Você está na página 1de 82
















FILOSOFIA

Professor José Roberto


Ensino Médio
ENEM

Vestibulares
Concursos

O simples Filosofar

PROFESSOR JOSÉ ROBERTO

FILOSOFIA
Ensino Médio
ENEM
PROFESSOR JOSÉ ROBERTO Vestibulares
Uberlândia – MG Concursos
O simples Filosofar
2019
Filosofia / José Roberto / Uberlândia /2019

82p.

Historia da Filosofia; Filosofia Antiga; Filosofia Cristã; Filosofia Moderna; Filosofia Contemporânea.

Organização: Professor José Roberto


josersandrade@yahoo.com.br
(34) 99630 6405
Instagram: saiadacavernaa (usuário) – Saia da caverna (nome)
Página Facebook: fb.me/SaiadaCavernaa (usuário) – Professor Zé Roberto/Saia da Caverna (nome)
___________________________________________________________________________

Fica aqui um agradecimento especial a uma valorosa equipe de amigos professores de filosofia, sociologia, história, e diversas áreas do
conhecimento que contribuíram para produção deste material, sem vocês não seria possível à realização deste projeto.
SUMÁRIO ÉTICA ARISTOTÉLICA ....................... 20
FILOSOFIA HELENISTICA ................. 22
Mapa Conceitual – Filosofia ANTIGA e
 As escolas filosóficas Helenísticas .. 22
CRISTÃ .................................................... 0
A GÊNESE DO PENSAR FILOSÓFICO . 1 FILOSOFIA CRISTÃ/MEDIEVAL ....... 24
OS ANTECEDENTES DA FILOSOFIA .. 1  Filosofia Patrística (Séc. I a V d.C) .. 24
 Mito: A 1ª tentativa de explicar o SANTO AGOSTINHO (354-430 d.C) .... 25
mundo ................................................... 1  A Escolástica (séc. XI a XIV) ............ 26
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA. ........ 2 SÃO TOMÁS DE AQUINO (1224-1274)
Do MITO à FILOSOFIA ........................... 2 ......................................................... 27
Da COSMOGONIA à COSMOLOGIA ...... 2  A Cristianização de Aristóteles ....... 27
SOBRE A ORIGEM DA FILOSOFIA. ..... 2
O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS ...... 28
O PRIMEIRO PERÍODO DA FILOSOFIA
Mapa Conceitual – Filosofia MODERNA
.................................................................. 4
............................................................... 30
 Período Cosmológico ....................... 4
FILOSOFIA MODERNA ....................... 31
 Filósofos da Natureza....................... 5  Teoria do conhecimento ................ 31
PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO ................. 8  Principais Filósofos Modernos ....... 32
PRINCIPAIS FILÓSOFOS PRÉ-
SOCRÁTICOS.......................................... 8  A Teoria de Francis Bacon .............. 34

HERÁCLITO DE ÉFESO (545-480 a. C., RENÉ DESCARTES (1596 – 1650) ....... 35


aprox.). ............................................... 8  As Regras do Método .................... 36
PARMÊNIDES DE ELÉIA (530-460 a. C.  Os três Tipos de Ideias ................... 37
aprox.) ................................................ 9 DAVID HUME (1711 – 1776) ............. 37
 Os conceitos de Metafísica e de IMMANUEL KANT (1724 – 1804) ....... 39
Ontologia. ............................................ 10
 O Criticismo Kantiano .................... 40
O PERÍODO SOCRÁTICO .................... 10
 Conceitos Kantianos ...................... 41
 OS SOFISTAS .................................. 11
 A conclusão de Kant – Juízos
SÓCRATES DE ATENAS ....................... 11
analíticos e sintéticos. .......................... 43
PLATÃO DE ATENAS .......................... 13
ÉTICA KANTIANA............................... 45
 A teoria das Ideias .......................... 13 FILOSOFIA POLÍTICA ......................... 46
ARISTÓTELES DE ESTAGIRA ............... 16 NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527) .. 48
 Teoria do Conhecimento de  OS CONTRATUALISTAS. .................. 50
Aristóteles ............................................ 16
THOMAS HOBBES (1588 – 1679) ....... 50
LÓGICA ARISTOTÉLICA .................... 18
JOHN LOCKE (1632 – 1704) ............... 52
 Características importantes ........... 20
JEAN JACQUES-ROUSSEAU (1712-1778)  ENGAJAMENTO POLÍTICO SOCIAL .. 65
.......................................................... 53 FRIEDRICH NIETZSCHE ...................... 65
 A VONTADE GERAL ........................ 55  O Niilismo e a Morte de Deus ........ 67
Mapa Conceitual – Filosofia OS FILÓSOFOS DO MOMENTO ......... 68
CONTEMPORÂNEA ............................. 56
 Arthur Schopenhauer .................... 68
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA ........ 57
 Simone de Beauvoir ....................... 69
 A RAZÃO EM CHEQUE .................... 57
 Jürgen Habermas ........................... 70
GEORG HEGEL (1770-1831) ............... 57
 Michel Foucault ............................. 71
 Filosofia da história ........................ 58
 Zygmunt Bauman .......................... 72
KARL MARX (1818-1883) ................... 59
BIBLIOGRAFIA .................................... 73
 Modos de produção ....................... 61
JEAN PAUL SARTRE (1905-1980) ....... 63
Mapa Conceitual – Filosofia ANTIGA e CRISTÃ
Mapa conceitual – Autor desconhecido

Introdução O Nascimento da
Mito e razão
Filosofia

Homem
Filosofia Antiga

A palavra
1° fase: Pré-socrático
Filosofia

Heráclito: eterno fluxo


Filosofar Parmênides: a imobilidade do ser
X 2º fase: período antropólogo
Filosofia

Sócrates: A busca pelo conceito


universal
Condicionantes
Históricos
A contribuição para pensamento Platão: Teoria das ideias, mundo
ocidental até a sensível e mundo inteligível
contemporaneidade

Aristóteles: Teoria das quatro causas,


noções de lógica e ética teleológica
Homem Mundo

Sociedade

Filosofia Cristã/Medieval

O significado do
Conhecimento
Contexto histórico:
Advento do cristianismo

Sociabilização Conciliação entre razão


natural e Fe cristã

Teoria do conhecimento
Via da verdade
Patrística
Escolástica
Tipos de conhecimento
- Senso Comum
- Mítico religioso
- Filosofia Santo Agostinho – Teoria da Iluminação Divina
- Ciências Tomás de Aquino: as cinco
- Artes provas da existência de Deus
Questão dos universais

Nominalismo

Realismo

Pedro Abelardo
A GÊNESE DO PENSAR FILOSÓFICO acontecimentos e façanhas da vida dos deuses, o
homem procurava explicar toda realidade a sua volta.
Filosofia modernamente é uma disciplina, ou uma Diante disso, podemos entender o mito neste momento
área de estudos, que envolve a investigação, análise, - utilizando-se de uma visão cronologiaca atual – como
discussão, formação e reflexão de ideias (ou visões de uma “Explicação fantasiosa da realidade.”
mundo) em uma situação geral, abstrata ou A explicação mítica é contrária à explicação
fundamental. Originou-se da inquietação gerada pela filosófica. A Filosofia procura, através de discussões,
curiosidade humana em compreender e questionar os reflexões e argumentos, saber e explicar a realidade
valores e as interpretações comumente aceitas sobre a com razão e lógica enquanto que o mito não explica
sua própria realidade. As interpretações comumente racionalmente a realidade, procura interpretá-la a partir
aceitas pelo homem constituem inicialmente o de lendas e de histórias sagradas, não tendo quaisquer
embasamento de todo o conhecimento. Essas argumentos para suportar a sua interpretação.
interpretações foram adquiridas, enriquecidas e O homem Helênico foi, por séculos, educado pelo
repassadas de geração em geração. Ocorreram mito. Admirado e amedrontado diante dos fenômenos
inicialmente através da observação dos fenômenos que o cercam – sem entender o dia, à noite, a chuva, o
naturais e sofreram influência das relações humanas terremoto, a origem dos cosmos, a morte, o amor,
estabelecidas até a formação da sociedade, isto em entre outras coisas – o homem recorre aos mitos como
conformidade com os padrões de comportamentos primeira tentativa de situar-se no mundo, como fonte
éticos ou morais tidos como aceitáveis em determinada de explicação para o que vê, mas não compreende. Ou
época por um determinado grupo ou determinada você, caro (a) leitor (a), acha que no século X a.C.
relação humana. A partir da Filosofia surge a Ciência, existira uma “mulher do tempo” explicando que dali a
pois o Homem reorganiza as inquietações que assolam três dias choveria ou coisa do gênero?
o campo das ideias e utiliza-se de experimentos para Em suma, o mito é desprovido daquilo que os
interagir com a sua própria realidade. Assim, o homem gregos chamavam de logos, isto é, de razão ou
através de instrumentos e procedimentos equaciona o racionalidade; é uma intuição acrítica, pré-reflexiva de
campo das hipóteses e exercita a razão. São um espírito primitivo, narrada por um poeta – Rapsodo
organizados os padrões de pensamentos que (artista popular, quem narra) – acreditava-se que os
formulam as diversas teorias agregadas ao poetas que narravam os mitos eram escolhidos pelas
conhecimento humano. Contudo o conhecimento musas ou deuses – que a tornava sagrada e, por isso,
científico por sua própria natureza torna-se suscetível inquestionável e incontestável.
às descobertas de novas ferramentas ou instrumentos A consciência pré-filosófica – ou consciência mítico-
que aprimoraram o campo da sua observação e religiosa – encontra nos poetas gregos Homero e
manipulação, o que em última análise, implica tanto na Hesíodo sua maior expressão. As obras de Homero
ampliação, quanto no questionamento de tais (Ilíada e Odisseia) e as de Hesíodo (Teogonia e Os
conhecimentos. Neste contexto a filosofia surge como trabalhos e os dias) abarcam quase completamente a
"a mãe de todas as ciências". genealogia de deuses, semideuses e heróis
Vale ressaltar que até um determinado momento mitológicos.
da história do pensamento grego, a filosofia ainda não Sobre o mito, citamos Pierre Grimal:
era conhecida por esse nome, existe quase um (...) acredita-se ou não nele, conforme a própria
consenso entre os historiadores da filosofia, em vontade, mediante um ato de fé, caso pareça belo ou
chamar os primentiros esforços de explicar o mundo de verossímil, ou simplesmente porque se querer
forma racional de COSMOLOGIA. Tal escolha se acreditar. O mito, assim, atrai em torno de si toda a
justifica pelo objeto de investigação dos primeiros parcela do irracional existente no pensamento humano.
filósofos gregos. Entre os seculos VI e IV a.C, os
filósofos perguntaram a cerca da origem do mundo e MITOLOGIA GREGA
de tudo que dele deriva. É justamente essa
preocupação que esta evidenciada no termo grego A Mitologia Grega é um conjunto de mitos
“Cosmologia”, tratava-se ainda de uma explicação (histórias e lendas), sobre vários deuses, heróis, titãs,
racional da realidade, uma Cosmologia. O termo ninfas, e centauros. A Mitologia Grega originou-se da
filosofia veio surgir muito tempo depois. união das mitologias dórica e micênica. Seu
desenvolvimento ocorreu por volta de 700 a. C. Pode-
OS ANTECEDENTES DA FILOSOFIA se dizer que na Grécia Antiga a religião era politeísta,
pois os gregos adoravam a vários deuses. Não
 Mito: A 1ª tentativa de explicar o mundo existem escrituras sagradas (como a Bíblia para os
cristãos) a respeito da Mitologia Grega. As principais
O mito [do grego antigo μυθος ("mithós")] é uma fontes a esse respeito foram escritas no século VIII
narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou a.C. por Hesíodo (Teogonia), e por Homero (Ilíada e
simbólico, profundamente relacionado ou não, com Odisséia). Na Teogonia são tratadas a origem e a
história dos deuses gregos. Nas narrativas Ilíada e
uma dada cultura e/ou religião. O mito procura explicar
Odisséia são descritos os grandes acontecimentos
os principais acontecimentos da vida, os fenômenos
envolvendo heróis e deuses.
naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio Os deuses, além de ter forma humana, tinham
de deuses, semideuses e heróis (todas elas são sentimentos humanos como amor, inveja, traição, ira,
criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o mito é entre outros. Suscetíveis a esses sentimentos, era
uma primeira tentativa de explicar a realidade. comum os deuses se apaixonarem por humanos e
Utilizando-se de estórias, contos e relatos de com eles terem filhos. Alguns heróis da Mitologia

1
Grega eram filhos de deuses e humanos. Os deuses, as respostas dadas pelo mito, exigia-se respostas mais
diferentes de seus filhos, eram imortais. Os deuses do palpáveis, mais plausíveis, e as questões continuariam
Olimpo são os deuses mais poderosos dos vários assim, com sua força de questão e de espanto, a exigir
grupos de deuses. Os deuses do Olimpo se dividem respostas cada vez mais elaboradas. Por meio de um
em várias classes. longo processo histórico, vai ocorrendo à passagem do
saber mítico (mito) ao pensamento racional (logos),
A classe superior é formada pelos seguintes deuses: sem, entretanto, romper bruscamente com todos os
conhecimentos do passado. Durante muito tempo, os
Zeus - governante dos demais deuses.
primeiros filósofos gregos compartilharam de diversas
Hera – deusa que protegia casamentos (irmã e esposa
crenças míticas, enquanto desenvolviam o
de Zeus).
Apolo - deus da luz, poesia e da música. conhecimento racional que caracterizaria a filosofia.
Atena - deusa da sabedoria.
Afrodite - deusa do amor e da beleza. - COSMOGONIA: Cosmos (mundo ordenado) - Gonia
Ares - deus da guerra. (Gênese-nascimento – Através da “fantasia”)
Poseidon - deus do mar
Hefesto - deus do fogo GONIA: (Mito) Relato de uma História Sagrada, um
Ártemis - deusa da caça acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo
Héstia - deusa do coração e da chama sagrada fabuloso do princípio. Narra às façanhas dos entes
Deméter - deusa da agricultura. sobrenaturais. Funcionam como justificações dos
Hermes - mensageiro dos deuses. fenômenos existentes, explicam o mundo através da
origem e alianças divinas.
A classe inferior dos deuses é formada por: ____________________________________________

Hades - deus dos infernos (irmão de Zeus) - COSMOLOGIA: Cosmos (mundo ordenado) - Logia
Dioniso - deus do vinho, em algumas regiões era tão (razão - pensamento racional)
importante quanto Zeus.
Pã - deus das florestas. LOGOS: Razão, pensamento racional, discurso
racional. Explicação da natureza e dos seres através
As ninfas eram consideradas as guardiãs da natureza
do uso da razão.
e as musas, representavam as artes e as ciências.

Os heróis, seres mortais, alguns filhos de deuses com SOBRE A ORIGEM DA FILOSOFIA.
humanos, são muito importantes na mitologia grega.
Os de maior destaque são: Oriental, Ocidental, ou até um milagre, qual a
origem da filosofia?
Aquiles
Jasão
A filosofia é uma invenção derivada da
Teseu
genialidade do povo grego, ou resulta dos empréstimos
Édipo
Agamenon
e da influencia da tradição oriental sobre os gregos?
Menelau Sendo de origem grega, foi um milagre grego, ou uma
Ulisses passagem gradual entre mito e razão?
Antes de mostrarmos as causas e influências
O principal herói grego é Heracles, ou em romano, que propiciaram o surgimento da Filosofia na Grécia,
Hércules. Ele era filho de Zeus e Alcmena. A Mitologia precisamos mostrar a tese de que a Filosofia
Grega pode ser observada em vários filmes, que possivelmente derivou-se do Oriente, e suas
buscam retratar a Grécia Antiga e seus personagens inconsistências. Justamente os orientais sustentaram
fantásticos. essa tese, sobretudo, por motivos nacionalistas.
Fonte: https://www.infoescola.com/mitologia/mitologia-grega/ Apesar disso, existem, além dos orientais, muitos
outros que sustentaram teses análogas,
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA. particularmente os neoplatônicos, ao defender que as
doutrinas dos filósofos gregos derivaram do Oriente e
Do MITO à FILOSOFIA recebidas por sacerdotes orientais. Porém, essas
Da COSMOGONIA à COSMOLOGIA afirmações não possuem qualquer base histórica.
Primeiramente, nenhum dos filósofos ou historiadores
De acordo com a maior parte dos historiadores, a da Grécia antiga fizeram menção alguma ao Oriente
filosofia nasceu no final do século VII e início do século em sua Filosofia. Platão admira os egípcios, mas
VI antes de Cristo numa cidade chamada Mileto – acrescenta o espírito especulativo dos gregos como
situada na Jônia, colônia grega – e o primeiro a que se motor da Filosofia. Aristóteles atribui aos egípcios a
pode denominar filósofo é Tales de Mileto (625-558 a. descoberta das matemáticas, apenas. Além disso,
C., aproximadamente). A filosofia começa quando algo essa tese só ganhou crédito quando, na Grécia, a
desperta o nosso ESPANTO, nossa admiração (o que filosofia já havia perdido seu vigor especulativo e sua
é isso? por que é assim?). O próprio homem passa a racionalidade; deixando-os vulneráveis. Os povos
internamente a se exigir uma explicação. Este orientais possuíam, apenas, mitos cosmológicos,
espantar-se é próprio da condição humana. Dentro do apesar de ainda deterem de certo tipo de "sabedoria".
cenário do surgimento da filosofia se destaca o fato de Para terminar, um simples argumento, é a dificuldade
que, para certas mentes exigentes, já não satisfaziam da linguagem entre os povos. Porém, deve-se ressaltar

2
que houve certa extração de artes e crenças. Onde, religioso, os primeiros filósofos deram princípios para
essas, são fáceis de comunicar, ao contrário da todas as coisas providos da natureza; por exemplo,
Filosofia. Portanto, a Grécia continua com o crédito da Tales, sendo princípio a água. Outra característica
Filosofia, sendo ela, pois, a promotora de uma provida da religião que propiciou a Filosofia é que na
revolução no pensamento ocidental. Grécia, não havia dogmas teológicos fixos, nem uma
Egípcios e a Ciência: Como mostrado acima, casta sacerdotal que custodiasse os dogmas. Portanto,
os egípcios influenciaram bastante o pensamento a falta de um dogma e de sacerdotes, deixou uma
científico grego. Portanto, podemos dizer que, em vez ampla liberdade à especulação filosófica, levando ao
dos gregos, os egípcios foram aqueles que criaram a surgimento da filosofia nas colônias gregas. Mas, por
Ciência? Ciência, como matéria especulativa do que na Grécia? Também já havia uma condição
mundo, não. Principalmente, porque as finalidades das socioeconômica mais elevada, que decorreu para o
operações de cálculos aritméticos (usadas pelos florescimento da cultura. E, logo mais, da Filosofia.
egípcios) eram, sobretudo, práticas. Sendo assim, o Depois disso, a Filosofia alcançou os mais altos cimos,
destaque principalmente teórico e, especialmente, não em Esparta, mas especialmente em Atenas. Onde,
especulativo dos problemas matemático-geométricos até o grandíssimo Platão reconheceu a maior liberdade
foram próprios dos gregos; com esse mesmo que os gregos já tiveram. Ainda assim, persistem
procedimento racional dos gregos, fez-se surgir à discussões entre historiadores se a filosofia nasceu de
filosofia, aprimorando os outros conhecimentos modo gradativo, ou ocorreu uma passagem repentina.
científicos. O mesmo argumento mostrado acima vale No entanto, o contexto histórico, mítico e religioso da
para os babilônios e a astronomia. Onde tinham Grécia neste momento, demonstra o caráter transitório
finalidades utilitaristas e não científicas e entre os mitos e a filosofia, tirando qualquer
especulativas; logo, os gregos ainda saem por cima. possibilidade de um milagre grego que explique o
Mostrado a inconsistência da tese de uma surgimento da filosofia, o que foi mostrado justamente
possível derivação da Filosofia do Oriente, ou também nesse texto.
o caso dos egípcios, devemos mostrar agora que é Concluindo, nós podemos perceber que,
mais verossímil que o surgimento da Filosofia na apesar de ter um caráter mítico, as epopeias
Grécia não foi um milagre grego e sim uma gradual propiciaram o pensamento racional. É ubíqua a
transição do pensamento mítico para o racional. existência de certo desprezo pela ideação mítica. Sem
A partir de epopeias (poemas épicos), o povo embargo, incorre-se em um grave erro de avaliação
helênico conseguiu adquirir valores, costumes e crer que, repentinamente, o homem abandonou seus
tradições passadas pela escrita. Foi esse o caso de mitos e pôs-se a pensar racionalmente. Entende-se
Homero e Hesíodo, dois poetas gregos que que o racionalismo é um ato contínuo ao misticismo,
influenciaram todo o pensamento helênico. Homero isto é, são duas etapas sucessivas de um mesmo
possui maior destaque, sendo discutido até hoje, se ele processo. Não é sensato (nem tampouco inteligente)
existiu ou não. No caso de sua existência, há uma desprezar a visão mítica como ponto de partida para a
posição amplamente aceita segundo a qual fora ele ideação mais “racional” (no sentido de não mítico); em
não um indivíduo, mas uma série de poetas. De acordo verdade, ela significa o primeiro passo, o primeiro
com os que partilham dessa opinião, entre a redação esforço da humanidade nesse sentido. A pergunta que
completa da Ilíada e da Odisseia (duas das obras forçosamente se impõe é como o homem passou a
fundamentais do seu pensamento) foram necessários pensar de forma não mítica? Ou seja, o que
cerca de duzentos anos. Em sua forma atual, os possibilitou o surgimento da filosofia? Como a filosofia
poemas homéricos foram levados a Atenas por se originou? Ficou claro que a filosofia não é fruto de
Pisístrato, que reinou (com interrupções) de 560 a 527 um milagre grego; estudos apontam que vários fatores
a.C. Doravante, a juventude ateniense passou a contribuíram para o surgimento da filosofia.
conhecer Homero de cor, sendo essa a principal parte
de sua educação. Em algumas partes da Grécia, de FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA O
modo especial em Esparta, Homero só veio a ter o SURGIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA.
mesmo prestígio posteriormente. Outro poeta de
grande valor foi Hesíodo, tendo menos relevância que São essas as principais condições históricas que
Homero, a obra fundamental dele foi: Teogonia, onde propiciaram o surgimento da filosofia na Grécia dos
fundamentou uma genealogia sistemática das séculos VII e VI antes de Cristo:
divindades. Neste caso, já mostrando certa - As viagens marítimas: permitiram aos gregos
preocupação racional da Filosofia, sobretudo no descobrir que os locais que, em função dos mitos,
quesito da causalidade. Colocando causas do acreditavam ser habitados por monstros e deuses
surgimento de nós, e dos deuses. eram, na realidade, habitados por outros seres
Como podemos ver os poemas e mitos, além humanos. As viagens produziram o desencantamento
da religião estão diretamente ligados ao inicio da do mundo, que passou, assim, a exigir uma nova
especulação racional, influenciando decisivamente o explicação sobre sua origem: explicação que o mito já
surgimento da Filosofia. Desse modo, assim como foi não podia oferecer.
naturalista a religião dos gregos, também a sua mais - A invenção da moeda: viabilizou uma forma de
antiga Filosofia foi naturalista. Quando Tales de Mileto comercialização que não se realiza por meio de coisas
disser que: "Tudo está cheio de deuses", podemos concretas, mas por semelhança: uma troca que revela
perceber o horizonte naturalista - natureza, logo, tudo - uma incipiente capacidade de generalização e de
da religião. Que propiciou a busca pelo princípio de abstração.
tudo - da natureza. E, influenciados pelo naturalismo

3
- A invenção da escrita silábica: esse tipo de escrita, cidadãos. Política, pólis e filosofia nesse momento
ao contrário das escritas não discursivas – como os formam um todo, do ponto de vista da consolidação de
hieróglifos egípcios, por exemplo -, nos obriga a formar suas existências, ou seja, um contribuindo para o
ideia do que dizemos, isto é, formular conceitos, e não surgimento do outro. A palavra torna-se o principal
que representemos uma imagem do que está sendo meio de ação política, é em seu interior que se gerou o
dito. pensamento filosófico.
- A invenção do calendário: nova forma de calcular o
tempo revelou uma capacidade de abstração ou uma A ORIGEM E O NASCIMENTO DA PALAVRA
percepção de tempo como algo natural não como um FILOSOFIA
poder divino, inefável.
Atribui-se a Pitágoras a invenção da palavra,
O SURGIMENTO DA PÓLIS no sec. V a. C.. Significa amor e respeito pela
(Cidade/Estado grega) sabedoria, desejo pelo saber, vontade de saber e
compreender a realidade. Segundo o autor do famoso
Todos os outros fatores citados anteriormente teorema matemático, a sabedoria plena só é possível
se vistos isoladamente, um a um, pouco explicam aos deuses, mas os homens devem desejá-la,
sobre o surgimento da atividade filosófica, não tornando-se filósofos, amantes do saber. Com o tempo
bastando tampouco somá-los para se chegar à filosofia passou a designar não apenas amor à
compreensão da questão. É necessário examiná-los sabedoria, mas um tipo especial de sabedoria: aquela
no interior do processo de formação da pólis grega. A que nasce do uso metódico da razão. Etimologia da
“pólis” era uma nova forma de organização social e palavra Filosofia, vem do grego: amor pelo saber,
política. Foi uma criação dos homens, dos cidadãos e amizade à sabedoria. Filosofia (do grego Φιλοσοφία:
não dos deuses; e deveria ser explicada e philos - amor, amizade + sophia - sabedoria)
administrada pela razão, logos, dispensando agora a,
intromissão de boa carga de mitologia popular. Pode- Philos – Amor, amizade.
se dizer que os deuses, com o advento da “polis”, Sophia – Sabedoria.
haviam perdido seu lugar no governo da sociedade. É
entre os séculos VIII e VI a.C., no período denominado PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA
arcaico, que transformações mais profundas inscrevem FILOSOFIA NASCENTE
na civilização grega as condições sociais, econômicas, - tendência à racionalidade, isto é, a razão e somente
políticas e culturais, marcado por significativo a razão, com seus princípios e regras, é o critério da
crescimento demográfico e pela expansão das explicação de alguma coisa;
atividades comerciais e artesanais, formam-se as pólis - tendência a oferecer respostas conclusivas para
gregas, cidades – Estados politicamente os problemas, isto é, colocado um problema, sua
independentes umas das outras e que eram mais do solução é submetida à análise, à crítica, á discussão e
que simples unidades urbanas. Diferenciavam-se das à demonstração, nunca sendo aceita como uma
antigas cidades orientais, que eram polos verdade se não for provado racionalmente que é
administrativos teocráticos. No centro da formação das verdadeira;
pólis, esta o desdobramento dos conflitos entre - exigência de que o pensamento apresente suas
aristocratas e plebeus, que resultou na superação das regras de funcionamento, isto é, o filósofo é aquele
sociedades aristocráticas. Essa superação é uma que justifica suas ideias provando que segue regras
consequência direta do novo caráter questionador do universais do pensamento. Para os gregos, é uma lei
homem, que agora amparado por sua racionalidade, universal do pensamento que acontece quando afirmo
também buscará formas mais igualitárias de e nego a mesma coisa sobre uma mesma coisa, por
convivência. exemplo: Pedro é um menino e um não menino;
O momento em que o homem passou a utilizar - recusa de explicações preestabelecidas e, portanto,
o logos (a razão) para resolver seus problemas, fez exigência de que, para cada problema, seja
com que os homens se reunissem em praça pública - investigada e encontrada a solução própria para sua
conhecida como ágora – para discutir problemas resolução. (Chauí, Marilena. Convite à filosofia.).
comuns. Eram nessas reuniões que se decidiam os
destinos da comunidade, que posteriormente se
tornaram sociedades, Assim esse fato está O PRIMEIRO PERÍODO DA FILOSOFIA
diretamente vinculado ao surgimento da polis; uma
nova forma de organização em que os cidadãos
dirigiam os destinos da cidade, agora, de forma  Período Cosmológico
democrática. O valor dado ao debate e à exposição
clara e convincente das ideias foi, com o tempo, Até 600 a.C., aproximadamente, o homem grego
ultrapassando a mera esfera política e as lições utilizava a mitologia para explicar a natureza e
práticas para melhorar os costumes dos cidadãos. O fundamentar a própria organização sociopolítica grega.
raciocínio correto, bem formulado, tornou-se o modo Os mitos mais antigos de que se têm registros
adotado para se pensar sobre todas as coisas. remontam ao período Neolítico, isto é,
Não por acaso, a palavra política é uma aproximadamente 10.000 a.C. Os mitos, vale ressaltar,
derivação etimológica de polis, consistindo, não são exclusividade da sociedade grega e estão
originariamente, em um domínio público regido por leis presentes em todas as sociedades, sobretudo em suas
racionalmente instituídas e pelo poder partilhado por épocas de formação. Temos, entre outros, os mitos

4
nórdicos (Ex.: Thor, o deus do trovão) e os mitos amplo de inauguração da cosmologia, o pioneirismo de
egípcios (Ex.: Osires, o deus da Terra). Tales consiste precisamente em esboçar uma
O séc. VI a.C foi marcado pelo encaminhamento explicação do cosmos que não se orienta por
de uma estabilidade sociopolítica entre os gregos, pressupostos divinos da criação. A questão posta pelo
cujas cidades passaram a ser organizadas em filósofo de Mileto é sobre a arqué (origem) do cosmos.
pequenos grupos, denominados pólis, administrados Inspirando-se provavelmente em observações da vida
pela aristocracia. Posteriormente, com advento da animal e vegetal, ou seja, observando a Physis
filosofia, as polis caminharam para uma nova forma de (natureza), o filósofo Tales concluiu que a água é a
organização, agora democráticas. O intercâmbio entre substância primordial, a matéria-prima que está em
as várias cidades foi intenso e assim como as cidades toda natureza e que nunca deixa de “ser”. A água é,
jônias da Ásia Menor, entre as quais podemos citar para Tales de Mileto, a arqué, pois é sempre a mesma,
Mileto e Éfeso, as colônias gregas da Itália meridional, ainda que possa assumir diferentes estados: sólido,
entre elas Eléia; ganharam grande destaque pelas líquido ou gasoso. Tales de Mileto, fenício de origem, é
iniciativas culturais e políticas. Também o comércio foi considerado o fundador da escola jônica. É o mais
bem desenvolvido por aquelas populações, o que lhes antigo filósofo grego. Acredita-se que Tales não tenha
trouxe mais riqueza material. Foi nesse contexto que a deixado nada escrito, mas sabemos que ele ensinava
Filosofia surgiu, num ambiente livre e distante do ser a água a substância única de todas as coisas. A
centro. Somente depois é que chegou à Grécia, terra era concebida como um disco boiando sobre a
propriamente dita, centralizando-se em Atenas, neste água, no oceano. Cultivou também as matemáticas e a
momento começa-se a se concretizar o primeiro astronomia, predizendo, pela primeira vez, entre os
período da filosofia, o período cosmológico. gregos, os eclipses do sol e da lua. No plano da
A cosmologia é uma filosofia da natureza – ou da astronomia, fez estudos sobre solstícios a fim de
Physis; daí os primeiros filósofos serem chamados de elaborar um calendário, e examinou o movimento dos
“físicos” –, isto é, só diz respeito ao Homem na medida astros para orientar a navegação. Como
em que ele é parte de um universo natural que o provavelmente nada escreveu; do seu pensamento só
engloba e o determina. O grande propósito da restam interpretações formuladas por outros filósofos.
Cosmologia era de encontrar o que os gregos Segundo Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa
chamavam de arque (ou arché), um princípio supremo e dá origem a terra; ao se aquecer transforma-se em
existente em todos os seres materiais que substituísse vapor e ar, que retornam como chuva quando
a toda e qualquer mudança ocorrida na physis. Os novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento
físicos – quase todos da Escola de Mileto – pretendiam (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas
encontrar uma matéria-prima que tornasse a natureza formas de vida, vegetal e animal. A cosmologia de
cognoscível (passível de ser conhecida) e que Tales pode ser resumida nas seguintes proposições: A
unificasse suas transformações, em suma, que terra flutua sobre a água; A água é a causa material de
representasse a unidade em meio à multiplicidade. todas as coisas. Todas as coisas estão cheias de
Vale dizer que, por esta razão, os filósofos físicos eram deuses (não no sentido da Mitologia). Tales tem a
chamados de “monistas”, ou seja, aqueles que querem honra de ser o primeiro filósofo grego.
o Um. A arqué deveria resistir a todas as mudanças
naturais, permanecendo sempre a mesma. Qual a matéria prima
Para facilitar o entendimento, as várias correntes básica do Cosmos?
da filosofia da natureza podem ser classificadas em:

1 - Escola Jônica (Ásia Menor), cujos principais


representantes são Tales de Mileto, Anaximandro de
Mileto e Heráclito de Éfeso.
Ela deve ser...
2 - Escola Pitagórica ou Itálica (Magna Grécia), cujos
principais representantes são Pitágoras de Samos,
Filolau de Cretona e Árquilas de Tarento.
3 - Escola Eleata (Magna Grécia), os principais
representantes são Xenófanes de Colofão, Parmênides ...algo a ...essencial ...capaz de
de Eléia, Zenão de Eléia e Melissos de Samos. partir do à vida. ...capaz de mudar.
4 - Escola Atomista (Trácia), cujos principais qual tudo se mover.
representantes são Leucipo de Abdera e Demócrito de possa ser
Abdera. formado.
Vejamos, a seguir, alguns dos principais
pensadores desse período.

TUDO É COMPOSTO POR


 Filósofos da Natureza ÁGUA

TALES DE MILETO (625 – 558 a.C.) é precursor


de um período na filosofia que ficou conhecido como
“Período Cosmológico”, ou ainda, posteriormente,
como “Período Pré-Socrático”. Sob o prisma mais

5
ANAXIMANDRO DE MILETO como o nome indica, possui a conotação de "ter contato com", "fazer a
nasceu também em Mileto por volta de 611 a. C. e experiência". Como o elemento primordial de
morreu por volta de 547 a.C. Anaximandro é um elemento com o qual não se tem
contato direto, ele achou conveniente chamá-lo de
A Arché é o Ápeiron. "Ápeiron" (ἄπειρον), isto é, "aquilo de que não se tem
(Texto de Fábio Silvério) experiência" ou, ainda, "aquilo que não tem fronteira ou
Anaximandro foi discípulo de Tales. Foi o primeiro a limite". A substância primigênia de onde tudo surge.
publicar escritos filosóficos. Curiosamente, parece ser O Ápeiron origina os seres a partir de um processo
também um precursor da teoria da evolução, ao dizer de separação. Visto que ele tem todas as coisas sem
que os homens teriam vindo dos peixes. Embora aluno ser nenhuma delas, alguma coisa se define à medida
de Tales, Anaximandro negava que a água fosse a em que se separa dele. Imaginemos um amontoado
arché. A origem de todos os elementos limitados não com todos os átomos existentes. Este amontoado não
pode ser outro elemento limitado. Uma coisa que dê será nenhum ser em particular, mas terá aquilo que
origem a todos os seres não pode ser nenhum deles forma todos os seres. Se quisermos obter água, tudo o
em particular; antes, tem de estar para além deles. que devemos fazer é pegar dois átomos de hidrogênio
Desse modo, a origem dos seres do mundo não pode e um de oxigênio, e separá-los daquela sopa atômica,
ser a água, ou o ar, ou nenhum dos demais seres que e, então, água é o que teremos. O mesmo se dá com
conhecemos. Isto é confirmado por um dos seus todas as demais coisas. Anaximandro dirá ainda que o
comentadores: Ápeiron origina as coisas a partir de duplas de
"Diz que o ilimitado é o princípio e elemento das contrários: quente, frio; alto, baixo; preto, branco; belo,
coisas. (...) Afirma que é não a água ou algum dos feio; direita, esquerda; bem, mal; forte, fraco, etc.
assim chamados elementos, mas uma outra natureza
diferente, ilimitada, da qual seriam formados todos os
céus e o cosmos naqueles contidos. (...) É evidente
que Anaximandro, ao observar a transformação
recíproca dos quatro elementos, não quis tomar um
destes como substrato, mas um outro diferente."
(Simplício)
Disto concluímos o seguinte: se a arché tem de
estar além dos elementos ilimitados, ela tem de ser
ilimitada. Além disso, se ela não pode ser nenhum dos
elementos determinados que conhecemos, então ela
deve ser indeterminada ou indefinida e, também,
desconhecida, isto é, não podemos ter uma
experiência direta dela, uma vez que toda a nossa
experiência vem de objetos determinados e finitos.
Temos ainda que, uma vez que a arché é a origem de
todas as coisas, e que sempre há seres no mundo -
lembremos que para os gregos antigos, não existia a
ideia da criação, o que lhes fazia pensar que o mundo
era eterno -, então a Arché deve ser necessariamente
imortal e eterna, pois sempre estaria originando os
seres.
Podemos, então, resumir as características da
Arché, segundo Anaximandro: ela é ilimitada,
indefinida ou indeterminada, imortal, eterna e não http://philosophia-ensinomedio.blogspot.com.br/2014/05/anaximandro-arche-e-o-apeiron.html
experienciada. O próprio escreve:
"O ilimitado é eterno. O ilimitado é imortal e ANAXÍMENES DE MILETO - Nasceu por volta de 588
indissolúvel." a.C. e morreu aproximadamente em 524 a.C. Foi
Diz, por sua vez, Aristóteles: discípulo de Anaximandro e, embora concordando com
"Tudo ou é princípio ou procede de um princípio; ora, o mestre, que o principio deve ser infinito, defendeu a
não há princípio do ilimitado, pois se tivesse seria tese de que mesmo esse princípio deve ser pensado
limitado. No mais, por ser princípio, deve ser não como algo físico, e, portanto, deve ser o ar, vez que
engendrado e indissolúvel. Porque necessariamente “exatamente como a nossa alma (ou seja), (o princípio
tudo o que é gerado, chega a um fim, e há um termo a que dá a vida), que é ar, se sustenta e se governa,
toda dissolução. Por isto, como dizemos, não tem assim também o sopro e o ar abarcam o cosmos
princípio, mas ele próprio parece ser o princípio das inteiro”. Tal como Tales, Anaxímenes apresentou um
outras coisas, e abraçá-las e governá-las todas". pensamento evolucionista ao concluir que todas as
É exatamente a característica de não conhecido coisas do mundo “respiram” e possuem vida e alma. O
que inspirará Anaximandro a nomear o seu elemento ar, elemento dessa respiração é o princípio de tudo,
primordial. Para os gregos, o termo "não" era expresso das coisas, dos homens e dos deuses. Do ar derivam
pelo prefixo "a", costume que herdamos com algumas por composição, num movimento de rarefação ou
palavras, como "amoral" (não moral), "anormal" (não condensação, todos os corpos. Defendeu, ainda, que
normal), "aluno" (que não tem luz), etc. O termo esse movimento é cíclico, de maneira que
"experiência" deriva de "peras", que significa "fim",
"limite" ou "fronteira". Mas também vem de "peri", que

6
periodicamente todas as coisas se dissolvem no constitutiva, sendo, pois, um princípio originário. Os
princípio originário. ciclos da natureza, das estações do ano e etc. eram
Assim a arché que comanda o mundo é o ar, um também subordinados à lei numérica. A partir disso,
elemento não tão abstrato como o ápeiron, nem Pitágoras foi levado a pensar que a alma também
palpável demais como a água. Tudo provém do AR, obedece a esses ciclos, criando assim a teoria da
através de seus movimentos: o ar é respiração e é reencarnação cíclica, da qual hoje a religião cristã
vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra espírita é seguidora, bem como a budista é
são formas cada vez mais condensadas do ar. As semelhante. Nelas, a reencarnação é um processo
diversas coisas que existem, mesmo apresentando natural que obedece uma ordem cósmica cíclica para
qualidades diferentes entre si, reduzem-se a variações expiação (penitência ou castigo) de uma culpa original.
quantitativas (mais raro, mais denso) desse único Dessa forma, ao contrário dos demais pré-
elemento. socráticos, que defendiam sempre algum elemento da
natureza como princípio universal, Pitágoras defendeu
PITÁGORAS DE SAMOS os números como sendo esse princípio, considerando
Text:o: João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
que o número expressa não apenas a natureza, mas
Graduado em Filosofia - UFU também a relação entre as coisas, e, assim, a partir do
Nasceu aproximadamente em 571-0 a.C. e morreu número chegou à conclusão de que a multiplicidade
em 532-1 a.C., e é considerado um dos grandes decorre da unidade. Em resumo, o principio de tudo
gênios da humanidade. Suas contribuições contam em segundo Pitágoras, teria uma teoria explicativa
vários campos de saberes, entre os quais a chamada: “O princípio da mônada e da díada”.
matemática, a geometria, a astronomia, a filosofia a (Díada é um título usado pelos pitagóricos para o
ascese e a mística. número dois, que representa o princípio de
O Grande Mestre, como era chamado por seus "duplicidade" ou "alteridade". Considera-se que
discípulos, nasceu em Samos, uma pequena ilha Pitágoras deu o nome Mônada a Deus, e o
próxima à região da Jônia (parte asiática das colônias nome Díada à matéria) Da mônada e da díada
gregas), mas fundou sua escola (Escola Itálica) na indeterminada nascem os números; dos números
região da Magna Grécia, atual sul da Itália. É a ele que nascem os pontos e destes, as linhas, das quais
atribuímos a invenção da palavra Filosofia. É também procedem as figuras planas. Das figuras planas
o criador do famoso Teorema de Pitágoras (que revela nascem às figuras sólidas e destas, os corpos
que em um triângulo retângulo, o quadrado da sensíveis, cujos elementos são quatro, a saber. O
hipotenusa – maior lado – é igual à soma dos fogo, a água, a terra e o ar. Estes elementos mudam-
quadrados dos catetos – os outros lados que formam se e transformam-se uns nos outros, originando-se
90º). deles um universo dotado de alma e de razão, de
Pitágoras é classificado na história da filosofia como forma esférica, em cujo ponto central está a terra,
um pré-socrático por também atribuir um princípio que também ela esférica e habitada.
origina toda a realidade. Sua escola desenvolveu uma
linha de pensamento que se estendeu de Filolau, OUTROS FILÓSOFOS DA NATUREZA
Árquitas e Platão até Galileu, Giordano Bruno, Leibniz,
Kepler e Newton: a de que a realidade é composta por Podemos citar, ainda, Empédocles de Agrigento,
números. Para Pitágoras e seus seguidores, a que tentou conciliar as teorias de Heráclito e
Natureza é constituída de um sistema de relações e Parmênides, afirmando que havia quatro elementos
proporções matemáticas derivadas da Unidade (que básicos: a terra, o ar, o fogo e a água. A transformação
ele concebia como sendo o número 1 e a figura vista por Heráclito seria a combinação entre esses
geométrica ponto). Desta, surgia a oposição entre elementos, e não as suas transformações.
números pares e ímpares que se desdobravam em Anaxágoras de Clazômena (500 – 428 a.C.)
figuras geométricas como superfície e volume para defendeu que tudo era dividido em partículas invisíveis
produzir a realidade visível. As várias combinações a olho nu, e que essas partículas estavam presentes
entre estes elementos apareciam aos nossos sentidos em tudo, se mostrando de uma forma ou outra,
como qualidades contrárias, como quente-frio, seco- segundo a predominância de uma outra. Tudo está em
úmido, claro-escuro, duro-mole, etc. tudo. Demócrito de Abdera (460 – 360 a.C.)
Segundo Pitágoras, o pensamento alcança a concordava que as coisas eram compostas de
realidade em sua estrutura matemática enquanto os minúsculas partículas indivisíveis, as quais denominou
sentidos alcançam o modo como esta estrutura ÁTOMOS, que eram eternos e de diversas naturezas e
aparece para nós. Os pitagóricos foram os primeiros a podiam se combinar de infinitas formas, dando, assim,
cultivarem as matemáticas de modo sistemático, origem às mais diversas espécies de coisas. Zenão de
notando que todos os fenômenos naturais são Eléia (464-1 a.C.) foi discípulo de Parmênides e teve
traduzíveis por relações numéricas e representáveis de atuação política destacada. Sempre lutando contra os
modo matemático. Perceberam também que a música tiranos, conforme expõem Giovanni Reale e Dante
(foi Pitágoras quem descobriu as 7 notas musicais) Antiseri, chegou mesmo a cortar sua própria língua
obedecia leis de harmonia matemática e que também o para não confessar denunciar os companheiros de
universo, natural e humano, se submetia a essas leis revolta. Na filosofia, foi um árduo defensor da
(cada número representava uma característica ou uma impossibilidade do movimento, consoante a doutrina
qualidade, como justiça, amor, Deus, etc.). de Parmênides. Seu método foi o de rejeitar as teorias
Hoje, o número é considerado como uma abstração contrárias a Parmênides pela sua refutação absurda,
da mente, um ente da razão. Mas para os antigos eles isto é, mostrando o absurdo das teorias contrárias.
eram a própria coisa, o ser real em sua unidade básica

7
Pode-se dizer, assim, que foi um dos precursores da filósofo e pode e deve ser questionado. Surge a atitude
dialética. Quanto ao movimento, é valiosa sua crítica em lugar da transmissão dogmática da verdade.
formulação lógica para negação do movimento ao Os chamados “filósofos pré-socráticos” são os
afirmar que para um objeto se mover de um ponto a primeiros filósofos que viveram antes de Sócrates, e
outro, deveria percorrer primeiro a metade do percurso, alguns foram contemporâneos deste. Sócrates é
depois, a metade da outra metade, e depois a metade considerado um marco por sua influencia e por
da metade da metade e assim por diante, de forma que introduzir as questões humanas e sociais na discussão
sempre restaria uma metade a ser cumprida. Outro filosófica. Assim o período de vida de Sócrates é
argumento é da flecha que não poderia jamais denominado período socrático. Pode-se dizer que os
alcançar o alvo, porque está parada e não em filósofos pré-socráticos deram o passo inicial na
movimento, como mostra a aparência. E explica tentativa de uma forma mais ordenada, mais lógica de
Zenão, a flecha ocupa um lugar no espaço em cada pensar, que posteriormente daria origem às ciências
instante do tempo, e, pois, na soma dos instantes, naturais que conhecemos, como a física, a biologia a
também está parada. astronomia e outras.
Primeiramente, vale a ressalva que estes filósofos
PRINCIPAIS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS
apresentados não foram de menor importância, mas
dadas as características do presente curso,
didaticamente traremos apenas algumas referências HERÁCLITO DE ÉFESO (545-480 a. C., aprox.).
principais. No entanto, dois filósofos da natureza se
destacam e merecem um estudo mais aprofundado, Heráclito, natural de Éfeso na Ásia menor, filho de
são eles: Parmênides e Heráclito. Blosão, floresceu como pensador por volta de 501
antes de Cristo; membro de importante família
aristocrática, conta-se que renunciou à vida política por
PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO
achar que a sociedade se encontrava
irremediavelmente contaminada por valores escusos e
Trata-se do mesmo período chamado pela corrupção. Renunciou também à sua fortuna em
Cosmológico; neste caso a nomenclatura pré – favor do irmão.
socráticos se deve ao percurso cronológico, que nos Considerado por muitos o mais importante filósofo
indica ser o momento anterior ao nascimento do
pré-socrático, sua concepção filosófica apresenta
grande marco da filosofia grega: Sócrates. Aqui, a
alguns pontos em comum com a Escola de Mileto,
filosofia buscava uma visão ordenada do mundo, a
principalmente na busca de um elemento único que
explicação racional e sistemática sobre origem, ordem explicasse os fenômenos da natureza. Entretanto, vale
e transformação da natureza e seres humanos. dizer que tanto na forma de caracterizar o elemento
Investigava o princípio universal, imutável e eterno que primordial – a arque – quanto na maneira de entender
gerou todas as coisas e seres: de onde tudo vem e
o universo, Heráclito introduziu tantas informações que
para onde tudo retorna. O novo pensamento filosófico
se poderia afirmar que deu origem a um novo modo de
possui características centrais que rompem com a pensar a natureza.
narrativa mítica. Esses pensadores desenvolveram um O filósofo de Éfeso concebia a realidade do mundo
conjunto de noções que constituem o ponto de partida como algo dinâmico, em permanente transformação;
de uma visão de mundo que, apesar de terem sofrido daí sua vertente filosófica ser chamada de “mobilista”
profundas transformações, foram às raízes do
(de movimento). Para ele, a vida era um fluxo
pensamento filosófico científico de hoje. Assim como constante impulsionado pela luta de forças
se vê em alguns conceitos fundamentais: antagônicas: o amor e o ódio, o calor e o frio, o belo e
a) A physis – o mundo natural (natureza). A o feio, o bem e o mal, e assim por diante. Em um de
compreensão da realidade natural está nela mesma e seus fragmentos, Heráclito diz: A luta (o combate) é
não no mundo sobrenatural mãe, rainha e princípio de todas as coisas; não que
b) A causalidade – tudo tem uma causa natural e não
fosse um filósofo favorável à guerra entre os homens,
mais mítica misteriosa. mas para ele, é pela luta das potências opostas que o
c) A arqué – existe um elemento primordial que serviria mundo se modifica e evolui.
de ponto de partida para todo o processo, o que dá Heráclito concebia o universo e todos os seus
uma unidade à natureza. Ex- água para Tales de fenômenos como uma unidade: “Conjunção o todo e o
Mileto, o ar para Anaxímenes. Empédocles afirma a não-todo, o convergente e o divergente, o consoante e
existência de quatro elementos: ar, água, terra e fogo... o dissonante...” (fragmento 10). Entretanto a afirmação
Isso dá a ideia de caráter geral que inaugura a ciência. que tudo é Um assume em sua concepção um caráter
d) O cosmo - surge a ideia de ordem, harmonia e completamente novo: a unidade só existe enquanto
beleza. O mundo natural é uma realidade ordenada de processo; a unidade, não vista como algo que
acordo com os princípios racionais. permanece na imutabilidade, só permanece enquanto
e) O logos – não é mais uma narrativa de caráter movimento de transformações contínuas. Havia no
poético e mítico; logos é a explicação fundamentada mundo uma lei, uma racionalidade – o que Heráclito
na razão. É um discurso racional. chama de logos – que dirigia seu movimento
f) O caráter crítico – as verdades não eram constituindo sua unidade – De todas as coisas o raio
apresentadas como verdades absolutas, de forma fulgurante dirige o curso (fragmento 64).
dogmática, mas passiveis de serem discutidas, Era o fogo que permitia esse fluir, esse movimento:
discordadas, criticadas. Não se trata de verdades Por fogo se trocam todas as coisas e fogo por todas,
absolutas, mas da construção do pensamento de um tal como ouro mercadorias e mercadorias ouro

8
(fragmento 90). O fogo assumia, assim, o papel de ● O SER está contido na batalha dos opostos
elemento primordial: o elemento que possibilitava a - A batalha dos opostos, tudo no universo esta em
transformação, que expressava a lei que regia o conflito.
universo. Como ressalta Thompson (1946), o fogo, “A guerra e paz”. “O amor e o ódio”. “O quente e o frio”.
aqui, representa muito mais que o fenômeno material - Só conhecemos O SER porque conhecemos o seu
conhecido sob essa designação: ele é vivo, inteligente, contrário.
o divino. O fogo é movimento; quando vemos uma vela - Os seres vivos ao nascerem, já trazem a morte em si
se queimando temos a impressão de estar a chama oculta.
quieta, sempre idêntica a si mesma, na verdade a ● Em todo O SER está contido o seu NÃO SER.
chama está em constante transformação: queimando o
cordão, a cera e transformando-se em fumaça. Assim Pelo que vimos, pode-se afirmar que Heráclito
é o mundo, para Heráclito: fogo primordial sempre a é o pai da dialética, ou seja, é o precursor da filosofia
queimar e a se transformar. do movimento e por esta razão, o filósofo é chamado
Repare que quando Heráclito diz que o fogo é o de “o pensador do Panta Rei”, que significa: “tudo
elemento que melhor representa o devir da realidade, flui”.
passa a nos apresentar uma distinção bem nítida entre
a substância primordial da cosmologia dos filósofos de PARMÊNIDES DE ELÉIA (530-460 a. C. aprox.)
Mileto: concreta, material – água, ar etc. – e a
substância primordial de Heráclito: ideia abstrata Parmênides nasceu em Eléia, na colônia grega do
(logos) que explica o devir do mundo material. Para sul da Itália denominada de Grande Grécia, hoje Vélia,
Heráclito, nada permanece idêntico a si mesmo; mas uma ruína próxima de Castella Mare della Brucca, ao
não se trata de fluxo caótico e desarmônico, pelo sul de Salerno. Foi, provavelmente, o primeiro filósofo
contrário, a guerra e as forças antagônicas é harmonia
a apresentar suas ideias em forma de poesia; da mais
no mais alto grau, isto é, a unidade do mundo decorre importante delas – Sobre a natureza – restam hoje
da tensão gerada pelos opostos.
inúmeros fragmentos.
Para Heráclito o ser nada mais é que o Vir-a-
Fragmento famoso de Parmênides: “O ser é e o não
Ser, tudo está em movimento constante, tudo é ser não é”.
mutável, múltiplo e perecível. “A guerra é pai de todas
Vimos, com efeito, que Heráclito de Éfeso concebia
as coisas.” O mundo é um perpétuo nascer, morrer e
a realidade como algo dinâmico, resultado da luta entre
renascer. Nada permanece idêntico a si mesmo. A
os contrários; diversamente disso, para os pensadores
harmonia, para Heráclito, é a tensão dos contrários: dia
da Escola Eleática, cujo principal expoente era
e noite, frio e calor, seco e úmido, formando uma Parmênides, os contrários jamais poderiam coexistir.
unidade feita pelo movimento dos contrários. As Heráclito e Parmênides, portanto, representam dois
constantes transformações eram a característica mais
polos extremos do pensamento filosófico.
fundamental da natureza, “tudo flui”, dizia Heráclito.
Para Parmênides, o Ser era algo pleno, contínuo,
Tudo está em movimento e nada dura para sempre, fixo, sem começo e sem fim – eterno, intemporal,
por esta razão, “não podemos entrar duas vezes no indivisível e imóvel: (...) indícios existem, bem muitos,
mesmo rio”. Isto porque quando entramos pela de que ingênito sendo é também imperecível, pois é
segunda vez no rio, tanto o rio quanto nós já não todo inteiro, inabalável e sem fim, nem jamais era e
somos os mesmos. O mundo está impregnado por nem será, pois é agora todo junto, uno, contínuo.
constantes opostos, se nunca ficássemos doentes, não Ao afirmar que o que é, é e não pode não-ser,
saberíamos o que é a saúde, se não houvesse as Parmênides afirmava um ser já completo, nada mais a
guerras, não saberíamos o valor da paz. O Bem e o ele se poderia acrescentar nem retirar; não sujeito a
Mal são necessários ao todo; daí a ideia de que a luta nenhuma mudança, o Ser imutável era o limite do real
dos contrários seja o princípio de todas as coisas.
e do possível de ser pensado, não havia a
possibilidade de pensar qualquer coisa como não
→ O devir eterno (transformação eterna) existindo, não havia a possibilidade de pensar o “não-
● O mundo é um fluxo, mudança eterna de todas as ser”:
coisas. O Ser, para Parmênides, deve ser incriado
(ingênito) e indestrutível; não pode ter-se originado do
→ Tudo flui nada nem de qualquer outra coisa, pois é absurdo que
● Tudo passa e tudo se move sem cessar algo dê origem àquilo que já é. O que é nunca veio a
- A vida se transforma em morte; ser (nunca esteve no devir), pois se veio a ser, um dia
- O úmido seca, o seco umedece; não era e, se não era nunca poderia vir a ser. O Ser
- A noite se transforma em dia, o dia em noite. não se move, pois, se movesse, iria para o não-ser, o
● O mundo é um perpétuo renascer e morrer, que é absurdo! O Ser é uno, desprovido de partes; o
rejuvenescer e envelhecer, nada permanece idêntico a Ser é, em suma, objeto de pensamento, pois, “pensar
si mesmo. é Ser”.
Repare que o Ser de Parmênides é metafísico, ou
→ O vir a ser seja, não se remete a nenhuma matéria-prima da
● Nada permanece o mesmo, nem por um instante.
natureza, como vimos nas filosofias daqueles que o
- O que é hoje, amanha não será mais.
precederam; por essa razão, alguns chamam o filósofo
“O sol é novo a cada dia” de “O pai da Metafísica”, ou ainda de “O pai da
“Nos mesmos rios entramos e não entramos” Ontologia”. Em seus poemas, Parmênides estabelece
→ Os opostos uma distinção, duas vias do conhecimento: a via da

9
Verdade (alétheia, em grego) e a via da Opinião (dóxa,  Os conceitos de Metafísica e de Ontologia.
em grego).
A via da Opinião, ou da Aparência, baseada nas - Metafísica: está palavra foi utilizada pela primeira
informações recebidas pelos sentidos, podia fornecer vez, por Andrônico Rodes, por volta do ano 50 antes
conhecimento sobre o mundo sensível, mas, de Cristo, quando recolheu e classificou as obras de
exatamente por captá-lo como, múltiplo, instável e Aristóteles que, durante muitos séculos, haviam ficado
transitório, era insuficiente e enganadora para dispersas e perdidas. Com essa palavra, o organizador
apreender a essência desse mundo, o seu verdadeiro dos textos Aristotélicos indicava um conjunto de
Ser. Este só seria apreendido pela via da Verdade que, escritos que, em sua classificação, localizavam-se
desprezando e recusando as informações fornecidas após os tratados sobre a física (ou sobre a Natureza),
pelos sentidos, fundava-se no uso da razão: pois a palavra meta significa: após, além de. Assim a
Vem agora, eu te direi – e presta atenção ao meu palavra metafísica quer dizer: os escritos que estão
depoimento, e leva-o embora- os dois únicos caminhos após os escritos da física. No decorrer da história da
de pesquisa que se podem pretender. O primeiro, o É, filosofia, convencionou-se denominar “metafísico” tudo
ao qual é impossível não ser (...) pois a verdade é sua aquilo que se refere a uma realidade suprassensível,
companheira. O outro o não-É, e que forçosamente isto é, a um plano imaterial, exterior aos sentidos.
tem que não-ser, - esse eu te digo, é um caminho de Desse modo, podemos afirmar que Parmênides foi o
que absolutamente ninguém pode tomar pai da metafísica, uma vez que o Ser do qual trata
conhecimento. Pois tu não podes conhecer o que não ultrapassa os limites dos sentidos e chega ao
é – é impossível – nem expressá-lo (...). transcendente. Exemplos de entes metafísicos: a alma,
o infinito, Deus, entre outros.
De modo geral, o conceito de physis na filosofia - Ontologia: parte da filosofia que especula sobre o
Pré-socrática expressa um princípio de movimento Ser enquanto Ser, isto é, estudo ou conhecimento do
por meio do qual tudo o que existe é gerado e se que as coisas são em si mesmas, enquanto essências,
corrompe, isto é, nasce, cresce e morre. A doutrina de por oposição ao estudo das suas aparências ou dos
Parmênides, no entanto, tal como é relatada pela seus atributos. Parmênides é, também, considerado o
tradição, aboliu esse princípio, consequentemente, precursor da ontologia, pois tentou, ultrapassando as
provocou um sério conflito no debate filosófico aparências, chegar à essência, isto é, à substância
posterior. Portanto, Parmênides tornou a Cosmologia imutável do Ser.
impossível ao afirmar que o pensamento verdadeiro
exige a identidade, a não transformação e a não
contradição do Ser. Considerando a mudança de uma O PERÍODO SOCRÁTICO
coisa em outra contrária como o não-ser, Parmênides,
também, afirmava que o Ser não muda porque não tem O período pré-socrático foi dominado, em grande
como e nem por que mudar e não tem no que mudar, parte, pela investigação da natureza. Essa
pois, se mudasse, deixaria de ser o Ser, tornando se investigação tinha um sentido cosmológico. Era à
contrário a si mesmo, o não-ser. Como consequência, busca de explicações racionais para o universo,
mostrou que o pensamento verdadeiro não admite a manifestada na procura de um princípio primordial
multiplicidade ou a pluralidade de seres e que o Ser é (arché) para todas as coisas existentes. Seguiu-se a
Uno e Único. esse período uma nova fase filosófica, caracterizada
pelo interesse no próprio homem e nas relações do
Explica a essência do homem investigando dois homem com a sociedade. Essa nova fase ocorreu no
caminhos do homem: final do século V e todo século IV a. C., em Atenas.
▪ O caminho da verdade (Alétheia) A filosofia passa a investigar as questões humanas,
- Conhecimento (mundo) → Razão (imutável) → deixando de se preocupar apenas com as questões da
Conhecimento (essência) O ser natureza e suas transformações. Esse período é
▪ O caminho da opinião (Doxa) marcado pela presença de Sócrates (470-399 a. C),
- Conhecimento (mundo) → Sentidos (mutável) → cujo pensamento rompe com a temática central da
Falso conhecimento (ñ percebe a essência) O não ser. realidade natural dos filósofos anteriores e passa a
investigar as questões éticas e políticas. É a época da
● O que o filósofo de Eléia afirmava era a diferença democracia em Atenas, em que o cidadão começa a
entre pensar e perceber. Perceber é ver aparências. exercer a cidadania, precisa opinar e discutir, falar,
Pensar é contemplar a realidade como idêntica a si persuadir nas assembleias. Surgem os chamados
mesmo. Portanto, pensar é contemplar o ser. Assim, sofistas, que foram contemporâneos de Sócrates e
multiplicidade, mudança, nascimento e perecimento compartilharam assim da mesma realidade histórica e,
são aparências, ilusões dos sentidos. apesar das visões diferentes, tiveram o mesmo
interesse pela problemática ético-politico. O
→ O SER É e O NÃO SER NÃO É pensamento de Sócrates e os Sofistas devem ser
● O NÃO SER não existe entendidos dentro do contexto histórico e sociopolítico
- Se O NÃO SER existisse, significaria dizer que o ser de sua época, pois tem um compromisso bastante
sofreria uma transformação. direto e explicito com essa realidade. A sociedade
● O SER é eterno, perene, imóvel, infinito, imutável, grega está estabilizada, com a consolidação de várias
pleno, contínuo, homogêneo, indivisível. cidades-estados. Há o enriquecimento através do
- Se o SER sofresse transformação deixaria de SER. comércio, surge uma classe mercantil politicamente
influente. Começam a se introduzir as primeiras regras
democráticas, há quebra do poder das oligarquias,

10
quebra da autoridade divina, é o fim das imposições conhecidos por meio das criticas de seus oponentes,
autoritárias. Coexistem diferentes interesses e as alguns elementos de suas posições são difíceis de
decisões são tomadas em assembleias. É preciso confirmar. Uma das principais críticas aos sofistas era
saber falar bem, persuadir, convencer, argumentar e a de que sua posição baseava-se apenas em
justificar as diferentes propostas. É o momento de verossimilhança, quando um argumento parece
passagem da tirania para a democracia. verdadeiro, mesmo que não o seja. O objetivo dos
sofistas seria, pela visão de filósofos como Aristóteles,
apenas o de vencer o debate, sem preocupar-se com a
 OS SOFISTAS busca pela verdade. Por esta razão, a expressão
"sofisma" existe hoje para identificar uma
Na história do pensamento grego houve uma fase argumentação rebuscada, porém sem fundamentação
muito particular que foi extremamente importante, mas sólida.
de duração relativamente curta: o período Como foi o primeiro sofista, a posição relativista
dos sofistas. Esse período compreendeu os séculos atribuída a Protágoras é normalmente identificada
IV e V a.C. e envolveu poucos, porém grandes como a posição geral que iniciou o movimento, que se
intelectuais, pensadores e cientistas, dentre eles: tornaria a profissão de sofista. Leia as palavras se
Protágoras, Górgias e Hipías. Etimologicamente, o Protágoras de Abdera, o mais ilustre representante da
termo sofista significa sábio. Entretanto, com o sofística, aqui está, em sua essência, o relativismo
decorrer do tempo, ganhou o sentido de impostor, pregado pelos sofistas!
devido, sobretudo, às críticas de Platão. Os sofistas
eram professores viajantes que, por determinado “O Homem é a medida de todas as coisas;
preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. daquelas que são enquanto são e daquelas que
Levando em consideração os interesses dos alunos, não são enquanto não são”.
davam aulas de eloquência e sagacidade mental.
Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso dos A filosofia de vida dos sofistas adotava uma visão
negócios públicos e privados. Por isso, os cidadãos de mundo extremamente egoísta e utilitária diante dos
mais ambiciosos sentiam a necessidade de aprender a problemas da atividade prática, por isso foi que
arte de argumentar em público para, manipulando as Sócrates se levantou fortemente contra esta doutrina.
assembleias, fazerem prevalecer seus interesses Em resumo, os sofistas eram considerados mestres da
individuais e de classe. oratória, que cobravam um alto preço dos cidadãos
As lições sofísticas tinham como objetivo o para aplicação e ensino de suas habilidades de
desenvolvimento do poder de argumentação, da discurso, que para os gregos eram fundamentais para
habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas a política. Os sofistas defendiam que a verdade surgia
divergentes. Eles transmitiam todo um jogo de por meio do consenso entre os homens.
palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado
na arte de convencer as pessoas, driblando as teses
dos adversários.
Segundo essas concepções, não haveria uma SÓCRATES DE ATENAS
verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao
homem, ao momento, a um conjunto de fatores e Nascido em Atenas, Sócrates (469-399 a. C.) é
circunstâncias. Abordagens mais recentes sobre tradicionalmente considerado um marco divisório da
atuações dos sofistas procuram mostrar que o história da filosofia grega. Por isso, os filósofos que o
relativismo entre suas teses fundamenta-se numa antecederam são chamados pré-socráticos e os que o
concepção flexível do Homem, da sociedade e da sucederam, de pós-socráticos. O próprio Sócrates não
compreensão do real. Para os sofistas, as opiniões deixou nada escrito, e o que se sabe dele e de seu
humanas são infindáveis, diversas e irredutíveis a uma pensamento vem dos textos de seus discípulos e de
única verdade, como queriam alguns filósofos. Para os seus adversários. Sócrates desenvolvia o saber
sofistas, não existem valores ou verdades absolutas. filosófico em praças públicas, conversando com os
Os sofistas negam a existência da verdade, ou pelo jovens, sempre dando demonstrações de que era
menos a possibilidade de acesso a ela. Para os preciso unir a vida concreta ao pensamento. Unir o
sofistas, o que existe são opiniões: boas e más, saber ao fazer, a consciência intelectual à consciência
melhores e piores, mas jamais falsas e verdadeiras. prática ou moral.
Embora os sofistas não sejam considerados filósofos O acontecimento decisivo de sua vida deu-se
pela tradição, sua importância se dá na medida em que quando o oráculo de Delfos revelou a um amigo seu
estão entre os primeiros a desafiar a ideia de que a que nenhum homem era mais sábio do que ele.
sabedoria seria recebida dos deuses, baseando-se na Procurou interpretar o significado do oráculo e
hipótese de que, assim como nas atividades físicas, a concluiu que ele era o mais sábio porque tinha
prática da virtude, por meio da retórica e da oratória, consciência de sua própria ignorância. O oráculo
poderia melhorar os estudantes, tornando-os mais colocou Sócrates no caminho de sua vocação: ensinar
sábios e virtuosos. a verdade aos homens. O autoconhecimento era um
O foco de seus ensinamentos era prático, dos pontos fundamentais da filosofia socrática.
direcionado a estratégias de argumentação e oratória, “Conhece-te a ti mesmo”, frase inscrita no templo de
para que os estudantes atingissem o ápice da Apolo, era a recomendação básica feita por Sócrates
excelência em suas atividades, independente de quais para seus discípulos. Sócrates percebe que a
fossem estas atividades. Como os sofistas são sabedoria começa pelo reconhecimento da própria

11
ignorância. “Só sei que nada sei” é, para Sócrates, o A doutrina socrática identifica o sábio e o homem
princípio da sabedoria, atitude em que se assume a virtuoso. Deriva daí, diversas consequências para a
tarefa verdadeiramente filosófica de superar o educação, como: o conhecimento tem por fim tornar
enganoso saber baseado em ideias pré-concebidas. possível a vida moral, o processo para adquirir o saber
Eis a missão de Sócrates, missão para a qual ele se é o diálogo, nenhum conhecimento pode ser
sentiu chamado pelo oráculo de Delfos: incitar os dogmático, mas sim uma condição para desenvolver a
homens a se preocuparem antes de tudo com os capacidade de pensar; toda a educação é
interesses da própria alma, procurando adquirir a essencialmente ativa, e por ser autoeducação leva ao
sabedoria e a virtude. Estimulado pelo impulso divino, conhecimento de si mesmo. A análise radical do
Sócrates propôs-se livrar seus concidadãos da conteúdo das discussões, retirado do cotidiano, leva ao
influência nefasta dos sofistas, que punham em dúvida questionamento do modo de vida de cada um e, em
o conhecimento de uma verdade suprema e de uma lei última instância, da própria cidade.
moral absoluta, e estimulá-los à procura da verdade e Interessado somente na prática da virtude e na
da virtude, dando testemunho, com sua vida e sua busca da verdade, Sócrates contrariava os valores
morte, desses valores eternos. dogmáticos da sociedade ateniense. Por isso, recebeu
a acusação de ser injusto com os deuses da cidade e
O método Socrático de corromper a juventude. No final do processo foi
Ironia e maiêutica condenado a beber cicuta (veneno). A história de sua
acusação, defesa e execução são contadas nos belos
Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos diálogos de Platão, Apologia de Sócrates e Fédon.
críticos com seus interlocutores. Esses diálogos podem
ser divididos em dois momentos básicos: a ironia (do
grego eironeia, perguntar fingindo ignorar) e a Leitura Complementar
maiêutica (de maieutiké, relativo ao parto). “O Julgamento e a Morte de Sócrates”.
Na linguagem cotidiana, a ironia tem um significado
depreciativo, sarcástico ou de zombaria. Mas não é Diante do tribunal popular, Sócrates é acusado
esse o sentido de ironia socrática. No grego, ironia pelo poeta Meleto, pelo rico curtidor de peles, influente
quer dizer interrogação. Sócrates interrogava seus orador e político Anitos, e, por Licon, personagem de
interlocutores sobre aquilo que pensavam saber. O que menor importância.
é o bem? O que é a justiça? São exemplos de algumas A acusação era grave: não reconhecer os
perguntas feitas por ele. Com habilidade de raciocínio, deuses da Polis, introduzir novas divindades e
procurava evidenciar as contradições afirmadas, corromper a juventude. O relato do julgamento feito por
assim, novos problemas surgiam a cada resposta. Seu Platão, “A Apologia de Sócrates”, é geralmente tida
objetivo inicial era demolir, nos discípulos, o orgulho, a como bastante fiel aos fatos e apresenta-se dividido
ignorância e a presunção do saber. A ironia é uma em três partes. Na primeira, Sócrates examina e refuta
espécie de simulação, mas, em Sócrates, ela tem a as acusações que pairam sobre ele, retraçando sua
finalidade de pôr a descoberto a vaidade; de própria vida e procurando mostrar o verdadeiro valor
desmascarar a impostura e de seguir a verdade. de sua “missão”. E proclama aos cidadãos que
A ironia socrática tinha um caráter purificador na deveriam julgá-lo: “não tenho outra ocupação senão a
medida em que levava os discípulos a confessarem de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de
suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes que cuides menos dos vossos corpos e de vossos
só julgavam possuir certezas e clarividências. Libertos bens do que da perfeição das vossas almas, e a de
do orgulho e da pretensão de que tudo sabiam, os vos dizer que a virtude não provém da riqueza, más
discípulos podiam iniciar o caminho da reconstrução sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer
das próprias ideias. Faz com que seu interlocutor veja outra coisa útil aos homens, seja na vida pública, seja
novos problemas, desperta a sua curiosidade e na vida privada. Se, dizendo isso, eu estou a
estimula-o a refletir, assim, inicia-se a segunda fase do corromper a juventude, tanto pior; mas, se alguém
diálogo. afirmar que digo outra coisa, mente”. Noutro momento
Nesta segunda fase do diálogo, o objetivo de de sua defesa, Sócrates dialoga com um de seus
Sócrates era ajudar seus discípulos a conceberem acusadores, Meleto, deixando-o embaraçado quanto
suas próprias ideias. Essa fase do diálogo socrático, ao significado da acusação que lhe imputava –
destinada à concepção de ideias, era chamada de “corromper a juventude”. Demonstra que estava sendo
maiêutica, termo grego que significa arte de trazer à acusado por Meleto de algo que o próprio Meleto não
luz. Maiêutica significa dar a luz, partejar, assim como sabia explicar o que era, já que não conseguia definir
a mãe de Sócrates fazia, já que ela era parteira. com clareza o que era bom e o que era mau para os
Enquanto a mãe dava a luz a crianças, Sócrates dava jovens.
a luz a ideias. Essa fase consiste em fazer seu Como era de praxe, após o veredicto da
interlocutor a aprender por si próprio. Por razões de condenação, Sócrates foi convidado a fixar sua pena.
método (e não por incapacidade de Sócrates), seus Meleto havia pedido para o acusado a pena de morte.
diálogos levantam questões, que nem sempre dão a Mas seria fácil para Sócrates salvar-se: bastava propor
solução. Servem para pôr o interrogado no caminho da uma outra penalidade, por exemplo, pagar uma multa,
solução para que ele mesmo a encontre. Trata-se de como chegaram a lhe sugerir os amigos. Afinal, fora
uma terceira fase do método chamada Aporia; fazer difícil obter um veredicto de culpabilidade: havia sido
perguntas que não tem respostas. condenado por uma pequena margem de votos.
Qualquer pena moderada que ele mesmo propusesse

12
seria certamente acatada com alívio por aquela - O sofista é um professor ambulante. Sócrates é alguém
assembleia constrangida por condenar um cidadão ligado aos destinos de sua cidade.
que, apesar de suas excentricidades e suas atitudes - O sofista cobra para ensinar. Sócrates vive sua vida e essa
muitas vezes irreverentes e incômodas, apresentava se confunde com a vida filosófica: “Filosofar não é profissão,
aspectos de indiscutível valor. Afinal, era aquele o é atividade do homem livre”
- O sofista “sabe tudo”, e transmite um saber pronto, sem
Sócrates que não se havia deixado corromper pelos crítica (que Platão identifica com uma mercadoria, que o
tiranos, inimigos da democracia, e que lutava sofista exibe e vende). Sócrates diz nada saber e, colocando-
bravamente na guerra por sua cidade e por seu povo. se no nível de seu interlocutor, dirige uma aventura dialética
Bastava declarar que estava disposto a pagar algumas em busca da verdade, que está no interior de cada um.
moedas, e todos sairiam dali satisfeitos consigo - O sofista faz retórica. Sócrates faz dialética. Na retórica o
mesmos, por terem cumprido o dever de punir um ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se
cidadão suspeito de atividades nocivas à cidade, e adequadamente compostas, persuadem sem transmitir
mais contentes ainda por se sentirem magnânimos, ao conhecimento algum. Na dialética, que opera por perguntas e
permitirem que continuasse vivendo. Mas Sócrates não respostas, a pesquisa procede passo a passo, e não é
faz concessões. Propor-se a cumprir qualquer pena, possível ir adiante sem deixar esclarecido o que ficou para
trás.
mesmo pagar uma multa, por menor que fosse, seria - O sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa verbal.
aceitar a culpa de que não o acusava a própria Sócrates refuta para purificar a alma de sua ignorância
consciência. Na segunda parte da apologia, Platão ____________________________________________
descreve o momento em que novamente diante de
seus juízes, Sócrates estabelece a pena que julgava
PLATÃO DE ATENAS
merecer. Nem exílio, nem multa: “Ora, o homem
(Meleto) propõe a sentença de morte. Bem; e eu, que
pena vos hei de propor em troca, Atenienses? A que Platão, cujo verdadeiro nome pode ter sido
mereço não é claro? Qual será? Que sentença Aristócles – e “Platão” um apelido que significa “de
corporal ou pecuniária mereço, eu que entendi de não ombros largos”, dado pelo professor de ginástica
levar uma vida quieta? Eu que, negligenciado o de que graças à ótima constituição física do filósofo – nasceu
cuida toda gente – riquezas, negócios postos militares, em Atenas no ano de 427 a. C. e morreu naquela
tribunas e funções públicas, conchavos e lutas que cidade, em 347 a. C. Descendente de uma das mais
ocorrem na política, coisas em que considero de fato nobres famílias atenienses, ele foi discípulo de
por de mais honrado para me imiscuir sem me perder – Sócrates, pensador que considerava “o mais sábio e
não me dediquei àquilo que, se me dedicasse, haveria mais justo entre os Homens”.
de ser completamente inútil para vós e para mim? Eu Como todo jovem aristocrata de seu tempo, Platão
que me entreguei à procura de cada um de vós em recebeu excelente formação visando à vida política,
particular, a fim de proporcionar-lhe o que declaro o mas algumas decepções, entre elas a participação de
maior dos benefícios, tentando persuadir cada um de dois de seus parentes num governo tirânico, fizeram
vós a cuidar menos do que é seu do que si próprio, com que cogitasse uma mudança de plano para seu
para vir a ser quanto melhor e mais sensato, menos futuro. O desgosto com os métodos de política
dos interesses do povo do que do próprio povo, praticada em Atenas deve ter chegado ao cume em
adotado o mesmo princípio dos demais cuidados? Que 399, quando Sócrates foi condenado à morte. E assim
sentença mereço por ser assim? Algo de bom Platão convenceu-se de que, naquele momento, era
Atenienses, se há de ser a sentença verdadeiramente melhor manter-se longe da militância política.
proporcionada ao mérito; não só, mais algo de bom Após longa viagem e depois de ter sido feito
adequado a minha pessoa. O que é adequado a escravo por um rei desconfiado de seus ensinamentos,
benfeitor pobre, que precisa de lazeres para vos viver Platão retorna a Atenas, quando funda a Academia
exortando? Nada tão adequado a tal homem, (387 a. C.) num ginásio situado num parque dedicado
Atenienses, como ser sustentado no Primateu; muito ao herói em que as pesquisas científicas e filosóficas
mais do que a um de vós que haja vencido, nas eram desenvolvidas pelos maiores intelectuais da
olimpíadas, uma corrida de cavalos, de brigas ou época, além de ser importante centro de formação
quadrigas. Esse vós da impressão de felicidade; eu, a política. Durante séculos, a Academia foi um centro de
felicidade; ele não carece de sustento, eu careço. Se, atração para todos os estudiosos. O grande
pois, cumpre que sentenciem com justiça e em matemático Eudóxio de Cnido transferiu-se para ela
proporção ao mérito, eu proponho o sustento no com todos os seus alunos. Muitos jovens estudantes,
“Pritaneu”. que antes, para a sua educação, estavam à mercê dos
Sócrates não deixava saída para os juízes. Ou sofistas, encontraram na universidade de Platão toda a
a pena de morte, pedida por Meleto, ou ser alimentado instrução que desejavam. Na Academia, Platão
no Pritaneu enquanto fosse vivo, como herói ou desempenhava mais as funções de reitor do que as de
benemérito da cidade. Impossível voltar atrás, desfazer professor, exceção feita para os cursos de filosofia.
a condenação, inocentar o acusado. Entre a morte e as Infelizmente todas as anotações de suas lições se
impossíveis recompensas, os juízes ficaram sem perderam.
alternativa real. Para não abrir mão de sua própria
consciência, Sócrates optara pela morte. Que então  A teoria das Ideias
morresse.
Um dos aspectos mais importantes da filosofia de
Diferenças ente Sócrates e os sofistas: Platão é sua Teoria das Ideias – o termo ideia vem do
grego: eidos; que significa forma – que procura explicar

13
como se desenvolve – ou ao menos como deveria se estas Ideias nós não as tiramos da experiência; logo, o
desenvolver – o conhecimento humano. Para Platão, o conhecimento atual é recordação de uma intuição que
processo de conhecimento se desenvolve por meio de se deu em outra vida.
uma passagem progressiva do mundo sensível – da Essa é a TEORIA DA REMINISCÊNCIA, que afirma
realidade material, corpórea – para o Mundo Inteligível que todo conhecimento humano é apenas lembrança,
– lá onde as coisas são, isto é, onde tudo está quando, por meio da dialética, tentamos acessar as
enquanto essência, imutável, imóvel, pura perfeição. formas inteligíveis, estamos, na verdade, buscando um
Neste mundo inteligível, é onde se encontra a ideia conhecimento que contemplamos numa vida anterior
primeira; para Platão tudo que existe em nosso mundo enquanto seres perfeitos, isto é, enquanto alma. De
existe porque participa de uma noção primeira, a ideia acordo com o discípulo de Sócrates, a alma já teria
platônica. Eis, pois, a intuição fundamental de Platão: contemplado as essências antes de se prender a este
uma coisa é bela porque participa da beleza, é corpo ao qual está provisoriamente vinculada. Unida
verdadeira porque participa da verdade, é boa porque ao corpo, a alma esquece o conhecimento adquirido no
participa da bondade, é humana porque participa da mundo das Ideias, mas, por meio dos sentidos retoma
humanidade, é esférica porque participa da a busca do conteúdo esquecido. Portanto, diria Platão,
esfericidade. Esta é a causa do mundo sensível: a sua conhecer é buscar um conhecimento que já
participação no mundo intelectual. Isto significa que, possuímos, mas, que não nos lembramos de tê-lo
existindo o mundo sensível, deve existir também o Adquirido.
mundo inteligível. Existem cães porque existe o Cão; A origem do mundo sensível é descrita
existem homens porque existe o Homem; existem amplamente no Timeu (e acenada no Filebo, na
coisas belas, verdadeiras, iguais..., porque existe a República e em outras obras). Platão afirma que no
Beleza, a Bondade, a Verdade, a Igualdade, etc. princípio existiam, além das Ideias (os modelos a
Que a doutrina das Ideias seja a intuição reproduzir), o Caos (uma matéria informe a plasmar) e
fundamental de Platão torna-se evidente pelo fato de o Demiurgo (o artífice soberano). O Demiurgo,
que dela derivam todos os seus outros ensinamentos, contemplando as Ideias (tomando-as como modelo),
tanto em epistemologia como em psicologia, tanto na plasma a matéria informe e assim produz o mundo
ética como na estética. material. Terminada a formação do mundo, o Demiurgo
Com efeito, a realidade sensível (dos sentidos), da infunde nele uma alma universal, a qual tem como
qual, obviamente, fazemos parte, não nos oferece, diz função conservar a vida do mundo, sem necessidade
Platão, a possibilidade do verdadeiro conhecimento, de uma contínua intervenção de Demiurgo. Assim
isto porque a matéria de que as coisas sensíveis são estava criado o mundo sensível, material, corpóreo,
feitas tornam tais coisas imperfeitas, mutáveis, uma copia do mundo inteligível.
corruptíveis e contingentes. O mundo material é
contraditório, por isso, dele só nos chegam às O Conhecimento
aparências das coisas e sobre ele temos tão somente
opiniões, nunca conhecimento. O mundo sensível não Em Platão o problema do conhecimento é
constitui a verdadeira realidade: é um pálido reflexo de acompanhado de exigências ontológicas (natureza do
uma realidade superior, de um mundo suprafísico. O ser) do mesmo que em Parmênides e Heráclito. Vimos
mundo sensível, que desliza entre o Ser e o Não-ser, que Parmênides, levado pelas exigências do ser,
só tem realidade na medida em que participa do negara qualquer valor do conhecimento sensível.
mundo inteligível ou das ideias. As coisas materiais Heráclito, ao contrário, premido pelas exigências do
que nos rodeiam são como sombras das Ideias, isto é, devir deu pleno crédito a este conhecimento. Na
simulacros de suas formas primordiais e modelos metafísica de Platão há lugar, como vimos, não só
eternos que habitam o suprafísico. Esses modelos para o ser estático de Parmênides, mas também para
eternos, segundo Platão, são incorpóreos e imutáveis. o mundo em devir de Heráclito. De fato, a realidade,
Existem fora do sujeito e fora dos objetos, num plano segundo Platão, é constituída de dois estratos, um
metafísico ao qual se tem acesso apenas pelo estático e o outro dinâmico. Consequentemente, na
pensamento. Quando vemos uma mesa, por exemplo, epistemologia, ele dá valor tanto ao conhecimento
ela pode mudar de cor, envelhecer, estragar; contudo a intelectivo quanto ao sensitivo: ao intelectivo, para o
essência da mesa permanece sempre a mesma, em mundo das Ideias, ao sensitivo para o mundo sensível.
qualquer época ou lugar é sempre a “ideia” de mesa. Segundo Platão, à distinção radical existente
Sobre a essência de mesa se faz conhecimento, mas, no mundo da realidade entre as coisas e as Ideias
sobre a mesa material, tudo o que temos é mera corresponde, no mundo do conhecimento, uma
opinião (dóxa, no grego) e aparência. Assim, todo distinção igualmente radical entre sensação e
nosso esforço deve ser concentrado na tentativa de intelecção. Em primeiro lugar, porque os sentidos e o
acessarmos o mundo das Ideias para transcender esse intelecto têm objeto próprio: objeto dos sentidos é o
mundo de devir. mundo sensível; do intelecto, o mundo ideal. Em
Portanto, o conhecimento verdadeiro deve, para segundo lugar, porque os sentidos podem, no máximo,
Platão, ultrapassar a esfera das impressões sensoriais chegar a formar uma opinião (dóxa) sobre seu objeto;
(mundo sensível) e penetrar no mundo racional do ao passo que o intelecto produz um verdadeiro
mundo inteligível. Para demonstrar a existência do conhecimento (episteme), um conhecimento universal.
mundo inteligível, isto é, do mundo das Ideias, Platão
aduz alguns argumentos, o principal é o argumento da
reminiscência: temos a Ideia de verdade, de bondade,
de igualdade, a Ideia universal de homem, etc. Ora,

14
A Episteme e a Doxa Imaginemos uma caverna subterrânea onde,
desde a infância, geração após geração, seres
(Texto de Karen Franklin) humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus
Ao tratar dos conceitos de doxa e episteme na pescoços estão algemados de tal modo que são
obra de Platão, tem-se de levar em conta uma forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a
evolução desses termos, no que se refere a sua olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça
precisão terminológica. Pode- se assinalar que nos nem para traz e nem para os lados. A entrada da
primeiros diálogos esses termos apresentam certas caverna permite que alguma luz exterior ali penetre,
nuanças terminológicas que não correspondem, de modo que se possa na semiobscuridade, enxergar
precisamente, ao compreendido no diálogo da o que se passa no interior. A luz que ali entra provem
República. de uma imensa e alta fogueira. Entre ela e os
Nesses primeiros diálogos, doxa e episteme prisioneiros – no exterior, portanto – há um caminho
estão sempre mesclados a outros conceitos e só ascendente ao longo do qual foi erguido uma mureta,
podem ser definidos a partir da relação dialética entre como se fosse a parte fronteira de um palco de
marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens
eles. Isso faz com que tais conceitos se modifiquem
transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de
durante o primeiro período da obra platônica. Nos
seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa
primeiros diálogos, compreende-se doxa como simples da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os
opinião. O temo grego encerra a significação de uma prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna
certa noção de julgamento e sentimento, no sentido de as sombras das estatuetas transportadas, mas sem
resolução e decisão parcial, baseada unicamente nos poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens
dados presentes. Isso implica que doxa é que as transportam. Como jamais viram outras
compreendida como certo juízo subjetivo que tem valor coisas, os prisioneiros imaginam que as sombras
apenas momentâneo, um juízo que não poderá ser vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem
referência ética, pois tem presente a possibilidade da saber que são sombras, nem podem saber que são
falsidade das crenças que suportam a ação. Sob imagens (estatuetas de coisas), nem que há seres
a mesma perspectiva, nesses primeiros diálogos, humanos reais fora da caverna. Também não podem
episteme é vista como uma techné, uma habilidade saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no
para fazer algo, um tipo de saber que tem seu suporte exterior e imaginam que toda a luminosidade possível
no conhecimento especializado e preciso da coisa. é a que reina na caverna.
Essa noção de episteme intrinsecamente ligada à Que aconteceria, indaga Platão, se alguém
techné também aparece no início do diálogo Górgias libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro
como sinônimo de didaskaliké, mas que logo é libertado? Em primeiro lugar olharia toda a caverna,
abandonado por Platão pela proximidade com a arte veria os outros seres humanos, a mureta, as
estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos
de Górgias. Esse fato assinala a preocupação
de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à
crescente em Platão em ajustar os termos dentro de
entrada da caverna e, deparando com o caminho
uma precisa terminologia. ascendente, nele adentraria. Num primeiro, momento
No diálogo República, esses termos adquirem ficaria completamente cego, pois a fogueira na
uma nova delimitação e, apesar de serem verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente
considerados radicalmente opostos, mantêm entre ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a
si uma relação intrinsecamente necessária. Doxa na claridade, veria os homens que transportam as
República é reafirmada como simples opinião, mas se estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as
distancia de episteme, no que concerne ao valor do coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não
conhecimento. Aqui episteme, como conhecimento vira senão sombras e imagens (a sombra das
da realidade das coisas, manifesta- se como estatuetas projetadas no fundo da caverna), é que
diretamente ligado à Ideia do bem, no sentido de esta somente agora está contemplando a própria
garantir a veracidade do conhecimento. Portanto, na realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o
República o termo episteme, que antes suportava prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado
a possibilidade de ser habilidade para algo, agora pela escuridão, contaria aos outros, o que viu e
adquire o conteúdo de saber pleno de certeza, um tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria neste
saber evidente que está ligado diretamente com a retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não
realidade da Ideia. Com isso, episteme, na República, acreditariam em suas palavras e, se não
configura-se como conhecimento verdadeiro conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas,
diametralmente afastado de doxa, que se configura tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim,
ele teimasse em afirmar que viu e os convida-se a sair
como simples opinião. Para ilustrar a passagem dos
da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas,
graus inferiores de conhecimento aos superiores, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a
Platão recorre ao célebre “mito da caverna”. O mito vontade dos demais, também decidissem sair da
mostra que a passagem de um grau para outro se dá caverna rumo à liberdade.
muito lentamente e com grande esforço e que exige
uma conversão, uma total mudança de mentalidade.

O Mito (alegoria) da Caverna

No VII livro da República, sua principal obra, Platão


recorre a uma alegoria – ou mito – para explicar sua
filosofia. Vamos ouvi-la.

15
Simbologia: o dever que lhe incumbe de levar os outros a
compartilharem sua visão.
O que é a caverna? O mundo em que vivemos.
Que são as sombras das estatuetas? As coisas
materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o
prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. ARISTÓTELES DE ESTAGIRA
O que é a luz exterior do Sol? A luz da verdade. O que
é o mundo exterior? O mundo das ideias verdadeiras,
Aristóteles nasceu em Estagira, na Macedônia,
ou, da verdadeira realidade. Qual o instrumento que
no ano de 384 a. C. e morreu em Cálcis, na Ilha
liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os
outros prisioneiros? Dialética. O que é a visão do Eubéia, em 322 a. C. Há informações de que teria
mundo real iluminado? A filosofia. Por que os escrito mais de uma centena de obras sobre os mais
prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo variados temas, das quais restam apenas quarenta e
(Platão está se referindo à condenação de Sócrates à sete, embora nem todas de autenticidade comprovada.
morte pela assembleia ateniense)? Porque imaginam Filho de Nicômaco, médico do rei Amintas II da
que o mundo sensível é o mundo real e o único Macedônia – pai de Felipe –, descendente de uma das
verdadeiro. famílias em que a arte médica era passada de pai para
filho. Ainda que, por tradição, quase tenha se tornado
MITO DA CAVERNA E O FILME MATRIX um médico, em 367 Aristóteles dirige-se para Atenas
onde se torna o mais brilhante aluno de Platão na
Academia. Em 348, com a morte do mestre, e, após
lhe ter sido negado o cargo de diretor daquela escola,
faz uma longa viagem, até ser chamado à corte de
Macedônia para ser preceptor de Alexandre – futuro
“Alexandre, o Grande”. Pouco depois da morte de
Felipe, Aristóteles volta para Atenas e funda o Liceu –
em homenagem ao deus Apolo Lício –, escola que
passa a rivalizar com a Academia. Ali, o estagirita
ministrava suas aulas caminhando pelo que os gregos
chamavam “perípato”, isto é, por entre os jardins de um
bosque; Por essa razão, os discípulos de Aristóteles,
estudantes no Liceu, eram chamados “peripatéticos”.
Após a morte de Alexandre, o Grande, os sentimentos
antimacedônicos ganharam grande intensidade em
Atenas. Devido a sua forte ligação com a corte
macedônica, passou a ser perseguido; foi então que
The Matrix é uma produção cinematográfica estadunidense e australiana de 1999, dos decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que
gêneros ação e ficção científica, dirigido por Lilly e Lana Wachowski e protagonizado
por Keanu Reeves, Laurence Fishburne e Carrie-Anne Moss
os atenienses “pecassem duas vezes contra filosofia”,
fazendo explícita referência à morte de Sócrates.
O Pensamento político de Platão Aristóteles foi certamente o primeiro filósofo a se
utilizar de um discurso cientifico. A finalidade do
O pensamento político de Platão (428-347 a. C.) discurso científico é responder à pergunta: O que é? A
está, sobretudo, nas obras A República e Leis. Em resposta a essa pergunta depende da distinção entre a
estilo agradável, muitas vezes poético e com recursos substância primeira, individual, que existe
a alegorias, Platão escreve em diálogos, tendo sempre independente, e o acidente ou predicada, aquilo que
seu mestre Sócrates como principal interlocutor. existe em outra coisa, na substância. As proposições
O século V a. C. foi a “época das luzes” da Grécia, que constituem a ciência são afirmações universais
mas, ao final, a derrotas de Atenas na guerra contra que atribuem certos predicados a determinadas
Esparta, à condenação e morte de Sócrates, as substâncias.
convulsões sociais que agitaram a cidade acentuam A elaboração do conhecimento científico depende
em Platão o descrédito na democracia. É bem verdade primeira e primordialmente da possibilidade de
que não se trata apenas disso, pois Platão é de origem formular definições reais de determinadas coisas. As
aristocrática, e seu posicionamento teórico de reflexão substâncias se classificam naturalmente de tal modo
filosófica o leva a conceber uma “sofocracia” que podemos especificar em definições as suas
(etimologicamente, “poder da sabedoria”). Segundo naturezas essenciais, a sua forma. Para Platão, a
ele, os homens comuns são vítimas do conhecimento forma transcende o processo; para Aristóteles, a forma
imperfeito, da “opinião”, e, portanto, devem ser se realiza no processo, na recorrência eterna da
dirigidos por homens que se distinguem pelo saber. geração e da corrupção. A forma é a razão pela qual
Portanto, a reflexão filosófica é a condição para a as coisas são aquilo que são e explica por que as
instauração da sociedade justa. O Estado justo aquele nossas mentes podem conhecê-las.
que realiza a maior unidade possível, resultado
alcançado só quando o governo estiver nas mãos do  Teoria do Conhecimento de Aristóteles
filósofo, daquele que já contemplou o Bem em si e que
não confunde com ele as coisas que dele participam; È fato que ser discípulo de alguém não significa
aquele que, depois de contemplar o Bem, reconheceu necessariamente seguir acriticamente tudo o que o

16
mestre diz e esta afirmação adquire nítidos contornos é esse homem ou aquele, ou ainda, se é alto ou baixo,
quando se trata da relação Platão/Aristóteles. Como gordo ou magro; o que realmente importa, para
vimos, Aristóteles estudou – e deu aulas – na Aristóteles, aquilo que faz do homem – o de todos os
Academia por um período de quase vinte anos, o que homens – o que ele é, a saber: bípede racional. É o
absolutamente não é pouco. Pode se inferir daí que a que Aristóteles chama de SUBSTÂNCIA.
influência que Platão exerceu sobre seu discípulo foi - No sentido acidental, ou seja, como Ser acidental
enorme; mas foi Aristóteles um defensor da filosofia ou casual. Que não define o ser. Por exemplo, quando
platônica? Hoje, pode-se afirmar com certeza que não. dizemos “o homem tem cabelos negros, é alto e
De acordo com Aristóteles, Platão cometeu um grande magro”, indicamos casos de Ser acidental: de fato,
erro ao colocar para além do sensível, isto é, do esses atributos não exprimem sua essência – ou
mundo material, corruptível mutável, as “Ideias” substância – do homem, mas apenas ocorrem ser um
eternas, perfeitas e, por isso mesmo; imutáveis. Para o puro acidente que não diz respeito ao homem
discípulo de Platão, se as Ideias são separadas das enquanto tal, pois o mesmo homem poderia ser baixo
coisas que afetam nossos sentidos, então, elas são e gordo, ter cabelos louros, e assim por diante. É o que
inatingíveis para nós, portanto não podemos conhecê- Aristóteles chama de ACIDENTE.
las. Esse é um, de vários argumentos aduzidos por
Aristóteles na tentativa de mostrar que, não obstante Matéria e forma
sua sabedoria, Platão não teria percebido as “aporias”
de sua Teoria das Ideias. Mas como Aristóteles tenta Para Aristóteles, o ser (tudo que existe), são
resolver o problema do conhecer? compostos por matéria e forma, logo não há matéria
Em linhas gerais, Aristóteles tenta afirmar o sem forma, nem forma sem matéria. Assim, para ele
conhecimento das coisas sensíveis, materiais, nas não existe o mundo das ideias imaginado por Platão.
próprias coisas sensíveis, materiais, ou seja, sua - Matéria: é o elemento de que as coisas da natureza,
filosofia pretende trazer o mundo das Ideias de Platão os animais, os homens, os artefatos são feitos. Trata-
de volta a terra; assim, ainda que vejamos uma se da matéria física de que as coisas são feitas. Sua
infinidade de indivíduos diferentes entre si, para principal característica é possuir virtualidades ou conter
Aristóteles essa diferença deve ser atribuída à matéria em si mesma possibilidade de transformação, isto é,
de que as coisas são feitas, e não à forma (eidos) das de mudança.
coisas. Por exemplo, podemos observar um sem- - Forma: é o que individualiza e determina uma
número de cadeiras distintas entre si: uma branca, a matéria, fazendo existir as coisas ou os seres
outra azul, uma arranhada e usada, a outra lisa e sem particulares. Sua principal característica é ser aquilo
uso, assim por diante. Contudo, diz Aristóteles, deve que uma essência é num determinado momento; a
haver algo entre essas cadeiras, aquilo que faz dela maneira como a matéria se organiza modelando o ser
uma cadeira, uma essência de cadeira igual em todas ou objeto de maneira que seja reconhecido como é. A
elas; ainda que sejam, em seus acidentes, diferentes forma aristotélica não e tal como conhecemos no
entre si. Perceba que não se trata de uma essência senso comum no sentido de formato; ela atualiza a
separada dos objetos – como em Platão – mas uma matéria fazendo com que percebamos sua essência,
essência que se encontra, nos próprios objetos. sua substancia independente dos acidentes. É o que
Todavia, como saber o que é essência – que torna o ser cognoscível, possível de ser conhecido.
Aristóteles denomina substância – num objeto e o que
é acidente? Ou seja, como descobrir o que faz de uma Teoria do ato e Potência
coisa o que ela é, e o que não é essencial para sua
existência? Desde o seu começo, no século VI a.C., a
especulação filosófica grega ocupou-se do problema
Substância e Acidente do movimento. Enquanto Heráclito de Éfeso afirmava a
mudança permanente de todas as coisas, Parmênides
Segundo Aristóteles, o Ser se diz de várias apontava a contradição que existiria entre a noção de
maneiras, entre as quais, as duas que devemos ser e a noção de movimento. Platão já havia resolvido
conhecer: a questão com a teoria do mundo das ideias. Essa
- No sentido essencial, Neste caso, não do que é contradição Aristóteles pretende evitar através da
acidental, mas aquilo que faz da coisa o que ela é, que interpretação analógica da noção de ser, que lhe
está intimamente ligada à ideia de forma, ou seja, permite fazer uma distinção fundamental: ser não é
aquilo que faz da coisa ser reconhecida, em última apenas o que já existe, em ato; ser é também o que
instância, é a sua forma – lembre-se que tanto para pode ser; a virtualidade, a potência. Assim, sem
Aristóteles quanto para Platão o termo forma é, no contrariar qualquer princípio lógico, é possível
grego, eidos, que também é traduzido por ideia. Se, compreender que uma substância apresentasse num
para Platão, a forma essencial da coisa está no dado momento, certas características, e noutra ocasião
inteligível, para Aristóteles, ao contrário, está na manifestasse características diferentes: se uma folha
própria coisa. Para Aristóteles, quando definimos as verde torna-se amarela é porque o verde e amarelo
coisas, referimo-nos à sua forma ou essência e, em são acidentes da substância folha - que é sempre
geral, as coisas só são cognoscíveis (passivas de folha, independente de sua coloração. A qualidade
serem conhecidas) na sua essência. Por exemplo: qual “amarelo” é uma virtualidade da folha, que num certo
seria a definição de homem? O homem diz Aristóteles, momento se atualiza. E essa passagem da potência ao
é bípede, racional, etc. Perceba que se trata, de fato, ato é que constitui, segundo a teoria de Aristóteles, o
de uma possível definição de homem. Não importa se movimento. Está teoria de Aristóteles visa a explicar a

17
transitoriedade do mundo sensível, isto é, o devir – vir- Aristóteles chama sua divindade de “primeiro motor
a-ser – das coisas materiais. Segundo Aristóteles, ato imóvel”, porque ela provoca o movimento de todas as
é a manifestação atual da coisa, é aquilo que já existe, coisas sem se mover. O mundo, diz o filósofo, se move
e potência, diz respeito às possibilidades da coisa ser, pelo desejo do Perfeito, tudo tende a Ele, ainda que
ou seja, é aquilo que ainda não existe, mas pode vir a não o atinja de fato.
existir. Para facilitar sua compreensão, veja o esquema O ato puro é o supremo fim – no sentido de
abaixo: finalidade – de todas as coisas, porque tudo procura
- Ato: é a atualidade de uma matéria, isto é, sua forma dele aproximar-se, imitando sua perfeição imutável. Se
num dado instante do tempo; o ato é a forma que as coisas se transformam, é porque busca imitar o que
atualizou uma potência contida na matéria. Por não muda jamais: a Divindade. Aristóteles a denomina
exemplo, a árvore é o ato da semente, o adulto é o ato primeiro motor imóvel porque, sem agir diretamente
da criança etc. Potência e matéria são idênticas, assim sobre as coisas, ficando à distância delas, as atrai, é
como forma e ato são idênticos. A matéria ou potência desejado por elas. Esse desejo explica porque há o
é uma realidade passiva que precisa do ato e da devir – ato/potência – e porque o devir é eterno, pois
forma, isto é, da atividade que cria os seres as coisas materiais nunca chegarão à perfeição isto é,
determinados. a imutabilidade. O ato puro é também “pensamento de
- Potência: é o que está contido numa matéria e pode pensamento”, pois, como perfeição, só pensa o que há
vir a existir, se for atualizado por alguma causa; por de perfeito: a si próprio; é atividade contemplativa de si
exemplo, a criança é um adulto em potência ou um mesmo. Assim a Divindade é, para Aristóteles, eterna,
adulto em potencial. imóvel, - mas faz mover –, ato puro privado de
potencialidade e de matéria – fonte de imperfeição –,
A Teoria das Quatro Causas pensamento de pensamento, indivisível e inalterável.

Como vimos logo acima, para Aristóteles, todas as


LÓGICA ARISTOTÉLICA
coisas que afetam nossa sensibilidade, isto é, nossos
sentidos são constituídos de matéria e forma, e ato e
Lógica é um substantivo feminino com origem no
potência. A investigação do ato e da potência do ser
termo grego logiké, relacionado com
depende, no entanto, de alguns esclarecimentos sobre
o logos, razão, palavra ou discurso, que significa a
a causalidade. Isto porque essa passagem da potência
ciência do raciocínio. Em sentido figurado, a palavra
para o ato não se dá ao acaso: ela é causada.
lógica está relacionada com uma maneira específica
Aristóteles emprega o termo “causa” em sentido
de raciocinar de forma acertada. Por exemplo: Isso
bastante amplo, isto é, no sentido de tudo aquilo que
nunca vai funcionar! O teu plano não tem lógica
determina a realidade de um ser. Distingue, assim,
nenhuma!
quatro tipos de causas fundamentais: (causa material;
Lógica é uma parte da filosofia que estuda o
formal; eficiente e final).
fundamento, a estrutura e as expressões humanas do
- A causa material (ou matéria): é “aquilo de que” é
conhecimento. Criada para estudar o pensamento
feita uma coisa; por exemplo, a matéria dos animais
humano e distinguir interferências e argumentos certos
são as carnes e os ossos; a matéria da esfera de
e errados. A Lógica ao mesmo tempo em que define as
bronze é o bronze, da taça de ouro é o ouro, da casa
leis ideais do pensamento, estabelece as regras do
são os tijolos e cimento, e assim por diante.
pensamento correto, cujo conjunto constitui uma arte
- A causa eficiente (ou motora): é aquilo que
de pensar. E como o raciocínio é a operação
promove a mudança e o movimento das coisas, por
intelectual que implica todas as outras operações do
exemplo, os pais são as causa eficiente dos filhos, o
espírito, define-se muitas vezes a lógica como a
marceneiro é causa eficiente de uma mesa de
ciência do raciocínio correto. A Lógica é então
madeira.
necessária para tornar o espírito mais penetrante e
- A causa formal: é, como dissemos, a forma ou
para ajudá-lo a justificar suas operações recorrendo
essência das coisas: a configuração dada à
aos princípios que fundam a sua legitimidade.
determinada matéria pela ação da causa eficiente, a
Em outras palavras, lógica é arte que nos faz proceder,
causa formal torna a coisa cognoscível.
com ordem, facilmente e sem erro, no ato próprio da
- A causa final: constitui o fim ou o objetivo das coisas
razão.
e das ações; ela constitui aquilo em vista de que ou em
De acordo com Aristóteles, a lógica tem como
função de que cada coisa é ou advém; e isso, diz
objeto de estudo o pensamento, assim como as leis e
Aristóteles, é o bem de cada coisa.
regras que o controlam, para que esse pensamento
seja correto, o filosofo grego estabeleceu um conjunto
A Divindade para Aristóteles
de regras rígidas para que conclusões pudessem ser
aceitas como logicamente válidas: o emprego da lógica
Ao contrário do que muitos pensam, existe para
leva a uma linha de raciocínio baseado em premissas
Aristóteles uma substância inteligível, um ser
e conclusões.
suprassensível: “O motor imóvel”; a divindade
A lógica tem lugar de destaque no interior da
aristotélica. Para o estagirita, a divindade deve ser “ato
filosofia aristotélica. Diferentemente de outras áreas da
puro”, desprovida de qualquer potencialidade, pois, se
filosofia, nas quais já havia um vasto repertorio de
tivesse potencialidade, em algum momento poderia se
especulações racionais diante das quais, Aristóteles se
transformar em algo diferente de si mesma, ou seja,
posicionava como critico ou continuador de
em algo diferente do perfeito; isso ocorreria porque,
determinada teoria, nesta área ele estabelece, de
como já vimos, a potência é a marca da imperfeição.
forma original os fundamentos.

18
Sem duvida alguma, antes de Aristóteles, as menor. Essa ligação é a inferência ou dedução e sem
pessoas argumentavam e procuravam identificar ela não a raciocínio ou demonstração. Por isso, à parte
formas eficazes de ensinar como devemos proceder do silogismo consiste em saber encontrar o termo
para ensinar alguém a raciocinar corretamente. médio que ligará os extremos e permitirá chegar à
Contudo, a Aristóteles cabe o mérito de ser o primeiro conclusão. Para chegar a uma conclusão verdadeira, o
filósofo a tratar diretamente do problema, logo, nenhum silogismo deve obedecer a um conjunto complexo de
especialista em filosofia hesita em afirmar que regras:
Aristóteles foi o fundador da lógica. a) A premissa maior deve conter o termo extremo
Para Aristóteles, a lógica não era uma ciência maior e o termo médio;
teorética, nem pratica ou produtiva, mas um b) A premissa menor deve conter o termo extremo
instrumento (órganon) para as ciências – é o estudo do menor e o termo médio;
funcionamento do nosso pensamento, um c) A conclusão deve conter os termos, maior e menor,
questionamento de como opera a Razão para o e jamais o termo médio, pois a função desse termo é
conhecimento do mundo. A lógica ocupa-se do estudo ligar os extremos.
das condições formais do pensamento, que trabalha A inferência silogística deve obedecer algumas
com leis lógicas e naturais. Seu objetivo é a regras, sem as quais a dedução não terá validade, não
proposição, que exprime através da linguagem, os sendo possível dizer se a conclusão é verdadeira ou
juízos formulados pelo pensamento. A proposição é a falsa:
atribuição de um predicado a um sujeito: S é P. - Um silogismo deve ter somente os termos maior,
menor e médio, nem mais, nem menos;
O Silogismo - O termo médio deve aparecer apenas nas duas
premissas e deve ser tomado em toda sua extensão
A parte mais explorada da lógica aristotélica é sua (isto é, como um universal) pelo menos uma vez, pois,
clássica teoria acerca do SILOGISMO. O termo do contrário, não se poderá ligar o maior e o menor;
“silogismo” significa conexão de ideias e foi empregado - Nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão
por Aristóteles para designar a argumentação lógica que nas premissas, sob pena de concluirmos mais do
ideal, constituída de três proposições, que respeitam a que seria permitido. Isso significa que uma das
seguinte hierarquia: as duas primeiras, chamadas premissas sempre deverá ser universal, afirmativa ou
premissas, conduzem necessariamente a terceira, negativa;
chamada de conclusão. - A conclusão não pode conter o termo médio, já que a
A teoria aristotélica do silogismo constitui parte função deste se esgota na ligação entre o maior e o
fundamental da lógica, pois é por meio dela que menor, ligação que é a conclusão: “Sócrates é mortal.”
elaboramos as demonstrações ou provas das quais Do esquema exposto podemos estabelecer a ideia
dependem o pensamento cientifico e filosófico. geral da dedução, da inferência, por fim do silogismo;
Silogismo é um raciocínio, expresso de forma verbal e que constitui o que chamamos de regra de
escrita, tratam-se de procedimentos ligados ao transitividade. De acordo com o modelo proposto por
conhecimento. O silogismo e uma inferência, inferir Aristóteles para inferência silogística, há três regras
significa que só podemos conhecer algo mediante o validas para todas as formas do silogismo:
conhecimento prévio de informações que vão nos levar - Pelo menos um termo deve ser universal;
a determinada conclusão. O silogismo possui três - Pelo menos uma premissa deve ser afirmativa;
características principais: - Se uma das premissas for negativa, a conclusão é
Mediato: exige um percurso de pensamento e de negativa.
linguagem para que se possa chegar a uma conclusão; Essas três regras são consideradas universalmente
Dedutivo: é um movimento de pensamento e de validas, mas podem assumir uma forma especifica em
linguagem que parte de certas afirmações verdadeiras relação às figuras particulares. Sendo assim as formas
para chegar a outras também verdadeiras e que especificas à primeira figura são as seguintes: a
dependem necessariamente das primeiras; premissa maior, que contem o termo maior, deve ser
Necessário: porque é dedutivo (as consequências a universal, e a premissa menor, que contem o termo
que se chega à conclusão resultam necessariamente menor, deve ser afirmativa. A aplicação destas regras
da verdade do ponto de partida). garante quatro modos de silogismo validos na primeira
figura:
Composição do silogismo
O primeiro modo, no qual todas as proposições são
Um exemplo clássico de silogismo é este: universais afirmativas (todo X é M), estrutura-se assim:
Todo X é M.
Todos os homens são mortais. (premissa 1) Todo M é P.
Sócrates é homem. (premissa 2) Todo X é P.
Logo, Sócrates é mortal. (conclusão)
No segundo modo, a maior é universal negativa, a
Um silogismo é composto por três proposições. A menor é universal afirmativa e a conclusão é universal
primeira é chamada de premissa maior, a segunda, negativa, ou seja:
de premissa menor e a terceira de conclusão, Nenhum X é M.
inferida das premissas pela mediação de um termo Todo M é P.
chamado médio. As premissas possuem termos Nenhum X é P.
chamados extremos, que são os termos, maior e

19
O terceiro modo possui a maior universal afirmativa, a foi o primeiro a escrever uma obra exclusivamente
menor particular afirmativa, e a conclusão particular dedicada a questões éticas. A ele são atribuídos quatro
afirmativa, conforme a descrição abaixo. tratados, onde o mais completo é um composto de dez
Todo X é M. livros, A Ética a Nicômaco, que parte de uma
Algum M é P. concepção de bem como fim último de todas as
Algum X é P. coisas. O conhecimento desse bem seria manifesto
pela ação política. Qual é o bem que o ser humano
Finalmente, no quarto modo, a maior é universal busca para sua realização segundo Aristóteles? A
negativa, a menor é particular afirmativa e a conclusão resposta é a vida ideal como vivência das virtudes na
é particular negativa: polis, junto com os outros (relação entre os indivíduos
Nenhum X é M. dentro da comunidade política, pois, somente na
Algum M é P. cidade os homens podem alcançar o bem
Algum X é P. propriamente humano) e essa vivência é a felicidade.
O grau máximo de felicidade é a beatitude. Alcançar o
 Características importantes bem é o objetivo das ações humanas. O fim supremo
da existência humana é a felicidade. Tudo aquilo que
OS PRINCÍPIOS DA LÓGICA se busca, se busca por um fim, para se conseguir algo.
A felicidade, no entanto, é um fim em si mesmo.
Para compreender as relações que se estabelecem Qual seria, então, a ciência cujo objeto de estudo é
entre as proposições, foram definidos os primeiros o Sumo Bem, o bem comum? Para Aristóteles é a
princípios da lógica, assim chamados por serem Política, (“a arte mestra”), assim como para o corpo
anteriores a qualquer raciocínio e servirem de base a humano é a Medicina e para as edificações é a
todos os argumentos. Por serem princípios, são de Arquitetura. A investigação ética, segundo Aristóteles,
conhecimento imediato e, portanto, indemonstráveis. tenta mostrar o bem relativo á consciência política, a
Geralmente distinguem-se três princípios: o de saber, a felicidade (eudaimonia). Para tanto, seria
identidade, o de não contradição e o do terceiro necessário que os cidadãos agissem por meio de um
excluído. princípio racional e não por paixões. A honra era a
O princípio de identidade, se um enunciado é finalidade da vida política e sua busca se daria por
verdadeiro, então ele é verdadeiro. causa da virtude. Aristóteles supôs ser esta a razão
O princípio de não contradição – que alguns pela qual o homem vive em sociedade. Para ele, o
denominam simplesmente principio de contradição – homem virtuoso encontra prazer em seus próprios
afirma que não é o caso de um enunciado e de sua atos. A teoria aristotélica propõe que a conduta
negação. Portanto, duas proposições contraditórias humana numa comunidade seja conduzida por leis que
não podem ser ambas verdadeiras: se for verdadeiro promovam a realização desse bem supremo, que é a
que “alguns seres humanos não são justos”, é falso felicidade de poder contemplar a verdade e possuir
que “todos os seres humanos são justos”. sabedoria. A ética aristotélica se mantinha dentro de
O principio do terceiro excluído – ás vezes chamado uma perspectiva onista, ou seja, concebida e aplicada
principio do meio excluído – afirma que nenhum a uma única noção de mundo, numa política exercida
enunciado é verdadeiro nem falso. Ou seja, não há um por homens reais, de carne e osso.
terceiro valor. Como disse Aristóteles, “entre os A honra, a riqueza, o prazer, e a inteligência, por
opostos contraditórios não existe um meio”. exemplo, são buscados como meios para outros fins.
Já a ética é procurada por si mesma, por isso, é um
PROPRIEDADES DA LÓGICA bem mais perfeito do que os outros. O sujeito ético ou
moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade
1. Extensão: é o conjunto de objetos designados por e aos desejos de outro, à tirania das paixões; mas
um termo ou uma categoria. A extensão refere-se obedece apenas a sua consciência (que conhece o
à quantidade. bem e as virtudes) e a sua vontade racional (que
2. Compreensão: é o conjunto de propriedades que conhece os meios adequados para chegar aos fins
esse mesmo termo ou essa categoria designa. A morais).
compreensão refere-se à qualidade.
Quanto maior a extensão de um termo, menor sua A Eudaimonia (Felicidade): o supremo bem
compreensão, e quanto maior a compreensão, menor A essência da vida ética
a extensão.
A essência da vida ética é à busca do bem e da
Vale ressaltar que nem todos os raciocínios felicidade (Eudaimonia). A primeira tarefa da ética é a
funcionam na forma de um silogismo, no entanto, a educação de nosso caráter ou de nossa natureza para
importância neste campo da filosofia permanece seguirmos a orientação da razão. A ética, portanto, era
fundamental. concebida como educação do caráter do sujeito moral
para dominar racionalmente impulsos, apetites e
desejos para orientar a vontade rumo ao bem e à
ÉTICA ARISTOTÉLICA felicidade; e para formá-lo como membro da
coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a
Filosoficamente, a ética aristotélica é a Ética harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os
Teleológica. Trata-se da teoria que afirma ter um fim valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos.
(télos) pelo qual a ação moral é orientada. Aristóteles

20
Conhecemos duas espécies de virtudes, as intelectuais divina, mas não é presente dos deuses, pois, é
e as morais. adquirida pelo hábito e através de muita prática das
Virtudes Intelectuais: é o resultado do ensino e por virtudes. As virtudes morais consistem em ser um meio
isso precisam de tempo e experiência. Exemplo: entre dois extremos viciosos. Quando se trata de
aprender tocar lira. coisas, o meio-termo é aquele ponto que se encontra
Virtudes Morais: adquiridas em resultado do hábito e em igual distância entre dois extremos, mas quando se
exercício e não surgem em nós por natureza. Exemplo: trata do homem, o meio-termo é aquilo que não peca
praticar atos justos para se tornar alguém justo. nem por excesso e nem por falta ou defeito, e esta
“(...) os homens tornam-se arquitetos medida muda muito e não é única para todos os
construindo e os tocadores de lira tangendo seus homens. Como é difícil estabelecer o justo-meio em
instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos, cada caso particular, deve-se deixar esta definição a
praticando atos justos”. uma pessoa sensata, que decida retamente; mas há
É pelos atos que praticamos nas relações casos em que não cabe estabelecer nenhuma medida,
entre os homens, que nos tornamos justos ou injustos. assim como em excesso não existe medida.
Por isso, se faz necessário estar atento para as Aristóteles analisa três formas através das quais se
qualidades de nossos atos: tudo depende deles, desde poderiam afirmar ser possível alcançar a felicidade:
a nossa juventude, existe a necessidade de uma vida de prazeres ou gozos, uma vida com honra
habituarmos a praticar atos virtuosos. Aristóteles ou política e uma vida como filósofo (contemplação).
afirma que o caráter é resultado de nossos atos e não Aristóteles descarta as duas primeiras, uma vida de
recebe suas determinações da natureza, da educação, prazeres ou gozos é totalmente contrária à virtude,
da idade e da condição social, mas é produto da série pois, premia o excesso, também descarta a honra
de meus atos. Passo a ser declarado autor de meu como felicidade, pois, esta não é coisa interior, mas
caráter assim como o sou de meus atos. “Sou sim uma coisa conferida à pessoa por terceiros. Toda
responsável por meus atos, assim como sou ação tende para um fim e temos virtude porque agimos
responsável por meus filhos”. Vícios e virtudes não são corretamente. Não deve ser em falta nem em excesso,
simples traços psicológicos adquiridos, mas tem tudo no meio termo, ou moderadamente. Aristóteles
significado moral, porque pertencem ao campo daquilo fala do homem ideal, que não se preocupa em
que depende de nós. Na dupla afirmação da realidade, demasiado, mas dá a vida nas grandes crises. Não
sobre o ato e o caráter, o homem será declarado tem maldade, não gosta de falar, enfim é pouco
responsável por seus atos e pela construção de vaidoso. Na Ética a Nicômaco, Aristóteles fornece
seu caráter. alguns exemplos na seguinte relação de vício e virtude:
Parece que o elemento para distinguir o jovem do
adulto é que o primeiro age para formar o seu caráter,  A mansidão é o ponto médio entre a iracúndia e a
enquanto que o segundo age a partir do seu caráter, impassibilidade;
com a intenção de realizar seu fim, ser feliz. Contudo,  A coragem é o ponto médio entre a temeridade e a
na medida em que os fins visados dependem do covardia;
caráter, as decisões do adulto parecem inteiramente  A verecúndia é o ponto médio entre a imprudência e
determinadas pelo condicionamento educativo que a timidez;
teve na infância. Isso não significa que o caráter do  A temperança é o ponto médio entre a
jovem, formado pelos hábitos impostos pelo educador, intemperança e a insensibilidade;
não é ainda virtuoso ou vicioso. A virtude e o vício só  A indignação é o ponto médio entre inveja e o
se desenvolvem através dos atos de que só o adulto é excesso oposto que não tem nome;
capaz, porque se realizam principalmente no quadro  A justiça (a virtude ética mais importante) é o ponto
da vida cívica ou militar. A passagem da infância para médio entre o ganho e a perda;
a vida adulta é fundamental na formação do caráter,  A liberalidade é o ponto médio entre prodigalidade
pois, é pela doçura ou pela rebelião que o jovem e a avareza;
adquire boas ou más disposições em face das paixões.
 A veracidade é o ponto médio entre pretensão e o
E é por suas decisões que o adulto adquire vício ou
autodesprezo;
virtude, isto é, um caráter moral.
 A amabilidade é o ponto médio entre a hostilidade e
Na opinião de Aristóteles, pelo mesmo motivo, cada
a adulação;
caráter determina ou causa paixões diferentes e está
mais propenso a determinados vícios e a determinadas  A seriedade é o ponto médio entre a complacência
virtudes. No entanto, em todos eles, o vício é sempre e a soberba;
excesso ou falta entre dois extremos opostos. Dizer  A magnanimidade é o ponto médio entre a vaidade
que o vício é excesso ou falta significa dizer que ele é e a estreiteza da alma.
a falta de medida ou de moderação. Portanto, a virtude
é a medida entre os extremos contrários, a moderação Nessas ações, a virtude ética é a justa medida em
entre dois extremos, o justo-meio, nem excesso e que a razão impõe a sentimentos, ações ou atitudes,
nem falta. que sem o devido controle, tendem para o excesso. A
virtude não é uma inclinação, mas uma disposição. É
A justa medida, o justo-meio e o meio-termo. um hábito adquirido ou uma disposição constante e
permanente para agir racionalmente em conformidade
Há uma medida para todas as ações humanas, que com uma medida humana, determinada pelo homem
é o justo-meio. A felicidade é definida como atividade prudente. A tarefa da ética é orientar-nos para a
da alma, dirigida pela virtude perfeita; é excelente e aquisição desse hábito, tornando-nos virtuosos e, se
possível, prudentes. A virtude é ação, atividade da

21
vontade que delibera e escolhe segundo orientação da  As escolas filosóficas Helenísticas
razão, a qual determina os fins racionais de uma
escolha, com vista ao bem do agente, isto é, sua Após a consolidação da tradição socrática, com
felicidade. filósofos de excepcional qualidade como Platão e
Aristóteles diz que não nascemos bons, mas nos Aristóteles, seria natural supor que outras correntes
tornamos bons com atos bons, pois, atualizam nossa filosóficas subsequentes fossem desvalorizadas pelos
potencialidade para a razão e para a felicidade. É estudiosos. Essa desvalorização, contudo, esconde um
porque a virtude é a medida ou o justo meio e a período bastante rico e cujas escolas deixam
prudência é a condição e coroamento de todas as influências marcantes até o presente. De um modo
virtudes. genérico, podemos designar por helenismo o período
que se inicia com Alexandre Magno (ou depois de sua
FILOSOFIA HELENISTICA morte, em 323 a.C.) e termina com o fim da República
Romana, em 31 a.C.. Nesse período, a língua e a
O conceito de Helenismo foi usado pela cultura gregas tornam-se hegemônicas no mundo
primeira vez pelo historiador alemão Johann Gustav ocidental e nas terras conquistadas por Alexandre. Na
Droysen (1808-1884) para caracterizar o processo de filosofia, usa-se o termo para designar correntes
expansão da cultura helênica, isto é, grega, para filosóficas que se tornam predominantes: ceticismo,
outras regiões do mundo antigo após a morte do epicurismo, estoicismo e cinismo.
imperador Alexandre, O Grande. Embora sejam escolas bastante distintas entre si,
Alexandre, O Grande, ou Alexandre Magno há alguns traços comuns, segundo Marilena Chauí:
(como também é conhecido), viveu entre os anos 356 - Muito embora se coloquem como adversários de
e 323 a.C. Era oriundo da Macedônia, região da Platão e Aristóteles, os filósofos do helenismo adotam
Península Balcânica que possuía forte conexão com as a tripartição do estudo da filosofia proposta por
cidades-Estado gregas, tendo se erguido enquanto Xenócrates, filósofo socrático que dirigiu a Academia
organização política com inspiração em vários platônica entre 339 e 314 a.C.: a) Lógica: estudo do
elementos da civilização grega. Alexandre era filho de raciocínio, do discurso racional, do conhecimento; b)
Felipe da Macedônia e teve como preceptor o filósofo Física: estudo da Natureza; c) Ética: estudo da
grego Aristóteles, tendo estudado em Atenas com esse natureza humana, da conduta e da vida feliz.
sábio. Ao contrário de seu pai, Alexandre conseguiu - Enquanto Platão e Aristóteles adotavam as normas
expandir os domínios da Macedônia para toda a criadas pela política como fundamento para a ação
Hélade (como era conhecido o complexo de cidades- ética, levando à completude entre a política, a ética e o
Estado da Grécia Antiga), criando um império helênico direito, os filósofos epicuristas e estoicos defendem
que primava pela centralidade da cultura grega, que a ação ética deve respeitar as normas naturais,
sobretudo por aquilo que havia sido desenvolvido em rompendo a completude. Ambos transformam a
suas principais cidades, como Atenas, Esparta e natureza no fundamento da ética, exigindo o
Tebas, em sua forma de organização política. Dessa conhecimento da physis para a descoberta da vida
maneira, aspectos do teatro, arquitetura, organização feliz, e afastando a política da conduta humana.
militar, música, vestimenta, filosofia, conhecimento Elaboram, assim, um “naturalismo ético”.
astronômico, poético e toda a ampla atmosfera política - As filosofias helenistas (sobretudo epicurismo e
e cultural das cidades gregas foram absorvidos por estoicismo) são materialistas, ou seja, recusam-se a
Alexandre, que procurou expandi-las para além da explicar os fenômenos naturais e éticos a partir de
Península Balcânica, levando-os em direção aos entidades imateriais ou incorporais. Todos os
domínios de seu império. fenômenos devem ser explicados a partir das
O Império de Alexandre compreendia uma características da própria natureza, não havendo um
vastidão que ia desde o norte da África, passando cosmos universal ou sobrenatural. A natureza torna-se
pelos domínios do antigo Império Persa, no Oriente o universo, sendo sua composição a explicação de
Médio, o leste europeu, até chegar à Índia. Em toda tudo.
essa região foram disseminados os elementos da - O filósofo torna-se uma figura serena, acima do
cultura grega. Um dos exemplos mais famosos é o da turbilhão dos acontecimentos cotidianos, um sábio que
cidade de Alexandria (que leva o nome de seu não se deixa abater pelo infortúnio ou corromper pela
fundador), construída no nordeste do Egito, que se boa fortuna. Seus ensinamentos tornam-se
tornou símbolo intelectual da época helenística, em medicamentos que podem ensinar as pessoas a
virtude de sua famosa biblioteca de rolos de papiros, também serem serenas, promovendo uma terapia da
que comportava cópias de obras de vários sábios da alma e levando à verdadeira felicidade.
antiguidade. - As correntes filosóficas são marcadas por um
Após a morte de Alexandre, seus generais acontecimento histórico fundamental: o fim da Pólis
dividiram o império entre si e sustentaram a herança (cidade) livre e democrática. Até então, a cidade,
administrativa e cultural que Alexandre os legou até a soberana e independente, era o referencial filosófico e
época em que Roma passou a expandir-se e a existencial dos gregos. Com o desaparecimento da
dominar os antigos territórios conquistados por Pólis, os filósofos adotam a natureza universal como
Alexandre. Esse período de florescimento, expansão e paradigma, fundindo nela o cosmos e a antiga Pólis,
domínio da cultura grega no mundo antigo foi o que estabelecendo um novo conceito, o cosmopolitismo. A
caracterizou o helenismo. partir de então, o fundamento para a diferenciação
entre o grego e o bárbaro desaparece e o ser humano
pode ser considerado um cidadão do mundo, surgindo

22
as condições para a defesa da universalidade do viver de acordo com tal natureza. A escola estoica
gênero humano. preza pela subordinação absoluta ao destino como
- Talvez em virtude do clima geral de decepção, entre condição à imperturbabilidade do espírito. Se tudo esta
os gregos, decorrente da perda da liberdade, surge, no destino, mesmo as escolhas estão já escritas e
com Pirro (n. 365 a.C.) e Tímon (n. 325 a.C.), um premeditadas, de modo que a única maneira de
movimento que será denominado de ceticismo. O alcançar a sabedoria e a felicidade. Aceitando o
ponto de partida dos céticos é o da inexistência de destino, ao estoico é indiferente prazer ou dor. A
qualquer base sólida para os seres humanos estrutura do pensamento estoicista fundamenta-se
chegarem ao verdadeiro conhecimento ou à fé sobre a lógica, a física e a ética. O Estoicismo possui
verdadeira. Constatando que o cético não acredita que três fases:
o ser humano possa chegar ao verdadeiro
conhecimento, sua atitude se transforma em um Estoicismo Antigo (300-129ª.C): Zenão de Cítio, Cleanto, Crísipo.
questionamento incessante, para mostrar aos demais Estoicismo Médio (129-50ª.C): Panaécio,
Possidônio.
as parcialidades dos conhecimentos atingidos. O ponto Estocismo Romano (30-180 d.C): Sêneca, Epicteto,
final desse questionamento, ao contrário do que pode Marco Aurélio.
parecer, é justamente uma postura serena e de
tranquilidade, assumindo as limitações racionais e CETICISMO
pacificando o espírito. O Ceticismo é a doutrina do constante
Os pensadores do período helenístico questionamento. O termo Ceticismo é de origem grega
preocuparam-se especialmente com a condução da e significa exame, seu fundador foi Pirro, no século IV
vida humana e com a busca pela tranquilidade a.C.. Pintor nascido no Peloponeso, não deixou
espiritual (chamada de ataraxia), que como nenhum escrito filosófico sobre o assunto, mas
consequência, proporcionaria felicidade. A desenvolveu um grande interesse por filosofia que o
compreensão sobre o que caracteriza este momento levou a fundar uma escola filosófica que garantiu sua
passa por entender que, a escolha ou adoção de uma reputação entre os contemporâneos. Para os céticos
escola filosófica implica, necessariamente, a escolha pirrônicos (seguidores de Pirro), o homem seria
de um modo de vida. As principais escolas filosóficas incapaz de formular certezas a respeito da natureza, e
do período são quatro: Epicurismo, Estoicismo, por isso, deveria pela suspensão do juízo que lhes
Ceticismo e Cinismo. Porém, além destas, há outras ajudaria a combater a ansiedade. Como corrente
de bastante relevância, que são o Neoplatonismo, o doutrinária, o ceticismo argumenta que não é possível
Neopitagorismo e Peripatetismo. Seguem abaixo, afirmar sobre a verdade absoluta de nada, é preciso
breves explicações introdutórias sobre as quatro estar em constante questionamento, sobretudo, em
escolas de maior destaque: relação aos fenômenos metafísicos, religiosos e
dogmáticos. Seus seguidores alegavam a
EPICURISMO impossibilidade de alcançar o total conhecimento e
O principal expoente desta escola filosófica foi adotaram métodos empíricos para afirmar seus
Epicuro de Samos. Para o filósofo, a busca pelos conhecimentos. Assim, o Ceticismo se dedicou a
prazeres moderados é a chave para a paz de espírito examinar criticamente o conhecimento e a percepção
(ataraxia). O sábio, portanto, deve evitar certos tipos sobre a verdade. Houve outra vertente desta mesma
de prazeres que lhe podem ser prejudicais, e deve escola, chamada Ceticismo Acadêmico, na qual se
buscar os prazeres corretos para encontrar a considera que os sentidos são falhos e incapazes de
felicidade. O epicurismo é facilmente mal interpretado proporcionar um tipo de conhecimento seguro.
ao ser chamado de hedonismo. De fato, a busca por
uma vida de prazeres esta no centro de tal escola, no Pirro: 365/60 – 275/70 a.C
entanto, na se trata de prazeres a serem sorvidos sem Timão: 325/20 – 235/30 a.C
Arcesilau: 316/5 – 241/0 a.C
comedimentos ou empecilhos, existe uma ética dos Carnéades: 214 – 129/8 a.C
prazeres, graduando três tipos: Enesidemo: Século I d.C
- Os naturais e necessários (buscar): fome, sede, etc. Agripa: Séculos Ie II d.C
- Os naturais e não necessários (moderar): doces, Sexto Empírico: 160 – 210 d.C
sexo, etc.
- Os nem naturais e nem necessários (evitar): fama, CINISMO
posses, etc. Sem dúvida, a mais caricata de todas as
Epicuro fundou uma escola que se tornou escolas. Fundada por Antístenes, discípulo de
conhecida como “Jardim”, e nesse local reuniam-se Sócrates, seu modo defende que a felicidade consistia
amigos e seguidores. Resumo da trajetória de Epicuro: no total desapego a tudo que constitui matéria ou
individuo, alem da negação absoluta do prazer, poder
341 a.C: nascimento (Samos) ou confortos físicos. O cínico vive daquilo que lhe da a
311 a.C: Estuda em Mitilene natureza, como um animal, sem vaidade ou etiqueta.
307 a.C: Mudou-se para Atenas
Escola marcada especialmente pela figura de
306 a.C: Fundou uma escola em Atenas, conhecida como “Jardim”
270 a.C: Morte Diógenes de Sinope, conhecido como “o cão”, viveu
pelas ruas de Atenas levando uma vida despojada,
ESTOICISMO simples e sem se importar com qualquer tipo de
Esta escola foi fundada por Zenão de Cício. convenção social vigente. O filósofo recusava e
Resumidamente, pode-se dizer que os estoicos combatia a fama, a posição social, o dinheiro e o
acreditavam que há um ordenamento cósmico que acúmulo de materiais, pois para ele, nenhum destes
rege a existência, e que o homem virtuoso deve aceitar elementos pode proporcionar felicidade. A palavra:

23
“cínico” vem da palavra grega “kynicos” que significa da realidade. O próprio processo de fomento intelectual
“cão”. que a Filosofia alimenta, em vez de levar a uma melhor
compreensão da fé, leva a conflitos.
FILOSOFIA CRISTÃ/MEDIEVAL
A FILOSOFIA CRISTÃ (PARTE I)
A Idade Média compreende o período que vai da
queda do Império de Roma, no século V, até a tomada
 Filosofia Patrística (Séc. I a V d.C)
de Constantinopla pelos turcos, no século XV,
Portanto, são mil anos de história em que se formam
os novos reinos bárbaros e lentamente constitui-se a No período da decadência do Império Romano,
ordem feudal, de natureza aristocrática, em cujo topo quando o cristianismo se expande, surge a partir do
da pirâmide encontram-se, os nobres e o clero. século II a filosofia dos Padres da Igreja, conhecida
A Igreja católica surge como força espiritual e também como patrística. A escola patrística, ou
política. Essa influência religiosa se deve a diversos simplesmente Patrística, foi uma corrente filosófica e
motivos, inclusive porque em um mundo fragmentado, período da filosofia, coincidindo com os primeiros
após a dissolução do Império, a Igreja representa um séculos da era cristã, em que o desenvolvimento
elemento agregador. Do ponto de vista cultural, ela filosófico foi realizado por filósofos padres da Igreja
atua de forma fundamental porque, após longo período Católica, designando um grupo de padres ou um
de obscuridade, a herança Greco-latina ressurge nos trabalho por eles desenvolvido. Tendo em Agostinho
mosteiros, onde fora preservada. Em um mundo em de Hipona seu principal filósofo, tinha como um de
que nem os nobres sabem ler, os monges são os seus principais objetivos a racionalização da fé cristã.
únicos letrados. Daí a fundamentação religiosa dos Destacam-se trabalhos no sentido de oferecer
princípios morais, políticos e jurídicos da sociedade argumentação ontológica e lógica para a defesa da
medieval. Como não poderia deixar de ser, a grande existência de um Deus uno e onipotente, de acordo
questão discutida pelos intelectuais da Idade Média é a com a teologia cristã, mas também de buscar
relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia. compreender o formato e justificação da fé cristã, o
Destacaremos aqui a figura de santo Agostinho que, que auxiliou no desenvolvimento da teologia como
embora tenha vivido na Antiguidade, nos tempos finais disciplina independente. Iniciando como discussões
do Império Romano, é estudado como expoente do mais focadas na relação entre cristianismo e judaísmo
pensamento medieval em razão de sua influência e estabelecimento canônico do velho testamento,
nesse período. Veremos também Santo Tomás de rapidamente evoluiu para avaliar a consistência da fé
Aquino, principal representante da escolástica em termos doutrinários, procurando fortalecer seu
medieval. estabelecimento no Império Romano cristianizado.
Desde a Renascença, o período medieval era O período da escola patrística é normalmente
considerado período de prolongada estagnação dividido entre antes e depois do primeiro conselho de
filosófica. Faltando-lhe o estímulo de novas ideias Niceia. O objetivo deste conselho foi o de obter um
matemáticas e científicas, considerava-se que os consenso entre as diversas vertentes do cristianismo e
únicos vestígios do pensamento filosófico que seu estudo, estabeleceu-se a questão da natureza do
vingariam se reduziam a disputas puramente verbais e messias cristão e sua relação com Deus, levando
exegéticas, primeiro de um platonismo decadente (o assim a uma padronização do ponto de partida dos
neoplatonismo) e, posteriormente, de uma forma trabalhos filosóficos da época. Em alguns casos, o
petrificada de aristotelismo (a escolástica). período é dividido de acordo com a vida e obra de seu
A partir do fim do século XIX, vários historiadores já mais importante pensador, Agostinho. O platonismo,
revisavam esse julgamento, orientados pelo intuito de doutrina derivada da filosofia idealista do filósofo grego
avaliar o pensamento medieval em termos de Platão, foi o mais popular método de proceder no
objetivos, pressupostos, conhecimentos disponíveis período anterior a Agostinho. Platonistas cristãos,
aos pensadores e do impacto do seu pensamento nas como ficaram conhecidos, defendiam que a essência e
correntes de pensamento então vigentes. Descobriram fundamento da vida deveria ser a fé. A partir da fé, e
que muitas das ideias da própria Renascença já tinham não da razão, os homens tomariam decisões em suas
sido esboçadas por pensadores medievais e que vidas e realizariam julgamentos morais. Nesta vertente,
mesmo algumas teorias modernas, como, por destacam-se Clemente de Alexandria e Orígenes.
exemplo, na Lógica, foram antecipadas por Agostinho surge como um reformulador da filosofia
pensadores medievais e são mais bem compreendidas patrística, explorando temas que estavam além das
à luz deles. Em certo sentido, a Filosofia Moderna, questões do platonismo cristão e buscando na razão a
embora representasse uma rejeição das ideias justificativa para a fé. Explorou a questão do livre
fundamentais do pensamento medieval, em outros arbítrio, defendendo que a Graça Divina seria o
pontos é a sua continuação e aprofundamento. elemento garantidor da liberdade humana. Formulou
O esforço para harmonizar as duas dimensões ainda a doutrina do pecado original e a teoria da guerra
principais do pensamento medieval, razão e fé, justa. Após Agostinho os filósofos patrísticos já
constitui a grande preocupação nesse período, contavam com um histórico de grandes discussões e
determinando as atitudes e sistemas adotados. O uma estrutura mais robusta como base de seu
pensamento medieval encontra-se diante do seguinte pensamento. Neste período destaca-se Anselmo de
problema: não pode haver filosofia sem um respaldo Aosta que, entre outros trabalhos, formulou um
metafísico e lógico, mas quando a filosofia começa a argumento ontológico para a existência de Deus que
afirmar a sua autonomia, ela é considerada uma permanecesse ainda hoje em discussão. Um dos
ameaça à fé por apresentar interpretações alternativas motivos é que, embora possa ser rejeitado como um

24
todo, ainda não foi possível refutá-lo com base Impunha-se, portanto, conciliar as duas ordens de
exclusivamente na lógica. coisas e com isso Agostinho retorna à questão
Embora a razão passe a ocupar um papel mais principal da Patrística, ou seja, ao problema das
relevante nos desenvolvimentos deste período, ainda relações entre a razão e a fé; entre o que se sabe pela
permanece subordinada à fé. A importância da convicção interior e o que se demonstra racionalmente,
inteligência e do conhecimento se dá na medida em entre a verdade revelada e a verdade lógica, entre a
que devemos evitar a adesão à fé seja passiva ou religiosidade cristã e a filosofia pagã.
injustificada. Portanto, a razão deverá moderar a Desde a conversão, Agostinho se propôs a atingir,
inteligência humana para justificar e compreender a fé. pela fé nas escrituras o entendimento daquilo que elas
A partir deste caminho, a patrística se desenvolve com ensinam, colocando a fé como via de acesso à
a tarefa de converter os pagãos, combater as heresias verdade eterna. Mas, por outro lado, sustentou que a
e propagar a fé cristã; os padres filósofos desenvolvem fé é precedida por certo trabalho da razão. Ainda que
a apologética, elaborando textos de defesa do as verdades da fé não sejam demonstráveis, isto é,
cristianismo. Começa aí uma longa aliança entre fé e passiveis de prova, é possível demonstrar o acerto de
razão que se estende por toda a Idade Média e em que se crer nelas, e essa tarefa cabe à razão. A razão
a razão é considerada auxiliar da fé e subordinada a relaciona-se, portanto, duplamente com a fé; procede-
ela. Daí a expressão de Agostinho “Creio para que se e é sua consequência. É necessário “compreender
possa entender”. Alguns dos pensadores caminharam para crer e crer para compreender”
por essa via (são Justino) e outros em contraposição A filosofia é para Agostinho um instrumento auxiliar
reagiram contra essa mistura e defenderam a destinado a um fim que transcende seus próprios
originalidade da revelação cristã, fundada limites. Por isso muitos veem nele um teólogo e um
exclusivamente na fé e nada tendo a ver com místico e não propriamente um filósofo. Todavia, seu
especulação racional (apologistas latinos) e pensamento manifesta frequentemente grande
(tertuliano). penetração filosófica na análise de alguns problemas
particulares, e a verdade é que Agostinho conseguiu
SANTO AGOSTINHO (354-430 d.C) sistematizar uma grandiosa concepção do mundo, do
homem e de Deus, que se tornou, por muito tempo, a
doutrina fundamental da Igreja Católica.
A figura de Aurelius Agostinho - nascido em
Tagaste na África - domina todo o pensamento
A doutrina da Iluminação Divina
medieval, embora nem sempre sem contestação. Uma
das principais correntes filosóficas, presente no
pensamento de Agostinho é o Maniqueísmo, que Agostinho retoma a dicotomia platônica referente ao
explica o mundo em termos da existência de duas mundo sensível e ao mundo das ideias e substitui esse
último pelas ideias divinas. Segundo a teoria da
forças, o bem e o mal, a luz e as trevas, espírito e
matéria. O maniqueísmo confirmava o combate que o iluminação, o homem recebe de Deus o conhecimento
próprio Agostinho vivia entre o bem e o mal, que das verdades eternas: tal como o sol, Deus ilumina a
atormenta e dificulta a realização do fim último do razão e torna possível o pensar correto, ou seja,
homem, isto é, a felicidade. Agostinho também fala a possibilita o conhecimento de verdades eternas. Trata-
se de uma metáfora recebida de Platão, que na
respeito do Ceticismo e do Neoplatonismo e
célebre alegoria da caverna mostra ser o
Cristianismo. Ceticismo levava a negar toda a certeza
ao conhecimento sensível, optando por vias de conhecimento, em última instância, o resultado do
interioridade na procura da verdade. O Neoplatonismo bem, considerado como um sol que ilumina o mundo
e o Cristianismo o confirmavam na posição de que inteligível. Agostinho louva os platônicos por ensinarem
toda verdade é imaterial e encontra a sua fonte nas que o princípio espiritual de todas as coisas é ao
mesmo tempo, causa de sua própria existência, luz de
formas ou ideias que vêm de Deus. Deus contém em si
seu conhecimento e regra de sua vida. Por
esses arquétipos (modelos ou ideias) de todas as
coisas. Portanto, conhecer a verdade é conhecer a conseguinte, todas as proposições que se percebem
Deus. como verdadeiras seriam tais porque previamente
Á síntese entre fé e razão que Agostinho realizou, é iluminadas pela luz divina, e nada se poderia conhecer
o que se denomina “filosofia cristã”. O núcleo em torno intelectualmente que já não se possuísse antes, de
do qual gravitam todas as suas ideias é o conceito de modo infuso.
beatitude. O problema da felicidade constitui para Ao afirmar esse saber prévio, Agostinho aproxima-
se da doutrina platônica segundo a qual todo
Agostinho, toda a motivação do pensar filosófico. Uma
conhecimento é reminiscência. Não obstante as
das últimas obras que redigiu; a Cidade de Deus,
afirma que “o homem não tem razão para filosofar, evidentes ligações entre os dois pensadores,
Agostinho afasta-se, porém, de Platão, ao entender a
exceto para atingir a felicidade”. A filosofia é, assim,
entendida não como disciplina que coloca problemas á percepção do inteligível na alma como irradiação divina
estrutura do universo físico ou á natureza dos deuses, no presente. A alma não passaria por uma existência
mas como uma indagação sobre a condição humana a anterior, na qual contempla as ideias: ao contrário,
procura da beatitude. existiria uma luz eterna da razão que procede de Deus
e atuaria a todo o momento, possibilitando o
A beatitude, no entanto, não foi encontrada por
conhecimento das verdades eternas. Assim como os
Agostinho nos filósofos clássicos que conhecera na
juventude, nas sagradas escrituras, quando iluminado objetos exteriores só podem ser vistos quando
pelas palavras de Paulo de Tarso. Não foi fruto de iluminados pela luz do Sol, também as verdades da
procedimento intelectual, mas atos de intuição e fé.

25
sabedoria precisariam ser iluminadas pela luz para se transição real do platonismo para uma forma mais
tornarem inteligíveis. sofisticada de filosofia, é Tomás de Aquino. Destacam-
A iluminação divina, contudo, não dispensa o se ainda, neste período, Occam, Scoto e Erígena.
homem de ter um intelecto próprio; ao contrário, supõe O método escolástico consistia em leitura critica de
sua existência. Deus não substitui o intelecto quando o obras selecionadas, aprendendo a apreciar as teorias
homem pensa o verdadeiro; a iluminação teria apenas do autor, por meio do estudo minucioso de seu
a função de tornar o intelecto capaz de pensar pensamento e das consequências deste. Neste
corretamente em virtude de uma ordem natural processo, como complemento, eram explorados outros
estabelecida por Deus. Essa ordem é a que existe documentos ou obras relacionadas com a obra em
entre as coisas do mundo e as realidades inteligíveis questão. A partir da comparação entre o texto da obra
correspondentes, denominadas por Agostinho com e os documentos a ela relacionados, especialmente
diferentes palavras: ideia, forma, espécie, razão ou documentos da igreja e análises de estudiosos
regra. A teoria agostiniana estabelece, assim, que todo anteriores, se produzia as sententiae, curtas sentenças
conhecimento verdadeiro é o resultado de um nas quais eram listadas as discordâncias entre fontes
processo de iluminação divina, arquétipos eternos de diversas, acerca dos temas tratados na obra em
toda a realidade. Nesse tipo dede conhecimento a estudo. As setentiae podiam incluir também recortes
própria luz divina não é vista, mas serve apenas para dos textos originais, para comparação e comentário.
iluminar as ideias. Este momento ficou conhecido historicamente como a
renascença carolíngea. Tendo a educação romana
O bem e o Mal como modelo, começaram a serem ensinadas as
seguintes matérias: gramática, retórica e dialética (o
Senso imutável, Deus é a plenitude do ser, a trivium) e geometria, aritmética, astronomia e música
perfeição máxima e o bem absoluto. A partir dessa (o quadrivium). Todas elas estavam, no entanto,
concepção, Agostinho constrói a doutrina metafísica do submetidas à teologia. Como vimos, é a fundação
bem e do mal. O mundo criado, manifestação da dessas escolas e das primeiras universidades no
sabedoria e bondade de Deus, é uma obra perfeita. século XI que faz surgir uma produção filosófica
Segundo Agostinho, esse fato é frequentemente teológica denominada escolástica (termo proveniente
menosprezado, porque se vê o mundo de maneira da palavra escola).
parcial, considerando-se certas coisas como más. É A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de
necessário contemplá-lo como um todo, para que ele forma profunda o pensamento escolástico, marcando-o
se revele em toda a sua esplendorosa beleza e definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas
bondade. Tudo aquilo que é, é necessariamente bom, obras de Aristóteles, desconhecidas até então, e à
pois a ideia de bem está implicada na ideia de ser. tradução para o latim de algumas delas, diretamente
Deus não é, portanto, a causa do mal, da mesma do grego. Mas, a busca de harmonização entre a fé
forma que a matéria também não poderia produzi-lo, cristã e a razão manteve-se, no entanto, como
pois ela é criatura de Deus. A natureza do mal deve, problema básico de especulação filosófica. A partir
assim, ser encontrada no conceito absolutamente daqui, surge segundo período da Filosofia Cristã,
contrário ao conceito de Deus. O mal fica, portanto, marcado a princípio, pela discussão a respeito dos
destituído de toda substancialidade. Ele seria apenas a universais e posteriormente pelo pensamento de São
privação do bem. Não existem dois princípios Tomás de Aquino.
igualmente poderosos a reger o mundo, mas tão A Escolástica em um primeiro momento, permanece
somente um Deus infinitamente bom. ligado à filosofia de Agostinho e ao platonismo, neste
____________________________________________ período destaca-se a ausência de distinção entre
natural e sobrenatural, a forte prevalência da fé sobre a
A FILOSOFIA CRISTÃ (PARTE II) razão, bem como uma separação ainda não muito
clara entre filosofia e teologia, embora esta ultima já
 A Escolástica (séc. XI a XIV) comece a se distinguir como disciplina independente
no período patrístico. Com o advento de Tomás de
No século VIII, Carlos Magno resolveu organizar o Aquino, Albertus Magnus e outros pensadores mais
ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas ligados à filosofia de Aristóteles, a escolástica entra em
às instituições católicas. A cultura greco-romana, uma nova fase. Nesta fase, por volta do século XIII, o
guardada nos mosteiros até então, voltou a ser uso da razão é enfatizado e amplia-se o uso das novas
divulgada, passando a ter uma influência mais fontes aristotélicas, uma recuperação das transcrições
marcante nas reflexões da época. Seguindo-se ao e traduções dos trabalhos de Aristóteles. Uma síntese
período da escola patrística, a filosofia praticada no da doutrina cristã e da teoria aristotélica é proposta,
seio do cristianismo passou a ser ensinada nestas vindo a definir o que seria a filosofia da Igreja Católica
escolas. A partir do século IX emerge um período nos séculos seguintes. Para Aquino, razão e a
conhecido como escolástica que perdurou até o fim da argumentação eram a base da filosofia, afastando-se
idade média e tem seu nome derivado da palavra latina do platonismo e agostinianismo que dominavam os
"scholasticus", que significa "aquele que pertence a primeiros anos da escolástica, na mesma medida em
uma escola". Utilizou-se da base proposta pela que se aproximava das posições aristotélicas,
patrística, mas com maior dedicação a atividade especialmente sua metafísica e epistemologia.
especulativa, deixando de lado, em parte, a teologia e Dedicou-se particularmente a apontar o que
dedicando-se a formulação da filosofia cristã. O filósofo considerou erros de interpretação do comentador
de maior destaque deste período, que promoveu a Averróis, importante pensador islâmico, permitindo a

26
incorporação da filosofia de Aristóteles. Após o período deve conhecer o fim ao qual deve ordenar as suas
dominado pela filosofia de Tomás de Aquino, a intenções e ações. Por isso se tornou necessário, para
escolástica entra em declínio como instituição, mas a salvação dos Homens, que lhes fossem dadas a
permanece como campo de estudo, sendo explorada conhecer, por Revelação Divina, determinadas
por pensadores contemporâneos como David verdades que ultrapassam a razão humana.
Oderberg, Giovanni Ventimiglia e Peter King. Mesmo em relação àquelas verdades a respeito de
Deus que podem ser investigadas pela razão, foi
SÃO TOMÁS DE AQUINO (1224-1274) necessário que o Homem fosse instruído pela
Revelação Divina, pois essas verdades, ao serem
 A Cristianização de Aristóteles investigadas pela razão, chegariam a poucas pessoas
e, mesmo assim, só depois de muito tempo e com
muitos erros. Entretanto, do conhecimento dessas
Tomás de Aquino nasceu no reino das duas verdades depende a salvação do Homem, a qual está
Sicílias, filho de nobres – Condes de Aquino. Iniciou em Deus. Para que, pois, a salvação dos Homens seja
seus estudos na Itália, primeiro no mosteiro de Monte alcançada de maneira mais conveniente e segura, foi
Cassino, e, em 1239, foi para Nápoles para cruzar as necessário que fossem instruídos a respeito das coisas
sete artes liberais: o trivium, gramática, retórica e divinas, pela Revelação Divina. Donde a necessidade
dialética e o quadrivium, aritmética, geometria, de uma ciência sagrada, obtida pela Revelação, além
astronomia e música. Em 1224, ingressou na ordem das disciplinas filosóficas que são investigadas pela
Dominicana, transferindo-se, posteriormente, para razão. Por isso, nada impede que as mesmas coisas
Paris, onde atuou como professor, dedicando sua vida que tratam as disciplinas filosóficas, na medida em que
ao ensino de Teologia. Espírito metódico e incansável, são cognoscíveis pela luz da razão natural, sejam
o aquinatense empenhou-se em ordenar o saber tratadas por outra ciência, na medida em que são
teológico e moral acumulado na Idade Média, tendo conhecidas pela luz da Revelação Divina. Por isso, a
produzido uma extensa obra com mais de sessenta teologia enquanto ciência sagrada, difere da Filosofia –
títulos, dentre as quais se destacam, no pensamento ou ‘teologia natural’.
Ocidental e de importância para o Cristianismo: A
Suma Teológica – Summa Theológica – e a Suma Os Princípios do Conhecimento
Contra os Gentios – Summa Contra Gentiles.
Viveu numa época em que as estruturas feudais já Torna-se concebível pela razão que o mundo seja
estavam estabelecidas e no momento de intensificação um conjunto de criaturas contingentes, cuja existência
do comércio, o que possibilitou o intercâmbio entre é dada por Deus, criadas a partir do nada, segundo
povos e acesso a obras desconhecidas, principalmente graus hierárquicos de perfeição e participação na
traduções árabes de Aristóteles. Platão foi o filósofo essência da existência divina.
que influenciou o pensamento de Santo Agostinho; já Na superioridade hierárquica das criaturas,
em Tomás de Aquino, a filosofia de Aristóteles é que encontram-se os anjos, e, para explicá-los, a distinção
vai, diretamente, inspirá-lo. Essa integração entre o entre essência e existência revela-se eficiente. Os
aristotelismo e o cristianismo encontra-se sintetizada anjos são criaturas como as demais, embora
na sua obra considerada a mais importante, que é a incorpóreos e possuidores da mais alta perfeição
Suma Teológica. dentre elas. Entre os seres corporais, o Homem ocupa
o vértice na escala dos seres, e, por isso, aparece
Teoria do Conhecimento como um ser dotado de duplo compromisso: composto
de alma participa dos seres imateriais, mas não é uma
Tomás de Aquino representa o apogeu da inteligência pura – como a dos anjos – pois, encontra-
escolástica, pois conseguiu estabelecer o equilíbrio se essencialmente ligado a um corpo. Vale lembrar
nas relações entre fé e razão, distinguindo-as, mas, que, desprendendo-se das servidões e com a
não as separando. Ambas podem tratar dos mesmos dissolução da matéria, a alma mantém a sua
objetos, por exemplo: Deus, ainda que seja importante sobrevivência. Para Tomás de Aquino, o conhecimento
ressaltar que a filosofia utiliza as luzes da razão humano parte sempre dos dados oferecidos pela
natural, ao passo que a fé se vale das luzes da razão experiência sensorial, isto é, o que primeiramente
divina, manifestada na Revelação. Há distinção, mas conhecemos é aquilo que nos é apresentado aos
não oposição, entre as verdades da razão e as da sentidos – que revelam objetos concretos e singulares.
Revelação, pois a razão humana é uma expressão Contudo, o nosso conhecimento não se restringe
imperfeita da razão divina, estando-lhe a ela dados da sensibilidade, uma vez que somos capazes
subordinada. Por isso, o conteúdo das verdades de, por abstração, formular conceitos universais.
reveladas pode estar acima da capacidade da razão Com efeito, Aquino distingue, no Homem, dois
natural, mas nunca pode ser contrário a ela. Nas intelectos: o intelecto passivo, que recebe e registra os
palavras do próprio Aquino: dados dos sentidos; e o intelecto agente, que isola as
A tudo isso respondo que foi necessário, para a imagens sensíveis, resultantes da sensação,
salvação do Homem, uma doutrina fundada na elaborando conceitos abstratos e universais. O
revelação divina, além das disciplinas filosóficas que intelecto é o elemento ativo do conhecimento, é, para
são investigadas pela razão humana Primeiro, porque Tomás, dizer que a alma humana é iluminada por
o Homem está ordenado a Deus como a um fim que Deus, capaz de transformar em “ato” o inteligível que
ultrapassa a compreensão da razão, conforme afirma está em “potência” no sensível; sem intelecto agente,
Isaías, 44, 4: ‘Fora de ti, ó Deus, o olho não viu o que nada se pode conhecer, mas os princípios primeiros,
preparastes para os que te amam’. Ora, o Homem

27
que estão contidos no sensível em Potência, só podem causas, que culmina no necessário absoluto, ou seja,
ser concebidos a partir da experiência, o que anula Deus.
qualquer possibilidade de conhecimento a priori como
queria Agostinho. - Pelos Graus de Perfeição: a via dos Graus.
Deus existe porque há graus hierárquicos de perfeição
As Cinco Vias para Afirmar a Existência de Deus nas coisas do mundo. Dizer que existe grau de
bondade, sabedoria, implica a noção de que essas
As provas da existência de Deus contêm o quadro coisas existam em absoluto o que permite, inclusive, a
tomista explicativo da realidade. E esse quadro concilia comparação. Em outras palavras, para se pensar em
as verdades da razão aristotélica e o conteúdo da algo perfeito, é necessário que exista este perfeito, já
revelação bíblica. Considerando que Deus se revela na que essa noção não esta no homem, pois ele de
sua criação, Tomás procura por meio do que considera maneira nenhuma é perfeito. Assim tal concepção só
manifestações – efeitos – da obra divina, chegar à pode emanar de Deus.
prova de sua existência – causa dos efeitos. Para
provar então a existência de Deus, é preciso partir dos - Finalidade do Ser: a via da Ordem das coisas.
efeitos para alcançar a causa primeira, ou seja, seguir Fundamenta-se na ordem das coisas. De acordo com
o processo do conhecimento nos limites da razão o finalismo aristotélico adotado por Tomás de Aquino,
humana. Aquino propõe as cinco provas racionais da todas as operações dos corpos materiais tenderiam a
existência de Deus. um fim, mesmo quando desprovidos da consciência
disso. A regularidade com que alcançam seu fim
- Pelo Primeiro Motor Imóvel (ou pelo movimento). mostraria que eles não estão movidos pelo acaso; a
A constatação de que no universo existe movimento. regularidade seria intencional e desejada. Uma vez
Baseado em Aristóteles, Tomás de Aquino considera que aqueles corpos estão privados de conhecimento,
que todo movimento tem uma causa, que deve ser pode-se concluir que há uma inteligência primeira,
exterior ao próprio ser que está em movimento, pois ordenadora da finalidade das coisas. Essa inteligência
não se pode admitir que uma mesma coisa possa ser soberana seria Deus
ela mesma a coisa movida e o princípio motor que a
faz movimentar-se. Por outro lado, o próprio motor Pelo que vimos, na concepção cristã, em geral, a
deve ser movido por outro, este por um terceiro, e prova da existência de Deus é uma verdade que não
assim por diante. Nessas condições, é necessário contradiz de forma alguma a realidade e sua natureza
admitir ou que a série de motores é infinita e não existe contingente. O que é contingente deve ter sua razão
um primeiro termo - não se conseguindo, assim, de ser, deve ter seu fundamento em outro ser, numa
explicar o movimento -, ou que a série é finita e seu realidade absoluta – Deus – e que possa justificar a
primeiro termo é Deus. condição efêmera da realidade – homem / mundo. Se
Tomás de Aquino ressalta – e ele o faz – a importância
- Pela Causa Eficiente: via causal. da razão na produção do conhecimento referente à
Diz respeito à ideia de causa em geral. Todas as realidade – como também na demonstração de certas
coisas ou são causas ou são efeitos, não se podendo verdades reveladas –, por outro lado, limita essa
conceber que alguma coisa seja causa de si mesma. importância e acaba por priorizar a fé – a substância
Nesse caso, ela seria causa e efeito ao mesmo tempo, de Deus, por exemplo. Assim, mesmo o que não pode
sendo, assim, anterior e posterior, o que seria absurdo. ser demonstrado, continua verdadeiro, uma vez que
Por outro lado, toda causa, por sua vez, deve ter sido advindo da Revelação Divina, será, portanto, superior
causada por outra e esta por uma terceira, e assim à razão.
sucessivamente. Impõe-se, portanto, admitir uma
primeira causa não causada, Deus, ou aceitar uma
O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS
série infinita e não explicar a causalidade.
O problema tem suas origens na Grécia antiga,
- Pelo Ser Necessário e pelo Ser Contingente: a via
quando Sócrates afirmava - contra os sofistas - que o
da relação entre o Possível e o Necessário.
verdadeiro objeto do conhecimento é aquilo que existe
Observa-se no mundo, o aparecimento e o
de comum em todos os seres individuais de
desaparecimento de seres. Se todas as coisas
determinado grupo, e não aquilo que distingue
aparecem ou desaparecem, elas não são necessárias,
particularmente cada um deles. Posteriormente, a
mas são apenas possíveis. Está causa refere-se aos
distinção socrática foi aperfeiçoada pela lógica de
conceitos de necessidade e possibilidade. Todos os
Aristóteles (384-322 a. C) e, nos comentários de
seres estão em permanente transformação, alguns
Porfírio (232-304 d. C), colocou se a seguinte questão:
sendo gerados, outros se corrompendo e deixando de
Os universais possuem verdadeira existência na
existir. Mas poder ou não existir não é possuir uma
realidade? O método escolástico de investigação
existência necessária e sim contingente, já que aquilo
privilegiava o estudo da linguagem (o trivium) para
que é necessário não precisa de causa para existir.
depois passar para o exame das coisas (o quadrivium).
Assim, o possível não teria em si razão suficiente de
Mas o fato é que o conceito de universal foi
existência e, se nas coisas houvesse apenas o
formulado claramente pela primeira vez por Platão, o
possível, não haveria nada. Para que o possível exista
conceito de "universal" refere-se àquelas entidades
é necessário, portanto, que algo o faça existir. Ou seja,
relativas aos tipos ou categorias, instanciadas por
se alguma coisa existe é porque participa do
particulares. Em geral, um universal será identificado
necessário. Este, por sua vez, exige uma cadeia de
com uma espécie (categoria ou tipo), propriedade ou

28
uma relação, enquanto um particular será um objeto diferenciam somente por notas acidentais. Os
particular que instancia tal propriedade ou uma universais existem de fato. Assim, não só os universais
instância específica da relação. Definindo têm existência real, como constituem mesmo a mais
objetivamente: autêntica realidade.

O universal é um conceito metafísico que - O Nominalismo: está solução foi ensinada por
caracteriza uma propriedade ou uma relação que Roscelino (1050-1120), parte da verificação de que
pode ser exemplificada por um número de coisas todas as coisas são particulares e conclui que as
particulares diferentes. É uma ideia ou essência nossas ideias, para serem verdadeiras, devem também
comum a todas as coisas que agrupamos sob um ser particulares. Logo, os universais não existem, nem
mesmo signo linguístico. na mente, e não são mais do que um flatus vocis
(emissão de voz). A função do universal é exercida
Assim, vemos que cada particular, em geral, pela palavra enquanto pode ser aplicada a muitos
instanciará mais de um universal e a quantidade de indivíduos. Os universais são palavras sem existência
particulares que instanciam um universal depende real. Essa posição é totalmente oposta à do realismo,
exclusivamente de quantos daquele particular existem esposando a tese de que a realidade é constituída
no mundo. Se um universal instanciado por apenas um pelos entes individuais. Universais são meros nomes
particular é, ainda assim, um universal; permanece (daí a expressão nominalismo). Os nominalistas
uma questão em discussão, que trata da sua própria negam a existência de entidades abstratas, e
existência. O problema dos universais é uma questão tipicamente procuram mostrar que o discurso sobre
filosófica metafísica antiga, desenvolvida entidades abstratas é analisável em termos do
particularmente na idade média, com raízes no discurso sobre concretos particulares da experiência
trabalho de Platão. Duas questões constituem o comum.
problema dos universais: Universais existem? Qual a
sua natureza? - Realismo Moderado ou Conceitualismo – Uma
A maioria dos filósofos concordará que humanos terceira solução (conciliadora) é apresentada por
pensam e falam em termos de propriedades Pedro Abelardo. Segundo ele, devem-se levar em
(universais), postulando universais ao entender que os consideração três possibilidades para a questão dos
particulares similares partilham algo entre si, como universais: em primeiro lugar, os universais constituem
quando concordamos que dois objetos possuem o palavras significativas e não simples emissões da voz
mesmo tom de vermelho. A questão, portanto, não é humana. Em segundo lugar, se os universais são
acerca da forma como nós humanos vemos o mundo corpóreos ou incorpóreos, a resposta é dupla:
no qual vivemos, mas do tipo de existência que as enquanto nomes, eles são corpóreos, uma vez que sua
propriedades que postulamos possuem na realidade, natureza é a dos sons emitidos pela voz humana: no
se são apenas categorias que postulamos para entanto, sua função significativa, isto é, o fato de
organizar a experiência ou se possuem alguma forma servirem para designar uma pluralidade de indivíduos
de existência substantiva. Desse método surgiu a semelhantes, é incorpóreo. Em terceiro lugar, os
seguinte pergunta: qual a relação entre as palavras e universais existem nas coisas sensíveis? Para
as coisas? Rosa, por exemplo, é o nome de uma flor. Abelardo, alguns universais existem completamente
Quando a flor morre, a palavra rosa continua existindo. fora de qualquer possibilidade de percepção sensível:
Nesse caso, a palavra fala de uma coisa inexistente, é o caso da alma. Outros, ao contrário, tanto existiriam
de uma ideia geral. Mas como isso acontece? no sensível quanto fora dele, como é o caso das
Esse problema filosófico, não solucionado por formas dos corpos, enquanto simplesmente as
Porfírio, gerou muitas disputas. Era a grande discussão designam; existiriam no sensível. No entanto, por
sobre a existência ou não das ideias gerais, isto é, os abstração, separadas dos corpos, estão fora do plano
chamados universais de Aristóteles. Tal discussão sensível.
ficou conhecida como a questão dos universais. Duas
soluções opostas e uma conciliadora foram dadas
pelos filósofos da Idade Média. A primeira ficou
conhecida como Realismo e teve como representante,
entre outros, Santo Anselmo e Guilherme de
Champeaux e a segunda, Nominalismo, representa
principalmente por Roscelino de Compiègne. A posição ?
conciliadora é chamada de Conceitualismo (realismo
moderado) foi proposta pelo filósofo Pedro Abelardo. ?

- O Realismo: proposta por Guilherme de Champeaux


(1070-1120), parte da verificação de que temos
conceitos universais e de que eles só serão
verdadeiros se a eles corresponder algum ser
universal. Por isso, conclui que existem coisas
universais da mesma natureza dos conceitos. Assim,
existe o ser universal homem, o ser universal planta
etc. Eles não existem fora das coisas particulares, mas
nos próprios indivíduos, os quais, por isso, se

29
Mapa Conceitual – Filosofia MODERNA
Mapa conceitual – Autor desconhecido

Filosofia Moderna

Painel do processo histórico


(séculos XV a XVIII)

Transformações: Renascença Crise da O pensamento moderno:


*econômicas * políticas-sociais *culturais escolástica *A questão do método
*O problema do conhecimento
*O sujeito cognoscente

Revolução técnico-cientifica A questão do conhecimento

Método cientifico experimental


Racionalismo Empirismo

Ciência Moderna
Descartes (1596 – 1650)
J. Locke (1532 – 1704)
*Sensação/Reflexão
* “Tabula Rasa”
Galileu (1564 – 1642)
Regras do A dúvida Ideias
Newton (1642 – 1727)
método e o cogito inatas
David Hume (1711-1776)
*impressões e ideias
* O hábito

Criticismo

A questão política
Immanuel Kant (1724 – 1804)

- Hobbes
- Locke
- Rousseau *A revolução copernicana
*O fenômeno e coisa em si
*O idealismo transcendental
*O que é esclarecimento?
(Iluminismo – ilustração)
Estado de O contrato Estado
natureza social civil

30
FILOSOFIA MODERNA Isto significa que a Natureza, a sociedade ou a política
podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito,
Chamamos de filosofia moderna toda a porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são
filosofia que foi desenvolvida durante os séculos XV racionais em si mesmas.
até o século XIX, começando na época - A realidade é concebida como sistema racional de
do Renascimento. Esta chamada filosofia moderna se mecanismos físico-matemáticos.
divide em quatro partes, a saber: Filosofia - Origem da ciência clássica: Relações de causa e
de Renascimento, Filosofia do século XVII, Filosofia do efeito entre agente e paciente.
século XVIII e Filosofia do século XIX. Na Filosofia do - Realidade: Sistema de causalidades racionais que
Renascimento encontramos a renovação da civilização podem ser conhecidas e transformadas pelo homem.
clássica, bem como o seu aprendizado, - Nasce a ideia de experimentação e tecnologia:
caracterizando-se como o período das Reformas domínio técnico sobre a natureza e a sociedade.
religiosas até o início da Idade Moderna. A Filosofia do - Convicção na capacidade da razão humana, nunca
século XVII é conhecida como idade da razão e mais se repetirá tal convicção na história da filosofia.
considerada como uma visão prévia do princípio da
filosofia moderna. Na Filosofia do século XVIII  Teoria do conhecimento
aconteceu em alguns países americanos e
na Europa e se referia ao movimento intelectual Baseada na experimentação, a filosofia moderna
do Iluminismo, defendendo com a base primária da vem questionar valores relacionados com os seres
autoridade, a razão. Na Filosofia do século XIX, surgiu humanos bem como sua relação com a natureza.
um novo efeito, uma nova revolução, que veio para Desta nova perspectiva irá emergir a principal questão
exercer um novo efeito dramático. filosófica da era moderna, o chamado problema do
No entanto qualquer narrativa sobre o inicio da conhecimento. De modo geral podemos dizer que o
filosofia moderna somente será adequada se explicar problema do conhecimento desenvolve-se em três
dois aspectos fundamentais desse período: a vertentes: 1 - teoria do conhecimento: que estuda a
diminuição do poder da igreja e a ascensão do natureza do conhecimento em geral; 2 - epistemologia:
conhecimento científico. Alem disso, com relação aos que estuda a natureza e fundamentação do
períodos citados anteriormente, mesmo que exista conhecimento científico; 3 - metodologia científica:
controvérsia, os especialistas comumente denominam trata dos processos lógicos de aquisição do
de moderno o que se desenvolve na Europa a partir conhecimento científico.
do século XVII, elegendo o inglês Francis Bacon (1561 A teoria do conhecimento tem por objetivo buscar a
– 1626) por sua inovadora teoria filosófica, o fundador origem, a natureza, o valor e os limites do
da metodologia moderna para investigação e a conhecimento, da faculdade de conhecer. A
interpretação da natureza. Fica claro então, que não se necessidade de procurar explicar o mundo dando-lhe
trata de uma formação homogênea o que diz respeito à um sentido e descobrindo-lhe as leis ocultas é tão
era moderna da filosofia, trata-se de um emaranhado antiga como o próprio Homem, que tem recorrido para
de fatores, acontecimentos históricos e pensadores a isso quer ao auxílio da magia, do mito e da religião,
contribuir como esse fértil momento da historia da quer, mais recentemente, à contribuição da ciência e
humanidade. da tecnologia. Mas é, sobretudo nos últimos séculos da
Essa fase reúne diversas descobertas nossa História, que se tem dado a importância
científicas (nos campos da astronomia, ciências crescente aos domínios do conhecimento e da ciência.
naturais, matemática, física, etc.) o que deu lugar ao E se é certo que a preocupação com este tipo de
pensamento antropocêntrico (homem no centro do questões remonta já à Grécia antiga, é, porém a partir
mundo). Assim, esse período esteve marcado pela do séc. XVIII que a palavra ciência adquire um sentido
revolução do pensamento filosófico e científico. Isso mais preciso e mais próximo daquele que hoje lhe
porque deixou de lado as explicações religiosas do damos.
medievo e criou novos métodos de investigação É também, sobretudo a partir desta época que as
científica. Nesse momento, o humanismo tem um implicações da atividade científica na nossa vida
papel centralizador oferecendo uma posição mais ativa quotidiana se têm tornado tão evidentes, que não lhe
do ser humano na sociedade. Ou seja, como um ser podemos ficar indiferentes. O que é o conhecimento
pensante e com maior liberdade de escolha. científico, como se adquire, o que temos implícito
quando dizemos que conhecemos determinado
Mudanças no pensamento que determinaram o assunto, em que consiste a prática científica, que
início da modernidade: relação existe entre o conhecimento científico e o
mundo real, quais as consequências práticas e éticas
- O Surgimento do sujeito do conhecimento. A das descobertas científicas, são alguns dos problemas
Filosofia começa indagando qual é a capacidade do com que nos deparamos frequentemente.
intelecto humano de conhecer; começa pela reflexão A teoria do conhecimento se interessa pela
do pensamento sobre si mesmo, para conhecer sua investigação da natureza, fontes e validade do
capacidade de conhecer. O Sujeito do Conhecimento é conhecimento. Entre as questões principais que ela
um intelecto no interior de uma alma. tenta responder estão as seguintes. O que é o
- Objeto do conhecimento. As coisas exteriores: a conhecimento? Como nós o alcançamos? Podemos
Natureza, a vida social e política, podem ser conseguir meios para defendê-lo contra o desafio
conhecidas como representação, ou seja, ideias ou cético? Essas questões são, implicitamente, tão velhas
conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento. quanto à filosofia. Mas, primordialmente na era

31
moderna, a partir do século XVII em diante – como três, as linhas empíricas, sendo elas: a integral, a
resultado do trabalho de grandes filósofos e que moderada e a científica.
teremos respostas bem satisfatórias quanto ao tema No entanto, mesmo com estas vertentes pode -
do conhecer humano. Três grandes correntes se se compreender o empirismo como uma teoria única
apresentarão como as principais expoentes da que ao contrário do racionalismo, (que explicava o
teoria do conhecimento. conhecimento humano a partir do conhecimento
individual de ideias inatas que se originava em ultima
análise da razão) pretendia dar uma explicação do
Racionalismo conhecimento a partir da experiência, eliminando
assim a noção de ideias inatas, considerada obscuras
É a corrente que assevera o papel e problemáticas. Para os empiristas, todo o nosso
preponderante da razão no processo cognoscitivo, conhecimento provém de nossa percepção do mundo
pois, os fatos não são fontes de todos os exterior, ou do exame da atividade de nossa própria
conhecimentos e não nos oferecem condições de mente. Eis um de seus lemas: “nada está no
“certeza”. Um dos grandes representantes do intelecto que não tenha estado antes nos
racionalismo, Gottfried Leibniz afirma em sua obra sentidos”. É a partir dos dados de nossa sensibilidade
Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano, que (os cinco sentidos humanos) que o entendimento
nem todas as verdades são verdades de fato; ao lado produz por um processo de associação e combinação
delas, existem as verdades de razão, que são aquelas as ideias. Quanto mais próximo da impressão sensível
inerentes ao próprio pensamento humano e dotadas de que a causou, mais real (nítida e precisa) é a ideia;
universalidade e certeza (como por exemplo, os quanto mais distante, menos real. O principal
princípios de identidade e de razão suficiente), representante empirista é o filósofo David Hume.
enquanto as verdades de fato são contingentes e
particulares, implicando sempre a possibilidade de Criticismo.
correção, sendo válidas dentro de limites
determinados. O criticismo é o estudo metódico prévio do ato
Ainda retratando o pensamento racionalista, de conhecer e dos modos de conhecimento, ou seja,
encontramos René Descartes, adepto do inatismo, uma disposição metódica do espírito no sentido de
considerado o principal representante racionalista, situar, preliminarmente o problema do conhecimento
que afirma que somos todos possuidores, enquanto em função da relação “sujeito-objeto”, indagando as
seres pensantes, de uma série de princípios evidentes, suas condições e pressupostos. Ele aceita e recusa
ideias natas, que servem de fundamento lógico a todos certas afirmações do empirismo e racionalismo, por
os elementos com que nos enriquecem a percepção e isso, muitos autores acreditam em sua autonomia.
a representação, ou seja, para ele, o racionalismo se Entretanto, devemos entender tal posição como uma
preocupa com a ideia fundante que a razão por si análise crítica e profunda dos pressupostos do
mesma logra atingir. Esses dois pensadores podem conhecimento. Seu maior representante, Immanuel
ser classificados como representantes do racionalismo Kant, tem como marca a determinação a priori das
ontológico, que consiste em entender a realidade como condições lógicas das ciências. Ele declara que o
racional, ou em racionalizar o real, de maneira que a conhecimento não pode prescindir da experiência, a
explicação conceitual mais simples se tenha em conta qual fornece o material cognoscível e nesse ponto
da mais simples e segura explicação da realidade. coincide com o empirismo. Porém, sustenta também
que o conhecimento de base empírica não pode
Empirismo prescindir de elementos racionais, tanto que só adquire
validade universal quando os dados sensoriais são
“O empirismo pode ser definido como a ordenados pela razão. Segundo palavras do próprio
asserção de que todo conhecimento é baseado na autor, “os conceitos sem as intuições são vazios; as
experiência.” (Bertrand Russell). Conceitua-se intuições sem os conceitos são cegas”. Para ele, o
empirismo, como a corrente de pensamento que conhecimento é sempre uma subordinação do real à
sustenta que a experiência sensorial é a origem única medida do humano. Conclui-se então, que pela ótica
ou fundamental do conhecimento. do criticismo, o conhecimento implica sempre numa
Originário da Grécia Antiga, o empirismo foi contribuição positiva e construtora por parte do sujeito
reformulado através do tempo na Idade Média e cognoscente em razão de algo que está no espírito,
Moderna, assumindo várias manifestações e atitudes, anteriormente à experiência do ponto de vista
tornando-se notável as distinções e divergências gnosiológico.
existentes. Porém, é notório que existem
características fundamentais, sem as quais se perde a  Principais Filósofos Modernos
essência do empirismo e a qual, todos os autores
conservam que é a tese de que todo e qualquer Michel de Montaigne (1523-1592)
conhecimento sintético haure sua origem na Inspirado no epicurismo, estoicismo, humanismo e
experiência e só é válido quando verificado por fatos ceticismo, Montaigne foi um filósofo, escritor e
metodicamente observados, ou se reduz a verdades já humanista francês. Trabalhou com temas da essência
fundadas no processo de pesquisa dos dados do real, humana, moral e política. Foi o criador do gênero textual
embora, sua validade lógica possa transcender o plano ensaio pessoal quando publicou sua obra “Ensaios”, em
dos fatos observados. Como já foi dito anteriormente, 1580.
existe no empirismo divergência de pensamentos. São Nicolau Maquiavel (1469-1527)

32
Considerado “Pai do Pensamento Político Moderno”, político denominado de “Leviatã” (1651), mencionando a
Maquiavel foi filósofo e político italiano do período do teoria do “contrato social” (existência de um soberano).
Renascimento. Ele introduziu princípios morais e éticos
para a Política. Separou a política da ética, teoria John Locke (1632-1704)
analisada em sua obra mais emblemática “O Príncipe”, Filósofo inglês empirista, Locke foi precursor de
publicada postumamente em 1532. muitas ideias liberais criticando assim, o absolutismo
monárquico. Segundo ele, todo o conhecimento era
Jean Bodin (1530-1596) proveniente da experiência. Com isso, o pensamento
Filósofo e jurista francês, Bodin contribuiu para a humano estaria pautado nas ideias de sensações e
evolução do pensamento político moderno. Sua "teoria reflexão onde a mente seria uma "tábula rasa" no
do direito divino dos reis", foi analisada em sua obra “A momento do nascimento. Assim, as ideias são
República”. Segundo ele, o poder político estava adquiridas ao longo da vida a partir de nossas
concentrado numa só figura que representa a imagem de experiências.
Deus na Terra, baseada nos preceitos da monarquia.
David Hume (1711-1776)
Francis Bacon (1561-1626) Filósofo e diplomata escocês, Hume seguia a linha
Filósofo e político britânico, Bacon colaborou com a empirista e do ceticismo. Criticou o racionalismo
criação de um novo método científico. Assim, é dogmático e o raciocínio indutivo, analisados em sua
considerado um dos fundadores do "método indutivo de obra “Investigação Acerca do Entendimento Humano”.
investigação científica", baseado nas observações dos Nessa obra, ele defende a ideia do desenvolvimento do
fenômenos naturais. Além disso, apresentou a “teoria conhecimento a partir da experiência sensível, donde as
dos ídolos” em sua obra “Novum Organum”, que, percepções estariam divididas em: impressões
segundo ele, alteravam o pensamento humano bem (associadas aos sentidos); ideias (representações
como prejudicava o avanço da ciência. mentais resultantes das impressões).

Galileu Galilei (1564-1642) Montesquieu (1689-1755)


“Pai da Física e da Ciência Moderna”, Galileu foi um Filósofo e jurista francês do iluminismo,
astrônomo, físico e matemático italiano. Colaborou com Montesquieu foi um defensor da democracia e crítico do
diversas descobertas científicas na sua época. Grande absolutismo e do catolicismo. Sua maior contribuição
parte esteve baseada na teoria heliocêntrica de Nicolau teórica foi a separação dos poderes estatais em três
Copérnico (a Terra gira em torno do sol), contrariando poderes (poder executivo, poder legislativo e poder
assim, os dogmas expostos pela Igreja Católica. judiciário). Essa teoria foi formulada em sua obra O
Ademais, foi criador do “método matemático Espírito das Leis (1748). Segundo ele, essa
experimental”, o qual está baseado na observação dos caracterização protegeria as liberdades individuais, ao
fenômenos naturais, experimentações e valorização da mesmo tempo em que evitaria abusos dos governantes.
matemática.
Voltaire (1694-1778)
René Descartes (1596-1650) Filósofo, poeta, dramaturgo e historiador francês foi
Filósofo e matemático francês, Descartes é um dos mais importantes pensadores do Iluminismo,
reconhecido por uma de suas célebres frases: “Penso, movimento baseado na razão. Defendeu a monarquia
logo existo”. Foi criador do pensamento cartesiano, governada por um soberano esclarecido e a liberdade
sistema filosófico que deu origem à Filosofia Moderna. individual e de pensamento, ao mesmo tempo em que
Esse tema foi analisado em sua obra “O Discurso sobre criticou a intolerância religiosa e o clero. Segundo ele, a
o Método”, um tratado filosófico e matemático, publicado existência de Deus seria uma necessidade social e,
em 1637. portanto, se não fosse possível confirmar sua existência,
teríamos de inventá-lo.
Baruch Espinosa (1632-1677)
Filósofo holandês, Espinosa baseou suas teorias Denis Diderot (1713-1784)
num racionalismo radical. Criticou e combateu as Filósofo e enciclopedista do iluminismo francês, ao
superstições (religiosa, política e filosófica) que, lado de Jean le Rond D’Alembert (1717-1783), ele
segundo ele, estariam pautadas na imaginação. A partir organizou a “Enciclopédia”. Essa obra de 33 volumes
disso, o filósofo acreditava na racionalidade de um Deus reunia os conhecimentos de diversas áreas. Contou com
transcendental e imanente identificado com a natureza, o a colaboração de diversos pensadores, tal qual
qual fora analisado em sua obra “Ética”. Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Essa publicação foi
primordial para a expansão do pensamento moderno
Blaise Pascal (1623-1662) burguês da época e dos ideais iluministas.
Filósofo e matemático francês, Pascal contribuiu
com estudos pautados na busca da verdade, refletidos Rousseau (1712-1778)
na tragédia humana. Segundo ele, a razão não seria o fim Jean-Jacques Rousseau foi um filósofo social e
ideal para provar a existência de Deus, uma vez que o escritor suíço e uma das mais importantes figuras do
ser humano é impotente e está limitado às aparências. movimento iluminista. Foi um defensor da liberdade e
Em sua obra “Pensamentos”, apresenta suas principais crítico do racionalismo. Na área da filosofia investigou
indagações acerca da existência de um Deus baseado no temas acerca das instituições sociais e políticas. Suas
racionalismo. obras mais destacadas são: “Discurso sobre a origem e
os fundamentos das desigualdades entre os homens”
Thomas Hobbes (1588-1679) (1755) e “Contrato Social” (1972).
Filósofo e teórico político inglês, Hobbes buscou
analisar as causas e propriedades das coisas, deixando Adam Smith (1723-1790)
de lado a metafísica (essência do ser). Baseado nos Filósofo e economista escocês, Smith foi o principal
conceitos do materialismo, mecanicismo e empirismo, teórico do liberalismo econômico, criticando assim o
desenvolveu sua teoria. Nela, a realidade é explicada sistema mercantilista. Sua obra mais emblemática é o
pelo corpo (matéria) e por seus movimentos (aliados à “Ensaio sobre a riqueza das nações”. Aqui, ele defende
matemática). Sua obra mais emblemática é um tratado uma economia baseada na lei da oferta e procura, o que

33
resultaria na autorregulação do mercado e mente. Os ídolos podem ser de quatro gêneros: os
consequentemente, supriria as necessidades sociais. ídolos da tribo, os ídolos da caverna, os ídolos do foro
e os ídolos do teatro.
Immanuel Kant (1724-1804)
Filósofo alemão iluminista, Kant buscou explicar os
tipos de juízos e conhecimento desenvolvendo um
a) Os ídolos da tribo estão fundados na própria
“exame crítico da razão”. Em sua obra “Crítica da razão natureza humana, na própria tribo ou espécie humana.
pura” (1781) ele apresenta duas formas que levam ao O intelecto humano é semelhante a um espelho que
conhecimento: o conhecimento empírico (a posteriori) e reflete desigualmente os raios das coisas e, dessa
o conhecimento puro (a priori). Além dessa obra, merece forma, as distorce e corrompe. Assim sendo, os ídolos
destaque a “Crítica da razão prática” (1788). Em resumo, da tribo referem-se às noções fundadas na tendência
na filosofia Kantiana, o conhecimento seria resultado da do intelecto humano de misturar a própria natureza
sensibilidade e do entendimento. com a natureza das coisas que observa. Por isso, ele
não as conhece verdadeiramente.
 A Teoria de Francis Bacon
b) Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto
Texto de Wigvan Pereira indivíduos. Pois cada um – além das aberrações
Para o filósofo Francis Bacon a ciência era uma próprias da natureza humana em geral – tem uma
técnica e os conhecimentos científicos deveriam ser caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz
considerados instrumentos práticos de controle da da natureza: seja devido à educação ou conversação
natureza. Ele pretendia demonstrar sua grande com os outros; seja pela leitura dos livros ou pela
preocupação com os conhecimentos científicos na vida autoridade daqueles que se respeitam e admiram. De
prática. A ciência deveria valorizar a pesquisa acordo com essa ideia, os ídolos da caverna são
experimental baseada na corrente empirista. aqueles que derivam da pessoa que está fazendo a
Se os filósofos antigos estavam certos em análise, da sua natureza singular, formada pelas suas
colocar a natureza como ponto central em suas características mais fundamentais e também por
preocupações teóricas, segundo Bacon, eles falharam hábitos cultivados, pela educação que recebeu ou
por não terem aplicado um método adequado que os pelas pessoas com quem conviveu.
possibilitasse a construção de um conhecimento mais
sólido do que o conhecimento que a mente humana, c) Há também os ídolos provenientes, de certa forma,
em suas palavras, “errática” e “desordenada”, era do intercurso e da associação recíproca dos indivíduos
capaz de construir por si mesma. A mente humana só do gênero humano entre si, a que chamamos de
pode ser ordenada por um conjunto de regras e, ídolos do foro devido ao comércio e consórcio entre
apenas após essa ordenação, é que podemos obter os homens. Com efeito, os homens se associam
conhecimento. O método que Bacon elaborou partiu da graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo
crítica do método de indução “vulgar” que, segundo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e
ele, fora desenvolvido por Aristóteles. Nessa forma de inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto. Assim,
indução, também conhecida como indução os ídolos do foro são aqueles formados a partir da
enumerativa, uma conclusão era elaborada a partir de linguagem, das palavras que, segundo Bacon, não são
um exemplo particular e aplicada de forma geral a dominadas pela razão humana, como acreditamos. As
outros casos. palavras exercem grande impacto sobre a razão. Os
A primeira diferença é que Bacon pretendia ídolos que penetram no intelecto por meio das palavras
com seu método examinar as coisas a partir de muitos podem ser: aqueles que atribuem nomes a coisas
exemplos e considerando os casos em que a inexistentes, fazendo parecer que são reais (ex. Sorte),
conclusão não comprovaria a hipótese. A segunda e também aqueles que atribuem nomes confusos e
diferença é que, pelo seu método, Bacon não passaria indeterminados a coisas que existem formados a partir
com tanta pressa do particular para o geral, buscando de abstrações impróprias delas.
uma ordenação entre aquilo que formulou a partir dos
dados dos sentidos. O progresso do particular ao geral d) Há, por fim, ídolos que migram para o espírito dos
seria metódico e seguro para não correr riscos de homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e
afirmar proposições que não poderiam ser também pelas regras viciosas da demonstração. São
consideradas válidas depois de um exame mais atento. os ídolos do teatro: por parecer que as filosofias
Por fim, a indução proposta por Bacon é denominada adotadas ou inventadas são outras tantas fábulas,
eliminativa, ela procura por causas e, assim, por meio produzidas e representadas, que figuram mundos
dela, pode-se demonstrar alguma teoria e descobrir fictícios e teatrais. Os ídolos do teatro são os derivados
novas. A indução enumerativa, não, justamente por de doutrinas filosóficas e suas demonstrações que
tirar conclusões sem analisar os fatos de forma segura. convencem o intelecto de ideias que não podem ser
validadas. Para Bacon, há três tipos de ídolos do
A teoria dos ídolos teatro: Os ídolos sofistas, os ídolos empíricos e os
ídolos supersticiosos. Os primeiros são as conclusões
O método indutivo foi criado por Bacon a fim baseadas em experiências que não foram provadas; os
de combater os erros provocados pelos ídolos, que, segundos se referem às conclusões tiradas de poucos
dentro da filosofia desse pensador, representam falsas experimentos sobre os quais se constroem sistemas
noções, preconceitos e maus hábitos mentais. Bacon filosóficos; os terceiros são as conclusões formadas
formulou a Teoria dos Ídolos para deixar o homem como um amálgama entre filosofia, teologia e
consciente das falsas noções que congestionam sua tradições.

34
RENÉ DESCARTES (1596 – 1650) Desse modo, a filosofia é como uma árvore cujas
raízes são metafísicas, o tronco é a física e os ramos
Filosofo francês do século XVI, Descartes era filho que daí sai são todas as outras ciências.
de família nobre e ficou órfão de mãe aos oito anos de
idade. Desde criança foi um excelente aluno, termina o
secundário em 1612, contente com seus mestres, mas
descontente consigo mesmo, pois, não havia
descoberto a verdade que tanto procurava nos livros,
por isso, decide procurá-la no mundo. Em 1618, entra
em contato com a nova física copernicana. Para evitar
problemas com a inquisição, vai para a Holanda em
1629, e dedica-se ao estudo da matemática e da física.
A partir de 1637, retorna ao estudo da filosofia.
Seus livros mais acessíveis, dentre a vasta obra
que ele deixou são: O discurso sobre o método e As
meditações metafísicas. Todos os seus livros foram
proibidos e colocados no INDEX (índice de livros
proibidos pela igreja católica em 1662), apesar de não
representarem tanta subversão quanto os de Galileu.
Buscando uma fundamentação metodológica para a
ciência; métodos estes que deverão ser o eixo básico e
seguro das investigações, René Descartes convence-
se de que isso somente será possível através de uma
crítica radical ao modelo tradicional de ciência. A partir
desta constatação, o filósofo decide formular as regras
do método, tendo, sobretudo presente o procedimento
matemático. Contudo, procura fundar mediante uma
investigação cientifica, o valor absoluto e universal do
método; demonstrar a fecundidade do método nos
vários ramos do saber. Tal foi a sua tarefa. A ideia
principal da filosofia de Descartes era encontrar para
ciência um principio absolutamente verdadeiro, que
não deixe nenhuma dúvida. Portanto, para se fundar
na certeza, o conhecimento deve começar pela busca
de princípios absolutamente seguros, e para isso deve-
se propor um caminho da qual não cometa erros. A Dúvida sistemática - Hiperbólica
Assim, ele começa por estabelecer princípios básicos
da qual deve se alicerçar toda sua filosofia. Segundo René Descartes, a certeza só poderá ser
Gostaria de explicar, aqui, a ordem que, parece-me, alcançada se antes colocarmos todas as coisas em
devemos seguir para que nos instruamos. dúvida. Dúvida esta que é metódica, voluntária,
Principalmente, o homem, que ainda só possui provisória e sistemática. Devemos rejeitar os dados
conhecimento vulgar e imperfeito, deve, antes de tudo, dos sentidos, pois eles nos enganam; devemos
encarregar-se de formar uma moral que seja suficiente também rejeitar os raciocínios que por vezes nos
para ordenar as ações da vida, porque isso não deve induzem aos erros. Nessa perspectiva, Descartes
ser adiado e porque devemos procurar viver bem. Em critica tudo aquilo que aprendeu na escola. Porque não
seguida, também deve estudar lógica, não a da Escola repousava em fundamentos ou princípios sólidos. Pelo
(...), mas aquela que ensina a bem conduzir a razão na contrário, limitava-se a propor conhecimentos apenas
descoberta das verdades que se ignoram (...). È bom verossímeis, admissíveis, quer dizer, só
que ele se exercite por muito tempo, na prática de aparentemente verdadeiros; sem fornecer nenhuma
regras pertinentes a questões fáceis e simples como certeza. A duvida cartesiana é hiperbólica porque
as da matemática. Só depois, quando já tiver adquirido atinge um nível de radicalidade ainda impensável para
o hábito de encontrar a verdade nessas questões, o tempo de Descartes, era uma duvida usada apenas
deve começar a aplicar-se à verdadeira filosofia. como ferramenta filosófica, pois, “nenhuma pessoa sã
já duvidou seriamente dessas coisas.” O filósofo
A primeira parte é a metafísica, que contém os francês passou a duvidar de certezas até então
princípios do conhecimento, entre os quais está a indiscutíveis, como a existência de si próprio, passou a
explicação dos principais atributos de Deus, da cogitar a hipótese de toda a vida humana ser um
imaterialidade de nossas almas e de todas as noções sonho. Duvidou da existência de Deus, ou pensou na
claras e simples que estão em nós. possibilidade de sua existência não como um ser
bondoso, mas sim maligno e enganador que apenas
A segunda é a física, na qual, após ter encontrados brinca com nossas vidas como se fossemos fantoches.
os verdadeiros princípios das coisas materiais, Mas a dúvida cartesiana não é tal como a dos
examinamos em geral como o universo é composto. céticos, que não acreditam na possibilidade do
conhecimento humano atingir a verdade. O objetivo da
dúvida cartesiana é encontrar uma primeira verdade,

35
impondo-se com absoluta certeza. É com essa mecanismo. Se Deus existe, não pode me enganar,
proposta que ele chega a conclusão que, de todas as porque é perfeito. Portanto minhas percepções não
suas dúvidas, três fatores ele não poderia negar: constituem ficções, elas vêm dos objetos do mundo
exterior. Contudo, estou ligado a um corpo. Por isso, o
- A existência de um EU pensante; conhecimento que tenho do mundo exterior é confuso,
- Deus como criador das coisas; posto que venha dos sentidos: vejo sua cor, sua forma,
- E da existência do mundo. seu volume, qualidade que não constituem sua
essência. O mundo exterior existe e é conforme nós o
O Cógito sentimos e intuímos.

Após duvidar de tudo, descobre a primeira certeza,  As Regras do Método


a primeira verdade: o “cogito, ergo sum” – “penso,
logo existo”. Logo em seguida, adverti que enquanto Após a dúvida, desconstruindo assim todo o falso
eu queria pensar que tudo era falso, cumpri conhecimento, o segundo passo agora é estabelecer
necessariamente que eu que pensava, era alguma regras para construir um novo conhecimento, esse sim,
coisa. E, notando que esta verdade (logo existo) era ideal na formulação de uma ciência certa e segura.
certa e inabalável, resolvi aceitá-la como o 1ª principio Esse novo passo motivou Descartes a buscar um
da filosofia que procurava. O cogito é uma verdade método filosófico que assegurasse ao indivíduo
indubitável através da qual, Descartes propõe alcançar a verdade. Tal método deveria se basear
fundamentar sua filosofia. A conclusão de que o sujeito numa certeza fundamental, a exemplo daquelas
se constitui como sendo uma coisa pensante, é a encontradas na matemática, isenta de qualquer erro, e
primeira e a mais segura de todas as verdades que se que não fosse ele originado dos sentidos ou de algum
apresentam, ordenadamente, na filosofia. É, segundo o gênio enganador.
filósofo francês, o primeiro juízo existencial, é também Regras certas e fáceis, graças às quais todos
o mais seguro. Ou seja, mesmo que esteja dormindo e aqueles que a observam corretamente jamais suporão
sonhando em algum lugar, ou que seja um boneco de verdadeiro aquilo que é falso e chegará sem esforços,
Deus maligno, vale ressaltar que de certa forma o ao conhecimento verdadeiro de tudo o que pode
homem esta pensando, se pensa, existe de alguma atingir. Para procurar a verdade nas ciências, não se
forma! Concluído acerca das verdades pertinentes ao deve caminhar ao acaso, mas buscar um caminho
sujeito, Descartes procurou fundamentar as verdades seguro, certo, quer dizer um método. Um bom método
exteriores a este mesmo sujeito. Procurando provar, nos permite conhecer o maior numero possível de
através de sua filosofia racionalista, a existência de um coisas e isso com menor número de regras. Portanto,
Criador Absoluto, de onde tudo o que possui existência René Descartes pretende estabelecer um método
efetiva no mundo foi criado. Ou seja, ele busca provar universal inspirado no rigor da matemática e no
que o homem não está sozinho no mundo, mas que, encadeamento racional. Para isso, elabora quatro
ao contrário, o sujeito somente é um sujeito no mundo. regras fundamentais, que ele denominou regras do
O exame de minhas ideias, dizia Descartes, leva a método.
afirmar a existência de Deus que é quem garante as a) Regra da Evidência: Jamais admitir coisa alguma
verdades matemáticas, permitindo-nos, por suas como verdadeira se não a reconheço evidentemente
aplicações práticas, agir sobre o mundo. Assim, essa como tal; a não ser que se imponha a mim evidente, de
é a segunda verdade cartesiana – a existência de modo claro e distinto, não me permitindo a
Deus. A primeira verdade dizia: eu penso. Mas eu não possibilidade de duvida. É preciso evitar a precipitação
só. Descartes prova a existência de Deus com o e só aceitar o que não posso duvidar.
argumento do ser perfeito. Existe um ser que possui b) Regra da Análise: Dividir cada uma das
em si todas as perfeições; ora, não é o homem, assim, dificuldades em tantas parcelas quantas forem
a simples existência de uma perfeição, prova a possíveis, a fim de melhorar meu entendimento das
existência de Deus. Nosso pensamento é imperfeito, coisas.
mas somente pode ter sido criado por um ser perfeito c) Regra da Síntese: Concluir por ordem meus
que é Deus. Deus sendo perfeito não pode querer nos pensamentos, começando pelos mais simples, para
enganar em relação às nossas sensações e se as aos poucos chegar aos mais complexos. É importante
nossas sensações também são verdadeiras, A alma, destacar que quando se fala em simples não significa
ao pensar, reconhece que ela própria não pode ser a fácil, mas ideias que não são compostas.
causa de Deus, porque, finita, não lhe é possível ser a d) Regra do Desmembramento ou Revisão: Para
causa de uma ideia infinita. Logo, se a alma contém cada caso fazer enumerações, as mais exatas
essa ideia é porque ela se encontrava inata dentro de possíveis, a ponto de estar certo de nada ter omitido.
nós. Para Descartes, Deus é a garantia da realidade
do mundo, comprovada pelos nossos sentidos. O Racionalismo Cartesiano
A terceira verdade cartesiana é a existência do
mundo: (campo de atuação das ideias colocadas em No século XVII, o racionalismo pode ser
mim por um Deus criador). O mundo material, sobre o definido como a doutrina que, por oposição ao
qual versa nosso conhecimento, é despojado de toda ceticismo, atribui à Razão humana a capacidade
realidade própria. A natureza não possui profundidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a Verdade; por
nem finalismo. Ela é criada a cada instante por Deus. oposição ao empirismo, considera a Razão como
Enquanto tal é oferecida ao conhecimento e à independente da experiência sensível, posto ser ela,
atividade técnica do homem. O corpo se explica pelo inata, imutável e igual em todos os homens;

36
contrariamente ao misticismo, rejeita toda e qualquer apenas da luz da razão e que, sendo mais simples é
intervenção dos sentimentos e das emoções, pois, no mais seguro que a própria dedução.
domínio do conhecimento, a única autoridade é a da →Tese central dos inatistas: se não possuímos em
Razão. Assim, René Descartes se tornou o mais nosso espírito a verdade, nunca teremos como saber
importante e principal teórico racionalista. Fervoroso se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é,
defensor de que o conhecimento é inato, Descartes nunca saberemos se uma ideia corresponde ou não a
conclui que o homem constrói seu conhecimento a realidade à que ela se refere, logo, não se terá um
partir de três tipos de ideias. critério seguro para avaliar nossos conhecimentos.
____________________________________________
 Os três Tipos de Ideias
DAVID HUME (1711 – 1776)
As ideias Adventícias, que nós mesmos formarmos a
partir do mundo exterior. (advindas de fora): são Filosofo empirista inglês do século XVIII, David
aquelas que se originam de nossas sensações, Hume escreveu sua principal obra filosófica aos 26
percepções, lembranças; são ideias que nos vêm por anos de idade, durante um tratamento de saúde na
termos tido a experiência sensorial ou sensível das França: Tratado da Natureza Humana. Hume é
coisas que se referem. Elas podem ou não serem considerado o principal filósofo empirista, sua tese
verdadeiras partindo da teoria do conhecimento, mostrou que o
As ideias Fictícias, feitas e inventadas pela sujeito do conhecimento opera associando sensações,
imaginação; são aquelas que criamos em nossa e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos e
fantasia, compondo seres inexistentes com pedaços ou retidas na memória. As ideias nada mais são do que
partes de ideias adventícias que estão em nossa hábitos mentais de associação de impressões
memória. Essas ideias nunca são verdadeiras, pois semelhantes ou de impressões sucessivas.
não correspondem a nada que exista realmente e
sabemos também que foram inventadas. Impressões e Ideias
As ideias INATAS nos são dadas por Deus. São as
ideias da razão, essas ideias são claras e distintas e Segundo Hume, o conhecimento é constituído por
constituem os elementos necessários ao conhecimento percepções, estas são as impressões e ideias. As
das leis da natureza. Formam o fundamento da impressões englobam as sensações, as emoções e as
ciência. Podemos conhecê-las por reflexão, ou seja, paixões. Elas possuem um elevado grau de força e
voltando sobre nós mesmos. São inteiramente vivacidade, porque correspondem a uma experiência
racionais e só podem existir porque nascemos com presente ou atual. As impressões constituem a base, a
elas, ou melhor, é resultado exclusivo da capacidade origem, o ponto de partida dos conhecimentos. As
de pensar. Por exemplo, a ideias matemáticas que ideias são as representações ou imagens das
podem trabalhar com a ideia do quiliógono (figura de impressões no pensamento. Ainda correspondem as
mil lados), onde jamais teremos a percepção de uma memórias ou imagens enfraquecidas das impressões
figura de mil lados. Essas ideias, diz Descartes, é a no pensamento. Elas são menos vivas e intensas do
“assinatura do Criador” no espírito das criaturas que as impressões, já que estas são a causa das
racionais. A razão é a luz natural inata que nos permite ideias. Não pode existir ideia sem uma impressão
conhecer a verdade. Como as ideias inatas são prévia. Não há conhecimento fora dos limites impostos
colocadas em nosso espírito por Deus, será sempre pelas impressões.
verdadeira, ou seja, são ideias puras da razão.
• Impressões: percepções mais fortes e mais vivazes:
Separação Mente e Corpo • Sensações: ouvir, ver, tocar, cheirar, degustar.
• Emoções: amar, odiar.
René Descartes divide matéria de pensamento, • Paixões: desejar, querer.
para ele o pensamento, ou a substância pensante • Fonte de todo conhecimento: IMPRESSÕES (a
independe e é separada da matéria. A nossa validade das ideias é determinada a partir das
consciência individual é separada do corpo e continua impressões que lhes deram origem.).
a existir mesmo sem o corpo. Nós somos um
marinheiro navegando no mundo através do nosso • Ideias: percepções menos fortes e menos vivazes
corpo que é o navio, mas estamos ligados ao corpo de (lembrança, imaginação).
uma forma estreita, formando um todo com ele. A • Não existem ideias inatas.
relação entre nossa consciência e nosso corpo se dá
através da glândula pineal, que é a sede da nossa
alma. Corpo a alma assim se misturam, mas não ao
ponto que não seja possível distinguir uma da outra.
Nesta relação podemos diferenciar algumas operações
que pertencem somente ao corpo e outras que são
específicas da alma. A alma busca o conhecimento da
verdade, o corpo é responsável pelas sensações.

→ Intuição: conhecimento direto e imediato, é ela que


nos permite aceitar a coisa como verdadeira;
concepção de um espírito puro e atento que nasce

37
.
Doutrina da Causalidade
A Origem das Idéias Partindo dessa concepção da origem das ideias e
(Critério de classificação: força e vivacidade). do conhecimento, Hume, o mais radical dos empiristas,
chegará a negar validade universal ao princípio de
_ Sensações. causalidade e á noção de necessidade a ele
associada. A causalidade não seria, assim, uma
- IMPRESSÕES: _ Emoções. propriedade do real, mas simplesmente o resultado de
(fortes e vivazes) _ Paixões. nossa forma habitual de perceber fenômenos,
relacionando-os como causa e efeito, a partir de sua
repetição constante. Portanto, o conhecimento (apenas
• PERCEPÇÕES (Originais) provável e não necessário) da relação entre causa e
efeito nasceria simplesmente da experiência e não a
(Cópias) priori - da razão. Então o que é a ideia de causalidade?
O mero hábito que nossa mente adquire de
estabelecer relações de causa e efeito entre
- PENSAMENTOS _ Lembranças. percepções e impressões sucessivas, chamando as
ou IDÉIAS: anteriores de causas e as posteriores de efeitos. A
_ Imaginações.
repetição constante e regular de imagens ou
(fracos e menos vivazes) impressões sucessivas nos leva à crença de que há
uma causalidade real, externa, própria das coisas e
independente de nós. Então, devemos concluir que a
Se as impressões são a fonte de todo causalidade não seria, assim, uma propriedade do real,
conhecimento humano, inclusive os pensamentos; mas simplesmente o resultado de nossa forma habitual
como podemos pensar na existência de uma montanha de perceber fenômenos, relacionando-os como causa
de ouro, se não tenho a impressão dela? Estamos e efeito, a partir de sua repetição constante. Assim, o
apenas unindo a ideia de montanha com a ideia de que explica as questões de fato do mundo?
ouro. Dessa forma criamos uma ideia complexa. Para Hume a resposta encontra-se no hábito que o
Montanha e ouro são ideias simples, que vieram homem tem de associar um fato posterior a um
necessariamente de impressões simples; a junção anterior. O fato de um fenômeno ser sempre seguido
dessas duas ideias simples leva a formação da ideia por outro no tempo, faz com que os dois sejam
complexa de montanha de ouro. Assim, é evidente que relacionados como se houvesse conexão causal entre
nem toda ideia complexa vem direto de uma impressão eles, mas na verdade é apenas uma crença levada
complexa, como a montanha de ouro, já que ela não pelo hábito. Assim, causa e efeito, enquanto
existe, só a temos em mente por unir ideias simples, impressões sensíveis, não seriam mais que o anterior
essas sim provenientes de impressões simples. Com o e o posterior de uma sucessão temporal,
método da decomposição descobre-se a impressão transformados em elos de uma vinculação necessária.
que deriva a ideia, ou seja, decompondo a ideia de Isso ocorre subjetivamente e seu fundamento
montanha de ouro, chegamos às ideias de montanha e encontra-se no sentimento de crença, algo muito
ouro, que são simples, assim vamos chegar às diferente dos processos intelectuais e racionais de
impressões que tivemos de montanha e de ouro. inferência lógica. Quando se vê um copo cair, não se
Assim entende-se como podemos ter a ideia de algo deduz logicamente que ele vá quebrar; espera-se,
que não existe empiricamente porém, que isso aconteça e, sobretudo, acredita-se
firmemente que isso vá ocorrer em seguida. Hume
afirma que as inferências sobre as questões de fato

38
não se baseiam em processo racional, Seus IMMANUEL KANT (1724 – 1804)
fundamentos seriam, portanto, irracionais, pois a
crença que está na base de todo o conhecimento Immanuel Kant, filósofo alemão, crítico do século
natural não tem qualquer estruturação lógica. Conclui- XVIII, nascido em Königsberg (atual Kaliningrado), na
se que o fundamento das inferências sobre as altura pertencente à Prússia, grande cidade
questões de fato, esta no hábito (que advém da universitária da Alemanha e também centro comercial
repetida observação sensível de eventos sucessivos) muito ativo para onde afluíam homens de
que acaba por inferir a existência de um objeto (efeito), nacionalidade diversa, em 22 de Abril de 1724, teve
pelo aparecimento de outro (causa). uma vida longa e tranquila, dedicada ao ensino e à
• A crença (advinda do hábito) é a única hipótese investigação filosófica. Considerado o último grande
para o estabelecimento de leis gerais sobre o mundo. filósofo dos principais da era moderna, um
representante do iluminismo e indiscutivelmente um de
O SOL IRÁ NASCER AMANHA? seus pensadores mais influentes. Kant teve um grande
impacto no Romantismo alemão e nas filosofias
idealistas do século XIX, tendo esta sua faceta idealista
sido um ponto de partida para Hegel. Homem metódico
e de hábitos arraigados, lecionou durante quarenta
anos na universidade de Königsberg, apenas deixando
o magistério por problemas de saúde. Foi o quarto
dos nove filhos de Johann Georg Kant, um artesão
fabricante de correias (componente das carroças de
então) e de sua mulher Regina. Nascido numa família
protestante, teve uma educação austera numa escola
pietista, que frequentou graças à intervenção de um
pastor. Passou grande parte da juventude como
estudante, sólido mas não espetacular, preferindo o
bilhar ao estudo. Tinha a convicção curiosa de que uma
pessoa não podia ter uma direcção firme na vida
Vejo o sol nascer Adquiro o hábito enquanto não atingisse os 39 anos. Com essa idade
toda manhã. de esperar o sol era apenas um metafísico menor numa universidade
nascer toda prussiana, foi então que uma breve crise existencial o
manhã. assombrou, influenciando-o decisivamente.
Kant foi um respeitado e competente professor
universitário durante quase toda a sua vida, mas nada
do que fez antes dos 50 anos lhe garantiria qualquer
reputação histórica. Kant nunca deixou a Prússia e
Aprimoro isso no
julgamento “o sol nasce
raramente saiu da sua cidade natal. Apesar da
toda manhã”. reputação que ganhou, era considerado uma pessoa
muito sociável: recebia convidados para jantar com
regularidade, insistindo que a companhia era boa para
a sua constituição física.

Obras:

Esse julgamento não Em 1781 publicou o massivo "Crítica da Razão


pode ser uma verdade O julgamento não
pode ser empírico
Pura", um dos livros mais influentes da filosofia
lógica, pois é moderna. Nos cerca de vinte anos seguintes, até à sua
porque não posso
concebível que o sol
observar o nascer morte em 1804, a produção de Kant foi incessante. O
não nasça (ainda que
altamente improvável.).
futuro do sol. seu edifício da filosofia crítica foi completado com a
"Crítica da Razão Prática", que lidava com a
moralidade de forma similar ao modo que a primeira
"crítica" lidava com o conhecimento; e a "Crítica do
Julgamento", que lidava com os vários usos dos
nossos poderes mentais que nem conferem
conhecimento factual nem nos obrigam a agir. Uma de
suas obras, que em particular, atinge hoje em dia
Não tenho fundamento racional grande destaque entre os estudiosos da filosofia moral.
para minha crença, mas o hábito "A Fundamentação da Metafísica dos Costumes" é
me diz que ela é provável.
considerada por muitos filosofos a mais importante
obra já escrita sobre a moral. É nesta obra que o
filosofo delimita as funções da ação moralmente
fundamentada e apresenta conceitos como o
Imperativo Categórico e a Boa Vontade.
O HÁBITO É O GRANDE
GUIA DA VIDA!

39
 O Criticismo Kantiano entendimento. Somente está na sua possibilidade de
pensar, refletindo, portanto, uma espécie de limitação
(Texto de Marcelo Lorence Fraga) do conhecimento humano. O Fenômeno, segundo o
(Mestre em Filosofia PPGF/PUC RS) Pensador alemão, significa a imagem sensorial que se
Immanuel Kant (1724-1804) é um dos mais origina no sujeito cognoscente (aquele capaz de
importantes pensadores da História da Filosofia conhecer, apreender) sob a influência da coisa (do
Ocidental. No prefácio a uma de suas principais obras, ente, do objeto), na qual esta nos aparece na forma
a Crítica da Razão Pura, o Pensador alemão correspondente à capacidade de apreensão peculiar
demonstra que era central sua preocupação com a de nossos sentidos. Está relacionado ao espaço e ao
capacidade de entendimento humana e sobre como se tempo e, por ser uma impressão sensorial formada
dá o processo de conhecimento, tema que ficou com sujeição é, portanto, subjetiva. Todavia, o
conhecido mais tarde como teoria do conhecimento ou fenômeno, em Kant, distingue-se da mera ilusão,
epistemologia. A perspectiva de Kant sobre o assunto porque se refere essencialmente a uma representação
surge em um contexto onde o debate estava bastante subjetiva (com a participação do sujeito, portanto) da
aquecido. Coisa-em-si.
À época, duas linhas de pensamento discutiam A partir dessa distinção, Kant sustenta duas formas
entre si. Uma delas, formada basicamente pela visão básicas do ato de conhecer: o conhecimento
de Renê Descartes (1596-1650). Para o Pensador empírico (A POSTERIORI) e o conhecimento puro
francês, a razão era a única forma de conhecer, (A PRIORI). (Conceito 2) O conhecimento A POSTERIORI
apreender, reconhecer os objetos, as coisas e o (empírico) se refere às informações, aos dados
mundo. Na perspectiva adotada por Descartes, as fornecidos pelos sentidos e é, portanto, posterior à
percepções sensoriais eram a grande fonte de experiência (a posteriori). Exemplo: aquela árvore
equívocos do conhecimento, pois podiam “iludir”, possui galhos e folhas. O conhecimento empírico para
“enganar” a razão. Assim, segundo o Filósofo, todo o Kant depende, pois, da percepção (sensibilidade)
conhecimento possui uma base exclusivamente humana. Já o conhecimento a priori (puro) é aquele
racional. Esta visão tornou-se conhecida como que independe de qualquer dado proveniente dos
Racionalismo. sentidos. É então anterior à experiência (a priori).
A outra perspectiva foi construída por pensadores Exemplo: 7 + 5 = 12. Tal afirmação é sempre e
britânicos como John Locke (1632-1704) e David universalmente válida e independe da vontade
Hume(3) (1711-1776). Locke e Hume ajudaram a humana, não estando sujeita a qualquer condição
constituir uma corrente de pensamento que foi, depois, específica.
denominada de Empirismo (ou Empirismo britânico). O conhecimento para o Pensador alemão é,
Para estes Pensadores, a única e exclusiva forma de portanto, fruto de uma síntese entre o sujeito que
conhecimento estava baseada na experiência, na conhece e o objeto conhecido. O conhecimento, desse
experimentação. Locke chega mesmo a sugerir que a modo, seria subjetivo, enquanto uma representação do
mente é uma espécie de folha de papel em branco mundo que é provocada pelos estímulos do exterior a
(tabula rasa, em Latim), onde todo o conhecimento ele (sujeito). Se o conhecimento é subjetivo
está por ser escrito, desenhado, construído, (condicionado ao olhar humano), como se dá a
constituído, sempre a partir da experiência. Não apreensão e a representação do mundo pelo sujeito.
existiriam, para Locke e Hume, proposições Para Kant, isto é possível a partir de uma instância
privilegiadas, isto é, juízos que não possam ser, denominada sujeito TRANSCENDENTAL. (Conceito 3)
antecipadamente, colocados em dúvida. Este sujeito transcendental é constituído por três
Essas Duas escolas filosóficas, como se viu, campos: sensibilidade, entendimento e razão. A
(Conceito 4)
respondiam de formas diversas ao problema do SENSIBILIDADE é o elemento que forma o
conhecimento. Tanto em um como em outro caso, conhecimento imediato, isto é, as “imagens” (intuições)
surgem obstáculos. O racionalismo, na medida em que que vão sendo capturadas pelo sujeito no TEMPO e
(Conceito 4)
deixa de validar suas investigações em testes práticos, no ESPAÇO. É a capacidade de sentir ou
torna-se dogmático. Já o empirismo encontra oposição perceber as coisas no mundo.
no ceticismo, que argumenta que a Natureza é o reino Já o ENTENDIMENTO (Conceito 4) é a capacidade de
do contingente (incerto) e, por esta razão, não pode ser pensar sobre as coisas, de atribuir ou submeter
fonte de conhecimento universal. Como Kant ira conceitos às coisas, a partir do que Kant chama de
resolver o problema? CATEGORIAS. (Conceito 5) As categorias formam uma
Este é o contexto em que Immanuel Kant resolve espécie de conjunto de conceitos básicos que
refletir sobre o tema. Diante do impasse (conhecimento permitem a transformação das intuições trazidas pelo
inato ou a partir da experiência), o Pensador alemão conhecimento empírico, enquanto mero fenômeno, em
decide primeiro, separar as instâncias passíveis de fenômeno objetivo, exatamente ao ser pensado por
conhecimento em duas: FENÔMENO E COISA-EM-SI. interferência de uma das categorias do entendimento.
(Conceito 1)
(NÚMENO) A Coisa-em-si designa as coisas, As categorias constituem-se em uma espécie de filtro
o ente, o mundo mesmo como ele existe, para análise dos estímulos sensoriais (imagens)
independentemente do conhecimento humano e, trazidos à mente pela sensibilidade. As categorias são,
portanto, representa o próprio ente real. Trata-se, para para Kant, os diferentes pontos de vista com base nos
Kant, da realidade além da experiência possível, quais o entendimento executa uma espécie de síntese
ultrapassando a própria possibilidade do dos dados sensoriais da intuição formando, assim, o
conhecimento. Está além e independe da vontade do próprio objeto.
ser humano e não se permite ao verdadeiro alcance do

40
A razão, por sua vez, é a instância onde as
categorias do entendimento são consideradas,
pesadas e balanceadas entre si, fazendo com que não
existam conflitos lógicos, excessos ou desequilíbrios
entre elas. A razão, de certa forma, é a última instância
do processo mental humano, aquela em que o
conhecimento é submetido a uma espécie de tribunal
para ser pesado, julgado, avaliado.
Para Immanuel Kant, “as intuições sem conceitos
são cegas, já os conceitos sem intuições são vazios”.
Se compreendermos as intuições como aquilo que é
captado pela sensibilidade e os conceitos como a ação
do entendimento, poderemos perceber como a
perspectiva adotada pelo Filósofo realiza a conciliação
e a síntese entre o Racionalismo e o Empirismo. De
um lado, o Racionalismo de Descartes estaria correto:
existe uma forma de conhecimento inato ou anterior à
experiência, que é o conhecimento puro. De outro, o
Empirismo de Locke e Hume possuiria validade
também, já que é possível o conhecimento posterior à https://pt.slideshare.net/RafaelOliveira38/immanuel-kant-roteiro-de-aula
experiência (conhecimento empírico).
Em Kant, o conhecimento se torna modulado pela  Conceitos Kantianos
mente humana. O mundo, os entes, as coisas estão
ali, mas o olhar e o pensar humanos é que dão forma a
este mundo. É como se o ser humano agora colocasse Conceito 1 - FENÔMENO E COISA EM SI (NÚMENO)
um par de óculos para melhor enxergar e pensar a
realidade. O mundo e as coisas já estavam ali, mesmo No entanto, ao voltar o foco para o sujeito que
antes do ser humano. Mas o que lhes dá a sua melhor conhece e que "constrói" o mundo, é bloqueado todo
e mais compreensível forma é a mente, em uma pretenso acesso à essência dos objetos do mundo. Só
combinação entre o objeto dado (já existente) e um temos acesso às coisas enquanto fenômenos para
aparato mental capaz de assimilá-lo e compreendê-lo. uma consciência, em outras palavras, só temos acesso
Com a sua Crítica da Razão Pura, Kant realiza um àquilo que se apresenta para nós, que é real. Segundo
exame das possibilidades de conhecimento da razão Kant, só podemos conhecer atualidade da experiência,
humana e estabelece os limites e as condições sob as é o que ele chama de FENÔMENO, só é possível
quais ela (razão) pode conhecer o mundo e as coisas. conhecer o mundo como ele se apresenta para nós. O
O Filósofo prometera fazer uma “REVOLUÇÃO que a realidade é em si mesma, o que ela é enquanto
COPERNICANA” (Conceito 6) em torno da questão do essência, enquanto “ideia”, o verdadeiro ser, não é
entendimento humano e, nesse aspecto, conseguiu matéria de conhecimento humano, sendo,
levá-la a efeito. Inverteu a análise do processo de portanto, incognoscível (aquilo que não pode ser
conhecimento: examinou a própria capacidade da conhecido), é o que Kant chama de COISA EM SI.
mente em conhecer. Por essa participação da mente Assim, nunca poderemos conhecer o mundo como
humana na constituição dos objetos e das coisas, à ele é em si. Tudo que conhecemos do mundo são
corrente de pensamento fundada por Kant “coisas para nós”, que são os fenômenos – aquilo que
convencionou-se atribuir a definição de Idealismo. aparece para nós já filtrado pelas nossas formas de
sensibilidade. A “coisa em si”, que Kant também
chama de númeno (do grego noúmenon, ‘coisa
pensada’) não pode ser conhecida pela razão humana
porque ultrapassa a experiência possível. No entanto,
essa mesma razão permite ao homem apenas pensar
a coisa em si, nunca, porém conhecê-la, como no caso
de Deus.
O processo de conhecer o mundo, para Kant, é
mais ou menos, como fotografar uma festa animada,
com muita música e dança. As fotos da festa registram
apenas aquilo que a câmera é capaz de captar:
imagens congeladas sem sonoridade e movimentação.
Nessa analogia, a festa representa a “coisa em si” ou
númeno; a máquina fotográfica é o sujeito com suas
formas de conhecer; a imagem corresponde à “coisa
para nós”, o fenômeno, ou seja, a foto constitui a
experiência possível, é a representação do fenômeno.

Conceito 2 - A PRIORI E A POSTERIORI

http://oficinakantiana.blogspot.com.br/2011/05/conhecimento-priori-e posteriori.html
Um conhecimento que seja totalmente
independente dos sentidos é chamado a priori. Trata-

41
se do conhecimento puro, “inato”, proveniente da espaço é uma condição subjetiva da sensibilidade que
razão. Um conhecimento que possui sua fonte na permite a intuição externa e sua representação é uma
experiência é dado a posteriori. Ou seja, é o condição subjetiva. Ele abrange todas as coisas que
conhecimento que advém da experiência dos sentidos. nos possam aparecer exteriormente, mas não todas as
coisas em si mesmas. O tempo é a condição de
Conceito 3 – TRANSCENDENTE E TRANSCENDENTAL possibilidade de movimento, ele não é um conceito
discursivo, mas uma forma pura da intuição sensível.
A crítica kantiana deriva do seguinte fato: o filósofo Isto significa que o tempo não tem um objeto ao qual
alemão colocou a própria razão e as possibilidades se deve atribuí-lo, sua representação é ilimitada. Ele é
reais de conhecimento em questão. Isto é, em vez de então, condição para unificação de todo o diverso,
questionar como eu conheço os objetos, perguntou se tanto dos fenômenos internos quanto dos fenômenos
o próprio conhecimento é possível. Isso é a chamada externos. Isso implica dizer que o tempo é a condição
filosofia transcendental, aquela que põe a razão no imediata dos fenômenos internos e condição mediada
próprio tribunal da razão. Kant leva o pensamento dos fenômenos externos.
ilustrado ao seu zênite: nele, a razão critica a si Espaço e tempo são condições a priori de
mesma. O pensamento kantiano é conhecido como possibilidade da experiência sensível. Em outras
idealismo transcendental. Não possui nenhum objeto palavras, espaço e tempo não são algo que existam
específico de estudo, é o próprio intelecto, a própria fora de nós, e sim são ferramentas humanas inatas e
razão que gera o conhecimento. Não podemos necessárias ao homem para que ele possa construir
confundir transcendente com transcendental. toda sua experiência no mundo, com efeito, conhecer.
Transcendente é o que está fora de qualquer Todo nosso conhecimento só é possível se, e apenas
possibilidade de experiência sensível. Transcendental se passar pelas noções de espaço e tempo. Como
(é o que nos interessa) é o tipo de experiência do a Kant prova isso? Pense em uma cadeira em um
priori, ou seja, os conceitos produzidos pela razão. espaço qualquer, por exemplo, em uma sala de aula
“Chamo transcendental não propriamente o vazia. Agora, mentalmente, retire esta cadeira da sala
conhecimento dos objetos, mas em geral, a maneira de aula. O que sobra? O espaço vazio. Agora tente
que temos de conhecê-los a priori”. O sujeito constrói o fazer contrário, retirar o espaço vazio e deixar só a
conhecimento e dá significado e sentido à realidade a cadeira. Não dá, a menos que sua cadeira fique
partir de categorias subjetivas a priori (idealismo); o flutuando em uma dimensão extraterrena. Só posso
conhecimento não está voltado para os objetos, mas conceber a existência de um "eu" estando em relação
para o modo de conhecê-los apriorísticamente a um passado e a um futuro. Só concebemos as coisas
(transcendental). no tempo, em um antes, um agora e um depois.
Voltemos ao exercício mental anterior: podemos
Conceito 4 – AS FACULDADES DO CONHECIMENTO eliminar a cadeira do tempo - ela foi destruída, não
existe mais. Porém, não posso eliminar o tempo da
Segundo Kant, todo o conhecimento humano está cadeira - eu sempre a penso em uma duração, antes
alicerçado em dois troncos: a sensibilidade e o ou depois. A conclusão é de que é impossível
entendimento. Pela primeira são-nos dados os conhecer os objetos externos sem ordená-los em uma
objetos, e pela segunda esses objetos são pensados. forma espacial - e de que nossa percepção destes
Assim podemos dizer que o nosso conhecimento é mesmos objetos fica impossível sem uma forma
formado com a contribuição das intuições que são temporal.
fornecidas pela nossa sensibilidade. Contudo, essas Estes conceitos são de vital importância na teoria
intuições precisam ser articuladas por esquemas a do conhecimento em Kant, pois, para ele, de acordo
priori que são constitutivos da própria racionalidade com o que foi exposto até agora, nada fora do espaço
humana, da própria condição do conhecimento. Isto e do tempo pode ser conhecido. No espaço e no tempo
significa que o conhecimento é adquirido, em parte as coisas se apresentam pela forma como afetam
pela experiência da relação entre o sujeito e o objeto, e nossos sentidos.
em parte por algo que é produzido pelo próprio sujeito. Outros dois conceitos importantes na teoria do
O conhecimento então, para Kant, não é reprodução conhecimento em Kant são a matéria e a forma. Em
passiva de um objeto por meio do sujeito, mas linhas gerais, aquilo que depende da sensação que
construção ativa do objeto por parte do sujeito. próprio sujeito tem do objeto constitui a matéria do
Só a SENSIBILIDADE nos fornece intuições com conhecimento. O que depende do sujeito constitui a
as quais o entendimento trabalha. Assim, uma forma do conhecimento. Por isso podemos afirmar:
definição mais primária de conhecimento em Kant é “conhecer é dar forma à matéria dada.” Dessa forma
“dar forma a uma matéria dada.” Mas Kant vai mais podemos concluir que o pensamento de Kant introduz
além e introduz o conceito de intuição pura, ou seja, uma nova forma de visão na teoria do conhecimento
forma pura da sensibilidade. Essas intuições puras são deixando de lado o modelo clássico, o qual se pautava
o ESPAÇO e o TEMPO. numa adequação do intelecto à coisa, e mostrando a
Primeiramente é importante esclarecer o que importância do sujeito no processo do conhecimento.
significa, no pensamento kantiano, intuir. Para o autor, O conhecimento se dá na relação entre o sujeito e o
a intuição é a visão direta e imediata de um objeto de objeto, em que o objeto é a matéria que no contato
pensamento atualmente presente ao espírito e com o sujeito ganha forma. Assim a sensibilidade é o
apreendido em sua realidade individual. Nesse sentido, elemento passivo no processo do conhecimento, já o
toda intuição é sempre sensível. Dessa forma, ENTENDIMENTO é o elemento ativo, pois nele se
podemos dizer que conhecer é primeiramente intuir. O pode pensar o objeto da intuição sensível. Contudo

42
não há uma primazia de um sobre o outro, são eles de com os dogmas da Igreja Católica. Kant propôs
igual importância nesse processo. Por isso Kant inversão semelhante na filosofia. Até então, as teorias
afirma: “Pensamentos sem conteúdos são vazios; consistiam em adequar a razão humana aos objetos,
intuições sem conceitos são cegas.” O conhecimento que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do
para Kant então acontece na relação entre o sujeito e o conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a
objeto passando pelas formas puras da sensibilidade: partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria
o espaço e o tempo, bem como sua constituição dada o depositário das formas do conhecimento. As leis não
por matéria e forma. estariam nas coisas do mundo, mas no próprio
homem. Como Kant afirma no prefácio da segunda
Conceito 5 – AS CATEGORIAS edição da Crítica da Razão Pura:
"Até agora se supôs que todo nosso conhecimento
A faculdade do entendimento, segundo Kant, é a tinha que se regular pelos objetos; porém todas as
condição a priori do sujeito que conhece, é por meio tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a
dela que no ato do conhecer, os objetos são pensados priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o
nos conceitos. Essas noções inatas o filósofo alemão nosso conhecimento, fracassaram sob esta
da o nome de CATEGORIAS. As categorias, para pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não
Kant, são inatas ao próprio entendimento (ao próprio progredimos melhor nas tarefas da Metafísica
sujeito) e estão classificadas em número de 12 admitindo que os objetos têm que se regular pelo
(realidade, negação e limitação = categorias de nosso conhecimento, o que concorda melhor com a
qualidade; unidade, pluralidade e totalidade = requerida possibilidade de um conhecimento a priori
categorias de quantidade; substância, causalidade e dos objetos que deve estabelecer algo sobre os
comunidade = categorias de relação; possibilidade, mesmos antes de nos serem dados."
existência e necessidade = categorias de modalidade). O que Kant quer dizer é que o sujeito possui as
As categorias são elementos que organizam o condições de possibilidade de conhecer qualquer
conhecimento, são formas vazias que pertencem ao coisa. Ele possui as regras pela quais os objetos
próprio sujeito do conhecimento. Essas formas vazias podem ser reconhecidos. O mundo não tem sentido a
serão preenchidas pelos fenômenos, ou seja, a matéria não ser que o homem dê algum sentido a ele. O que
da experiência. Os fenômenos, por outro lado, só conhecemos, então, é profundamente marcado pela
podem ser pensados dentro das categorias. Trata-se maneira - humana - pela qual conhecemos. O
de conceituar, qualificar, relacionar, quantificar, definir, computador no qual escrevo; a janela do escritório que
complementar o objeto do conhecimento intuído pela me permite ver todas as coisas do mundo, tudo isso é
experiência. matéria de conhecimento não porque exista um Deus
que me faculte entender as leis dos objetos por meio
da razão (como no caso de filósofos racionalistas) ou
porque estes objetos sejam impressos em minha
mente pela percepção (empirismo), mas porque eles
são capturados por formas lógicas no sujeito.

A ‘REVOLUÇÃO COPERNICANA’.

O processo de conhecimento.
Antes de Kant: Proposta de Kant:
Sujeito Objeto

Objeto Sujeito

O objeto dá as regras no O sujeito dá as regras no


processo de conhecimento. processo de conhecimento.
O sujeito é receptor. O sujeito é construtor.
Conceito 6 – A REVOLUÇÃO COPERNICANA

Kant chamou de "revolução copernicana" sua


 A conclusão de Kant – Juízos analíticos e
resposta ao problema do conhecimento. O
sintéticos.
astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a
teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas
giravam em torno do Sol - para substituir o modelo Para Kant, o que existe, só existe relativamente a
antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra um sujeito que o capta. Para ele, o conhecimento só se
ocupava o centro do universo, o que era mais coerente expressa em forma de juízos. Mas afinal o que é um

43
juízo? Quando estabelecemos uma afirmação ou três bananas”, temos um conhecimento fornecido pela
negação entre duas ideias, estamos emitindo um juízo. experiência, - como um juízo empírico, mas que é
Nos juízos se apresenta um vinculo entre dois termos: abstraído do caso concreto: duas coisas quaisquer
o sujeito (do qual se afirma ou se nega algo) e o mais uma formam três coisas quaisquer, e isso se
predicado (que é aquilo que se afirma ou nega do aplica universalmente, - como juízo puro. Dessa
sujeito). Assim, mediante a distinção Apriori e maneira, Kant consegue justificar porque a matemática
Aposteriori, Kant, estabelece outra distinção, agora na pode oferecer juízos necessários, universais que
forma como expressamos o conhecimento. Para ele, ampliam o conhecimento. Conclui-se daí que os juízos
os sujeitos racionais lidam como dois tipos de juízos: sintéticos a priori são os mais apropriados para a
os ANALÍTICOS e os SINTÉTICOS. ciência, pois além de terem ligação com a experiência,
Quando emito um juízo em que o predicado está alcançam o plano da universalidade. A matemática, na
contido no sujeito, ele é chamado JUÍZO ANALÍTICO. qualidade de conhecimento modelar de abstração, é o
Por exemplo, quando expresso o conhecimento: "Azul campo científico onde os juízos sintéticos a priori
é uma cor", o predicado "cor" já é uma qualidade do brotam com espontaneidade. Tais juízos explanam por
sujeito "azul", nessa espécie de juízo, basta analisar o fim, a síntese entre racionalismo e empirismo, ou como
sujeito da frase para podermos conhecer o que está Kant chamou tal mudança no plano do conhecimento,
contido no predicado. O juízo analítico, não a revolução copernicana em filosofia. O conhecimento,
dependendo da experiência sensorial, é universal e diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio
necessário, trata-se de um juízo Apriori. espírito humano que constrói – com os dados do
Mas quando faço um juízo em que um predicado é conhecimento sensível – o objeto do seu saber.
acrescentado ao sujeito, ele é chamado JUÍZO A resposta ao problema do conhecimento dada por
SINTÉTICO. Por exemplo, na frase "A cadeira de Kant, à síntese entre racionalismo e empirismo conclui-
minha sala é azul", acrescento ao sujeito "cadeira de se exatamente nessa busca pelos juízos sintéticos a
minha sala" o predicado "azul" (afinal, ela poderia ser priori, que de fato eram produzidos pelas ciências da
verde, vermelha, etc.). Ou seja, nesse juízo, o física e matemática, contudo, a metafísica não pode
predicado não esta contido no sujeito, o conhecimento atingir tais juízos. Para Kant aqui o ponto central, volta-
deriva da relação entre sujeito e predicado, uma vez se o foco do conhecimento para o sujeito, logo, o
que o predicado traz um novo conhecimento, uma conhecimento será sempre expresso por juízos
informação nova, pois você poderia imaginar que a analíticos, sintéticos e sintéticos apriori, porem, tal
cadeira fosse de qualquer outra cor. Por depender da conhecimento estará sempre no campo daquilo que se
experiência sensorial, o juízo sintético, apesar de apresenta ao sujeito cognoscente com suas próprias
acrescentar novas informações ao sujeito, não é possibilidades de conhecer. Ora, eu posso pensar uma
universal, assim, todos os juízos sintéticos são verdade matemática, mas não posso conhecê-la.
aposterioris. Ademais, só consigo ter a experiência dela no campo
Estabelecidas essas distinções entre conhecimento dos fenômenos, fica patente aqui como se expressa os
puro e empírico e juízos analíticos e sintéticos, Kant juízos sintéticos a priori.
introduz uma novidade acerca da classificação dos
juízos possíveis. Analisando as distinções kantianas,
extrairemos a seguinte conclusão: no âmbito da
experiência, apenas lidamos com conhecimentos
possíveis ou prováveis, sendo que neles a certeza esta
circunscrita somente no plano puro. Se a verdade é
somente o que pode ser revelado por juízos analíticos,
então esta se torna algo trivial. O que importaria seria
conjugar a universalidade e necessidade dos juízos
analíticos como o conhecimento que deriva dos juízos
sintéticos. Sendo assim, Kant subescreve uma terceira
forma de Juízo: o JUIZO SINTETICO A PRIORI.
Por juízo sintético a priori devemos entender o
que representa a possibilidade de sustentar uma teoria
do conhecimento, pois esse juízo, a um só tempo,
reuniria a universalidade e necessidade presente nos
juízos analíticos, mas por ser sintético, não se reduz a
analise do sujeito e predicado, permitindo ampliar o
conhecimento. Kant resolve a questão do
conhecimento, trazendo para ciência, um juízo que ao
mesmo tempo seja universal e necessário e que
amplie o conhecimento, ou seja, um juízo que seja ao
mesmo tempo sintético e a priori, aonde seu
predicado (vindo da experiência) acrescentam novas
informações ao sujeito, possibilitando uma ampliação
do conhecimento. Juízos sintéticos a priori são aqueles
que provêm da experiência, mas podem ir além dela,
tornando-se universais. Por exemplo, no juízo
matemático: “duas bananas mais uma banana é igual a

44
ÉTICA KANTIANA individualidade acabaria esbarrando em questões
pessoais. A ética de Kant propõe uma moral focada na
Kant apresentou, em uma de suas obras, ação autônoma, em ter, de fato, clareza sobre toda
“Fundamentação da metafísica dos costumes”, uma base racional que sustenta as leis usadas para guiar
reflexão sobre as relações humanas, reconhecida por as ações. Por isso, o foco tem que ser no dever.
muitos como uma das mais completas desde a época
aristotélica e, ao mesmo tempo, completamente Kant distingue duas funções do dever.
diversa da obra do autor grego. A ética kantiana
discute se é possível partir de critérios universais, tais Seguindo esse pensamento, a autonomia não entra
quais os científicos, para direcionar as relações em conflito com o dever, pois na verdade, o homem
humanas. Com efeito, a ética kantiana é conhecida escolheria por meio da razão, seguir o dever, por saber
como Universalista, pois, Kant defende um princípio ser o mais correto. A cerca disso, Kant fornece uma
moral universal, ou seja, válido para todos. Também é divisão nos tipos de dever. A primeira é a ação
conhecida como Normativa, pois, devem-se seguir as conforme o dever, conforme a lei, ligada à ação legal.
normas ou ordens da razão. Kant sustenta que há uma Esta se dá quando uma ação tem como fim o interesse
lei moral objetiva. Ela é conhecida por nós pela razão e particular. Por exemplo, o comerciante que atende
jamais pela experiência. Essa lei nos obriga a agir ou a honestamente aos clientes, age em conformidade
nos abster de agir, simplesmente em razão de que a com o dever, se este tem por intenção bem definida
ação é exigida pela lei, ou proibida por ela. apenas manter sua clientela. É aquela ação, por
O propósito de Kant é estabelecer uma ética exemplo, de seguir as leis para não ser punido, isto é,
racional. Ou seja, uma ética que possa ser a ação pode até ser “moralmente” contra o dever, mas
efetivamente aplicada pelos seres humanos se não for lei, eu não me preocupo em ir contra esse
racionalmente, independente da fé e da revelação dever. Mas se é lei, então, a minha ação é conforme
divina. Em seu livro Crítica da Razão Pura, Kant ao dever.
analisa os limites da razão humana. Ele conclui que as A segunda é a ação por dever, por respeito à lei,
três coisas que envolvem nossas preocupações ligada à ação moral. Esta se dá quando uma ação não
morais, Deus, a alma imortal e a liberdade, podem tem como fim um interesse particular, mas é uma ação
apenas serem pensadas e não conhecidas boa em si mesma. Diferentemente do exemplo acima,
efetivamente. A nossa razão, portanto, não consegue como por exemplo, quando alguém ajuda outra pessoa
objetivamente conhecer os objetos que correspondam sem esperar nenhuma recompensa em troca age por
aos conceitos pensados: "Deus", "alma imortal" e dever. A ação por Dever é uma ação conforme uma
"liberdade". Deste modo, Kant vê a necessidade de ordem racional, uma norma ou lei da razão.
ultrapassar o uso reflexivo e intelectual que fazemos Necessidade prática de cumprir uma ação universal
da razão para uma razão que também tenha um uso incondicional, ou seja, válida para todas as pessoas,
prático. A isto Kant chamou de "razão prática". sem exceção, em todos os tempos e lugares.
Portanto, se não é dado conhecermos estes três Necessidade de cumprir uma ação exclusivamente e
conceitos intelectualmente e para não aceitá-los unicamente por respeito à lei, independente da religião
dogmaticamente, é necessário os justificar e os (Deus), da felicidade do indivíduo ou bem-estar da
fundamentar através da razão prática. A Ética kantiana sociedade. (Kant rejeita essas ideias, porque elas
é fundamentada pela "razão prática" e pela "liberdade". fazem a moralidade depender de algo exterior a ela
A diferença entre a razão teórica e a razão mesma.) E essa lei respeitada, não é uma lei imposta,
prática é que, a primeira visa, através da especulação mas uma lei racional, que se encontra intrínseca no
ou investigação reflexiva, o conhecimento, e a individuo. Ele rejeita igualmente a ideia de que a
segunda visa o agir. Para que o homem realize o seu moralidade é apenas o desenvolvimento natural de
desejo inato de ser feliz, ele terá que agir em certos sentimentos que pertencem à nossa natureza
sociedade com prudência, isto é uma necessidade. Em humana. Isso não seria compatível com seu caráter
função disto, a pergunta "o que devo pensar para ser intrinsecamente racional. “Uma ação cumprida por
feliz?" não é suficiente para realizar a felicidade, é Dever tem seu valor moral, não no fim que deve ser
necessário se perguntar também "o que alcançado por ela, mas na máxima que a determina;
devo fazer para ser feliz?". sem relação com nenhum objeto de desejar”.
É importante relembrar que a ética (moral) na razão
Dever para Kant é independente da religião e da comunidade.
Ela deve ser boa em si mesma, para tanto, ele nos traz
A teoria ética de Kant trabalha com uma dificuldade a noção de Imperativos.
especifica por sua centralidade na questão do dever. O
Dever em Kant liga-se diretamente no agir pratico do Imperativos
ser humano, ou seja, nas ações que o ser humano tem
em seu dia a dia em prol de qualquer objetivo. A Como vimos acima, Kant sustenta que há uma lei
questão que se levanta então é: como tornar o dever moral objetiva. Ela é conhecida por nós somente pela
uma decisão racional. Ou seja, como adequar a livre razão e jamais pela experiência. Essa lei nos obriga a
escolha ao correto agir? Neste caso, o dever deve se agir ou a nos abster de agir, simplesmente em razão
tornar aquela ação ligada à moralidade racional. Para de que a ação é exigida pela lei, ou proibida por ela.
Kant, o dever é universal, ou seja, vale para todo Essa lei é um imperativo. É uma norma ou ordem da
gênero humano. Como cada um tem uma ambição e razão para que o indivíduo pratique ações racionais. A
uma procura, buscar princípios universais na norma da razão é para o homem uma ordem e tem um

45
caráter coativo, regulando a vontade humana para agir de entendimento, mas na falta de decisão e coragem
nas coisas boas e também nas coisas necessárias. de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem.
Kant define um imperativo como toda “proposição que Sapere aude! “Tem coragem de fazer uso de teu
expressa uma possível ação livre, por meio da qual se próprio entendimento” tal é o lema do
concretize um determinado fim”. Kant apresenta como esclarecimento [Aufklãrung].
ponto principal de sua teoria ética o imperativo A preguiça e a covardia são as causas pelas qual
categórico. uma tão grande parte dos homens, depois que a
Como vimos, para Kant a moral é essencialmente natureza de há muito os libertou de uma direção
racional, individual e, sobretudo, universal. Assim para estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no
que as ações individuais sejam possíveis de serem entanto de bom grado menor durante toda a vida. São
universalizadas; a razão humana se vale do também as causas que explicam por que é tão fácil
Imperativo categórico. Este imperativo será o que os outros se constituam em tutores deles. É tão
regulador da própria lei moral, ou seja, se uma ação cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes
contrária ao dever for considerada por algum indivíduo de meu entendimento, um diretor espiritual que por
moralmente aceita, pois, do seu ponto de vista não fere mim tem consciência, um médico que por mim decide
o dever, o imperativo categórico entra em ação, nas a respeito de minha dieta etc., então não preciso de
palavras de Kant: “Age de tal modo que a máxima esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de
da tua ação se possa tornar um princípio de uma pensar, quando posso simplesmente pagar, outros se
legislação universal”. A lei da razão assume a forma encarregarão em meu lugar dos negócios
de uma ordem racional, para impedir que a ação desagradáveis. (...)
humana aja segundo sua inclinação sensível. Trata-se É difícil, portanto, para um homem em particular
do agir por dever, uma ação boa em si mesma, desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou
objetivamente necessária. A moral racional em sua quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a
plenitude. ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu
Kant, ainda considera a possibilidade de o homem próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer
não seguir sua própria lei racional, passando por cima a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas,
do imperativo categórico, nesse caso ele atenderia o estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou
que Kant chamou de Imperativo Hipotético é a ação antes, do abuso, de seus dons naturais, são os
boa simplesmente como meio para algum outro fim. grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se
Comanda uma ação que é apenas relativamente boa. livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro
mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está
Inclinação habituado a este movimento livre. Por isso, são muito
poucos aqueles que conseguiram, pela transformação
A inclinação está fundada na liberdade do mundo do próprio espírito, emergir da menoridade e
sensível. É a dependência da faculdade de aptidões empreender então uma marcha segura. (...) Para este
das sensações, a qual, em consequência, indica esclarecimento, porém, nada mais se exige senão
sempre uma necessidade. Os objetos da inclinação liberdade.
têm um valor moral condicionado, ou seja, não são Resposta à pergunta: que é “Esclarecimento”? (Petrópolis: Vozes, 1985).

desejados “por si mesmos”, mas tão somente porque FILOSOFIA POLÍTICA


concorrem para satisfazer fins fora deles, a saber, as
(Texto de Paulo Pedroso)
necessidades da inclinação. Isso os torna indignos de
servirem como princípios de juízo moral, pois, não A filosofia política não trata de uma
podem ser universalizados. A inclinação, por exemplo, sobreposição de ideias, da melhor e mais atual sobre
explica as ações motivadas pelas paixões e os as ultrapassadas e errôneas, mas sim sobre uma
instintos. Ações guiadas pela inclinação, de certa análise de cada período em seu contexto, com apego à
forma, anulam as ações por dever, conforme ao dever, ética do momento e às relações de poder ali
é desconsidera o imperativo categórico. estabelecidas. A abrangência da filosofia política vai
além do que sugere o nome, pois não se limita à
Autonomia política propriamente dita, embora seu maior filão seja
a ética. Essa área também reflete sobre temas como
Para Kant, a Autonomia se caracteriza por dois Estado, governo, justiça e ainda aborda as relações
fatores. O primeiro é a independência da vontade em sociais, relações de poder, convivência de
relação a todo desejo ou objeto de desejo (liberdade agrupamentos humanos, liberdade, direito à
no sentido negativo). O segundo fator é a capacidade propriedade… E por vezes, ainda permeia por
de determinar-se em conformidade com uma lei análises antropológicas.
própria, que é a da razão (liberdade no sentido Os conceitos políticos foram descritos e
positivo). Nesse caso, é fazer algo seguindo a lei da nomeados apenas na Idade Moderna, mas já eram
razão. temas presentes na filosofia desde a Grécia Antiga,
Esclarecimento pois lá, os gregos costumavam reunir-se em ágoras
para debater sobre o tema e os filósofos (e também os
Segundo Kant: Esclarecimento [Aufklãrung] é à sofista) participavam ativamente da política local,
saída do homem de sua menoridade, da qual ele mesmo vários deles não sendo atenienses ou nativos
próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de das grandes polis gregas. A Ética, no período clássico
fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro da filosofia, era associada à política e a política, por
indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa sua vez, ao homem, descrito nessa época como um
menoridade se a causa dela não se encontra na falta “animal político”. Assim sendo, era impossível dissociar

46
a ideia de homem, política e ética, pois estes três escrituras). Para Hobbes, resumidamente, a natureza
tópicos eram considerados em conjunto. A separação humana é ruim e isso gera uma guerra de todos contra
entre estes temas ocorreu somente no período todos, uma vez que o homem possui inclinações
moderno. naturais para atos de violência. Por consequência
Platão e Aristóteles dedicaram obras à filosofia disso, o governo era um mal necessário para controlar
política, que serviram de base para as relações a humanidade, que submetia a ele seus direitos
políticas da época, para formas de governo e sistema individuais, visando um bem comum.
de ideias. Contudo, durante a Idade Média, com o Já durante o Iluminismo, houve uma troca da
fortalecimento e domínio da Igreja Católica sobre o fé pela razão, e esse fato proporcionou um ambiente
Ocidente, o mundo e a sociedade foram substituídos perfeito para que a filosofia política se desenvolvesse,
por Deus, e a Igreja aproveitou os sistemas de ideais sendo que desta vez, o homem encontrava-se no
políticos clássicos e os modificou conforme seu centro da análise e havia certo desprezo por
interesse. Ou seja, nesta época específica, a filosofia influências de divinas (contraponto com obras e
política foi analisada e refletida a partir de perspectivas períodos anteriores). Nesta fase, portanto, o ser
católicas. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino humano se torna imputável e a corrupção não é um
são dois dos principais nomes da Filosofia Medieval problema espiritual, assim sendo era necessário
(Ocidental), uma filosofia que se funde com a Teologia. investigar a natureza humana e as relações sociais.
E claro, estes dois pensadores também tem obras Nos séculos XVII e XVIII são muitos autores
dedicadas à filosofia política. Para Agostinho, por dedicaram-se à filosofia política, alguns, em especial,
exemplo, o Estado (Católico) era o instrumento da merecem destaque: John Locke, pai do Liberalismo
aplicação da moral. Mas com a queda do feudalismo e Político e da teoria da tabula rasa; Voltaire, defensor
o enfraquecimento da Igreja Católica, que impedia o da liberdade religiosa e influenciador da Revolução
nascimento de novas ideias, eclodiu o Renascimento, Francesa; e Rousseau, autor do livro “Contrato Social”,
que abriu um mar de possibilidades para a filosofia cujo desdobramento é semelhante às ideias
política, introduzindo novos sistemas, novas ideias e apresentadas por Hobbes, mas com inversão do
novas tecnologias, que se aliavam a uma população conceito sobre a natureza humana, sendo que aqui,
em crescimento, às grandes navegações e outros ela é inatamente boa, embora o advento da civilização
acontecimentos histórico-sociais. Todo sistema de corrompa sua bondade natural.
relações humanas precisava ser revisto, era o A filosofia política do século XIX em diante
nascimento da filosofia política moderna. possui alguns termos referentes à política isolados e
“O Príncipe” de Maquiavel é um dos livros mais analisados individualmente, e os autores posteriores a
importante da história. Essa obra consiste num manual tal período, aprofundam e desenvolvem tais conceitos
de política de aproximadamente 100 páginas e estabelecem relações entre a política e outras áreas
(dependendo do idioma e da encadernação) técnico e como a tecnologia, a economia, a educação e até
simples, e que foi um dos primeiros a abordar o que mesmo as ciências. Os sistemas políticos usados nos
grande parte da população da época sentia e sabia, séculos XX e XXI têm suas bases em ideias desses
mas não podia expressar, pois caso o fizessem, autores. Os pensadores contemporâneos expandem
possivelmente seriam executados pela Igreja os conceitos em direções múltiplas e suas obras
Católica. Durante este referido período, a Igreja, exigem pré-conhecimentos diversos e
mesmo sem a soberania da Idade média, mas ainda contextualizações. Entre os principais nomes temos:
detentora de um poder significativo, não se agradou Stuart Mill, defensor do Utilitarismo, escreveu sobre a
com a obra de Maquiavel, visto que vários reis ainda liberdade e os governos representativos; Karl Marx,
eram reis católicos e sobre eles pairava certa ícone atemporal, popularizou a luta de classes,
divindade e apenas o Papa podia coroá-los, existente desde a Idade Média, mas a adaptou à
sustentando ainda a ligação entre política e religião realidade contemporânea e a culpou pelos problemas
advinda deste período histórico. Maquiavel foi sociais. Para ele, a luta de classes explica a história e
ameaçado e perseguido pelo Vaticano e por reis perpetua a classe dominante, causando problemas
católicos. Foi considerado o pai da política Moderna. sociais; há também Hannah Arendt, defensora do
Seu referido livro divide-se em 26 capítulos nos quais Pluralismo, possui trabalhos sobre filosofia existencial
constam variadas reflexões sobre o Estado, sobre a e reivindicava uma política livre; Foucault, autor de
Monarquia, a República e, especialmente, sobre o teorias que relacionam conhecimento ao poder,
papel e função do governante (o “Príncipe”). Nesta liberdade e controle social, crítico da modernidade e
obra, ocorre uma curiosa separação entre a autor de “Vigiar e Punir”. No século XXI a Filosofia
moralidade e legislador, que é apresentado como um Política encontra ligações com a Pós-modernidade e
líder cujas decisões e atitudes devem estar isentas de as novas tecnologias, assim, assuntos como, por
aspectos morais. Além disso, considerava que o medo exemplo, discussões sobre patentes e direitos autorais
e a punição fossem necessários para a liderança são revistos em meio ao mundo virtual e surgem
política. Descartes e Bacon com seus sistemas de debates sobre temas como as relações de poder nas
ideias que não se mergulhavam tanto na filosofia redes sociais ou a ligação de governos, impostos sobre
política também influenciaram pensadores da área, o serviços intangíveis, a manutenção e a evolução do
mais notável dentre tais, foi Thomas Hobbes, autor de capitalismo, os direitos coletivos se sobrepondo aos
“O Leviatã”, outro importante manual de política, este direitos individuais, a ética da inteligência artificial, etc.
mais extenso e mais agressivo, divido em quatro Com os filósofos em extinção, quem geralmente
partes: O homem, O Estado (bem comum), O Estado assume esses debates e reflete sobre essas questões
cristão e O reino das trevas (uso das sagradas mencionadas no parágrafo acima, são profissionais de

47
outras áreas, como adeptos do método científico e não contra os estrangeiros com pulso firme e ‘mãos de
filosófico. Isso gera um problema salientado no ferro’. Entretanto, a obra foi dedicada a Lourenço de
começo desse texto, pois além de profissionais, Médici II, mais jovem, de forma a estimulá-lo a realizar
curiosos, amadores e entusiastas se juntam ao debate, esta empreitada. A segunda versão sobre o livro, diz
polarizando a discussão de maneira fanática e por que ele o teria escrito em uma tentativa de obter
vezes até “religiosa”, criando um maniqueísmo ao favores dos Médici, contudo, ambas as versões não
redor da questão, o que diminui muito as são excludentes.
possibilidades da filosofia política contemporânea. Em relação à obra ‘O Príncipe’, está dividida em 26
capítulos. No início ele apresenta os tipos de
____________________________________________ principado existentes e expõe as características de
cada um deles. A partir daí, defende a necessidade do
príncipe de basear suas forças em exércitos próprios,
NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527) não em mercenários e após tratar do governo
propriamente dito e dos motivos por trás da fraqueza
Além de ser considerado um dos mais brilhantes dos Estados italianos, conclui a obra fazendo uma
intelectos de sua época, é atribuído à Maquiavel o exortação a que um novo príncipe conquiste e liberte a
título de Pai da política moderna e fundador da ciência Itália. Ele considera de fundamental importância que se
política. Nicolau Maquiavel, filósofo italiano do século registre o que se aprendeu, pois, assim se faz ciência
XV nasceu na cidade de Florença em 03 de Maio de e os homens lendo os fatos ocorridos, não caiam
1469 e faleceu em 21 de Junho de 1527. Em seus 58 novamente nos erros de seus antecessores. Seu
anos de vida, ele contribuiu de forma decisiva com a método era empirista, pois, analisava os fatos e
filosofia a partir de seus escritos políticos. Consagrou- escrevia suas obras com base nas experiências
se pela simples manobra de escrever sobre o Estado e históricas. Maquiavel viveu em uma época de intensa
o governo como realmente são e não como deveriam desordem, em face de uma Itália dividida, corrompida e
ser. Possuía sólida formação humanística, estudou sujeita a invasões externas. No século XV, ele
gramática, latim e matemática (trivium) e pertenceu à representou um marco na elaboração da moderna
escola Republicanismo Clássico de tradição concepção de política, pois, não tinha dúvidas que era
Renascentista. Seus principais interesses foram: necessária a unificação e regeneração do país. Tais
política, História, Literatura e música. Foi influenciado tarefas tornavam imprescindível o surgimento de um
por Aristóteles, Tito Lívio e Cícero dentre outros e foi homem virtuoso, capaz de fundar um Estado forte e
influenciador de Thomas Hobbes, Rousseau, David coeso. Era preciso, enfim, um príncipe. O termo
Hume, Spinoza, Montesquieu, Gramsci, Hegel, dentre príncipe utilizado por Maquiavel, não se refere
outros. Casou-se em 1501, aos 32 anos de idade com especificamente ao filho do rei, mas a qualquer
Marietta Corsini e não se sabe ao certo de teve seis ou governante, seja ele um rei, um príncipe, um
sete filhos. Era o terceiro de quatro filhos de Bernardo, imperador, um duque, conde, senhor feudal ou até
um advogado, e Bartolomea de Nelli que possuiam mesmo um presidente como temos nos dias atuais.
poucos recursos finaceiros.
Sabe-se pouco da biografia de Maquiavel antes de “O príncipe deve saber agir conforme as
entrar para a vida política. No entanto, é sabido que foi circunstâncias”. “Maquiavel diz que o ideal a um
poeta, diplomata, músico italiano do Renascimento, príncipe, é ser amado e temido, mas como é difícil uni-
historiador, embaixador de paz ou de tratados políticos las, declara ser mais seguro ao príncipe, ser temido do
entre os estados italianos. A mais importante função foi que amado: ‘E os homens tem menos escrúpulos em
a de Secretário da Segunda Chancelaria do Estado de ofender alguém que se faça amar do alguém que se
Florença, cargo este, conseguido aos 29 anos de faça temer, porque a amizade é mantida por um
idade, quando ingressara na vida política no governo vínculo de reconhecimento que, por serem os homens
de Lourenço de Médici. Neste cargo, ele se manteve maus, é quebrado em cada oportunidade que venha
por 14 anos, tempo que aproveitou também para em benefício próprio, mas o temor é mantido pelo
observar o comportamento de grandes nomes da medo do castigo que nunca te abandona”. (O Príncipe)
época e retirar algumas experiências e considerações
para suas obras. Para Maquiavel, a desordem é proveniente da
Maquiavel foi autor de inúmeras obras. Escreveu imutável natureza humana, tornando-se um importante
tratados histórico-político, poemas, novelas, diálogos, fator social de instabilidade. Há uma presença
peças e discursos. De seus trabalhos, muitos são inevitável em todas as sociedades de duas classes
poucos conhecidos, considerados até sem muita opostas. Uma, os grandes, que desejam dominar e
importância, outros, porém, conseguiram grande oprimir o povo; a outra, o povo, que não quer ser
destaque no cenário mundial, tais como: ‘A Arte da dominado e nem oprimido. Nota-se que uma das
Guerra’ e os ‘Discursos sobre a primeira década de forças quer dominar, enquanto a outra apenas não
Tito Lívio’, no entanto, nenhuma obra se tornou mais quer ser dominada. No entanto, se todos quisessem o
conhecida do que sua célebre obra intitulada de ‘O domínio, a oposição seria resolvida pelo governo dos
Príncipe’, completamente escrita em 1513, apesar de vitoriosos. O problema político é então, encontrar
ter sido publicada postumamente, em 1532. Existem mecanismos que imponham a estabilidade das
duas versões para a origem do livro. A primeira é que relações que sustentem uma determinada correlação
teve origem com a união de Juliano de Médici e do de forças. Assim, quando a nação encontra-se
Papa Leão X, com a qual Maquiavel viu a possibilidade ameaçada de deterioração, quando a corrupção
de um príncipe finalmente unificar a Itália e defendê-la alastrou-se, é necessário um governo forte, que crie e

48
coloque seus instrumentos de poder para inibir a comunidade. De fato, naquele momento histórico em
vitalidade das forças desagregadoras e centrífugas. O que se formavam as monarquias nacionais, era
príncipe é mais propriamente um fundador do Estado, necessária uma teoria que justificasse o fortalecimento
um agente de transmissão numa fase em que a nação do Estado soberano e secular, isto é, não religioso.
se acha ameaçada de decomposição.
Virtú e Fortuna
A Ciência Política de Maquiavel: Força e Poder
Os conceitos de virtú e fortuna são empregados
Enquanto as políticas antigas e medievais várias vezes por Maquiavel em suas obras. A atividade
buscavam descrever o bom governo, ditando regras política, tal como se arquitetara, exigia a prática da
para o governante ideal, Maquiavel verifica com toda virtú, e o domínio sobre a fortuna. Estes termos foram
crueza, como os governantes agem de fato. Para ele, a apresentados por Maquiavel como conceitos que
política requer a lógica da força e é impossível deveriam ser utilizados pelo bom príncipe. São acima
governar sem fazer uso da violência. Daí surge o termo de tudo, ferramentas utilizadas por um bom
‘maquiavélico’, que ficou conhecido como esperteza governante. Maquiavel se valeu de uma simbologia
(indivíduo ‘espertalhão’), comportamento amoral e mitológica para criar os conceitos de Virtú e Fortuna.
antiético. Convém, no entanto, não reduzir o Para os antigos, a fortuna era uma deusa romana
pensamento maquiavélico ao simplismo do mito do da sorte, uma aliada potencial, cuja simpatia era
‘maquiavelismo’, pois, não se trata de justificar a importante atrair. Representava a honra, o poder, à
violência a qualquer preço, mas reconhecer que ela é glória, a riqueza. Simbolizava ainda as coisas
necessária em determinadas circunstâncias, como por inevitáveis que acontecem aos seres humanos e por
exemplo, quando um príncipe conquista o poder ou isso, não se pode saber a quem ela vai fazer bem ou
luta para não perdê-lo. Vale ressaltar que importante mal, e ela pode tanto levar alguém ao poder como tirá-
não é apenas o uso da força, mas seu sábio uso. lo de lá. Para possuí-la, deve-se seduzi-la através da
Ainda mais se considerarmos a época em que viveu verdadeira virilidade e inquestionável coragem. Assim,
Maquiavel, na expectativa da unificação da Itália, quem possuísse essa virilidade seria aquele homem de
assolada por lutas internas e invasões de estrangeiros. virtú, e seria beneficiado com seus presentes.
A política não se refere, portanto, às utopias (como Contudo, com o triunfo do cristianismo, essa visão foi
em Platão), nem às abstrações, tais como as normas inteiramente derrotada. A deusa boa disposta a ser
ideais de bondade que devem orientar de antemão o seduzida, foi substituída por um ‘poder cego’,
‘bom governante’. Aqui, a teoria não se separa da inabalável, fechado a qualquer influência que
prática e segundo nosso autor, o novo príncipe é distribuísse seus bens. Nessa fase, a honra, o poder e
aquele capaz de compreender o jogo, político efetivo a glória não cabiam ao homem e a riqueza não
nas suas circunstâncias concretas e de identificar as significava felicidade, pois, esta não se encontrava no
forças do conflito, a fim de agir com eficácia. Para essa mundo terreno, mas sim no mundo divino. Maquiavel
atuação não ser vã, admiti-se que os valores morais discordando dessa posição propõe uma aliança entre
que regulam as condutas individuais, não se aplicam à virtú e fortuna, onde a fortuna não é impiedosa, mas
ação política, que envolve o destino comum dos boa, assim como pensavam os antigos, desejosa de
cidadãos em uma comunidade. Daí a importância de ser conquistada por quem tem virtú. Mas afinal, para
Maquiavel, pois foi um dos primeiros pensadores Maquiavel, o que seria virtú?
políticos a separar virtudes cristãs das virtudes Virtú é a capacidade de usar a força, mas não um
políticas. Nem sempre o que é virtude para o homem uso da força de forma despreparada, e sim um uso
na sociedade, o é também para a política, tanto que sábio da força. A fortuna á a adaptação aos
ele diz que para um príncipe, há vícios que são acontecimentos do acaso, as oportunidades que o
virtudes, desde que estes sirvam para a coesão e acaso traz aos fatos políticos, estes levariam à
manutenção do Estado. Se os vícios são necessários permanência no poder. A virtú seria como uma
para o Estado, desde já, são válidos e inevitáveis. A barragem que deteria os desígnios do destino. Esta
recusa do prevalecimento dos valores morais na ação virtú não é cristã, ao contrário, o homem de virtú busca
política indica um novo conceito de ordem. Trata-se e luta pela honra, poder e glória. É aquele homem que
agora, de uma ordem mundana como projeto de continua encontrando seu fundamento na força, mas
Estado e não mais a ordem divina, propondo assim não apenas na força bruta, mas na sabedoria do uso
uma nova ética política. da força, da violência, pois, só assim consegue
Nicolau Maquiavel é o principal expoente da ética conquistar o poder e se manter nele; se não for pelo
política. A ética em Maquiavel se contrapõe à ética amor, pelo menos pelo temor e respeito dos
cristã que aconselha não mentir sempre e governados. O príncipe virtuoso deve saber agir
independente da situação, pois, é pecado (8º conforme as circunstâncias. A força explica o
mandamento da lei de Deus: “Não levantar falso fundamento do poder, porém, é a posse de virtú, a
testemunho”); já na ética política, se a mentira for para chave por excelência do sucesso do príncipe, pois, se
proteger ou o príncipe ou o Estado, desde já esta não saber usar a fortuna e a sabedoria, não terá
mentira se faz justa e necessária. Para a ética cristã, resultados com a força. Ou seja, virtú e fortuna são as
as atitudes dos governantes e os Estados em si maiores armas de um bom príncipe.
estavam subordinados a uma lei superior e a vida
humana destinava-se à salvação da alma. Com
Maquiavel a finalidade das ações dos governantes
passa a ser a manutenção da pátria e o bem geral da

49
 OS CONTRATUALISTAS.

A partir do período moderno, o campo político


estabelece novos paradigmas. Os filósofos políticos
modernos preocupam-se em justificar e legitimar o
poder do Estado mediante o sentimento de
independência em relação ao papado e da critica á
teoria do direito divino dos reis e, além disso, toma os
inúmeros movimentos revolucionários europeus na
França como fonte de justificativa teórica. A filosofia se
entrega ao desafio de explicar como surgiu o Estado.
Três grandes expoentes da filosofia política moderna,
chamados Contratualistas, serão estudados nesse
capítulo.
 Thomas Hobbes (1588 – 1679) século XVI – XVII
 John Locke (1632 – 1704) século XVII – XVIII
 Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) século XVIII
É bom lembrar que quando nos referimos á
“origem” do Estado, não se trata de uma visão histórica
e cronológica de como ocorreu o fato; e sim no sentido
lógico, sua razão de ser. O ponto crucial não é a
historia, mas a validade da ordem social e política, a
base legal do Estado.
O que há de comum entre os filósofos
O governante deve ter a O governante deve ter a Contratualistas é que eles partem da analise do
astucia da raposa para ferocidade de um leão
reconhecer as ciladas e para amedontrar quem
homem em estado de natureza, isto é, antes de
armadilhas. busca prejudicá-lo. qualquer sociabilidade, enquanto, por hipótese,
desfruta de todas as coisas, realiza os desejos e é
dono de um poder ilimitado. No estado de natureza, o
homem tem direito a tudo: o direito de natureza, a que
OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS os autores geralmente chamam “jus naturale”, é a
liberdade que cada homem possui de usar seu próprio
poder, da maneira que quiser, para a preservação de
O sucesso de um estado ou sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e
de uma nação é o fim consequentemente, de fazer tudo aquilo que seu
Supremo! próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios
adequados a esse fim. O estado de natureza seria o
estado inicial da humanidade, a origem do homem, o
que nos dias atuais é tratado como mito, para os
Contratualistas é a hipótese “real” da teoria. O homem
Quem quer que governe o nesse estado era um ser selvagem, entregue a si
Estado ou nação deve lutar
próprio.
para assegurar...
Nem sempre o Estado existiu, diversas sociedades
primitivas organizaram-se sem ele. Nessas sociedades
não havia classes sociais e as funções “políticas” eram
exercidas pelo conjunto de membros da comunidade.
... sua própria glória Num determinado momento da historia, com o
... o sucesso do Estado aprofundamento da divisão social do trabalho, certas
funções político-administrativas foram assumidas por
um grupo separado de pessoas. Esse grupo detinha o
poder de impor normas a vida coletiva. Assim, surgiu o
governo e através do governo, foi se desenvolvendo o
A fim de realizar isso, ele Estado. O nascimento do Estado representa o ponto
não pode ser limitado pela de passagem das chamadas sociedades primitivas
moralidade! para as sociedades civilizadas. Quer dizer, o Estado
surge quando a sociedade torna-se complexa:
aumenta a divisão social do trabalho e surgem os
conflitos de classe com a formação de grupos
dominantes e grupos dominados.
OS FINS JUSTIFICAM OS
MEIOS THOMAS HOBBES (1588 – 1679)

Thomas Hobbes, filósofo, matemático e teórico


inglês dos séculos XVI – XVII. Nasceu em cinco de
abril, 1588, e faleceu em 04 de Dezembro de 1679 na

50
Inglaterra, aos 91 anos de idade. Seu pai, o vigário de si mesmo. A nova ordem é celebrada por um pacto,
Charlton Wiltshire, foi forçado a deixar a cidade, ratificado em um contrato, pelo quais todos abdicam de
abandonando seus três filhos aos cuidados de Francis, sua vontade em favor de um homem ou de uma
o irmão mais velho. O filósofo tem sua origem em uma assembleia de homens, como representante de suas
família pobre, contudo, conviveu com a nobreza e por pessoas. O homem, não sendo sociável por
isso, recebeu apoio e condições para estudar. natureza, o será por artifício. É o medo e o desejo de
Defendeu ferrenhamente o poder absoluto, ameaçado paz que o levam a fundar um estado social e a
pelas novas tendências liberais. Hobbes teve contato autoridade política, abdicado de seus direitos em favor
com Descartes, Francis Bacon e Galileu Galilei. do Estado civil, que com seu poder, lhes garantirá a
Preocupou-se, entre outras coisas, com o problema do vida.
conhecimento, tema básico das reflexões do século Pelo contrato, o povo é obrigado a permanecer fiel
XVII, representando a tendência empirista. ao compromisso assumido e não pode, sob nenhum
Thomas Hobbes defendia a ideia segundo a qual os pretexto, voltar à confusão da multidão, desunida, ou
homens só podem viver em paz se concordarem em seja, ao estado natural. Hobbes considera que o
submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Para Estado resulta de um contrato social, contudo,
ele, a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um contratos sem ameaça de espada são apenas
mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o palavras, impotentes para garantir a segurança aos
direito de interpretar as Escrituras, decidir questões homens. O único meio de realizar esse propósito, que
religiosas e presidir o culto. Neste sentido, critica a consiste em defendê-los de si mesmo, é conferir todo o
livre-interpretação da Bíblia na Reforma Protestante poder e potência do Estado a um só homem ou uma só
por, de certa forma, enfraquecer o monarca. É autor de assembleia de homens, ou seja, reduzir todas as
Leviatã (1651) e Do cidadão (1651). Na obra Leviatã, vontades a uma só vontade; nomear um homem ou
explanou os seus pontos de vista sobre a natureza assembleia de homens para representar a pessoa de
humana e sobre a necessidade de governos e todos, assumindo tudo o que diz respeito à paz e à
sociedades. segurança comum. Todos devem submeter sua
vontade á vontade dele – ou deles – e os seus juízos
O Estado de Natureza e os Direitos Naturais ao juizo dele – ou deles. O resultado é a verdadeira
união de todos na mesma pessoa feita por contrato de
Para Thomas Hobbes, no estado de natureza, os todo homem com todo homem. É como se cada um
indivíduos viviam isolados e em luta permanente, falasse a cada um: “eu autorizo e renuncio ao meu
vigorando a guerra de todos contra todos. Ora, direito de me governar em favor deste homem ou
enquanto perdurar essa situação não haverá dessa assembleia de homens, sob a condição de
segurança e nem paz alguma. A situação dos homens que tu renuncies ao teu direito em favor dele e que
deixados a si próprio é o caos, a desordem, geradora autorizes todas as suas ações da mesma maneira”.
de insegurança, angustia e medo. Os interesses Os homens reunidos numa multidão de indivíduos,
egoístas predominam e o homem se torna um lobo pelo pacto, passam a constituir um corpo político, uma
para o outro homem. As disputas geram a guerra de pessoa artificial criada pela ação humana e que se
todos contra todos, cuja consequência é o prejuízo chama Estado. O chefe do Estado pode ser tanto um
para toda a humanidade e o total desconforto dos rei, como um grupo de aristocratas ou uma assembleia
homens. de representantes, pois, o que importa é que a
Para evitar a situação natural, em que os homens soberania, que pertence de modo absoluto ao Estado,
são predadores entre si, o Estado torna-se meio de seja exercida no intuito de definir e garantir a
previdência e preservação do gênero humano e propriedade privada, e, sobretudo, obrigando a todos
consequentemente de uma vida mais feliz. No estado os governados respeitar os direitos naturais
natural, todos os homens tem direito a tudo, e uma vez intransferíveis da vida e da paz. O Estado detém a
que todas as coisas são escassas, existe uma “espada” e a lei; os governados, a vida e a propriedade
constante guerra de todos contra todos (Bellum omnia dos bens. Para Hobbes, o poder soberano do Estado é
omnes). No entanto, os homens têm um desejo, que é simbolizado pelo Leviatã, isto é, pelo mostro bíblico
também um interesse próprio, de acabar com a guerra, cruel e invencível.
esse interesse atende a seu próprio instinto de A transmissão do poder dos indivíduos ao Estado
sobrevivência. Ora, ninguem deseja o mal a si próprio, deve ser total, caso contrário, um pouco que seja
ou seja, o homem mesmo que selvagem, não gostava conservado da liberdade natural do homem, instaura-
de viver em tal situação de guerra, pois, onde ahá se de novo a guerra. Se não há limites para a ação do
guerra, não há garantia de vida. Assim, mesmo com o governante, não é sequer possível ao súdito julgar se o
egoísmo natural que dominava o homem em estado de soberano é justo ou injusto, tirano ou não, pois é
natureza, como defnde Hobbes, o homem não contraditório dizer que o soberano abusa do poder, se
suportando mais sua condição de guerra, decide este lhe é ilimitado. Dessa forma, a multidão se une de
buscar uma solução para no mínimo garantir sua vida. tal maneira em uma só pessoa, que é chamado
Estado. É assim que surge o que Hobbes chama
Como surgiu o Estado? O Contrato social aquele grande Leviatã. Essa autoridade pode usar
tanto poder e força quanto lhe pareça necessária para
De acordo com Hobbes, o homem reconhece a garantir a paz interna e a ajuda mútua contra os
necessidade de renunciar seu direito a todas as coisas, inimigos. Aquele que representa essa multiplicidade de
contentando-se, em relação aos outros, com a mesma vontades e exerce o poder em nome de todos e que
liberdade que aos outros homens permite em relação a

51
comanda o Estado é o soberano, os demais são JOHN LOCKE (1632 – 1704)
súditos.
John Locke, filósofo inglês do século XVII, nasceu
O Poder do Soberano em Wrington em 1632. Para ele não existe poder inato
ou de origem divina, como defende Hobbes e os
É poder de o soberano ser juiz das opiniões e das adeptos do absolutismo monárquico. Sua filosofia
doutrinas; conduzir a paz e regulamentar as ações de preocupa-se em proteger a liberdade do cidadão. Foi
onde resulta a concórdia. É a ele que compete um filósofo predecessor do Iluminismo; tinha como
prescrever as regras sem as quais ninguém teria noção de governo o consentimento dos governados
segurança na posse da propriedade, isto é as regras diante da autoridade constituída, e, o respeito ao
do meu e do teu, do bem, do mal, do legal e do ilegal; direito natural do homem, de vida, liberdade e
faz isto, através de ações, que se denominam leis propriedade. Defendia que o poder social deveria
civis. A ele compete o direito de julgar, ouvir, e decidir nascer de um pacto entre as pessoas. Por sua vez, a
todas as controvérsias que surgem com respeito à lei, lei deveria ser a expressão das normas estabelecidas
civil ou natural, ou com respeito aos fatos. A ele pela própria comunidade, que através do mutuo
compete o direito de declarar e executar a guerra e a consentimento dos indivíduos, escolheria as forma de
paz com outros Estados e tomar todas as providencias governo que julgasse mais conveniente ao bem
para realizá-las. A ele cabe escolher todos os comum. Para ele, o principio em que se aplica a todos
conselheiros, ministros, magistrados e oficiais em os Estados é o de que o governo só pode existir com o
função do bem público, premiar os que servirem o consentimento dos indivíduos e dos governados. E o
Estado e castigar os que o desacatarem. Ninguém governo que já perdeu a confiança do povo não tem o
pode discordar, pois, tudo que o soberano faz é direito de governá-lo, tendo o povo o direito de
resultado do consentimento de todos, ou seja, mesmo substituí-lo por um ao qual confie.
que esse poder total transforme o soberano em um Em política, sua obra mais influente foi um tratado
tirano, não há saída, pois foi um consentimento. Assim, de duas partes, Sobre o governo civil. A primeira
esses direitos constituem a própria essência do parte descreve a condição corrente do governo civil,
soberano e são incomunicáveis, inalienáveis e enquanto que a segunda parte descreve sua
inquestionáveis. Em outras palavras, o poder do justificação para o governo e seus ideais para as suas
soberano é absoluto, assim como o poder do Estado, operações. Ele advogava que todos os homens são
pois, ESTADO E SOBERANO SÃO UM SÓ.
iguais e que a cada um deverá ser permitido agir
livremente desde que não prejudique nenhum outro.
Com este fundamento, ele continuou, fazendo a
justificação clássica da propriedade privada ao declarar
que o mundo natural é a propriedade comum de todos
os homens, mas que qualquer indivíduo pode
apropriar-se de uma parte dele ao misturar o seu
trabalho com os recursos naturais. Dentre outras obras
importantes se destacaram tem também o Ensaio
sobre o Intelecto Humano (1690); e os Pensamentos
sobre a Educação (1693).

O Estado de Natureza

Assim como Hobbes, Locke considera que apenas


o pacto torna legitimo o poder do Estado. Mas,
diferentemente de seu antecessor, não vê no estado
de natureza uma situação de guerra e egoísmo, ao
contrario, os homens são livres, iguais e
independentes. Neste hipotético estado natural, o
homem gozava de tranquilidade e relativa felicidade.
Tranquilidade essa que se dava muito por conta dos
direitos naturais que cada homem possuía. Segundo
Locke o homem já nasce com três direitos inalienáveis:
Direitos de vida, liberdade e propriedade. Mas se
goza de uma vida satisfatória, o que os faz abandonar
essa situação delegando poder a outrem? O que os faz
criar um poder maior para governá-los? Porque criam o
Estado civil? Pra Locke, no estado natural cada um é
“juiz em causa própria”; portanto, os riscos das paixões
e parcialidade são muito grandes e podem
Capa Original em inglês do Leviatã. A imagem representa o
monarca absolutista, que se eleva perante o território para desestabilizar as relações entre os homens. Por isso,
exercer sua soberania. É interessante observar que seu corpo é visando à segurança e tranquilidade necessárias ao
formado por pessoas, demonstrando que é a própria população gozo da propriedade, as pessoas consentem em
que constrói a soberania do governante. instituir o corpo político.

52
O Conceito de Propriedade então, os primeiros sinais do Liberalismo (Refere-se
ao movimento que tem por finalidade dar mais
Locke entende que o direito a propriedade privada liberdade ao individuo em relação ao Estado, pois
precede o nascimento do Estado civil, sendo esse um acredita que o homem possui direitos fundamentais
direito natural e individual. Locke usa um conceito de que devem ser respeitados pela soberania estatal,
propriedade num sentido muito amplo: “Tudo o que como direito a propriedade privada.) defendido por
pertence” a cada individuo, ou seja, sua vida, sua Locke.
liberdade e seus bens. Assim, a primeira coisa que o O ponto crucial do pensamento de Locke é que os
homem possui é o seu corpo, todo homem é direitos naturais do homem não desaparecem em
proprietário de si mesmo e de suas capacidades. O consequência do consentimento que autoriza o corpo
trabalho de seu corpo é propriamente dele; portanto, o político reger os cidadãos, mas esses direitos
trabalho dá inicio ao direito de propriedade em sentido subsistem para limitar o poder do soberano e em
estrito (bens patrimoniais). Em resumo, o homem já ultima instancia justificar direito a insurreição (retirar o
nasce com direito a propriedade, mas como garanti - governo do poder). No ato do contrato ficou expressa a
lá? Garante-se a propriedade privada através do permanência de todos os direitos naturais como
trabalho! Essa relação do direito a propriedade à ideia condição principal para o a criação do Estado. Locke
de trabalho trata-se da possibilidade de transformar a considera o legislativo o poder supremo, a qual o povo
natureza. O homem apropria-se de algo quando retira participa. A este poder deve se subordinar tanto o
de seu estado natural, aprimorando-o para o uso executivo quanto o poder federativo (encarregado das
humano. Isso acontece com a agricultura, a pecuária, a relações exteriores). O executivo que nada mais é do
fabricação de ferramentas etc. Na natureza tudo é de que o soberano deve providenciar a execução das leis
todos, não há propriedade privada. Portanto, é quando feitas, encargos que inclui o poder judiciário. Com isso,
um indivíduo transforma algo proveniente da natureza o povo elege a assembleia legislativa e lhe outorga o
(pedaço de terra, colheita de frutas, extração de poder de decidir com a força do Estado, que será
minério etc.) em um produto mais elaborado (terra sempre empregada para a preservação da
cultivada, frutas para serem consumidas; metais e comunidade e dos seus membros.
pedras preciosas), que tenha mais serventia ao ser
humano, que ele se apropria da coisa. Locke O poder do soberano
estabelece que cada pessoa tem direito a propriedade
que conquistar com o próprio trabalho. O direito a Mesmo dotado de poderes executivos, judiciários e
propriedade é inalienável. E é a necessidade de federais, o soberano deve responder pelo exercício
proteger esse direito que vai geral o Estado civil. Em desses poderes á assembleia legislativa, ou seja, não
síntese, o homem, para Locke, aceita submeter-se a exerce um poder absoluto. A assembleia por sua vez,
viver em sociedade para, acima de tudo, defender a deve responder ao povo e por ele ser demitido. O povo
sua propriedade o seu interesse. Ira surgir assim, uma abre mão da soberania que tinha no estado de
esfera superior que, protege o direito a propriedade do natureza, em prol da assembleia, que o exerce
homem, e que será capaz de julgar imparcialmente enquanto estiver em sessão.
possíveis conflitos. O soberano participa de todas as questões do
Estado e detém o poder. Ele pode convocar e dissolver
Como surgiu o Estado? O Contrato social a assembleia legislativa; agir conforme o seu
discernimento para o bem público, sem a prescrição da
Pelo contrato social, realiza-se entre os membros lei e às vezes contra ela. Contudo, não pode: interferir
da coletividade a imposição da confiança em um ou no seu funcionamento e liberdade e modificar o
mais indivíduos para que exerçam o poder; o Estado sistema de eleger a assembleia legislativa sem o
assim constituído exerce o poder político que consiste consentimento do povo. Ou seja, não pode se tornar
no direito de formular leis - desde pequenas penas até um tirano; entregar o povo á dominação de um poder
a pena de morte – para regulamentar e preservar a estrangeiro; tampouco negligenciar seus deveres
propriedade, de empregar a força da comunidade na executivos a ponto de provocar a desordem. Caso
execução dessas leis, de defender o Estado contra os qualquer um desses fatores ocorra, como citado
inimigos, e tudo isto só para o bem publico. anteriormente, o povo tem direito de destituí-lo.
Locke acredita que a comunidade política só é
possível quando o poder do governo é limitado, e a JEAN JACQUES-ROUSSEAU (1712-1778)
soberania tiver por depositário ultimo o povo como um
todo. O governo é o instrumento que assegura a vida,
Jean-Jacques Rousseau, filósofo Genebrino do
propriedade, e o bem-estar dos governados sem século XVIII, nascido em 28 de Julho de 1712, foi
escravizá-los; pois, o governo não é o mestre nem
também escritor, teórico político e um compositor
acima do povo, mas é um com o povo. A finalidade do musical autodidata. não chegou a conhecer a própria
Estado é agir como mediador dos conflitos entre os mãe, que faleceu após o trabalho de parto. Era filho do
diversos grupos sociais, conflitos estes que foram o relojoeiro calvinista Isaak Rousseau que morreu
motivo principal da criação do poder político, já que quando o filósofo tinha 10 anos, de modo que ele teve
são conflitos inevitáveis entre os homens. O papel do
uma juventude agitada. O menino Jean-Jacques
Estado é promover a conciliação dos grupos sociais,
aprendeu a ler e a escrever ainda muito novo. Mais
amortecendo os choques dos setores divergentes para tarde, fora aluno do Pastor Lambercier, de rígida
evitar a desagregação da sociedade e preservar os disciplina moral e religiosa. Precisou trabalhar desde
interesses do bem comum. Aqui já é possível notar cedo e sentira o que significava ser maltratado,

53
explorado. Na adolescência, encontrando os portões desigualdade entre os homens, consequentemente,
da cidade fechados, quando voltava de uma de suas dará origem ao Estado civil. Ironicamente, este Estado
saídas, opta por vagar pelo mundo. Acaba tendo como civil é o que corresponde ao estado de Natureza
amante uma rica senhora e, sob seus cuidados, acaba hobbesiano, pois o homem, produto da propriedade
estudando música e filosofia. Após o relacionamento privada geradora de desigualdade torna-se odioso e
com a amante, vai para Paris e inova muitas coisas no violento, gerando a guerra. É por isso que Rousseau
campo da música, tendo muitas oportunidades e considera como direitos naturais apenas a vida e a
escrevendo muitas e famosas obras. Rousseau tem 5 liberdade e não a propriedade privada.
filhos com sua amante de Paris, porém, acaba por
colocar seus cinco filhos em um orfanato. Uma ironia, Como surgiu o Estado? O Contrato social
já que anos depois escreve um livro sobre como deve-
se educar um filho. Politicamente, expõe suas idéias Para fazer cessar esse estado de vida ameaçador
na obra Do Contrato Social. Procura um Estado social propiciado pelo surgimento da propriedade privada, os
legítimo, próximo da vontade geral e distante da humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao
corrupção. A soberania do poder, para ele, deve estar Estado, com a criação do poder político e as leis,
nas mãos do povo, através do corpo político dos através da instituição de um Contrato Social, pelos
cidadãos. quais os indivíduos renunciam à liberdade natural e à
Além de ser uma das figuras mais marcantes do posse natural de bens, riquezas e armas e concordam
iluminismo francês, é também um precursor do em transferir a um terceiro – o Estado – o poder para
Romantismo. Rousseau foi uma das principais criar e aplicar as leis. Tendo como função principal
inspirações ideológicas da segunda fase da Revolução retomar a igualdade natural, agora uma igualdade civil.
Francesa - a última das revoluções modernas, e que Com a instituição do contrato, e a criação do
deu início a um longo período de terror e instabilidade Estado, esperava-se o cumprimento do pacto, porém,
política, que acabaria por levar à ditadura de Napoleão. o homem já não é mais um bom selvagem, e aquela
O Contrato Social, de sua autoria, inspirou muitos dos igualdade civil que todos aguardavam com o contrato
revolucionários e regimes nacionalistas e opressivos não veio. O homem já corrompido tornou o Estado um
subseqüentes a esse período, um pouco por toda a defensor dos proprietários, mantendo a desigualdade
Europa continental. Inspirados nas idéias de oriunda da propriedade privada. Agora o homem vive
Rousseau, os revolucionários defendiam o princípio da sobre leis, não mais livre, e nem igual. O Contrato
soberania popular e da igualdade de direitos. Social funda a soberania e não cumpre com a sua
Rousseau é associado frequentemente às ideias função, retomar o estado de felicidade original do
anticapitalistas e considerado um antecessor do homem, agora em Estado civil. Essa seria a origem do
socialismo e comunismo. Foi um dos primeiros autores corpo político, do Estado civil para Rousseau.
modernos a atacar a propriedade privada. Rousseau No entanto, o filósofo, não satisfeito com tal
questionou a suposição de que a maioria está sempre situação, mesmo entendendo ser essa a resposta,
correta e argumentou que o objetivo do governo propôs uma resposta ideal, uma que seja condizente
deveria ser assegurar a liberdade, igualdade e justiça com a condição natural de igualdade do homem. Ele
para todos, independentemente da vontade da maioria. propõe a efetivação de um verdadeiro contrato, um
O filósofo é ainda é um provocador, que leva muitos a contrato legítimo, culminando com a criação do
acreditarem na bondade natural do ser humano e de ESTADO LEGÍTIMO. Este Estado surge com a função
como a sociedade acaba destruindo essa bondade. E, de agora de forma civil, manter a liberdade e a
por muitos, não é esquecido por sua forte crítica à igualdade natural entre os homens. Ocorre assim
propriedade privada, como causa da miséria entre as apenas uma troca entre, o que antes era uma condição
pessoas. natural de liberdade para uma nova condição, ainda de
A função principal de sua filosofia é libertar o liberdade, mas agora como civil. Trata-se de fundar um
homem. Após toda uma produção intelectual, suas corpo político baseado em princípios de uma soberania
fugas às perseguições e uma vida de aventuras e de popular e de igualdade de direitos. Para Rousseau,
errância, Rousseau termina por falecer em 02 de Julho encontrar uma forma de associação que defenda e
de 1778, na França aos 66 anos de idade, após ter proteja a pessoa e os bens de cada associação com
deixado sua grande contribuição para a filosofia toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a
moderna. todos, só obedece, contudo, a si mesmo,
O estado de natureza permanecendo assim tão livre quando antes. Esse, o
problema fundamental cuja solução o contrato social
Para Rousseau no estado de natureza os indivíduos oferece.
vivam isolados pelas florestas sobrevivendo com o que
a natureza lhes dava, desconhecendo lutas e O poder do soberano
comunicando-se com uma linguagem primitiva e
harmoniosa. Esse estado de felicidade original (bom A criação do Estado deve se fundar na ideia de que
selvagem inocente) termina quando surge a mesmo quando cada associado se aliena totalmente
propriedade privada. Ou seja, antes tudo era de todos, em favor da comunidade, nada perde de fato, pois,
quando algo se torna de alguém, gera-se a enquanto povo incorporado, mantém a soberania. Ou
desigualdade, instala-se a desgraça sobre a seja, o Estado é criado como uma força maior que com
humanidade. Simbolicamente, quando alguém diz: todos os poderes que competem a ele, não se separa
“Isso é meu!” A divisão entre o meu e o teu, a do povo. Todo o aparato legal de um Estado surge
propriedade privada, é o motivo principal da origem da com sua criação, a dizer as leis e seus meios de fazer

54
cumpri-las. O grande diferencial da proposta de mesmo sem ser a rigor a vontade de todos, declara-se,
Rousseau, o que tornou sua teoria especialmente na prática, por meio da vontade de muitos, em que
diferente das outras, o que faz sua proposta ser mais todos os cidadãos participam do direito do voto. A
do que revolucionária, a torna genial; é que para Vontade geral vem a ser assim a vontade racional do
Rousseau, o soberano é o povo, entendido como Estado, juntamente com a vontade racional do povo e
vontade geral, pessoa moral coletiva e corpo político do indivíduo, cujo querer está em conformidade com o
de cidadãos. O governante não é, portanto, o do Estado. Com isso, Rousseau entende superar o
soberano, mas ele é representante da soberania conflito tradicional entre indivíduo e Estado, entre
popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade liberdade e autoridade, criando assim as bases para a
natural, aceitam perder a posse natural para ganhar a teoria moderna da soberania popular.
Norberto Bobbio - Dicionário de Política (Adaptado por José Roberto)
individualidade civil, isto é, a cidadania. São cidadãos
do estado e súditos das leis. O governante não detém
de forma nenhuma a soberania, ele é apenas um O POVO NO PODER
funcionário do povo - legitimo soberano; o governo só
Para Rousseau a soberania é popular, ou seja, o povo é o
existe, pois, dentro de um Estado a questões soberano, e não é possível o povo revoltar-se contra o
burocráticas a serem resolvidas. soberano, já que isso seria revoltar-se contra si mesmo. O povo,
O soberano é, para Rousseau, o corpo coletivo que como Soberano, expressa a vontade geral através da lei e como
Súdito, a obedece. De acordo com Rousseau a vontade geral é
expressa, através da lei, a vontade geral. A soberania
sempre justa, pois permitem aos homens viverem os dois mais
do povo, manifestada pelo legislativo, é inalienável, ou virtuosos valores: a liberdade e a igualdade. Em Rousseau não
seja, não pode ser representada. A democracia em se admite a representação da vontade de um cidadão para o
Rousseau considera que toda lei não ratificada pelo outro. A vontade só será geral se tiver a participação de todos
povo em pessoa é nula. Com efeito, não existe os cidadãos de um Estado, por ocasião do ato legislativo. A
soberania só existe se for geral. Por fim, em rousseau,
legislativo, o povo como soberano faz, expressa, cidadãos, suditos, e estado e soberania são um todo completo.
representa a lei, sua vontade não pode ser “Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício
representada. O mesmo homem, enquanto faz a lei, é da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que
um cidadão na função de soberano, e, enquanto se nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si
mesmo. O poder pode transmitir-se, não porém, a vontade“.
submete a ela e a obedece é um súdito. Por isso,
Rousseau é defensor da democracia popular, pois,
não considera correto um soberano com poderes
ilimitados ou grupos que defendem apenas interesses
particulares, mas acredita e confia a soberania ao
povo, único capaz de governar de maneira justa uma
sociedade. Os indivíduos naturais são pessoas morais,
que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo
moral coletivo ou Estado.

 A VONTADE GERAL

Esta expressão indica, Na obra Contrato social de


J. J. Rousseau, a vontade coletiva do corpo político
que visa ao interesse comum. Ela emana do povo e se
expressa por meio da lei, que é votada diretamente
pelo povo reunido em assembleia; assim é garantida e
não limitada a liberdade do cidadão. De fato, este,
enquanto é participante da Vontade geral, pode
considerar-se soberano e, enquanto é governado, é
súdito, mas súdito livre, porque, obedecendo à lei que
ele ajudou a fazer, obedece assim a uma vontade que
é também a sua autêntica vontade, seu natural desejo
de justiça. Onde o homem e o povo não obedecem às
leis, eles devem ser obrigados a isso, o que, para
Rousseau, significa serem obrigados a ser livres. A
liberdade natural é assim substituída pela liberdade
civil, que consiste em obedecer somente à lei, e em
aceitar à Vontade geral e jamais a uma vontade
particular. Rousseau distingue a Vontade geral da
vontade particular, que tende a um interesse particular,
e da vontade de todos, que é mera soma de vontades
particulares e, como estas, tendem ao interesse
privado. A Vontade geral distingue-se especialmente
pela qualidade, pelo seu caráter ético, ou seja, pelo
interesse comum a que esta aspira e não pelo número
de votos, portanto, teoricamente ela pode ser expressa
também por uma única pessoa. Assim também é https://www.passeidireto.com/arquivo/23587441/teorias-contratualistas
diferente de vontade da maioria. A Vontade geral,

55
Mapa Conceitual – Filosofia CONTEMPORÂNEA
Mapa conceitual – Autor desconhecido

Filosofia contemporânea Hegel


Séculos XIX - XX
*A teleologia da Historia
*Dialética idealista

Painel histórico

Cientificismo A crítica à sociedade e às


Positivismo estruturas do
conhecimento

*A ciência e a tecnologia
*Novas Ciências
*A ideia do Progresso
*A crença de que a ciência é o
único saber possível

Karl Marx
Materialismo Histórico e Dialético
*Dialética idealista

Relações Sociais de Produção Modos de Produção Forças Produtivas

*Luta de classes
*Alienação Fenomenologia
*Fetiche de mercadoria
*Revolução da Práxis
*Relação sujeito-objeto
*Consciência-mundo
*Intencionalidade

Existencialismo
*Consciência-mundo
*Intencionalidade

Sartre
*Consciê
ncia-
mundo
*Intencio
Liberdade e Angustia nalidade
Essência e Existência
*Consciência-mundo *Consciência-mundo
*Intencionalidade *Intencionalidade

A responsabilidade

56
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA GEORG HEGEL (1770-1831)

 A RAZÃO EM CHEQUE Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart


Texto de Núcleo Cult - http://cult.nucleo.inf.br/index. php – Adaptado por José Roberto na Alemanha, no dia 27 de Agosto de 1770. Em 1807
Estamos mergulhados num mundo que não cessa publica sua obra prima, Fenomenologia do espírito.
de colocar novas questões para a filosofia. Por isso Em1816 foi nomeado professor titular de uma cadeira
mesmo, não é fácil reconhecer o que é a filosofia de Filosofia na Universidade de Heidelberg. Um ano
contemporânea. Estamos perto demais. Percebemos a depois, publicou a primeira edição da Enciclopédia
filosofia do passado com mais clareza e mais coesão das Ciências Filosóficas. Em 1818 é indicado para a
do que percebemos a filosofia atual. A filosofia cadeira de filosofia na Universidade de Berlim, atinge o
contemporânea fundamenta-se em alguns conceitos ápice de sua carreira universitária. Em 1821 ainda
que foram elaborados no século XIX. Um desses publica os Princípios da Filosofia do Direito. Em
conceitos é o conceito de história. 1829, Hegel foi eleito reitor da universidade de Berlim.
Consideramos como contemporânea a filosofia que Dois anos depois, acometido de cólera, faleceu a 11 de
se estende, dentro da imprecisão cronológica própria Novembro de 1831.
das produções culturais, ao longo da segunda metade Hegel foi o filósofo mais famoso da Alemanha na
do século XIX e da primeira metade do século XX. No primeira metade do século XIX. Sua ideia central era
entanto, toda filosofia que alcança os dias atuais é de que todos os fenômenos, da consciência às
considerada contemporânea. A filosofia instituições políticas, são aspectos de um único espírito
contemporânea, nas suas linhas mais fundamentais e (“mente” ou “ideia”, para ele) que ao longo do tempo
características, têm como caminho, para ser reintegra esses aspectos em si mesmo. Esse processo
adequadamente compreendida, ser estudada em de reintegração é o que Hegel chama de “dialética”;
relação com a obra de Hegel. A mais notável e radical um processo que nós (enquanto aspectos do espírito)
reação contra o sistema de Hegel é feita por Marx, pelo entendemos como a “história”. Hegel era, portanto,
marxismo. O marxismo, entroncado originalmente na um monista (acreditava que todas as coisas são
esquerda hegeliana, distingue e separa o sistema aspectos de uma única coisa) e um idealista
hegeliano (idealista) do método dialético. Aceitando e (entendia a realidade essência como algo não
transformando este último, a filosofia marxista "inverte" material (espírito)). A ideia de Hegel alterou
o sistema de Hegel, propondo uma visão dialético- radicalmente o panorama filosófico. Para apreender
materialista da consciência, da sociedade e da suas implicações, precisamos conferir o pano de fundo
história. de seu pensamento.
Outras correntes da filosofia contemporânea Poucos filósofos negariam que os seres humanos
tomaram como objeto principal de consideração o são, em grande medida, históricos – herdamos coisas
fenômeno da história, da vida e da irredutibilidade da do passado, as modificamos e depois, as legamos
existência pessoal: as filosofias historicistas, para as gerações futuras. A linguagem, por exemplo, é
existencialistas e personalistas. O existencialismo algo que aprendemos e modificamos ao usá-la, e o
constitui, originalmente, uma reação contra o mesmo é verdadeiro em relação à ciência: os cientistas
hegelianismo e em favor da individualidade, colocando montam um conjunto teórico e depois tentam confirmá-
em primeiro plano a categoria de singularidade, lo ou desmenti-lo. O mesmo também se aplica as
preferida ao "sistema dialético" de Hegel. Quanto ao instituições sociais – família, Estado, bancos, igrejas, e
vitalismo de Nietzsche, ele representa uma reação não assim por diante -, a maior parte das quais são formas
apenas contra Hegel, mas contra toda a tradição modificadas de antigas práticas ou instituições. Os
intelectualista-religiosa que se opôs à vida e aos seres humanos, portanto, nunca começam sua
valores vitais, desde que se verificou a aliança do existência do nada, mas sempre dentro de algum tipo
platonismo com o cristianismo. Mesmo quando as de contexto, que às vezes muda radicalmente dentro
correntes filosóficas que mencionamos remetem direta de uma mesma geração. Hegel acreditava que a
ou indiretamente para Hegel, seria errado deduzir dele, própria estrutura da experiência vivida é sujeita a
por oposição ou continuação (ou por ambas as coisas), mudança, tanto quanto o mundo que experimentamos.
todo o pensamento contemporâneo. O descrédito geral A consciência, portanto, e não apenas algo sobre o
da especulação filosófica subsequente ao qual estamos cientes, é parte de um processo em
hegelianismo conduziu a atitudes relativistas e céticas evolução. Um processo “dialético” – conceito que tem
contra as quais se levantou também a filosofia. Talvez significado bem especifico no pensamento de Hegel.
a característica externa mais saliente da filosofia
contemporânea seja a disparidade de enfoques, A Dialética de Hegel
sistemas e escolas, face ao desenvolvimento, de certo
modo mais uniforme e linear, da filosofia moderna A noção de dialética é fundamental ao que Hegel
(racionalismo, empirismo, Kant, idealismo hegeliano). chama de explanação imanente (interna) sobre o
Para esta proliferação de pontos de vista e de desenvolvimento das coisas. Ele declarou que sua
escolas, contribuíram, em grande medida, fatores explanação garantiria quatro coisas. Primeiro, que
socioculturais, como: a crise contemporânea dos nenhuma suposição é feita. Segundo, que apenas as
sistemas políticos, o avanço espetacular das ciências noções mais amplas possíveis são empregadas –
naturais e lógico-formais e o desenvolvimento das evitando afirmativas sem justificação. Terceiro, que ela
ciências humanas, cujos métodos e resultados tiveram mostra como uma noção geral produz outras noções,
repercussões e efeitos de interesse no campo e nos mais especificas. Quarto ponto, esse processo
problemas da filosofia. acontece inteiramente “dentro” da própria noção. Essa

57
quarta exigência revela o cerne da lógica de Hegel: culminando segundo a filosofia de Hegel, na
toda noção, ou “tese”, contém dentro de si uma compreensão completa.
contradição, ou “antítese”, que só é solucionada pelo
surgimento de uma noção mais nova e mais rica,
chamada “síntese”, a partir da própria noção original.
Uma consequência desse processo imanente é
que, quando nos tornamos cientes da síntese,
percebemos que o que havíamos considerado Dialética
como contradição na tese era apenas aparente,
causada por alguma limitação em nossa
compreensão original.
Um exemplo dessa progressão lógica aparece no
inicio da ciência da lógica de Hegel, na qual ele
introduziu a noção mais geral e abrangente de “puro
T1 A1
ser” – que significa qualquer coisa sobre a qual, em
qualquer sentido, pode ser dito que exista. Ele então
A2
mostrou que esse conceito contém uma contradição – S1 /T2
isto é, o “ser puro” exige o conceito oposto de “nada”
ou “não ser” para ser compreendido inteiramente. S2 / T3 A3
Hegel revelou, então, que essa contradição é
simplesmente um conflito entre dois aspectos de um
conceito único, mais elevado, no qual eles encontram a S3 / T4
solução.
Essa resolução de uma tese (ser), com sua antítese
(não ser), numa síntese (vir a ser) é apenas o inicio do
processo dialético, que prossegue em espiral,
repetindo-se em níveis cada vez mais elevados. Isto é,
qualquer nova síntese acaba se aprofundarmos a LEGENDA
analise, por envolver sua própria contradição, e isso, T = Tese
por sua vez, é solucionada por uma noção ainda mais A = Antítese
rica ou “mais elevada”. Todas as ideias, de acordo com S = Síntese
Hegel, estão interconectadas dessa forma, e o
processo de revelar essas conexões é o chamado  Filosofia da história
“método dialético”. Ao afirmar que as estruturas de
pensamento são dialéticas, portanto, Hegel queria A discussão sobre a dialética de Hegel usa termos
dizer que elas não são distintas e irredutíveis, como como “emergir”, “desenvolvimento” e “movimento”. Por
Kant sustentava, mas que surgem a partir das noções um lado, esses termos refletem algo importante sobre
mais amplas, por meio desse movimento de esse método da filosofia: que ele começa sem
autocontradição e resolução. suposições e a partir do ponto menos controverso,
permitindo que conceitos mais ricos e verdadeiros se
A Dialética de Hegel mostra como os opostos revelem ao longo do processo de desdobramento
alcançam a resolução. Um estado de tirania, por dialético. Por outro lado, no entanto, Hegel
exemplo, gera demanda por liberdade, mas, uma vez argumentava que esses desenvolvimentos não são
que ela seja alcançada, só pode haver anarquia – até apenas interessantes fatos da lógica, mas
que um elemento da tirania seja combinado com a desenvolvimentos reais, que podem ser vistos em ação
liberdade, cirando a síntese lei. na história. Por exemplo, um homem da Grécia antiga
e um homem do mundo moderno obviamente pensam
TESE ANTÍTESE sobre coisas diferentes, mas Hegel afirmou que suas
próprias formas de pensar diferem, representando
tipos diferentes de consciência – ou estágios diferentes
Tirania Liberdade no desenvolvimento histórico do pensamento e da
consciência.
A primeira grande obra de Hegel, Fenomenologia
do espírito, fornece uma explicação do
desenvolvimento dialético dessas formas de
Lei consciência. O autor mapeou os tipos de consciência
que um ser humano individual pode possuir e avançou
SÍNTESE gradualmente até as formas coletivas de consciência.
Ele fez isso a fim de demonstrar que, tais tipos de
Na visão de Hegel, a síntese surge de um consciência encontram-se internalizados em períodos
antagonismo da tese, a antítese; sendo que a própria históricos ou acontecimentos particulares – por
síntese torna-se uma nova tese, que gera sua própria exemplo, nas revoluções Americana e Francesa.
antítese, a qual finalmente dá à luz outra síntese. De fato, Hegel mencionou que em certas épocas o
Nesse processo dialético, o espírito alcança um espírito usa indivíduos, como Napoleão Bonaparte,
entendimento cada vez mais preciso sobre si mesmo, para forçar a historia ao próximo passo de seu

58
desenvolvimento – independentemente dos motivos assegura a efetivação do fim a que se dirige a história
dos próprios indivíduos, que ignoram o modo pelo qual é o Estado. O Estado é o material com o qual se
estão sendo usados pelo espírito. O progresso que constrói na história o fim último do espírito. Dessa
esses indivíduos deflagram é sempre caracterizado forma, Hegel explica a formação do Estado que, a seu
pelo fato de libertar os aspectos do espírito (sob forma ver, não se deve aos elementos habitualmente
humana) dos estados recorrentes da opressão, apontados: contrato social, fatores geográficos, livre
superando tiranias que podem elas mesmas ser fruto escolha; se deve à vontade do Absoluto, que se utiliza
da superação de tiranias anteriores. Essa ideia dos indivíduos e das situações. A primeira
extraordinária – de que a natureza da consciência tem manifestação do Absoluto se deu nos impérios
mudado através do tempo e de acordo com um padrão orientais, onde só o monarca era livre. Depois, no
visível na história – significa que não há nada sobre os império romano, que estabeleceu a liberdade à
seres humanos que não seja de caráter histórico. Mais aristocracia. Finalmente, no Estado germânico, que
além, esse desenvolvimento histórico da consciência tornou a liberdade patrimônio de todos, ocasião em
não pode simplesmente ter acontecido ao acaso. Já que o espírito Absoluto atingiu sua plena manifestação,
que é um processo dialético, deve em algum sentido ou seja, a realização plena da ideia de liberdade no
conter tanto um sentido particular de direção quanto mundo, atingindo assim, o que Hegel chama de
uma finalidade de “espírito absoluto”: com isso, ele Eticidade. A eticidade constitui-se de leis e
quer dizer um futuro estágio de consciência que já não instituições, sendo estas a família, a sociedade civil e o
pertence aos indivíduos, mas a realidade como um Estado. É o reino ético que realiza a ideia de liberdade,
todo. sintetizado por fim na figura do Estado. Dessa forma, o
Nesse ponto de desenvolvimento, o conhecimento Estado surge como uma instituição acima de todos,
seria completo – como deve ser de acordo com Hegel, que tem por finalidade a realização do bem comum e
já que o espírito abrange, pela síntese dialética, tanto da liberdade dos indivíduos. O estado não é uma
aquele que conhece quanto aquilo que é conhecido. instituição que coage as pessoas, o estado possui uma
Além disso, o espírito apreende esse conhecimento constituição, a qual ate o governante deve-se
como nada alem do que sua própria essência submeter. Somente a constituição esta acima de todos,
concluída: a assimilação completa de todas as formas e isso é um principio de liberdade – aspiração final do
de “alteridade” que sempre foram partes de si mesmo, espírito – pois se obedeço à constituição, obedeço
embora sem saber. Em outras palavras o espírito não aquilo que lutei – participei historicamente pela vontade
existe simplesmente para abranger a realidade. Ele do espírito – para construir. E se em algum momento
existe para estar ciente de si mesmo, como sempre aquilo não for mais o que queremos, podemos
sendo nada além do que o movimento rumo à modifica-la e atualizá-la, tal como celebra sempre a
abrangência da realidade. Como escreve na dialética hegeliana.
Fenomenologia do espírito, “a Historia é o vir a ser que
sabe, e que se mediatiza – [é] espírito extravasado no KARL MARX (1818-1883)
tempo”.
O que significa dizer que a própria realidade é Karl Marx, filósofo alemão do século XIX, nasceu
histórica? De acordo com Hegel, o que geralmente em 05 de Maio de 1818. Foi o maior expoente dos que
chamamos de “natureza” ou “o mundo” é também
idealizaram uma sociedade com uma distribuição de
espírito. “A natureza tem de ser considerada um
renda justa e equilibrada. Além de filósofo, foi também
sistema de estágios, um surgindo necessariamente a economista, cientista social, revolucionário socialista
partir do outro e sendo verdade imediata do estagio do alemão e cursou Direito e História nas Universidades
qual resulta”. Hegel afirmou, ainda, que um dos de Bonn e Berlim e foi um dos seguidores das ideias
estágios da natureza é a progressão daquilo que é de Hegel.
“apenas Vida” (natureza como totalmente viva) para
Foi expulso da maior parte dos países europeus
aquilo que tem “existência como espírito” (a totalidade
devido ao seu radicalismo. Seu envolvimento com
da natureza revelada como sendo sempre, quando radicais franceses e alemães, no agitado período de
apropriadamente compreendida, espírito). 1840, fez com que ele levantasse a bandeira do
Nesse estagio da natureza, começa uma dialética comunismo e atacasse o sistema capitalista. Segundo
diferente: aquela da própria consciência – das formas Marx, o capitalismo era o principal responsável pela
que o espírito absoluto assume em sua progressão desorientação humana. Ele defendia a ideia de que a
dialética assume rumo a sua autorrealização. A classe trabalhadora deveria unir-se com o propósito de
explanação de Hegel sobre essa progressão começa
derrubar os capitalistas e aniquilar de vez a
com a consciência, que primeiro pensa em si como
característica abusiva deste sistema que, segundo ele,
uma coisa individual entre outros indivíduos, ocupando era o maior responsável pelas crises que se viam cada
um lugar separado da matéria ou do mundo natural. No
vez mais intensificada pelas grandes diferenças
entanto, os estágios posteriores da consciência não sociais. Também participou ativamente de
são mais os dos indivíduos, mas dos grupos sociais ou organizações clandestinas com operários exilados.
políticos – e assim continua a dialética, aperfeiçoando- Foi o criador da obra O Capital, livro publicado em
se até alcançar o estágio de espírito absoluto. 1867, que tem como tema principal a economia. Seu
livro mostra estudos sobre o acúmulo de capital,
O Estado
identificando que o excedente originado pelos
trabalhadores acaba sempre nas mãos dos
O desenvolvimento concreto da ideia de Estado
capitalistas, classe que fica cada vez mais rica à custa
conduz a História. Assim, para Hegel, a instituição que do empobrecimento do proletariado. Com a

59
colaboração de Engels (1820-1895), Marx escreveu material, natural ou social, está em constante
também o Manifesto Comunista, onde não poupou movimento em busca da evolução e do progresso.
críticas ao capitalismo. Engels, além de amigo e
colaborador ideológico, era industrial e pode por - A dialética hegeliana é a dialética do idealismo,
diversas vezes, ajudar Marx financeiramente nos doutrina filosófica que entende a realidade dentro de
momentos mais críticos. Formularam suas ideias a uma essência, como algo não material (espírito)
partir da realidade social por eles observada: de um - A dialética marxista é a dialética do materialismo, que
lado, o avanço técnico, o aumento do poder do homem considera a matéria como a única realidade, com
sobre a natureza, o enriquecimento e o progresso; de efeito, nega a ideia como principio de tudo.
outro, e contraditoriamente, a escravidão crescente da - Segundo o materialismo dialético de Marx, é o
classe operária, cada vez mais empobrecida. material que determina o espiritual, ou seja, o concreto
O momento histórico anterior e o vivenciado por vem antes da ideia. Ao contrario da dialética idealista
Marx, diz muito sobre sua teoria. As revoluções de Hegel, que afima que a ideia é anterior ao concreto.
burguesas do século XVIII se encontravam, no inicio
do século XIX, ameaçadas pelas forças conservadoras Os níveis estruturais da sociedade
do feudalismo em decomposição, representadas pela
nobreza e pelo clero, ansiosas para restaurar o Para entender melhor esse processo do
absolutismo e excluir a burguesia do poder político. As materialismo histórico, Marx compara a sociedade a
forças revolucionárias eram representadas pela um edifício no qual as fundações (alicerce), seriam a
burguesia e pelo crescente proletariado, ambos Infraestrutura, que representa as forças econômicas;
descontentes com a situação socioeconômica. O enquanto o edifício em si, é a Superestrutura, esta
embate dessas forças se fez sentir em 1830 e 1848, por sua vez representaria as idéias, costumes,
nos grandes movimentos liberais e nacionais que, instituições (políticas, religiosas, jurídicas, etc). O
iniciados na França, se estenderam por toda a Europa. primeiro nível, chamado de infraestrutura, constitui a
A partir de 1848, o proletário procura a expressão de base econômica (que é determinante, segundo a
sua própria ideologia, oposta ao pensamento liberal e concepção materialista). Engloba as relações do
inspirada de início no socialismo utópico. Começa a homem com a natureza, no esforço de produzir a sua
ficar mais clara à cisão entre as duas classes; cuja própria existência, e as relações dos homens entre si.
contradição será explicitada pelas teorias que criticam Ou seja, a relações entre os proprietários e não-
o liberalismo. proprietários; e os meios e objetos do trabalho. O
segundo nível, político-ideológico, é chamado de
O Materialismo Histórico Dialético superestrutura e é constituído:
A) pela estrutura jurídico-política representada pelo
Para Marx, a teoria hegeliana do desenvolvimento Estado. Segundo Marx, a relação de exploração de
geral do espírito humano não conseguia explicar a vida classe no nível econômico repercute na relação de
social, que se apresentava, de um lado, como avanço dominação política, estando o Estado a serviço da
técnico, como aumento do poder do homem sobre a classe dominante.
natureza, como enriquecimento e como progresso; B) pela estrutura ideológica referente às formas da
mas de outro lado, trazia a escravidão crescente da consciência social, tais como a religião, as leis, a
classe operária, cada vez mais empobrecida. Dando educação, a literatura, a filosofia, a ciência, a arte etc.
sequência às críticas ao idealismo hegeliano, Marx Também nesse caso ocorre a sujeição ideológica da
realizou a inversão desse mesmo idealismo, classe dominada cuja cultura e modo de vida reflete as
assentando as bases do materialismo dialético. ideias e os valores da classe dominante.
Consideremos o significado da palavra É a infra-estrutura que condiciona o modo de vida
materialismo, contudo, não no sentido vulgar, dos homens. O modo de produção da vida material,
carregada de conotações morais negativas, como por condiciona o processo de vida intelectual, política e
exemplo, à cobiça, avareza, inveja, egoísmo ou apego social. Não é a consciencia dos homens que
desmedido por dinheiro ou outros bens materiais; mas determina a realidade; ao contrário, é a realidade
na visão marxista, onde o termo materialismo se social que determina sua consiência. Portanto, para
refere à teoria filosófica preocupada em destacar a estudar a sociedade não se deve segundo Marx, partir
importância dos seres objetivos como elementos do que os homens dizem, imaginam ou pensam, mas
constitutivos da realidade do mundo. No plano social, da forma como produzem os bens materiais
esses seres objetivos, concretos, formam a base necessários à sua vida. No entanto, essas
material da sociedade. E essa base material é determinações não podem nos fazer esquecer-se do
constituída pela estrutura econômica que garante a caráter dialético de toda determinação: ao tomar
manutenção da existência coletiva. Para simplificar, conhecimento das contradições, o homem pode agir
portanto, a filosofia de Marx compõe-se de um ativamente sobre aquilo que o determina.
materialismo histórico dialético, ou seja, materialismo
porque destaca a importância dos seres materiais
como elementos constitutivos da realidade do mundo;
histórico porque o homem através do seu trabalho
consciente, consegue se manter na história,
acompanhando os diversos estágios evolutivos da vida
social; e dialético porque considera que a realidade

60
Relações sociais de produção → relações entre os
que são proprietários dos meios de produção, as
terras, as matérias primas, as máquinas - e aqueles
que possuem apenas a força de trabalho

Forcas produtivas

Ferramentas/máquinas/técnicas X Força de trabalho

Antagonismo de classes

No entanto, as forças produtivas só podem se


desenvolver até certo ponto, pois, ao atingirem um
estágio por demais avançado, entram em contradição
com as antigas relações de produção, que se tornam
inadequadas. Surgem então as divergências e a
necessidade de uma nova divisão de trabalho. A
contradição aparece como Luta de classes. Vejamos
como isso ocorre na história de humanidade.
Nas sociedades primitivas, surge quando os
homens se unem para enfrentar os desafios da
natureza hostil e dos animais ferozes. Os meios de
produção, as áreas de caça, assim como os produtos
são propriedades comuns, isto é, pertence a toda a
sociedade (comum primitiva). Outro exemplo é o modo
de produção escravista, que surge em decorrência do
aumento da produção além do necessário à
subsistência e exige o recurso a novas forças de
trabalho, conseguidas geralmente entre prisioneiros de
guerra, transformados em escravos. Com isso surge
propriamente a propriedade privada dos meios de
produção, e a primeira forma de exploração do homem
pelo homem com a consequente contradição entre
senhores e escravos. Dá-se então a separação entre
trabalho intelectual e trabalho manual. A ociosidade
passa a ser considerada a perfeição do homem livre,
enquanto o trabalho manual, considerado servil, é
desprezado. No modo de produção feudal, a base
econômica é a propriedade dos meios de produção
pelo senhor feudal. O servo trabalha um tempo para si
e outro para o senhor, o qual, além de se apropriar de
uma parte da produção daquele, ainda lhe cobra
impostos pelo uso comum do moinho, etc. A
contradição dos interesses das duas classes leva a
conflitos que farão aparecer, paulatinamente, uma
nova figura social, os burgos e consegue aos poucos a
liberdade pessoal e das cidades. A jovem burguesia
está destinada a desenvolver as formas produtivas que
em determinado momento exigirão novas relações de
produção.
O modo de produção capitalista é a nova síntese
que surge das ruínas do sistema feudal, ou seja, da
 Modos de produção contradição entre a tese (senhor feudal) e antítese
(servo). O que vimos agora é que o movimento
dialético pelo qual a história se faz tem um motor: a
Forças produtivas e relações sociais de produção luta de classes. Chama-se luta de classes ao
confronto entre duas classes antagônicas quando
Forças produtivas → são as ferramentas, as lutam por seus interesses de classe. No modo de
máquinas, as técnicas, o trabalho humano, ou mão de produção capitalista, a relação se faz entre o burguês,
obra. Tudo aquilo que permite a produção. que é detentor do capital, e o proletário, que nada
O processo dialético de luta dos contrários coloca possui e só vive porque vende sua força de trabalho.
em oposição às forças produtivas. Dessa forma A verdade é que essa relação não é nada menos do
surgem as relações sociais de produção. que a relação infraestrutura/superestrutura, que é
sustentada pelo capitalismo. Essa relação gera a

61
desigualdade social, a relação social de produção se revolucionário, deve destruir o Estado burguês e criar
transforma em relação de exploração, de uma classe um novo Estado capaz de suprimir a propriedade
pela outra. A única forma de acabar com essa relação privada dos meios de produção. A esse novo Estado
de exploração, seria para Marx a Revolução. Movida dá-se o nome de ditadura do proletariado, uma vez
pelo processo dialético, ela só se concretizará com a que, segundo Marx, o fortalecimento contínuo da
tomada de consciência critica da classe dominada. classe operária é indispensável enquanto a burguesia
Segundo Marx, essa tomada de consciência é não tiver sido liquidada como classe no mundo inteiro.
inevitável, assim, o Comunismo através do mesmo
processo dialético que move a historia, superará o Comunismo e Socialismo
capitalismo.
A Práxis De acordo com a teoria marxista, a diferença básica
entre o socialismo e o comunismo é a de que o
A filosofia marxista é também conhecida como primeiro é uma fase pela qual a sociedade tem que
filosofia da práxis. Práxis é considerada um dos passar para chegar ao segundo.
conceitos centrais, a grande descoberta da filosofia de No socialismo, a sociedade controlaria a produção e
Marx. Não se deve confundir práxis com prática. Ao distribuição dos bens em um sistema que prezasse a
analisar o ser social do homem, Marx desenvolve uma igualdade e a cooperação. Seria uma fase na qual
nova antropologia, segundo a qual não existe uma ainda existiria um Estado que ajudaria a controlar esse
“natureza humana” idêntica em todo tempo e lugar. novo sistema, sempre visando a sua evolução para
Para ele, o existir humano decorre do agir, pois, o atingir o comunismo. Neste último, as propriedades
homem se autoproduz à medida que transforma a privadas deixariam de existir bem como as classes
natureza pelo trabalho. Sendo o trabalho uma ação sociais e o Estado. Os trabalhadores seriam, portanto,
coletiva, a condição humana depende da sua os proprietários de seu trabalho e dos bens de
existência social. Por outro lado, o trabalho é um produção – como propõe Marx em sua citação “de
projeto humano e como tal depende da consciência cada um segundo as suas capacidades, a cada um
que antecipa a ação pelo pensamento. Com isso se segundo as suas necessidades”.
estabelece à dialética: homem-natureza e pensar-agir. Portanto, o comunismo pode ser encarado como
Marx chama de práxis a ação humana de um sistema de organização da sociedade oposto ao
transformar a realidade. Nesse sentido, o conceito de capitalismo e que viria a substituí-lo depois que esta
práxis não se identifica propriamente com a prática, passasse pela “fase de transição” entre eles, o
mas significa a união dialética da teoria e da prática. socialismo.
Isso é ao mesmo tempo em que a consciência é Existem também diferentes correntes dentro do
determinada pelo modo como os homens produzem a próprio socialismo, com o socialismo utópico e o
sua existência, também a ação humana é projetada, científico. O utópico surgiu primeiro e alguns de seus
refletida e conscientizada. Essa união da teoria à pensadores foram: Charles Fourier e Proudhon. Era
prática é uma ação revolucionária consciente e não um movimento de crítica social e luta política que
basta apenas alguns trabalhadores tomarem propôs um novo modelo de sociedade “ideal”. Em
consciência e lutarem contra a opressão, é necessário contraposição a ele, anos mais tarde, surgiu o
que toda a classe se conscientize, por isso ele diz no socialismo científico formulado por Marx e Engels que
(Manifesto do Partido Comunista): “trabalhadores do faziam uma profunda análise e crítica das sociedades
mundo inteiro, uni-vos”. ao longo da história e puderam propor algo mais real,
científico, em contrapartida aos modelos ideais e
A concepção marxista de Estado “românticos” dos socialistas utópicos.
http://poetawagner.blogspot.com/2012/07/quadro-teorico-comparativo-o-modo-de.html
Marx não dedicou um trabalho específico sobre a
análise do Estado, mas suas ideias a esse respeito
estão espalhadas por suas obras. Talvez isso se deva
ao fato de ele ter uma concepção negativa do
Estado, diferentemente de Hegel, para quem o Estado
era considerado o “deus terreno”, o momento final do
Espírito objetivo quando são superadas as
contradições da sociedade civil. Para Marx, o Estado
não supera as contradições da sociedade civil, mas é o
reflexo delas, e está aí para perpetuá-las. Por isso só
aparentemente visa ao bem comum, estando de fato a
serviço da classe dominante. Portanto, o Estado é um
mal que deve ser extirpado.
Ao lutar contra o poder da burguesia, o proletário
deve destruir o poder estatal, o que não será feito por
meios pacíficos, mas pela revolução. No entanto,
diferentemente dos anarquistas, Marx não considera
viável a passagem brusca da sociedade dominada pelo
Estado burguês para a sociedade sem Estado,
havendo a necessidade de um período de transição. A
classe operária, organizando-se num partido

62
engajamento, a liberdade deixa de ser apenas
imaginária e passa a estar situada e comprometida na
ação. Lecionou em Liceus (escolas) e nunca almejou
uma carreira universitária.
Ao lado de Simone de Beauvoir, também filósofa
existencialista e sua companheira de toda a vida,
Sartre participou da vida política não só da França,
mas mundial. Apesar de marxista, nunca deixou de
criticar o autoritarismo, sobretudo quando as forças
soviéticas invadiram a Tchecoslováquia. Saía à rua em
protestos e, com a imunidade que lhe conferia a sua
figura de cidadão do mundo, vendia nas esquinas (uma
prática proibida) La Cause du Peuple (A Causa do
Povo) Jornal maoísta, sem que ninguém ousasse
prendê-lo. Em 1964, toma conhecimento de que
pretendem conceder-lhe o Prêmio Nobel de Literatura.
Escreve uma carta ao comitê em Estocolmo,
informando que recusará o prêmio. Ainda assim, este
lhe é concedido, mas Sartre mantém a recusa. Afirma
que a outorga da distinção tem sido política,
privilegiando escritores do Ocidente ou aqueles que,
do bloco socialista, se rebelaram. Segundo ele, o
escritor não deve deixar-se transformar em instituição.
Essa rejeição – Única no gênero – provoca discussão
na mídia francesa e mundial aproxima novamente
Sartre do grande público.
Escreveu grandes obras como O ser e o nada (sua
principal em 1943), A Náusea (um romance de 1938),
O existencialismo é um humanismo (colocando o como
centro do objeto de estudo), O idiota da família (sua
última grande obra, sobre o escritor francês Flaubert,
onde coloca em questão o homem singular), A
cerimônia do adeus (poucos anos antes de sua morte,
narrados por Simone de Beauvoir), As palavras (um
https://www.diferenca.com/capitalismo-e-socialismo/
pequeno livro de memórias de sua infância, publicado
em 1963, que talvez o mais belo e o mais bem escrito
de seus livros), dentre outros. Em 1973 fica
JEAN PAUL SARTRE (1905-1980)
completamente cego, o que o impedia de fazer o que
mais gostava – escrever - e vítima de complicações
Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, a 21 de junho de renais, morre em Abril de 1980 aos 75 anos de idade.
1905, filho único, não chegou a conhecer o pai que Seu enterro foi acompanhado por cerca de cinquenta
morreu em 1906. Viveu a primeira infância com a mãe mil pessoas, que provavelmente se formaram à luz do
e os avôs maternos em Maudon, Interior da França. mito Sartre.
Segundo suas memórias, esse foi um período feliz, em
que começou a ensaiar os primeiros passos na Essência e Existência
literatura. Filósofo francês, pertencente à linha
existencialista, ou seja, que defendem que no homem,
O existencialismo forjou uma das expressões mais
a existência precede a essência; engajado, ateu, conhecidas do vocabulário filosófico: “A existência
adepto das ideias marxistas, foi um filósofo precede a essência”. O que ela significa?
contemporâneo com grande notoriedade e fama
Se pensarmos nos objetos que conhecemos,
internacional. Além de filósofo, foi romancista e
concluiremos que antes de existirem efetivamente, eles
teatrólogo. Escreveu romances, peças de teatro, são concebidos segundo uma “receita” de como
roteiros para cinema e textos de intervenção política. produzi-los, e têm uma finalidade preestabelecida (por
Sua produção intelectual foi fortemente marcada exemplo, antes de se fazer um corta-papel, há uma
pela Segunda Guerra Mundial e pela ocupação nazista concepção e uma técnica de como fazê-lo, e ele é feito
da França. Podemos dizer que há um Sartre de antes com uma finalidade precisa que está na mente do
da guerra e outro do pós-guerra, tal o impacto da fabricante antes que exista de fato como cortador de
resistência Francesa sobre sua concepção política de papel). Ou seja, antes de o corta-papel ser esse objeto
engajamento. Ele foi, nesse século, o exemplo mais que posso manipular, havia o projeto dele: sabíamos
brilhante do intelectual engajado, isto é, do “homem de como produzi-lo e como utilizá-lo. Nesse caso,
letras” que não se furta a usar sua autoridade
podemos dizer que a essência precede a existência.
intelectual como instrumento para agir sobre seu Ora, para o existencialismo esse raciocínio não
tempo. Engajamento significa a necessidade de o pode ser aplicado aos seres humanos. Para
pensador estar voltado para a análise da situação compreendermos a razão disso, é preciso saber que o
concreta em que vive tornando-se solidário nos existencialismo sartreano é ateu. Assim, se não há um
acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. Pelo

63
Deus criador, se não há um Deus para conceber o Liberdade, Escolha e Angústia.
homem e para lhe dar uma finalidade prévia (tal como
o artesão faz com o corta-papel), um Deus que Afirmar que a existência precede a essência, não é
construiria o homem à sua imagem e semelhança, simplesmente suprimir Deus, é colocar o homem como
então o homem simplesmente existe, e a sua um “nada” lançado no mundo, desprovido de uma
“essência” será apenas aquilo que ele fizer de si definição, ele será aquilo que ele fizer de si mesmo.
mesmo, aquilo que ele se quiser. Lançado no mundo sem perspectivas pré-
Por isso especifica que, ao contrário das coisas e determinadas, o homem determina sua vida ao longo
animais, no homem a existência precede a essência, e do tempo e descobre-se como liberdade, ou seja,
isso “significa que o homem primeiramente existe, se como escolha de seu próprio ser no mundo. Eis a
descobre, surge no mundo; e que só depois se define. origem da angústia, do desamparo e do desespero.
O homem, tal como o concebe o existencialista, se não A doutrina filosófica de Sartre é uma defesa
é definível, é porque primeiramente não é nada. Só ferrenha da liberdade humana. Uma liberdade que não
depois será alguma coisa e tal como a si próprio se é relativa, e sim uma liberdade objetiva, total. Somos
fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não totalmente livres, uma liberdade absoluta, peculiar a
há Deus para concebê-la. O homem é não apenas contingência do ser. E porque somos livres? Porque
como ele se concebe, mas como ele quer ser, como temos escolha. O homem faz de si o que é, e assim o
ele se concebe depois da existência, como ele se faz, pois, tudo em sua vida é de sua própria escolha. A
deseja após este impulso para a existência; o homem finalidade de nossa vida é nossa escolha. O homem
não é mais do que ele faz. Tal é o primeiro princípio do está escolhendo a todo o momento, é impossível não
conhecimento.” (J. P. Sartre, O existencialismo é um escolher, já que não é possível abrir mão de sua
Humanismo). liberdade. De todas as suas ações, apenas uma lhe é
Isso significa que o homem é antes de tudo livre negada: a recusa de sua liberdade. Quando reconhece
não há destino, vontade de Deus. Em todas as suas a dimensão de sua liberdade, se angustia, pois, a
ações, o homem só pode contar consigo mesmo. Ora, escolha implica na responsabilidade. A
isso implica uma nova responsabilidade. Não podemos responsabilidade é um fardo pesado, já que não é
mais aderir ao bem porque essa é a vontade de Deus possível dividi-la, pois não se divide a escolha, nem a
e porque temos medo da punição divina. Ou seja, a liberdade. Também não há Deus para dividir o fardo,
moral tradicional, baseada nos valores cristãos, não assim, o homem está sozinho no mundo, e é
serve para essa filosofia. Assim, o existencialismo responsável por tudo que faz.
filosófico chega à necessidade de se fundar uma nova A angústia é a tomada de consciência da liberdade.
moral, uma moral laica, sem Deus. Assim, a filosofia de Sartre se apresenta como uma
Qual é a diferença entre o homem e as coisas? É filosofia pessimista, pois, entende que a liberdade
que só o homem é livre. O homem nada mais é do que humana é uma maldição, e não uma benção.
o seu projeto. A palavra projeto significa,
etimologicamente: “ser lançado adiante”. Ora, só o A má fé
homem existe (existe) porque o existir do homem é um
“para-si”, ou seja, sendo consciente, o homem é um Eis que o homem, ao experimentar a liberdade, ao
“ser-para-si”, pois a consciência é auto-reflexiva, sentir-se como um vazio, vive a angústia, não
pensava sobre si mesma, é capaz de pôr-se “fora” de aguentam e fogem dela. A má fé é atitude
si. Portanto, a consciência do homem o distingue das característica do homem que finge escolher, sem na
coisas e dos animais, que são “em si”, como não são verdade escolher. Imagina que seu destino está
conscientes de si, também não são capazes de se traçado, que os valores são dados; aceitando as
colocar “do lado de fora” para se auto-examinarem. verdades exteriores, “mente” para si mesmo,
O que acontece ao homem quando se percebe simulando ser ele próprio o autor dos seus próprios
“para-si”, aberto à possibilidade de construir ele próprio atos já que aceitou sem críticas os valores dados. Não
a sua existência? Descobre que, não havendo se trata propriamente de uma mentira, pois esta supõe
essência ou modelo para lhe orientar o caminho, seu os outros para quem mentimos, enquanto a má fé se
futuro se encontra disponível e aberto, estando, caracteriza pelo fato de o indivíduo dissimular para si
portanto irremediavelmente “condenado a ser livre”. mesmo com o objetivo de evitar fazer uma escolha da
Enfim, o existencialismo é uma moral da ação, porque qual possa se responsabilizar.
considera que a única coisa que define o homem é o O homem que recusa a si mesmo aquilo que
seu ato. Ato livre por excelência, mesmo que o homem fundamentalmente o caracteriza como homem, ou
sempre esteja situado em determinado tempo ou lugar. seja, a liberdade torna-se “safado”, “sujo”, pois nesse
Não importa o que as circunstâncias fazem do homem, processo recusa a dimensão do “para-si” e torna-se
“mas o que ele faz do que fizeram dele”. “em-si”, semelhante às coisas. Agir de MÁ FÉ é uma
 Coisas (‘em-si): não são livres, mas determinadas e fuga equivocada da angústia. Equivocada porque,
definidas (fechadas em si mesmas). trata-se de escolher não escolher, o que é impossível,
 Homem (‘para-si’): é indeterminado e indefinido. É já que esse ato já se configura uma escolha. Não há
livre para fazer escolhas (criar essências e valores), fuga da liberdade humana, ou como diz Sartre: “Eu
pelas quais é responsável: a liberdade é o valor estou condenado a ser livre. Isto significa que não se
fundamental para a condição humana. “Para-si”, que a pode encontrar para minha liberdade nenhum limite
rigor não é nada, pois se a consciência não tem que não seja ela mesma; ou, se se preferir, que não
conteúdo, não é nada, não é coisa alguma. temos liberdade de deixarmos de ser livres”.

64
A responsabilidade coletiva Na verdade, Sartre provou ser um homem de
princípios, uma vez que ele já havia rejeitado a adesão
Tais colocações a respeito do existencialismo à Legião de Honra francesa, e também disse que teria
poderiam fazer supor que se trata de um pensamento rejeitado o Prêmio Lenin se tivesse sido oferecido a
que defende o individualismo, em que cada um estaria ele.
preocupado com a própria liberdade e ação. Contra ____________________________________________
esse mal-entendido, Sartre adverte: “Mas se
verdadeiramente a existência precede a essência, o FRIEDRICH NIETZSCHE
homem é responsável por aquilo que é. Assim, o
primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo Friedrich Wilhelm Nietzsche, filósofo
homem no domínio do que ele é e lhe atribuir a total Alemão, nasceu a 15 de outubro de 1844 em
responsabilidade da sua existência. E quando dizemos
Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu
que o homem é responsável por si próprio, não
pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram
queremos dizer que o homem é responsável pela sua
pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em
restrita individualidade, mas que é responsável por
seguir a mesma carreira. Naumburg, pequena cidade
todos os homens. (...), com efeito, não há dos nossos
às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em
atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos
companhia da mãe, duas tias e da avó. Criança feliz,
ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem
aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o
como julgamos que deve-ser. Escolher ser isto ou
chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma
aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que pequena sociedade artística e literária, para a qual
escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.
que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser
bom para nós sem que o seja para todos. Se a CRÍTICA A MORAL CRISTÃ
existência, por outro lado, precede a essência e se
quisermos existir, ao mesmo tempo em que
Nietzsche faz uma critica ferrenha a moral
contribuímos a nossa imagem é válida para todos e
cristã. Não se trata de uma simples crítica a religião ou
para toda a nossa época. Assim, a nossa
a Deus; não apenas mais uma defesa do ateismo.
responsabilidade é muito maior do que poderíamos
Nietzsche é mais radical, vai a raiz da questão, ele
supor, porque ela envolve toda a humanidade”.
critica a autoridade que a moral cristã possui.
Poderíamos até relacionar essa teoria sartreana
Para libertar a vida da prisão da moral dualista,
com um dito popular que diz: “a minha liberdade
própria do racionalismo metafísico que a intoxicou ao
termina onde começa a do outro”, pois, independente
longo de séculos (e ainda a intoxica de modo
da liberdade que tenho, devo ter a responsabilidade de evidente), Nietzsche atacou a moral cristã que, com
garantir também a liberdade das outras pessoas. É
algumas modificações, é um prolongamento da raiz
como diz Sartre: “... inserido num mundo pelo qual sou
platônica. Mas Nietzsche não é, por isso, um
inteiramente responsável, sem poder, faça o que fizer, «pregador» da desrazão, da imaginação fantasista e
separar-me nem que seja por um instante, desta delirante, da ignorância como conduta de vida. O que
responsabilidade, pois sou responsável, até pelo meu ele pretende mostrar é que o tipo de homem que a
desejo de fugir das responsabilidades”.
metafísica e a moral cristãs visam modelar é um tipo
fraco, no sentido em que, para ser moral, deve alhear-
 ENGAJAMENTO POLÍTICO SOCIAL se de uma parte da realidade, a mais concreta; a
dimensão da sensibilidade. Assim, descreve o homem
Recusa do premio Nobel. ideal da moral cristã como um «hemiplégico»,
paralisado de um lado. Tomar os valores idealistas e
No dia 22 de Outubro de 1964, o Instituto racionalistas por verdades absolutas é um sinal de
Nobel declarou o filósofo e escritor francês Jean-Paul decadência, mais, de uma vontade anárquica (que não
Sartre vencedor do Prêmio Nobel de 1964 em usa o espírito para embelezar os sentidos) e
Literatura. Isso causou um incidente público, porque rancorosa. Uma vontade que não ama a vida e denigre
era a primeira vez na história que alguém tinha aqueles que a amam tal como ela é. Ser fraco é fazer
rejeitado o prêmio por sua própria vontade (o prêmio de uma ilusão (Deus) uma autoridade absoluta,
também inclui uma quantidade substancial de infalível, perante a qual o homem se humilha: esse ser
dinheiro). Apenas um outro homem na história rejeitou ideal, invenção humana, vira-se contra o homem real
o prêmio desta forma – o vietnamita Le Duc Tho em que o concebeu. Ser fraco e doente, ter má relação
1973. com a vida, é ter necessidade de desprezar a realidade
Sartre explicou a razão por trás de sua decisão sensível, de agir, por ressentimento, contra o que se é
no jornal francês Le Figaro. Em primeiro lugar, ele incapaz de tornar sublime, de modelar, de embelezar:
lamentou que seu ato causasse um escândalo público. o corpo, realidade complexa, de sentimentos
Ele alegou que havia rejeitado o prêmio porque um caprichosos, de paixões súbitas, tenazes, sufocantes e
escritor deve permanecer independente das ilógicas. Ora o corpo não é bom nem mau. O que
instituições que concedem tais prêmios. Ele não queria acontece é que a sua extraordinária complexidade é
que o Prêmio Nobel o transformasse e o associasse mais subtil do que as simplistas antíteses da moral
com a Real Academia Sueca de Ciências. Finalmente, dualista; as paixões são umas vezes exaltantes outras
Sartre salientou que o Prêmio Nobel não trata vezes estúpidas. Os sentidos enganam-se mas que
escritores de todas as ideologias e nações de igual faríamos nós sem as suas reações finas, imediatas e
modo, uma vez que prefere modelos ocidentais.

65
instintivas, se estivéssemos à espera das reações ele julga: 'o que me é prejudicial é prejudicial em si',
elaboradas e frequentemente esquemáticas da razão. sabe-se como o único que empresta honra as coisas,
Eis porque os ídolos da metafísica e da moral que cria valores". Os conhecimentos que faz de si são
dualistas, nascidos de uma vontade fraca e doentia, honrados, ou seja, o nobre constrói uma moral da
são vazios e ocos, têm uma influência mórbida e estão glorificação de si mesmo, que consegue com prazer
condenados ao crepúsculo. exercer com vigor e dureza consigo e venerando tudo
Não há valores inscritos no céu: é a nossa vontade, o que é rigoroso e duro. Mas a moral de escravo tende
são os nossos instintos, as nossas paixões que, sob a a se rebelar. Essa rebelião começa quando o
capa da racionalidade, os criam. E se sentimos ressentimento desse tipo de moral torna-se criador e
necessidade de inventar ideais supraterrestres é gerador de valores. Na Genealogia, Nietzsche escreve
porque a nossa vontade doente e os nossos instintos que "[...] toda moral nobre nasce de um triunfante Sim
enfraquecidos não suportam a terra e, por cobardia, a si mesmo, já de início a moral escrava diz Não...” A
querem escapar-lhe. O mundo sensível é inversão que estabelece valores é algo próprio do
verdadeiramente real porque mutável vivo: é aqui que ressentimento.
realmente vivemos porque a vida é devir.
A questão é, de onde deriva essa autoridade Moral do escravo → reprimido pela moral cristã
que nos domina, e nos reprime, porque somos todos Moral do senhor → Que vive sua vontade de
comandados por essa suposta moral perfeita? Para potência, o “Super homem”
encontrar respostas, Nietzsche apresenta dois
conceitos fundamentais de sua doutrina: A vontade de potência e o “Super Homem”

Moral do senhor e Moral do escravo. Esse super-homem nietzschiano não é um ser,


cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta
Dentre as diversas morais existentes, entre as vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de
mais finas e as mais grosseiras, Nietzsche reúne seus dominar, faz-se dela algo dependente dos valores
traços mais comuns e chega a, pelo menos, dois tipos estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da
básicos e uma diferença fundamental. Na condição de vontade de potência como princípio plástico de todas
que há duas fontes para o nascimento dos valores as avaliações e como força criadora de novos valores.
morais, um deles tem que prevalecer e estabelecer-se Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar",
sobre o outro. Nietzsche apresenta as noções de "dar" e "avaliar". Nesse sentido, a vontade de potência
Moral do Senhor e Moral do escravo. Dentre as do super-homem nietzschiano o situa muito além do
muitas diferenças que separam a moral de senhores bem e do mal e o faz desprender-se de todos os
da moral de escravos, uma das mais importantes produtos de uma cultura decadente. A moral desse
relaciona-se à afirmação da própria diferença. A moral homem seria aquela que faça com que ele viva um
de senhores tem como base o sentimento de distância constante perigo e fazendo de sua vida uma
e superioridade para, assim, fazer as avaliações. Em permanente luta, trata-se de uma moral oposta à do
contrapartida, a moral de escravos baseia suas escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da
avaliações na igualdade e na fraqueza. Isso compaixão, da piedade cristã. Assim, para Nietzsche,
desemboca num antagonismo, separando as duas bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao
morais e, também, explicando a relação entre senhor e próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua
escravo. O primeiro toma o segundo como desprezível, substituição pelo orgulho, pelo risco, pela
considerando-o covarde, medroso, mesquinho. Por personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte
outro lado, o escravo rebaixa-se a si mesmo, desconfia é aquele em que realiza a transmutação dos valores,
do senhor e se deixa maltratar. fazendo triunfar o afirmativo na vontade de potência.
O fundamento da moral de escravo se dá no Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita
medo. Ele teme os que apresentam força e potência das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais",
que sejam diferentes à sua. Diante desse temor, cria- pois impossibilitam que se pense a diferença entre os
se uma moral em defesa da coletividade. Por não valores dos "senhores e dos escravos".
possuir impulsos que possam colocá-lo acima da
coletividade, o escravo opta por uma moral Dionisíaco e Apolíneo
generalizada e não particularizada ou individualizada.
A generalização que o escravo faz é uma reação de A moral cristã regida pela moral de escravos
medo diante do que lhe é diferente. A moral de escravo matou a natureza humana. Nietzsche quando defende
torna-se uma moral de autodefesa e suas avaliações que o homem viva sua vontade de potência,
são sua evidente característica. A avaliação dessa paralelamente faz uma defesa ferrenha dos instintos
moral estabelece que o bom é o que favorece a humanos, ou seja, defende a natureza em sua
coletividade. O mau, em contrapartida, é aquilo que plenitude. Um dos aspectos importantes para a
ameaça essa coletividade. compreensão da “explanação” que segue, é
Já o homem nobre, junto com sua moral de entendermos que os deuses gregos, diferentemente do
senhor, consegue elevar o tipo de homem que é Deus da tradição judaico-cristã, são imanentes à
fazendo deste homem o criador dos valores. Isso o Natureza, eles não estão fora dela; esses deuses têm
distingue dos demais, evidenciando o tipo de um grau de pertencimento intrínseco e nascem junto
avaliações que estabelece sobre a vida e sobre si com o “cosmos” diferentemente do Deus Judaico-
mesmo. O nobre acredita poder ser o responsável cristão que está fora do universo e o cria para o
pelas bases às quais os valores se estabelecem, "[...] homem. Portanto a Physis (“física”) grega, tem um

66
sentido bem diferenciado de como é considerada a porque julgamos nosso dever aturá-los. Nietzsche quer
nossa natureza desde o período da modernidade em por fim a tais filosofias que negam a vida, de modo que
diante (século XV); a physis grega era qualitativa e não a humanidade possa se ver de maneira diferente.
quantitativa como é estudada a “nossa natureza”, “Deus está morto”, e não se trata de um ataque a
podemos dizê-la como aquilo que se mostra e o que religião, mas algo muito mais audacioso. “Deus”, aqui,
aparece, o que brilha. O Thauma (espanto), a não significa apenas o deus sobre o qual os filósofos
perplexidade, admiração, estarrecimento, falam ou para o qual os religiosos rezam: ele significa a
maravilhamento, estranhamento, que aparece na soma dos valores mais elevados que podemos ter. A
natureza é um dos aspectos que nos seus primórdios morte de Deus não é apenas a morte de uma
levaram os homens à filosofia inicial, e assim os divindade, é também a morte de todos os valores ditos
primeiros filósofos são tratados como os filósofos da elevados que herdamos. Assim é chegada a hora de
natureza ou physis. reinventar os valores, deixar de negar a vida para vivê-
Apolíneo-dionisíaco é uma expressão relativa la.
ao que vem dos deuses: Apolo e Dioniso – expressão
popularizada e tratada por Nietzsche como um  O Niilismo e a Morte de Deus
contraste no livro “O nascimento da tragédia”, entre o
espírito da ordem, da racionalidade e da harmonia O niilismo do latim nihil (nada), é uma corrente
intelectual, representado por Apolo, e o espírito da filosófica que, em princípio, concebe a existência
vontade de viver espontânea e extasiada, humana como desprovida de qualquer sentido.
representada por Dioniso. Estudando o pensamento filosófico de Nietzsche,
encontramos um vasto campo de estudo acerca do
- Apolo: Bela Aparência; Sonho; Forma (limite); conhecimento humano. O niilismo está presente no
Princípio de individuação; Resplandecente; Ordem; conjunto das obras de Nietzsche. No entanto, o filósofo
Serenidade; etc. não encontra na história do pensamento ocidental
- Dioniso: Música; Embriaguez; Uno Primordial apenas conceitos negadores da existência. É de se
(não há forma, sem limite); Indiferenciação; ressaltar que ele dá vida a ideias que demonstram
Essência; Desmedida; Domínio Subterrâneo; etc. outra concepção da vida e do homem, portanto do
entender sobre o que é niilismo.
O homem constitui um elo com o mundo. Não Para fundamentar o conceito de niilismo,
deveríamos nos afastar dessa realidade que era temos que levar em consideração a crítica que o
vivenciada na época antiga. “O Nascimento da filósofo faz à moralidade cristã. A moralidade cristã
tragédia” apresentado por Nietzsche parece prever o está assentada na razão humana. Desta moralidade
que ocorreria com o homem um século depois de esse em uma visão metafísica, verifica-se que os primeiros
livro ser publicado, hoje o homem evita toda a finitude sintomas do niilismo são a noção de fraqueza e
e a “realidade” que é mostrada na tragédia grega. O exaustão do espírito. O fim da crença é a
homem dos nossos dias não aceita sofrer, não aceita consequência dessa inadequação, no qual os valores
enfrentar a dor, não aceita a angústia, procura afastar- de uma cultura até então vigente se desfaz trazendo à
se de “todo mal” através de medicamentos e mais tona o conflito interno. Trata-se de uma reação a todo
“medicamentos”, foge de tudo e de todos, utiliza-se de juízo de valor e uma avaliação desse conceito, isso
um movimento desenfreado, da agitação, das porque o valor das coisas, segundo a crítica do
“atividades”, evita a solidão, não dá tempo para si filósofo, parte sempre do existencialismo “vida”. Para
próprio, tem medo do “real”; e o pior é que a Nietzsche o niilismo se coloca em marcha desde o
“normalidade” da sociedade é uma loucura platonismo antigo, segundo ele, o cristianismo é a
assustadora. A propósito: Quem é “louco”? Quem é continuação desse platonismo, e é tratado pelo filósofo
“sano”? como doença, sendo o principal sintoma do niilismo.
Todos os valores do cristianismo são enraizados de
A transvaloração dos valores fora, desde a tortura e o suplício da consciência,
elementos de sua degenerescência, assim, o
Um dos objetivos centrais da filosofia de cristianismo passa a ser um tipo de decadência,
Nietzsche é o que ele chamou de “revaloração de relativa à sua estrutura originária e vindo a colaborar
todos os valores”, uma tentativa de questionar todas as com a formação dos juízos de valores – como
maneiras habituais de pensar sobre ética e sobre os processo natural dos grandes períodos de crise da
sentidos e objetivos da vida. Nietzsche insistiu que, ao humanidade.
fazer isso, estava inaugurando uma filosofia da alegria A interpretação essencial que viria culminar na
– que embora subverta tudo que imaginamos até agora aparição do niilismo como fenômeno é a frase basilar
como bem e mal, procura afirmar a vida. Ele defendia da filosofia de Nietzsche: “Deus está morto” – O “deus
que muitas das coisas que pensamos que sejam cristão”. O sentimento fundamental dessa frase é
“boas”, são, de fato, maneiras de limitar a (ou afastar vincular a ideia do Deus cristão como representação
as pessoas) da vida. do platonismo. Ele é a partícula central do platonismo –
Podemos pensar que não é “bom” bancar o o suprassensível e todos os conceitos que o integram:
tolo em publico e, assim, resistir ao impulso de dançar ideia, princípio, norma, regra, fim e valor. Essa
alegremente na rua. Podemos acreditar que os desejos representação trazida desde Platão traz a
da carne são pecaminosos e, então, punirmo-nos compreensão de que o niilismo é processo histórico e
quando eles se manifestam. Podemos ficar em metafísico circunscrito pelo rumo tomado no modo de
empregos tediosos, não porque precisamos, mas pensar do homem ocidental. O elo que existe entre

67
platonismo e niilismo pode representar para Nietzsche faz representação, representação é uma vontade
o acontecimento da história do ente que caminha para disfarçada na individuação. É nessa dinâmica que a
seu fim. vida como sendo sofrimento e dor deve ser entendida,
ao contrário de ser mera ofensividade.
NIILISMO NEGATIVO, PASSIVO E ATIVO. A representação é o mundo tal como nos aparece
na sua multiplicidade, porém, essa multiplicidade
No niilismo negativo, a vida perfeita será no representativa que o homem cria, é organizada e
mundo superior. Daqueles que acreditam que a vida articulada no espaço e no tempo. Surge ai dois
perfeita será em outra esfera (vinculado à religião, ao princípios: o princípio da individuação e o de razão. O
ascetismo). Aqui você não vive, não age como a princípio da individuação nos remete ao que
contingência que a vida exige. Schopenhauer concebe como sendo espaço e tempo,
No niilismo passivo que é aquele que diante da em suas formas de individuação e multiplicidade onde
vida se percebe: que o mundo está passando, que não os fenômenos ocorrem. Por princípio da razão, o
existe uma perspectiva e que não há um prêmio a se filósofo entende o caráter explicável que nós damos
alcançar. Para que buscar os bens? Para que buscar a aos fenômenos que se sucedem no espaço-temporal.
justiça? Se comemos e bebemos e no final da vida Ressalta importante a fazer é que a razão para
seremos aniquilados. Se a vida não tem sentido para Schopenhauer não é revestida do tradicionalismo
que a viver. Se “Deus não existe tudo é permitido”. filosófico socrático-cartesiano. A razão é mera ilusão;
Nietzsche entende que as pessoas usam isto para embora as representações do mundo sejam
fazer o que querem. Esta é a “Lei de Deus e Alegria organizadas pela nossa razão, a “verdade” será
dos Homens” (...) “Faz o que tu queres que há de ser sempre inacessível, sendo este título reservado à
tudo da lei” (...) (música: Sociedade Alternativa -Raul vontade. Tirando a vontade, conceito central da
Seixas). filosofia schopenhauriana, nada existe no mundo
Finalmente, temos o niilismo ativo, que é senão fantasias.
àquele que como o niilista passivo percebeu que o Schopenhauer revestiu a vontade com a
mundo não tem sentido nenhum. Nietzsche, talvez, se essencialidade metafísica, daí um dos pontos de
denominasse desta maneira. De fato, pesquisei e não discordância de Nietzsche. O elementar existente em
cheguei a nenhuma conclusão. Para o niilista ativo é toda vida é a vontade. Mas o que é a vontade? A
necessário viver a vida de tal maneira que ele vontade é um impulso cego presente em todos os
“arregace as mangas” e faça – viva de maneira intensa seres vivos, ela não é acessível à razão, mas se
– o mundo é um ciclo ininterrupto. É um Eterno Devir mostra através da razão. O objetivo da vontade não é
(como diriam os pré-socráticos). Ele (o ativo) tem que senão a satisfação, que também não é da ordem
viver intensamente hoje (sentir o vento bater no rosto, cognoscente.
sentir o sabor dos alimentos, a pele e o frescor de uma Porém o mundo não permite que essa vontade
mulher, etc.), Se não o fizer estará negando o mundo. seja satisfeita em sua plenitude, há obstáculos demais,
Nietzsche quer cair num buraco sem sentido de peito de tal forma que é exatamente nesse contexto que
aberto e dançando diante do caos. Por isso, Nietzsche devemos entender o mundo como sendo sofrimento e
abomina os covardes, pois os que adotam o niilismo - dor para Schopenhauer.
que não seja este niilismo ativo - estão sendo covardes Não há nenhuma forma de satisfação da
diante da vida. Nietzsche diz que não se assombra vontade em sua integridade, quando não muito um
diante da vida e da modernidade, porque se não existe pouco de gozo, mas que tão logo dissipa no
Deus e sendo que a vida não tem sentido, “às favas” surgimento de outras necessidades. É nesse
com este “deus incorpóreo”, eu é que crio os meus movimento incessante pela busca de satisfação, sendo
valores. Recebo os “golpes” da vida, mas EU “sinto” ela jamais obtida de forma integral, que a vida é uma
(isto é importante para Nietzsche.). sucessão de sofrimentos com alguns pontos de prazer.
São na alternância entre sofrimento e prazer, desejos e
decepções que surgem com o devir que a vontade se
OS FILÓSOFOS DO “MOMENTO”
manifesta. A vida em total equilíbrio é impossível, a
vontade é movimento constante em busca da
satisfação, é o nascer e o perecer incessantemente
 Arthur Schopenhauer
sendo renovado. Nesse sentido, somos eternos, pois
sendo vontade a essência da vida para Schopenhauer,
ela é sempre sucessão infinita presente na Vida, um
eterno ciclo renovável.
A vontade reside fora do campo das
aparências e não habita o espaço-temporal. Somente
no corpo é que podemos perceber as suas
manifestações em essência, para Schopenhauer, o
homem é vontade. Mas se habitamos um espaço-
temporal, isto é, fora das acomodações da vontade,
como ela se apresentará no mundo?
A vontade se apresenta pelas representações.
Schopenhauer nos apresenta a sua ideia de Como anseio ávido, impulso básico e cego da espécie,
mundo na sua extensa obra chamada O mundo como ela se objetiva através do mundo das ideias. É por
vontade de representação (1818). O mundo em meio do princípio da individuação e da razão que a
Schopenhauer é vontade, e vontade se

68
vontade usa “roupagens” múltiplas para ser-no-mundo. duradoura, apaziguar a dor. Este caminho não é senão
A representação se mostra como expressão da a negação da vontade. Pelas representações oriundas
vontade disfarçada que disputa a matéria em um da vontade, o asceta faz dela uma arma contra si
espaço-temporal. mesma, nega-a através de suas representações que
Freud, na construção do inconsciente, apoiou- elegem ideais como elementos mais supremos e
se fundamentalmente na filosofia de Schopenhauer. primordiais para obtenção do gozo, e essa
Nietzsche, como já dito, também se apropriou da arquitetação se dá no plano suprassensível. Por estar
vontade, porém, desvestida de essência e verdade, e esse gozo representado no mundo das ideias, o
para além de sua função cega e negativa da vida, fez asceta, enganando a vontade, por assim dizer, não se
da vontade a força criadora que permite ao homem sabe por quanto tempo, irá desfrutar de satisfações.
fazer de si uma obra de arte ou se quebrar nela
mesma: a vontade de potência. É ingênuo atribuir a
Schopenhauer o termo pessimista tal como ele  Simone de Beauvoir
costuma ser significado para nós: fazendo oposição à
felicidade inventada pelos homens modernos, que tem
como essência a crença em um terno estado de
perfeito gozo ou a leviana ideia de que somente
“pensamentos positivos” devem fazer parte do nosso
itinerário.
Schopenhauer oferece nada mais que uma
interpretação para a vida. Uma vida que é vontade
cega num devorar-se a si mesma, sem cessar. A dor e
a destruição são intrínsecas a essa vida, pois a
vontade é indiferente à individuação, de tal forma que
ela necessariamente acarreta o sofrimento do outro e
de si. Um corpo habitado pela vontade não vê outro Nascida em Paris, em 9 de janeiro de 1908,
senão como inanimado, um meio para satisfação como Simone de Beauvoir estudou matemática no Instituto
qualquer objeto, decorrendo daí, tal como em Hobbes, Católico de Paris e literatura e línguas no colégio
uma natureza onde o homem é o lobo do homem. Sainte-Marie de Neuilly. Na Universidade de Paris
Com essa ideia terrível de vida, Schopenhauer (Sorbonne) estudou filosofia e conheceu outros jovens
não está sentenciando a vida no conformismo, não intelectuais, como Maurice Merleau-Ponty, René
está dizendo para nós fazermos guerra uns com os Maheu e Jean-Paul Sartre, com quem estabeleceu
outros. Conhecendo essa vontade cega que reside nos uma relação afetiva até sua morte. Tornou-se
subterrâneos da nossa existência, para Schopenhauer, professora e editou, com Sartre, a revista mensal Les
podemos buscar formas mais satisfatórias de Temps Modernes. Sua principal obra, o ensaio O
relacionamento com o mundo e com as outras Segundo Sexo, foi publicada em 1949 e se tornou um
vontades, isto é, com os outros seres vivos. grande clássico da literatura feminista. Escreveu
Como caminhos possíveis que Schopenhauer também obras de ficção, nas quais abordou questões
nos oferece para escapar do incessante devorar-se a da filosofia existencialista, além de análises políticas e
si mesmo imposto pela vontade, há a contemplação livros autobiográficos. Morreu em 1986, aos 78 anos,
estética e o ascetismo. O primeiro é a possibilidade de em Paris.
o homem transcender sua percepção de mundo,
libertar-se do desejo e, temporariamente, A FILOSOFIA DE BEAUVOIR
contemplando a aparência do belo, suprimir o
sofrimento. A arte, por excelência, é para Simone de Beauvoir é um ícone do
Schopenhauer um meio para contemplação capaz de pensamento filosófico feminista, e suas ideias
ofuscar a vontade. A contemplação pura da arte, estabelecem um profundo diálogo com o
descompromissada, faz o sujeito perder-se de si, ela é existencialismo sartreano. Jean-Paul Sartre defende a
independente do princípio da razão e atemporal. Por liberdade e a autenticidade de cada ser humano como
meio da arte o homem pode “apagar”, essenciais, não obstante a angústia que tal liberdade
momentaneamente, o mundo que é sofrimento e trazer pode nos trazer. São as escolhas de cada homem que
a visão confortante da percepção artística. A arte definirão a sua essência e poderão afetar o próprio
schopenhauriana também influenciou profundamente mundo. Ou seja, em vez de aceitarmos os valores
Nietzsche, sobretudo em O nascimento da tragédia, prontos da Igreja ou de uma tradição qualquer, somos
onde esta era vista ainda em seu caráter metafísico, o completamente responsáveis por nossos atos, por
que tempos depois Nietzsche eliminaria. Interessante nossas escolhas, valores e sentidos.
notar é que nessa relação inicial de mestre-discípulo, Nesse sentido, em sua obra O Segundo Sexo,
para ambos, a vontade é caos, sofrimento e Beauvoir lança a máxima: “Ninguém nasce mulher:
contradição, porém, enquanto Schopenhauer a torna-se mulher. Nenhum destino biológico,
vontade opera negando a vida, já que a satisfação será psíquico, econômico define a forma que a fêmea
sempre impossível, em Nietzsche ela é a própria força humana assume no seio da sociedade; é o
criadora para afirmar a vida, vontade do artista para conjunto da civilização que elabora esse produto
obter a alegria no mundo aparente. intermediário entre o macho e o castrado que
Já pelo outro caminho, pela via do ascetismo, qualificam o feminino”.
Schopenhauer acredita que é possível, de forma mais

69
De acordo com esse ponto de vista, o sexo é movimento estudantil, que acabava fazendo o jogo do
um fator biológico, ou seja, ligado à constituição físico- conservadorismo tecnocrático.
química do corpo humano. Outra coisa é o gênero.
Quando se fala em “gênero feminino”, fala-se em todas A FILOSOFIA DE HABERMAS
as características que a sociedade associa ao “ser
mulher”; quando se fala em “gênero masculino”, fala-se Em sua Dialética do Esclarecimento, os
em todas as características que a sociedade associa filósofos Adorno e Horkheimer, fundadores da
ao “ser homem”. Do ponto de vista, o gênero não é chamada Escola de Frankfurt, criticaram a razão
biológico-natural, mas um constructo social. Em oriunda do Iluminismo, a qual, na época utilizada como
outras palavras, “ser homem” ou “ser mulher” não é um meio de libertação, converteu-se em instrumento de
dado natural, mas performático e social, de maneira dominação, uma vez que o mundo passou a ser
que, ao longo da história, cada sociedade criou os administrado em nome da técnica: é o que chamavam
padrões de ação e comportamento de determinado razão instrumental, dirigida a fins. Para esses filósofos,
gênero. a razão instrumental teria, inclusive, atingido as obras
A orientação sexual, isto é, a quais gêneros de arte. A produção artística, longe de preservar sua
nos sentimos atraídos (física, romântica ou “aura” e sua autonomia, passou a ser produzida e
emocionalmente), por sua vez, seria ainda um terceiro condicionada de acordo com uma lógica de mercado.
fator, diferente do gênero ou do sexo. A liberdade de A Indústria Cultural, nome usado por Adorno e
construção do gênero e da orientação sexual, Horkheimer, portanto, tornou as produções artísticas
diferentemente do dado biológico do sexo, é como a mercadorias como quaisquer outras.
tradição feminista, e queer, na atualidade, dialoga com Para Habermas, Adorno e Horkheimer,
o existencialismo. Lembre-se: existencialismo é uma confundiram um tipo particular de racionalização com a
filosofia que enxerga o homem como constructo de si própria razão. A razão, assim, não pode ser reduzida à
mesmo: pelas suas escolhas, é possível construir a sua perversidade utilitária, uma vez que ela possui
própria existência. Evidentemente, para os uma função comunicativa. Na estrutura da linguagem
existencialistas, quando nascemos, já existe uma cotidiana, assim, já está embutida uma exigência de
sociedade pronta, repleta de regras e padrões. Mas, racionalidade. A linguagem é uma verdadeira forma de
como dizia Sartre, não importa o que os outros fizeram ação: o simples fato de falar implica, além de uma
conosco, mas o que fazemos com o que fizeram com exigência de compreensão mútua, um ideal de
os outros. Nesse sentido, a liberdade de escolha de exatidão e veracidade e uma sinceridade. A interação
gênero seria uma maneira de exercermos essa com a linguagem, assim, sustenta que os indivíduos
liberdade existencial. partilhem um mundo objetivo, um mundo social e um
mundo subjetivo – essa é a base de sua teoria da ação
comunicativa.
 Jürgen Habermas Assim, Habermas reconcilia-se com a razão
ocidental e propõe um verdadeiro salto paradigmático,
buscando um conceito de racionalidade que seja
ancorado nos processos de comunicação. Se existe
uma racionalidade instrumental mediada pela
economia e pelo poder, existe todo um agir
comunicativo, que busca o entendimento e o
assentimento entre sujeitos, tendo em vista uma ação
comum, baseado na forma sem violência do discurso
argumentativo. No diálogo – quando ninguém é
“trapaceiro, nem um psicótico, nem um bêbado” –,
cada ser se investe numa troca em que só contam os
valores de razão, como reconhecimento, respeito e
Jürgen Habermas nasceu em 18 de junho de 1929, sinceridade.
em Düsseldorf, na Alemanha. Após obter um Habermas visa a fundar uma “ética da
doutorado em filosofia na Universidade de Bonn, em discussão”: em vez de um sujeito buscar fazer valer
1954, Habermas trabalhou como assistente de uma lei universal, é preciso buscar uma discussão na
Theodor Adorno, entre 1956 e 1959, no Instituto de qual as questões morais sejam objeto de debates,
Pesquisas Sociais, da Universidade de Frankfurt. dando lugar a acordos. Uma norma ética, para ele, só
Habermas emergiu como um dos principais expoentes é válida quando for objeto de uma livre discussão. Só o
da segunda geração da Escola de Frankfurt – à época, agir comunicativo, que tende ao entendimento entre os
uma nova corrente influenciada pelo marxismo, que se atores, pode ser a base ética de uma sociedade.
dedicava a reflexões e críticas sobre a razão, a ciência Habermas foi acusado, por muitos, de “reformista”,
e o avanço do capitalismo. Sua meteórica carreira pois, em vez de desesperar-se diante da democracia
universitária foi acompanhada por uma intensa burguesa, levou a sério suas potencialidades.
participação nos movimentos sociais de sua época. Na Em suma, como diz Habermas, a ação
carreira universitária, além de Frankfurt, trabalhou em comunicativa ocorre “sempre que as ações dos
Heidelberg, Starnberg (Instituto Max Planck) e na Nova agentes envolvidos são coordenadas, não através de
Escola de Pesquisa Social de Nova York, a partir de cálculos egocêntricos de sucesso, mas através de atos
1968. Sempre denunciou o que via como “elitismo” do de alcançar o entendimento. Na ação comunicativa, os
participantes não estão orientados primeiramente para

70
o sucesso individual, eles buscam seus objetivos ao erro. Assim, separa-se o que é “racional e
individuais respeitando a condição de que podem verdadeiro” do que é “errôneo e falso”. A loucura passa
harmonizar seus planos de ação sobre as bases de a ser silenciada do ponto de vista filosófico e internada
uma definição comum de situação. Assim, a do ponto de vista institucional: “A loucura foi colocada
negociação da definição de situação é um elemento fora do domínio no qual o sujeito detém seus direitos à
essencial do complemento interpretativo requerido pela verdade”.
ação comunicativa”. – No fim da Idade Clássica, reformistas começaram a
ver esse confinamento do louco como uma barbárie,
pois a loucura não era um “crime”, mas uma “doença”.
 Michel Foucault Cria-se o mito de que há um “homem normal”, anterior
à doença, e, em contrapartida, define-se o “louco”
como um “doente”, que estaria distante da
normalidade. A partir desse momento, os loucos foram
liberados do encarceramento e postos sob cuidados
médicos. O “louco” torna-se, ainda, um objeto de
estudo.
Foucault mostrou que a atuação do médico
sobre o louco só foi possível devido à mudança
filosófica do século XVII. Em outras palavras, a
atuação do médico sobre o louco depende menos de
seu conhecimento sobre medicina do que de sua
cultura.
Michel Foucault nasceu no dia 15 de outubro de Foucault também reflete sobre o sistema penal
1926, em Poitiers, na França. Seu pai era um cirurgião e a filosofia do poder, que aparecem amalgamados
renomado, lecionava na faculdade de medicina local e em Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. O
dirigia uma clínica bem-sucedida. O jovem Foucault, objetivo do livro era pensar toda a “tecnologia do
desde cedo, recusou-se a seguir a tradição familiar, poder”, que teria surgido no século XVIII. Para o
negando a medicina. Sua vida foi marcada pela filósofo, o domínio no qual se exerce o poder não é a
genialidade filosófica e também pelas “extravagâncias”, lei, mas, sim, a norma, que produz condutas, gestos e
como suas experiências no sanatório, o uso de drogas o próprio indivíduo moderno.
diversas, a bebida excessiva e as tentativas de Para regular a vida dos indivíduos existe o
suicídio. Os dois maiores amores de sua vida foram “poder disciplinar”, empregado em hospitais, escolas,
um compositor chamado Jean Barraqué e Daniel fábricas e prisões. Para explicar essa nova forma de
Defert, filósofo e ativista político, que permaneceu ao disciplina e vigilância, Foucault cita o clássico exemplo
lado de Foucault por quase 20 anos, numa relação do Panóptico (literalmente, “vê-se tudo”) para prisões.
aberta. Especialmente depois de lecionar na Trata-se de uma estrutura em forma circular,
Universidade da Tunísia, Foucault tornou-se ativo com uma plataforma de observação erguida no meio.
politicamente, chegando a entrar no Partido Comunista Isso possibilitava que um observador central
Francês (PCF). Morreu no dia 25 de junho de 1984, espionasse as celas situadas abaixo, ao redor do
vítima da aids. prédio. Cada prisioneiro nessas celas estava, então,
ciente de que suas atividades eram vigiadas o tempo
A FILOSOFIA DE FOUCAULT todo. As celas possuem uma janela para o exterior, por
onde entra a luz, e uma para o interior, de frente para a
Foucault tratou de temas como loucura, torre central, de forma que o vigilante da torre central
sexualidade, disciplina, poder e punição, hoje vistos pode ver os prisioneiros, mas não o contrário. O efeito
em várias áreas do conhecimento. Em História da do Panóptico é criar a aparente onipresença do
Loucura, ele procura mostrar como o conceito de inspetor na mente dos ocupantes, “induzir no detento
loucura mudou através dos tempos. Uma de suas um estado consciente e permanente de visibilidade,
ideias fundamentais é que a loucura não é algo da que assegura o funcionamento automático do poder”.
“natureza” ou uma “doença”, como acreditavam os Fazer com que a vigilância seja permanente
psiquiatras, mas um “fato de cultura”. Podemos em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua
enxergar quatro momentos na história da loucura: ação. O sucesso do poder disciplinar se deve sem
– Na Idade Média, os loucos vagavam livres pela dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar
sociedade e eram, em muitos casos, considerados hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação
sagrados. com o exame”.
– No Renascimento, a loucura é vista como “uma das O poder, portanto, é visível, pois o detento
formas da razão”, ou seja, um saber fechado, sempre verá a torre central, e inverificável, pois o
esotérico, que produz e manifesta a realidade de outro detento nunca saberá se está de fato sendo vigiado.
mundo e nos entrega o homem essencial, que em sua Sua essência, assim, repousa na centralidade da
natureza íntima é furor e paixão. situação do inspetor, combinada com as mais eficazes
– Foucault chama o período entre os séculos XVI e ferramentas para ver sem ser visto. É por meio dessa
XVII de Idade Clássica, que teve Descartes como técnica que a sociedade regula seus membros.
fundador da filosofia moderna. A partir da dúvida Segundo Foucault, o Panóptico não apenas aumenta o
sistemática, Descartes chegou ao que acreditava ser a poder das autoridades, como também induz os
Verdade e identificou a loucura como algo que nos leva indivíduos a internalizar aqueles que os vigiam,

71
garantindo o funcionamento automático do poder. De pela incerteza. O futuro tornou-se nebuloso e
maneira bem genérica, em síntese, esse efeito final é o indefinido. As “distopias” ou as “utopias negativas”
que Foucault chama de a microfísica do poder. “Nossa ganham força – sabe-se apontar problemas e
sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância. dificuldades no mundo, mas poucos sabem oferecer
Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco, alternativas consistentes a esses problemas e
mas na máquina panóptica, investidos por seus efeitos dificuldades. Como disse Leo Strauss, “a liberdade
de poder que nós mesmos renovamos, pois somos sem precedentes também foi acompanhada pela
suas engrenagens”. impotência sem precedentes. Criticamos o mundo,
nunca estamos satisfeitos, mas raramente sabemos o
que fazer com nossas críticas”. O sistema capitalista
 Zygmunt Bauman aparece para esses homens pós-modernos como a
única realidade possível, posto que eles duvidam que
o ser humano possa criar uma realidade diferente.
Incertos quanto ao futuro das sociedades, os homens
pós-modernos têm fixado suas esperanças e
expectativas no presente, no instante e no indivíduo;
por todos os lados, os anúncios publicitários e as
revistas conclamam as pessoas a “aproveitar o agora”,
“pensar em si mesmas”. O ser humano pós-moderno
substitui os projetos para o futuro pelo prazer
instantâneo, a produção pela especulação, o conteúdo
pela performance, a experiência pela flexibilidade e os
sonhos pelas ambições.
Zygmunt Bauman nasceu em Poznán, na Polônia, Além disso, a sociedade líquida, pouco
em 19 de novembro de 1925, em uma família de apegada aos seus antecedentes, é obcecada pela
judeus não praticantes. Em 1939, foge com os pais novidade: a nova notícia, a nova promoção, o novo
para a União Soviética, escapando do cerco nazista de carro, a nova rede social. Os laços que uniam os
Adolf Hitler sobre a Polônia. Bauman serviu na divisão homens ao passado são cortados, e vive-se numa
polonesa do Exército Vermelho durante a II Guerra espécie de “eterno presente”. Os produtos se renovam
Mundial e foi condecorado com uma medalha ao valor diariamente, e os empresários não temem anunciar
militar. Estudou filosofia e sociologia em Varsóvia, na que os próprios objetos produzidos já estão
Polônia, mas foi afastado devido à leitura de livros e “atrasados”. Da mesma forma, os trabalhadores do
artigos censurados. Crítico do autoritarismo soviético, século XXI vivem numa constante liquidez, numa
mudou-se para a Inglaterra, onde se tornou professor permanente incerteza e medo de ser “descartados”,
da Universidade de Leeds. Recebeu os prêmios Amalfi posto que a mobilidade e a flexibilidade das empresas
(1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e são tamanhas que, a qualquer momento, cortes
Adorno (1998, pelo conjunto de sua obra). Morreu em inesperados e mudanças de planos podem acontecer.
janeiro de 2017, aos 91 anos. A solidez das convicções, assim, foi substituída pela
liquidez do instante. Nos laços amorosos, observa-se a
A FILOSOFIA DE BAUMAN mesma tendência: relacionamentos fluidos,
inconstantes e momentâneos caracterizam nossa
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman utilizou época, que consagrou o conceito de “ficar”, expressão
o conceito de “Modernidade Líquida” (ou “Pós- da liquidez do amor.
Modernidade”) como forma de explicar como se
processam as relações sociais na atualidade. Para
Bauman, a modernidade “sólida”, forjada entre os
séculos XIV e XV e cujo apogeu se deu nos séculos
XIX e XX, teve como traço básico a ideia de que o
homem seria capaz de criar um novo futuro para a
sociedade, que cresceria em paralelo a uma vida Se você gosta de filosofia,
enraizada em instituições fortes e presentes, como o
Estado e a família. A confiança no homem e em sua assuma! Deixe que as pessoas
capacidade de moldar o próprio futuro seria o principal
traço desse período. te achem maluco, mendigo,
Segundo Bauman, a partir das últimas brisado, chato, maconheiro,
décadas, sobretudo após a queda do Muro de Berlim,
em 1989, essa modernidade “sólida” estaria em desempregado, pobre... Tenha
desintegração e seria gradualmente substituída por em mente o que diz Descartes:
uma modernidade “líquida”. A palavra liquidez remete à
fluidez, ausência de forma definida, velocidade, “Viver sem filosofar, é ter os
mobilidade e inconsistência. Esses seriam, para ele,
justamente, os traços essenciais das relações sociais olhos fechados sem nunca ter
na atualidade. tentado abri-los.”.
A antiga confiança “sólida” num futuro
perfeitamente arquitetado pela razão foi substituída

72
BIBLIOGRAFIA KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução
Manuela Pinto dos Santos; Alexandre Fradique. 5
ABELARDO, Pedro. “Epístola 13”, in Ph. Boehner ed. Lisboa: Fundação Calouste Gullbenkian,
e E. Gilson, História da Filosofia Cristã, Petrópolis, 2011.
Vozes.
LEITE, Flamarion Tavares. 10 Lições sobre Kant.
ARANHA, M.L de A. & MARTINS, M.H.P. Petrópolis: Vozes, 2011.
Filosofando. São Paulo, Moderna, 1986.
MOMDIN, Battista. Curso de filosofia. Tradução
ARISTÓTELES. A ética a Nicomaco. São Paulo. do italiano de Benoni Lemos. 11 ed, vol. 2. São
Martin Claret, 2006. Paulo: Paulus, 2009.

CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São MARX, Karl. Manifesto do partido comunista. São
Paulo, Ática, 2011. Paulo: Martins Fontes, 2005

CHAUÍ, Marilena; “Convite à filosofia”. São Paulo: LOCKE, John. Segundo tratado do governo civil.
Editora Ática, 1995. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia. São Paulo:


Editora Ática. 2010 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo:
Martin Claret, 2006.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia
2 – as escolas helenistas. São Paulo: Companhia REALE, Giovanni. História da Filosofia moderna e
das Letras, 2010. (pp. 13-69) contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.

COTRIM, Gilberto; “Fundamentos da filosofia”, ROUSSEAU, Jean-Jacques Rousseau. O contrato


São Paulo; Editora Saraiva, 1999. social. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

DESCARTES, René. Discurso do método. São SARTRE, J.P, O que é literatura. São Paulo:
Paulo: Unicamp, 2008. Ática, 1987.

_______. Meditações. São Paulo: Unicamp, 2008. _______. O ser o nada. São Paulo: Abril cultural,
1979.
GALLO, Sílvio. Filosofia, experiência do
pensamento, São Paulo; Scipione, 2013. COLABORADORES, Vários. O Livro da Filosofia.
São Paulo: Globo, 2011.
GILSON, Etienne. A filosofia da Idade Média. São
Paulo:Martins Fontes, 1995. SISTEMA DE ENSINO, Ético. Apostilas. Ribeirão
Preto, 2013
GAARDER, Jostein; “O mundo de Sofia”, São
Paulo; Cia. Das Letras, 1998. PROFESSOR, Livro do. Apostilas Plataforma
Eleva. 2017
HEGEL, G.W. Fenomenologia do espírito. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 2008. FILOSOFIA. Ensino médio. Apostilas SAE
DIGITAL S/A. Curitiba, 2018.
HOBBES, Thomas; O Leviatã. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. HTTP://WWW.ETERNORETORNO.COM/

HUME, David. Investigações acerca do HTTPS://GUIADOESTUDANTE.ABRIL.COM.BR/


Entendimento Humano. Cia. Ed. Nacional –
Edusp, 1991. HTTPS://BRASILESCOLA.UOL.COM.BR/

_______. Tratado da Natureza Humana. Lisboa: HTTPS://WWW.INFOESCOLA.COM/


Calouste Gulbenkian, 2008.
HTTPS://EDUCACAO.UOL.COM.BR/
KANT, Immanuel. Critica da razão pura. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 2008.

73
Como não é possível
ensinar Filosofia?
Como é possível ensinar filosofia? Questão
complexa! Concordo, não é fácil responder
essa pergunta com convicção. Mas qual é o
problema da possibilidade de se ensinar
filosofia? Ora, em que se diferencia ensinar
filosofia, de ensinar matemática? Isso
mesmo, matemática, ela é uma disciplina do
ensino médio como a filosofia. Dessa forma,
vamos trocar os papéis e perguntar: como é
possível ensinar matemática? Para quem
não entendeu esta proposital colocação
sobre o ensino de matemática, é só refletir sobre o seguinte: se perguntássemos a um aluno que
acabou de concluir o ensino médio e vai prestar vestibular, se ele esta preparado para a prova de
filosofia, é bem possível que ele responda não. Mas perguntemos se ele esta preparado para prova
de matemática... A questão é que o problema não esta na possibilidade e sim na necessidade, e não
importa se é possível ensinar filosofia, pois afirmo: não é só possível, é necessário ensinar filosofia.
A maioria dos professores que ensinam filosofia não se preocupa com esta necessidade, pelo
contrario se preocupam exatamente com a possibilidade, os valores são invertidos. Em primeiro
lugar, se existe filosofia, ela é necessária, se não, por que motivo existiria. Em segundo lugar,
reflitamos sobre um professor de química, quando ele ensina sobre a composição de uma
substancia nociva, será que é só para que o aluno tire boa nota? Ou também para que o aluno se
preserve a frente de um futuro contato com tal substancia? Diante disso, a filosofia seria apenas
figuração? Kant, Descartes, os filósofos em geral, quando elaboraram suas teorias, o fizeram
pensando apenas em serem assuntos de uma disciplina? Marx disse: “os filósofos se preocuparam e
interpretar o mundo, o que importa é transformá-lo”. Será que não cabe a nós que ensinamos
filosofia, realizar essa transformação? Os filósofos apresentaram suas interpretações, eles
passaram, mas elas ficaram. E ficaram porque, porque são necessárias, por isso não importa a
possibilidade, e sim a necessidade, e se é necessário, então é possível, pois, a filosofia esta ai para
isso, ser ensinada, utilizada, interpretada. Com isso, espero ter alcançado meu objetivo, que é
demonstrar a necessidade da filosofia, consequentemente a possibilidade de ensinar filosofia, e para
tanto o que me resta é lançar a questão: como não é possível ensinar filosofia?
José Roberto.

José Roberto é professor de Filosofia graduado e licenciado pela Universidade Federal de


Uberlândia. Trabalha nas redes: pública e particular de Uberlândia e em cidades da região
do triangulo mineiro. Leciona, além de filosofia, sociologia nos ensinos fundamental e
médio, em cursinhos preparatórios, entre outros. - “Sou um professor de humanidades,
um professor ‘raiz’; sou pai, filósofo, mas como um apaixonado pela sala de aula, sou
acima de tudo orgulhosamente professor. Minha mente inquieta me coloca longe da
‘normalidade’ social. Em busca sempre de evolução espiritual e do crescimento
profissional, a cada dia tento ser o melhor no que faço! Sou um progressista por essência,
logo, meu engajamento por mudanças sociais é quase que incorrigível. Minha relação com
a filosofia é, certamente, a mais sólida de toda minha história; não passa por crises, não
ha melindres e desconfiança; tudo que tem ali é cumplicidade e aprendizado, como
homem e cidadão devo tudo a ela!”
Um Abraço, Zé.

Você também pode gostar