estados Unidos e na América Central. Além disso, escreveu, em 1938, a biografia de
Cudjo Lewis, última pessoa viva nos Estados Unidos a atravessar o atlântico como
escravizado. Contudo, suas contribuições foram constantemente deixadas em
segundo plano no decorrer do desenvolvimento do campo disciplinar.
Como mulher negra, a atuação de Hurston colocou em questão os modos de
se fazer pesquisa dos cânones acadêmicos brancos e masculinos que pautavam a
antropologia. A autora contrariava os padrões estabelecidos escrevendo na primeira
pessoa e mesclando marcas de oralidade, típicas da fala da população afro-
americana, com uma escrita formal. Nesse sentido, as obras de Hurston foram vistas
51
como distantes das normas convencionadas para a realização de uma antropologia
séria e adequada para os padrões da época, o que contribuía para que seus textos
fossem taxados como pouco antropológicos. A própria autora também aponta que seu
não reconhecimento enquanto uma antropóloga “séria” teria sido influenciado por um
movimento de resistência à profissionalização das mulheres em geral (LOURENÇO,
2019).
MARGARETH MEAD
A mais célebre das orientandas de Boas foi Margareth Mead, que vendeu uma
quantidade impressionante de livros para um público amplo, e encheu auditórios em
suas palestras. Sua escrita acessível e sua capacidade de instigar a identidade
pessoal e cultural do leitor com contrastes surpreendentes e comparações
impressionantes lhe garantiu o posto de sucessora direta, visto que assumiu a
cátedra de Boas após a morte do mestre.
Sua fama se estabeleceu já no início de sua carreira, quando publicou artigos
sobre a adolescência em “sociedades tribais”. Nesses trabalhos, Mead explorava a
ideia de que as formas pelas quais periodizamos a vida - com infância, adolescência,
adultez e velhice – são socialmente construídas e culturalmente variáveis. A partir de
seus estudos iniciais, feitos entre jovens na Samoa, a autora desnaturaliza a ideia
americana de que a adolescência constituía uma fase de questões psicológicas
universais. Se a adolescência estadunidense era comumente representada como
uma fase invariavelmente difícil, de crise e rebeldia, Mead mostra como entre as
samoanas aquele momento era vivido com certa tranquilidade e liberdade, sobretudo
liberdade sexual. A autora mostra como as adolescentes samoanas valorizavam
socialmente comportamentos completamente diferentes de suas equivalentes norte-
americanas (OLIVEIRA, 2018).
Contudo, a obra mais conhecida de Mead, foi Sexo e Temperamento,
publicado em 1935. No livro, a autora apresenta um estudo em que compara a
criação de crianças em três sociedades diferentes na região da Nova Guiné: os
Arapesh, os Mundugumor e os Tchambuli. Mead se deu conta de que, em diferentes
contextos, homens e mulheres desempenhavam funções diversas na criação das
crianças e na vida social de uma forma geral. Sua pesquisa comparativa de
52
personalidades nessas diferentes culturas constatou que, entre os Arapesh, homens
e mulheres atuam de forma evidentemente feminina: ambos são maternais, passivos,
carinhosos e gentis. Por sua vez, entre os Mundugumor, tanto os homens como as
mulheres agem de forma predominantemente masculina: são violentos, agressivos,
competitivos e hostis. E, entre os Tchambuli, observou uma inversão dos papéis
convencionados masculinos e femininos, ou seja, as mulheres dirigem e dominam,
enquanto os homens são submissos, passivos e dependentes emocionalmente das
mulheres. O trecho da autora a seguir conta sobre as relações entre homens e
mulheres Tchambuli
53
Unidos de sua época, onde tarefas como o cuidado com as crianças eram pensadas
como naturalmente femininas. Dessa maneira, ao mostrar que o comportamento de
gênero varia culturalmente, ela defende a impossibilidade de se afirmar
categoricamente que as diferenças percebidas entre homens e mulheres sejam
resultado imediato do aparato biológico humano, isso é, do nosso corpo. Ao contrário:
a autora nos convida a pensar que a cultura, e não a penas a natureza, explica as
diferenças entre masculino e feminino (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016).
https://www.youtube.com/watch?v=fLKjTt63yjw
54
FIXANDO O CONTEÚDO
a) Particularismo histórico
b) Relativismo histórico
c) Difusionismo cultural
d) Cultura e Personalidade
e) Evolucionismo Social
55
b) as culturas obedecem a um conjunto mínimo de estruturas universais do
pensamento, de maneira que o autor julgava incorreta a perspectiva que
hierarquiza as culturas e as classifica entre superiores e inferiores.
c) o estudo de cada cultura deve partir de sua individualidade histórica, de maneira a
ressaltar a relatividade dos hábitos, ritos e crenças e o seu pertencimento a cada
cultura singular.
d) o objeto primordial da Antropologia são as funções sociais exercidas pelos
costumes e crenças de cada comunidade, e tal qual Durkheim indicara no âmbito
da Sociologia, existe um paralelo entre as funções presentes nos organismos
físicos e aquelas presentes nos organismos sociais.
e) a cultura é um conjunto de interpretações, de maneira que a Antropologia seria uma
interpretação de segundo grau, devendo o seu método ser entendido como uma
“descrição densa”, pois consiste em uma interpretação de interpretações.
a) A cultura nos ensina a perceber as coisas e classificá-las, mas não serve para
orientar a nossa conduta cotidiana.
b) Um índio Guarani vê a floresta com olhos diferentes das pessoas não-Guaranis;
seu olhar percebe a floresta como alimento e morada dos deuses, enquanto uma
pessoa não-guarani pode ver uma oportunidade de negócio.
c) Um índio Guarani, que vive em sua aldeia, e uma pessoa não-indígena, que vive
na cidade, possuem valores idênticos.
d) Em todas as culturas, mulheres e homens têm os mesmos direitos, os mesmos
papéis sociais. Exemplo: povo Palestino e povo Americano.
e) A cultura determina absolutamente todas as decisões humanas de maneira
inescapável.
56
4. Sobre a antropologia norte-americana é correto afirmar que:
5. (SEE/SP- adaptado) Denys Cuche nos informa que devemos a Franz Boas a
concepção antropológica do relativismo cultural. O relativismo cultural de Boas é
57
b) a pesquisa de gênero tem como objetivo mostrar para a sociedade que as mulheres
possuem características inatas diferentes no que tange à divisão social do trabalho.
c) a pesquisa de gênero tem como objetivo básico demonstrar que as diferenças entre
homens e mulheres no mercado de trabalho são biologicamente determinadas.
d) os estudos de gênero realizados no âmbito das ciências sociais têm como objetivo
restrito e exclusivo a introdução das mulheres no mercado de trabalho.
e) nas ciências sociais, a pesquisa de gênero procura estudar a distribuição de poder
e de recursos entre homens e mulheres em uma dada sociedade, considerando a
questão de gênero como uma dimensão da análise fundamental de toda
organização social.
7. (ENADE) “Acredito que o estado atual de nosso conhecimento nos autoriza a dizer
que, embora os indivíduos difiram, as diferenças biológicas entre as raças são
pequenas. Não há razão para acreditar que uma raça seja naturalmente mais
inteligente, dotada de grande força de vontade, ou emocionalmente mais estável
do que outra, e que essa diferença iria influenciar significativamente sua cultura.
Também não há razão para acreditar que as diferenças entre as raças são tão
grandes, que os descendentes dos casamentos mistos devem ser inferiores a seus
pais.” (Boas, F. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004).
58
III. O pensamento de Boas é representativo do contexto intelectual e acadêmico da
época, no qual a noção de raça, como possibilidade de explicação das
desigualdades sociais, estava desacreditada.
IV. As reflexões do autor apontaram os fatores culturais do ambiente social como
adequados para explicar os antagonismos raciais da época e outras disputas
entre diferentes grupos culturais, tais como as ocorridas entre religiões.
a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) I, II e IV.
e) I, III e IV.
59
MALINOWSKI E A ETNOGRAFIA UNIDADE
MODERNA
60
habilitaria o pesquisador a captar a totalidade da vida de uma determinada cultura,
observada desde o ponto de vista do nativo. Para chamar atenção do leitor,
Malinowski utilizava recursos literários envolventes, com uma narrativa que tentava
aproximá-los de sua experiência peculiar em uma pequena aldeia no pacífico. Ele abre
seu livro mais conhecido, Argonautas do Pacífico Ocidental, de 1922, nos convidando
a colocar-nos em seu lugar de antropólogo e relatando seus primeiros contatos iniciais
de pesquisa:
61
que as primeiras, as “fontes vivas” do antropólogo, pudessem ser esquivas e
complexas.
Malinowski propõe que o método etnográfico deve ser pautado por uma
observação compreensiva, orientada pelos seguintes princípios: o investigador deve
guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos; deve providenciar condições
razoáveis para o desenvolvimento de seu trabalho de campo, o que exige viver
efetivamente entre os nativos; e deve recorrer a um certo número de métodos
especiais complementares de recolha de dados, que envolve recenseamento sócio
demográfico, entrevistas e sistematização das linhagens de parentesco. Contudo, é
no decorrer da vida cotidiana, com um forte sentido de tempo e processualidade, que
está a potência da etnografia. Por isso, o autor defende que existe uma grande
diferença entre o contato esporádico com as aldeias pesquisadas e o contato real com
elas.
Malinowski relata que ainda que sua presença causasse estranhamento nos
contatos iniciais, com o tempo, os nativos passaram a vê-lo com mais naturalidade e
sua presença foi gradualmente incorporada na vida tribal. Segundo ele, é nesse
processo que o pesquisador adquire a sensibilidade para apreciar a companhia dos
nativos e de sentir-se verdadeiramente em contato com eles, acompanhando
acontecimentos triviais (mas significativos) da vida cotidiana, como brigas, piadas,
jogos, rituais, culinária, trabalho, higiene corporal, etc. Em suas descrições do modo
de vida trobriandês, com imagens matizadas e naturalistas, os nativos emergem não
como exóticos ou espetaculares, nem como “radicalmente diferentes” dos ocidentais,
mas simplesmente como diferentes.
62
Figura 10: Malinowski com nativos nas Ilhas Trobriand.
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/1365
O KULA
63
Figura 11: Imagem que mostra a rota de circulação dos objetos no kula
64
relações sociais que envolvem o ganho de prestígio social.
Essa dinâmica complexa de trocas acionava todos os aspectos da vida social:
família, política, economia, magia, arte, etc. Malinowski usava o sistema como uma
espécie de chave para compreender, de modo mais totalizante, a sociedade nas Ilhas
Trobriand e seu funcionamento. Denominando-se um funcionalista, o autor buscava
mostrar como aquela sociedade funcionava, atribuindo valor e sentido a práticas e
ideias estranhas aos europeus (OLIVEIRA, 2018).
Malinowski buscava entender como instituições culturais particulares
funcionavam na manutenção do indivíduo diante de situações de dificuldade. Em sua
perspectiva, todas as práticas e instituições sociais eram funcionais no sentido de
que se ajustavam num todo operante. Num primeiro momento, o funcionalismo de
Malinowski parece aproximá-lo de Durkheim, contudo, para o autor, o objetivo último
do sistema eram os indivíduos e não a sociedade, já que, em última análise, ele
considera como tudo funciona como resposta da busca do indivíduo para suprir suas
necessidades fisiológicas como as de reprodução, alimentação e proteção.
Outra obra de Malinowski que ficou bastante conhecida foi A Vida Sexual dos
Selvagens, publicada em 1926. O assunto central do livro é a relação entre homens e
mulheres nas Ilhas Trobriand, tratando de amor, casamento e sexualidade na vida
tribal. Para o autor, a sexualidade, assim como o kula, estava conectada a diversos
domínios da cultura trobriandesa, como economia, leis, religião, arte, etc. Por isso, o
domínio do sexo era importante para a análise social, mais ainda se não considerado
de forma isolada, e sim a partir de suas injunções e conexões que compõem a vida
social.
Com o intuito de combater determinismos biológicos, Malinowski afirma que
visa reabilitar a sexualidade de paradigmas que a consideram uma questão universal
e puramente fisiológica. Ele demonstra que, na verdade, a vida sexual implica também
emoções, atitudes e varia culturalmente. O autor descreve, por exemplo, uma atitude
que demonstra interesse sexual e também afeto entre os trobriandeses, mas que
causaria repugnância entre os europeus: a “catação de piolhos”.
"Cada um revira os cabelos do outro e retira dali os piolhos que come; prática
65
que consideramos nojenta, mas que os indígenas consideram natural e agradável
entre dois amantes; é igualmente seu passatempo favorito quando estão com os
filhos.’’ (MALINOWSKI, 1982, p. 54).
Além de demonstrar variabilidade cultural, o autor usa seus dados etnográficos
para argumentar que a teoria freudiana do complexo de Édipo, que baseava o
entendimento da sexualidade no ocidente, não é universal. Com sua postura
relativista, ele abriu caminho, seguido por vários autores, tais como Mead e Benedict,
para a asserção de que a cada configuração cultural corresponde um determinado
tipo de psiquismo.
Outro tema importante abordado na obra, é a compreensão trobriandeza sobre
a gravidez e a concepção, construída através de articulações complexas com a
cosmologia local. Malinowski conta que, para os trobriandeses, os espíritos têm um
papel fundamental na concepção das crianças. Nesse sistema de crenças, a relação
sexual serve como um mecanismo de abertura de caminhos espirituais, visto que a
mulher engravida somente nas relações em que o espírito baloma coloca o waiwai (o
espírito-criança) dentro do útero da mulher. Baloma é o nome dado aos espíritos
matrilineares, ou seja, entidades espirituais de ancestrais mortos da família do lado
materno).
66
para que a mulher gere uma criança perfeita. O pai não apenas abre caminho para o
espírito através do sexo, mas atua também moldando as feições da criança com o
sêmen. E é à essa substância corpórea que os trobriandeses atribuem a semelhança
das feições entre pais e filhos. Malinowski termina suas análises sobre o espírito
baloma com duas conclusões centrais: os trobriandeses acreditam em reencarnação
e eles desconhecem as causas fisiológicas da gravidez.
67
FIXANDO O CONTEÚDO
a) análise de redes
b) estudo de trajetórias
c) observação participante
d) grupo focal
e) survey
2. (ENADE) Com base em uma perspectiva semiótica, Clifford Geertz concebe cultura
como teias de significados construídos pelos homens em sociedade. Essa
perspectiva se contrapõe às concepções de cultura como algo “externo” ao homem
ou como algo superorgânico. Opõe-se também, à concepção de que a Antropologia
é uma ciência experimental que busca a descoberta de leis. No que diz respeito ao
posicionamento desse autor, analise as seguintes asserções.
68
d) a primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda, uma proposição
verdadeira.
e) tanto a primeira quanto a segunda asserções são proposições falsas.
3. (ENADE) “Às vezes ouço dizer que qualquer pessoa pode observar e escrever um
livro sobre um povo primitivo. Talvez qualquer pessoa possa, mas não vai estar
necessariamente acrescentando algo à antropologia. Na ciência, como na vida, só
se acha o que se procura. Não se pode ter respostas quando não se sabe quais
são as perguntas. Por conseguinte, a primeira exigência para que se possa realizar
uma pesquisa de campo é um treinamento rigoroso em teoria antropológica, que
dê as condições de saber o quê e como observar, e o que é teoricamente
significativo. É essencial percebermos que os fatos em si não têm significado. Para
que o possuam, devem ter certo grau de generalidade. É inútil partir para campo às
cegas.”
(EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005, p. 243).
69
b) representou uma novidade em pesquisa na Antropologia, visto que era
desconhecido dos pesquisadores anteriores, apelidados de "antropólogos de
gabinete".
c) foi considerado importante na época das reflexões de Malinowski, porém
atualmente tornou-se sem importância em face dos problemas metodológicos dele
decorrentes.
d) passou a ser considerado como o método por excelência da pesquisa
antropológica, marcando a história e a especificidade da disciplina, por possibilitar
o contato direto com as formas de organização social estudadas.
e) foi necessário na formação da disciplina, uma vez que as sociedades estudadas
estavam geograficamente muito distantes das áreas de origem dos pesquisadores,
mas ficou obsoleta com o advento das novas tecnologias de comunicação.
5. (ENADE) “O fato é que, dentro da grande metrópole, seja Nova York, Paris ou Rio
de Janeiro, há descontinuidades vigorosas entre o ‘mundo’ do pesquisador e outros
mundos, fazendo com que ele, mesmo sendo nova-iorquino, parisiense ou carioca,
possa ter experiência de estranheza, não reconhecimento ou até choque cultural.
(VELHO, G. Um antropólogo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2013).
Com base no tema tratado no texto, avalie as afirmações a seguir:
I. Por estar familiarizado com a cidade, o pesquisador que deseja estuda-la deve
adotar metodologias objetivas.
II. A grande metrópole apresenta desvantagens para a experiência de
estranhamento de pesquisadores nativos.
III. O grau de familiaridade e de conhecimento de fenômenos sociais pelo
pesquisador não é homogêneo.
IV. A observação mais atenta de fenômenos urbanos faculta ao pesquisador
estranhar o familiar
É correto apenas o que se afirma em:
a) I e II.
b) I e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.
70
6. (ENADE) “Às vezes ficava pensando se simplesmente estar parado na esquina
seria um processo suficientemente ativo para ser dignificado pelo termo ‘pesquisa’.
Talvez devesse fazer perguntas a esses homens. No entanto, é preciso aprender
quando perguntar e quando não perguntar, e também que pergunta fazer. No dia
seguinte, Doc explicou a lição da noite anterior, ‘Vá devagar, Bill, com essa coisa
de quem, o quê, porquê, quando, onde. Você pergunta essas coisas e as pessoas
se fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por perto e saberá as
respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as perguntas.
(WHITE, W. F. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada,
Rio de Janeiro: Zahar, 2005)
71
c) III
d) I e II
e) II e III
8) “Essa longa estadia fez Malinowski refletir sobre o método que vinha sendo usado
pela Antropologia. Tratava-se agora, ele propunha, do antropólogo conviver um
longo período entre os “primitivos” que queria entender até passar despercebido
por entre eles (ele acreditava que isso fosse possível). Somente essa experiência
de trabalho de campo lhe permitiria captar o que ele chamou de ________. “
(Uriarte, U. Ponto Urbe, São Paulo, 2012).
72
REVISITANDO O CONCEITO DE UNIDADE
CULTURA
A antropóloga Corrêa (2003) afirma que talvez seja uma ironia adequada para
a antropologia, que se quer uma ciência do outro, que ela tenha criado tradições
antropológicas nacionais fundadas por estrangeiros: Franz Boas nos Estados Unidos
e Malinowski na Inglaterra. No Brasil não foi diferente: o alemão Curt Nimuendaju e o
francês Claude Lévi-Strauss tiveram papel fundamental nos estudos dos povos
indígenas brasileiros e também na criação de universidades e cursos de ciências
humanas no país. Por isso, segundo a autora, se acrescenta ainda a este interesse
ambíguo dos estrangeiros pelos nativos, às vezes uma harmonia, às vezes um
descompasso, entre “como pensamos” e “como nos pensam”, principalmente nos
países ditos de “terceiro mundo”. Assim, a antropologia, em diversos contextos, se fez
a partir de encontros, desenraizamentos, trânsitos, relações de diferença e
desigualdade e embates entre objetividade e subjetividade. Nessa unidade,
aprofundaremos a discussão sobre um conceito que permeia a trajetória do
pensamento antropológico, desde seus inícios: o conceito de cultura. O faremos
retomando alguns dos autores que foram apresentados no decorrer do livro,
explorando a discussão em torno desse conceito fundamental para a teoria social, e
para suas formulações sobre o encontro com “o outro”.
73
própria constituição das ciências sociais enquanto campo científico se deu com base
em embates entre a ciência e a literatura. No contexto francês, a trajetória de Auguste
Comte, conhecido como um dos fundadores da sociologia, aparece como potente
ilustração dessa tensão entre cientistas e literatos. Em um primeiro momento, a obra
de Comte era marcada pela rigidez: a vontade de fundar uma ciência natural do social,
de sistematizar a realidade e seu próprio cotidiano. Sempre temendo a contaminação
intelectual, o autor estava obstinado em formular os princípios de uma filosofia e
política positivas. O intelecto era sempre mais importante que o afeto. No entanto, em
1985 o pensamento de Comte passou por grandes mudanças, na medida em que foi
marcado por uma grande paixão que lhe permitiu conhecer o lado afetivo da vida
humana. Nesse novo positivismo de Comte, a filosofia, a poesia e a política teriam
igual importância, assim como o sentimento em relação ao intelecto. Essa mudança
decisiva em sua doutrina positivista levou, mais tarde, ao desenvolvimento de duas
linhas da posteridade do autor que, no final do século XIX, entraram em diversos
conflitos. Émile Durkheim e muitos outros cientistas se vinculavam ao Comte da
primeira fase, porém, alguns políticos, católicos e muitos literatos defendiam a última
fase do filósofo (LEPENIES, 1996).
Durante a Terceira República francesa, as teorias de Durkheim se destacaram
na reforma universitária: o anticlericalismo deixou sua marca, e no lugar da religião e
da metafísica teorias científicas e morais ganharam força. Além de obcecado por
métodos, Durkheim via na divisão do trabalho uma chave importante para a análise
da realidade e uma possibilidade de resgate do indivíduo. A mesma divisão do
trabalho podia ser vista nos caminhos que tomava a política universitária da Nova
Sorbonne, já que o ensino, cada vez mais especializado, se voltava progressivamente
para o mercado de trabalho, e o estudo de línguas mortas e as formações clássicas
perdiam importância. De um lado, os políticos republicanos que reformaram a
instituição enxergavam na sociologia durkheimiana a doutrina que a republica
precisava: uma ciência moral capaz de substituir de forma eficaz a educação religiosa.
De outro, monarquistas, escritores, religiosos e intelectuais, como Gabriel Tarde,
desqualificavam Durkheim como um escolástico, tirano intelectual e criador de uma
disciplina cheia de pretensões e métodos, mas pobre em resultados. Charles Péguy,
outro adversário de Durkheim, dizia que os sociólogos jogaram fora os instrumentos
da literatura sem ter qualquer possibilidade de alcançar a exatidão e objetividade das
74
ciências naturais. Dessa forma, “literatura” e “sociologia” se tornaram termos
corriqueiros para designar novas frentes políticas na França da virada do século. Os
ataques dos literatos às teorias de Durkheim representavam o confronto entre a velha
França e as tendências de desenvolvimento da moderna sociedade industrial
(LEPENIES, 1996).
Durkheim demonstrava um interesse ambíguo perante as ditas sociedades
arcaicas. Esse estudo era chamado de etnologia, etnografia ou mesmo antropologia.
Como se sabe, o esforço deste pensador de tornar a sociologia uma disciplina
institucionalmente legítima e propriamente científica vem, também, do fato dele
apresentar uma sólida teoria da coesão social, baseada na interdependência das
funções sociais e na concepção da sociedade enquanto um todo integrado. A
dimensão comparativa também exerceu grande força na metodologia durkheimiana,
e é justamente neste sentido que a antropologia ganhou um papel de destaque. Uma
vez que, para Durkheim e sua escola, admitia-se um princípio geral pautado na
possibilidade de derivação das funções sociais mais complexas partindo das mais
simples (arcaicas), a fim de compreender um processo de coesão social universal. Os
recursos da etnologia fizeram-se necessários, já que forneciam o método de coleta e
sistematização dos dados acerca dos costumes e modos de vida primitivos. Assim
sendo, as funções sociais, como o direito positivo, o parentesco e a economia, eram
mais facilmente estudáveis e observáveis nos grupos humanos arcaicos, pois eles
“ainda se encontravam num estágio de indiferenciação formal que tinha como principal
causa o primado do fenômeno religioso e suas formas elementares. Dessa forma, a
antropologia se constituiu enquanto ciência indispensável para a compreensão da vida
social. Seu método etnográfico de observação, descrição minuciosa e escrita da
experiência também ganhou prestígio com a ascensão institucional da Escola
Sociológica francesa, perpetuada pelos seguidores de Durkheim.
As análises antropológicas, se constituíram fortemente ancoradas nos
conceitos de sociedade e/ou cultura. Isso se deu não apenas no contexto francês,
pontuado anteriormente, mas também em outros cenários importantes para a
consolidação da disciplina, como o inglês e norte-americano. Criados como uma
espécie de resposta ao biologizante conceito de raça, esses conceitos embasaram
diversas vertentes de cunho organicista, estruturalista, e funcionalista na disciplina, e
são bastante problematizados atualmente. As noções de Cultura e sociedade revelam
75
como a antropologia construiu seu conhecimento através de uma noção de alteridade,
forjada no fazer etnográfico, a partir de dicotomias como eu X outro, Oriente X
Ocidente, que implicam diretamente no trabalho de campo e nas teorias elaboradas
pela disciplina, e por isso, foram alvo de extensas reflexões e debates, que
abordaremos de forma sucinta.
76
seja provada a possibilidade de compará-los. Em suma, o autor advoga que cada
cultura segue caminhos próprios, em função dos eventos históricos particulares que
enfrentou. Portanto, ele desloca a explicação evolucionista da cultura, mostrando que
ela só faz sentido em termos de uma abordagem multilinear.
Em 1917, o antropólogo norte-americano Alfred Kroeber radicalizou a
concepção da cultura como sendo os comportamentos e práticas aprendidos que
independem da transmissão genética. Segundo o autor, seria justamente a
capacidade de produzir e transmitir cultura o elemento central de definição da
humanidade, ou seja, o que separaria o homem dos demais animais, visto que ele
seria o único ser capaz de superar suas limitações orgânicas.
Não faz muitos anos que os seres humanos atingiram também o poder da
locomoção aérea. Mas o processo pelo qual esse poder foi alcançado, e seus
efeitos, são completamente diferentes daqueles que caracterizaram a
aquisição, pelos primeiros pássaros, da faculdade de voar. Nossos meios de
voar são exteriores aos nossos corpos. O pássaro nasce com um par de asas;
nós inventamos o aeroplano. O pássaro renunciou a um par potencial de mãos
para obter as suas asas; nós, porque a nossa faculdade não é parte de nossa
constituição congênita, conservamos todos os órgãos e capacidade de nossos
antepassados, acrescentando-lhes a nova capacidade. O processo do
desenvolvimento da civilização é claramente acumulativo: conserva-se o
antigo, apesar da aquisição do novo. Na evolução orgânica, a introdução de
novos traços só é geralmente possível mediante a perda ou a modificação de
órgãos ou faculdades existentes (LARAIA, 2009, p. 39)
77
biológico. A partir de seus estudos na Nova Guiné, a autora mostrou que as diferenças
corporais não estabelecem um padrão único de papéis sexuais para homens e
mulheres. Os contextos analisados por Mead dizem respeito a como as culturas
podem estabelecer relações diversas entre sexo e personalidade. Os exemplos de
diversas sociedades ajudam a esclarecer também que a divisão sexual do trabalho
pode adquirir organizações sociais distintas em cada parte do mundo, de maneira que
o que distribui as funções de cuidado e trabalho doméstico na vida social não são os
chamados “instintos”, tal como o “instinto materno”, mas toda uma aprendizagem
social. Assim, as relações de gênero não têm uma relação mimética com o “sexo
biológico” e, embora possa funcionar pela descrição de diferenças biológicas, não
estão ligadas a diferenças biológicas de maneiras padronizadas e universais.
Claude Levi-Strauss também fez formulações importantes a respeito das
relações entre cultura e natureza. O autor considera a cultura como sistemas
simbólicos estruturais, que são uma criação cumulativa da mente humana. Seu
trabalho buscava descobrir na estruturação dos domínios culturais, como mito, arte,
parentesco e linguagem, os princípios da mente que geram essas elaborações
culturais (LARAIA, 2009).
Assim, para Levi-Strauss, a antropologia deveria superar essa divisão radical
entre natureza e cultura, visto que considerava que
78
grande desafio seria integrá-los. Para Lévi-Strauss, não é possível subestimar a força
da oposição entre natureza e cultura na teoria social, nem negar o desafio da
passagem entre as duas ordens: “onde acaba a natureza? Onde começa a cultura?”,
ele se pergunta.
Para pensar a confusão entre os domínios da natureza e da cultura, Laraia (2009) propõe
que pensemos como o exercício de atividades consideradas como parte da fisiologia
humana podem refletir diferenças culturais. O riso, por exemplo, é uma propriedade do
homem e dos primatas superiores, tratando-se da contração de determinados músculos da
face e da emissão de um certo tipo de som vocal que exprime, em geral, um estado de
contentamento. Toda a humanidade ri, mas o fazem de maneiras diferentes e por motivos
diversos. Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diferentes, por isso podemos
encontrar dificuldades ao assistir uma comédia japonesa ou não acharmos graça em um
pastelão americano.
(Homem da tribo Dinka, do Sudão do Sul, Foto de Richard Storch, 1909, Fonte: Pinterest)
Laraia (2009) conta que a primeira vez em que viu um índio Kaapor gargalhar
foi motivo de susto: a emissão sonora muito alta se parecia a imaginários gritos de
guerra, e a expressão facial em nada se assemelhava com o que estava acostumado
a ver. Tal fato se explica porque cada cultura tem um determinado padrão para esse
fim. Assim o riso seria condicionado pelos padrões culturais, apesar de toda sua
fisiologia. Que outras atividades que tomamos como universais ou puramente
79
fisiológicas podem ser condicionadas culturalmente?
80
Cultura material e imaterial são dois tipos de patrimônio cultural reconhecidos pelo Estado,
que expressam a cultura e as particularidades de determinado grupo ou região. A cultura
material é composta por elementos tangíveis, tais como utensílios, objetos artísticos e
construções. Por sua vez, a cultura imaterial está relacionada a elementos abstratos, como
hábitos e rituais.
81
Como provoca Linton (1936) a respeito dos americanos: sabemos que estamos
na moderna civilização norte-americana quando, após tomar seu café da manhã, um
homem se recosta para ler seu jornal "impresso em caracteres inventados pelos
antigos semitas, sobre um material inventado na China, por um processo inventado
na Alemanha. Enquanto digere as notícias sobre os problemas estrangeiros, ele irá,
se for um bom cidadão conservador, agradecer a uma divindade hebréia, em uma
língua indo-européia, pela graça de ser 100% americano".
O grupo de Rap Brô MCs (Figura 12) é formado por jovens da etnia guarani, que residem
no Mato Grosso do Sul, e foram precursores de um movimento que levou o gênero musical
tipicamente urbano para as aldeias. O clipe Eru Orendive está disponível no Youtube
https://www.youtube.com/watch?v=oLbhGYfDmQg
82
uma cultura, na medida em que ela emerge precisamente desse seu ato de invenção,
do uso que faz de significados por ele conhecidos ao construir uma representação
compreensível de seu objeto de estudo. Nesse sentido, a antropologia realiza duas
tarefas necessariamente simultâneas: ela apreende o caráter relativo de sua cultura
mediante a formulação concreta de outra. E é apenas por meio desse contraste
experienciado no trabalho de campo e na escrita que sua própria cultura se torna
visível. Assim, no ato de inventar outra cultura o antropólogo inventa sua própria
cultura e acaba por reinventar a própria noção de cultura.
Esse panorama de reflexões a respeito do conceito de cultura nos mostram a
necessidade de pensar como é difícil delimitar onde começa e termina cada unidade
que definimos como uma cultura específica. A cultura deve ser considerada como uma
espécie de mosaico fluido, frequentemente controverso, parcialmente integrado e
permeado por relações e poder e desigualdade que marcam os encontros
interculturais. Ademais, podemos ver que os indivíduos participam diferentemente de
sua cultura e que as culturas são dinâmicas. Nesse sentido, as transformações não
necessariamente implicam perdas ou substituições da cultura, mas adaptações, nem
sempre conscientes ou elegidas. É importante lembrar ainda que em uma única
sociedade, por menor que seja, em uma pequena aldeia africana, por exemplo, podem
coexistir historias e visões de mundo diversas, segundo critérios de gênero, geração
e estrato social (COMAROF; COMAROF, 2010).
83
FIXANDO O CONTEÚDO
a) está relacionada à tradição oral, coletiva, e muitas vezes, é marcada pela relação
das pessoas com seu ambiente.
b) atinge simultaneamente as pessoas pelos meios de comunicação eletrônica, como
ocorre, por exemplo nos programas de rádio.
c) sua forma de difusão é a escrita, repassada de geração a geração desde tempos
remotos.
d) representa a cosmovisão das classes tradicionalmente dominantes
e) é comercializada e consumida em larga escala devido às atuais técnicas de
reprodução.
84
3. (UFU- adaptada) Uma das superstições características da cultura popular é relativa
ao mês de agosto, considerado mês de mau agouro, quando nenhuma decisão
importante deve ser tomada: não se deve fechar negócios, nem marcar
casamentos, ou fazer mudanças de qualquer espécie. O Jornal Correio de
Uberlândia, em agosto de 2008, publicou reportagem que atestava mudanças
nesse comportamento, durante o referido mês, tais como: realizações de
casamentos, de mudanças residenciais, ou de negócios em andamento ou, ainda,
salões de beleza com movimento normal para “mudanças de visual”. Considerando
o enunciado acima e o conceito antropológico de cultura, marque a alternativa
correta
4. (ENADE) “Cada vez que somos levados a qualificar uma cultura humana de inerte
ou estacionária, devemos, portanto, nos perguntar se este imobilismo aparente não
resulta da ignorância que temos de seus interesses verdadeiros, conscientes ou
inconscientes, e se, tendo critérios diferentes dos nossos, esta cultura não é, a
nosso respeito, vítima da mesma ilusão.
(LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. In: Antropologia Estrutural Dois, Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1976, p. 346.)
85
metrópole. A qual objetivo metodológico presente na obra de Lévi-Strauss atende
a proposta desse professor?
“[...] Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem
e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que
diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os
senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a
mesma que a nossa. [...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas
escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram
para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de
suportar o frio e a fome. Não sabiam caçar o veado, matar o inimigo ou construir
uma cabana e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, inúteis. [...]
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos
aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, concordamos que os nobres senhores de
Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo que
sabemos e faremos deles homens.”
(Carlos Rodrigues Brandão. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1984.)
86
A relação entre os dois principais temas do texto da carta e a forma de abordagem
da educação privilegiada pelo cacique está representada por:
(X) O conceito de cultura, como utilizado atualmente, foi definido pela primeira vez por
Franz Boas, o qual sintetizou o termo germânico Kultur e a palavra francesa
Civilization no vocabulário inglês Culture.
(X) Pode-se dizer que o etnocentrismo é um fenômeno universal, sendo comum a
crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo sua única
expressão.
(X) Nas sociedades complexas, a participação do indivíduo em sua cultura é limitada,
já que ele não pode participar de todos os elementos de sua cultura. Isso não ocorre
nas sociedades mais simples, onde a especialização refere-se apenas a diferenças
de sexo e geração.
(X) Alfred Kroeber, no livro “O superorgânico”, demostra que graças à cultura a
humanidade distanciou-se do mundo animal, o que permitiu ir além de suas limitações
orgânicas.
Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA, na ordem de cima para baixo:
a) F – V – F – V.
b) V – V – F – V.
c) V – V – V – V.
d) V – F – V – F.
e) F – V – F – V.
87
7. (ENEM) “Muitos países se caracterizam por terem populações multiétnicas. Com
frequência, evoluíram desse modo ao longo de séculos. Outras sociedades se tornaram
multiétnicas mais rapidamente, como resultado de políticas incentivando a migração, ou
por conta de legados coloniais e imperiais.” (GIDDENS,A. Sociologia. Porto Alegre:
Penso, 2012, adaptado)
Do ponto de vista do funcionamento das democracias contemporâneas, o modelo de
sociedade descrito demanda, simultaneamente:
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RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 02 - A CONSOLIDAÇÃO DA
UNIDADE 01 - ENCONTROS ENTRE POVOS
ANTROPOLOGIA ENQUANTO CAMPO
E CULTURAS
CIENTÍFICO
QUESTÃO 1 A QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 E
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 D
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REFERÊNCIAS
CUNHA, M. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.
90
LEPENIES, W. As três Culturas. São Paulo: EDUSP, 1996.
MONTESANTI, B. Quem são os Brô MC's, primeiro grupo de rap indígena do Brasil.
Nexo Jornal, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2Do6Eh6. Acesso em: 23 jun. 2020.
91
MUSEU MARÍTIMO. A Expedição Kon-Tiki, 2017. Disponível em:
https://bit.ly/39GjL9e. Acesso em: 19 jun. 2020.
92