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ANTROPOLOGIA

E
SOCIOLOGIA
1

ÍNDICE
I. A Sociologia e a Antropologia no conhecimento das realidades sociais

1.
1.1 A Formação disciplinar da sociologia/ antropologia: Objetos, métodos, conceitos e
autores ............................................................................................................................ 3
1.2 O social como objeto do conhecimento .........................................................................19
2. Problemas do conhecimento da realidade social. A rutura com o senso comum.................. 19

II. Para a análise da relação saúde, sociedade e cultura

1.
1.1 A relação indivíduo e sociedade .................................................................................. 23
1.2 Ação Social e Práticas Sociais ..................................................................................... 27
1.3 Instituições, Estruturas e Processos Sociais ................................................................. 28
1.4 Normas, Valores e Papéis Sociais ................................................................................ 31
2. Cultura(s): Identidade e Diferenciações
2.1 A construção do conceito científico de cultura ............................................................ 36
2.2 Do Etnocentrismo ao Relativismo Cultural ................................................................ 44
2.3 Símbolos e Rituais: Significados Culturais .................................................................. 46
2.4 Identidades Culturais: Análise de conceitos. Comunidade, Multiculturalismo,
Interculturalidade, Cosmopolitismo e Transculturalidade ........................................... 49
3. A Saúde como um fenómeno socio-cultural....................................................................... 51

III. Para a análise dos processos sociais e experiencias de adoecer e tratamento

1. Sistemas médicos e práticas terapêuticas. Itinerários e Pluralismo Terapêutico ................ 52


2. A doença, a dor e o sofrimento como experiencia.............................................................. 55
3. Enfermagem, profissões e instituições de saúde: saberes, controvérsias e estratégias ....... 57

IV. Questões Contemporâneas e Saúde: Processos de Transformação Social

1.
1.1 Religião e Saúde .......................................................................................................... 58
1.2 Rituais terapêutico-religiosos ...................................................................................... 59
2. Migrações, Migrantes e Globalização ................................................................................ 60
3. Família(s), parentesco e género .......................................................................................... 62
4. Cidadania(s): Análise de processos de inclusão/ exclusão em saúde ................................. 66
2

ÍNDICE – Resumo dos Textos


 Malinowski – Os Argonautas do Pacífico Ocidental: Introdução: objeto, método e alcance desta
investigação ........................................................................................................................................69
 Augusto Silva – A Rutura com o Senso Comum nas Ciências Sociais ........................................... 72
 Erving Goffman – A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias: Desempenhos .................. 79
 Erving Goffman – A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias: Papéis Discordantes ........ 82
 Denys Cuche – A Noção de Cultura nas Ciências Sociais: A invenção do conceito científico de
cultura (capítulo II) ........................................................................................................................... 87
 Denys Cuche – A Noção de Cultura nas Ciências Sociais: O triunfo do conceito de cultura (Capítulo
III) ...................................................................................................................................................... 87
 Anthony Giddens – Sociologia: Cultura e Sociedade ...................................................................... 94
 Robert Rowland – Antropologia, História e Diferença .................................................................. 102
 Gilberto Velho - Observando o familiar: Individualismo e Cultura (Notas para uma Antropologia
da Sociedade Contemporânea) ..................................................................................................... 104
 Denys Cuche – A Noção de Cultura nas Ciências Sociais: Cultura e Identidade (Cap.VI) ........ 107
 Mariza Peirano – Rituais Ontem e Hoje .......................................................................................... 111
 Didier Fassin – O sentido da saúde: antropologia das políticas da vida ........................................ 116
 Sofia Aboim – Tipos de família em Portugal: interacções, valores, contextos ............................. 119
 Luís Batalha - Religião e Sobrenatural (Capítulo 7) ...................................................................... 125
 Graça Carapinheiro - Saberes e Poderes num Hospital, uma sociologia dos serviços
hospitalares ...................................................................................................................................... 139
 Graça Carapinheiro – Equidade, Cidadania e Saúde. Apontamentos para uma reflexão
sociológica ........................................................................................................................................ 143
 José Machado Pais – Sociologia, Problemas e Práticas: Jovens e Cidadania ............................... 145
 Manuela Ivone Cunha e Jean-Yves Durand - Razões de Saúde e Política do Corpo ....................... 150
 E. Jean Langdon – Cultura e Processos de Saúde e Doença .......................................................... 153
 Graça Carapinheiro – A Saúde no Contexto da Sociologia ........................................................... 159
 Cecil Helman – Cuidado e Cura: os sectores de assistência à saúde – Cultura, Saúde e Doença...161
 Ramon Sarro – O sofrimento como modelo cultural: uma reflexão antropológica sobre a memória
religiosa na diáspora africana ....................................................................................................... 168
 Arthur Kleinman – Discourse between Anthropology and Medicine: What is specific in biomedicine?
…………………………………………………………………………………………………..…..169
 Jean Langdon e Flavio Wilk – Antropologia, saúde e doença: uma introdução ao conceito de cultura
aplicado às ciências socias ............................................................................................................ 176
 Relatório da Comissão Gulbenkian sobre Reestruturas das Ciências Sociais – Para Abrir as Ciências
Sociais .............................................................................................................................................. 179
 Sedas Nunes – Sobre o Problema do conhecimento nas Ciências Sociais .................................. 182
3

I. A Sociologia e a Antropologia no conhecimento


das realidades sociais
1.1 A formação disciplinar da
sociologia/antropologia: Objetos, métodos,
conceitos e autores.

A formação das ciências sociais deu-se devido à transformação social no séc. XIX –
revolução industrial. Deu-se uma grande acumulação das pessoas nas cidades e o social
começa a ser estudado como uma ciência.

o Sociedade: sistema de inter-relações que ligam os indivíduos. Esta influencia o


individuo e vice-versa, podendo-se dizer que somos produto e produtores da
sociedade. Resultado de consequências voluntárias e involuntárias da acção social.

 ANTROPOLOGIA

Definição: (final séc. XVIII): ciência do Homem e interpretação das diversidades


sociais e culturais. Primeiramente tenta-se aplicar ao Homem os métodos da física ou da
biologia, ou seja, causa-efeito exacto. Acompanha as transformações do Homem em
sociedade. Estuda as sociedades ditas primitivas, tendo o método privilegiado do estudo
etnográfico (observação participante). Empreendimento é influenciado pela alteridade
(estudavam o diferente/exótico).
 Estudo do Homem
 Evolução das sociedades
 Nunca como indivíduo isolado, mas em grupo
 Humanidade, estudar o comum através da diversidade (nascer, morrer, dor,
sofrimento)
 As sociedades são estudadas numa perspetiva evolucionista, das simples
(povos selvagens, primitivos) para as complexas (Europa, USA)
 Especializações da antropologia:
o Regionais: estudam as regiões do mundo (amazónia, África)
o Teóricas: só uma perspetiva da sociedade (médica, mágica, …)
4

“Aprender Antropologia” - Resumo

• Apenas no final do séc. XVIII é que se começa a constituir um saber cientifico


que toma o homem como objecto de conhecimento, e não mais a natureza.
Mesmo assim, este novo saber (antropologia) apenas adquire legitimidade na
segunda metade do século XIX.

• Nesta época, a antropologia resumia-se ao estudo das sociedades longínquas


(pelo que a separação entre o observador e objecto observado é,
principalmente, a distância geográfica). Estas sociedades tinham de ter as
seguintes características: sociedades de dimensões reduzidas/restritas, que
tiveram pouco contacto com os grupos vizinhos, cuja tecnologia é pouco
desenvolvida em relação à nossa e nas quais há uma menor especialização das
actividades e funções sociais.

• O estudo destas sociedades, também consideradas “simples”, irão permitir a


compreensão da complexidade (da sua organização complexa) das nossas
próprias sociedades.

• No inicio do séc. XX, o antropólogo apercebe-se que o se objecto de estudo


(estas sociedades “simples”) começa a desaparecer, dado que “até” o universo
dos “selvagens” não é poupado à evolução social. Sendo assim, os
antropólogos seguiram 3 caminhos:

o Aceitar a sua “morte” e virar-se para outras ciências sociais/humanas


o Sair em busca de outro objecto/área de investigação, como por exemplo,
o camponês (“este selvagem de dentro”) das sociedades mais
“complexas”. Esta pesquisa etnográfica foi denominada de folklore.
o Por fim, a opção mais importante e mais utilizada foi a transformação da
abordagem a ser tomada: a especificidade de sua prática deixou de ser
através de um objecto empírico, passando a ter uma abordagem
epistemológica, ou seja, a antropologia é apenas um certo olhar sobre o
estudo do homem inteiro e sobre o estudo do homem em todas as
5

sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as


épocas.

• Com este aperfeiçoamento das técnicas de investigação, a antropologia dividiu-


se em cinco áreas principiais, as quais não devem ser dominadas inteiramente
no conjunto, mas apenas serviram como “sensibilizador” do antropólogo, dado
que estas mantêm relações estreitas entre si.

• Antropologia biológica/física consiste no estudo das variações dos caracteres


biológicos do homem no espaço e no tempo, estudando o seu património
genético e as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio
ambiente (assim como a sua evolução). Exemplo: “porque o desenvolvimento
psicomotor da criança africana é mais adiantado do que o da criança
europeia?”. (tem um papel bastante importante para que as relações entre
pesquisas da ciência da vida e as das ciências humanas não se rompam).

• Antropologia pré-histórica consiste no estudo do homem através dos vestígios


materiais enterrados no solo (ossadas ou marcas de actividade humana). O seu
projecto (semelhante ao da arqueologia) visa reconstituir as sociedades
desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, mas também em
suas produções culturais e artísticas. A diferença entre historiador e especialista
em pré-história reside na forma de obter informação: o historiador é primeiro
um historiógrafo (analisa directamente textos), enquanto que o especialista em
pré-história recolhe pessoalmente objectos no solo.

• Antropologia linguística estuda a língua da sociedade em estudo, dado que esta


é parte do património cultural da mesma. É através do estudo da língua que
permite compreender: como os homens vivem e pensam (categorias
psicoafectivas e psicocognitivas – etnolinguística), como estes se expressam o
universo e o social (tradição oral, literatura, etc) e como interpretam os seus
próprios saberes e saber-fazer (etnociências). De referir que a antropologia
linguística não se resume ao estudo dos dialectos, mas sim de várias outras
disciplinas.
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• Antropologia psicológica consiste no estudo dos processos e do funcionamento


do psiquismo humano, De facto, o antropólogo, em primeira instância, é
confrontado com indivíduos, e não com conjuntos sociais. Ou seja, somente
através do estudo dos comportamentos (conscientes e inconscientes) dos
indivíduos é que pode apreender a totalidade da sociedade.

• Antropologia social e cultural (ou etnologia), por vezes apenas designada como
antropologia, consiste no estudo de tudo que constitui uma sociedade: modos
de produção económica, suas técnicas, sua organização politica e jurídica, seus
sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas,
sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas, etc. É este conceito de
totalidade que é necessário à antropologia. Como Lévi-Strauss afirma, o
importante é compreender aquilo que os homens “não pensam habitualmente
em fixar na pedra ou no papel” (nossos gestos, nossas trocas simbólicas, os
menores detalhes dos nossos comportamentos).

• A antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõe uma sociedade, mas
sim o estudo de todas as sociedades humanas, com o intuito (ou não) de poder
melhorá-las. Inicialmente, privilegiou o estudo das sociedades diferentes à
nossa (através da observação direta, por estudo de pequenos grupos humanos
com os quais estabelecíamos relações), mas atualmente estuda também a nossa
própria sociedade, através do “depaysement/estranhamento”.

• O estranhamento consiste na perplexidade causada pela análise de outras


sociedades na nossa própria sociedade, ou seja, através do estudo de outras
sociedades (e culturas), tornamo-nos “estranhos” à nossa própria sociedade e
verificamos que o que tomávamos por natural (gestos, acções, etc.) em nós é,
de facto, cultural. Modifica-nos, então, a forma de olhar que se tinha sobre si
mesmo, dado que, “presos” a uma cultura, somos cegos às restantes e míopes
à nossa.

• É este o conceito de alteridade, ou seja, através do estudo das várias sociedades,


podemos então estudar e conhecer a nossa (reconhecendo que a nossa é apenas
7

“mais uma”, entre outras culturas), sendo esta uma das características
principais da prática dos antropólogos.

• Aquilo que os humanos têm em comum é a capacidade de se diferenciarem


entre si (formando “culturas”), sendo que todas as acções realizadas por nós
são produto de escolhas culturais (mesmo o dormir, comer, etc).

• A abordagem antropológica provoca, então, uma revolução do “olhar”,


verificando-se que as sociedades diferentes da nossa, são tão diferentes da
nossa como entre si.

• Dificuldades na prática dos antropólogos:


 Nível das palavras, ou seja, da terminologia utilizada (Nota: Lévi-
Strauss considera que a etnografia, a etnologia e a antropologia
constituem três momentos do mesmo estudo. A etnografia é a recolha
directa e minuciosa dos dados para estudo. A etnologia consiste num
primeiro nível de abstracção, analisando os materiais obtidos e
analisando a lógica especifica da sociedade que se estuda. A
antropologia consiste num segundo nível de inteligibilidade, onde se
criam os modelos que permitam comparar as sociedades entre si.)
 Nível da cientificidade que se atribui a antropologia, ou seja, se será
possível o homem estudar cientificamente o homem, um objecto que é
da mesma natureza que o sujeito.
 A relação ambígua entre a Antropologia e a História, dado que foi
bastante difícil separar as disciplinas na prática dos seus estudos.
 O facto da instabilidade vivida no seio da disciplina da Antropologia,
com sucessivas oscilações (em terminologia, em objectos de estudo,
etc)
 Uma dificuldade bastante importante na actividade dos antropólogos é
a utilidade da antropologia, ou seja, existiu sempre uma grande dúvida
se o objectivo dos estudos antropológicos era conseguir “mudar” a
nossa própria sociedade, melhorando-a. Sendo assim, o pesquisador
torna-se um “antropólogo revolucionário”. Mas será correcto o
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antropólogo, como antropólogo, contribuir para a transformação das


sociedades que estuda?

• Ainda assim, existem duas urgências confrontadas no trabalho do antropólogo.


A primeira, a urgência de preservação dos patrimónios culturais locais
ameaçados, os quais se encontram em risco de desaparecer, devido à
globalização. Seguidamente, a urgência de analise das mutações culturais
impostas pelo desenvolvimento extremamente rápido de todas as sociedades
contemporâneas, ou seja, existe uma urgência não em criar/propor soluções,
mas sim em questionar e criar instrumentos de investigação que poderão ser
utilizados para reagir ao choque de aculturação.

• O antropólogo considera agora que só é competente apenas dentro de uma área


restrita (a antropologia das técnicas, económica, politica, do parentesco, das
organizações sociais, etc) da sua própria disciplina e para uma área geográfica
delimitada.

• Só no séc. XVIII é que se entra na modernidade, sendo possível apreender as


condições históricas, culturais e epistemológicas da possibilidade, que era a
antropologia. O projeto antropológico supõe a construção de um certo número
de conceitos (começando pelo o de “homem”), supõe a construção de um saber
que não seja apenas de reflexão (como a filosofia), mas também de observação.
Supõe ainda a instauração de uma problemática essencial: a da diferença, ou
seja, a análise de culturas/sociedades diferentes à nossa. Por fim, supõe um
método de observação e analise, o método indutivo, ou seja, onde os sistemas
“naturais” devem ser estudados empiricamente e, através dos dados, extrair
princípios gerais/leis.

• Mas, desde o séc XVIII, verificaram-se várias mudanças ao nível da


antropologia, especialmente em três aspetos:

1. A natureza dos objetos observados. Os relatos dos viajantes dos sécs.


XVI e XVII eram mais uma busca cosmográfica (fauna, flora, terra,
céu, homem físico) e não o homem em si (como é atualmente)
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2. A atividade epistemológica que se torna cada vez mais organizada, ou


seja, cada vez mais existe uma necessidade em processar a observação,
e não só observar (só em 1789 será dada a esta atividade um nome, de
etnologia)
3. Por fim, só no séc. XVIII é que se forma o par do viajante e filósofo,
formando-se também a Sociedade dos Observadores Do Homem
(1799-1805), formada por ideólogos, filósofos, naturalistas, etc, os
quais definem que o novo campo de saber/investigação é o homem em
si.

• O cientista naturalista passa a ser ele próprio a observar, testemunhando o que


analisa/estuda, deixando de acreditar nas palavras de um “informador”,
formando-se assim a “ciência de observação”.

• Por fim, os dois obstáculos maiores ao advento de uma antropologia científica


são a distinção entre o saber científico e o saber filosófico e a separação do
percurso antropológico do histórico do séc. XVIII (o qual só seria realizado no
séc. XIX, com o evolucionismo).

• Definindo, então, Antropologia….

“…história do pensamento do homem sobre o homem” (Strass, citado por Laplantine)

“…estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes, em todos os seus


estados e em todas as suas épocas” (Laplantine, 1991)

---» Compreensão dos aspectos específicos de uma sociedade, relacionados entre si,
procurando encontrar a especificidade dessa sociedade.

Grande preocupação da Antropologia


Então, Antropologia é: Antropologia
evoluiu. Outrora…
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 Estudo da vida social


 Estudo dos conceitos Universalidade e
Diversidade

Dependeu do colonialismo e do conhecimento dos povos no projecto imperial (os


registos sobre os povos “primitivos” eram feitos porque estes apresentavam diversas
diferenças relativamente aos povos europeus; estes registos tiveram começo na época
dos Descobrimentos) – criação do modelo sistema-mundo.

Teve necessidade de evoluir

No final do séc. XVIII era:

- a ciência do Homem (ampliar o Homem aos métodos da física e da biologia)


- estudo da história do homem sobre o homem
- estudo da diversidade cultural (a partir das populações ocidentais)
(com a “morte do primitivo” insiste-se no) estudo do Homem em todas as sociedades e
épocas

 SOCIOLOGIA

Definição: (início séc. XIX): ciência reflexiva (pois questiona quotidiamente as bases
em que produz o seu conhecimento), que estuda as relações sociais. Ao analisar uma
questão, encara-a como um facto social, discernindo de que maneira um dado fenómeno
é um fenómeno social. Coloca os factos em estudo no seu contexto social e investiga as
causas sociais dos factos, tentando explica-los em termos de encadeamento de
ocorrências que conduzem ao fenómeno analisado, e dos feixes de condições sociais
que o envolvem/determinam. Procura compreender, interpretar e explicar o sentido da
acção social, selecionando ângulos de abordagem. Uma das suas principais matérias-
primas são as ideias e opiniões que as pessoas transportam na sua relação com os
outros, fazendo isto parte da realidade social.
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“O que é a Sociologia” - Resumo

Principais interrogações da Sociologia:


Como se desenvolveu este mundo?

Porque são as nossas condições de vida tão diferentes das dos nossos pais e avós?
Que rumo tomarão, no futuro, os processos de mudança?

• O tema de estudo da sociologia é o nosso próprio comportamento enquanto


seres sociais.
• É o estudo da vida social humana, grupos e sociedade
• A esfera de ação é desde a análise de encontros casuais entre indivíduos
que se cruzam na rua até à investigação de processos sociais globais.
• A Sociologia mostra que é necessário adotar uma perspetiva mais abrangente
do modo como somos e das razões pelas quais agimos. Ensina-nos que o que
consideramos natural pode não o ser, e que o que tomamos como “dado” nas
nossas vidas é fortemente influenciado por forças históricas e sociais.

Desenvolvendo uma perspetiva sociológica: “olhar mais além”, significa cultivar a


imaginação.

• Sociologia ---» NÃO pode ser acumulação de conhecimentos. Um


sociólogo é capaz de se libertar do quadro das suas circunstâncias pessoais e
pensar as coisas num contexto mais abrangente. O trabalho sociológico
depende de imaginação sociológica.
• Imaginação sociológica implica abstrairmo-nos das rotinas familiares da
vida quotidiana de maneira a poder olhá-las de maneira diferente.
• Interação social + desempenho de rituais ---» fornece temáticas ricas para
o estudo sociológico.
• Sociológicos interessados nas razões pelas quais os contrastes existem. Para
eles é interessante perceber de que forma a globalização aumenta a consciência
das pessoas acerca de questões que se passam em pontos remotos do planeta,
incentivando-as a atuar no dia-a-dia em função desse novo conhecimento.
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• Estudar Sociologia: imaginação sociológica permite-nos ver quer muitos


dos fenómenos, que parecem dizer respeito apenas ao indivíduo, na verdade,
refletem questões mais amplas.
• Tarefa da sociologia: investigar as relações entre o que a sociedade faz de
nós e o que nós fazemos de nós próprios.
• Estrutura Social: conceito importante para a sociologia. Refere-se ao facto de
os contextos sociais das nossas vidas não consistirem apenas em
acontecimentos e ações ordenados aleatoriamente; eles estão estruturados, ou
padronizados, de diferentes maneiras. Mas a estrutura social não é como uma
estrutura física, que existe de forma independente das ações humanas.
Sociedades humanas nunca deixam de estra em processo de estruturação.

• Como pode a Sociologia ajudar-nos na nossa vida?


 Consciência das diferenças culturais: permite que olhemos para o
mundo social a partir de muitos pontos de vista.
 Avaliação dos efeitos das políticas: pesquisa sociológica fornece uma
ajuda prática na avaliação dos resultados de iniciativas políticas.
 Auto-consciencialização: sociologia permite-nos auto-
consciencialização (auto-compreensão) cada vez maior. Os grupos com
auto-consciência podem, com frequência beneficiar da investigação
sociológica.

• O desenvolvimento do pensamento sociológico ► Os primeiros teóricos:


Sociologia surgiu como parte de um importante processo intelectual – uso da
ciência para compreender o mundo. As origens da disciplina inserem-se no
contexto de uma série de mudanças radicais introduzidas pelas “2 grandes
revoluções” da Europa dos séc. XVIII e XIX – revolução francesa e revolução
industrial.
 Auguste Comte: inventou o termo “sociologia” (“física social”);
procurou criar uma ciência da sociedade que pudesse explicar as leis do
mundo social, à imagem das ciências naturais que explicavam o mundo
físico. Acreditava que a sociedade se submete a leis invariáveis, tal
como no mundo físico. Via a Sociologia como uma ciência positiva.
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Acreditava que a disciplina devia usar os métodos rigorosos das outras


ciências. O positivismo defende que a ciência deve preocupar-se,
apenas, com factos observáveis que ressaltam diretamente a
experiência. A abordagem positiva na Sociologia acredita na produção
de conhecimentos acerca da sociedade com base em provas empíricas
retiradas de observação, da comparação e da experimentação. Comte
foi importante para posterior profissionalização da sociologia enquanto
ciência académica.
 Émile Durkheim: (1858-1917); este autor não usava o conceito de
cultura mas sim de civilização. O seu objetivo era compreender o social
na totalidade das suas dimensões, o que inclui também a dimensão
cultural, analisada através de todas as formas de sociedades.
Preocupava-se em determinar a natureza do laço social. Acreditava que
devíamos estudar a vida social com a mesma objetividade com que se
estuda o mundo natural, “estudar os factos sociais como coisas”. A
principal preocupação intelectual residia nos estudos dos factos sociais.
Sociológicos deviam analisar os factos sociais – aspetos da vida social
que determinam a nossa ação enquanto indivíduos. Estes não podem
ser observados de forma direta (são invisíveis e intangíveis). As suas
propriedades podem ser reveladas através da análise dos seus efeitos ou
através de tentativas feitas para as expressar. Importante pôr de lado os
preconceitos e a ideologia ao estudar factos sociais.
 Karl Marx: capitalismo e luta de classes; mudança social (a
conceção materialista da história) ---» analisou a forma como as
sociedades se desenvolveram ao longo da história. Segundo Marx, os
sistemas sociais transitam de um modo de preparação para outro.
 Max Weber: tentou compreender as causas da mudança social; rejeitou
a conceção materialista da história. Para ele, os fatores económicos
eram importante, mas as ideias e os valores tinham o mesmo impacto
sobre a mudança social. Defendia que a Sociologia devia centrar-se na
ação social, e não nas estruturas. O sentido da Sociologia era procurar
entender o sentido por detrás destas ações. Elemento importante para
Max era o tipo ideal – forma “pura” de um determinado fenómeno.
Defendia que as pessoas seguiam a racionalização (organização da
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vida segundo princípios de eficiência e segundo o conhecimento


técnico).

• Olhares sociológicos mais recentes: 3 mais importantes correntes


sociológicas recentes ---» Funcionalismo, Perspetiva do conflito,
Interacionismo simbólico.
- Funcionalismo: estudar a interação interpessoal e analisar grupos, instituições e
sociedades como um todo; segundo Durkheim, o social deve ser explicado através
do social. Enfatiza a importância do consenso moral na manutenção da ordem e da
estabilidade na sociedade. Ordem e equilíbrio enquanto estado normal da
sociedade. ---» Auguste Comte; Émile Durkheim
Crítica: este realça excessivamente o papel de fatores que conduzem à coesão social.

- Perspetiva do conflito: sublinha a importância das estruturas na sociedade.


Rejeitam o consenso moral. Preferem sublinhar a importância das divisões na
sociedade. Vêm a sociedade como algo que é composto por diferentes grupos que lutam
pelos seus próprios interesses. ---» Marx, Weber

- Perspetivas das ações sociais: dão muito maior atenção ao papel desempenhado
pela ação e pela interação dos membros da sociedade na formação dessas estruturas.
Papel da Sociologia visto como a procura do significado da ação e da interação social.
Posição mais desenvolvida pelo interacionismo simbólico. Weber

- Interacionismo simbólico: todo o sistema social resulta da interação entre


indivíduos e grupos e nos contextos da vida quotidiana. Realça-se a importância do
papel dessas interações na criação da sociedade e das suas instituições. (Weber e George
Herbert Mead)

• Conclusão:
- Sociologia engloba uma variedade de perspetivas teóricas e esta diversidade é um
sinal de força e vitalidade da disciplina.
- Sociologia é uma disciplina em que nós pomos de lado os nossos próprios modos
de ver o mundo. Para observarmos cuidadosamente as influências que dão forma
às nossas vidas e às dos outros. Sociologia pode ter, ainda, implicações práticas
nas nossas vidas.
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• Definindo, então, Sociologia….

“…estudo da vida social, grupos e sociedades” (Giddens, 2004:2)

Estudo de todas as sociedades humanas e das relações que nestas são estabelecidas,
através da compreensão dos (novos) modos de vida das suas populações e da
interpretação das diferentes formas de organização. Faz-se uma comparação entre 2
perspetivas diferentes.

No início do séc. XIX, a Sociologia era:

- ciência da sociedade ---» estuda o comportamento dos indivíduos na sociedade


---» no contexto do grupo - surge com a modernidade
- “saber prever e prover” (A.Comte)
- estudo das maneiras de atuar, exercendo constrangimentos exteriores sobre os
indivíduos - estudo das relações sociais

A Sociologia obriga-nos a olhar mais além…


- a dimensão simbólica
- o facto em si
- a rede de relações sociais e económicas
- o processo de desenvolvimento social e económico do passado - as opções de
estilos de vida
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Como conhecer a realidade social?


 Rutura com o senso comum (ideias que achamos como certas);
 O conhecimento do quotidiano: observação (imponderabilidade da vida real) –
perceber a lógica;
 Diferença entre o problema social e o problema sociológico.

Problema social
Para que um fenómeno se constitua como um problema social, é necessário três
condições:
 É necessário que tenham ocorrido determinadas transformações dentro da
sociedade que afetem a vida de indivíduos, embora com efeitos diferentes;
 Que seja “visto/sentido” como “problema”, pelo menos por uma parte da
população, e que seja socialmente identificado com determinadas situações e/ou
categorias sociais, reconhecimento e legitimação. Tornar-se “digno” de atenção
pela sociedade;
 Um trabalho de institucionalização, que acerca dele se produzam interpretações
oficiais, feitos por peritos com competências reconhecidas, que a consagrem
“oficialmente” como um problema.

Problema Sociológico (reflexo do problema social)


 Definição: É uma interrogação que a investigação formula acerca de processos de
interrogação social e dos fenómenos que dele decorrem
 Aquilo que interessa ao sociólogo é o modo como um fenómeno passa a ser
interpretado como um problema social

 “Como conhecer a realidade social?”


 Construção de metodologias;
 Aplicação de métodos particulares.

Exemplo: Fazendo a Rutura


Problema Sociológico ≠ Problema Social
- Interrogações - Significa a desvalorização do casamento
- Quais as fases do divórcio - Desabar dos valores e famílias
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Etnografia
 Como processo de conhecimento de uma determinada realidade social;
 Estudar a sociedade “simples”, “primitivas” mas considera-las detentoras de uma
complexidade própria, independente do número de habitantes que a compõem
 Método etnográfico:
 Malinowski (1914) – O fundador do método etnográfico
 Kwper (1993)
 Leach (1957)

Importância do registo na língua dos narrativos e o ponto de vista do nativo, segundo


Malinowski
 Impossibilidade de estudar um fenómeno cultural isolado de outros fenómenos
culturais e sociais;
 As culturas integradas por instituições interdependentes cuja função é
responderem às necessidades biológicas e psicológicas;
 A ciência moderna demonstra que as suas instituições sociais têm uma
organização muito definida e que são governadas pela autoridade, lei e ordem nas
suas relações públicas e pessoais, estando estes últimos, para além disso, sob o
controlo de laços extremamente complexos de parentesco e de pertença clânica;
 Quanto mais pequena  mais bem organizada (todos os seus rituais têm o seu
sentido)

 Em que se destaca Malinowski:


 Método etnográfico;
 Trabalho de Campo;
 Aprender a língua nativa;
 Emoções;
 Escrita simultânea ao trabalho de campo;
 Primeiro a explicitar num texto os contextos teóricos e práticos;
 Trabalho antropológico orientado para mostrar os contrastes entre
visões naturalistas e humanistas da realidade social
 A etnografia é uma forma de as conhecer através do método específico
caracterizado pela presença do antropólogo em campo, junto dos sujeitos que
queira estudar (observador-participante) e não na “varanda”
18

Princípios do método etnográfico


O investigador deve:
 Guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos;
 Conhecer as normas e critérios da etnografia moderna;
 Providenciar boas condições de trabalho (viver com os nativos e primitivos);
 Recorrer a métodos especiais de recolha, manipulando e registando as suas
provas;
Outros contemporâneos
Segundo a opinião de livro/textos, praticar etnografia é:
 Estabelecer relações, selecionar informantes;
 Transcrever textos, levantar genealogias;
 Mapear campos, manter um diário;
 Compreender as relações estabelecidas.

Métodos e Técnicas
 Quantitativas
 Inquéritos;
 Questionários;
 Estatísticas
 Qualitativas
 Histórias de vida;
 Histórias de família;
 Trabalho-campo;
 Observação-participante.
o Diário de campo;
o Inventário;
o Genealogias;
o Ficha descritiva;
o Fotografia.
19

1.2 O social como objeto do conhecimento

A sociedade consiste num complexo de fatos sociais interdependentes.


O social é:
 Exterior (não depende de mim);
 Anterior ao indivíduo (no sentido de construindo por outros que não eles);
 Irredutível ao individual (reduz-se a um grupo);
 Total, pois inclui todos os fenómenos humanos produzidos pelos membros da
sociedade (económicos, culturais, morais, políticos, etc);
 Construído pelo modo como as pessoas orientam as suas ações (individuais e
coletivas) umas para as outras (interações e relações sociais). Desta orientação
mútua da ação, resulta uma troca de significados, de expetativas e de
comportamentos que constitui o social.

2. Problemas do conhecimento da realidade social. A


rutura com o senso comum.

A Rutura com o Senso Comum: Conhecer a realidade social

“O que é o conhecimento comum/senso comum? O que é conhecer?”


 Todo o conhecimento é uma construção social;
 É uma relação social entre o sujeito que conhece e um objeto/realidade que é
conhecida;
 Conhecimento da realidade ≠ Realidade em si
 Conhecer: interpretar aspetos da realidade, das suas dimensões e das relações
que nela ocorrem; é sempre uma tentativa de reconstrução do real que jamais
atinge a sua complexidade e pluridimensionalidade;
 Regras do método Sociológico  Durkheim
“ O homem não pode viver no meio das coisas sem fazer delas ideias segundo as
quais regula o seu comportamento”
20

Conhecimento Comum
 Conjunto dos saberes comuns e práticos construídos no decurso da vida de todos
os dias;
 É composto por ideias, noções, crenças, ideologias, descrições e explicações da
realidade e dos fenómenos sociais e físicos difundidos na sociedade e que são
tomadas como “evidência” da realidade;
 Serve para reconhecer, em termos práticos, o mundo a que se pertence e as
relações que com aquele os indivíduos e os grupos mantêm;
 Configura patrimónios simbólicos, culturais e práticos partilhados pelos
indivíduos e pelos grupos sociais sem os quais a vida social não seria possível.

Conhecimento Científico
 “A ciência é uma representação, intelectualmente construída, da realidade”.
Opõem-se às explicações baseadas no aparente.
 É uma forma de conhecimento que procura interpretar racionalmente fatos,
fenómenos ou processos do real através da colocação de interrogações ou
problemas teóricos e de atividades de pesquisa:
o um processo que consiste em procurar respostas para os problemas
teóricos colocados através do relacionamento de teorias
(conceitos/termos) e a utilização de métodos e técnicas de
experimentação e validação.
 Conhecimento Científico nas Ciências
 As ciências sociais foram constituídas por um processo de afirmação do
princípio de que o social é uma realidade autónoma e específica que só
pode ser explicada pelo social.
 Os fatos sociais só podem ser explicados:
o Pela aferição dos sistemas de relações entre eles;
o Por referência aos contextos histórico-sociais em que se inserem;
o São mais do que a soma das ações e formas de pensar individuais
(é necessário validação e refutação)
21

Processo de investigação

Definir Problema Teoria


(rutura/ construção)
Hipóteses/ Perguntas

Desenho do estudo
(conceitos, métodos e
técnicas)

Observação
(recolha de informação)

Interpretação

Resultados
(refuta/confirma/nova teoria)

Validação
(teoria/comunidade cientifica)
O que é o Social?
A sociedade consiste num complexo de fatos sociais interdependentes.
 O fato social é exterior (não depende de mim) e anterior aos indivíduos (já
existia o social), bem como irredutível ao individual (reduz-se a um grupo).
 O fato social é total pois inclui todos os fenómenos humanos produzidos pelos
membros da sociedade: económicos, culturais, morais, políticos, etc.
 São constituídos pelos modos como as pessoas orientam as suas ações
(individuais e coletivos) umas para as outras (interações e relações sociais).
Desta orientação mútua da ação, resulta uma troca de significado, de expetativas
e de comportamentos que constitui o social.

E o olhar antropológico/sociológico?
 Compreender como a sociedade se traduz na vida dos indivíduos, como a
sociedade se impõe na forma da constrangimentos e oportunidades;
 Compreender a sociedade ao nível dos indivíduos, como os indivíduos se
produzem na sociedade.
Sociedade ≡ Indivíduos
22

Quais as relações entre o saber comum e o conhecimento antropológico/sociológico?


Os saberes comuns fazem parte da análise sociológica, são uma das principais matérias-
primas do trabalho sociológico:
 Para conhecer o social é necessário inspecionar e questionar todas as
interpretações que os indivíduos, os grupos e as organizações sociais fazem da
realidade social em que estão envolvidos;
 Importa reconhecê-las e analisá-las, reconstruir conjuntos de significados
(conjuntos culturais ou simbólicos) e relacioná-las com outros aspetos da
realidade social (atividade do quotidiano, formas de convívio, relações do poder,
etc);
 Para o fazer, é preciso efetuar a rutura epistemológica, que nas ciências sociais,
tem características específicas porque implica ultrapassar determinados
obstáculos ao conhecimento do social.

A realidade social é-nos familiar, tanto ao cientista social, como a qualquer outra
pessoa. Todos temos explicações prontas e para nós evidentes sobre o que nos
acontece e o que se passa à nossa volta.
 A familiaridade com o social tem que ser alvo de distanciamento e crítica
reflexiva;
 O senso comum tende a basear-se em interpretações naturalistas, individualista,
etnocêntrica e ideológicas dos fatos e dos fenómenos sociais, ou seja, interpreta-
as:
 Por características de “natureza” da humanidade ou de certos grupos;
 Por fatores individuais (disposições psíquicas e para determinados
comportamentos de cada um);
 E em função dos valores dominantes na sociedade ou nos grupos e lugares
sociais a que pertence a quem interpreta.

Quem é que acha que deve faltar ao trabalho quando as crianças estão doentes?

1) Exemplo: Explicação Naturalista


Fica a mulher, o homem não sabe o que fazer.
2) Exemplo: Explicação Individualista
Ela sabe mais e dá mais atenção.
23

3) Exemplo: Explicação Etnocêntrica


A culpa é dos imigrantes.

Saber comum
 Saber imediato e prático, confunde o real com o aparente;
 Saber não crítico;
 Saber subjetivo baseado nas experiencias quotidianas individuais;
 Saber fragmentado e heterogéneo: resulta de acumulações de dados e ideias pré-
concebidas de proveniências diversas (processos de socialização, meios de
comunicação, culturas familiares, etc).

Saber científico
 Saber abstrato baseado na interrogação e observação sistemática e reflexiva do
real;
 Saber crítico;
 Saber objetivo sobre os aspetos e as causas dos fenómenos que estão para além
das aparências;
 Saber sistematizado resultante da acumulação teórica, da utilização de métodos e
técnicas precisas e da validação de resultados.

II. Para a análise da relação saúde, sociedade e


cultura
1.1 A relação individuo e sociedade

Indivíduo Sociedade

Sujeito autónomo Sujeito condicionado


condicionada
Ação individual Determinismos sociais

Subjetivo Objetivo

Das dualidades à articulação  Indivíduos e sociedade não são realidades separáveis.


24

Recurso teórico e objeto da teoria social


“Como pode ser ele (individuo), simultaneamente, mais pessoal e mais solidário?”

o “ A ideia de que cada pessoa tem um caráter único e potencialidade especiais que
podem ou não ser realizadas é alheia à cultura pré-moderna.” (Giddens, 1997)
o “ A imagem do individuo moderno baseia-se na emergência da problemática da
consciência de si e da subjetividade, como realidades opostas aos outros e à
exterioridade (máxima cartesiana), nas ciências sociais”.
o Progressiva importância do individuo nas relações sociais e no debate em torno das
novas formas de investigação social.

Processo histórico de individualização institucional

Teoria da Sociedade Moderna

Processo histórico de Modernização das sociedades Ocidentais

Processo histórico de individualização institucional

 Finais do séc. XIX a 1ª metade do séc. XX – 1º Modernidade ou Modernidade


Industrial
 Novos desenvolvimentos a partir da década de 30 do séc. XX. - 2º Modernidade
ou Modernidade Tardia.

1º Modernidade ≠ Autonomia da individualização


 Os indivíduos eram constituídos em consonância com um conjunto de papéis
prescritivos, ditados pelo coletivo (ex: família, comunidade).
2º Modernidade
 Maior flexibilidade na escolha e no desempenho de papéis;
 Planearem-se, compreenderem-se, desenharem-se e agirem como indivíduos
(Quem ser? Que fazer? Como agir?).

 Indivíduo socializado – o ajustamento do indivíduo à sociedade


25

 Indivíduo relacional
 Como o indivíduo, por via da sua ação (consciente), constrói a sociedade;
 Recusa da fórmula do ajustamento e de reduzir o ator ao programa da sua
socialização;
 Realça-se a importância que a conetividade, ou seja, o espaço
intersubjetividade da relação com outros indivíduos, tem para a
constituição de um sujeito com competência para atribuir significado ao
seu desempenho
 O sujeito tem para a capacidade cognitiva de dar início a uma ação e de
lhe atribuir um sentido
 A ação do sujeito não pode, por isso, ser um mero resultado de estruturas
(internalizadas ou constrangedoras)
 Não há indivíduos construídos mas, sim, indivíduos que constroem a
sociedade, através da sua ação e da reação do outro à sua ação.

 Conceção/Visão dialógica do individuo - O indivíduo é o lugar onde se articula


o ator e o sistema, a ação e os fatos sociais, a subjetividade e a objetividade, a
construção da sociedade e a imposição da sociedade aos atores. (Martucelli, Dubet)
 Paisagem cultural contemporânea coincida à busca da singularidade da
realização pessoal e da autenticidade (coerência) individual.
 Não está totalmente adequado aos seus papéis e interesses
 Não está totalmente socializado
 Tem de gerir problemas identitários e de coerência nos vários registos
na ação.
 Tende a construir-se pela bricolage de papéis, de
habitats/socializações/aspirações.
 Vive tensões entre ser, ao mesmo tempo, igual (incluído e integrado) e
diferente (original e autêntico).
26

A Socialização
Quais os mecanismos de fabricação de um indivíduo?
Uma visão do indivíduo como ser ajustado ou adaptado à sociedade e ao conjunto de
papéis que nela teria de desempenhar, por via de socialização. (Durkheim, Parsons)

Processo pelo qual os indivíduos se integram na


sociedade e a maneira como uma sociedade se
dota de um determinado tipo de indivíduos.

 Teorias de Socialização
 O papel das competências inatas na constituição do sujeito (Psicologia).
 As dimensões culturais da construção social do sujeito (Sociologia e
Antropologia).
 Os indivíduos são socialmente constituídos em relação estreita com os valores
e normas de conduta de uma cultura.
 Segundo Durkheim e Parsons, a socialização ajusta os indivíduos do seu lugar
na sociedade: articulação das estruturas de personalidades às estruturas
sociais.
1 Indivíduo = 1 Socialização

 A socialização permitiria a internalização das normas sociais pelo indivíduo e


a sua adaptação ao funcionamento da sociedade.
 A socialização já mais está acabada. É um processo relacional em construção
ao longo da vida.
 A socialização como realidade aberta e múltipla.

Síntese
Como se combinam indivíduo e sociedade na teoria social nas perspetivas
contemporâneas?

Individuo Sociedade

Sociedade Individuo
27

1.2 Ação Social e Práticas Sociais

 Conceitos de Ação Social, de Instituição Social e estruturas de Ação Social;


 Consideramos ação: todo o comportamento humano a que o sujeito da ação
associa um sentido subjetivo.

 Ação Social: é a ação em que o sentido que lhe é associado pelo sujeito/s se refere
ao comportamento de outras. Este conceito de Ação Social destaca a importância
do sentido que os indivíduos atribuem às ações e às dos outros para explicação do
social.
 Agência
o O processo de agir em relação a um conjunto de significados/ razões/
intenções
o Refere-se aos modos como os indivíduos, ao atribuírem, negociarem e
contestarem significados na ação social, produzem e são produzidos
pela sociedade.
 Max Weber distingue ação racional de outros tipos:
1. Ação Racional Instantânea: a ação em que os sujeitos procuram alcançar
determinados fins, selecionando os meios apropriados para tal, de acordo
com o contexto.
2. Ação Racional orientado por Valores: determinada por valores e normas
(justiça, verdade, etc)
3. Ação Racional Afetiva: determinada por sentimentos, paixões e
necessidades psicológicas.
4. Ação Tradicional: determinada por hábitos e tradições (uma cerimónia,
regras, etc)

Visões Complementares da Ação Social


 Teorias da ação Racional: da ação que é orientada por interesses, ou seja, por
uma racionalidade instrumental ou utilitária.
 Teorias da ação Interpretativa: da ação que é orientada por normas e valores ou
por uma racionalidade axiológica (valores) e cognitiva. Há interação que permite
a negociação.
28

1.3 Instituições, Estruturas e Processos Sociais

Instituição Social
 Conceito
 Na linguagem corrente chamamos instituições a organização social/ as
empresas/ hospitais/ associações/ organizações administrativas;
 Para a sociologia, estas organizações são atores coletivas;
 As estruturas não têm necessariamente uma estrutura organizacional: são
formas culturais prescritivos que definem, guiam e regulam os
comportamentos e as relações sociais, indicando e limitando o que é
socialmente desejável e permitido.

 Características
 São um conjunto de normas/ regras/ valores/ princípios gerais para agir/
expetativas quanto aos comportamentos a ter em determinadas posições
sociais (os papéis sociais);
 Resultam dos processos de fixação de sentidos que ocorre nas ações e nas
interações sociais;
 Orientam a vida social em diferentes escalas e pela sua repetição no
tempo e no espaço;
 Medeiam as relações sociais entre o nível de vida quotidiana dos
indicadores e o nível mais amplo das estruturas sociais pelo desempenho
de papéis sociais (expetativas)
 As relações de interdependência padronizadas entre as diversas
instituições sociais formam as estruturas sociais.

 Exemplos
 Macro-social: capitalismo/ industrialismo
 Meso-social: casamento/ religião
 Micro-social: fila/ troca de presentes
29

Estrutura Social
A sociedade não é uma simples soma do que os indivíduos fazem e pensam ou de
episódios sociais dispersos é estruturada

 Há regularidades duradouras nos fenómenos sociais: relações sociais e as formas


culturais tendem a formar padrões de organização da vida social com lógicas
específicas;
 As estruturas sociais são estes padrões sociais e as suas propriedades, ou seja, o
conjunto de propriedades emergentes e ordenadoras das relações e das ações
sociais, ao nível mais geral e mais amplo dos processos sociais
 Podem ser aprendidas, na composição socioeconómica da população e nos
quadros de valores e normas que vigoram na sociedade e orientam as ações sociais
 É uma rede de normas e ações relacionadas.

 A estrutura como uma ordem relacional


A conceção das estruturas sociais enquanto uma ordem relacional refere-se aos padrões
de interdependência entre as relações sociais e as posições sociais que os indivíduos nela
ocupam:
o De posições sociais numa ordem distributiva padronizada de recursos, que os
indivíduos ocupam desigualmente;
o Uma posição social corresponde à posse de determinados recursos (materiais e
culturais) e aos poderes que dela decorre.
o Os comportamentos sociais e os modos de pensar variam consoante a classe
social, ou seja, tendem a ser semelhantes nos grupos de indivíduos que ocupam as
mesmas posições, e, por isso, usufruem dos mesmos recursos.
o A conceção das estruturas sociais enquanto uma ordem institucional refere-se aos
padrões de interdependência das relações entre as instituições sociais e às posições
que os indivíduos, que na sua ação, elas ocupam.
o As relações entre as instituições são processos de regulação da ação no plano
normativo (regras de conduta legitimidade por valores) e de padronização de
definições culturais das posições sociais/ estatutos e das expetativas associadas a
essas posições: os papéis sociais.
30

o Cada posição social define um papel na vida social. Cada individuo ocupa várias
posições e, por isso, desempenha vários papéis.

 As estruturas sociais como sistemas


As estruturas sociais podem ser também concetualizadas como sistemas: padrões de
conexões interdependentes e organizadas entre segmentos diferenciados da sociedade
(económico, cultural, politico) em que cada segmento é explicado pela relação que tem
com o todo.
o Uma rede de formas de interdependência entre os componentes das estruturas
socias, sendo que se há uma mudança numa das partes tem consequências noutra
parte e no todo.
o Um conjunto de padrões especializados, das consequências da ação sendo cada
um uma parte da sociedade que tem uma função particular no todo, tal como os
órgãos do corpo têm as suas funções particulares. O sistema tem a capacidade de
auto-regulação: direciona, controla e reintegra os elementos que prejudicam o
seu funcionamento segundo uma determinada lógica.

Síntese
 As estruturas sociais podem ser concetualizadas como quadros de
constrangimentos/ condicionada da ação porque ordenam externamente os seus
ambientes: através dos posicionamentos desiguais dos indivíduos nas relações
sociais de interdependência que a constituem, limitam e potenciam as
possibilidades da ação (conceito de estrutura relacional externa).
 São também um quadro de meios possibilitadoras da ação: porque ordenam
internamente a ação, como realidade subjetiva (hábitos, propensões para agir), ao
mesmo tempo que limitam as possibilidades de agir; também sustentam o
desenvolvimento de diversos cursos da ação a estrutura é um meio para
agir (conceito de estrutura normativa internalizada)
31

1.4 Normas, Valores e Papéis Sociais


Normas Sociais
 Conceito: É uma escala de referência ou de avaliação, que define uma margem
de maneiras/manobras de perceber, pensar, sentir e agir, tanto as permitidas
como os repreensíveis.

 Caraterísticas

 As normas sociais definem as expetativas sobre o que é ou não apropriado


fazer em determinados contextos de ação e segundo as posições sociais
ocupadas pelos indivíduos papéis sociais
 São critérios interpretativos de escolhas que ocorrem na ação social e
podem expressar diferentes valores
 Definem limites onde a escolha dos fins imediatos da ação ou dos meios
para os alcançar são permissíveis e possíveis em determinados contextos

normas não são estáticas


 São propriedades emergentes da ação social, socialmente compartilhados,
e, portanto, constituintes das estruturas da ação social.
 As normas são essenciais para interações que lhe dão ordem, estabilidade
e previsibilidade, reduzindo a incerteza e a confusão, tanto ao nível das
opiniões, dos comportamentos e dos sentimentos. Essenciais porque
criam expetativas.
 Permitem prever como o outro vai reagir e encarar uma determinada
situação da interação, dando-nos a possibilidade de nos comportarmos de
acordo com isso.
 Sem normas não saberíamos comportarmo-nos nem como avaliar o
comportamento do outro.
Valores Sociais
 Conceito: São conceções sólidas e persistentes do que é desejável nas relações
sociais, numa determinada sociedade e num determinado tempo social.
32

 Tipos:
 Valores Societais – políticos e religiosos (ex: justiça, igualdade, respeito)
 Valores do Quotidiano – convívio e intimidade (ex: amizade, lealdade)
NOTA: Em determinadas idades os valores são diferentes.

 Questões essenciais:
 “Importa perceber o que valem os valores e para quem?”
 “Qual é a adesão a determinados valores pelos indivíduos ou grupos
sociais?”
 “Em que medida os valores aparecem como produto de divisões sociais
objetivos, como a idade, género e classe?”
 “Em que medida os valores sociais são, ou não, próprios de universos
culturais específicos?”

Papéis Sociais
 Conceito: são os conjuntos de expetativas, socialmente partilhadas, quanto às
regras de comportamento no exercício de determinadas atividades sociais.
Definidos pela hierarquia que ocupa na sociedade.

Dependentes de
Valor – Referência
Papéis- Prática

 Desempenho dos papéis condicionado por:


 Conjuntos de regras que as especificam;
 Interseções presentes e passadas de diferentes tipos de papéis num mesmo
agente
 Pelas posições sociais ocupadas pelos atores, e os quais condicionam as
possibilidades diferenciais de exercício daqueles papéis

 Os conjuntos de papéis sociais


São complexos das relações associados aos papéis de um determinado estatuto:
um agente pode desempenhar diferentes papéis, por ocupar diferentes posições
sociais/ estatuto (familiares, profissionais, etc), em cada posição ou estatuto, pode
33

desempenhar um conjunto da papéis por nessa posição se relacionar com diferentes


tipos de atores (que também podem desempenhar papéis)

Exemplo: O papel do médico, sendo definido na prática da relação médico-doente


implica, no seu desempenho, um conjunto de relações entre papéis: com os colegas
médicos, com as várias especialidades médicas, com a ordem profissional, com as
chefias hospitalares, com as enfermeiras, com a indústria farmacêutica, com os
doentes, etc…

A Ordem da Interação
Segundo Goffman, “ … considerarei o modo como o individuo em situações de
trabalho habituais se apresenta a si próprio e à sua atividade perante os outros, as
maneiras como orienta e controla a impressão que os outros formam dele, as diferentes
coisas que o poderá fazer ou não fazer, enquanto desempenha o seu papel perante os
outros.”

Tenta controlar o Há uma


impacto que o seu avaliação de
papel tem nos outros expectativas

 A Perspetiva Dramatúrgica (da Ordem da Interação)


 No processo de interpretação, os agentes atuantes usam e manipulam
guiões culturais partilhados: gestos, falas, territórios, cenários e adereços.

Performance ritualizada da interação/ Ritualização da vida quotidiana


(Goffman)

 A orquestração das performances na interação vai não só começar por


permitir a definição comum da situação da interação, como facilitar o
desenrolar dessa interação e a sua repetição (ordenação da vida
quotidiana)
 O mecanismo chave da interação é a assumpção (olhar a dimensão
processual da interação) e o desempenho de papéis.
34

 O desempenho performativo de papéis


 Desempenhos (Goffman): Qualquer atividade de um individuo que se
verifique durante um período marcado pela sua presença continua
perante um conjunto determinado de observadores e com alguma
influência sobre eles.
 Interação como desempenho
 Ator Sincero: acredita na impressão que visa causar
 Ator Cínico: não acredita na sua representação; visa iludir; não é
sincero

 Procedimentos no desempenho
 Realização dramática – procedimento tendente a transformar a
ação em espetáculo.
 Idealização – procedimentos de seleção da imagem a apresentar
perante os outros, reproduzindo os estereótipos de atuação a
desenvolver.
 Manutenção do controlo expressivo – eliminação de
características humanas contraditórias com o papel (ex: pessoa ≠
professora)

 Elementos da fachada
 Quadro em função do desempenho – aspeto cénico que
identifica o contexto da ação (“o mobiliário, a decoração, a sua
disposição e outros aspetos de pano de fundo que constituirão o
cenário e os alicerces do palco para o desenrolar a ação
humana.”)
 Fachada pessoal – aspetos distintivos do ator que o identificam
o Aparência – “estímulos cuja função momentânea é
comunicar o estatuto social do ator consoante o tipo de
atividade (formal, recreativa).”
o Maneiras/modos – “estímulos cuja função momentânea
é informar sobre o papel que o ator conta desempenhar
na interação da situação que se avizinha.”
35

 Visões do Individuo (Goffman)


 Retrata um individuo capaz de se metamorfesar nas diversas personagens que
a vida quotidiana lhe oferece e/ou impõe.
 Uso de estratégias (ex: fachada) de preservação da unidade da identidade (“eu
íntimo”) na diversidade das performances sociais, sujeitos a normas sociais.
 O individuo é mais do que as personagens que desempenha. É precisamente a
distância que estabelece entre si e os seus múltiplos papéis (em virtude do
omnipresente/ diferenciação social) e o controlo que é capaz de exercer nos
territórios do self que determinam a sua individualidade, o seu “eu autêntico
e intimo”.

 Problema (texto): No controlo de informação numa dada equipa/ grupo


social
 Equipas – são grupos que num determinado contexto têm
conhecimento de um segredo.
 Tipos de Segredos:
 Segredo Inviolável/ Inconfessável – a revelação pode prejudicar
a equipa;
 Segredos Estratégicos – equipa fica em desvantagem/ perigo
(ex: militares);
 Segredos Internos – (ex: num grupo de amigos);
 Segredos Confidenciais – foi confidenciado à pessoa como
segredo e não se pode mesmo revelar (ex: relação médico-doente;
 Segredos Facultativos – fomos nós quem descobriu, ninguém
pediu segredo; avaliar oportunidades e definir se há ou não
vantagem em contar.

 Papéis:
 Atores: Indivíduos que desempenham a ação na fachada e têm
permissão de acesso aos bastidores;
 Espectadores/ Audiência: Para quem é representado o
desempenho; acesso à fachada;
 Estranhos: Excluídos dos dois
36

 Papéis Discordantes:
 Informador/Traidor/Espião;
 Cúmplice
o Chamariz
o Falso espectador (ex:claque)
 Impostor/ Bufo
 Comprador Profissional/ Cliente (ex: olheiro)
 Intermediário/ Mediador
 Não-pessoa (existe, percebe, tem pensamentos e consciência,
sentimentos, mas, apesar de ser alguém, não é tratado como tal).

 Papéis Discordantes Complementares


 Especialista de serviço: desempenham uma parte do espetáculo
porque são especialistas mas não estão mesmo na ação,
funcionando como estranhos; há consciência de que aquela
pessoa vai ter acesso à informação
 Especialista Supervisor (ex: professores, pais);
 Confidente;
 Colega: tem o mesmo trabalho, partilha a mesma informação,
mas não entra na ação;
 Renegada: em função dos princípios morais, prefere sair da
fachada/ mentira

2. Cultura(s): Identidades e Diferenciações


2.1 A construção do conceito científico de cultura

Cultura ou Culturas? - Questão Essencial


1) Conceção Universalista de Cultura;
2) Conceção Particulturalista de Cultura;
3) Abordagem Unitária dos Fatos de Cultura;
4) Abordagem Diferencial
37

1) Tylor (1832-1917) e a Conceção Universalista de Cultura

 Fundador da antropologia britânica. Deve-se-lhe o reconhecimento dessa ciência


como disciplina universitária (1º titular da cadeira de antropologia no Reino
Unido – Universidade de Oxford)
 “Cultura ou civilização, no sentido etimológico mais lato do termo é esse todo
complexo que compreende o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o
direito, os costumes e as capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem
enquanto membro da sociedade.”
 Expressão da totalidade da vida social do homem.
 Dimensão coletiva do homem.
 Esta descrição da cultura pretende ser clara, simples, descritiva e objetiva, mas
não normativa, isto é que fórmula regras.
 Para Tylor a cultura é uma expressão da totalidade da vida social do homem,
caracterizando-se pela sua dimensão coletiva.
 A cultura é adquirida e não depende da hereditariedade biológica. No entanto, o
seu carácter e origem são adquiridas inconscientemente.
 Tylor acredita que em sociedades diferentes, se o homem for sujeito a condições
idênticas, o seu espírito opera da mesma maneira.
 Foi o primeiro a dedicar-se ao estudo da cultura em todos os aspetos, materiais,
simbólicos e corporais.
 Após uma temporada no México, ele chega á conclusão que a cultura dos povos
primitivos contemporâneos representava globalmente a cultura original da
humanidade, tratava-se de uma sobrevivência das primeiras fases da evolução
cultural, e pela qual, a cultura dos povos civilizados teriam passado
necessariamente.
 Este método da sobrevivência leva-nos ao método comparativo. Porque para
Tylor o estudo das culturas singulares não podia ser realizado sem a comparação
entre elas, uma vez que estavam ligadas umas às outras num movimento de
progresso cultural.
 Tylor ambicionava provar a continuidade entre a cultura primitiva e a cultura
mais avançada. Contrariando aqueles que afirmavam que o homem selvagem e
pagai amada tinham em comum com o homem civilizado e monoteísta. Entre
38

estes dois homens não há uma diferença de natureza, mas sim um grau de
avanço no caminho da cultura.
 Combateu com ardor a teoria da degenerescência dos primitivos, que afirmava
que não imaginavam que Deus tivesse criado seres tão selvagens. Esta teoria não
permitia reconhecer os “selvagens” como seres humanos.
 Para Tylor, os homens eram seres de cultura e a contribuição de cada povo para
o progresso era digna de estima.
 Apesar de a sua teoria ser de conceção evolucionista, ele não estava persuadido
que houvesse um paralelismo absoluto na evolução cultural das diferentes
sociedades. Por isso, considerou também a hipótese de difusionista.
 O facto de existir dois aspetos idênticos em culturas diferentes não provava que
elas estivessem com o mesmo desenvolvimento cultural, pois poderia ter havido
uma difusão de uma na outra.
 Edward Tylor é considerado o fundador da antropologia britânica.

2) Boas (1858-1942) e a Conceção Particulturalista da Cultura

 “Inventor” da Etnografia;
 Fez um trabalho de campo juntos de algumas tribos de indios norte-americanos:
Kwakiutl, Chinook, Tsimshiun.
 Toda a obra é uma tentativa visando pensar a diferença. Para ele, toda a
diferença fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial.
 Interessado mais em estudar as culturas do que a Cultura.
 Pensou no relativismo cultural, antes mesmo de o termo existir, como resposta
ao etnocentrismo.
 Tylor foi o inventor do termo “cultura” e Boas é o primeiro antropólogo que faz
pesquisa in situ para observação direta e prolongada das culturas primitivas.
Neste sentido, ele é o inventor da entografia.
 Boas provinha de uma família judia alemã, pelo que é sensível à questão do
racismo, pois ele mesmo foi vítima dele.
 Focou-se principalmente no conceito de raça.
39

 Realizou um estudo nos EUA aos imigrantes que lá chegavam, tendo-se baseado
no método estatístico e teve como variável a variação dos traços morfológicos
(em particular a forma do crânio).
 Raça humana – é um conceito pseudocientífico, que consistia num conjunto
permanente de traços físicos específicos de um grupo humano.
 As “raças” não são estáveis e não há caracteres raciais imutáveis.
 É bastante complicado definir o termo “raça” mesmo baseando-se no método
estatístico.
 Para ele não há diferença de natureza (biológica) entre primitivos e civilizados,
somente diferenças de cultura, adquiridas e por consequência, não inatas.
 Boas ao contrário de Tylor tem como objetivo de estudo “as culturas” e não “a
Cultura”.
 Rejeita qualquer teoria que possa explicar tudo. Preocupa-se com o rigor
científico, pelo que recusa qualquer generalização que não possa ser
demonstrada empiricamente.
 Fundador do método intuitivo e intensivo de campo. Boas concebe a etnologia
como a ciência de observação direta, segundo ele, no estudo particular de uma
cultura deve-se anotar tudo detalhadamente.
 Método etnológico: aprender a língua do nativo; ouvir as conversas espontâneas,
escutar atrás das portas.
 Método Monográfico: conhecimento exaustivo da cultura estudada antes de
qualquer conclusão geral.
 Relativismo cultural – é antes de tudo um princípio metodológico. A fim de
escapar a qualquer forma de etnocentrismo no estudo de uma cultura particular,
recomendava abordá-la sem a priori, sem aplicar as suas próprias categorias
para interpretá-las, sem compará-las prematuramente a outras civilizações.
 Ela acha que devemos ser pacientes, e que só através do exame metódico de um
sistema cultural em sim mesmo poderia chegar ao fundo da sua complexidade.
 Cultura – específica e única, representa uma totalidade singular e todo o seu
esforço (o de Boas) consistia em pesquisar o que fazia a sua unidade. Exprime-
se através da língua, das crenças, dos costumes e da arte.
 Os factos culturais não deviam ser só descritos, mas deviam também ser
compreendidos.
40

 “A escolha do método de observação sem preconceito, prolongada e sistemática,


de uma entidade cultural determinada leva progressivamente a considerar esta
entidade como autónoma. A transformação de uma etnografia de viajantes que
apenas passam em uma etnografia de estada de longa duração modificou
completamente a apreensão das culturas particulares.”.
 Boas no final da sua vida exalta o respeito e a tolerância que se deve ter por
culturas diferentes.
 Etnocentrismo – visão segundo a qual o nosso grupo é o centro de todas as
coisas e os outros grupos são medidos e avaliados em comparação com o nosso.
Esta atitude aparenta ser universal, na medida que todos os homens têm
dificuldade em encarar a diversidade cultural como um fenómeno natural. Esta
dificuldade já vem desde muito cedo na história da humanidade. O
etnocentrismo pode tomar formas extremas de intolerância cultural religiosa e
até politica.

NOTA: Boas representa a antropologia americana, pois ele pede a nacionalidade


americana anos mais tarde.

3) Durkheim (1858-1917) e a Abordagem Unitária dos Fatos de Cultura


 Contra as teses individualistas, que refutava pelo seu psicologismo, afirmava
a prioridade da sociedade sobre o individuo.
 Para ela, existe em toda a sociedade uma “consciência coletiva”, feito das
representações coletivas, das ideias, dos valores e dos sentimentos comuns a
todos os indivíduos dessa sociedade.
 Essa consciência coletiva precede o individuo, impõe-se-lhe, é-lhe exterior e
transcendente; há descontinuidade entre a consciência coletiva e a
consciência individual – a primeira é “superior” à segunda porque é mais
complexa e é mais indeterminada. É a consciência coletiva que realiza a
unidade e a coesão de uma sociedade.
 Funda a antropologia francesa, no entanto é também sociólogo.
41

 Objetivo: compreender o social em todas as suas dimensões e sobre todos os


aspetos, inclusive a dimensão cultural, através de todas as formas de
sociedade.
 “Mas, se ele recorria apenas excecionalmente ao conceito de cultura, não
era por ele se desinteressar pelos fenómenos culturais. Para ele, os
fenómenos sociais têm necessariamente uma dimensão cultural, pois são
também fenómenos simbólicos.”
 Durkheim sabia que a humanidade era só uma e que era constituída por
várias civilizações particulares, que contribuíam para a formação da
civilização humana. Não distinguia os primitivos dos civilizados.
 Mauss que partilha da mesma opinião afirma: “A civilização de um povo
não é nada além de um conjunto de seus fenómenos socias, e falar de povos
incultos, sem civilização, de povos naturais, é falar de coisas que não
existem.”
 Durkheim acho que os primitivos são capazes de utilizar o pensamento
lógico.
 Concorda com certos aspetos da teoria evolucionista, à exceção do esquema
unilinear da evolução que seria comum a todas as sociedades.
 Civilização – é o conjunto de fenómenos sociais que não estão ligados a um
organismo social particular. Estes fenómenos estendem-se sobre áreas que
ultrapassam um território nacional, ou ainda se desenvolvem em períodos de
tempo que ultrapassam a história de uma sociedade.
 Recusa qualquer forma de comparativismo especulativo e só aceita o
procedimento empírico.
 “Para ele, existe em todas as sociedades uma “consciência coletiva”, feita
das representações coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimentos
comuns a todos os indivíduos. Esta consciência coletiva precede o individuo,
impõe-se a ele, é exterior e transcendente a ela; há descontinuidade entre a
consciência coletiva e a consciência individual, e a primeira é “superior” à
segunda, por ser mais complexa e indeterminada. É a consciência coletiva
que realiza a unidade e a coesão de uma sociedade.”
 O conceito de cultura é praticamente ausenta na antropologia de Durkheim.
42

4) Lévy-Bruhl (1857-1939) e a Abordagem Diferencial


 Tentativa de pensar a diferença a partir de categorias adequadas.
 As diferenças não excluem a comunicação entre os grupos humanos, que
continua a ser possível devido à sua presença e uma humanidade comum.
 É o primeiro etnológico francês.
 Oponha-se à ideia de primitivos, embora acaba-se por usar o mesmo
“conceito”/ melhores termos, devido ao contexto da época.
 Temos de deixar de pensar que os outros são diferentes por não terem
cultura, serem ingénuos, infantis. São sim, a seu modo, seres muito
complexos.
 Fundador da disciplina etnológica francesa.
 Interroga-se sobre as diferenças de mentalidades entre os vários povos.
 Quer refutar a teoria evolucionista unilinear.
 Discorda de:
 Tylor – pelo facto de este acreditar no animismo dos primitivos.
 Durkheim – por provar que os homens, em todas as sociedades, têm umas
mentalidade lógica, pelo que obedecem às mesmas regras da razão.
 Durkheim vem a discordar de Lévy-Bruhl pois este estabelecia uma distinção
entre mentalidade civilizada e primitiva
 A tese que Lévy-Bruhl defendia era denominada por ele como “hipótese de
trabalho”.
 “Para ele, a unidade da humanidade era mais fundamental que a diversidade.
O conceito de “mentalidade primitiva” (pré-lógica) não era nada além de um
instrumento para pensar na diferença. Seu procedimento, que se servia
explicitamente das pesquisas de campo, era tudo exceto dogmático.”
 O que difere entre os grupos humanos são os modos de exercício do
pensamento.
 Lévy-Bruhl acredita que a mentalidade pré-lógica e lógica, não eram
incompatíveis e que coexistiam em todas as sociedades. A predominância de
uma em relação à outra é que pode variar, dando origem a uma diversidade de
culturas.
 “Recorrendo ao conceito de mentalidade, ele não afirmava que os sistemas de
representações e os modos de raciocínio no interior de ma mesma cultura
43

formam um conjunto perfeitamente estável e homogéneo. Mas pensava


indicar assim a orientação geral de uma dada cultura.”

A ideia de cultura entre os fundadores da etnologia francesa


 É na França que nasce a sociologia.
 Para os franceses o termo cultura estava ligado à sua aceção tradicional n campo
intelectual nacional: ele referia-se ao campo do espirito e só era compreendido no
sentido elista restrito e individualista. (a cultura de uma pessoa culta)

O triunfo do conceito de cultura


 Boas e a História Cultural: ele e os seus discípulos abrem caminho às
futuras investigações sobre a aculturação e as trocas culturais. Os seus
trabalhos revelam já a grande complexidade dos fenómenos de
empréstimo e mostram que as modalidades do empréstimo dependem,
ao mesmo tempo, do grupo dador e do grupo recetor.
 Malinowski e a Análise Funcionalista da Cultura: funcionalismo
centrado no presente (oposto ao evolucionismo), único intervalo de
tempo (sincrónico) em que o antropólogo pode estudar objetivamente as
sociedades humanas. Cada cultura como um todo coerente.
 Ruth Benedict e os Tipos Culturais/ Padrões Culturais: toda a
cultura é coerente porque concorda com os fins que visa, ligados às suas
escolhas a partir de uma gama de escolha culturais possíveis.
 Margaret Mead e a Transmissão Cultural: ligação entre modelo
cultural, método de educação e tipo de personalidade dominante.
 Lévy-Strauss (o estruturalista) e a Análise Estrutural da Cultura:
“Qualquer cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas
simbólicos em cujo primeiro plano figuram a linguagem, as regras
matrimoniais, as relações económicas, a arte, a ciência, a religião.
Todos estes sistemas visam exprimir certos aspetos da realidade física e
da realidade social, e, mais ainda, as relações que os dois tipos de
realidade mantêm sobre eles e que os próprias sistemas simbólicas
mantêm uns com os outros.”
44

2.2 Do Etnocentrismo ao Relativismo Cultural

Etnocentrismo
 Tendência para considerar a cultura do seu próprio povo como a medida de
todas as culturas.
 Preconceito que não respeita a diversidade cultural e a idade de cada cultura, nos
seus próprios termos, é tão válida como qualquer outro.
 Não se pode considerar como inferior aquilo que é apenas diferentes.

Diversidade Cultural
A diversidade é valorizada em vários sentidos:
 Em primeiro lugar, por ser nela que residem as possibilidades do progresso da
humanidade, uma vez que o progresso deriva da colaboração entre culturas
diferentes.
 Em segundo lugar, e por implicação, por ser através de diversidade que se torna
possível a compreensão das culturas, na medida em que só a compreensão das
diferenças, enquanto sistema, permitirá atribuir a qualquer cultura individual o
seu sentido verdadeiro.
 A avaliação e compreensão de cada cultura em si passa pelo relativismo
cultural, pois as culturas devem ser compreendidas em função das suas próprias
preocupações, e não através de critérios decorrentes das preocupações
específicas da civilização ocidental (Lévy-Strauss)

Relativismo Cultural
Se o relativismo cultural for definido como uma tentativa de avaliar cada cultura nos
seus próprios termos, evitando a imposição de critérios derivados de outras culturas, a
da nossa própria cultura, torna-se evidente que uma das suas pré-condições e a
possibilidade de ver e compreender a cultura em questão, por dentro, tal como os
membros daquela cultura a vêem e compreendem.

Exemplo: Através do trabalho de campo antropológico


45

O Trabalho de Campo na Superação do Etnocentrismo


 Constituirá esta “aprendizagem por dentro” de uma cultura, uma condição
suficiente para esconjurar o perigo permanente do etnocentrismo?
Exemplo: Separado do etnocentrismo, opera-se nos dois sentidos!

 Em que sentido poderá dizer-se a um antropólogo que se conseguiu colocar


“na pele” de um selvagem, aprendendo “por dentro” o que significa ser
etnocêntrico, se encontra melhor armado para se defender do etnocentrismo
ou para o combater?
Exemplo: O respeito pelo outro apenas se poderá fundamentar numa
relação que se estabelece entre o eu e o outro, e não na simples substituição do
eu pelo outro.

O Antropólogo e a Superação do Etnocentrismo


 A missão do antropólogo quando se desloca a uma outra cultura não consiste
apenas em “penetrar” nessa cultura e compreendê-la por dentro, como se fosse
nativo. A sua missão só se poderá dar por terminada quando ele “sair” da cultura
estudada, e apresentando os resultados da sua aprendizagem cultural em termos
que sejam compreensivas aos seus colegas de profissão.
 A missão do antropólogo consiste quer na aprendizagem de outra cultura, quer
na tradução dessa cultura, tornando-a acessível à comunidade científica.
Observar Traduzir

O Conhecimento e a Tradução das Culturas


O esforço de tradução a que o antropólogo se vê condenado não começa no momento
em que abandona a sua ilha, tribo ou aldeia e regressa ao seu departamento
universitário. Toda a sua aprendizagem da cultura alheia é um esforço de constante
tradução.
O antropólogo que realmente conseguir compreender uma outra cultura, não terá
substituído a sua cultura pela outra: terá, antes, encontrado uma maneira de relacionar
essa cultura com a sua própria cultura de origem e com a sua “cultura” especificamente
antropológico. Terá encontrado um código apropriado de tradução entre a sua outra
cultura.
46

Relativismo Cultural ou Tradução Intercultural?


O relativismo cultural levado às suas últimas consequências toma cada cultura
incompreensível a todas as outras, isolando-a no seu próprio campo de significações. Só
a tradução entre culturas ou o estabelecimento de um código antropológico de tradução
inter-cultural, poderia romper o círculo.
Mas a tradução tem as suas regras e exigências:
 Exige que a cultura a traduzir seja coerente e não contraditória – isto equivale a
exigir dos nativos que partilham a nossa racionalidade (ocidental)
 Levadas às últimas consequências seremos forçados a concluir que não
podemos compreender outras culturas (Ex: Dinka, Azande e Nuer). Para evitar
isto, falamos de “crenças, rituais” que permitem superar a falta de racionalidade
e do princípio de não-contradição.

2.3 Símbolos e Rituais: Significados Culturais

De acordo com Marisa Peirano (1985), o ritual faz parte do quotidiano em qualquer
sociedade e em qualquer “termo”.

“ A definição de ritual tem que ser etnográfica”


O que significa esta afirmação?

O nosso ponto de partida será uma definição operativa de ritual, que se fundamenta
sobre as seguintes bases e com a seguinte orientação:
1) Evitamos uma definição rígida e absoluta. A compreensão do que é um ritual
não pode ser antecipada. Ela tem de ser etnográfica, isto é, aprendida pelo
investigador em campo junto ao grupo que ele observa. Esta postura deriva da
noção de que a antropologia sempre deu (ou teve como intenção dar) razão e voz
aos nativos, levando em consideração a perspetiva de um “outro” diferente, de
grupos que não pensam e agem como nós. Explica em relação aos rituais: em
todas as sociedades, existem eventos que são considerados especiais. Na nossa,
por exemplo, distinguimos uma formatura, um casamento, uma campanha
eleitoral, a posse de um presidente da república, e até mesmo, um jogo final da
Copa do Mundo como eventos especiais e não-quotidianos.
47

2) Sugiro que a natureza dos eventos rituais não está em questão: eles podem ser
profanos, religiosos, festivos, formais, informais, simples ou elaborados. Se
aceitamos que todos os eventos mencionados no item anterior (formatura,
eleição, jogo de futebol), podem ser analisados como rituais, não nos interessa o
seu conteúdo explícito - interessa sim, que elas tenham uma forma específica
(um certo grau de convencionalidade, de redundância, que combinem palavras e
outras ações, etc).

3) Se estabelecemos que a definição é etnográfica, então um ritual não se carateriza


pela ausência de uma aparente racionalidade ou pela falta de uma relação
instrumental entre meios e fins. Estes são critérios da nossa sociedade e só
podem confundir a perceção se as consideramos uma medida universal. Afinal,
somos nós que nos acreditamos mais racionais, mais espontâneas, mais
pragmáticas. Assim sendo, definições antecipadas – de ritual ou, aliás, de outro
qualquer fenómeno – só tendem ao empobrecimento se não coincidem com os
nossos valores explícitos.

4) Partindo do princípio de que uma sociedade possui um repertório relativamente


definido (embora flexível), compartilhado e público de categorias,
classificações, formas, valores, etc, o que se encontra no ritual também está
presente no dia-a-dia e vice-versa.
Consideramos o ritual um fenómeno especial da sociedade, que nos aponta e
revela representações e valores de uma sociedade, mas o ritual expande, ilumina
e ressalta o que já é comum a um determinado grupo. Como venho enfatizando,
ao invés de nos fixarmos nos critérios (ocidentais) de racionalidade,
procuraremos seguir critérios de criatividade e eficácia.
Rituais são bons para transmitir valores e conhecimentos e também próprios
para resolver conflitos e reproduzir as relações sociais.

5) Como vivemos em sociedade, tudo aquilo que fazemos tem um elemento


comunicativo implícito.
Ao nos vestirmos de determinada forma, ao assumirmos determinadas
maneiras à mesa, ao escolhermos determinados lugares para frequentar, estamos
comunicando preferências, status, opções.
48

Da mesma forma, falar também é uma forma de agir, como qualquer outro
tipo de fenómeno: falar e fazer têm, cada um, a sua própria eficácia e propósito,
mas ambos são ações sociais.

Alguns antropólogos que estudaram o ritual:


 Durkheim propõe uma conceção de sociedade que estabelece um vínculo
essencial entre rituais, de um lado, e representações, de outro. Por sua vez, esse
vínculo inclui a consideração da eficácia social: “o fiel que se pôs em contato
com seu Deus não é apenas um homem que percebe verdades novas que o
descrente ignora, é um homem que pode mais.”
Refutando a ideia de que a religião é apenas um sistema de ideias, para
Durkheim, os cultos são a prova experimental das crenças, sustentando-as – os
cultos (os rituais) são “atos de sociedade”. Através deles, a sociedade toma
consciência de si, se recria e se afirma.
 Malinowski (Kula) e Franz Boas (Protlach)
Há um século, entre 1890 e 1915, aproximadamente, quando os europeus (e os
antropólogos) se consideravam parte de uma civilização acima de tudo racional, o
protlach e o kula chamaram a atenção respetivamente de Franz Boas que pesquisou
os kwakiutl (no noroeste dos Estados Unidos) e de Bronislaw Malinowski (na
Melonésia), porque ambos os fenómenos contestavam o senso comum sobre a
racionalidade económica. Afinal, o protlach parecia um grande desperdício de bens
preciosas (a tal ponto que o governo norte-americano da época tentou proibi-lo). Por
sua vez, o kula parecia uma troca muito elaborada de objetos preciosos mas inúteis.
O mérito de Boas e de Malinowski foi o de recuperar o significado positivo desses
dois fenómenos, indicando sua importância para os grupos que os inventaram e/ou
adotaram.

Caraterísticas
 Nos rituais, os sistemas de crenças são preformados simbolicamente e operam
na construção de um sentido tanto para os indivíduos como para o coletivo;
 Os rituais servem para resolver ou amenizar tensões e conflitos e promover a
coesão social ou solidariedade;
49

 Importa saber o conteúdo, mas principalmente a lógica. Para que se faz? Como
se faz?
 Fenómeno especial da sociedade;
 Transmite valores e conhecimentos.
 Rituais de Passagem (3 estádios):
 Separação;
 Transição;
 Incorporação ou Agregação
 Classificação de Rituais (Arnold Van Genepp):
o Nomeação;
o Iniciação;
o Casamento;
o Funerários

2.4 Identidades Culturais: Análise de conceitos.


Comunidade, Multiculturalismo,
Interculturalidade, Cosmopolitismo e
Transculturalidade.
Comunidade
 O conceito de comunidade, apesar de ser imediatamente reconhecido, parece ser
um daqueles conceitos que estão longe de gerar consenso.
 A comunidade tem sido para os antropólogos um nível de análise privilegiado
das sociedades por sugerir ser também um nível de integração dos indivíduos.
As abordagens antropológicas tradicionais, segundo Nigel Rapporte, associam-
lhe três aspetos centrais:
1. Os interesses comuns entre as pessoas;
2. Uma localidade ou ecologia comum;
3. Um sistema social ou estrutura comum;
 Em qualquer um dos casos, a ideia de comunidade remete imediatamente para a
ideia de coerência e homogeneidade, e, ao mesmo tempo, sugere o seu
encerramento sobre si mesmo.
50

 Segundo P. Cohen diz que “ o repertório simbólico de uma comunidade agrega


as individualidades e as outras diferenças encontradas na comunidade e fornece
os seus meios de expressão, interpretação e contenção. Providencia o alcance
do reconhecimento da individualidade (…) Transforma continuamente a
realidade da diferença em aparente semelhança com tal eficácia que as pessoas
continuam a investir na “comunidade” com integridade ideológica. Ela une as
pessoas na sua oposição, tanto uns com os outros como com os de fora. É assim
que constrói e torna reais as fronteiras de comunidade.”

Multiculturalidade
 A cultura global difunde diversidade cultural e agrega-a;
 A diversidade cultural é vista como uma coisa boa e desejável; uma sociedade
multicultural socializa os indivíduos não apenas na cultura dominante, mas numa
cultura com variações étnicas;
 Numa sociedade multicultural coexistem diferentes comunidades que, em
conjunto, aumentam a produção e riqueza cultural;
 Mas a evidência de diversidade cultural assenta também na construção das suas
diferenças.

Interculturalidade
 A interculturalidade ocorre quando duas ou mais culturas entram em interação de
uma forma horizontal e sinérgica. Para tal, nenhum dos grupos se deve encontrar
acima de qualquer outro;
 Este tipo de relações interculturais implica ter respeito pela diversidade;
 A noção distingue-se de multiculturalismo e do pluralismo pela sua intenção
direta de fomentar o diálogo e a relação entre culturas;
 A interculturalidade pressupõe três etapas:
 A negociação (a simbiose produzida para alcançar a compreensão e evitar
o confronto);
 A penetração (sair do próprio lugar para tomar o ponto de vista do outro);
 A descentralização (uma perspetiva de reflexão).
51

Cosmopolitismo
 Richard Sennet (1474) faz o termo cosmopolita remontar à França de meados
do século XVIII, onde era usado para designar aquela pessoa que se
movimentava confortavelmente através da diversidade, aquele que se sentia
confortável em situações sem ligação ou paralelo ao que lhe era familiar.
 Segundo Hannerz, “o genuíno cosmopolitismo é primeiro que tuno uma
orientação, uma vontade de relacionamento com o outro. Isso requer uma
abertura intelectual e estética para com as experiências culturais divergentes,
uma procura dos contrastes em vez da uniformidade (…) Existe o aspeto do
estado de prontidão, a capacidade pessoal de construir o próprio caminho em
direção às outras culturas, através da capacidade de ouvir, observar, intuir e
refletir.”
Transculturalismo
 O que o transculturalismo oferece é uma quebra das barreiras culturais em vez
do seu reforço, como é o caso do multiculturalismo. Já não se fala de integração
de uma minoria na cultura mainstream, mas de um entrelaçar de todas as
identidades culturais presentes num estado-nação.
 Ray L. Brooks também se refere ao transculturalismo como cosmopolitismo.
Segundo ele, “este conceito representa a “convergência” das culturas, em que
“cada grupo social” contribui com alguma coisa de valor para uma nova e
misturada cultura “mainstream” (dominante).”

3. A Saúde como um fenómeno socio-cultural


Diferentes culturas explicam a doença de formas diferentes bem como apresentam
diferentes tratamentos.
Exemplo: Pneumónica/ Gripe Espanhola
o Higienismo: teoria em que a higiene é a “salvadora” das doenças é
necessário ensinar às populações.

Porquê?
A doença é uma construção sociocultural e tem história, é representada de formas
diferentes ao longo do tempo. Veja-se o exemplo da tuberculose.
52

 Virshow identificou ainda uma relação entre condições sociais e saúde: quando
mais doente mais pobre, quanto mais pobre mais doente. Isto significa que a
saúde a doença podem ser analisadas como fenómenos sociais e culturais. O
Estado tem vindo a ganhar uma responsabilidade cada vez maior sobre a saúde.

III. Para a análise dos processos sociais e


experiências de adoecer e tratamento
1. Sistemas médicos e práticas terapêuticas.
Itinerários e Pluralismo Terapêutico.
O que é biomedicina?
 Nenhuma medicina é independente do seu contexto histórico.
 Exemplo: Hidrologia Médica
 Medicina como uma prática terapêutica organizada – o processo de cuidar –
diversidade de mundos culturais
 Arthur Kleinman (1995) identificou no estudo comparativo de diversos
sistemas médicos, características comuns:
 Categorias sobre a saúde (normalizada) e doença (diagnosticada)
 Narrativas que conferem um significado às síndromes
 Metáforas e idiomas que justificam a eficácia simbólica das práticas
 Papéis e carreiras de “curadores”/ cuidadores
 Diversas interações entre quem cuida e quem é cuidado (relações
terapêuticas)
 Panóplia de terapia que combinam operações práticas e simbólicas
para controlar sintomas e as suas possíveis origens.
 Como afirmaram Hahn e Kleinman (1983), a designação “medicina científica”
ignora que existem outros sistemas que também são científicos e daí a
designação da biomedicina para a discussão da medicina hegemónica (com
domínio, maior poder) nas “culturas ocidentais”. No entanto, a biomedicina não
existe apenas nestes.
53

A relação entre saúde, doença e cura está em permanente transformação e


negociação social e cultural.
 Saúde, doença e cuidados são sistemas culturais que estão em permanente
transformação.
 Uma destas configurações é enunciada por Arthur Kleinman como “formas
rotinizados de sofrimento”, em que se inclui a doença crónica, mas também
experiências de privação, exploração e opressão a que algumas classes de
indivíduos, os “pobres”, “vulneráveis”, “demotadas”, estão mais expostas do que
outras.
 Porém, a categoria mais geral é o de “doente”, a qual é condicionada pela
cultura o grupo social de pertença bem como o contexto histórica em que se
inscreve.
 Na medicina em que é privilegiada a dimensão vivencial, o doente é um agente
social e muitas vezes o sofrimento expresso no corpo não é senão a tradução de
uma manifestação de resistência. (Kleinman)
 O “doente” não é assim um ser passivo apenas instrumento do poder médico
(Foucault), mas é ele próprio quem constrói a sua identidade de acordo com as
categorias culturais do que é “estar” ou “ser doente”.

Bio-Poder (Foucault)
 Conhecimento científico usado como controlo social
 Utilizavam, no final do séc. XIX princípio do XX, a medicina para disciplinar as
populações, “ensinando-as” a ter comportamentos corretos de higiene
 Feito pelas elites da população
 Conceito de Panótico: forma como a distribuição do espaço nas instituições é
feita, de maneira a que haja controlo total sobre as pessoas que estão
institucionalizadas. Ex: prisões e enfermarias
54

Medicalização (Zola)

 Surge inicialmente com Michael Falcaut mas é Zola (1972) quem trabalha mais
o conceito

 A medicina vem substituir a religião da salvação (séc. XIX), pelo que se torna
num código de vida.

 Estão implícitas as boas práticas de vida, em que se passa de um modelo


etiológico da doença para um fenómeno multicausal.

 Virar o olhar da medicina para a dimensão dos estilos de vida das pessoas,
procurando regulá-lo, evitando doenças que podem causar transtorno na
população

 Controlo feito pelo sistema legitimado pelo estado (sistema biomédico)

Sistemas Médicos
Foram identificados por Arthur Kleinman três sistemas médicos que se
sobrepõem. São os sistemas:
 Informal
O Informal seria correspondente ao primeiro nível de recursos perante um
evento de doença ou ameaça de saúde – incluindo a família, amigos e vizinhos –
aquele onde se toma as primeiras decisões e se inicia o processo terapêutico
(Kleinman)
 Exemplo: Internet, Família

 Popular
O Sistema Popular, designado também nalguma literatura antropológica como
folk ou “tradicional”, “refere-se aos especialistas de saúde que não formam
grupos organizados e burocratizados, mas, ao mesmo tempo, são reconhecidos
pelo grupo como desempenhando papéis de cura e caraterizado por um
conhecimento especializado sobre algum aspeto de saúde.” (Langdon)
 Exemplo: Endireitas, Curadeiras
55

 Profissional
A medicina cientifica ocidental – a biomedicina – está incluída na categoria do
saber Profissional (que abrange outros domínios). O Sistema Profissional refere-
se então às profissões de saúde organizadas e burocratizadas.
 Exemplo: Medicina Chinesa, Associação do Reumático

NOTA: Etnomedicina – medicina direcionada a um certo povo

2. A doença, a dor e o sofrimento como experiência

I- Adoecer e Tratar;
II- Como de adoecesse;
III- Como se trata;
IV- Quem trata

Adoecer – O que significa “para quem” a doença


 Porquê;
 Como;
 Como se interromper ou resolve o processo – Tratamento
 Causa orgânica – Biológica
 Causa Social – Mal-olhado
 Individual;
 Coletivo

Tratar
 Sistemas Médicas
 Sistemas Terapêuticas
 Práticas Terapêuticas
 Agentes Terapêuticas
56

Doença/ Sofrimento/ Mal-Estar/ Dor


 Quem as define
 Como se interpretam
 Como se explicam
 Como se resolvem

Dimensão Subjetiva da Doença


É realçada por Arthur Kleinman ao propor como conceitos analíticos os três
termos anglo-saxónicos:
 Disease: É a arena do modelo biomédico, em que a doença é
representada como uma entidade nosológica, manifestada através de
alterações de estrutura e funções de órgãos e sistemas.
 Illness: Corresponde exatamente à dimensão experiencial da doença,
à vivência subjetiva da doença, a perceções e a experiências pessoais
de estados socialmente desvalorizados.
 Sickness (yong): É um termo mais abrangente que inclui os dois
termos anteriores, ultrapassando-os e que deverá constituir o campo
de atuação dos antropólogos, uma vez que este é o termo por
excelência onde se jogam implicações sociais e culturais (mal-estar).

Doenças e Doentes
A doença pode constituir a experiência do confronto com o limite da finitude
humana, a qual implica sofrimento, dor – “estar doente” significa “sofrer” – que
constitui um dos aspetos da vida humana e que faz com que os indivíduos e os grupos
“tenham de suportar ou de passar por algumas provocações, problemas e graves
agressões ao espirito e ao corpo, que podem ser agrupadas em várias configurações.”
(Kleinman)

Sofrimento e Dor
 O sofrimento e a dor são estudados pela antropologia médica.
 Whitehouse estudou a associação do sofrimento com a religião. Mostrou que
o primeiro tem um papel muito importante nos “ritos de passagem” (e na formação da
comunidade). Este sofrimento é importante porque a dor ajuda a gravar na memória a
57

religiosidade que é transmitida e porque a partilha de dor no campo iniciático cria uma
comunidade mais forte (fácil de ver na praxe).
 A religião surge como um modelo para entender e aceitar o sofrimento.
 Uma sociedade sem sofrimento não é impensável no então a comunidade
Europeia, por exemplo, teria dificuldade em aceitar como totalmente humanos os
membros de uma sociedade assim.
 “Ver sofrer”, devido à nossa humanidade e à nossa conduta indefetível à
empatia, converte-se em “sofrer com”.
 O sofrimento também pode ser uma forma de entender a memória
 Existem povos mais familiarizados com o sofrimento que outros.
 A dor cronica é um fenómeno que a biomedicina não consegue resolver. Este
pode ser muito influenciado pela experiencia social (depressão e ansiedade; tensões
familiares e conflitos relacionais no trabalho).

3. Enfermagem, profissões e instituições de saúde:


saberes, controvérsias e estratégias
Instituições Totais
 Conceito: De acordo com Goffman (1996), as instituições têm tendência ao
fechamento havendo umas mais fechadas do que outras. O autor, de acordo com
este critério, desenvolve o conceito de “instituições totais”.

 Classificação de Instituição (5 tipos)


1. As primeiras são os lugares para cuidar de pessoas inofensivas e
incapazes.
 Exemplos: Idosos, Cegos, Órfãos

2. As segundas destinam-se às pessoas incapazes de cuidarem de si mesmas


e que constituem uma ameaça “não intencional”.
 Exemplos: Sanatórios, Asilos Psiquiátricos, Leprosarias
58

3. Servem para proteger a comunidade de perigos intencionais.


 Exemplos: Prisões

4. Têm como função realizar trabalho de tipo instrumental.


 Exemplos: Quartéis, Escolas Internas, Colónias de Férias

5. Há os estabelecimentos destinados a servir de “refúgio do mundo” que


podem ter também uma função de instrução, como é o caso das
instituições religiosas.
 Exemplos: Conventos

NOTA: Contudo, segundo o autor, o que carateriza a instituição total é o fato de


qualquer uma destas categorias poder conter os atributos das outras. Sendo assim, o
aspeto central deste tipo de instituição é a rutura das barreiras que as separem.

IV. Questões Contemporâneas e Saúde: Processos


de Transformação Social
1.1 Religião e Saúde

Religião
 A religião é um dos campos de estudo antropológico (Antropologia da Religião),
pois é uma dimensão fundamental para compreender os fenómenos sociais (ex:
saúde e doença).
 Tem constituído uma das áreas de interesse dos antropólogos, que têm
classificadas diferentes formas de organização e prática.
 A religião é um sistema cultural (Geertz) tal como outras (ex: parentesco) de
classificar e organizar o mundo.
 A religião consiste num conjunto de rituais (ex: rezas, oferendas, cânticos,
sacrifícios) como forma de mediação e “manipulação” com o mundo
sobrenatural (Deus, deuses) são realizadas por “especialistas” – especialistas
religiosos
59

 Especialistas Religiosos:
 Profissionais;
 Grau de especialização;
 Contacto entre os dois mundos;
 Atuar sobre os deuses ou sobre os homens;

1.2 Rituais terapêutico-religiosos


O Ritual
 A religião envolve o ritual e este faz parte da vida social e dos ciclos de vida
individuais.
 Nos rituais, os sistemas de crenças são preformados simbolicamente e operam
na construção de um sentido, tanto para os indivíduos como para o coletivo.
 Os rituais expressam identidade coletivas ou individuais
 Servem para resolver ou amenizar tensões e conflitos e promover a coesão social
ou solidariedade.
Religião
 Classificações:
 Politeísmo – Crença em vários deuses ou entidades sobrenaturais
 Monoteísmo – Acreditar num único Deus
 Funções:
 Modelo satisfatório para a compreensão do universo
 Explicações para a inexplicável
 Controlo social, através de códigos de conduta sobre o certo e o errado
 “Alivia os humanos da responsabilidade de coisas graves que acontecem
à sua volta.”
 “O comportamento mágico-religioso ajuda também a manter a
solidariedade social através dos rituais coletivos.”
 Função Pedagógica: transmissão de conhecimentos
 Edward Tylor considerava o animismo a forma mais antiga de religião.
o O animismo é a crença que os espíritos habitam nos fenómenos naturais,
tais como árvores e plantas (ânimo).
60

 O fetichismo foi pensado para alguns como a atribuição a objetos de poderes


mágicos.
 Durkheim estudou a religião no livro “Formas elementares da vida religiosa”
o Tinha uma perspetiva funcionalista – a religião como crença e ação e
definida para aquilo que os crentes fazem;
o A religião era uma construção social que reformava a solidariedade
social.
O Sagrado
 Conjunto de conhecimentos e práticas separadas do mundo/ do quotidiano –
ocultos, escondidas, tais como tabus.
 Associado a forças mágicas

2. Migrações, migrantes e globalização

 Movimentos migratórios têm vindo a acentuar-se no mundo atual.


 A migração internacional é atualmente considerada um dos maiores desafios a
nível mundial, verificando-se uma reconhecida necessidade de compreensão da
movimentação da população e do seu impacto, quer para os países de
acolhimento, trânsito e origem, quer para as populações migrantes e autóctones
(locais).

Tipos de Migrações
 Migração é o movimento de uma população, temporário ou definitivo, de uma
área para outra.
 Existem Migrações Internas [êxodo rural (campo cidade) e êxodo urbano
(cidade campo)] e Externas (intracontinentais e intercontinentais).
 Emigração (exterior, saem) e Imigração (interior, entram) – temporário ou
definitivo, voluntária ou forçada, legal ou clandestina – com diferente impacto e
consequências.
61

Causas das Migrações


 Naturais (Catástrofes Naturais)
 Religiosas (Peregrinações)
 Étnicas
 Económicas (Profissional)
 Políticas
 Bélicas (Conflitos, Guerras)
 Socioculturais (Educação, Valorização Pessoal)
 Afetivas
 Turísticas

A Experiência da Migração e a Saúde


“Independentemente das dimensões políticas, jurídicas e sociais que lhe estão
associadas, a imigração implica uma deslocação geográfica que consubstancia, para
aquele que imigra, uma experiência biográfica de rutura e de descontinuidade. Não é
preciso ser-se imigrante para experimentar a descontinuidade, mas todos os imigrantes
vivem uma fratura óbvia dos laços constitutivos da sua pessoa. Laços esses que também
são inscritos no corpo, cinestésicos e vivenciados. Esta experiência provoca um
deslocamento do sentimento de si que pode concorrer para o mal-estar existencial ou
mesmo para a doença. Os migrantes deslocam-se entre contextos espaciais que
correspondem a territórios nacionais e, porventura, continentais diferentes. Neste
sentido, as identidades são interterritoriais e o sentimento de pertença quase extra-
territorial, desafiando formas convencionais de representação das identidades. Mas esta
viagem de um país para o outro pode revestir-se de muitas facetas, consoante as
características sociais do imigrante, do lugar de origem e de destino, ao mesmo tempo
que a migração também influi de forma importante nas redes de sociabilidade e no
quotidiano das pessoas tendo consequências adjacentes na vida dos que ficam na
sociedade de origem, bem como na dos que nascem e crescem no país de destino. ”

Migração e Saúde Mental


 A experiência individual da imigração é vivida com ruturas nos laços
familiares, afetivas, linguísticos, simbólicos, constitutivos da pessoa, e no
acumular de referências culturais, por vezes, contraditórias. Neste sentido, a
62

condição de se ser um e/imigrante comporta um mal-estar e um sofrimento


evidentes que precisam ser, num primeiro momento, reconhecidos para poderem
ser, num momento seguinte, situados nos devidos contextos particulares de
vivência dos seus protagonistas.
 O conhecimento direto do mal-estar testemunhado pelos migrantes ajuda a
melhor equacionar as respostas dos serviços de saúde que se dão por vocação
acolher e acompanhar tais populações.
 Nos países onde o apoio médico e psicológico têm já uma história
institucionalizada em serviços de psiquiatria e psicologia cultural ou
transcultural, ou ainda de etnopsiquiatria, a experiência aponta para a
necessidade de incorporar, nos dispositivos de diagnóstico e de cura, as
dimensões não médicas do apoio aos utentes. De forma acutilante, de fato, o
encontro terapêutico com imigrantes põe em relevo a importância de não
medicalizar os comportamentos e de não estigmatizar os respetivos idiomas de
dor e de resiliência sob o risco de impossibilitar, à partida, qualquer
reconhecimento do outro por aquilo que é. Por outro lado, o encontro com a
alteridade neste terreno também sublinha a necessidade de adotar uma postura
crítica auto-reflexiva de questionamento de saberes instituídos.

3. Família(s), parentesco e género


A Família “Tradicional”, um ideal normativo quando foi inventada, nunca foi uma
realidade para todas as famílias americanas. E hoje ainda menos. Ela representa o
último bastião das relações de género tradicionais – diferenças de género criadas a partir
da desigualdade de género – que estão a ser postas em causa em todos os domínios
visíveis. As famílias educam crianças como atores de género e lembram os pais que
devem agir de acordo com comportamentos de género adequadas. Não admira, então,
que cada um dos aspetos de vida familiar – casamento, educação das crianças, tarefas
domésticas, divórcio – expresse as diferenças e as desigualdades de género.

Família e Género
À diferenciação de género no seio da família correspondem simbolicamente
algumas atribuições: os papéis de mãe/ mulher e de pai/ homem numa equação de
complementaridade ideal visando assegurar a sua continuidade – a descendência. Se é
63

certo que, aparentemente, estas distinções tendem a estar cada vez mais esbatidas, e que
se espera que a responsabilidade na educação dos filhos seja dividida por igual entre os
pais, continua a dar-se uma enorme importância às distinções de género no seio da
família, consideradas como referências fundamentais.
As distinções de que falo pressupõem que a mulher é mãe e o homem pai, e que os
dois coexistem numa relação parental, que são só garante o bom desenvolvimento dos
filhos, mas enaltece as capacidades humanas dos pais.

Caso de Blankenhorn
 Caso Polémico
 Reflexão sobre os problemas da sociedade (violência, etc)
 Para ele, a culpa destes problemas é do Pai.
 Diz que “se houver a presença de um pai, a sociedade é civilizada (…) A
paternidade ajuda os homens a tornarem-se bons homens, mais propensos a
obedecer às leis, a ser bons cidadãos, a pensar nas necessidades dos outros.”

NOTA: Ele incluía no seu estudo apenas o pai biológico e o adotivo, excluía o padrasto.

Género (Comportamento/ Cultura)


Separando o género, enquanto papel social do sexo, enquanto corpo material,
distinguiam-se as diferenças físicas entre os corpos de homens e mulheres dos
significados culturais neles inscritos e isso explica a subordinação feminina, que parece
sempre voltar às características físicas dos corpos de homens e mulheres. Porém, a
normalidade com que se distingue o sexo do género parece levar a uma espécie de
impasse teórico decorrente da própria separação em que se fundamenta o estudo do
género.
Esta separação entre sexo e género introduzida pelas feministas não é mais do que a
própria distinção entre natureza e cultura que ocupou muito da produção antropológica,
em particular os estudos de parentesco, mas que nos estudos de género acaba por ser
extremamente decisiva.
Jane Collier e Sylvia Yanagisako chamam a atenção para o modo como, tanto nas
análises do parentesco quanto nas de género, os antropólogos falharam ao tomarem
como naturais aspetos que deviam ser explicados: em vez de explicarem como se
contruíam as diferenças entre os sexos, limitaram-se a aceitar que homens e mulheres
64

eram naturalmente diferentes. Em Gender and Kinship: Essays toward a Unified


Analysis (1987) recorrem ao género como forma de revitalizar os estudos de parentesco,
e para isso dissociam as ideias do sexo e de género, dando ao segundo um maior
destaque. O género pressupõe diferenças que variam conforme a sociedade e cuja
concetualização importa investigar.

Diferenças entre:
 Sexo: Caraterísticas Físicas
 Género: Caraterísticas Comportamentais
 Sexualidade: Combinações Possíveis
o Heterossexualidade
o Bissexualidade
o Homossexuais
o Assexual
 Transexualidade: Mudança de Sexo (Fisicamente e/ou Registo)
 Diversidade Sexual

Homossexualidade e Homoerotismo
O Homoerotismo refere-se especificamente à atração erótica entre pessoas do
mesmo sexo e não determina necessariamente uma consumação física (homossexual)
desse desejo.
Percebe-se a homossexualidade e o homoerotismo são tantas vezes apresentados na
literatura e com uma naturalidade que parece contrariar a ideia que temos de uma
sociedade conservadora, sobretudo em Portugal.
Com exceção deste pequeno diálogo entre amigas, não há qualquer indicação de que
a Leopoldina pudesse ser lésbica e contudo, “nunca depois de mulher, ela sentiu por um
homem o que sentiu por Joaninha!”. Apesar da intensidade, não são postas em causa por
este passado homoerótico, o que sugere um clara separação entre homossexualidade,
homoerotismo e casamento/ família
65

Homoparentalidade
A família sempre foi uma montagem. Tanto para famílias homossexuais quanto para
famílias heterossexuais trata-se de fazer a “bricolage” da família a partir de diversos
argumentos de parentesco: o biológico, o social, o afetivo, o jurídico, o cultural e o
histórico. Mas as famílias homossexuais fazem cair a nossa ilusão de um “parentesco
natural”, de uma adequação do parentesco biológico ao parentesco social. (Cadoret)

Parentesco
 Afinidade (Pai) e Consanguinidade (Filho)
 Amigos e Parentes
 Relatedness = Estar relacionado com (Família de Relações)
 Care (no sentido bidirecional de “to care and being cared for”/cuidar e ser
cuidado)

O ser cuidado e cuidar dos outros relaciona as pessoas de modos significativos.


Estudos etnográficos recentes mostram uma preocupação cada vez maior pelo
desempenho das rotinas diárias que atribuem sentido às relações entre as pessoas,
mesmo dentro do puzzle familiar, onde os laços de parentesco podem ter de ser
constantemente restabelecidos através da alimentação diária e repetida e continuada e de
outros tipos de cuidado.
Ao estudarmos a importância do estar relacionado (relatedness) em todos os seus
símbolos e as suas ações, pode compreender-se melhor o significado da família, uma
vez que estes atos podem ajustar e reformular as famílias, aproximando-as de um ideal
que traduza as aspirações dela decorrentes e ao fazê-lo pode perceber-se melhor a sua
persistência e universalidade apesar da sua grande diversidade. A importância da família
é muito maios do que a sua forma.
66

4. Cidadania(s): Análise de processos de


inclusão/ exclusão em saúde

O estudo da cidadania está de facto ligada ao estudo das ciências sociais, ao mesmo
tempo é de extrema importância.
A Família é a base de socialização, seguida da escola e amigos.
A problemática da cidadania tem-se tornado uma matéria comum nos dias de hoje e
são várias as perspetivas utilizadas para definir o conceito.

A cidadania
 Definição
 É a responsabilidade perante nós e perante os outros;
 É a consciência de deveres e direitos;
 É o impulso para a solidariedade e para a participação;
 É o sentido de comunidade e de partilha;
 É a insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal;
 É a vontade de aperfeiçoar, de servir;
 É o espírito de inovação, de audácia, de riscos;
 É o pensamento que age e ação que se pensa;
 É qualidade de membro de uma determinada comunidade;
 É forma específica de relacionamento social dos indivíduos que compõem a
comunidade;
 Ideia básica de interdependência;
 Ideia de autonomia e construção de si mesmo;
 Dimensão da justiça social

 Tipos de cidadania
A cidadania pode ser considerada:
 Singular: Se for pensamento pelo próprio e os nossos direitos e deveres
 Plural: Se for pensada nas várias noções que cada pessoa tem de cidadania e
como as mesmas são influenciadas pela sociedade
67

 Ser cidadão
 Ter uma nacionalidade (ou uma pertença);
 Ter consciência dos seus direitos, mas também dos seus deveres;
 Ter um grau de autonomia que permita exercer aqueles direitos e deveres

Defende-se que cada um, como cidadãos, têm uma autonomia que deve ser
reconhecida, cujos projetos individuais devem ser respeitados. Mas será que são? Nem
sempre!
 Os direitos e os deveres para serem reconhecidos têm de ser socialmente
internalizados como viáveis na sua condição de possibilidade.
 Somos cidadãos na medida em que somos capazes de levar em conta a
atitude do outro, num reconhecimento que pressupõe intersubjetividade,
trajetividade

Mas isso nem sempre acontece! Assentamos numa cidadania de “capa torta”

Cultura da cidadania de “Capa torta”


É necessário que haja modelamento desde a família para que mesmo de acordo com
a nossa religião, valores, etc… sejamos capazes de reivindicar os nossos direitos e
deveres perante a sociedade.

Direitos 1. Civis 2. Políticos 3. Sociais

1. Civis
Liberdade de expressão e de pensamento, de liberdade de associação, de
direito de propriedade, mas será que podemos dizer que esta liberdade existe em
grupo vulneráveis (idosos, sem-abrigos, população imigrante, iletrados)?

2. Políticos
Quem é que é ouvido nas instâncias políticas, sociais, institucionais a que,
direta ou indiretamente, pertence?
Exemplo: Todos temos direito à saúde, de preferência gratuita.
68

3. Sociais
A democratização dos sistemas de educação e dos sistemas de saúde trouxe
apoios promotores de bem-estar económico e social, no entanto, afastam-se do
sistema, por vezes, aqueles que têm mais dificuldades.

É um problema de limitações na intervenção cívica em geral ou de falta de consciência


cívica. Há uma falta de correspondência entre o discurso e a realidade concreta, entre o
que está preconizado (instituído juridicamente) e o que se está a viver.
Não basta que os direitos existam, têm que ser acessíveis e materializáveis.
69

Resumos dos Textos


 Malinowski – Os Argonautas do Pacífico Ocidental: Introdução: objeto, método
e alcance desta investigação
 Malinowski estudou o Kula, que se trata de um fenómeno económico de
considerada importância teórica;
 Quando se empreende uma missão, deve-se estar disposto a alterar as suas
perspetivas e teorias em função dos factos;
 Métodos utilizados na recolha de material etnográfico:
 Os resultados da pesquisa científica devem ser apresentados de forma
neutra e honesta.
 Descrição exata dos instrumentos utilizados, da maneira como as
observações foram conduzidas, do seu número, da quantidade de tempo
que lhe foi dedicado e do grau de aproximação com o qual a medida foi
realizada.
 “Ora eu penso que a linha que separa os resultados da observação direta e as
declarações e interpretações nativas das inferências do autor baseadas no seu
senso comum e capacidade de penetração psicológica só pode ser traçada com
base nessas fontes etnográficas de inquestionável valor científico.”;
 Na Etnografia o autor é simultaneamente cronista e historiador, embora as suas
fontes sejam, sem dúvida, facilmente acessíveis, elas são também altamente
dúbias e complexas; não estão materializadas em documentos fixos e concretos,
mas sim no comportamento e na memória dos homens vivos.
 O etnógrafo sente-se desanimado e frustrado face às primeiras tentativas de
contato com os nativos, para a obtenção de material.
 As mentes dos homens “brancos” estão destreinadas e cheias de preconceitos em
relação aos nativos.
 O sucesso do Etnógrafo só é conseguido se:
 Houver uma aplicação sistemática e paciente de um determinado número
de regras de bom senso e de princípios científicos bem definidos e
 Não utilizar atalho miraculoso que leve aos resultados desejados sem
esforço ou problemas.
 Princípios do método Etnográfico:
70

 Devemos ter objetos verdadeiramente científicos e conhecer as normas e


critérios da Etnografia Moderna;
 Providenciar boas condições de trabalho, ou seja, viver entre os nativos e
longe dos homens brancos;
 Utilização de métodos especiais de recolha, manipulando e registando as
provas.
 É benéfico ter uma base na propriedade de um homem branco, pois em caso de
doença, falta de mantimentos ou saturação indígena pode ir para lá, contudo tem
de ser bastante afastada da tribo dos nativos para não se tornar um local onde se
vive permanentemente.
 “Mas quantos mais problemas ele levar para o campo, quanto mais habituada
estiver a moldar as suas teorias aos fatos e a observar estes últimas na sua relação
com a teoria, em melhores condições se encontrará para trabalhar. As ideias
preconcebidas são prejudiciais em qualquer trabalho científico, mas a
prefiguração de problemas é o dom principal do investigador científico, e estes
problemas são revelados ao observador, antes de mais, pelos estudos teóricos.”.
 “A primeira meta do trabalho de campo etnográfico é fornecer um esquema claro
e simples da constituição social, bem como destacar as leis e normas de todos os
fenómenos sociais.”, libertando-os de aspetos irrelevantes.
 Haver um descrição completa dos fenómenos, sem procurar o que é sensacional e
singular e ainda menos o que é estranho.
 O Etnógrafo deve ser imparcial, não deve fazer caricaturas dos nativos, deve
estudar toda a cultural tribal e em todos os aspetos (incluindo ideias, impulsos e
sentimentos).
 “O Etnógrafo que se predisponha a estudar apenas a religião ou a tecnologia, ou
a organização social está a isolar artificialmente um campo de pesquisa, o que
prejudicará seriamente o seu trabalho.”.
 Recolha de testemunhos concretos e elaboração de generalizações.
 “Insensato seria o homem de ciência que negligenciasse toda esta classe de
fenómenos, prontos a ser recolhidos, ainda que o fizesse por não vislumbrar a sua
utilidade teórica!”.
 “Um diário etnográfico, levado a cabo sistematicamente ao longo do tempo de
trabalho numa região, seria o instrumento ideal para este tipo de estudo. E se, a
71

par daquilo que é normal e típico, o Etnógrafo anotar cuidadosamente os pequenos


e grandes desvios à norma, ele estará a balizar os dois extremos entre os quais se
movimenta a normalidade.”
 O Etnográfico deve-se deixar envolver pela ambiência da assembleia
e observar como se comportam;
 Por vezes é necessário deixar a máquina fotográfica e o bloco de notas
e fazer parte da interação;
 Para além do contorno firme da constituição tribal, dos temas culturais,
dos dados da vida quotidiana, também as visões, opiniões e expressões
dos nativos devem ser registados. Estas ideias, sentimentos e impulsos
são moldados e condicionados pela cultura em que se encontra e, como
tal, são uma peculiaridade étnica dessa sociedade. Logo, devemos
esforçar-nos por estudá-los e registá-los.
 Interessa saber o que um determinado individuo pensa ou sente
enquanto membro de uma determinada comunidade. O ambiente
social e cultural em que se movem força-os a pensar e a sentir de
determinada forma.
 Ou seja, devemos encontrar os modos típicos de pensar e sentir,
correspondentes às instituições e à cultura de uma determinada
comunidade, e formular os resultados de forma mais convincente.
 “O ambiente social e cultural em que se movem força-os a pensar e a sentir de
determinada maneira.”.
 Devemos encontrar os modos típicos de pensar e sentir, correspondentes às
instituições e à cultura de uma determinada comunidade, e formular os resultados
da forma mais conveniente. As variações do comportamento devem ser
apresentadas a par do enquadramento geral.
 O objetivo do trabalho de campo é conseguido através da(o):
 Organização da tribo e a anatomia da sua cultura, que deve ser registada
num esquema firme e claro. O método da documentação concreta e
estatística é o meio a utilizar para a definição desse esquema;
 Dentro desta trama, devem ser inseridos os imponderabilia da vida real e
o tipo de comportamento. Os respetivos dados devem ser recolhidos
através de observações minuciosas e detalhadas, sob a forma de uma
72

espécie de diário etnográfico, só possível através de um íntimo com a vida


nativa.
 Imponderabilia da vida real
o Fenómenos de grande importância que não podem ser
recolhidos, mas têm de ser observados em pleno
funcionamento. (Exemplos: rotina de um dia de trabalho,
hábitos de higiene, alimentação, ambiência da vida social,
amizades e hostilidades)
o Estes fatos imponderáveis da vida real fazem parte da
verdadeira substancia do social, mantém a coesão familiar,
clânica, comunitária e tribal.
o Nenhum dos aspetos, o íntimo e o legal, devem ser desprezados
 Deve ser apresentada uma recolha de depoimentos etnográficos, narrativas
características, ocorrências típicas, temas de folclore e fórmulas mágicas
sob a forma de corpus inscriptionum, como documentos da mentalidade
nativa.
 Objetivo Final: o etnógrafo deve compreender o ponto de vista do nativo, a sua
relação com a vida e perceber a sua visão com o mundo.
 Deve-se procurar um relacionamento natural, aprender a conhecer e a relacionar-
se com os costumes e crenças.
 Contacto diário tira gradualmente o condicionamento dos outros por nós.
 A informação sobre um fenómeno tão complexo e com tantas ramificações não
pode ser obtido com algum grau de exatidão e perfeição sem uma interação
constante entre tentativas construtivas e verificações empíricas.

 Augusto Silva – A Rutura com o Senso Comum nas Ciências Sociais

Émile Durkheim (sociólogo) afirma que a ocorrência de investigação científica deve


começar-se pela rutura com o senso comum. “O homem – explica Durkheim – não pode
viver no meio das coisas sem fazer delas ideias segundo as quais regula o seu
comportamento. Produtos da experiência vulgar, tais noções tê, antes de tudo, como
objetivo pôr as nossas ações em harmonia com o mundo que nos rodeia; são formadas
pela prática e para ela.”;
73

 “As disciplinas sociais são especialmente permeáveis às interpretações de senso


comum.”.
 A física e a astronomia já romperam ligações com o senso comum há muitos
séculos, tanto que já possuem linguagem própria e instrumentos característicos à
disciplina.
 Também na antropologia (como noutras disciplinas) foi-se consolidando, nos
séculos passados, um saber especializado, assente na reflexão teórica e na
observação empírica.
 Uma das dificuldades principais foi a de separar as convicções/interpretações dos
antropólogos do estudo das sociedades, ou seja, sendo os antropólogos membros
de uma sociedade (pertencentes ao social), então como seria possível analisar a
sociedade sem interpretações próprias, sendo que a regra metodológica de
Durkheim (“explicar o social pelo social e só pelo social”) tenha contribuído para
a resolução desta dificuldade. A outra solução foi a rutura com o senso comum.
 Só através da rutura, é possível construir modelos sobre a sociedade, é possível
estudar a sociedade. Aliás, é o senso comum que tende muitas vezes a produzir
interpretações naturalistas, individualistas e etnocentristas dos factos humanos,
procurando explicá-los por características que pensa ligada à “natureza” da
humanidade e não às diferentes culturas. Sendo assim, é absolutamente imperioso
recorrer a esta rutura.
 Também se afirma que a demografia é uma ciência social, a qual tem como
objetivo analisar as dimensões espaciais da vida social, ou seja, a função do espaço
na dinâmica das sociedades.
 Uma das formas mais correntes de tentar explicar os factos sociais é evocar
“causas” de ordem natural, através duma interpretação do tipo naturalista, isto é,
todos os comportamentos humanos são regulados por fatores que se consideram
“inerentes” à condição humana, ou à natureza de um povo. Assim, estes factos são
indiscutíveis, dado que são universais para o Homem ou para o povo em estudo
(os quais podem ser biológicos -principalmente, políticos, psicológicos, etc.)
 Relacionada com a interpretação anterior, outra interpretação do tipo naturalista é
o biologismo, em que os comportamentos sociais são regulados por características
biológicas de um determinado povo ou do Homem, em geral. Sendo assim, a
sociobiologia pressupõe que todo o comportamento social tem uma base
74

biológica, sujeita à seleção natural e dotada de um inatismo absoluto, ou seja, de


uma aplicabilidade universal (embora não seja muito aceite).
 As razões para que tantos profissionais da área das ciências sociais terem adotado
(e ainda adotarem) interpretações do tipo naturalista são:
o Uma tentativa de capitalização das novas ciências humanas, como a
etologia, ecologia, genética, etc., e também os novos estudos feitos com
populações de incestos (por exemplo)
o A tentativa da cientifização dos estudos sobre as sociedades através de
modelos das disciplinas naturais.
o Por fim, a tentativa de reforçar uma já longa tradição, em que se afirma
que existe uma dualidade entre a natureza e a cultura. (Nota: também se
pode considerar como uma razão, a tentativa de universalizar causas para
o comportamento humano, estabelecendo leis universais)
 Um dos exemplos da aplicação da sociobiologia é o caso da dominância entre
classes na mesma sociedade (principalmente, nas contemporâneas), divididas por
classe, sexo e raça. Um exemplo mais prático é por exemplo a discrepância do nº
de mulheres e de homens em cursos no Ensino Superior. Neste caso concreto,
pode-se explicar esta discrepância (existem muito mais mulheres no Ensino
Superior, especialmente em cursos na área da saúde, do que homens) por causas
de ordem biológica, ou seja, as mulheres terem uma maior “predisposição” para
os estudos do que os homens.
 Obviamente que, neste caso, as causas desta discrepância será por razoes de ordem
sociais e não biológica ou psicológica. Uma explicação sociológica partiria da
análise das diferentes condições sociais, da estrutura de oferta dos cursos
universitários, etc., segundo o sexo, origem e trajetória social.
 Normalmente, surgem argumentos de dois tipos: ou se sustenta que certos
fenómenos são regulados por leis naturais ou se sustenta que certos atributos não
são redutíveis a uma abordagem científica, ou seja, não são passíveis de ser
estudados. Atualmente, um dos trabalhos mais importantes para os historiadores,
antropólogos, psicólogos, etc., é a analise de propriedades/factos que, até então,
tinham sido considerados como não-analisáveis, ou seja, universais e/ou naturais.
 No caso da economia, vários postulados eram considerados inerentes à condição
humana, em que todo o indivíduo era um ente racional, capaz de efetuar escolhas
75

racionais para maximizar o seu prazer e bem-estar, formulando-se, assim, leis


consideradas universais também.
 Mas, as interpretações do tipo individualista são bastante difíceis de separar das
“universais”, dado que estas, geralmente, encontram-se em conjunto, ou seja, para
explicar as “universais”, verifica-se um conjunto de “individuais”. No séc. XIX,
usou-se esta linha de pensamento “individualista” para aplicar a política liberal.
 Outra maneira de criticar as atitudes universalistas é a demonstração de casos
particulares que exemplificam casos gerais, como por exemplo, o kula.
 Assim, o objetivo dos teóricos é limitar a todo o custo as interpretações do tipo
“universal”, mas não as negando, baseando-se em quatro argumentos principais:
 Há certamente regularidades observáveis à escala coletiva, mas estas são,
somente, as verificadas ao nível individual. Sendo assim, deve-se analisar
primeiro um conjunto de “individuais” para atingir o “coletivo”, ou seja, a
coletividade representa o produto combinado das ações individuais.
 De seguida, importa salientar a existência de líderes naturais nestes conjuntos
sociais (quer por natureza psicológica ou por posição no grupo).
 Por fim, através destas interpretações, seria possível restringir as leis
utilizadas às leis psicológicas, ou seja, não seria possível que todas as
características humanas relevantes para o estudo fossem, de facto, estudadas.
 Mesmo assim, nenhum destes argumentos (que pretendem explicar as teorias
“individualistas”) é, de facto, admissível, dado que os indivíduos e a sociedade
não são realidades separáveis. O corpo socializado (que se chama
individuo/pessoa) não se opõe à sociedade, é uma das suas formas de existência.
 Por exemplo, através das interpretações do tipo individualista, a análise em
relação ao sucesso escolar seria feito através da análise da
inteligência/capacidades de cada aluno, ou seja, cada aluno tem um determinado
nível de inteligência/predisposição para o sucesso escolar (interpretação do tipo
naturalista e individualista). Sendo assim, seria menosprezada a questão da
interação social e de outras temáticas mais “universais”.
 Os factos humanos são sempre factos interpretados, o que os distingue
radicalmente dos eventos físicos. A consciência dos atores é o elemento
constitutivo decisivo do mundo social.
76

 Importa, pois, dar conta das representações coletivas, quotidianas, da sociedade –


as imagens e as noções construídas no decurso da vida de todos os dias e que
configuram o património cognitivo partilhado pelos membros de um dado grupo,
as maneiras de pensar e de sentir, em suma, aquilo a que chamamos senso comum
forma de um dos objetivos centrais de qualquer ciência social.
 “A oposição entre ciência e senso comum é uma posição relativa; quer dizer, não
se trata de uma clivagem, entre a conceção vulgar, enganosa, ilusória, espontânea,
dos factos, e a construção especializada, demonstrativa, “verdadeira”, produzida
por profissionais, clivagem que pudesse ser feita à partida, por um qualquer
exorcismo inicial e definitivo. Em rigor, a oposição entre ciência e senso comum
é também uma oposição interna ao trabalho e ao meio científico.”
 Senso Comum ou Conhecimento Prático – nível de representações mais
imediatas, espontâneas sobre a realidade.
 A sociologia segundo Giddens, trata o estudo das formas de produção e
reprodução da sociedade. “A reprodução de uma série de práticas é que garante a
estruturação das estruturas; só que, se as estruturas se constituem, assi, através da
ação, esta, por seu turno, só se constitui nas condições fixadas por aquelas. Quer
dizer, as estruturas surgem como consequência e condição do produto de
interação.”.
 A rutura não é um trabalho feito de uma só vez, é uma atitude e um trabalho de
vigilância critica e construção conceptual permanente.
 O objetivo desta rutura é poder estudar (e explicar melhor) as relações entre
cultura e natureza, entre indivíduos e sociedade, entre grupos e culturas diferentes.
 As razões para que são inadmissíveis preconceitos e/ou leis puramente ideológicas
(que não possam ser trabalhadas em pesquisa) residem no reconhecimento que as
teorias cientificas são passíveis de ser designadas, estudadas e postas em prova
cientifica/empírica. Sendo assim, estas teorias podem também ser transformadas
pela prática, através da experiência.
 Sendo assim, para o processo de produção de conhecimentos científicos, são
necessários três “atos epistemológicos” indissociáveis:
 Rutura com as “evidências” de senso comum que possam constituir
obstáculos àquele processo
 Construção das teorias explicativas (do objeto em análise)
77

 Validação/verificação das teorias através da observação/informação


empírica
 Assim, a atitude problematizadora própria da ciência constitui os instrumentos
fundamentais da rutura. Em primeiro lugar, uma operação axial consiste na
relativização dos fenómenos humanos. De seguida, a relacionação dos factos
constitui uma outra operação decisiva, que também contribui para a superação dos
argumentos de senso comum invocados, ou seja, os factos sociais só podem ser
explicados por sistemas de relações entre eles. Por fim, a possibilidade de pôr
sistematicamente os conhecimentos adquiridos em causa.
 A rutura nunca é completa, mas é necessária para a evolução da prática científica.
 A sociologia é assim definida como o estudo das sociedades humanas e constrói-
se sobre o império ao qual se submetem outras disciplinas, tais como a história,
economia, demografia, psicologia e antropologia. Por outro lado, a psicologia é
definida como a descrição e explicação da conduta dos organismos (através da
biologia e até da sociologia).
 Um individuo é um ator social.
 Etnocentrismo – esta palavra designa duas atitudes intimamente relacionadas:
 A sobrevalorização do grupo e da cultura local, regional, nacional ou
transnacional, a que pertencem os sujeitos e a correlativa depreciação das
culturas e das organizações sociais diferentes da do sujeito;
 A universalização dos valores próprios do grupo e da cultura de pertença,
assumindo que esses valores constituem as normas de referência para a
avaliação de estruturas e práticas sociais diversas.
 Exemplos de formas extremas de etnocentrismo – racismo, fanatismo religioso e
genocídio colonial. Neste caso, o padrão único é a própria cultura do sujeito,
enquanto que as restantes culturas se encontram “erradas”. Outra forma bastante
típica de etnocentrismo é “pensar por preconceitos”, estando esta presente no
inconsciente e, embora exista uma grande facilidade em negá-la e explicar o
porquê de ser um mau tipo de pensamento, quando esta se encontra de forma
inconsciente nas pessoas, é difícil de alterar o pensamento. Mesmo os cientistas
sociais “tropeçam” na questão dos preconceitos, sendo uma das suas maiores
dificuldades aquando a realização dos seus estudos de culturas diferentes da nossa.
78

 Conhecimento científico é quando conseguimos explicar os fenómenos sociais a


partir de processos fundamentados.
 Explicação do social pelo social – Rutura com:
o evidências do senso comum
o teses naturalistas (relação entre a natureza e a diversidade dos contextos
sociais criados pelo Homem)
Ex: O fenómeno do suicídio explicado por causas estritamente naturais não
abrange todas as causas/motivos.
o teses individualistas (indivíduo/sociedade)
o etnocentrismo (nós e os outros)
 Estudando estas culturas diferentes da nossa, encontra-se bastante sujeito a
atitudes de etnocentrismo.
 Preconceitos – ideias-feitas que se tomam por absolutas, indiscutíveis,
invalidáveis pela análise científica.
 Gaston Bachelard distingue o processo de produção de conhecimento científico
em três níveis:
 Rutura – com as evidências do senso comum que possam constituir
obstáculos ao processo;
 Construção – do objeto de análise, das teorias explicativas;
 Verificação – da validade dessas teorias pelo seu teste, quer dizer, pelo
confronto com conhecimento empírico.
NOTA: Estes três níveis são indissociáveis.

Síntese
 O senso comum é resultado de um juízo de valor sobre uma realidade social que
é dado como certo, sem provas empíricas. Este conceito é resultado do facto de
que a vida social seria impossível se tivéssemos de pensar conscientemente sobre
todos os nossos atos.
 Para conhecer a realidade social é necessário estudá-la e, portanto, romper com os
dados que são tidos como garantidos do senso comum.
 Para conhecer a realidade do ponto de vista científico é necessário:
 Rutura com o senso comum e, portanto, com o conhecimento do quotidiano
 Tornar estranho o que é comum – atitude metodológica
79

 Diferenciar problema social de problema sociológico


 Assim, a sociologia permite estudar objetivamente a realidade social, aplicando o
método científico das regras sociológicas, método este elaborado por Durkheim.
Este mesmo autor afirma que o social deve ser explicado pelo social. Por exemplo,
explicar a pobreza devido ao desemprego, ambos fatores sociais

 Erving Goffman – A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias:


Desempenhos
 Quando um indivíduo desempenha um papel espera que os seus espectadores o
levem a sério.
 Extremos
1. O ator está completamente tomado pela sua própria ação. A impressão da
realidade que encena é a sua realidade real.
2. O ator não pode estar por completo convencido da realidade da sua prática
de rotina.
 Indivíduo cínico – quando o individuo não acredita na sua própria representação
nem tem um interesse essencial na convicção da sua audiência. Extrai prazeres e
goza o facto de brincar com algo que a audiência leve a sério. Existem ainda atores
que são cínicos em virtude da audiência não lhes deixar ser sinceros.
 Indivíduo sincero – aquele que acredita na impressão que o seu desempenho visa
causar.
 Consideramos que nem todos os indivíduos cínicos estão apenas interessados nos
seus interesses pessoais, pois um individuo cínico pode iludir a audiência com
vista ao bem dela, da comunidade…
 Pessoa significa máscara. Nós, consciente ou inconscientemente estamos sempre
a representar papéis. E é como esses papéis que nos conhecemos uns aos outros e
a nós próprios.
 Desempenho – “qualquer atividade de um individuo que se verifique durante um
período marcado pela sua presença contínua perante um conjunto de determinado
de observadores e com alguma influência sobre eles.”.
 Fachada – “equipamento expressivo de tipo padronizado, empregue intencional
ou inconscientemente pelo individuo durante o desempenho.”.
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 Park: “… reconhecimento do facto de toda a gente estar sempre e em toda a parte,


com maior e menos consciência, a representar um papel…”
 Elementos constituintes da fachada:
 Quadro – constitui o cenário e os alicerces de palco para o desenrolar da
ação humana que vai ser representada. O quadro permanece, em termos
geográficos, sempre na mesma posição, isto é o desempenho tem de ser
iniciado e finalizado antes de partirem para outro quadro. Apenas nos
funerais, manifestações cívicas ou procissões é que o quadro acompanha
os atores. Ex: mobiliário, disposição física, decoração…
 Fachada pessoal – aspetos que identificamos mais de perto com o próprio
ator e que naturalmente esperamos que o acompanhem onde quer que ele
se encontre. Ex: profissão, vestuário, sexo, idade, características raciais,
dimensões físicas, atitude, maneiras de falar, expressões faciais e
movimentos (aspetos de equipamento expressivo).

NOTA: Há transmissores de sinais fixos e transitório

 Aparência – estímulos cuja função momentânea é comunicar-nos o


Existe uma estatuto social do ator.
relação de
 Modo – estímulos que momentaneamente funcionam informando-nos do
confirmação,
consistência e papel que o ator espera ser ele a iniciar a interação verbal e a orientar o seu
coerência curso.
 Fachada social – tende a institucionalizar-se nos termos das expectativas
abstratas e estereotipadas a que dá lugar, e tende também a receber um
sentido e uma estabilidade independentes das tarefas concretas que
momentaneamente possam ser desempenhadas em seu nome. Resultado
da organização é a tendência para apresentar um grande número de ações
diferentes sob um número reduzidos de fachadas.
 Síntese – A fachada social pode ser dividida em vários componentes
(quadro, aparência e modos) e não existe uma coincidência perfeita entre
o caráter concreto de um desempenho e a maneira como, em termos sociais
globais, ele se nos apresenta, uma vez que diferentes práticas de rotina
podem corresponder a uma mesma fachada.
81

 Realização Dramática – “Quando se encontra na presença dos outros, o


individuo recheia de modo característico a sua atividade com sinais que põem em
evidência e configuram fatos confirmatórios que de outro modo permaneceriam
ignorados ou obscuros. Porque, para que a atividade do individuo se torne
significativa para os outros, ele terá de mobilizar a sua atividade de modo a que
este se expresse durante a interação aquilo que pretende transmitir.”
 É frequente que os indivíduos se debatem no dilema entre a expressão e a
ação. Os que têm o tempo e o talento necessários para desempenhar bem
certa atividade podem, por isso mesmo, não ter tempo ou talento para
exprimirem que a estão a desempenhar bem.

 Erving Goffman – A Representação do Eu na Vida de Todos os Dias: Papéis


Discordantes
Um dos objetivos genéricos de qualquer equipa é sustentar a definição da situação
visada pelo desempenho.
Dadas a fragilidade e a coerência expressiva exigida da realidade dramatizada por
um desempenho, há geralmente factos que, no caso de lhes ser prestada atenção durante
o desempenho, desmentirão, quebrarão ou inutilizarão a impressão visada. Estes factos
são portadores de “informação destrutiva”. É necessário haver controlo da informação,
a audiência não deve obter informação destrutiva acerca da situação que está a ser
definida tendo em vista os seus membros, ou seja, a equipa deve ser capaz de guardar os
segredos e de fazer com que os seus segredos sejam guardados.
A quebra de diferentes tipos de segredos ameaçará o desempenho de modos
diferentes.

Tipos de segredos:
 Inconfessáveis/ Invioláveis – referem-se a factos relativos à equipa, que ela
conhece e esconde, sendo incompatíveis com a imagem de si própria que a equipa
82

tenta sustentar perante a sua audiência. Existe um esforço destinado a mantê-los


secretos. São segredos duplos: um segredo é o próprio facto escondido e outro é
o facto de certos factos de importância decisiva não terem sido abertamente
declarados.

 Estratégicos – referem-se às intenções e qualidades de uma equipa que as esconde


da sua audiência a fim de a impedir de se adaptar com eficácia ao estado de coisas
que a equipa planeia suscitar. São utilizados, por exemplo, no mundo dos negócios
e militar. Não são inconfessáveis, no entanto a sua quebra ou revelação perturba
o desempenho da equipa. Os segredos meramente estratégicos são aqueles que a
equipa é por vezes, mais tarde, forçada a revelar.
 Internos – São os segredos cujo conhecimento assinala um indivíduo como
membro de um grupo e contribui para que o grupo se sinta separado e diferente
em relação aos que “não sabem”. Os segredos internos conferem um conteúdo
intelectual objetivo à distância social subjetivamente sentida, podem ser de
reduzida importância estratégica e podem não ser especialmente inconfessáveis.
O segredo pode ser quebrado acidentalmente sem grandes prejuízos ao
desempenho da equipa. Quanto maior for o número de pessoas a conhecer o
segredo, mais provável é que este seja – intencionalmente ou involuntariamente –
revelado.
 Confidencial – Trata-se de um segredo que o seu detentor deve guardar pois a
isso o vincula a sua relação com a equipa a que o segredo se refere.
 Facultativo – Segredo que uma pessoa conhece de outra e que poderia revelar
sem desmentir a imagem que de si próprio exibe.
Uma equipa cujos segredos decisivos sejam detidos por terceiros tentar obrigar os
detentores desses segredos a tratá-los como se os possuíssem a título confidencial e não
facultativo.
Outro exemplo de informação destrutiva que não se materializa em segredos são
os casos de gestos involuntários. Essas ocorrências introduzem uma informação – uma
definição da situação – que é incompatível com as afirmações declaradas pelos atores,
mas nem por isso constituem segredo.
Perante um dado desempenho tomado como ponto de referência, distinguimos três
papéis decisivos em termos de função: o dos indivíduos que desempenham; o daqueles
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para quem é representado o desempenho; e os dos estranhos que não desempenham nem
assistem ao desempenho.
Os atores têm consciência da impressão que visam suscitar e habitualmente
possuem também informações destrutivas acerca da exibição.

Papéis:
 Atores – surgem nas regiões de fachada e de bastidores
 Espectadores – surgem apenas na região de fachada
 Estranhos – são excluídos de ambas as regiões.

Papéis Discordantes:
 Informador – É um individuo que pretende, junto do atores, ser membro da
equipa, é autorizado a penetrar nos bastidores e ai adquire a informação destrutiva
que, depois, aberta ou secretamente, revela aos espectadores acerca da exibição
em causa. Encontra-se muitas das vezes numa posição excelente para fazer jogo
duplo. Exemplos deste papel são as pessoas de variantes políticas, militares,
industrias, e criminosos.
o Traidor, vira-casacas ou desertor – Quando se descobre que o indivíduo
em causa começou por se integrar na equipa com sinceridade.
o Espião - Quando sempre tencionou relevar os segredos.

 Cúmplice – É um individuo que atua como se fosse um membro qualquer da


audiência, mas estando, na realidade, combinado com os atores. O cúmplice
fornece à audiência um modelo visível da espécie de resposta que os atores visam
ou fornece a espécie de resposta por parte da audiência que é na altura necessária
para que o desempenho prossiga. Um cúmplice aparenta ser apenas mais um
membro da audiência, mas que se serve da sua preparação não revelada em
benefício da equipa que encena um desempenho.
o Falso espectador (“Shillaber”)
o Chamariz (“Stick”)

 Impostor ou Bufo – Colocado entre os espectadores, mas que se serve de uma


preparação não revelada em benefício da audiência e não dos atores, podendo ou
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não declarar a sua presença. Devemos distinguir cuidadosamente os bufos


propriamente ditos de outros que atuam por conta própria, e a que é frequente
darmos o nome de “denunciantes” ou “delatores”. Estes últimos não possuem o
conhecimento dos bastidores que declaram possuir, nem se encontram investidos
pela lei ou pelo costume da tarefa de representar os interesses da audiência.
 Cliente e Comprador Profissional:
o Comprador Profissional – Trata-se de uma pessoa que ocupa um lugar
apagado, modesto, e que abandona as instalações ao mesmo tempo que os
outros espectadores o fazem, mas para ir ter com o patrão, um concorrente
da equipa cujo desempenho presenciou (Cliente Profissional), contando-
lhe aquilo que teve ensejo em ver.
o Cliente Profissional – É um individuo que possui tecnicamente o direito
de assistir à exibição, mas que, segundo uma opinião muito generalizada,
deveria ter a decência de se limitar à região das traseiras do seu próprio
desempenho, uma vez que o interesse que tem na exibição obedece a uma
perspetiva distorcida, ao mesmo tempo mais animada e mais fastidiosa do
que a adotada por um espetador legítimo.

 Intermediário ou Mediador – O individuo informa-se dos segredos de ambas as


partes, dando a cada uma delas a impressão de que está disposto a guardar esses
segredos, mas ao mesmo tempo tende a sugerir a cada uma dessas mesmas partes
a falsa impressão de que lhe é mais leal do que à outra. Por vezes funcionará como
o instrumento através do qual cada uma das partes receberá uma versão distorcida
a respeito da outra, calculada de maneira a tornar possível uma relação mais
próxima entre ambas. O papel de intermediário é de particular importância na
interação ligada ao convívio informal.
Uma sequência de conversas informais pode ser considerada como um processo
de composição e recomposição de equipas, e de criação e recriação do papel de
intermediário.

Todos os papéis discordantes participam na ação efetiva entre os atores e os


espectadores. Podemos examinar agora um outro papel discordante, o da “não pessoa”.
 “Não-pessoa” - Os indivíduos que desempenham esse papel acham-se presentes
durante a interação, mas de certo modo não assumem o papel nem de ator nem de
85

espectador, ao mesmo tempo que não pretendem ser o que não são. Estão presentes
na região de fachada e têm livre acesso aos bastidores. O papel de “não-pessoas”
geralmente acarreta certa medida de subordinação e uma respeitabilidade reduzida,
mas não devemos subestimar o grau em que a pessoa que o recebe ou assume tem a
possibilidade de o utilizar como defesa.
Papéis Discordantes Suplementares (Pessoas que não se encontram presentes durante
um desempenho, mas que possuem informações imprevistas acerca deste ultimo):
 Especialista de Serviço – É ocupado por indivíduos especializados na construção,
reparação e manutenção do espetáculo que os seus clientes representam perante outras
pessoas. Ocupam-se da fachada pessoal (dentistas, cabeleireiros) e formulam os
elementos factuais de desempenho verbal do cliente (advogados). Têm tantas ou mais
informações destrutivas do que o ator. O estatuto social do cliente é por vezes superior
ao dos especialistas. Os especialistas que detêm segredos confidenciais, encontram-
se numa posição que lhes permite explorar a informação de que dispõem de modo a
obterem concessões do ator cujos segredos conhecem.
o Especialista Supervisor - Ensinam o ator a construir a impressão desejável

 Confidentes – São pessoas às quais o ator confessa os seus pecados, expondo


livremente os motivos pelos quais a impressão suscitada durante um desempenho era
apenas uma impressão. Os confidentes encontram- se no exterior e só por delegação
participam nas regiões de atividade da fachada e dos bastidores

 Colegas – Podem ser definidos como pessoas que apresentam a mesma prática de
rotina ao mesmo tipo de audiência, mas que não participam conjuntamente, ao
contrário do que acontece com os companheiros de equipa, na ação de um mesmo
quadro de tempo e lugar perante os mesmos espectadores concretos. Os colegas
partilham uma comunidade de destino. Uma vez que tem de representar o mesmo tipo
de desemprenho, conhecem as dificuldades e pontos de vista uns dos outros. O papel
de colega confere aos que o desempenham certas informações relativas a um
desempenho a que não assistiram. Existe um factor de solidariedade entre colegas. A
silenciosa confiança mútua aqui pressuposta assenta em duas ideia que os colegas
formam uns dos outros. A primeira é a de que o colega não compreendera mal, a
segunda e a de que não repetira perante leigos as confidências ouvidas.
86

As pessoas que se unem por laços de afinidade adquirem uma posição, que lhes
permite uma observação mútua para lá da fachada.
Num sentido muito limitado podemos dizer que, sempre que um não colega é
transformado em confidente, isso significa que alguém, ao mesmo tempo, está a
desempenhar o papel de renegado.
Renegados: Assumem com frequência uma atitude moral, declarando que a
lealdade aos ideais de um papel é preferível à concedida aos atores que falsamente a
desempenham. É uma espécie de traidor ou vira-casacas.

 Denys Cuche – Noção de Cultura nas Ciências Sociais: A invenção do conceito


científico de cultura (capítulo II)
 A sociologia e a etnologia, como disciplinas científicas, resultam da reflexão
sobre o homem e a sociedade.
 Etnologia – vai tentar dar resposta à questão da diversidade humana.
 Reivindica-se uma nova ciência para dar explicação ao facto de existirem diversas
raças. Para isso os etnólogos vão-se dividir em dois, uns irão privilegiar a unidade
e minimizar a diversidade (esquema evolucionista) e outros que irão dar toda a
importância á diversidade, tendo como preocupação mostrar que ela não é
contraditória com a unidade fundamental humana.
 Nasce assim a palavra cultura. Numa época inicial os etnólogos deram-lhe um
significado puramente descritivo. Eles não pretende dizer o que ela é, mas sim
descrevê-la é mostrar como ela aparece nas sociedades humanas.

NOTA: Neste capítulo descreve-se as seguintes teorias: 1. Tylor e a conceção


universalista de cultura, 2. Boas e a conceção particulturalista de cultura, 3. Durkheim e
a abordagem unitária dos factos de cultura e 4. Lévy-Bruhl e a abordagem diferencial
87

 Denys Cuche – A noção de Cultura nas Ciências Sociais: O triunfo do conceito de


cultura (Capítulo III)

Federalismo Cultural - Permite a expressão pública das culturas particulares que não
são, no entanto, a pura e simples reprodução das culturas de origem dos imigrantes, mas
a sua adaptação e a sua reinterpretação em função do novo ambiente social e nacional.

Existem 3 correntes de Culturalismo:


 Legado de Boas, encara a cultura na perspetiva da história cultural.
 Relações entre cultura (coletiva) e personalidade (individual).
 Cultura como um sistema de comunicação entre os indivíduos.

 O legado de Boas: a história cultural


A ideia é estudar a repartição espacial de um ou vários traços culturais em culturas
próximas e analisar o processo da sua difusão. No caso em que surge uma grande
convergência de traços semelhantes num espaço dado, fala-se então de "área cultural".
No centro da área cultural encontram-se as características fundamentais de uma cultura;
na sua periferia, essas características entrecruzam-se com traços provenientes das áreas
vizinhas. É de notar que nem sempre a área geográfica coincide com a cultural.
Os chamados fenómenos de "difusão", são o resultado dos contactos entre as
diferentes culturas e da circulação dos traços culturais.
Modelo Cultural - Designa o conjunto estruturado dos mecanismos através dos
quais uma cultura se adapta ao seu meio ambiente. Esta noção será retomada e
aprofundada pela escola "cultura e personalidade"
Aculturação e as trocas culturais – Revelam a complexidade dos fenómenos de
empréstimo e mostram que as modalidades do empréstimo dependem ao mesmo tempo
do grupo dador e do grupo recetor.
Entre empréstimo e inovação culturais não há diferença essencial, sendo o
empréstimo contraído muitas vezes em transformação ou mesmo recriação do elemento
adotado, uma vez que este ultima terá de se adaptar ao modelo cultural da cultura que o
recebe.

 Malinowski e a análise funcionalista da cultura


88

Malinowski opõe-se a qualquer tentativa da escrita da história das culturas de


tradição oral. Em seu entender, a investigação deve apoiar-se à observação direta das
culturas no seu estado presente, sem procurar remontar às suas origens, o que representa
uma operação ilusória, porque insuscetível de prova científica.
Em qualquer cultura, cada costume, cada objeto, cada ideia e cada crença
preenchem uma certa função vital, têm uma certa tarefa a desempenhar, representam uma
parte insubstituível da totalidade orgânica. O que conta não é que este ou aquele traço
esteja presente aqui ou ali, mas que preencha, na totalidade de uma dada cultura, certa
função precisa.
Contra o evolucionismo virado para o futuro, contra o difusionismo virado para o
passado, Malinowski propõe o funcionalismo virado para o presente. Constituindo cada
cultura um todo coerente, todos os elementos de um sistema cultural se harmonizam uns
com os outros, o que torna qualquer sistema equilibrado e funcional e o que explica que
qualquer cultura tenda a conservar-se idêntica a si própria. Malinowski subestima as
tendências de transformação interna próprias de cada cultura. Para ele, a transformação
cultural chega essencialmente do exterior, através do contacto cultural.
Teoria das Necessidades (Malinowski) – Serve para explicar o carácter
funcional das diferentes culturas. Os elementos constitutivos de uma cultura teriam como
função satisfazer as necessidades fisiológicas essenciais do homem. Essas necessidades
determinam imperativos fundamentais. A cultura constitui, precisamente, a resposta
funcional dada a estes imperativos naturais. Responde-lhes criando "instituições",
conceito central em Malinowski, que designa as soluções coletivas (organizadas) dadas
às necessidades individuais.
Instituições - Elementos concretos de uma cultura, as unidades de base de todo o
estudo antropológico, coisa que os "traços" culturais não podem ser: um traço só adquire
sentido por referência à instituição a que pertence.
O funcionalismo é pouco capaz de pensar nas contradições culturais internas, as
disfunções, ou ainda os fenómenos culturais patológicos.
Método Etnográfico – Chamado de “observação participante”, é o único modo
de conhecimento em profundidade da alteridade cultural capaz de escapar ao
etnocentrismo.

 A Escola "Cultura e Personalidade"


89

A cultura não existe como uma realidade "em si", fora dos indivíduos, ainda que
toda a cultura goze de uma relativa independência em relação a eles. A questão está, em
esclarecer como está a cultura presente nos indivíduos, como os faz agir, que
comportamentos suscita, sendo a hipótese adiantada precisamente a de que cada cultura
determina um certo estilo de comportamento comum ao conjunto dos indivíduos
participantes numa cultura dada. Ai residiria o que faz a unidade de uma cultura e o que
a torna especifica relativamente às outras.
 Edward Sapir - O que existe, não são os elementos culturais, que passariam
idênticos, de uma cultura para outra e independentemente dos indivíduos, mas
comportamentos individuais concretos, próprios de cada cultura e podendo
explicar este ou aquele empréstimo cultural particular.
Corrente Teórica  Escola "Cultura e Personalidade"- Não é a libido que explica a
cultura, mas pelo contrário, são os complexos da libido que se explicam por meio da sua
origem cultural.
Questão: Personalidade
Hipótese: À pluralidade de culturas, deve corresponder uma pluralidade de tipos de
personalidade.

 Ruth Benedict e os "Tipos Culturais"

Definição dos tipos culturais - Caracterizam-se pelas suas orientações gerais e pelas
seleções significativas que fazem entre todas as escolhas possíveis a priori. Ruth admite
a hipótese da existência de um "arco cultural" que incluiria todas as possibilidades
culturais em todos os domínios, não podendo cada cultura atualizar mais que um
segmento particular desse arco cultural. As diferentes culturas revelam-se portanto,
definidas por um certo "tipo" ou estilo. Estes tipos de cultura possíveis não existem em
número ilimitado dados os limites do "arco cultural": é assim possível classifica-los
depois de identificados.

Segundo Ruth Benedict, cada cultura se caracteriza, portanto, pelo seu pattern, que dizer
por uma certa configuração, um certo estilo, um certo modelo. Implica a ideia de uma
totalidade homogénea e coerente.
90

Toda a cultura é coerente porque concorda com os fins que visa, ligados às suas escolhas
a partir da gama das escolhas culturais possíveis. Os fins em causa são buscados sem que
os indivíduos o saibam, mas através deles, graças às instituições (nomeadamente
educativas) que vão moldar todos os seus comportamentos, em conformidade com os
valores dominantes que lhes são próprios.
Cultura - Orientação global dos traços culturais, o seu "pattern" mais ou menos coerente
de pensamento e de ação. É uma combinação coerente do todo. Cada cultura oferece, de
certo modo aos indivíduos um "esquema" inconsciente para todas as atividades da vida.

 Margareth Mead e a Transmissão Cultural (1901-1978)

Objetivo - Compreender os fenómenos da inscrição da cultura no individuo e explicar os


aspetos dominantes da personalidade devidos ao mesmo processo de inscrição.

Os traços de carácter que qualificamos de masculinos ou de femininos são em boa parte,


senão na totalidade, determinados pelo sexo de uma maneira tão superficial como o
vestuário, as maneiras e o penteado que uma época atribui a um ou outro sexo.

A personalidade individual não se explica por caracteres biológicos, mas pelo "modelo"
cultural particular de uma dada sociedade que determina a educação da criança. Desde os
primeiros instantes de vida, o modelo impregna o individuo, através de todo um sistema
de estímulos e de interditos, formulados ou não explicitamente, o que o leva, uma vez
adulto, a obedecer de modo inconsciente aos princípios fundamentais da cultura. Foi a
este processo que os antropólogos deram o nome de Inculturação - a estrutura da
personalidade adulta, resultante da transmissão da cultura através da educação, será em
princípio adaptada ao modelo da cultura em causa.
A anomalia psicológica, presente e estigmatizada em cada sociedade, explica-se como
sendo a consequência de uma inadaptação do individuo dito "anormal" à orientação
fundamental da sua cultura.

 Linton, Kardiner e a "Personalidade de base"


O indivíduo e a cultura são concebidos como duas realidades distintas mas indissociáveis
que agem uma sobre a outra.
91

Personalidade de base ou Fundamento cultural da personalidade


o Linton – É determinada pela cultura à qual um individuo pertence. O que varia
de uma cultura para outra é a predominância deste ou daquele tipo de
personalidade. Linton diz que não interessam ao antropólogo as variações
psicológicas individuais, mas aquilo que os membros de um mesmo grupo
partilham no plano do comportamento e da personalidade.
o Kardiner - Uma configuração psicológica particular própria dos membros de
uma dada sociedade e que se manifesta por um certo estilo de comportamento
sobre o qual os indivíduos tecem as suas variantes singulares.Todo o individuo
vai modificar a sua cultura. Cada individuo tem a sua própria maneira de
interiorizar e de viver a sua cultura, ao mesmo tempo que é profundamente
marcado por ela.A acumulação de variações individuais permite a evolução
interna de uma cultura.

Tipo normal - Cada cultura privilegia entre todos os tipos possíveis um tipo de
personalidade, que se torna então o tipo "normal" (de acordo com a norma cultural). Este
tipo normal é a "personalidade de base". Cada individuo o adquire através do sistema de
educação próprio da sua sociedade.
o Linton: Podem existir simultaneamente vários tipos "normais" de
personalidade, porque em bom número de culturas coexistem vários sistemas
de valores. Devemos ter em conta a diversidade dos estatutos existentes no
interior de uma mesma sociedade. Nenhum individuo possui um
conhecimento completo da sua cultura. Cada individuo conhece da sua cultura
apenas aquilo que lhe é necessário para se adaptar aos diversos estatutos de
maneira a poder desempenhar os papéis sociais correspondentes. A existência
de diferentes estatutos conduz a essas modulações mais ou menos
significativas de uma mesma personalidade de base.
o Kardiner:
 "Instituições Primárias" - família e sistema educativo - onde se
forma a personalidade de base
 "Instituições Secundárias" - sistemas de valores e de crenças - a
personalidade de base reage sobre a cultura do grupo produzindo as
instituições, que compensam as frustrações suscitadas pelas
instituições primárias e que levam a que a cultura vá evoluindo.
92

 Lévi-Strauss e a análise estrutural da cultura

Cultura - Qualquer cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas


simbólicos em cujo primeiro plano figuram a linguagem, as regras matrimoniais, as
relações económicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas visam exprimir
certos aspetos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que os
dois tipos de realidade mantêm entre eles e que os próprios sistemas simbólicos mantêm
uns com os outros.

Strauss vai buscar 4 ideias essenciais a Ruth Benedict:


 As diferentes culturas são definidas por um certo pattern
 Os tipos de culturas possíveis existem em número limitado
 O estudo das sociedades "primitivas" é o melhor método de determinarmos as
combinações possíveis entre os elementos culturais.
 Estas combinações podem ser estudadas em si próprias, independentemente dos
indivíduos pertencentes ao grupo.

Outro objetivo de Strauss  Analisar a invariabilidade da cultura.


É da natureza do homem viver em sociedade, mas a organização da vida em sociedade
releva a cultura e implica a elaboração de regras sociais.
A antropologia estrutural fixa-se por tarefa de redescobrir os universais culturais, ou seja,
aquilo que cria a diversidade cultural aparente, para além da invariabilidade dos princípios
culturais fundamentais.
Existem materiais culturais sempre idênticos de uma cultura para outra, indispensáveis
para a vida em sociedade.

 Culturalismo e Sociologia: as noções de "Subcultura" e de "Socialização"

 O culturalismo vai influenciar a sociologia.


 A influência da antropologia cultural marca na sociologia o estudo da
comunidade. Sendo que a hipótese seria de que a comunidade forma um
microcosmos representativo da sociedade inteira a que pertence e que permite, por
isso, apreender a totalidade da cultura na sociedade em causa.
 Vários trabalhos levaram ao conceito de "sub-cultura"
93

"Sub-Cultura" - Nas sociedades complexas, os diferentes grupos podem ter modos de


pensar e de agir característicos, embora partilhando a cultura global da sociedade que, de
qualquer maneira, devido à heterogeneidade da própria sociedade, impõe aos indivíduos
modelos mais flexíveis e menos coercivos (compulsivos) que os das sociedades
"primitivas".

"Contra-Cultura" - Os fenómenos ditos de "contra-cultura" nas sociedades modernas


são uma forma de manipulação da cultura global de referência à qual pretendem opor-se.
Contribuem para renovar e desenvolver a dinâmica própria do sistema cultural. Uma
"contra-cultura" é em última análise, uma subcultura.

Socialização - Termo regularmente usado a partir dos anos 30. É entendido como sendo
o processo de integração de um individuo numa dada sociedade ou num grupo particular
através da interiorização dos modos de pensar, de sentir e de agir, ou, por outras palavras,
dos modelos culturais próprios da sociedade ou do grupo em causa.

Como se torna o individuo membro da sua sociedade e como se produz a sua


identificação com ela?
 Parsons (1954) - Quanto mais cedo a conformidade com as normas e os valores
da sociedade intervém na existência do individuo, mais tenderá a levar a uma
adaptação adequada ao "sistema social". Socialização como condicionamento.
Rompendo com a teoria de Parsons, outros sociólogos acentuam a relativa autonomia do
individuo que não é determinado, de uma vez por todas, pela socialização vivida durante
a infância. O individuo tem a capacidade de tirar partido de situações novas em vista de
uma eventual modificação de suas atitudes.

 Berger e Luckmann - Distinguem "socialização primária" (infância) de


"socialização secundária".
A socialização revela-se como um processo sem fim, podendo haver fases de
dissocialização e de ressocialização.

 A abordagem iteraccionista da cultura


Sapir – Uma cultura é um conjunto de significações que os indivíduos de um dado se
comunicam através dessas interações.
94

Os interaccionistas consideram o termo "sub-cultura" como inapropriado pois aquilo a


que se chama de cultura global resulta da relação dos grupos sociais em contacto uns com
os outros e, por conseguinte, da relação que se estabelece entre as suas culturas próprias.

 Anthony Giddens – Sociologia: Cultura e Sociedade

Cultura – O conceito de cultura está entre as noções mais usadas em sociologia, refere-
se aos modos de vida dos membros de uma sociedade, ou de grupos pertencentes a essa
sociedade; inclui o modo como se vestem, as suas formas de casamento e de família, os
seus padrões de trabalho, cerimónias religiosas e atividades de lazer.
A cultura pode ser conceitualmente diferenciada de “sociedade”, mas há conexões muito
próximas entre essas noções.

Sociedade – É um sistema de inter-relações que envolve os indivíduos coletivamente.


O que une as sociedades é o facto de os seus membros se organizarem em relações sociais
estruturadas segundo uma única cultura. As culturas não podem existir sem sociedades.
Mas, do mesmo modo, nenhuma sociedade pode existir sem cultura.

 Conceito de cultura
Quando os sociólogos se referem à cultura, estão preocupados com aqueles aspetos da
sociedade humana que são antes aprendidos e não herdados. A cultura de uma sociedade
compreende tanto aspetos intangíveis - as crenças, as ideias e os valores que formam o
conteúdo da cultura - como também aspetos tangíveis - os objetos, os símbolos ou a
tecnologia que representam esse conteúdo.

Valores e Normas
As ideias que definem o que é importante, útil ou desejável são fundamentais em todas
as culturas. Essas ideias abstratas, ou valores, atribuem significado e orientam os seres
humanos na sua interação com o mundo social. A monogamia – a fidelidade a um único
parceiro sexual – é um exemplo. As normas são as regras de comportamento que refletem
95

ou incorporam os valores de uma cultura. As normas e os valores determinam entre si a


forma como os membros de uma determinada cultura se comportam e variam muitíssimo
entre culturas.
Mesmo no seio de uma sociedade ou comunidade, os valores podem ser contraditórios:
alguns grupos ou indivíduos podem valorizar crenças religiosas tradicionais, enquanto
outros podem aprovar o progresso e a ciência.

Normas e valores culturais em mudança


As normas e os valores culturais mudam frequentemente ao longo do tempo. Muitos dos
nossos hábitos e comportamentos estão enraizados em normas culturais.

Diversidade Cultural
A diversidade do comportamento e práticas humanas é extraordinária. As sociedades de
pequena dimensão, como as sociedades de “caçadores-recolectores”, tendem a ser
culturalmente uniformes ou monoculturais. Algumas sociedades modernas, como o
Japão, permanecem relativamente monoculturais e caracterizam-se por elevados níveis
de homogeneidade cultural.
Quando falamos em subculturas não nos referimos apenas a grupos étnicos ou linguísticos
minoritários de uma sociedade, mas a qualquer segmento da população que se distinga
do resto da sociedade em virtude dos seus padrões culturais. As subculturas e as
contraculturas – grupos que rejeitam a maior parte das normas e dos valores vigentes
numa sociedade – podem promover pontos de vista alternativos à cultura dominante.

Etnocentrismo
Todas as culturas têm um padrão de comportamento próprio que parece estranho a
pessoas de outros contextos culturais. As culturas podem ser extremamente difíceis de
entender quando vistas de fora. Uma cultura tem de ser estudada segundo os seus próprios
significados e valores – um pressuposto essencial da Sociologia. Esta ideia é também
conhecida como relativismo cultural. Os sociólogos esforçam-se o mais possível para
evitar o etnocentrismo, que consiste em julgar as outras culturas tomando como medida
de comparação a nossa.
Aplicar o relativismo cultural – isto é, analisar uma situação segundo os padrões de outra
cultura, suspendendo os nossos valores culturais bem enraizados – pode ser algo repleto
de incerteza e desafios.
96

 Socialização
A cultura pertence a esses aspetos da sociedade que são aprendidos do que herdados. O
modo de vida de uma sociedade é chamado de socialização. Este processo constitui o
principal canal de transmissão da cultura através do tempo e das gerações.
Os sociólogos referem-se muitas vezes à socialização como algo que ocorre em duas fases
amplas, que envolvem um certo número de diferentes agências de socialização – grupos
ou contextos sociais onde ocorrem importantes processos de socialização.
A socialização primária decorre durante a infância e constitui o período mais intenso de
aprendizagem cultural. É a altura em que a criança aprende a falar e aprende os mais
básicos padrões comportamentais. A socialização secundária decorre desde um momento
mais tardio na infância até à idade adulta.

Papéis Sociais
Os indivíduos aprendem os seus papéis sociais – expectativas socialmente definidas
seguidas pelas pessoas de uma determinada posição social.
Alguns sociólogos, especialmente os associados à corrente funcionalista, veem os papéis
sociais como partes constantes e algo inalteráveis da cultura de uma sociedade, tornando-
os factos sociais. De acordo com esta perspetiva, os indivíduos aprendem as expectativas
ligadas às posições sociais na cultura em grande medida tal como foram definidos. Os
papéis sociais não implicam negociação ou criatividade – pelo contrário, condicionam e
orientam o comportamento dos indivíduos. É através da socialização que os indivíduos
interiorizam os papéis socias e aprendem a desempenhá-los.
No entanto, este ponto de vista é errado, uma vez que sugere que os indivíduos se limitam
a desempenhar papéis, sem intervirem na sua criação e negociação. Na verdade, a
socialização é um processo pelo qual os seres humanos se tornam agentes. Eles não são
simplesmente sujeitos passivos à espera de serem instruídos ou programados. Os
indivíduos concebem e assumem papéis socias no decurso de um processo de interação
social.

Identidade
97

Os contextos culturais onde nascemos e crescemos influenciam o nosso comportamento,


mas tal não significa que seja negado a individualidade ou livre arbítrio. O facto de
estarmos envolvidos em interações com os outros, desde que nascemos até morrermos,
condiciona certamente as nossas personalidades, os nossos valores e comportamentos. No
entanto, a socialização está também na origem da nossa própria liberdade e
individualidade. Cada um de nós, no decurso da socialização, desenvolve um sentido de
identidade e a capacidade para pensar e agir de fornia independente.
Para a sociologia, o conceito de identidade é multifacetado, podendo ser abordado de
muitas maneiras. De uma forma geral, a identidade está relacionada com os
entendimentos que as pessoas têm acerca de quem são e do que é importante para elas.
Estes entendimentos formam-se em função de determinados atributos que são prioritários
em relação a outras fontes geradoras de sentido. O género, a orientação sexual, a classe
social, a nacionalidade ou a etnicidade são algumas das principais fontes de identidade.
Os sociólogos referem-se sobretudo a dois tipos de identidade: a identidade social e a
identidade pessoal.
Por identidade social entendem-se as características que os outros atribuem a um
indivíduo. Estas podem ser vistas como marcadores que indicam quem essa pessoa é. Ao
mesmo tempo, posicionam essa pessoa em relação a outros indivíduos com quem partilha
os mesmos atributos. Exemplo: estudante, mãe, advogado, católico, sem-abrigo, etc. O
facto de se ter múltiplas identidades sociais reflete as muitas dimensões da vida de uma
pessoa.
Se as identidades sociais estabelecem as formas pelas quais os indivíduos são semelhantes
a outros, a identidade pessoal distingue-nos enquanto indivíduos. Este tipo de identidade
diz respeito ao processo de desenvolvimento pessoal através do qual formulamos uma
noção intrínseca de nós próprios e do relacionamento com o mundo à nossa volta. A noção
de identidade pessoal deriva em grande medida da obra dos interaccionistas simbólicos.
A negociação constante do indivíduo com o mundo que o rodeia ajuda a criar e moldar a
sua noção de identidade.
No mundo atual, temos a oportunidade sem precedentes para decidir a nossa vida e criar
a nossa própria identidade. Somos o nosso melhor recurso na definição de quem somos,
de onde vimos e para onde vamos.

 Tipos de Sociedade
98

Os traços culturais estão intimamente relacionados com os padrões gerais de


desenvolvimento da sociedade.
Passamos agora a analisar os principais tipos de sociedade que existiram no passado e
que ainda se podem encontrar hoje em dia no mundo

Tipos de sociedades humanas pré-modernas


 Caçadores Recolectores
Período de existência: 50.000 A.C. até ao presente (à beira do desaparecimento total).
Características: Consistem em pequenos grupos de pessoas que vivem da caça, pesca e
recoleção de plantas comestíveis; poucas desigualdades e diferenças de estatuto limitadas
à idade e sexo.
 Sociedade Agrárias
Período de existência: 12.000 A.C. até ao presente. A maioria faz hoje parte de
instituições políticas maiores e tem a s suas identidades próprias em perigo.
Características: Baseadas em pequenas comunidades rurais, sem vilas ou cidades. A
subsistência é garantida pela agricultura, muitas vezes com contribuições da caça e
recoleção. Maiores desigualdades do que entre os caçadores recolectores.
 Sociedades Pastoris
Período de existência: 12.000 A.C. até ao presente. Hoje, a maioria faz parte de estados-
maiores; o seu modo de vida tradicional está a ser, pouco a pouco, destruído.
Características: Governadas por chefes. Dependem da criação de animais domésticos para
a sua subsistência material. O tamanho da sua população pode ir de poucas centenas até
muitos milhares de pessoas. Marcadas por vincadas desigualdades.
 Civilização não-industriais
Período de existência: 6.000 A.C. até ao século XIX. Todas as civilizações
desapareceram.
Características: Governadas por chefes ou reis guerreiros. Baseadas sobretudo na
agricultura. Existência de algumas cidades, onde s e concentra o comércio e a
manufactura. De tamanho muito grande, algumas com milhões de pessoas (embora
pequenas, quando comparadas com sociedades industrializadas muito maiores). Aparelho
próprio de governação chefiado por um rei ou imperador. Existem importantes
desigualdades entre as diferentes classes sociais
99

Tipos de sociedades humanas modernas


 Sociedades do Primeiro Mundo
Período de existência: Do século XVIII ao presente.
Características: Baseadas na produção industrial e, de uma forma geral, na iniciativa
privada. A maforra da população vive nas cidades e pouca gente trabalha na agricultura.
Grandes desigualdades entre classes, embora menos acentuadas do que nos estados
tradicionais. Diferentes comunidades políticas ou estados-nação, incluindo as nações do
Ocidente, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia.
 Sociedades do Segundo Mundo
Período de existência: Dos princípios do século XX (depois da Revolução Russa de 1917)
ao início da década de 90 desse século.
Características: Baseadas na indústria, mas com um sistema económico centralizado e
estatal. Apenas uma pequena parte da população trabalha na agricultura; a maioria vive
nas cidades. Persistência de importantes desigualdades entre classes sociais. Diferentes
comunidades políticas ou estados-nação. Até 1989, compostas pela Rússia e Europa de
Leste, mas a s mudanças sociais e políticas transformaram-nas em sistemas de mercado
livre, tornando-se assim sociedades do Primeiro Mundo

 Sociedades do Terceiro Mundo


Período de existência: Do século XVIII (a maioria, territórios colonizados) ao presente.
Características: A maioria da população trabalha na agricultura, utilizando métodos
tradicionais de produção. Parte do produto agrícola é vendido em mercados mundiais.
Alguns têm sistemas de mercado livre, outros de planificação centralizada. Comunidades
políticas distintas ou estados-nação em que se incluem a China, a índia e a maioria da
África e da América do Sul.
 Países recém-industrializados
Período de existência: Da década de 70 do século XX ao presente.

Características: Antigas sociedades do Terceiro Mundo, na atualidade assentes na


produção industrial e geralmente na livre iniciativa. A maioria da população vive em
cidades, alguns ainda trabalham na agricultura. Fortes desigualdades de classe, mais
pronunciadas do que nas sociedades do Primeiro Mundo. O rendimento médio per capita
100

é consideravelmente menor do que nas sociedades do Primeiro Mundo. Incluem-se aqui


Hong-Kong, a Coreia do SuJ, Singapura, Taiwan, o Brasil e o México.

 Mudança Social
Influências na mudança social
Podemos identificar três fatores principais que têm influenciado consistentemente a
mudança social: o meio ambiente, a organização política e os fatores culturais.

O meio ambiente
O ambiente físico exerce muitas vezes uma influência no desenvolvimento da
organização social humana. Tal pode constatar-se melhor nas condições ambientais mais
extremas, em que as pessoas têm de organizar o seu modo de vida de acordo com as
condições meteorológicas.

Fatores Culturais
Incluem-se os efeitos da religião, dos sistemas de comunicação e da liderança.
A mudança no período moderno
Influências Económicas
O impacto da ciência e da tecnologia no modo como vivemos pode, em grande medida,
ser determinado por fatores económicos, mas não se limita à esfera económica. A ciência
e a tecnologia tanto influenciam como são influenciadas por fatores políticos e culturais.

Influências Políticas
A evolução política dos últimos dois ou três séculos influenciou por certo tanto a mudança
económica tanto quanto esta foi influenciada pela política.

Influências Culturais
Entre os fatores culturais que afetam os processos de mudança social nos tempos
modernos, o desenvolvimento da ciência e a secularização do pensamento contribuíram
para o carácter crítico e inovador da perspetiva moderna. Para além do modo como
pensamos, também o conteúdo das ideias mudou. Ideais como superar-nos a nós próprios,
liberdade, igualdade ou participação democrática são, em grande parte, criações
produzidas nos últimos dois ou três séculos.
101

 Conclusão
As mudanças por que o mundo passa atualmente estão a tomar as diferentes culturas e
sociedades muito mais interdependentes do que se passava antigamente. À medida que o
ritmo da mudança acelera, o que acontece em determinado ponto do mundo pode afetar
diretamente outras regiões. Em relação às gerações anteriores, em parte graças às novas
formas de comunicação eletrónica, vivemos hoje todos muito mais interdependentes uns
dos outros. O sistema global não é apenas um contexto no qual determinadas sociedades
mudam e se desenvolvem. Os laços económicos, sociais e políticos que ligam entre si os
países condicionam decisivamente o destino dos cidadãos de qualquer um deles.

 Robert Rowland – Antropologia, História e Diferença


“The past is a foreign country, they do things differently there”

Etnocentrismo Tendência a «considerar a cultura de seu próprio povo como a


medida de todos as outras» - é uma tentação que deve ser evitada. Esta, pelo menos, é a
mensagem ritualmente transmitida, todos os anos, aos estudantes que iniciam qualquer
curso de antropologia.

Não se pode considerar inferior aquilo que apenas é diferente.

Quem quiser tornar-se antropólogo terá de aprender a superar os seus preconceitos


etnocêntricos e pré-cintíficos, encarando a diversidade das culturas de um modo
rigorosamente não valorativo.

Diversidade valorizada em dois sentidos:

1º) por ser nela que residem as possibilidades de progresso da humanidade, uma
vez que o progresso deriva da colaboração entre culturas diferentes e “uma
humanidade confundida num único género de vida é inconcebível pois tratar-se-
ia de uma humanidade ossificada”.
102

2º) por implicação, por ser através da diversidade que se torna possível a
compreensão das culturas, na medida em que só a compreensão das diferenças
enquanto sistema permitirá atribuir a qualquer cultura individual o seu sentido
verdadeiro.

 Para Lévi-Strauss

A avaliação e compreensão de cada cultura em si passa pelo relativismo cultural, pois as


culturas devem ser compreendidas em função das suas próprias preocupações e não
através de critérios derivados das preocupações específicas da civilização ocidental.

SE, o relativismo cultural for definido como uma tentativa de avaliar cada cultura nos
seus próprios termos, evitando a inposição de critérios derivados de outras culturas ou da
nossa própria cultura, torna-se evidente que uma das suas pré-condições é: a possibilidade
de ver e compreender a cultura em questão por dentro, tal como os membros daquela
cultura a vêm e compreendem.

 Método característico de investigação:


 Observação participanteno decurso de um trabalho de campo contínuo e
prelongado.

No decurso do seu trabalho de campo, que poderá durar entre um e três anos, o que
aprende o antropólogo?

- Aprende por dentro uma outra cultura, familiarizando-se com a língua e a sua utilização
contextual, com as normas e os valores, as regras de comportamento apropriados a cada
uma de um conjunto de diversificado de situações, o leque de possibilidades aberto aos
individuos e grupos para a formulação e execução das suas estratégias de acção.

O antropólogo que conseguir ‘penetrar’ numa outra cultura conhce-a, em teoria, tão bem
como qualquer nativo pode chegar até a adiquirir um maior conhecimento que o
próprio nativo.

No entanto, parece evidente que não será na mera aprendizagem de uma outra maneira de
ver e ser, por mais diferenre que possa ser a cultura estudada, que se encontrará a chave
para a compreensão da diferença.
103

O respeito pelo outro apenas se poderá fundamentar numa relação que se estabelece entre
o eu e esse outro e não na simples substituição do eu pelo outro.

A missão do antropólogo consiste na aprendizagem de uma outra cultura, quer na


tradução dessa cultura, tornando-a acessível à comunidade científica.

Em rigor, o antropólogo não aprende a conhecer a realidade social e cultural que o rodeia
durante o seu trabalho de campo; aprende a reconhecê-la, estabelecendo relações de
equivalência e diferença entre o que vai observando e ouvindo e o que já conhecia.

O antropólogo que realmente conseguir compreender outra cultura não terá substituído a
sua cultura por outra, terá, antes, encontrado uma maneira de relacionar essa cultura com
a sua própria cultura de origem e com a sua “cultura” especificamente antropológica

 Martin Hollis

-Chegou à conclusão que a antropologia, para ser possível, tem que se basear no postulado
de que todos os homens são racionais (a antropologia depende do postulado de que os
nativos partilhem a nossa racionalidade).

Mas, nem todos os que estudaram os povos ditos primitivos foram da mesma opinião pois
acharam que pelo menos alguns povos não partilham da nossa racionalidade.

Por exemplo, os Dinka do Sudão acreditam, por exemplo, que todos os feiticeiros
possuem uma cauda de animal, mas acusam de feitiçaria pessoas que não o têm.

 Crenças
 “Crenças rituais” – Dizem respeito a entidades ou forças sobrenaturais,
estariam então ao contrário das “crenças práticas”.
 “Crenças práticas” – Sujeitas a um teste de racionalidade menos severo. Uma
vez que seria despropositado pretender que essas crenças fossem em si
racionais para o indivíduo que as possui.

Será assim o próprio antropólogo que irá estabelecer: aquelas que lhe parecem racionais
ou verdadeiras no seu conteúdo serão “práticas”, aquelas que o não parecem serão
104

“rituais”. Das primeiras exige-se exatamente aquilo que as levou a que fossem
classificadas como práticas; as segundas perdoa-se quase tudo o que levou a que fossem
consideradas como rituais.

 Gilberto Velho - Observando o familiar: Individualismo e Cultura (Notas para


uma Antropologia da Sociedade Contemporânea)

Afirma-se se preciso que o pesquisador veja com olhos imparciais a realidade, evitando
envolvimentos que possam obscurecer ou deformar os seus julgamentos e conclusões.
Uma das possíveis decorrências deste raciocínio seria a valorização de métodos
quantitativos que seriam "por natureza" mais neutros e científicos.
|

Porém
|

A antropologia utiliza métodos de pesquisa qualitativos, como por exemplo, a observação


participante, a entrevista aberta, o contato direto e pessoal; e também que é necessário
para conhecer o contato/convivência durante um período de tempo razoavelmente longo.
Este contato envolve duas questões:
 A distância social;
 A distância psicológica;
Em termos de familiar e exótico ("transformar o exótico em familiar e o familiar em
exótico"):
O facto de dois indivíduos pertencerem à mesma sociedade não significa que
Descontinuidades
em termos de estejam mais próximos do que se fossem de sociedades diferentes, podem ser
comunicação
aproximados por preferência, gostos e idiossincrasias.

A unidade não seria dada pela linguagem, por tradições nacionais de carater mais geral,
mas por experiências e vivências de classe, definidos em termos sociológicos,
económicos e históricos, que originam inclusive a noção de cultura de classe.

O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente
conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto,
conhecido. No entanto, estamos sempre pressupondo familiaridades e exotismos como
fontes de conhecimento ou desconhecimento respetivamente.
105

Por exemplo, podemos estar acostumados a uma certa paisagem social onde a disposição
dos autores nos é familiar; a hierarquia e a distribuição de poder permite-nos fixar, de
grosso modo, os indivíduos em categorias mais amplas.
No entanto, isso não significa que eu compreenda a lógica das suas relações.
Enquanto movimento intelectual, surge o Romantismo, preocupado em pesquisar (ou até
criar) raízes, fundamentos, essenciais de um povo, nacionalidade. É conhecida a
manipulação de ideologias nacionalistas, de oposição simbólica e material ao que vem de
fora, como estranho, intruso, fora de contexto, alienado.
o Antropólogo a chamar à atenção para o "artificialismo".

A "realidade" (familiar ou exótica) é sempre filtrada por determinado ponto de vista do


observador, esta é percebida de maneira diferenciada:
 É necessário relativizar as noções de distância e objetividade assim como observar
o familiar e estudá-lo sem paranóias relativamente à impossibilidade de resultados
imparciais e neutras.
 Familiaridade é diferente de conhecimento científico, no entanto, representa
também um certo tipo de apreensão da realidade

O estudo do familiar oferece vantagens, em termos de possibilidades de rever e enriquecer


os resultados das pesquisas.
A natureza da interpretação do trabalho antropológico chama a atenção de que o processo
de conhecimento da vida social implica sempre um grau de subjetividade, tendo um
caráter aproximativo e não definitivo.

Gilberto Velho acredita que seja possível transcender, em determinados momentos, as


limitações de origem do antropólogo e chegar a ver o familiar não necessariamente como
exótico mas como uma realidade bem mais complexa do que aquela representada pelos
mapas e códigos básicos nacionais e de classe através dos quais fomos socializados.
O processo de estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar
intelectualmente e mesmo emocionalmente, deferentes versões e interpretações existentes
a respeito de factos, situações.

Indivíduo: Unidade básica do mapeamento


106

A hierarquia organiza, mapeia e, portanto, cada categoria social tem o seu lugar através
de estereótipos. A dimensão do poder e da dominação é fundamental para a construção
dessa hierarquia e desse mapa. A etiqueta, a maneira de dirigir-se às pessoas, as
expetativas de respostas, a noção de adequação, etc. relacionam-se à distribuição social
de poder que é essencialmente desigual numa sociedade de classes. Assim, em princípio,
dispomos de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações sociais do nosso
quotidiano. Mesmo nas sociedades mais hierarquizadas há momentos, situações ou papéis
sociais que permitem a crítica, a relativização ou até o rompimento com a hierarquia.
O estudo de conflitos, disputas, acusações, momentos de descontinuidade em geral, é
particularmente útil: ao se focalizarem situações de drama social, podem-se registar
contornos de diferentes grupos, ideologias, interesses, subculturas, permitindo
remapeamentos.
De qualquer forma o familiar, com todas essas necessárias relativizações é cada vez mais
objeto de investigação para uma antropologia preocupada em perceber a mudança social
não apenas ao nível das grandes transformações históricas mas como resultado
acumulado e progressivo de decisões e interações quotidianas.
 Denys Cuche – A Noção de Cultura nas Ciências Sociais: Cultura e Identidade
(Cap.VI)

A cultura releva em grande parte de processos inconscientes. A identidade, pelo seu lado,
remete para uma norma de presença, necessariamente consciente.

Identidade cultural: polissemia e caracter fluido


Para a psicologia social, a identidade é uma ferramenta que permite pensar na articulação
do psicológico e do social num individuo. Exprime a resultante das diversas interações
entre o individuo e o seu meio social ambiente, próximo e distante. A identidade social
de um individuo caracteriza-se pelo conjunto das suas pertenças no sistema social. A
identidade permite ao individuo localizar-se no sistema social e ser ele próprio localizado
socialmente.
A identidade não se refere apenas aos indivíduos, qualquer grupo é dotado de uma
identidade que corresponde à sua definição social, que o situa no conjunto social.
A identidade social é, ao mesmo tempo, inclusão e exclusão: identifica o grupo e
distingue-os de outros grupos.
107

Objetivismo:
 Os que assimilam a cultura como uma herança, concebem a identidade como dado
definitivo. Assim concebida, a identidade surge como uma essência que não é
suscetível de evoluir e sobre o qual nem o individuo nem o grupo têm qualquer
preensão.
 No limite, a problemática da identidade cultural pode desembocar numa
racialização dos indivíduos e grupos. O individuo, através da sua hereditariedade
biológica, nasce com os elementos constitutivos da identidade étnica e cultural.
 Abordagem culturalista: Não é o legado biológico que é posto em evidência, mas
sim o legado cultural, pelo que o individuo é levado a interiorizar os modelos
culturais que lhe são impostos, pelo que a identidade preexiste mais uma vez ao
individuo.
 Identidade etnocultural: A identidade cultural surge como uma propriedade
inerente ao grupo porque transmitida no e pelo grupo, sem referencia aos outros
grupos. A pertença no grupo étnico é a primeira e a mais fundamental das
pertenças sociais.
 Estas teorias têm em comum a mesma conceção objetivista da identidade cultural.
Definem e descrevem a identidade a partir de um certo número de critérios
determinantes.

Subjetivismo:
 A identidade cultural não pode ser reduzida à sua dimensão atributiva. A
identidade etnocultural não é mais do que um sentimento de pertença. O que conta
são as representações que os indivíduos formam na realidade social e as suas
divisões.
 Caracter variável da identidade.
 A identidade é uma construção que se elabora num modelo de relação que opõe
um grupo aos outros grupos com os quais está em contacto.
 Fredrik Barth (1969): A identidade é um modo de categorização utilizado pelos
grupos para organizarem as suas trocas. Assim, para definirmos a identidade de
um grupo é necessário localizar os traços que os membros do grupo utilizam para
afirmarem e manterem a distinção cultural. A diferença identitária não é
consequência direta da diferença cultural. Uma cultura particular só pode resultar
108

das interações entre os grupos e dos procedimentos de diferenciação que esses


grupos aplicam nas suas relações. São os próprios atores que atribuem uma
significação à sua pertença etnocultural em função da situação relacional em que
se encontram. Ou seja, a identidade constrói-se e reconstrói-se constantemente no
quadro de trocas sociais. - Conceção dinâmica da identidade.
 Não há identidade em si, nem sequer unicamente para si. A identidade é sempre
uma relação com os outros. A identidade e a alteridade articulam-se uma na outra
mantendo uma relação dialéctica (contraposição e contradição de ideias).
 A identificação caminha a par da diferenciação.
 A identidade pode evoluir se a situação relacional mudar, pelo que o termo
"identificação" é preferível ao de identidade.
 A identificação pode funcionar como afirmação ou como atribuição identitária.
 A identidade é como que uma negociação entre a "auto-identidade" e a "hetero-
identidade".
 A predominância de força da hetero-identidade pode levar à estigmatização dos
grupos minoritários. Desembocando numa "identidade negativa".
 A identidade negativa surge como uma identidade vergonhosa que poderá tender
para a eliminação. Surgem fenómenos ligados à aceitação e interiorização da
imagem de si próprio construída pelos outros.
 Identidade: É uma parada de lutas sociais. Nem todos os grupos têm o mesmo
"poder de identificação", porque esse poder depende da posição ocupada no
sistema de relações que liga os grupos uns aos outros. Nem todos os grupos têm a
mesma autoridade de nomeação e de auto-nomeação.
 O poder de classificar leva assim à etnicização dos grupos subalternos. São
identificados a partir de características culturais exteriores e consideradas
imutáveis. Neste caso a identidade é problemática.
 A antropologia explica os processos de identificação sem os julgar.

Identidade - Uma questão de estado


 Com a edificação dos estados/nação modernos, o estado tornou-se responsável
pela gestão da identidade.
109

 O estado tende para a mono-identificação, ou porque só reconhece uma identidade


cultural capaz de definir a identidade nacional, ou porque, admitindo embora um
certo pluralismo cultural, define uma identidade de referência.
 A ideologia nacionalista é uma ideologia de exclusão das diferenças culturais.
 Os indivíduos e grupos são cada vez menos livres de definir a sua identidade.
 Controlo rígido da identidade.
 Sociedades de identidade flexível: Concedem um lugar amplo à novidade e à
inovação social. Os fenómenos de fusão e de cisão étnicos são correntes e não
implicam conflitos.

No entanto a reacção do estado sobre as minorias provoca, por vezes, reacções negativas,
visto que os grupos minoritários visam a reapropriação de uma identidade. Transformar
uma hetero-identidade negativa em positiva. Com o tempo a revolta contra a
estigmatização resultará na inversão do estigma.

Enclausuramento de uma identidade etnocultural: Existe uma negação da individualidade.


Sendo a identidade étnica hiperinvestida, o individuo tende cada vez mais a minimizar, e
até mesmo a negar a sua própria identidade individual.

A identidade multidimensional
 Na medida em que a identidade resulta de uma construção social, participa na
complexidade do social.
 Carácter flutuante da identidade.
 O indivíduo que participa em várias culturas fabrica, a partir dos diferentes
materiais correspondentes, a sua identidade pessoal única operando uma síntese
original. O resultado é, por conseguinte, uma identidade sincrética e não dupla.
 Os encontros de povos, as migrações internacionais multiplicaram estes
fenómenos de identidade sincrética.
 De facto, cada individuo integra, de modo sintético, a pluralidade das referências
identificatórias ligadas à sua história.
 Cada individuo tem consciência de possuir uma identidade de geometria variável,
sendo as dimensões do grupo a que se refere nesta ou naquela situação relacional.
110

Estratégias identitárias
 A identidade tem um caracter multidimensional e dinâmico, pelo que conhece
variações, reformulações e até manipulações.
 Estratégia identitária: A identidade surge como um meio visando atingir um fim.
 O conceito de estratégia indica também que o individuo, como ator social, não
está despromovido de uma certa margem de manobra. Em função da sua
apreciação da situação, utiliza de modo estratégico os seus recursos identitários.
Na medida em que é uma parada de tuas sociais de "classificação", que visam a
reprodução ou a transformação das relações de dominação, a identidade constrói-
se através das estratégias dos atores sociais.
 A identidade é sempre a resultante da identificação que nos vemos ser imposta
pelos outros e a que nos próprios afirmamos.
 Um tipo extremo de estratégia, consiste em ocultar a identidade para escapar à
discriminação.
 A identidade pode ser instrumentalizada nas relações entre os grupos sociais.
 A identidade não existe em si, independentemente das estratégias de afirmação
identitária dos atores sociais que são ao mesmo tempo o produto e o suporte das
lutas sociais e políticas.
As "fronteiras" da identidade
 Barth: No processo de identificação o que é primeiro é precisamente essa vontade
de marcar o limite entre "eles" e "nós" e, portanto, de estabelecer e manter aquilo
a que se chama uma "fronteira". Uma fronteira social simbólica. A etnicidade, que
é o produto do processo de identificação, pode ser definida como a organização
social da diferença cultural. Para explicar a etnicidade é preciso estudar os
mecanismos de interação que mantêm ou repõem as fronteiras coletivas.
 Uma coletividade pode perfeitamente funcionar admitindo no seu interior uma
certa pluralidade cultural. O que cria a separação, a "fronteira", é a vontade de
diferenciação e a utilização de certos traços culturais como marcadores da sua
identidade específica.
 As fronteiras não são imutáveis, pelo que os deslocamentos da mesma explicam
as variações da identidade.

Conclusão: A identidade cultural não é definível de forma definitiva.


111

 Mariza Peirano – Rituais Ontem e Hoje

Ritual pode ser, em alguns casos, a dimensão menos importante de um evento.


Em todas as sociedades existem eventos que são considerados especiais, quando assim
vistos eles são considerados potencialmente "rituais".

Orientações para compreender o que é o ritual:


 Evitar uma definição rígida e absoluta.
 Não por em questão a natureza dos eventos rituais.
 Definição etnográfica.
 Partir do princípio que a sociedade possui um repertório definido, compartilhado
e público de categorias, classificações, formas, valores, etc.. Consideramos o
ritual um fenómeno especial da sociedade, que nos aponta e revela apresentações
e valores de uma sociedade, mas o ritual expande, ilumina e ressalta o que já é
comum a um determinado grupo.
 Os rituais são bons para transmitir valores e conhecimentos e também próprios
para resolver conflitos e reproduzir as relações sociais.
 Tudo o que fazemos tem um elemento comunicativo implícito.
 O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica, constituído por
sequências ordenadas e padronizadas.

A ação ritual nos seus traços constitutivos pode ser vista como "performativa" em três
sentidos:
1. No sentido do qual dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional.
2. No sentido do qual os participantes experimentam intensamente uma performance
que utiliza vários meios de comunicação.
3. No sentido de valores sendo inferidos e criados pelos atores durante a
performance.

Características/Aspetos dos Rituais:


 Fenómenos culturais de comunicação
 Constituídos de sequências padronizadas de palavras e atos.
 Formalidade, a estereotipia e a repetição marcam os eventos.
112

 Produção de valores sociais durante a performance

 Modelo canónico
O pesquisador deveria passar pelo menos dois anos imerso no campo para depois:
enfrentar o desafio de combinar a diversidade das culturas; demonstrar a unidade psíquica
da humanidade.
Resultado: o relativismo começou a dominar a disciplina.

 Durkheim e Mauss
A sociedade é um todo que nos antecede
Refutando a ideia de que a religião é apenas um sistema de ideias, os cultos são a prova
experimental das crenças, sustentando-as. Os cultos (ou rituais) são "actos da sociedade".
Através deles, a sociedade toma consciência de si, se recria e se afirma.
Os rituais criam um corpo de ideias e valores que, sendo socialmente partilhados,
assumem uma conotação religiosa. Religião, portanto, não é algo que diz necessariamente
respeito aos deuses e ao sobrenatural, mas à sociedade.

 Tylor e Frazer
A definição de religião centrava-se na "crença em seres espirituais", que não advinha da
sociedade, mas era o produto de uma evolução natural, regular, continua e progressiva
das capacidades mentais do animal humano no estado social.
Tylor: A crença nos espíritos teria sido a primeira de uma série: o "animismo" seria
a forma mais primitiva de religião e teve início a partir de um esforço racional (embora
não critico) para explicar fenómenos empíricos misteriosos, tais como a morte, sonhos,
possessão. Do animismo, a espécie humana progrediu para o politeísmo e deste para o
monoteísmo.

Frazer: Identifica duas leis de associação do pensamento: a associação por similaridade


e a associação por contiguidade. A primeira se definia pela proposta de que o semelhante
produz o semelhante; a segunda, pela ideia de que tudo que já esteve em contacto continua
a agir mesmo à distância, depois de cessar o contacto.
A humanidade teria passado por três estágios: magia, religião e ciência. A magia já
contêm as leis definitivas do pensamento, mas a aplica mal. A religião nasce quando se
113

apercebe que a magia não produz resultados e delega-se o poder aos seres sobrenaturais.
Finalmente, a ciência retoma a responsabilidade da relação entre causa e efeito, e aplica
as leis de forma correcta.

 Rituais e Magia
o Arnold van Gennep
Propôs uma classificação dos rituais de acordo com o papel que desempenhavam na
sociedade. Ritos de passagem eram definidos como aqueles momentos relativos à
mudança e à transição (de pessoas e grupos sociais) para novas etapas de vida e de status

o 3 fases dos rituais de passagem:


 Separação das condições sociais prévias;
 Estágio liminar de transição - quando os indivíduos ou grupos entram num
estado social de suspensão, separados da vida quotidiana, porém ainda não
incorporados num novo estado. São considerados indivíduos "perigosos".
A função dessa fase é reduzir as tensões e os efeitos perturbadores próprios
a mudanças.
 Período de incorporação a uma nova condição ou regressão à antiga.
NOTA: Van Gennep estava mais interessado na dinâmica da mudança que o ritual favorecia.

o Gregory Bateson e Naven


Para analisar o Naven (ritual) optou por quatro abordagens analíticas depois de apresentar
uma descrição geral do ritual:
 Perspetiva estrutural;
 Funcional;
 Análise Etológica - referente à organização cultural dos instintos e emoções dos
indivíduos;
 Edeológica - que diz respeito ao padrão dos aspetos cognitivos da personalidade
dos indivíduos.

o Gluckman e os rituais de rebelião

Ritual de rebelião: Um "protesto institucional" que renovava a unidade do sistema. Esses


rituais tendiam a ocorrer justamente em casos de ordem social bem estabelecida. A
114

disputa recaia sobre as formas de distribuição de poder, mas não sobre a estrutura de
poder em si.

Sistema: Um todo suscetível de análise.


Crenças e práticas também podem constituir um "sistema ritual", sendo que todo o
sistema é um campo de tensões, ambivalências, cooperações e lutas.

O ritual das relações sociais: Os ritos de passagem diz respeito à transição de posições,
status e papéis.
Cerimónia: Qualquer organização complexa da atividade humana que não seja
especificamente técnica e que envolva modos de comportamento expressivos das relações
sociais.

o Victor Turner e os naembu

Dramas sociais: Sequências de eventos conflituosos onde se observam processos de


rutura, crise, reparação e reintegração.

Rituais: Fixos e rotinizados.

Dois tipos de ritos de passagem:


 Os rituais de iniciação
 Os rituais de aflição

Três Níveis de interpretação (propostos por Turner):


 Nível exegético - fornecido pelos nativos e que fornece dados sobre o nome, as
características e a elaboração do objeto ritual.
 Nível operacional - derivado do uso dos símbolos e da composição social dos
grupos que realizam o ritual.
 Nível posicional - consequência da relação entre diferentes símbolos de vários
rituais ou entre símbolos de um mesmo ritual.

*Natureza polissémica dos símbolos rituais.


115

 Mitos e Ritos
o Lévi-Strauss
Todos, tanto os "primitivos" como os "modernos", somos racionais em contexto. Todos
temos a nossa própria magia, religião e ciência.

Bricolagem: Termo utilizado por ele para indicar a construção de novos artefactos a partir
de unidades já classificadas em uma sociedade ou cultura.
Mitos: Fenómenos "bons para pensar". Meios adequados para se atingir as estruturas da
mente humana - afinidade com a estrutura da língua – pensamento pleno.
Ritos: Execução de gestos e a manipulação de objetos - relacionado à prática

o Edmund Leach

Funções múltiplas, pragmáticas e rituais/simbólicas dos comportamentos.


Aspeto ritual da comunicação - Três tipos de comportamento:
1. Racional-técnico - dirigido a fins específicos, julgados pelos nossos padrões de
verificação produzindo resultados de forma mecânica. (ex: corte de uma árvore)
2. Comunicativo - parte de um sistema que serve para transmitir informações por
meio de um código cultural. (ex: um aperto de mão)
3. Mágico - eficaz em termos de convenções culturais. (ex: um juramento)

Ritual: Complexo de palavras e ações - uma espécie de linguagem condensada - os ritos


tornam-se uma forma de transmitir e perpetuar o conhecimento socialmente adquirido.

o Stanley Tambiah

Ação performativa: um atributo intrínseco tanto à ação quanto à fala, que permite
comunicar, fazer, modificar, transformar.
Se então, o ritual é:
 Um sistema cultural de comunicação simbólica;
 Constituído de sequências ordenadas e padronizadas de palavras e actos;
 Frequentemente expresso por múltiplos meios;
 Esta ação ritual é performativa.
116

 Didier Fassin – O sentido da saúde: antropologia das políticas da vida


A saúde entre realismo e construtivismo
 Georges Canguilhem
A visão da saúde que comumente se impõe ao agente sanitário e ao paciente é uma visão
naturalista (biomédica).
A antropologia propõe dois tipos de leitura:
 Construtivista – onde a saúde é também o resultado do esforço individual
e coletivo dos agentes por meio de modelos e imagens, mobilizando
alianças para o desenvolvimento de estratégias.
 Realista – há a análise dos supostos factos da natureza como sendo o
produto de estruturas, de modos de diferenciação e de processos de
desigualdade que têm como objetivo prevenir ou acelerar o sofrimento.
A saúde é portanto uma construção social, no sentido em que os agentes sintetizam a
linguagem da doença, é uma produção da sociedade, no sentido em que a ordem do mundo
se inscreve nos corpos
Podemos falar de sanitarização social e de politização social, dois movimentos
relativamente opostos, embora ambos operem de modo dialético.
Dois elementos que devem ser levado em conta: a mobilização dos agentes para que o
problema seja reconhecido, e a modificação dos contornos clínicos da doença.

Economia moral e razão humanitária


 Michael Foucault
Propôs a teoria do biopoder:
 Durante séculos a política organizou se em torno do poder soberano que é “direito
de morte” sobre os súbditos.
 A partir do séc. XVII, por uma inversão progressiva dos princípios e dos valores
governamentais, é a gestão dos vivos que se torna o objeto central da política, a
partir daí sob a forma de um “poder sobre a vida”.
 Esse biopoder diz respeito ao mesmo tempo à disciplina dos corpos, tal como se
manifesta na inversão dos instrumentos da demografia, da sociologia, da
psicologia e na regulamentação dos nascimentos, das doenças, dos fluxos
migratórios.
117

 A saúde pública parece inscrever-se perfeitamente neste quadro, já que por um


lado, ela pretende impor normas individuais de condutas saudáveis e, por outro,
ela organiza o conhecimento epidemiológico e a administração sanitária das
coletividades humanas.

História social e desigualdade incorporada


 Wittgenstein
Se o homem é a linguagem e se a linguagem é também o que resiste ao
deciframento do sentido, então a vida é também a memória que se tem é a narrativa que
fazemos dela.
As políticas da vida não são, portanto apenas políticas dos vivos, elas são também
políticas do vivido.
Memórias e narrativa procedem de duas lógicas evidentemente distintas, que
contudo têm em comum inscrever o sentido do que foi vivido simultaneamente nos corpos
e nas palavras.
São ambos simultaneamente individuais – na experiência biográfica singular – e
coletivos- na experiência histórica partilhada.
Deste ponto de vista a vida de uma pessoa não se manifesta apenas nas frases que
pronuncia a respeito de si, mas está nos traços que afloram do passado, e nos sinais de um
presente que ele constrói com a sociedade na qual agora se encontra.
Uma antropologia das políticas da vida ultrapassa em muito o horizonte teórico e
empírico da antropologia média clássica.
Ela singulariza-se por três ordens de inflexão:
1) Se o corpo, a doença, a saúde lhe fornecem matéria para pensar, ela
interessa-se em analisar os modos de construção e produção, e assim
esclarecer a compreensão dos mundos sociais.
2) Ao procurar o significado dos problemas nas sociedades
contemporâneas, desenvolve-se uma crítica às novas formas de
legitimidade sanitária/humanitária.
3) Atenta às condições objetivas e as experiências subjetivas de
avaliação das existentes, estabelece uma tensão entre a leitura dos
factos pela antropologia e a visão daqueles que os vivem, com o
objetivo de evitar análises sobrepostas, ou a ausência de
distanciamento.
118

Síntese
O universalismo de princípio do sistema de saúde pública nunca se libertou realmente
das múltiplas formas de resposta à doença, incluindo as menos reconhecidas, menos
formais e menos públicas. Nessas destacam-se as de grupos domésticos e de mulheres
enquanto “responsáveis da saúde” na família. Mais do que nunca, o vácuo deixado pelo
sistema de saúde pública mantém e até renova a legitimidade dessas formas locais de
existirem e de atuarem no espaço terapêutico.
Os tratamentos domésticos permanecem como um primeiro recurso, as mulheres
desempenhando o papel de dispensadoras de cuidados e de intermediárias num sistema
de revezamento entre o doméstico e os demais elementos do itinerário terapêutico. Os
cuidados domésticos são o primeiro momento do itinerário terapêutico, são o ponto de
partida do itinerário, seguido pelos recursos de tipo biomédico e, em casos extremos,
outros recursos locais intervêm. As mulheres, acompanhando os doentes, orientam o
itinerário e também levam os doentes de volta com elas para casa- o espaço doméstico é
o ponto de retorno do itinerário. O itinerário terapêutico parte do individuo e exprime
relações sociais, constructos culturais.
As mulheres caboclas são culturalmente responsáveis pela saúde dos membros da casa.
Um certo conhecimento é atribuído às mulheres, porque deve ser aprendido no contexto
de codificação cultural dos papéis de género nessa sociedade. Esse conhecimento é
naturalizado, ele faz parte do que é comum conhecer, como mulher, na vida quotidiana,
ele pertence à identidade de género e não tem outro estatuto além desse.

 Sofia Aboim – Tipos de família em Portugal: interações, valores, contextos

Análise Social feita pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa no


âmbito do projeto de investigação “Famílias no Portugal Contemporâneo: momentos de
transição, interações familiares e redes sociais”.
Desde os anos 60, apareceram várias abordagens relativas à dinâmica interna da família,
que tinham como objetivo compreender o “lado de dentro” da vida familiar visando para
isso os géneros de relações que nesta se encontram.
Pluralismo Paradigmático: caracteriza a sociologia da família. Procura identificar e
descrever a diversidade de funcionamento da família conjugal.
119

Roussel (1980 e 1991): propõe analisar a família segundo a dimensão simbólica dos
valores e das representações sociais.
 “Famílias instituição”: baseiam-se em finalidades de sobrevivência e
subordinação total à instituição matrimonial.
 “Famílias aliança”: são já caracterizadas pelo amor romântico como princípio de
união.
 “Famílias fusão”: sobressai também o amor romântico, mas verifica-se já uma
igualdade entre conjugues.
 “Famílias associação”: simbolizam o triunfo do individualismo sobre o nós
conjugal.

Interaccionismo
O Interaccionismo adota a família conjugal como tendo uma dinâmica interna com
propriedades específicas. As abordagens interaccionistas avaliam a relativa
independência da família face aos contextos sociais, sendo esta dotada de processos de
funcionamento transclassistas (que se situa além da representatividade da sua classe).
Fundam-se então os eixos essenciais na dinâmica de grupo: coesão interna, integração
no exterior, regulação de conflitos, etc…
Podemos assumir que esta abordagem contribuiu para o desenvolvimento de instrumentos
de análise da dinâmica interna da vida familiar, e para relativizar a ideia de uma privação
total dos comportamentos, visando que as famílias também são “classe”.
Outra forma importante de abordar o funcionamento familiar é fazendo a articulação entre
família e organização social ou organização económica.
A.M ichel (1977) propõe os seguintes conceitos:
Famílias tradicionais: papéis de género diferenciados.
Famílias modernas: igualitárias no que toca à divisão do trabalho.

Existem diversas teorias que possuem ângulos distintos ao abordar este assunto, por
atribuírem importância a diferentes fatores (ordem económica, social, cultural ou
interacional), porém todas possuem uma necessidade em comum: melhor compreender
uma realidade tão pluridimensional como a família. Contudo, devemos não só analisar as
representações mas também as práticas da vida familiar, o que nos irá permitir destrinçar
120

entre o lado instrumental e o lado expressivo da vida familiar (e a complementaridade


entre ambos).

Classificar as Famílias: Dimensões de Análise e Indicadores


No domínio das interações utilizamos dois conceitos chave: coesão interna e integração
externa.

Coesão: laço social que une internamente os membros da família. Pode ser observada de
diferentes perspetivas

 Semelhança ou diferença entre os membros do casal;


 Montante de Recursos;
 Atividades e decisões (controle do nós-casal em detrimento da individualidade);
 Práticas;
 Fusão (atividades e tarefas em conjunto);
 Autonomia (atividades e tarefas em separado);

Grau de Integração Externa: mede a abertura ou o fechamento do grupo. É classificado


como tendo:

 Abertura (alto nível de integração no mundo exterior);


 Fechamento (adoção de uma atitude de fechamento para com o mundo exterior);
Indicadores da Integração Externa:
 Diversidade de atividades e lazeres da família;
 Diversidade de sociabilidades com outras pessoas;
Subgrupos de Interação existentes dentro do grupo familiar nuclear:
 Indivíduo;
 Casal;
 Pai e os filhos;
 Mãe e os filhos;
 Casal e os filhos;
Para entender a dinâmica familiar precisamos de saber se no quotidiano predominam:
 Práticas fusionais (centradas no nós-casal ou nós-família);
121

 Práticas marcadas pela autonomia (o nós tem fraca expressão);


 Práticas de coesão polivalentes (fusão e separação aparecem combinadas;
Numa outra perspetiva de análise, podemos avaliar a família considerando as divisões
conjugais do trabalho e do lazer.
Modelo de Indiferenciação: partilha conjugal das tarefas domésticas, dupla profissão,
equilíbrio da autonomia individual em atividades e lazer.
Modelo de diferenciação

Modelo de ganha Modelo em que ambos têm profissão e a


mulher
pão masculino se encarrega das tarefas domésticas

Numa outra análise da coesão, avaliamos se a família procura colocar sob o controlo do
nós-casal alguns recursos essenciais, o que nos irá permitir identificar a existência de um
direccionamento explícito (intenção) para a autonomia ou fusão. Assim, segundo a regra
da coesão conjugal, uma família pode adoptar práticas mais fusionais ou mais autónomas,
relacionadas com o tipo de coesão relativa ao dinheiro, amigos, gostos e tempos livres.
 Práticas mais Fusionais: centradas no “nós-casal”, no “nós-família”.
 Práticas mais Autónomas: centradas no individuo, subgrupos mãe/filhos e
pai/filhos.
Por fim temos o conceito de integração externa, que visa aferir se a família tem contactos
com o exterior, qual o tipo de actividades predominante e o convivío com outras pessoas.
Existem duas formas bastante diferentes de construir a autonomia: a uma podemos
chamar autonomia “tradicional”, enquanto que à outra chamamos autonomia
associativa.

 Autonomia “Tradicional”: diferenças de género estão acentuadas, possui um


quadro bastante institucional, é do tipo paralelo e permite distanciamento face ao
“nós-casal”.
 Autonomia Associativa: admite uma vontade explicita de autonomia
(independência modernista), apresenta práticas múltiplas em que o espaço
individual é resguardado, existe relativa indiferenciação do género, o nós casal
adquire grande importância enquanto subgrupo.
122

Regra Fusional
 Fusão Institucional: fortes diferenciações de género, assume valores
institucionais, é dos tipos bastião e paralelo familiar, utiliza práticas puramente
fusionais, afirmando o predomínio do “nós” (casal e sobretudo família), existe
fechamento ao exterior, pressupõe o modelo do ganha pão masculino , existe
dinâmica de separação conjugal ( atividades fusionais da família nuclear são algo
escassas) e pouca cumplicidade no domínio das práticas.
 Fusão Companheirista: baseia-se na procura do “nós”, papeis de género pouco
diferenciados, orienta-se em valores modernistas, existe igualdade (em casa, no
trabalho), dá importância à comunicação a dois, existe fusão aberta e dinâmica
fundada em práticas fusionais, assume a partilha conjugal, abertura ao exterior e
assenta sobre a paridade. Baseia-se no modelo de dupla profissão e partilha
conjunta de lidas caseiras. É do tipo confluente, possui matriz companheirista e
atitude fusional que dá espaço á existência e vários subgrupos familiares.

As Interações
Existem seis tipos de interações familiares:
 Paralelo: autonomia desejada e sexualmente diferenciada e fechamento ao
exterior.
 Paralelo Familiar: alia predomínio de práticas separadas a uma ténue fusão
familiar, divisões de género assinaláveis, intenções fusionais e abertura média ao
exterior.
 Bastião: de natureza fusional, fechado, marcado por papéis de género
diferenciados.
 Fusão Aberta: fusão é forte, existe divisão de papéis igualitária, integração externa
permeável (diversas saídas e convívios).
 Confluente: práticas polivalentes ligadas a uma regra fusional, papéis de género
pouco diferenciados, abertura forte.
 Associativo: assume práticas polivalentes expressivas, intenções explícitas de
autonomia, papéis de género pouco diferenciados (sobretudo profissionalmente)
e abertura forte ao exterior.
123

Orientações Normativas e Interacções: Cumplicidades


A análise de orientações normativas permite-nos olhar para o casal e para a família
enquanto lugares de construção nómica (construção de projectos e de normas que dão
sentido às trajectórias conjugais e familiares. Com isto procuramos averiguar que valores
e objectivos orientam o grupo:
 Orientação Institucional: finalidades económicas, normas autoritárias de
funcionamento, sujeição às pressões do meio social;
 Orientação Companheirista: centrada na satisfação afectiva e relacional dos seus
membros, privilegia normas democráticas e igualitárias;

Contextos e Tempos Sociais: Capitais Escolares e Posições de Classe


Verifica-se que na actualidade, o nível de escolaridade da mulher ou a classe social do
casal se encontra relacionada com as diferentes interacções entre estes, existindo uma
tendência para que as mulheres com maior nível de instrução utilizem dinâmicas
associativas enquanto que as de baixa instrução (ensino básico) evidenciam famílias
fusionais e fechadas (tipo bastião).
Relativamente aos tipos de interacção segundo a classe social do casal, podemos verificar
que tanto as dinâmicas que possuem autonomia “tradicional” como as dinâmicas
fusionais e fechadas (tipo bastião) se associam a meios operários e camponeses. Da
mesma maneira, as dinâmicas associativas aparecem mais frequentemente em grupos de
maiores qualificações profissionais (empresários, dirigentes, etc…), o que reafirma a
relação entre capitais elevados e autonomia conjugal. Nos sectores intermédios a
tendência será a da dinâmica fusão aberta (muito fusional mas com abertura ao exterior).

Ano de Entrada na Conjugalidade


Esta hipótese de análise prende-se com o impacto do “tempo” sobre a vida familiar,
questão que é explorada a partir do ano de entrada na conjugalidade. São então
importantes algumas associações significativas: dinâmicas do tipo fusional (bastião, fusão
aberta) são ligeiramente mais frequentes em mulheres que se casaram nos anos 90,
enquanto que as que o fizeram nos anos 70 apresentam famílias com interacções do tipo
paralelo familiar e confluente. Verifica-se também um padrão de variação das dinâmicas
associativas, que têm tendência a aumentar à medida que se avança no ano de entrada na
vida a dois.
124

Conclusão
É importante reter a diversidade dos tipos de interacção familiar, as determinações de
classe que actuam sobre as interacções e as tendências de mudança que ocorreram no
“lado de dentro” da vida conjugal e familiar. Esta abordagem permite-nos uma visão
global do que se passa dentro da família conjugal com filhos no Portugal Contemporâneo.
Conclui-se assim que não encontramos na sociedade portuguesa actual modelos
dominantes mas sim uma pluralidade considerável de formas de viver em casal e em
família. Porém, não podemos esquecer que esta diversidade de formas de interacção não
é alheia aos contextos socioeconómicos dos casais portugueses. Devemos ainda
considerar que o determinismo absoluto não existe (há excepções à regra).

 Luís Batalha - Religião e Sobrenatural (Capítulo 7)


Religião:
 As pessoas tendem a usar a religião para lidar com problemas que outros
sistemas, como a ciência, não são capazes de resolver, ou, então, cujas respostas
são mais difíceis de entender e não têm um ganho psicológico imediato.
 Para a maioria das pessoas, um sistema religioso oferece respostas e “soluções”
para um conjunto variado de problemas do dia-a-dia.
 A religião consiste num conjunto de rituais variados, que podem incluir rezas,
oferendas cânticos e até sacrifícios. Com esses rituais, as pessoas tentam
manipular ou influenciar “deuses” que se encontram no plano do sobrenatural.
 Este trabalho ritual está a cargo dos “especialistas”, que servem de
intermediários entre os “deuses” e os mortais.
 As pessoas obtêm da religião o conforto psicológico contra a ansiedade
provocada pela incapacidade de controlar o seu próprio destino.
 A reza é utilizada frequentemente para diminuir a ansiedade na pessoa.
 A religião serve:
125

 Para manter as tradições orais, que de outra forma desapareceriam na


ausência da escrita;

 Como força agregadora da sociedade, uma espécie de “cimento social”;

 Para as pessoas organizarem a sua experiência mundana, dando-lhe um


sentido sem o qual a vida seria mais difícil.

 Tem também uma função psicológica importante que é a de atenuar as


ansiedades individuais, o que, por seu lado, aumenta a sua importância
sociológica, reforça as normas de grupo e fornece um quadro moral para a
conduta individual, assim como um substrato de valores e propósitos comuns, de
que depende o equilíbrio de uma comunidade.
 No século XIX, os intelectuais pensavam que com o desenvolvimento da
ciência, a religião deixaria de ser precisa. Contudo, a ciência não foi capaz de
demonstrar a “irracionalidade” dos ritos religiosos. Ela própria criou, em muitos
casos, os seus próprios mitos.
 Como a ciência não fornece os tranquilizantes necessários às ansiedades que
cria nas pessoas, continua a ser a religião a fazê-lo.
 Sistema de classificação e organização do mundo envolvente
 Confere conforto psicológico contra a incapacidade de controlar o destino;
 Pessoas utilizam-na para lidar com os problemas dos outros sistemas que não são
capazes de resolver ou cujas respostas são de difícil compreensão;
 Oferece respostas e “soluções”;
 Consiste num conjunto de rituais;
 Serve para manter as tradições orais, é a primeira parte fundamental do
conhecimento humano (de outra forma desapareceria, na ausência da escrita);
 Força agregadora da sociedade - “cimento” social;
 Não existe registo de nenhuma sociedade sem um culto religioso;
 Por apaziguar ansiedades individuais, aumenta a sua importância sociológica
(normas de grupo, quadro moral de conduta, substrato de valores e propósitos
comuns);
 Contribui para o equilíbrio da sociedade;

Rituais:
126

 Pode incluir rezas, oferendas, cânticos ou sacrifícios (pessoas usam os rituais para
tentar manipular ou influenciar “deuses” no plano sobrenatural);
 Normalmente estão a cargo de “especialistas” (intermediários entre os deuses e os
mortais);

Reza: não protege directamente mas contribui para diminuir a ansiedade.


Vemos assim que a religião serve para as pessoas organizarem a sua experiência
mundana, ou seja, facilita a vida.

 Ciência vs Religião
Pensou-se que com o desenvolvimento da ciência se verificaria o fim da necessidade da
religião, o que não aconteceu, muito pelo contrário:
 A ciência não conseguiu demonstrar a irracionalidade da religião;
 Interesse pela astrologia, ocultismo, bruxaria, etc. não pára de aumentar;
 Novas igrejas multiplicam-se (demonstra a procura de serviços espirituais);
 Pessoas querem mais religião e menos ciência;
 A ciência destruiu alguns suportes psicológicos tradicionais e trouxe novas
ansiedades (poluição, transgénicos, clonagem);
 A ciência não fornece os tranquilizantes necessários, mas a religião continua a
fazê-lo (de forma barata – psicanálise vs confessionário);

 Antropologia da Religião

Estudo da Religião/Comportamento religioso: É um dos aspetos fundamentais da


investigação antropológica. É feito através da observação (de preferência participante)
das práticas e da performance ritual. É um dos aspetos fundamentais da investigação
antropológica. Essa observação deve ser participante. É observando e falando com
informantes qualificados que se consegue perceber o comportamento religioso das
pessoas.

A religião é uma chave fundamental para compreender os fenómenos sociais, e é por isso
importante na investigação antropológica. Quando as pessoas não conseguem resolver os
problemas recorrendo a soluções objetivas, procuram uma solução no domínio
sobrenatural. Para isso, realizam elas mesmas rituais ou recorrem a especialistas nessa
127

atividade. A performance de rituais é aqui usada para apaziguar a ansiedade causada pela
incerteza característica dos acontecimentos da nossa vida.

“No fundo, a religião é um conjunto de crenças e comportamentos pelos quais as pessoas


tentam adquirir controlo sobre o que não é controlável de outra maneira.”
 A complexidade dos sistemas religiosos varia com a complexidade da organização
e estrutura sociais.
Ex: A ideologia ocidental promove a manipulação da natureza e não a
passividade do ser humano no mundo natural, já os caçadores-recolectores vêem-
se como parte da natureza, capazes de a controlar.
 A importância da religião varia também consoante o estatuto social das pessoas.
Ex: Elites usam a religião para dominar as massas.
 A religião pode servir para alimentar nas massas a esperança de outra vida, situada
além da morte, levando-as a suportas mais facilmente as agruras da existência
Ex: Igreja Católica – mitiga o sofrimento e pobreza em detrimento da vida
celestial.
 A religião é um sistema ideológico e uma cosmologia que legitima a ordem social.
Ex: Monarquia Absoluta era legitimada pela “vontade de Deus”.

Para a Igreja Católica, uma das principais funções da religião é:


- Mitigar o sofrimento e a insatisfação dos mais pobres e desfavorecidos
económica e socialmente. A religião é também um sistema ideológico e uma
cosmologia que legitima a ordem social, servindo de legitimação à própria elite que
detém o poder.

 O Sobrenatural
A ideia da existência de um mundo sobrenatural é a ideia mais importante de todos os
sistemas religiosos.

Objectivo da actividade ritual: influenciar os espíritos que habitam o mundo


sobrenatural.
Cada sistema religioso e respectivo mundo sobrenatural possui uma variedade de
espíritos. Podemos dividir os seres espirituais em 3 categorias:
128

a) Deuses;
b) Espíritos de antepassados;
c) Espíritos que não têm relação com os humanos;

a) Deuses: principais actores dos sistemas religiosos mais complexos.

 São responsáveis pelo controlo do Universo e da vida humana;


Ex: Sociedade Grega.
 A balança do poder entre Deuses e Deusas está associada á balança de poder entre
homens e mulheres.
Ex: Numa sociedade onde o poder está predominantemente nas mãos dos homens
terá um panteão constituído predominantemente por Deuses e não Deusas.

b) Espíritos dos Antepassados: forma mais comum de divindade, existem em quase


todas as sociedades (simples e complexas).
 A sua crença assenta na concepção de que a pessoa é constituída por um corpo e
um espírito (alma).
Ex: Índios Penobscot – acreditam que a alma viaja para fora do corpo durante o
sono.
 Espíritos dos mortos participam activamente na vida dos vivos (são-lhes
atribuídas características humanas, por exemplo ira ou benevolência).
 Os vivos procuram satisfazer os seus desejos pois não possuem certezas sobre o
seu comportamento.
 A crença dos espíritos dos antepassados está associada à existência de grupos de
parentesco por filiação.

 Animismo vs Animatismo

Animismo
 Comportamento religioso mais comum nas sociedades “primitivas”
129

 Crença de que a natureza é animada por espíritos de vários tipos (nas pessoas,
animais, plantas, etc)

Animatismo
 Crença de que os espíritos não são entidades separadas dos objetos e das pessoas,
mas que podem antes existir dentro deles, conferindo-lhes poder.

Diferença entre Animismo e Animatismo


Resulta maioritariamente da disputa académica entre teóricos e não da verdadeira
diferença entre os dois conceitos. Na prática, os dois poderes coexistem na mesma cultura,
em termos de crença. No fundo, trata-se da crença de que os acontecimentos do mundo
natural são o resultado da manifestação de forças sobrenaturais, que podem ser espíritos
ou outros agentes incorpóreos.

Associados a estas crenças, encontram-se os mitos.


Mitos
 Associados às crenças animistas e animatistas
 Funcionam como uma racionalização explicativa de crenças e práticas religiosas.
 Malinowski (1926, 1948) “Os mitos são os mapas dos rituais.”
 As pessoas que vivem os mitos vêem-nos como verdades inquestionáveis;
 A observação antropológica que fazemos dentro da nossa própria cultura ajuda-
nos a reconhecer os nossos próprios mitos (relativizar as nossas “verdades”), isto
porque algumas “verdades” actualmente apregoadas pela ciência, serão no futuro
vistas como construções mitológicas.

 Os Profissionais do Culto Religioso


Em quase todas as sociedades humanas existem profissionais credenciados socialmente
na organização e condução do culto religioso, variando apenas o seu grau de
especialização e o facto de serem ou não especialistas a tempo inteiro. Em sociedades
com estrutura económica e social complexa existem especialistas a tempo inteiro,
enquanto em sociedades com estruturas mais simples é mais provável encontrarmos
especialistas a tempo parcial.
130

 São responsáveis pelo contacto entre o mundo dos vivos e o mundo sobrenatural;
 Para ser especialista religioso é necessário passar por provações e testes
(demonstrar que se tem as aptidões necessárias);
 À semelhança do interesse no sobrenatural, também o leque de actividades e
profissões ligadas à actividade religiosa tem aumentado;

Exemplos:
 De especialistas a tempo inteiro: padres e pastores das igrejas.
 De especialistas a tempo parcial: xamã.
“A diferença fundamental entre um padre e um xamã é que o primeiro procura
ganhar o favor de Deus, enquanto o segundo procura manipulá-lo de forma a
conseguir o resultado desejado.”

A validação social dos xamãs é dada pela sua capacidade de se convencerem a si


próprios e aos seus pacientes da sua capacidade de curar através da comunicação com os
espíritos.

A atividade xamanística permite não só curar as pessoas como também fornecer a


performance e o ritual necessários para aliviar o stress criado por situações do
quotidiano.

O xamanismo é uma espécie de auto-análise; um veículo para a auto-expressão dos que


possuem um temperamento artístico.

Desafiar as práticas locais serve para aumentar as tensões e o stress das pessoas (ficando
ressentidas relativamente às práticas médicas culturalmente estranhas).

Xamanismo:
 Benefícios: Prestigio e riqueza, mas também o efeito terapêutico que advém
da sua própria personalidade (por vezes instável);
 Provações: incluem muitas vezes mutilações corporais, tais como perfuração
e desmembramento;
 Muitas vezes têm também de se isolar dos vivos, indo para um lugar recôndito
onde ficam em contacto com os espíritos;
 Validação Social dos Xamãs: é dada pela sua capacidade de se convencerem
a si próprios e aos seus pacientes da sua capacidade de curar;
131

 Um bom xamã deve ser capaz de se transformar, entrar em transe e comunicar


com espíritos em línguas estranhas;
 Um xamã venerado numa sociedade seria provavelmente considerado doente
mental, seria vitimizado e desprezado noutra;
 O xamã é um ator que produz uma determinada encenação dramática;
 Ventriloquismo e prestidigitação são truques utilizados pelos xamãs;
 A atividade dos xamãs é julgada fora da sociedade como fraudulenta;
 O xamã entende a sua capacidade de fazer certos truques como prova dos seus
poderes sobrenaturais;
 É também responsável por apontar bodes expiatórios quando alguma coisa
corre mal na comunidade.
Nota: Em muitas sociedades a causa das doenças não é atribuída a germes, bactérias ou
vírus, mas sim a ações de bruxaria.

 Curandeiros vs Médicos
Do ponto de vista da medicina convencional, deve ter-se em conta as práticas locais
(curandeiros) em vez de as considerar erradas à partida. Muitas vezes, desafiar as práticas
locais apenas serve para aumentar as tensões e o stress das pessoas, que depois ficam
ressentidas e hostis em relação a práticas médicas culturalmente estranhas.

 Rituais de Iniciação e Intensificação

Rituais (ou Ritos): representam a prática das pessoas em relação ao sobrenatural e ao


sagrado.
 Forma de manter a coesão dos grupos sociais em torno de uma determinada
cosmologia;
 Servem como método de alívio da tenção emocional criada por situações de risco
(nascimento, morte, casamento);
 A sua função é assegurar a passagem por esses momentos com o devido
enquadramento ideológico e social;
 Ritos mais estudados pelos antropólogos são os ritos de passagem;
132

a. Ritos de Passagem: marcam os diferentes ciclos de vida dos indivíduos como


membros da sociedade.

A existência de ritos de passagem assegura uma transição integral, e rápida, da


puberdade para a idade adulta, sem que haja o período intermédio da adolescência.

As mudanças de estatuto do indivíduo na sociedade são faseadas, um faseamento que se


reflecte nas próprias cerimónias rituais. Quando um indivíduo está prestes a mudar de
estatuto, experiencia um período de crise. As pessoas sujeitas aos ritos são retiradas do
meio social normal (permanecem isoladas) e quando retornam ao convívio normal da
sociedade apresentam já uma nova condição de iniciados.

b. Rituais de Intensificação: ocorrem em alturas cruciais na vida dos grupos


sociais ou quando a sociedade é ameaçada por forças destrutivas que vêm do
exterior.
Exemplo: Quando a chuva chega tarde e as colheitas ficam em perigo ou quando existe
uma ameaça exterior séria, como a guerra.
 Servem para ajudar grupos relativamente pequenos a ultrapassar a perda de um
membro querido ou de uma pessoa importante na vida de todos.
 Ritos funerários são uma das formas mais comuns de rituais de intensificação;
 Não ocorrem só em situações de crise mas também ciclicamente ao longo do ano;
 Servem também para reforçar a coesão dos grupos, valorizando a cooperação e o
espírito-de-corpo;
“No fundo, os rituais são uma forma de mobilização que mantém as pessoas unidas
quando é preciso.”

 Religião e Magia

Definição Antropológica Clássica de Magia: Conjunto de práticas rituais que envolvem


a crença de que os poderes sobrenaturais podem ser manipulados tanto para o bem como
para o mal.
Em muitas sociedades não-industrializadas pratica-se magia para conseguir fertilidade
dos animais, plantas, e até das pessoas, mas também para evitar males e curar doenças.
133

Contudo a magia não é exclusiva de sociedades “primitivas”, existe também em


sociedades urbanas:
 Venda em cada vez maior escala, nos EUA, de tábuas Ouija, livros sobre magia e
ocultismo (tendência iniciada na década de 60);
 Cada vez maior interesse pela astrologia e outras práticas adivinhatórias, mas
também pela magia e pelo oculto;
 Existe um largo número de pessoas tanto na Europa como na América do Norte
que se dedica às mais diversas práticas rituais (até mesmo bruxaria);
 Número de pessoas pertencentes à classe média urbana que procura serviços
rituais e adivinhatórios tem aumentado nos últimos anos;

Frazer (1931:693) “A magia representa uma forma de “ciência” rudimentar, pois


assenta na mesma lógica de relação causa-efeito. No fundo, a magia seria uma forma
errada de fazer ciência, por assentar em interpretações erróneas das leis da
natureza.”

Duas formas de magia:


 Magia por simpatia: usa a imagem de uma pessoa, porque acredita que ao
manipular a imagem actua sobre a própria. Exemplo: voodoo
 Magia por contágio: crença de que o contacto com um objecto mágico produz o
efeito desejado.

É comum, nalgumas sociedades, as pessoas guardarem objetos que foram tocados por
pessoas especiais (ex: rosários vendidos em Fátima que foram benzidos pelo Papa) por
acreditarem que estes possuem propriedades protetoras ou milagrosas. Assim é fácil
concordar com Frazer quando este afirma que a fronteira entre magia e religião é muitas
vezes difícil de traçar. Para além disto, o comportamento nas sociedades urbanas pós-
modernas, apresenta por vezes traços característicos dos rituais mágicos.
134

 Bruxas e Bruxaria
 A atividade de bruxaria sempre foi motivo para perseguir e matar os seus
praticantes.
Exemplo: Em Salem foram executadas 1692 pessoas acusadas de prática de
bruxaria – “bruxas de Salem”.
 Contrariamente ao que se possa pensar, as bruxas e a bruxaria não são
exclusivas do passado ou de sociedades “atrasadas” e “primitivas”,
continuando nos dias de hoje a ter um papel social de extrema importância.
Exemplo: Procura cada vez maior, nos EUA e na Europa, de serviços de
bruxaria.
 A crescente dependência das pessoas em relação à bruxaria não é um
acontecimento meramente europeu e norte-americano.
Exemplo: Em África, pessoas com formação superior em bruxaria continuam
a ter um papel importante na explicação de doenças e respetiva cura.

 Bruxaria ibibio
 Praticada por homens e mulheres pelo povo ibibio, na Nigéria;
 Para se tornar bruxo(a),o individuo precisa de ingerir uma poção, preparada por
outro bruxo(a);
 A bruxaria confere a capacidade de fazer mal, mesmo que esta não seja a sua
vontade;
 Bruxos podem transformar-se em animais, percorrer longas distâncias, torturar e
matar pessoas, que transformam em animais e comem;
 “Bruxas Negras”: particularmente malévolas.
 “Bruxas Brancas”: embora possam até ser mais poderosas, causam menos mal.

 Acusações de Bruxaria
A bruxaria é vista como a causa de todas as coisas más, desde o azar ao jogo até aos
acidentes na estrada. Mesmo para aqueles que possuem conhecimento científico
(médicos, enfermeiros), a bruxaria é uma das principais causas de males e doenças. Uma
bruxa(o) possui um comportamento anómalo: não cumprimentar os outros, viver
sozinho(a), procurar o isolamento, vender a preços elevados, vaguear à noite, não
135

demonstrar pesar pela morte de familiares ou vizinhos, não cuidar bem dos familiares e
dos filhos, etc. Estes comportamentos são o que motiva uma acusação de bruxaria,
acusações estas que tendem a incidir sobre pessoas cujo comportamento desagrada aos
outros.

A antropóloga Lucy Mair distingue dois tipos de bruxas:


 “Bruxas dos Sonhos”: seres que povoam a noite e os sonhos, estão associadas a
desejos e comportamentos sexuais considerados desviantes.
 “Bruxas do Quotidiano”: pessoas que apresentam comportamentos
considerados estranhos, que os outros temem devido ao seu poder de se
transformarem em bruxas. Devido a este medo são tratadas com respeito e cortesia
por todos.

 Função social da religião, magia e bruxaria


Onde não existem hospitais nem médicos para lidar com as doenças, a bruxaria aparece
como uma solução perfeitamente razoável. Atribuir os males à existência de bruxas(os) é
uma maneira de explicar acontecimentos que escapam ao controlo humano.
 Sistemas explicativos como a bruxaria, não só fornecem explicações simples
como também proporcionam uma forma de controlo em relação a
comportamentos que se afastam demasiado das normas sociais.
 Fornecem um sistema que ajuda a perpetuar um dada ordem social
 A religião, tal como a magia, serve também para aliviar os humanos da
responsabilidade das coisas graves que acontecem à sua volta.
Exemplo: Se pudéssemos atribuir o aquecimento global a um Deus,
estaríamos mais descansados quanto ao destino a dar ao lixo e à poluição.
 As pessoas não se satisfazem com possibilidades, querem ter certezas. Só
descansam quando encontram um “responsável” (que em muitos casos acaba
por ser um deus ou um espírito.)
 Serve para aliviar os humanos da responsabilidade das coisas graves que
acontecem à sua volta.
136

 Comportamento mágico-religioso funciona como transmissor de


ensinamentos e práticas, tendo por isso uma função educativa. Ajuda também
a manter a solidariedade social através dos rituais coletivos.
 Os rituais servem de ensaio para situações futuras. A ritualização constitui
uma forma de consolidação do saber.
 A religião e a magia fornecem um sistema emic que ajuda a perpetuar uma
determinada ordem social.
Exemplo: Nas grandes religiões monoteístas existe um Deus masculino todo-
poderoso e a história de uma mulher responsável pela queda em desgraça
(Eva comeu a maçã), que serve para justificar uma ordem social dominada
pelos homens.
 A complexidade emic dos sistemas de bruxaria varia.
Exemplo: Índios Navajo – bruxaria é praticada à noite por bruxas canibais
capazes de matar pessoas à distância.

Numa perspetiva antropológica, religião, magia e bruxaria:


 Servem uma variedade de funções psicológicas e sociais semelhantes
 Fornecem um modelo satisfatório para a compreensão do universo.
 Fornecem explicações para o inexplicável, atenuando assim as ansiedades
causadas pelo desconhecido.
 Proporcionam formas eficazes de controlo social, clarificando na mente das
pessoas o que é certo e o que é errado, forçando-as a seguir o caminho prescrito
pelas normas sociais.

 Religião e Mudança Cultural


Uma das principais formas como a religião contribui para a mudança social e cultural é
através dos movimentos de revitalização, usualmente chamados milenaristas.
 Melanésia: região onde os movimentos milenaristas assumiram maior expressão
(Ilhas Salomão).
 Movimentos Milenaristas são designados por cultos do cargueiro (1930).
137

 Surgiram associados a situações de domínio colonial em que o povo dominado,


tendo de enfrentar uma situação para a qual a sua cultura não estava preparada,
entrou em grande tensão e procurou no culto religioso uma resposta.
 A religião torna-se a força regeneradora com que as pessoas pensam atingir o
objetivo de criar um mundo alternativo.
 O objetivo destes movimentos é substituir a ordem social existente por outra que
consideram melhor;

 Envolvem uma grande parte da população, o que faz com que sejam um potente
motor de transformação social (quando as pessoas deixam de acreditar no
sistema, ficando recetivas a uma alternativa).

 Todas as grandes religiões começaram como movimentos milenaristas que


prometiam às pessoas um mundo melhor do que aquele em que elas viviam.

 Crentes diziam que um dilúvio chegaria e que todos os brancos desapareceriam


das ilhas, de seguida chegaria um barco carregado com mercadorias dos europeus.
Acreditavam que o barco só chegaria quando os seus alimentos tivessem esgotado
por isso deixaram de trabalhar nas plantações.
 Este tipo de cultos repetiu-se ao longo das décadas seguintes em diversas ilhas da
Melanésia, mas sempre com a mesma ideia: os brancos seriam expulsos e viriam
barcos carregados com todas as coisas boas que eles tinham introduzido nas ilhas.
 O contacto com os europeus provocou profundas alterações culturais na região da
Melanésia.
Exemplo: Origem deste tipo de cultos.
“Os movimentos milenaristas surgiram, em muitos casos, associados a situações de
domínio colonial em que o povo dominado, tendo de enfrentar uma situação para a qual
a cultura não estava preparada, entrou em grande tensão e procurou no culto religioso
uma resposta.”

Porém, não aconteceram apenas nestas situações. Nos EUA, surgiram centenas de
movimentos de revitalização ao longo dos séculos XIX e XX de que são exemplo a
Igreja Mormon, a Igreja da Unificação e o movimento do Povo do Templo.
138

 Este tipo de movimentos difere de outros movimentos milenaristas na medida


em que não resultaram do colonianismo, mas sim de um grupo de pessoas que
se desilude com a sociedade onde vive e procura criar um mundo alternativo.
 Utilizam a religião como força regeneradora para atingir esse fim.
 Têm como objectivo substituir a orem social existente por outra que
consideram, senão perfeita, pelo menos melhor.

Estes processos de revitalização passam geralmente pelas mesmas fases:


I. Pessoas conseguem viver normalmente, o stress social e anomia não são
demasiados.
II. Situação degrada-se devido ao domínio por parte de um invasor ou a um
agravamento da situação económica e social.
III. Stress social tende a aumentar e as pessoas deixam de acreditar no sistema: ficam
altamente receptivas a uma alternativa.
IV. Surgem os movimentos religiosos milenaristas, chefiados por um visionário (em
muitos casos sofre de perturbações mentais).
V. Entram em espiral de delírio colectivo ou obtêm um resultado duradouro (como
aconteceu com os Mormon).

Outros exemplos de movimentos milenaristas bem sucedidos são o cristianismo,


judaísmo e islamismo:
“Todas as religiões começaram como movimentos milenaristas que prometiam às
pessoas um mundo melhor do que aquele em que elas viviam. No entanto, acabaram
frequentemente por lhes dar o pior dos mundos.”

 Graça Carapinheiro - Saberes e Poderes num Hospital, uma sociologia dos


serviços hospitalares
Apresenta-nos uma investigação sociológica do hospital, fornecendo contributos de à área
da sociologia das profissões.

Importância do estudo de instituições nos processos de construção social das


profissões
Duas abordagens (que mutuamente se opõem e se ignoram):
 Estrutura
139

 Processo

Abordagem pela estrutura:


 Atribui particular atenção aos atributos e características dos grupos sociais (etapas
de evolução, estrutura e formas de organização, e função social das profissões).
 Profissões são consideradas uma espécie particular de ocupação.
 Constituem comunidades unidas por valores e pela mesma ética de serviço à
comunidade.
 Estatuto resulta de um saber científico e prático aplicado na identificação e
resolução de problemas.
 Profissões são sustentadas por estruturas constituídas por instituições de formação
de nível superior.

Abordagem pelo processo:


(o Livro “Saberes e Poderes no Hospital” insere-se nesta linha de abordagens)
 Profissões abordadas não como grupos reais, mas como “folk” categorias.
 Os atributos são os elementos da estrutura.
 Os discursos são as práticas.
 Profissionalismo é analisado como uma ideologia.
 Divisão do trabalho é vista como um facto social cuja configuração resulta da
distribuição de papéis diferentemente valorizados pela sociedade. Esta
distribuição de papéis não é vista como “natural”, sendo alvo de conflitos e
negociações.
 O que distingue a profissão de outra ocupação é o facto de serem constituídas por
grupos que obtiveram, por diversas estratégias, posição de força sobre o mercado
de trabalho (permite-lhes maximizar vantagens económicas e sociais).
 É dada particular atenção aos mecanismos de socialização profissional e de
transmissão de aprendizagens sociais e culturais.
 Saber, em torno do qual se ancoram as profissões, juntamente com as instituições
que asseguram a sua transmissão e protecção, são o elemento essencial e o suporte
último do estatuto e do poder das profissões.
140

O Livro “Saberes e Poderes no Hospital” (que se insere nesta linha de abordagens) analisa
o processo de transformação dos saberes formais em poderes profissionais.
Indicadores do processo de construção dos poderes médicos:
 As práticas;
 A organização do trabalho;
 As formas e modalidades de integração na organização;
A autora introduz-nos ao serviço hospitalar recriando o ambiente propício ao
entendimento dos sentidos de tudo o que ali se passa. Toma como conceitos
fundamentais: negociação, saber formal, saberes, poderes, autoridade, actor e instituição.
Pretende que olhemos para o serviço hospitalar nas suas dimensões de organização de
espaço e do trabalho, circulação de agentes, interacções e comportamentos, etc., com uma
nova visão:
“(…) As disposições espaciais dos lugares, para além de traduzirem a supremacia do
grupo social dominante, traduzem também a organização do controlo social, é o que se
pode concluir pela posição estratégica de certos lugares, autênticos postos de vigilância
dos comportamentos dos doentes.”

Quotidiano de trabalho: “Lugar simbólico e de aprendizagem dos comportamentos


para saber estar no hospital”. É um espaço de socialização marcado pela divisão
hierárquica do trabalho.
Princípio dominante da divisão de trabalho:
Oposição entre o comando e execução. Isto significa que entre médicos e enfermeiros se
desenvolve mais uma relação de dominância/subordinação, que de cooperação.
o Drama: Escapa aos próprios atores envolvidos. É o drama da construção de
um fenómeno social – poderes profissionais – cuja essência reside nos saberes
profissionais.
As profissões formam assim, grupos heterogéneos, internamente estratificados, que
exercem “poderes concretos e específicos que não sendo ilimitados, são historicamente
variáveis, estruturalmente dispersos e necessitam de ser delineados em termos das
instituições que os possibilitam”.

Estudo de um grupo profissional cujo quotidiano de trabalho se desenvolve num


contexto organizacional
141

Esta perspectiva contribui para o debate centrado no conflito inerente à integração de


profissionais em organizações:
 Alguns autores afirmam que os traços característicos (burocráticos) e os
objectivos (económicos) são incompatíveis com os traços característicos
(autonomia) e objectivos (desenvolvimento do saber e serviço à comunidade) das
profissões. Esta oposição desencadeia reacções com o objectivo da obtenção de
maior controlo e integração e por parte dos profissionais, com vista à manutenção
de autonomia. Estes autores associam a entrada massiva dos profissionais em
organizações, e o aumento do assalariamento a uma significativa perda de
controlo do processo e conteúdo do trabalho (perda dos valores do
profissionalismo centrados no ideal de serviço à comunidade, na autonomia, etc.).
 Outros autores defendem que não existe qualquer conflito: as profissões
encontram nas organizações complexas um ambiente favorável (estruturas
flexíveis e policêntricas, e culturas organizacionais favoráveis aos valores do
profissionalismo).
Através da análise das relações entre os poderes-saberes médicos e o poder
administrativo, demonstra-se a compatibilidade entre os dois poderes, com domínio
dos poderes médicos. Por outro lado, mostra-se também que o emprego em
organizações é muitas vezes combinado com o exercício profissional em regime
liberal e desta articulação resulta um reforço do prestígio e dos privilégios.

Discussão acerca do sentido de evolução das profissões


Enquanto que alguns teóricos tendem a considerar a importância crescente da ciência,
do conhecimento e da informação (profissões enquanto forma de organização social)
– teses de dominância – outros prospectivam a erosão do fenómeno das profissões –
teses de declínio.

 Teses de Declínio das Profissões: Partem da observação de modificações


ocorridas nos sistemas sociais, culturais e económicos das sociedades
contemporâneas, desenvolvendo-se em torno de conceitos como o de
proletarização e desprofissionalização.
142

 Teses de Dominância das Profissões: Algumas são mais pessimistas


(sociedade dominada por tecnocratas), e outras, mais optimistas (acreditam na
bondade e superioridade do conhecimento cientifico), mas revelam sobretudo
a centralidade da ciência e da técnica nas sociedades contemporâneas, os
processos de reprodução e de alargamento do espectro do poder profissional
e domínios de influência.

Conclusão
O livro “Saberes e Poderes no Hospital” contribui para a análise do processo de
profissionalização, situando-se a um nível de análise centrado nas práticas de
quotidiano do trabalho.

 Graça Carapinheiro – Equidade, Cidadania e Saúde. Apontamentos para uma


reflexão sociológica

A equidade é um princípio ético ligado ao cumprimento dos direitos humanos e à ideia


de justiça social que corresponde à repartição equitativa dos recursos materiais e
simbólicos. A equidade em saúde é um princípio sujeito a várias formas de ameaça, mas
sempre associado à garantia do direito constitucional da saúde. O direito à saúde tem
vindo a ser comprometido pois o acesso aos cuidados de saúde é cada vez mais caro e
mais condicionado para o cidadão.
Nas sociedades, a igualdade de direitos é atingida quando todos os indivíduos são iguais
perante a lei que deve ser igual para todos. Mas, a igualdade de direitos não assegura a
igualdade de oportunidades, que é conseguida quando não fica presa a condições
estruturais que potenciam as situações de desfavorecimento social. A liberdade e
igualdade de oportunidades só são asseguradas se existir uma protecção individual e
social da “capacitação”.
143

O cumprimento dos direitos sociais dos indivíduos é posto em risco com o aumento do
domínio da cultura hospitalocêntrica. Neste caso, trata-se de riscos epidemiológicos
(epidemias e contaminações) e de riscos sociais (não cumprimentos dos direitos sociais
à saúde). Os riscos sociais decorrem ao nível:
 Das organizações (papéis dos profissionais);
 Económico (despesas de saúde);
 Moral (dessolidarização dos profissionais e dos doentes).

A sobreposição dos dois tipos de riscos específicos das condições de saúde põe em risco
o princípio da equidade em saúde. No que diz respeito à igualdade de situações, mantém-
se nas políticas de saúde contradições estruturais herdadas do passado, reactivadas no
presente e que aprofundam as desigualdades sociais face à resposta a diferentes situações
de saúde.

A outra dimensão de desigualdade diz respeito às várias modalidades de privatização


dos serviços de saúde. O sistema de saúde aparece como um sistema global de resistência
ao funcionamento dos saberes leigos e à diversidade de estratégias sociais. Estando em
risco o princípio da equidade em saúde pela elevada concentração de múltiplos riscos
sociais de desigualdade, como equacionar aqui a cidadania? Estabelece-se a condição
epistemológica de não-aceitação de uma narrativa estandardizada da ciência,
exclusivamente produzida a partir dos cânones do controlo e da predictabilidade
racionais.

Kitsch (Vivasnathan, 2008)  Ideia que serve para metaforizar a representação interna
que a ciência estabelecida faz sobre os seus produtos e artefactos e os consumos
ritualísticos que deles são feitos, em sociedades de produção e consumo de massas, numa
estratégia de conservação da sua legitimidade, que acaba por converter o vasto espectro
da compreensão e aceitação públicas da ciência.
Numa tentativa de transposição desta ideia para a relação que os indivíduos estabelecem
com a saúde e a ciência na sociedade portuguesa, pode observar-se a emergência de
lugares Kitsch nas estratégias de aproximação a vários tipos de risco. As estratégias de
aproximação a um tipo específico de risco (ex. cancro hereditário) correspondem a
modos diferenciados de gestão do tempo que foram identificados como:
144

 Agir a tempo quando o tempo é representado como redenção;


 Agir contra o tempo, quando o tempo é representado como culpa;
 Agir à espera do tempo, quando o tempo é representado como esperança.

Para determinados riscos, existe a perspectiva biomédica e a perspectiva leiga:


 Perspetiva Biomédica  Desloca-se para uma sociogénese do risco e para a
valorização do risco social. A norma da maternidade biológica e norma médica
do risco são politizadas e inseridas no funcionamento da medicina como
instituição social.
 Perspetiva Leiga  Desloca-se para o campo contrário, no sentido da ontogénese
biomédica do risco e para a valorização do risco epidemiológico. A norma da
maternidade biológica e a norma médica do risco são dessocializadas das
condições subjectivas e objectivas das suas vidas quotidianas e socializadas às
relações socias específicas, próprias do funcionamento deste campo de práticas
médicas.

Se conjugarmos os processos de formação de riscos com os processos de medicalização


das sociedades, apercebemo-nos da progressiva transferência da gestão das políticas da
saúde e da vida.

Tanto a justiça social como a equidade referem-se a valores e escolhas sociais,


conferindo a ambos um carácter moral. A moralidade tem a ver com escolha. A
sociedade, a ordem social e a cultura são inconcebíveis se a moralidade não constituísse
o principal atributo das relações humanas. Ser moral é ser capaz de enfrentar dilemas
morais. A sociedade representa a confrontação dos seres humanos de fazerem escolhas,
com a natureza moral.
Em certos casos, a desigualdade é aceitável, ou seja, pode ser considerada justa, legítima,
respeitando o princípio da equidade. Isto acontece quando não existe privação da
liberdade, quando há igual acesso às posições sociais e quando estas beneficiam os mais
desfavorecidos (Rawls, 1997).

 José Machado Pais – Sociologia, Problemas e Práticas: Jovens e Cidadania


145

O conhecimento do mundo faz-se de palavras. Estas acabam por nos dizer o que o mundo
é quando acreditamos que este é a realidade que as palavras nomeiam.
Ideias  Pensamentos virados para o futuro.
Epigramas  Encapsulam pensamentos passados.
O que se pretende é tomar o conceito de cidadania como uma ideia virada para o futuro,
tendo em conta a realidade do presente e associá-la à defesa dos direitos universais. Um
dos direitos que os jovens mais buscam é o direito à diferença, que interfere no bem-estar
individual.

Cara vs Coroa/Careta
Na linguagem corrente brasileira é costume os jovens tratarem-se por “cara”,
reconhecendo uma individualidade e uma subjectividade presente no carácter. Este
conceito designa uma pessoa com um estatuto de legitimidade. Do outro lado da moeda,
temos o “careta” que designa uma pessoa cheia de preconceitos e condicionamentos, com
uma idade avançada e ideias retrógradas. Também há os chamados “descarados” que
reivindicam novas experiências de vida, actuando com atrevimento e imprudência.
Esta nova juventude tem demonstrado um decréscimo na confiança nas instituições e
modos tradicionais de participação política. Esta desconfiança gera uma exclusão, que
para muitos jovens serve como oportunidade para reafirmarem as suas identidades.
Identidade individual  De uma só voz, de uma posição, de uma subjectividade.
Identidade grupal  “Nós” em relação aos “outros" que de nós se diferenciam.

A cidadania que defende a autonomia e a individualização do “cara” implica o


reconhecimento da afirmação de uma identidade, de uma vontade própria, de um
poder de decisão. É uma identidade em construção que se baseia no visual, na linguagem,
nas formas de comunicação e de consumo, com recurso a múltiplas estratégias.
Assistimos cada vez mais a uma privatização dos dilemas do viver quotidiano, que
envolvem a afirmação da identidade no plano da sexualidade, da expressão corporal, dos
sentimentos e da realização pessoal. Muitos dos movimentos socias contemporâneos são
manifestações de rebeldia perante formas institucionais de repressão da individualidade.

E, apesar desses movimentos, é importante reforçar as acções juvenis de expressão


cultural, recorrendo aos sentimentos de pertença e às subjectividades que se investem
nas relações de sociabilidade.
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Cidadania da intimidade  Ajuda-nos a perceber a natureza dos investimentos


emocionais dos jovens quando estão em jogo identidades não determinadas por interesses
racionais.
A cidadania estabelece fronteiras entre sociedades e grupos e por isso, tem sido pensada
numa forma de quadratura: inclusão (dentro da quadratura) e exclusão (fora da
quadratura). As fronteiras são definidas através de valores que são próprios de “nós”
(enquandrados) e por contraposição a “eles” (excluídos).
Cidadania de:
 Direitos estabelecidos  Olhados como estáveis, consensuais, constantes.
 Direitos conquistados  Circunstâncias ou necessidades mutáveis da vida 
Cidadania participada.

Cidadania Participada
É dado como um jogo de computador que permite aos jovens deter o poder de participar
na criação da sua cidade. Os sistemas bottom up contrapõem-se aos modelos top down.
O mundo bottom up está presente pelas possibilidades de auto-organização de
comportamentos emergentes. No modo top down, a vitalidade das cidades vem dos que
informalmente circulam no espaço público da cidade: a rua. A rua é por jovens
reivindicada como um palco de cultura participativa.

As cidades são aglomerações nodais espacializadas, construídas em torno de uma


disponibilidade instrumental de poder social. São desenhadas para proteger e dominar,
pondo em jogo uma subtil geografia de limites e confinamentos. O que vemos nelas é
uma submissão dos espaços públicos, onde se deveria potenciar a cidadania. O espaço é
muito mais do que a projecção de uma representação intelectual; é uma produção feita de
movimentos, gestos, cumplicidades. O mesmo se pode pensar da cidadania, esta apenas
se cumpre globalmente quando localmente é exercida.
147

 Espaço estriado  Remete para uma espacialidade geométrica, homogénea,


unívoca. É um espaço limitado por fronteiras que restringe e exclui. Ex. Espaço
sedentário.
 Espaço liso  Sugere uma espacialidade antropológica, vivencial, fractal. É um
espaço não limitado. Ex. Espaço nómada.

Polis  Ordem política, administração centralizada da cidade.  Como poder.


Urbs  Pulsar da cidade, esculpindo-se a si mesma, marcada por uma resistência ao
controle da polis.  Como potência  Os movimentos de urbs mostram quando o poder
da polis pode ser contestado.  Podem ser movimentos massivos (ocorrem em grandes
manifestações sociais) ou micromovimentos (anunciam outros modos de vida).
Quando a polis ganha consciência da urbs, criam-se condições para a cidadania
participativa.

Dá-se um estriamento da cidade onde esta passa a estar submetida a princípios de


racionalização que se haviam concebido para instituições de enclausuramento. A cidade
transforma-se num espaço cerrado, cidade maqueta, com os cidadãos a verem os seus
movimentos controlados e vigiados. É contra a cidade maqueta que se reclama uma
cidade de cidadãos, humanizada e participada. A cidadania é um movimento de rejeição
da cidade planificada a favor da cidade praticada.

Lógicas de encerramento e de abertura


A língua é uma realidade variável heterogénea, subjugada por uma política de
encerramento. A gramaticalidade de uma língua é um marcador de poder antes de ser um
marcador sintáctico. No quotidiano, a língua participa em “jogos de abertura”, através
das possibilidades de variação. Esta é um sistema de convenções e normas, já a fala é a
prática do uso linguístico – a qual leva a que os falantes façam usos distintos da língua.
Ironia  Cria distâncias por parte de quem se sente olhado à distância.
Antífrases  Expressões carregadas de ironia que exprimem o contrário do
convencional.

Fluidez, Empatia e Trajectividades


A ideia de fluidez faz-nos pensar em duas possíveis caras de cidadania:
 Cidadania abstracta e estática – Algo monótono.
148

 Cidadania fluida e empática – Algo dinâmico e envolvente.


A ideia de fluidez é cara a muitas das culturas juvenis e os “espaços dos fluxos” são
substituídos pelos “espaços dos lugares”. Dá-se assim uma proliferação, cuja principal
decorrência seria a produção de subjectividades com a eventual exploração de novas
formas de sensibilidade.
A cultura diz-nos de onde viemos e para onde vamos. E nem sempre as culturas de fuga
à banalidade da vida urbana se traduzem em emancipação. Muitas vezes, elas são
manifestações alienantes de resistência a essa mesma banalização de vida.
“Máquina desejante”  Sistema não centrado, não hierárquico, não significante,
definido essencialmente pela ideia de circulação.

Uma das características do Estado é a de usar espaços lisos como meio de comunicação
ao serviço do espaço estriado. O mesmo se passa quando as políticas de inclusão da
cidadania se alimentam da exclusão, controlando os fluxos de população, bens e serviços
para melhor os dirigir.

Alguns jovens fazem do urbano uma forma de vida, dominada por sociabilidades
minimalistas e expressivas. A expressão é uma forma de libertação, em que as
ritualidades juvenis celebram a diferença e a autonomia. As culturas juvenis são formas
de reivindicação de uma existência, nem sempre objecto de reconhecimento social. E daí,
poder surgir algumas condutas de risco – forma de os jovens exibirem atributos de
coragem e destemor.
Embora os jovens sejam considerados dependentes de socializações, eles reclamam
direitos de autonomia. Foi através da exposição aos media e às novas tecnologias que
os jovens ganharam esse poder.
Cidadania trajectiva  O urbano é um tecido de trajectos. As redes sociais que ligam
os indivíduos são compostas por um trajecto, feito de contactos, aproximações e
deambulações.

Políticas de juventude: “o chão que elas (não) pisam”

Explanar (explicar) é uma condição necessária para planear. Os bons prognósticos


devem assentar em bons diagnósticos. Sendo assim, as políticas de intervenção têm que
149

ter sempre por referência o chão que elas pisam. As intervenções políticas mobilizam
instrumentos, medidas ou princípios orientadores de acção. Existe diferentes tipos de
contextos nessas orientações:
 Acessível – Conhecermos o que está em jogo.
 Determinístico – Algumas acções têm efeitos determinados.
 Estático – O contexto é sempre o mesmo.
 Discreto – Há um número fixo de acções possíveis.
Já os contextos da acção humana são tudo ao contrário: inacessíveis, não determinísticos,
dinâmicos e não discretos.

As políticas de intervenção podem ser equívocas se não se ancorarem em estudos


rigorosos da realidade. Então, surgiu a necessidade dessas políticas terem por referência
o chão que elas pisam, ou seja, contextos de vida, rigorosamente objectivos e trajectados,
daqueles a quem elas se dirigem. Desenhar políticas de juventude é desenhar mapas de
futuro.
A cidadania pressupõe uma efectiva participação e filiação numa dada comunidade e um
reconhecimento comunitário dessa pertença.
 Manuela Ivone Cunha e Jean-Yves Durand - “Razões de Saúde e Política do
Corpo”

Razões  Causas ou constrangimentos incontroláveis, cuja força faz com que os seus
efeitos sejam inevitáveis apesar da acção racional ou, pelo menos, autónoma de um
indivíduo.

O conceito “razões de saúde” permite:


 Justificar uma ausência;
 Explicar um comportamento de ruptura em relação a expectativas sociais ou a
determinados compromissos;
 Conseguir que tal comportamento seja olhado com benevolência e que seja aceite.

A saúde é cada vez mais encarada não como um estado normal, “mudo”, mas como um
resultado trabalhado de um investimento activo do corpo, no self e na relação de ambos
com o meio. Dá-se então um enfoque na prevenção, melhoria e superação dos limites do
corpo para a doença.
150

Doença  É um estado de crise e as suas respostas institucionalizadas tendem a sublinhar


o carácter excepcional de um período de tempo anormal. Os processos moldados por
percepções, constrangimentos e necessidades específicas podem pôr em causa direitos
fundamentais e limitar a autonomia individual.

A etnografia de práticas terapêuticas e da administração do corpo procurará pôr em


evidência tendências que atravessam as sociedades contemporâneas.

Campo da automedicação  Onde se põe em causa a dependência face à autoridade


médica. Faz-se uma análise da questão da autonomia, da promoção da gestão da doença
e da administração do corpo. Este campo encontra-se organizado em duas posições
opostas:
 Os médicos  Rejeitam este campo, vendo nele um perigo médico para os
doentes e um desrespeito pela sua competência.
 As autoridades públicas  Passam a recomendá-lo mas, sobretudo, numa lógica
económica.

Autonomia  Liberdade de consentir ou recusar um tratamento proposto por um médico,


começando o sujeito a administrar ele mesmo um tratamento a si próprio.
Além das razões de ordem prática e económica, os doentes por vezes têm um sentimento
de ineficácia quanto ao recurso a um profissional, conferindo assim uma dimensão não
só prática mas também política à autonomia do sujeito.

 Questão das drogas


Existe uma dupla face do pharmakon para determinados contextos:
 Nas mãos do médico é considerado um “remédio” e aquele adicto a um produto
obtido na relação médica é um “paciente”;
 Se está à solta no mercado negro é “droga” e o adicto a um produto de rua é um
“drogado”.

É revelado muitas vezes uma vontade do sujeito agir sobre si e sobre as suas próprias
condições existenciais. Focando as drogas como lugar de cruzamento dos sistemas de
151

controlo médico-psicológico e jurídico-moral, os indivíduos vão deixando de ser sujeitos


para se verem confinados ao lugar de objectos. O “toxicodependente” é vitimado duas
vezes: pela via das drogas que redundou na adição e depois pela da doença, que o
declarava incapaz.

Cruzando a psicologia e as ciências sociais, a dependência de drogas é uma das formas


de administração e autodestruição do corpo que se afirma como fenómeno juvenil nas
sociedades ocidentais. Esta conduta procura ativar a adaptação individual na transição
para a idade adulta. A compulsão das restrições leva à autodeterminação, à
individualização e à autonomia que identificam culturalmente a modernidade e
caracterizam o processo de um indivíduo se tornar adulto. A este tipo de situações
correspondem exigências especiais na forma de paradoxo, num ato de conformismo –
transgressão. Uma dependência pode fornecer uma ilusão de independência e, no mesmo
passo, reforçar a dependência original.

 Questão do sono
O sono consiste numa condição que só é alcançada se deixarmos de nos concentrar no
desejo de a obter. Esta só pode ser conseguida quando abdicamos dele e não através do
seu autocontrolo. A tentativa de transformar o sono numa mercadoria que se pode adquirir
levou-o a um complexo projecto de gestão. Neste projecto mobilizam-se cientistas e
indústrias para controlar tanto o seu ambiente interno como externo. A responsabilidade
individual exige vigilância pessoal sobre alimentos, comportamentos e estados psíquicos,
como o stress. O paradoxo reside no facto de ser impossível de gerir. Se o poder é a
capacidade de produzir efeitos, então o sono é a mais indomável das condutas.

Controlo na gestão dos processos corporais - Vacinação


Na base da gestão científica dos processos corporais encontra-se um regime de
saber/poder onde se desenvolve a conquista militarizada, a expansão colonial e a
consolidação fortificada da fronteira. Os imigrantes e os estranhos passam por inimigos
tóxicos e invasores contra quem há que montar guarda.

A vacinação foi alvo desta lógica enquanto técnica de segurança de eleição nas políticas
sanitárias dos Estados modernos para lidar com epidemias e doenças infecciosas. Foi
152

imposta e patrocinada pelo Estado como um dos meios privilegiados de gestão de saúde
pública através da implementação de planos nacionais de vacinação.

A questão das vacinas começa por complexificar-se quando o próprio perfil destas se
multiplicou numa série de alvos que redefinem o próprio sentido da vacinação e a
equiparam a outros tipos de intervenções de saúde. O modelo de vacinação universal é
posto em causa não só pela instabilidade das condições geopolíticas mas também pela
emergência de agentes patogénicos desconhecidos – pois também eles não são alvos
passivos da acção humana e evoluem. Daí que as vacinas não possam mais ir ao encontro
das expectativas desproporcionadas que viam nelas a solução para a prevenção das
doenças infecciosas.

A questão da vacinação aponta para uma nova e diferente escala, passando das sociedades
para os grupos e indivíduos. Tem havido uma diversificação das atitudes sociais face à
vacinação. Esta questão tem sido posta à prova por grupos com filosofias de vida
alternativistas ou perspectivas religiosas particulares, por transformações na relação
ciência-sociedade e na confiança nos sistemas.

Cada grupo social irá conter determinadas estratégias simbólicas ou sistemas de ideias,
relativamente coesos, acerca do corpo e da saúde. Vai existir uma examinação dos
sentidos e experiências na base da aceitabilidade social das vacinas. Irá ocorrer uma
aceitação ou uma não-aceitação vacinal, correspondendo a duas faces de um mesmo
fenómeno.

Estas mudanças no envolvimento com a vacinação levam a uma cidadania mais assertiva,
que desafia um poder regulador estatal sobre o corpo e a pessoa, vivido como demasiado
autoritário, distante e opaco. Ao observar o quadro desenhado pelas políticas de vacinação
e as suas contestações (certas vacinas e certas maneiras de as administrar) é possível
salientar a relevância da ideia de “aceitabilidade” em vez do pressuposto de oposição a
um poder, inerente a uma “resistência”.

 E. Jean Langdon – Cultura e Processos de Saúde e Doença


153

A biomedicina distingue-se dos outros modelos médicos por ter o seu enfoque principal
na biologia humana como processo físico/mental e no dualismo entre o corpo e a mente,
além da sua perspetiva etiológica como um processo único entre causa, patologia e
tratamento (Kleinman).
O desenvolvimento do campo da antropologia da saúde como uma área com a sua
própria especificidade teórica e conceptual é recente, no entanto já Rivers e,
posteriormente, Ackerknecht haviam pesquisado sobre a medicina nas culturas não
europeias, chamadas primitivas. Estes apresentavam uma perspetiva holistica e
argumentavam que as ideias e práticas de saúde e doença são ligadas ao contexto cultural
no qual se encontram e não são fenómenos fragmentados.

Estes dois autores foram particularmente importantes ao estabelecerem o estudo da


etnomedicina como objeto da pesquisa antropológica. Também reconheceram que para
entender o sistema de medicina de uma cultura devemos examiná-lo dentro do seu
contexto sociocultural. Da etnomedicina à antropologia da saúde Na década de 70 vários
antropólogos começaram a propor visões alternativas à biomedicina sobre o conceito de
doença. Estes estudiosos preocupavam-se com a construção de um paradigma onde o
biológico estivesse articulado com o cultural. Entendiam que a doença não é um evento
primariamente biológico, mas é concebida em primeiro lugar como um processo vivido
cujo significado é elaborado através dos contextos socioculturais. O que diferencia esta
perspetiva da etnomedicina tradicional é a relativização da biomedicina e uma
preocupação com a dinâmica da doença e com o processo terapêutico. Esta perspetiva é
capaz de ser estudada em qualquer grupo e a noção de medicina primitiva desaparece
como enfoque e como conceito.

A nova abordagem tem resultado em mudanças importantes de ênfase e de enfoque:


1) O conceito de cultura como dinâmica e heterogénea
2) A perspetiva da doença como um processo sociocultural
3) Conceito de doença como experiência

1) O conceito de cultura como dinâmica e heterogénea

A partir do desenvolvimento da antropologia simbólica o conceito de cultura passa por


uma conceitualização. Cultura passa a ser definida como um sistema de símbolos que
154

fornece um modelo de e um modelo para a realidade. Este sistema simbólico é público e


centrado no ator, que o usa para interpretar o seu mundo e para agir, de forma que também
o reproduz. As interações sociais são baseadas numa realidade simbólica que é constituída
de, e por sua vez, constitui os significados, instituições e relações legitimados pela
sociedade. A cultura é expressa na interação social, onde os atores comunicam e
negoceiam os significados.

Aplicado ao domínio da medicina, o sistema de saúde e também um sistema cultural, um


sistema de significados ancorado em arranjos particulares de instituições e padrões de
interações interpessoais. É aquele que integra os componentes relacionados com a saúde
e fornece ao individuo as pistas para a interpretação da sua doença e as ações possíveis.

Nesta nova visão o próprio significado das coisas não é dado, mas depende do contexto e
emerge da interação social, as pessoas criam e comunicam os significados das suas
experiências através da interação, a cultura não é uma coisa dada. A cultura é um sistema
de símbolos fluidos e abertos à reinterpretação, pelo que a noção de tradição passa a ser
diferente, a tradição vai continuamente sendo recriada e nesta recriação a ação humana
não é determinada. A cultura não é mais uma unidade estanque de valores, crenças,
normas, etc, mas uma expressão humana frente à realidade. É uma construção simbólica
do mundo sempre em transformação, é um sistema simbólico fluido e aberto. Também
central neste conceito de cultura é o enfoque no indivíduo como um ser consciente que
percebe e age. A doença é vista dentro desta perspetiva como uma construção
sociocultural e subjetiva. Esta visão de cultura, que ressalta a relação entre perceção/ação,
heterogeneidade e subjetividade, tem várias implicações na nova visão sobre saúde e
doença.

A tradição vai continuamente sendo recriada e, nesta recriação, a ação humana não é
determinada.

Análise com enfoque na praxis (a relação entre a procura do significado dos eventos e a
ação):
 Esta abordagem enfatiza os aspetos dinâmicos e emergentes;
 A cultura emerge da interação dos atores que estão a agir em conjunto para
encontrar soluções;
155

 O significado dos eventos emerge das ações concretas tomadas pelos


participantes;
 Esta visão reconhece a inovação e a criatividade como parte da produção
cultural;
 Cultura é uma expressão humana frente à realidade.
 É uma construção simbólica do mundo;
 Sistema simbólico fluido e aberto.
 Enfoque no individuo como um ser consciente que percebe e age;
 A doença é vista como uma construção sociocultural e subjetiva;

Através do processo de socialização a criança internaliza as noções simbólicas expressas


através das interações do grupo onde esta inserida. Interpretando as mensagens contidas
nas atividades culturais, ela age segundo as suas perceções individuais, influenciada pelo
grupo, mas também por sua própria subjetividade e experiencia particular.
o É uma visão que permite heterogeneidade
2) A perspetiva da doença como um processo sociocultural

É uma sequência de eventos motivada por dois objetivos:


 Entender o sofrimento no sentido de organizar a experiencia vivida;
 Se possível, aliviar o sofrimento.
Para entender a perceção e o significado, é necessário acompanhar todo o episódio da
doença, todo o itinerário terapêutico e os discursos dos participantes envolvidos. O
significado emerge deste processo perceção/ação.

Seguindo a visão de cultura com um sistema simbólico, a doença é conceituada como um


processo e não um momento único nem uma categoria fixa. É uma sequência de eventos
motivada por dois objetivos: entender o sofrimento no sentido de organizar a experiência
vivida e se possível aliviar o sofrimento. A interpretação do significado da doença emerge
através do seu processo. Assim, para entender a perceção e o significado é necessário
acompanhar todo o episódio da doença: o seu itinerário terapêutico e os discursos dos
participantes envolvidos em cada passo da sequência de eventos.

Passos que caracterizam a doença como processo:


156

 O reconhecimento dos sintomas do distúrbio como doença: Os sinais


indicadores de doença não são universais. Cada cultura reconhece sinais
diferentes que indicam a presença de doença, o prognóstico e as possíveis
causas. A procura de sinais fora do corpo é particularmente comum nas
doenças sérias, nas quais o doente quer entender o porque de estar a sofrer.
consiste no reconhecimento dos sinais que indicam que não está tudo bem. Os
sinais não são universais e variam consoante a cultura. Diferente da
biomedicina, os sinais da doença não são restringidos ao corpo ou aos
sintomas corporais. O contexto, seja das relações sociais, seja o ambiente
social, fazem parte também de possíveis fontes de sinais.
 O diagnóstico e a escolha de tratamento: Uma vez que o estado de mal-estar
e reconhecido como doença, o processo de diagnostico começa para que os
envolvidos possam decidir o que fazer. Geralmente este momento acontece
dentro do contexto familiar. Não é possível predizer a escolha que vai ser feita
pois esta vai ser determinada pela leitura dos sinais da doença negociados
pelos participantes.
 A avaliação do tratamento: Uma vez feito o tratamento as pessoas avaliam os
seus resultados. Quando a doença não desaparece é necessário rediagnosticar
a doença, identificando novos sinais ou reinterpretando antigos. Em casos
simples a doença desaparece depois do tratamento, mas frequentemente a
doença continua. Caso a doença não desapareça, estas etapas repetem-se até
que a mesma seja curada. Quando são casos graves e demorados,
frequentemente a doença se torna numa crise que ameaça a vida e desafia o
significado da existência. Muitas pessoas e grupos são mobilizados no
processo terapêutico e os significados da doença são explorados no contexto
mais abrangente (relações sociais, ambientais e espirituais).

Processo terapêutico: Sequência de decisões e negociações entre várias pessoas e


grupos, com interpretações divergentes a respeito da identificação da doença e da escolha
da terapia adequada.
As principais fontes de divergência são a natureza dos sinais de doença e as diferentes
interpretações das pessoas. Os sinais da doença são ambíguos, causando interpretações
divergentes entre as pessoas, mesmo que estas compartilhem o mesmo conhecimento e
classificação diagnóstica. Diferentes diagnósticos de uma mesma doença aumentam
157

consideravelmente quando os participantes no processo representam diferentes


conhecimentos, experiências e interesse sobre o caso em pauta.

3) Conceito de doença como experiência


A doença é melhor entendida como um processo subjetivo construído através de
contextos socioculturais e vivenciado pelos atores. A doença é um processo subjetivo no
qual a experiencia corporal é mediada pela cultura.
Exemplo: A dor que é experienciada e exprimida de formas diferentes, em culturas
diferentes.

A doença não é mais um conjunto de sintomas físicos universais observados numa


realidade empírica, mas é um processo subjetivo no qual a experiência corporal é mediada
pela cultura. Kleinman, médico-antropólogo, é um dos teóricos pioneiros desta
abordagem, conceituando a doença como experiência. Ele coloca o ser humano como um
ser psicobiológico no centro do seu modelo de doença como construção sociocultural.

O impacto do mundo externo na experiencia interna é mediado pela capacidade simbólica


do ser humana interpretar a sua experiencia. A experiencia simbólica influencia os
processos fisiológicos.

A experiência simbólica influencia os processos fisiológicos, e por isso, Kleinman


questiona a visão positivista de que os processos de doença são limitados aos processos
biológicos que se manifestam universalmente e independentemente da experiência de
doença. As representações simbólicas não só expressam o mundo, mas, através da
experiência vivida, elas também são incorporadas e internalizadas a tal ponto de
influenciarem os processos corporais.

Os processos de saúde e doença não se baseiam em processos puramente biológicos, e


que os processos simbólicos - culturais, sociais e individuais - que compõem o significado
da experiencia são fatores na evolução de uma doença.

 Considerações finais
A antropologia atualmente conceitua a saúde como resultado da articulação entre o
biológico, o cultural e a experiência subjetiva. A noção de doença como experiência tem
158

outra implicação na prática clinica. É necessário olhar os pacientes como seres humanos
que retêm informações importantes sobre as suas aflições. É necessário que os
profissionais de saúde desenvolvam uma competência cultural como parte da sua prática
clínica. O método antropológico no atendimento clínico implica uma postura de respeito
e reflexão, uma atitude de ouvir e aprender com as narrativas que os pacientes contam. É
necessário pôr fim às atitudes e práticas etnocêntricas que dominam o exercício da
biomedicina, num esforço de relativizar os nossos saberes sobre as doenças e os pacientes.

 Graça Carapinheiro – A Saúde no Contexto da Sociologia

A reflexão sobre a problemática da saúde e da doença inclui a dimensão pessoal e


subjetiva, mas necessita de ser analisada inserida em estruturas sociais, para que todos os
seus elementos ganhem sentido. Essas estruturas de análise foram definidas como sendo
os sistemas de interação médica (medico paciente) onde decorre a relação terapêutica. A
doença é uma realidade construída e o doente é um personagem social, conceções que
evoluem ao longo das diferentes fases da história. A construção social da doença permite
traçar o quadro da realidade social das doenças em contextos históricos sociais precisos
e permite determinar os elementos de estruturação da identidade social do doente. A
doença é considera como um fenómeno social total, já que só pode ser compreendida
quando analisados os aspetos individuais e de interação com o médico, quando inseridos
numa macroestrutura. A doença torna-se uma "realidade construída", o doente "uma
personagem social".
A Historia social das doenças tem revelado que em cada época uma doença domina a
realidade da experiencia e a estrutura das representações.

Construção social da doença:


 Permite traçar o quadro da realidade social das doenças em contextos histórico-
sociais específicos
159

 Permite determinar os elementos de estruturação da identidade social do doente:


relação social do doente com a doença (perceção, representação e experiencias
subjetivas e objetivas da doença); níveis de descoincidência entre a doença do
doente e do médico; possibilidades de afirmação da perspetiva do doente

Organização Mundial de Saúde: A definição de saúde assenta na noção de bem-estar


(saúde como bem estar físico, psíquico e social e não a mera ausência da doença)

Quando num determinado momento histórico surge uma doença que se apresente
misteriosa, cuja origem seja obscura e para a qual ainda não estejam disponíveis
terapêuticas eficazes, as mitologias sociais desenvolvem um trabalho ideológico de
recuperação do fenómeno no quadro social da sua existência coletiva, atribuindo-lhes
significados que a individualizam e fornecem caracterização social.

o Talcott Parsons
A doença aparece conceptualizada como desvio social, os processos terapêuticos como
formas de controlo social e as relações sociais entre o médico e o doente organizam-se
segundo um modelo de interação social onde surgem bem definidos os respetivos papéis.
Ao papel social atribuído ao médico é conferida uma importância especial.
A situação de doença é uma situação de ameaça ao normal e efetivo desempenho dos
papéis e tarefas para os quais os indivíduos foram socializados. Esta situação torna-se
assim uma situação de dependência e é submetida a um controle rigoroso. Parsons
diferencia as doenças físicas e orgânicas.

Os usos da doença como figura ou metáfora do social


As doenças da moda e a moda das doenças – determinadas condições sociais
desenvolvem a necessidade de emergência de novas doenças, justificadoras de privilégios
sociais adquiridos. A doença surge como elemento de reconhecimento social e como
pauta de condutas a seguir em sociedade. Quando num determinado momento histórico
surge uma doença que se apresente misteriosa, cuja origem seja obscura e para a qual
ainda não estejam disponíveis terapêuticas eficazes, as mitologias sociais desenvolvem
um trabalho ideológico de recuperação do fenómeno no quadro social da sua existência
coletiva, atribuindo-lhes significados que a individualizam e lhe fornecem caracterização
social.
160

Da sociologia médica à sociologia da saúde


A sociologia da saúde aparece com uma perspetiva mais alargada a factos, estruturas e
situações ligados à saúde e à doença e menos comprometida com enfoques particulares.
Relevância da sociologia no campo da saúde/doença: (Margaret Stacey e Hilary Homans)
é claro que a saúde/doença fornece um largo campo de prática para a sociologia e
apresenta problemas ao nível de organização, controlo, ordem, estratificação, poder e
prestigio, dominação e subordinação, 2 experiência e significado, em que os
conhecimentos e perspetivas da sociologia tem muito para oferecer.

Emergência do modelo médico:


É na década de 50/60 que o modelo médico nasce e se estabelece. A contribuição mais
decisiva para a delimitação dos contornos da sociologia médica foi o trabalho
desenvolvido por Talcott Parsons em 1951 sobre o tratamento teórico das profissões e
clientes. Pela primeira vez foi reconhecida a importância da medicina da sociedade,
tornando-se objeto privilegiado de análise sociológica como instituição social. A doença
aparece conceptualizada como desvio social, os processos terapêuticos como formas de
controlo social e as relações sociais entre médico e doente organizam-se segundo um
modelo de interação social onde surgem bem definidos os respetivos papéis. O médico
surge como figura central pois é ele quem define o que é doença e portanto é ele que
legitima o papel social do doente. Esta primeira aproximação à doença como objeto de
pesquisa sociológica determinou um sulco teórico que mais tarde aproxima a sociologia
da medicina à sociologia do trabalho. As décadas de 70/80 mostraram de uma forma
inequívoca que o controle da doença não repousa apenas sob os processos médicos e
medicalizantes. Constata-se e reconhece-se a importância de fatores sociais na etiologia
e tratamento de doenças. Dá-se o colapso da teoria monocasual simples e torna-se
inevitável a necessidade de construção de um modelo multicausal complexo, capaz de
elaborar a sociogénese das doenças. Assim a sociologia da saúde aparece comprometida
com novos modelos de causalidade, tradutores de transformações ocorridas pela
161

confrontação das teorias e dos métodos da sociologia médica com o novo panorama dos
factos sociais e das novas realidades de saúde-doença.

 Cecil Helman – Cuidado e Cura: os sectores de assistência à saúde – Cultura,


Saúde e Doença

Na maioria das sociedades, as pessoas que sofrem de algum desconforto físico ou


emocional contam com diversas formas de ajuda, por conta própria ou por meio de outras
pessoas (amigo, parente, vizinho, curandeiro, sacerdote ou médico). Quanto maior e mais
complexa a sociedade na qual a pessoa vive, maior a probabilidade de que essas opções
terapêuticas estejam disponíveis, ou seja, maior a probabilidade de apresentar pluralidade
de serviços de saúde. Embora esses modos terapêuticos coexistam, são com frequência
baseados em premissas completamente diferentes e podem ter origem em culturas
diferentes. Para a pessoa doente, contudo, a origem desses tratamentos é menos
importante do que a sua eficácia no alívio do sofrimento.

Pluralismo na assistência à saúde: aspetos sociais e culturais


Os antropólogos mostraram que o sistema de assistência à saúde de uma dada sociedade
não pode ser estudado isoladamente de outros aspetos daquela sociedade, especialmente
quanto à sua organização social, religiosa, politica e económica. Landy enfatiza que os
sistemas de assistência á saúde têm dois aspetos interrelacionados: um aspeto cultural,
que inclui certos conceitos básicos, teorias e práticas normativas, modos de perceção
compartilhados e um aspeto social, que inclui a organização da assistência em certos
papéis específicos (como o de paciente e o de médico) e regras que regem as relações
entre esses papéis em ambientes especializados (como os hospitais ou consultórios
médicos). Na maioria das sociedades uma dada forma de atenção á saúde é elevada acima
de outras formas, e tanto os seus aspetos sociais quanto culturais são sustentados pela lei.
Existem também as chadas subculturas de assistência à saúde que são sistemas menores
e alternativos e podem ser nativas de uma sociedade ou importadas de outros lugares.

Dois aspetos do sistema de assistência à saúde


 Cultural - que inclui certos conceitos básicos, teorias, práticas normativas e modos
de perceção compartilhados.
162

 Social - inclui a organização da assistência em certos papéis específicos e regras


que regem as relações entre esses papéis em ambientes especializados.

Os três setores de assistência à saúde Kleinman sugeriu que, ao se olhar para uma
sociedade complexa, é possível identificar três setores sobrepostos e interligados de
assistência à saúde: o setor informal, o setor popular (folk) e o setor profissional. Cada
setor tem suas próprias formas de explicar e tratar a falta de saúde, definindo quem é
a pessoa que cura e quem é o paciente, especificando o modo como devem interagir
durante o encontro terapêutico.

Subculturas de assistência à saúde: Sistemas menores e alternativos

Kleinman sugeriu três sectores de assistência à saúde:


1) Informal: Domínio leio, não profissional e não especializado da sociedade.
 Auto tratamento e automedicação;
 Conselhos ou tratamentos recomendados por parentes e vizinhos;
 Atividades de cura ou de cuidado mútuo em igrejas, seitas ou grupos
de autoajuda;
 Consulta com outro leigo que tem uma experiência específica com
certos transtornos ou estados físicos.
 Neste sector a principal arena de assistência é a família, onde se dá o
cuidado primário.
 O sector informal comumente inclui um conjunto de crenças sobre a
manutenção da saúde, crenças que são diretrizes específicas de cada
grupo cultural.
 Curas informais e não remuneradas

2) Popular (Folk): Extenso em sociedades não industrializadas onde certos


indivíduos se especializam em formas de cura sagradas ou seculares, ou uma
mistura de ambas.
 A maioria dos curandeiros partilha os mesmos valores culturais básicos
e a mesma visão do mundo das comunidades onde vivem, inclusive as
crenças sobre a origem, o significado e o tratamento da falta de saúde;
163

 Os curandeiros sagrados têm um enfoque holístico, envolvendo todos


os aspetos da vida do paciente;
 Adivinhação;
 Uma das vantagens da cura pela tradição popular é o envolvimento da
família no diagnóstico e no tratamento;
 O foco da atenção não esta apenas no doente, mas também na reação
da família e dos outros à enfermidade;
 A ação curativa dá-se num meio onde o paciente está familiarizado;
 Oferecem modos culturalmente familiares de explicar as causas e o
momento da falta de saúde e sua relação aos mundos social e
sobrenatural. Explicam o porquê de ter acontecido e não o que
aconteceu como os médicos.
 O cenário terapêutico é a cura pelo espiritualismo, na presença de
familiares e membros da comunidade.

3) Profissional: Compreende as profissões do tratamento de saúde que são


organizadas e sancionadas legalmente, como a medicina e as profissões
paramédicas.

A necessidade de significado é o primeiro passo para uma explicaçao da propria


experiencia num sentido funcional que conduza à mudança. A doença exige um sentido,
uma justificaçao, segundo um codigo que estará depois na base da procura da cura mais
adequada. As interpretações podem ser as mais variadas, no entanto, só depois desta
interpretação é que se pode saber onde procurar a melhor resposta profissional.

Tcharte: afirmava que a saude das pessoas refletia por um lado a qualidade das suas
relaçoes com os outros, pelo outro era um espelho do proprio equilibro interior. As suas
interpretações não derivavam de uma concepção de doença como algo fechado, mas
levavam em conta ao mesmo tempo a situação biologica, psicologica e social do
paciente e do seu grupo, inserindo aquele episodio de sofrimento numa rede de
conexoes ampla que junta o passado com o presente, a memoria individual e colectiva e
os multiplos dominios da experiencia que o individuo pode atravessar.

 A coragem é virtude indispensavel para retornar à saude.


164

 Para tratar o sofrimento é necessario interpretar os sintomas e dar uma


explicaçao exaustiva do porque da doença ter acontecido.
 As narrativas atraves dos quais os individuos descrevem o sofrimento, são
momentos de dramatização da experiencia e dispositivos de criaçao de sentido.
 Uma alteração da ordem e do equilibrio nas relaçoes sociais pode-se portanto
traduzir num problema fisico, assim como um desiquilibrio comportamental
pode ter efeitos sobre a saude dos familiares.

Somatização: Serve para encaixar as expecçoes à regra de que doenças e disturbios


somaticos sao legitimados somente a luz de uma evidencia organica cientificamente
demonstravel. À falta dessa evidencia conclui-se que o corpo está apenas a expressar
algo relacionado com o mundo emocional, psicologico ou social do paciente.

Embodiment: Designa a intersecção do biologico e do social no ambito da experiencia


vivida.

O sistema médico
Conforme já foi observado anteriormente, o sistema dominante de atendimento em
saúde em qualquer sociedade não pode ser estudado isoladamente dos outros aspetos
daquela sociedade, pois o sistema médico (ou setor profissional de assistência em saúde)
não existe num vácuo cultural e social, ele é expressão dos valores e da estrutura social
da sociedade em que surgiu, sendo, em certa medida, um modelo em miniatura da mesma.
Seja qual for o tipo de sociedade, o sistema médico não apenas reflete esses valores e
ideologias básicos, como também contribui para a definição dos seus contornos e para a
sua manutenção.
O pessoal neste setor está organizado em hierarquias semelhantes à estratificação da
sociedade maior. Ao lidar com a população, o sistema de saúde reproduz muitos dos
preconceitos sociais subjacentes, assim como os conceitos sociais do que seja bom ou
mau em termos de comportamento. A medicina contemporânea, alem de controlar
microrganizações, também pretende controlar o comportamento da população,
especialmente pela medicalização do comportamento desviante e de muitos estágios
normais do ciclo vital (ex: gravidez).
A fim de se compreender qualquer sistema médico, deve-se sempre considera-lo no
contexto dos valores básicos, da ideologia, da organização politica e do sistema
165

económico da sociedade em que surge. O setor profissional de assistência à saúde, a


exemplo dos outros dois, é sempre em certa medida delimitado culturalmente.

A profissão médica
Dentro do sistema médico, aqueles que exercem a medicina formam um grupo à parte,
com seus próprios valores, conceitos, teorias sobre as doenças e regras de comportamento,
além de uma organização hierárquica dos papéis de cura. Pode então considerar-se que
formam um grupo profissional, definido por Foster e Anderson como um grupo baseado
ou organizado em torno de um corpo de conhecimentos especializados que não é
facilmente adquirido e que, uma vez nas mãos de praticantes qualificados, atende às
necessidades de clientes (ou presta serviços a clientes). Possui também uma organização
corporativa de pessoas conceitualmente iguais, que existe para manter o controlo sobre
os campos de especialidade, promover seus interesses comuns, manter o seu monopólio
de conhecimento, estabelecer as qualificações exigidas para a admissão (como no caso da
habilitação de novos médicos), proteger seus membros contra a incursão e a concorrência
de outros e monitorar a competência e a ética dos próprios membros. Cada grupo de
paramédicos (enfermeiros, parteiras, fisioterapeutas, assistentes sociais… ) tem o seu
próprio corpo de conhecimentos, clientela, organização de colegiado e controle sobre uma
área de competência, mas, em geral, menos autonomia e poder que os médicos.

O hospital
Na maior parte dos países, a principal estrutura institucional da medicina científica é o
hospital. Ao contrário do que acontece nos sectores informal e popular, a pessoa doente
é separada da família, dos amigos e da comunidade num momento de crise pessoal.

No hospital, submete-se a um ritual padronizado de despersonalização. Todos os


pacientes são destituídos dos seus suportes de identidade social e individualidade e
uniformizados em pijamas, camisolas ou roupões de banho. Há perda de controlo sobre o
próprio corpo e sobre o próprio espaço, privacidade, comportamento e dietas pessoais,
assim como sobre o uso do próprio tempo.

Os hospitais já foram vistos por antropólogos, como Goffman, como pequenas


sociedades, cada um deles com sua cultura própria, suas regras de comportamento
explícitas e implícitas, sua própria tradição, seus próprios rituais, hierarquias e ate mesmo
166

a sua própria linguagem. Há maneiras diferentes de ver o hospital e muitos papeis que ele
desempenha em diferentes países, culturas e comunidades. Assim como pode ser visto
como um local onde as doenças são curadas e o sofrimento é aliviado, o hospital também
pode ser visto como:
 Um refúgio: oferecendo asilo aos incapazes de lidar com o mundo lá fora devido
à fraqueza de saúde física ou mental ou à idade avançada;
 Uma fábrica: uma instituição industrial que produz pessoas curadas a partir de
matéria-prima – pessoas doentes;
 Um negócio: orientado para o maior lucro possível a partir da prestação de
atendimento médico (especialmente no setor privado e industrial);
 Um templo: dedicado a uma cosmologia religiosa específica (ex: ayurveda) ou
uma tradição de tratamento específica ou ao poder transcendente da ciência sobre
as forças da doença e da morte;
 Uma universidade: dedicado não somente ao ensinamento de médicos e
enfermeiros, mas também à instrução moral dos pacientes;
 Uma prisão: que protege a sociedade ao confinar aqueles considerados como
loucos, dissidentes ou muito pouco convencionais, contra a vontade desses;
 Uma cidade: uma metrópole em miniatura, com várias alas, cada uma com a sua
própria administração, burocracia, trabalhadores, etc.
Quaisquer que sejam as suas variações locais, e a despeito de como é visto, o hospital
continua a ser a instituição da biomedicina por excelência.

A ascensão da tecnologia médica


A tecnologia pode ser vista como a extensão dos sentidos humanos e de suas funções
motoras e sensoriais. A medicina ocidental moderna é singular em termos do papel prático
e simbólico cada vez mais importante desempenhado pela tecnologia tanto no diagnóstico
como no tratamento.

As tecnologias médicas, como sistemas complexos de conceção e funcionamento, não


são simplesmente objetos físicos utilizados para propósitos específicos. São também
produtos culturais que nos dizem algo sobre os valores sociais, económicos e históricos
que as produziram num dado momento no tempo e em determinado lugar.
167

Ainda que de grande benefício tanto para os pacientes como para os clínicos, esse
processo também contribuiu para um estreitamento da visão médica – para o
reducionismo, a dualidade entre o corpo e mente e a objetificação do corpo, que são tão
características hoje em dia da perspetiva que se tem sobre a doença. A tecnologia médica
moderna tem, portanto, custos sociais e económicos importantes para aqueles que a
utilizam. A tecnologia de diagnóstico também tem levado à criação de uma nova categoria
de pacientes. São os produtos da tecnologia como as tiras de papel dos
eletroencefalogramas e eletrocardiogramas, as chapas dos raios X e os relatórios dos
exames de sangue. Às vezes, esses materiais recebem mais atenção médica do que os
pacientes propriamente ditos.
Muitas das novas tecnologias da medicina têm resultado de impactos significativos, tanto
positivos como negativos, sobre a maneira como a própria medicina é exercida. Essas
tecnologias influenciam o modo como os médicos diagnosticam e tratam os problemas
de saúde e como se relacionam com os pacientes. Elas podem também ter contribuído, de
certa maneira, para o distanciamento entre paciente e profissional de saúde.

Redes terapêuticas
Em qualquer sociedade, quando as pessoas adoecem e não resolvem seus problemas de
saúde pelo autotratamento, fazem escolhas sobre quem consultar para obter ajuda nos
setores informal, popular e profissional. As pessoas enfermas frequentemente utilizam
tipos diferentes de curandeiros de uma só vez ou em sequência. O uso simultâneo de
múltiplas formas de terapia é muito comum na maior parte das sociedades complexas,
especialmente diante de enfermidades graves.
Os doentes estão no centro das redes de terapêuticas que estão conectadas aos três setores
do sistema de assistência á saúde. As pessoas doentes fazem escolhas, não apenas entre
tipos diferentes de curandeiros (informal, profissional ou popular), mas também entre os
diagnósticos e as recomendações que fazem sentido para elas e as que não fazem. O
resultado pode ser de não adesão ao tratamento ou de passagem a outro segmento da rede
terapêutica.

 Ramon Sarro – O sofrimento como modelo cultural: uma reflexão


antropológica sobre a memória religiosa na diáspora africana
168

O sofrimento como papel fundamental na criação de uma comunidade. Para Whitehouse


o sofrimento é fundamental naquilo a que os antropólogos chamam de "ritos de
passagem". A sua teoria consiste em que é fundamental que estes ritos sejam dolorosos
para agravar a religiosidade transmitida aos neófitos, e também porque a partilha da dor
cria uma comunidade forte.

 Religiões iniciatórias - sofrimento como forma de criar a comunidade


 Religiões doutrinais
o Cria-se um sentimento de pertença através das doutrinas relembradas nas
cerimónias.
o Passam pela imaginação literária e não pela vivência corporal, o sofrimento é
metafórico e não real.

Secularização: É entendida como uma perda, uma despromoção. A secularização da


sociedade ocidental é como que um "des-sofrimento" do mundo.
A religião surge como um modelo para pensar e aceitar o sofrimento.
 Arthur Kleinman – Discourse between Anthropology and Medicine: What is
specific in biomedicine?
 O que é específico para a Biomedicina?
As formas de medicina
 Medicina tem múltiplas formas;
 Definida como: práticas de saúde e escolhas terapêuticas decisivas;
 Universal: Medicina é uma organizada prática terapêutica humana fundamental,
que encontramos em todas as mais diversas culturas;
 É possível encontrar características comuns entre a medicina das diferentes
culturas;
 Algumas destas características:
 Definição de saúde e diagnóstico da doença;
 Sintomas de que o doente se queixa;
 Função do médico; o Relação médico/paciente;
 Alguns métodos de cura, com objectivo de controlar os sintomas ou a sua
origem.
169

 O mais importante é ver o que vai diferenciar as práticas de medicina de povo


para povo, até mesmo as diferenças dentro da mesma cultura. Estas diferenças
resultam de distintos sistemas sociais, políticos e morais;
 A relação entre médico e paciente está a ser afetada pelas tecnologias, a ser
transformada no sentido de se tornar mais impessoal e ligado ao consumismo.
Existem movimentos contra esta transformação, com objectivo de mudar o
conceito de ‘eu’ e as normas de interacção nestas relações;
 A medicina não pode ser considerada característica de uma determinada altura ou
lugar, está sempre dependente do contexto onde se encontra inserida;
 Medicina é uma forma de expressar e recriar as diversidades da vida-social, assim
como a etnia ou a religião;
 Biomedicina é praticada nos mais diversos sítios, pelas mais diversas pessoas e
nas mais variadas situações;
 É importante dar importância às origens da biomedicina ocidental, perceber o que
a distingue dos outros sistemas de cura (como, Chinesa, Hindu, Islâmica);
 O autor vai usar a palavra Biomedicina, especificamente, em relação à medicina
ocidental. Vai também focar-se na biomedicina dos ‘criadores de conhecimento’
(investigadores/professores) e na tecnologia que domina o treino médico e tem
um alto reconhecimento dentro da profissão.

Monoteísmo, ordem monotípica e medicina


 Ordem monotípica ► Existe apenas um tipo, ou seja, dentro de uma espécie basta
considerar um elemento para representar esse género;
 O monoteísmo presente nas culturas ocidentais teve uma grande influência na
biomedicina. A ideia de um só deus valida a ideia de uma única verdade universal;
 Os conceitos (corpo, doença, tratamento) têm apenas um significado. Todas as
definições que contrariem estas, são consideradas falsas ou heresias;
 Os pontos de vista/teorias nunca são esquecidos completamente, alternativas são
encontradas para melhorar o anterior. Gregos desenvolveram uma teoria que
diferenciava realidade de aparência: por detrás de uma superfície em mudança,
encontra-se uma estrutura imutável;
 A pressão das medicinas alternativas é um dos aspectos do pluralismo do nosso
dia-a-dias, que é entendida como uma ameaça por aqueles que não estão dispostos
170

a analisar a saúde, doença e cuidados, como algo que tenha várias origens, formas
e resultados;
 O monoteísmo e a ordem monotípica, adotam uma abordagem direta à doença e
ao cuidado. A biomedicina decidiu que as vantagens de incitar ideias médicas,
para uma conclusão lógica e para estabelecer com precisão o que é certo e
fundamental, podem ser certificadas;
 A principal diferença entre e a biomedicina e medicinas orientais, é que a
biomedicina insiste no materialismo como, base do conhecimento. A biomedicina,
também é caracterizada pelo seu requerimento de que uma doença específica, só
pode ter na sua origem, uma determinada corrente causal. Por último, a sua
centralidade na ideia de Natureza;
 Alguns aspectos importantes da biomedicina norte-americana são os fatores ‘soft’
e os ‘hard’. Por ‘soft’ entendem-se as conversas e as actividades cognitivas,
enquanto que por ‘hard’ deduz-se procedimentos que ‘entram’ no corpo, como as
cirurgias;
 ‘Soft’ ► áreas da psicologia e de cuidados primários (pediatria e medicina
familiar) ►são as que obtêm salários mais baixos, e as que atraem mais o sexo
feminino;
 ‘Hard’ ► especialidades relacionadas com cirurgia, e a patologia responsável, por
exemplo, por autópsias ► salários mais altos, onde é mais comum encontrar-se
homens;
 Dualismos presentes nesta lógica: homem e mulher, mente e corpo, força e
fraqueza;
 Natureza, segundo a biomedicina, é física. A biologia é visível, mesmo que seja
com a ajuda do microscópio, e é nesta que encontramos as respostas mais viáveis.
As outras realidades (psicológica, social e moral) são questionáveis;
 O autor considera este ponto de vista, reducionista e desumano, já que não se
pode aplicar a, por exemplo, doentes crónicos;
 Em muitas sociedades, estas doenças são desvalorizadas, e os doentes não
recebem o tratamento adequado;
 Nos ‘curandeiros’, nos mais recentes trabalhos etnográficos, verifica-se este
problema numa menor dimensão. Nestes métodos mais tradicionais, nota-se uma
maior focalização na experiência humana e nas suas interacções. O autor conclui
171

que, as sociedades menos avançadas a nível tecnológico, são as que têm mais
humanidade.

Doença vs. Sofrimento/Tratamento vs. Cura


 Segundo a biomedicina, o praticante deve ter como objecto de estudo e
tratamento, a doença, sendo esta definida como um processo biológico de
desordem. Não têm em conta a visão do doente sobre a experiência do sofrimento;
 O paciente e o seu ambiente familiar são considerados demasiado pessoais;
 O papel do médico é fazer uma análise objectiva, para ele a doença é apenas
física;
 O resultado vai ser uma grande divisão entre o objecto da cura biomédica e o
objecto da maioria dos outros sistemas de cura (mais direccionados à experiência
do sofrimento);
 Os biomédicos até podem ter sucesso em ter uma boa relação com o doente, mas
esta vai ser contra os ensinamentos que receberam, pois o significado da doença
para o paciente não é uma tarefa central do biomédico;
 Um bom biomédico, para além de ter que se esforçar para ser competente, deve
também tirar algum do seu tempo para investigar meios de ter uma relação
saudável com o seu paciente e a família do mesmo;
 A biomedicina tenta diminuir um dos únicos métodos de cura que não envolve
terapêuticas específicas, focando-se antes da relação carismática entre o médico
e o paciente, em que o médico convence o doente que o tratamento se vai
concretizar, até que o paciente fica ele próprio convencido deste resultado.
Deparamo-nos então com a reposta placebo, ou seja, apesar de o paciente não
estar realmente a receber tratamento, acredita que sim, e começa a manifestar
respostas positivas e a melhorar;
 Apesar de serem contra esta forma de tratamento, não podem acusar estes
métodos de serem falsos, pois para além de não o conseguirem provar, o paciente
tem direito em escolher o método de tratamento que quer;

A pesquisa progressiva para operações mais eficientes


172

 A profissão classifica-se a ela própria como, um programa científico e tecnológico


que está continuamente a avançar na aquisição de conhecimentos e especialmente
no desenvolvimento de terapêuticas mas eficientes;
 Apesar de o conhecimento na área das doenças crónicas ter pouco progresso, a
biomedicina elogia a sua capacidade de trabalhar com os sistemas de órgãos dos
pacientes;
 Os médicos não foram educados a mostrar-se humildes, em relação a doentes que
sofrem de doenças onde não se conhece a cura;
 O sofrimento é convertido num problema técnico;
 Existe uma preocupação com as questões éticas quando o doente chega aos seus
últimos momentos de vida. Apesar disso, o período que começa quando o doente
precisa de máquinas para a sua sobrevivência e acaba com o momento da sua
morte, torna-se uma questão, não de proporcionar uma ‘boa morte’ mas sim de
problemas técnicos;
 A imagem de eficiência da biomedicina é a mesma que a antiga ‘medicina
heróica’. Como por exemplo, terapia de choques para mudança de genes para criar
células anti cancro ou clonar embriões humanos;
 Um dos objectivos da procura de métodos mais eficientes na biomedicina é
‘curar’ a morte ou pelo menos ‘geri-la medicamente’;
 O eufemismo do sofrimento é considerado uma questão psiquiátrica,
transformando uma condição moral intrínseca numa categoria técnica;
 As experiências de morte e perda são consideradas, profissionalmente, como um
problema depressivo;
 Os praticantes de biomedicina encontram-se numa situação muito diferente de
muitos outros médicos: eles experienciam um ambiente terapêutico onde as metas
morais da cura foram substituídas por objectivo técnicos e burocráticos;
 O autor chama a atenção para a questão do sofrimento como um problema da
Psiquiatria. O sofrimento é algo com que médicos e pacientes têm que lidar
igualmente, o médico não deve simplesmente recorrer a um medicamento
antidepressivo para acabar com o sofrimento do seu paciente, deve antes substituir
estes químicos por uma relação saudável e ajuda à pessoa em questão;
 A biomedicina é contra a existência de algo que dá vida aos corpos (alma/força
vital). As coisas são simplesmente coisas: mecanismos que se pode desmontar e
173

voltar a construir em qualquer ocasião. A depressão, considerada por a maioria


das pessoas, como a perda da alma, é algo incompreensível para a Psiquiatria;
 A atenção da biomedicina, também se centra no corpo sozinho do indivíduo
doente. A ideia que a doença pode ter consequências a nível social é uma realidade
incompreensível.

Burocratização, Profissionalismo e Medicalização


 A biomedicina é a forma de medicina mais institucionalizada;
 Antes a medicina era praticada na casa do doente, ou até mesmo do médico, hoje
é praticada em burocracias, que tem um efeito profundo na medicina;
 A regra da eficiência controla o encontro entre o médico e paciente. As regulações
do controlo da prática transformaram o médico na pessoa que dá ao seu cliente,
um produto que já foi publicitado nos meios sociais. O cuidado está a deixar de
ser algo especial para ser algo comum;
 O médico é um burocrata, e o paciente é um consumidor dos serviços da
instituição;
 O conceito imaginário de cuidado constrói uma lógica industrial para a sua
aplicação e avaliação, reduzindo a parte moral da carreira dirigida à doença e
também reduzindo o trabalho do médico ao mínimo;
 Após a burocratização (deu à medicina eficiência), deu-se a profissionalização da
carreira, dando-lhe autonomia, e garantindo a qualidade do cuidado;
 O objecto de diagnóstico, tratamento e prognóstico vai ser reduzido a um único
sistema;
 Biomedicina é também a instituição liderante da sociedade industrializada no
controlo da realidade social;
 O processo de medicalização é responsável por alguns dos aspectos mais
controversos da biomedicina;
 O sector de actuação da biomedicina continua a crescer pois, existem cada vez
mais problemas na vida das pessoas que são da responsabilidade desta área da
saúda, tais como, uso de drogas e álcool, obesidade, envelhecimento, abuso de
crianças.
 A medicalização leva à investigação das causas genéticas destes problemas, para
ter acesso as outros factores de risco e para a procura de tratamentos;
174

 No entanto, este modo de pensar, não têm em conta problemas socias e político-
económicos. Vai tentar encontrar causas intrínsecas ao doente, onde estas não
existem;
 Os biomédicos aceitam, passivamente, o tipo de relações que desenvolvem com
os seus clientes, consentem que esta relação seja apenas uma relação de
consumismo, característica da economia.
 Como resultado, a medicina foi alterada, deixo de dar ênfase ao ser humano em
si, à doença e ao cuidado para passar a centrar-se em prioridades políticas e
económicas.

Síntese

De uma forma geral a medicina pode ser definida como a organização de práticas e
decisões terapêuticas universais na humanidade. Foram identificadas uma serie de
características gerais que aparenta ser partilhadas pelas diferentes sistemas sociais de
cura:
 Características através das quais a saúde é normalizada e a doença diagnosticada;
 Uma narrativa que sintetiza as queixas, atribuindo-lhes significado cultural –
síndromes;
 Teorias, idiomas e metáforas que validam as ações da prática terapêutica e através
das quais a sua eficácia é avaliada;
 Regras do cuidar e cuidadores;
 Compromissos interpessoais que constituem uma vasta variedade de relações
terapêuticas e formas de interação clinica;
 Uma enorme panóplia de terapias que combinam perfeitamente os aspetos
simbólicos e práticos da ação, cuja intenção é controlar os sintomas ou a sua
origem.
175

São impressionantes as diferenças que existem entre as várias tradições de cura entre as
diferentes sociedades. Diferentes contextos sociopolíticos, culturais e morais contem
diferentes formas de medicina.

Nenhum tipo de medicina é independente do contexto histórico. A medicina, assim como


a religião, a etnia e outras instituições sociais chave são o meio através do qual o
pluralismo da vida social é expresso e recriado.

Numa perspetiva de multicultural é válido falar sobre um processo de “indigenização”


da biomedicina, assim como de uma globalização das tradições locais de cura. A
biomedicina difere das outras formas de medicina pela sua insistência no materialismo
como fundamento do conhecimento e pelo seu desconforto com modos dialéticos de
pensamento.

 Jean Langdon e Flavio Wilk – Antropologia, saúde e doença: uma introdução


ao conceito de cultura aplicado às ciências socias

As noções e os comportamentos ligados aos processos de saúde doença integram a cultura


de grupos sociais onde os mesmos ocorrem. Os sistemas médicos de atenção à saúde,
assim como as respostas dadas às doenças, são sistemas culturais, consonantes com os
grupos e realidades sociais que os produzem. Cultura surge como conceito basilar da
antropologia e como conceito instrumental para qualquer profissional de saúde que atue
ou faça pesquisas, não somente em áreas rurais ou entre populações indígenas, mas
também no contexto urbano, caracterizado pela presença de pacientes pertencentes a
diferentes classes sociais, religiões, regiões ou até mesmo a grupos étnicos. Esses
pacientes apresentam comportamentos e pensamentos singulares quanto à experiência da
doença, assim como noções particulares sobre a saúde e a terapêutica. Tais
particularidades não advêm das diferenças biológicas, mas sim das diferenças
socioculturais. Parte-se do princípio que todos têm cultura e que é a cultura que determina
essas particularidades. As questões inerentes à saúde e à doença devem ser pensadas a
partir dos contextos socioculturais específicos nos quais os mesmos ocorrem.

Um conceito instrumental de cultura


176

Cultura pode ser definida como um conjunto de elementos que mediam e qualificam
qualquer atividade, física ou mental, que não seja determinada pela biologia, e que seja
compartilhada por diferentes membros de um grupo social. Trata-se de elementos sobre
os quais os atores sociais constroem significados para as ações e interações sociais
concretas e temporais, assim como 7 sustentam as formas sociais vigentes, as instituições,
e seus modelos operativos. A cultura inclui valores, símbolos, normas e práticas.
É importante ter em consideração que:
 A cultura é aprendida – não se pode explicar as diferenças do comportamento humano
através da biologia de forma isolada.
 A cultura é compartilhada – pelos indivíduos formadores de uma sociedade que as
potencialidades em atividades específicas, diferenciadas e simbolicamente inteligíveis e
comunicáveis.
 A cultura é padronizada – pois consiste numa criação humana, partilhada por grupos
sociais específicos. As formas materiais, os conteúdos e atribuições simbólicas a ela
atrelados são padronizados a partir de interações sociais concretas dos indivíduos, assim
como resultante da sua experiência em determinados contextos e espaços específicos.

A cultura organiza o mundo de cada grupo social, segundo a sua lógica própria. Trata-se
de uma experiência integradora, total e totalizante, formadora e mantedora de grupos
sociais que compartilham, comunicam e replicam suas formas, instituições e os seus
princípios e valores culturais. Dado o seu caracter dinâmico e as suas características
político-ideológicas intrínsecas, a cultura e os elementos que a caracterizam são fontes
mediadoras de transformações socias, altamente politizados, apropriados, alterados e
manipulados por grupos sociais ao longo da história da sociedade, segundo diretrizes
traçadas pelos atores sociais que fazem seu uso para estabelecer novos padrões
socioculturais e modelos societários.

Ao longo da vida os indivíduos são gradativamente socializados pelos/nos padrões


culturais vigentes na sua sociedade, construídos através da interação social quotidiana,
assim como através de processo rituais e filiações institucionais. A socialização dos
indivíduos é responsável pela transmissão dos sentidos do porquê fazer. A cultura, antes
de tudo, oferece uma visão do mundo, isto é, uma explicação sobre como o mundo é
organizado, de como atuar num mundo que ganha sentido e é valorizado através da
177

cultura. É a cultura de um grupo que provê aos atores sociais estabelecer um sistema
classificatório e valorativo. A perspetiva antropológica requer que, quando se deparar
com culturas diferentes, não se faça julgamentos de valor tomados com base no próprio
sistema cultural, passando a olhar as outras culturas segundo os seus próprios valores e
conhecimentos – através dos quais expressam uma visão do mundo própria que orienta
as suas práticas, conhecimentos e atitudes. Este procedimento denomina-se relativismo
cultural.

Cultura, sociedade e saúde


A doença e as preocupações para com a saúde são universais na vida humana, presentes
em todas as sociedades. Cada grupo organiza-se coletivamente – através de meios
materiais, pensamentos e elementos culturais – para compreender e desenvolver técnicas
em resposta às experiências, ou a episódios de doença e infortúnios, sejam eles individuais
ou coletivos. Assim, cada e todas as sociedades desenvolvem conhecimentos, práticas e
instituições particulares, que se podem denominar sistema de atenção à saúde. Este
sistema de atenção à saúde engloba todos os componentes presentes numa sociedade
relacionados à saúde. Este sistema é amparado por esquemas de símbolos que se
expressam através das práticas, interações e instituições, todos condizentes com a cultura
geral do grupo, que, por sua vez, servem para definir, classificar e explicar os fenómenos
percebidos e classificados como doença. O sistema de atenção à saúde é um modelo
conceitual e analítico que auxilia na sistematização e compreensão de um complexo
conjunto de elementos e fatores experimentados no quotidiano, de maneira fragmentada
e subjetiva, seja em nossa própria sociedade e cultura ou diante de outras não familiares.

O sistema cultural de saúde


O sistema cultural de saúde ressalta a dimensão simbólica do entendimento que se tem
sobre saúde e inclui os conhecimentos perceções e cognições utilizadas para definir,
classificar, perceber e explicar a doença. A cultura oferece teorias etiológicas baseadas
na visão do mundo de determinado grupo, as quais, frequentemente, apontam causas
múltiplas para as efemeridades, místicas e/ou não místicas e causas naturais.

O sistema social de saúde


O sistema de atenção á saúde é tanto um sistema cultural como um sistema social de
saúde. O sistema social de saúde é aquele que é composto pelas instituições relacionadas
178

com a saúde, a organização de papéis dos profissionais de saúde nele envolvidos, suas
regras de interação, assim como as relações de poder inerentes. Esta dimensão do sistema
de saúde pode também incluir especialistas não reconhecidos pela biomedicina
(curandeiros, benzedeiras, pais de santo, padres). No universo de cada grupo social os
especialistas têm determinados papéis e os pacientes tem determinadas expectativas
quanto ao especialista, e quanto aos métodos terapêuticos.

Conclusões:
Os valores, conhecimentos e comportamentos culturais atrelados à saúde formam um
sistema sociocultural integrado, total e lógico. Portanto, as questões relativas à saúde à
doença não podem ser analisadas de forma isolada das demais dimensões da vida social,
mediadas e permeadas pela cultura

 Relatório da Comissão Gulbenkian sobre Reestruturas das Ciências Sociais


– Para Abrir as Ciências Sociais

Alterações
demográficas

Revolução Alterações
industrial familiares

Alterações de
1850-1914 saúde pública
(séc. XIX)
Ciências sociais
reconhecidas nas
Revolução universidades
conhecimento Formação da
antropologia e
sociologia

 As ciências sociais auto-definem-se como sendo a busca da verdade para lá da


sabedoria obtida por legado ou dedução, na tentativa de desenvolver um saber
sistemático e secular acerca da realidade, que de algum modo, possa ser
empiricamente validado.
 Visão clássica da ciência foi erigida sobre 2 premissas: modelo newtoniano e
dualismo cartesiano (diferenças natureza/ser humano)
 Koyré fala mundo como “cosmo”, no qual Deus deixou os seus atributos
ontológicos, é neste “cosmo” que se desenvolve tudo.
179

 Revolução Francesa: “surto” cultural desencadeou pressões que não podiam


continuar a ser contidas no sentido de transformações político-sociais era
preciso organizar e racionalizar a mudança social, impondo-se primeiramente
estudá-la

Necessidade social das ciências sociais


 História -> passa a a ser capaz de explicar o presente e dar as bases para um
escolha avisada no futuro
 A luta dava-se pelo controlo relativo ao mundo humano: ciências naturais vs
ciências sociais
 Filósofos sociais reconheceram uma “física social” e a exsitência de vários
sistemas sociais
Revitalização das universidades (séc. XVIII / XIX): separação cada vez mais
rigida dos saberes em 2 esferas opostas: naturais e humanos

institucionalização (séc.
XIX): França, Grã-Bretanha,
Alemanha, Itália e EUA

Ciências sociais
Diversidade de disciplinas:
história, economia,
sociologia, ciência política
e antropologia

 Sociologia primava pelo positivismo de Comte e tinha preocupações com as


consequências sociais da modernidade.
 A conquista por parte dos europeus de outros povos levou ao desenvolvimento da
antropologia, começando fora das universidades, como a sociologia, praticada por
exploradores e viajantes. Foi integrada nas ciências sociais mas inicialmente
segregada das mesmas.
 Pressões sociais levavam os antropólogos a tornar-se etnógrafos de determinado
povo.
Levou a metodologias especificas de cada um, que violava o ideal da
neutralidade cientifica (por causa da observação participante) e a tornar os antropológos
uma espécie de “missionários” ao tentaram estabelecer o contacto entre civilazados e
primitivos. Incorporação nas univesidades veio corrigir estes erros.
180

 Culturas avanças orientais não se interessaram pelas ciências sociais.


 Geografia, psicologia e direito nunca chegaram a ciências sociais (geografia e
direito ficaram no campo das humanidades e psicologia no campo médico.
 Diferenciam-se da história ideográfica (construção da história dos povos e
sociedades) ► processo importante de afirmação pois não podem ser confundidas
História: o que é/foi/será esse povo Antropologia/Sociologia: explicam

Síntese:
Século XVII e XVIII:- As ciências naturais e a filosofia encontravam-se unidade
para tentar encontrar as leis da natureza.
- A Revolução francesa levou à necessidade de uma
reorganização social, o que levou ao desenvolvimento das
ciências sociais.

Século XIX: Vou uma hierarquização entre as ciências (sendo que as ciências
naturis eram vistas como tendo o “conhecimento legitimo”).

1850: As Ciências Sociais são reconhecidas na Univiersidade.

I Guerra Mundial (1914): Consenço em torno das designações das disciplinas


componentes das Ciências Sociais.

Composta por: História, Economia, Iniciou-se em: França,


Ciências Politicas, Sociologia e Alemanha, Grã-Bretenha, Italia e
Antropologia Estados Unidos

A sociologia primitiva nasceu com Comte. Era positiva e preocupava-se com as


consequências da sociedade moderna.
181

A antropologia nasceu fora das universidades, com os viajantes. Mostrou ser uma
necessidade devido às conquistas europeias.

 Sedas Nunes – Sobre o Problema do conhecimento nas Ciências Sociais

Cap. 1
1. Todas as ciências (sociais) têm como objetivo comum o conhecimento da realidade,
sendo de especial importância para as ciências sociais a irredutibilidade entre o saber
(conhecimento) e o ser (realidade).

2. O conhecimento da realidade implica uma tomada de consciência e reflexão acerca


do que é característico do trabalho científico e que precisamente se revela nas suas
próprias produções intelectuais resultantes desse trabalho.
o O trabalho científico pode ser análogo à forma geral «trabalho humano
de transformação de matérias-primas (todo o tipo de informações
disponíveis sobre o real) em produtos (conhecimentos científicos novos),
mediante recurso a determinados instrumentos (conjunto de conceitos
e de relações entre conceitos, métodos e técnicas).
(Aproximação/apropriação cognitiva)

3. A produção e a aceitação de conhecimentos científicos defrontam-se com obstáculos


e resistências específicas, decorrentes da especificidade da realidade social.
o Familiaridade social
 Dificuldade no distanciamento do observador
182

 Realidade social suscetível de ser imediatamente “apreendida e


compreendida”, fazendo com que sentimos “familiaridade”, que a
“conhecemos”.
o Formulações imediatistas, espontâneas
 O que ressalta logo ao olhar; decorre do senso comum.
o Fatos sociais são sempre interpretados
o Formulações ideológicas
 O que nos orienta (religião, etc…)
 Fortemente ligadas a interesses essenciais de grupos, constituindo-
se, por isso mesmo, um forte obstáculo.

4. Quer o “senso comum”, quer as “ideologias” tendem frequentemente a descrever e a


interpretar o social em termos não sociais, dificultando desse modo o acesso à “explicação
do social pelo social”, através de forma:
o Naturalista
 Descrever/interpretar o social a partir de fatores que se consideram
«inerentes à natureza humana» ou inerentes à «natureza» de um
povo, área geográfica (afirmação do caráter natural = absoluto).
o Individualista/Humanista
 Noção de que só os indivíduos são «reais», o que faz com que a
sociedade assuma o papel de ser apenas um «conjunto de pessoas»
individualizadas, que agem e interagem segundo ideias que lhes
são «imanentes», resultando as suas decisões do livre-arbítrio;
 Extrema variabilidade de comportamentos humanos impede
“regularidades sociais” suscetíveis de estudo científico.
o Idealista
 Explicação científica subordinada à explicação espontânea
 «São as ideias que comandam o comportamento dos
homens e governam as sociedades».
 Os agente sociais enunciam tanto acerca da sua mesma
ação como da sociedade onde atuam.
 Explicação idealista aparece associada ao papel de
«personalidades excecionais» da História, capazes de impor aos
seus contemporâneos as suas ideias.
183

5. Constituição de ciências socias implica partir do pressuposto de que a realidade social


tem características que a distinguem de outras formas da realidade, obtendo-se isto do
próprio trabalho de produção de conhecimentos científicos realizado no âmbito das
ciências sociais.
o É através da forma de aproximação cognitiva (2) que se define e configura
uma «representação do real cujo conhecimento tem por finalidade atingir
uma representação do que tem de específico o campo da realidade» sobre
o qual o trabalho científico se exerce.
o Assim se fundamenta o requisito metodológico basilar de qualquer ciência
social: «explicar o social pelo social», de forma a obter qualquer
«representação do social enquanto social».

6. Os fatores de ordem física, biológica, psicológica e intelectual são relevantes para a


explicação do social.
o O social não existe separado do físico, do biológico, do psicológico.
o Para as ciências sociais, o que importa é construir explicações do social,
explicações que permitam interpretar a forma como que esses mesmo
fatores adquirem e os modos como atuam quando absorvidos e
transformados pelos social.

O indivíduo e a sociedade
1. As resistências à explicação sociológica
a. Análise de comportamentos humanos em termos de pertença a grupos e de
organização de grupos é impossível porque cada indivíduo é diferente de
qualquer outro.
b. Pressões sociais, por predominância do individualismo, exercidas nos
indivíduos dificultam a aceitação de novas ideias.
c. Pensamento de que «todo o indivíduo é singular», logo, não pode ser
explicado sociologicamente.
d. Explicações sociológicas negam o livre-arbítrio.
2. A omnipresença do social
a. Reconhecer a omnipresença do social e a importância das explicações
sociológicas para a compreensão dos comportamentos humanos e dos
184

problemas sociais (suicídio, diferenças entre o comportamento do homem


e da mulher).
b. Explicação sociológica é simultaneamente indispensável e possível.

A sociologia como forma de consciência


1. O sociólogo pratica um tipo especial de abstração
a. Para o sociólogo, «sociedade» designa um grande complexo de reações
humanas, um sistema de interação.
b. O sociólogo emprega o termo para se referir à qualidade da interação,
inter-relação, reciprocidade.
c. O sociólogo encontra material de estudo em todas as atividades humanas,
mas nem todos os aspetos dessas atividades constituem material
sociológico.

2. As interrogações sociológicas envolvem um processo de «ver para além das


fachadas» das estruturas sociais

3. As interrogações de que decorre a definição dos «problemas sociológicos» não


são as mesmas de que resulta a definição dos «problemas sociais»
a. O problema sociológico é sempre definido em função de interrogações
dirigidas à compreensão do que acontece em termos de interação social.

4. A tendência desmistificadora da investigação sociológica


a. Procurar outros níveis de realidade para além dos definidos pelas
interpretações oficiais da sociedade.

5. As afinidades da «consciência sociológica» com a conceção «não respeitável» da


sociedade
a. A ocasião mais propícia para o surgimento da consciência sociológica é
aquela em que as interpretações comummente aceites pela sociedade
sofrem um abalo.

Cap. 3
185

“O conhecimento científico do social como produto de um trabalho de abstração e


construção”

1. Através de cada ciência social, a realidade social é conhecida de uma forma diferente.

2. «Todo o conhecimento, por mais empírico que se afigure, é de facto abstração e


construção».

3. Todo o conhecimento é, em primeiro lugar, abstração.


i. Distinção entre «conhecer» e «reconhecer». Para o senso comum,
«conhecer» é essencialmente, se bem que não exclusivamente, «saber
reconhecer».
ii. O «saber reconhecer» concretamente algo ou alguém pressupõe duas
condições: dispor de uma informação que diga diretamente respeita a esse
algo ou alguém e haver alguma forma de relação entre aquilo ou aqueles
que «reconhecemos» e nós próprios.
iii. O conteúdo das informações de que dispomos acerca dos objetos que
«reconhecemos» é formado por características e significados que a
esses objetos atribuímos, através dos nossos mecanismos de perceção.
As características concretas atribuídas são situadas em categorias abstratas
de classificação.
iv. Não pode haver relações sociais entre os agentes sociais sem que os
agentes sociais saibam de algum modo «reconhecer-se» uns aos outros
e «reconhecer» esses objetos, situações e ações. A «familiaridade» do
social é o efeito, ao nível da consciência dos agentes sociais, do elemento
de «reconhecimento».
v. O social, ao oferecer-se como «familiar», faz com que o senso comum
e as ideologias produzam, acerca dele, «explicações» simples, de um
extremo esquematismo inconsciente, isto é, expressão de um
conhecimento imediato do real. O que acontece é que confunde-se o real
com o apercebido, com o «aparente».
vi. Ao conhecimento vulgar do «aparente» opõe-se o esforço científico de
procurar atingir o conhecimento do «real» que as aparências ocultam:
186

a ciência é sempre ciência do que não se deixa ver e explicar


imediatamente.

4. Todo o conhecimento é construído, mas a construção implica rutura do senso comum.


i. A dificuldade da construção do conhecimento científica reside na
existência do senso comum e no embate de ideias com esta.
ii. O conhecimento vulgar é ele mesmo uma construção, mas uma construção
que se desconhece como tal.
iii. Conceção empirista da ciência afirma que todo o conhecimento científico
nos é dado pela observação, constatação de factos objetivos e registo.
iv. A prática científica consiste num trabalho de transformação de matérias-
primas em novos produtos, através da utilização de certos instrumentos.
v. Elaboração de construções científicas implica rutura com as construções
do conhecimento vulgar.
vi. A rutura opera-se enunciando novas interrogações, através das quais o que
precisamente fica posto em causa é a forma como, nas operações
produtoras do conhecimento vulgar, o real é interrogado.
´
 No plano do conhecimento não há «factos puros»
o O facto científico é sempre função de um certo dado, onde há sempre uma
interpretação teórica que nele está contida.
 A escala de observação cria o fenómeno: uma mesma realidade pode pois ser
representada, ao nível do conhecimento, por fenómenos muito diferentes
o A escala de observação cria o fenómeno.
o O fenómeno varia com a escala da observação.
o Por detrás das aparências e representações diversas dos fenómenos,
esconde-se sempre uma mesma realidade.
 Os «dados» da investigação são «captados»: não exprimem a própria
realidade
o A linguagem teórica e descritiva de grande parte das investigações nas
ciências sociais adota uma posição de aparente neutralidade «objetiva»,
exprimindo-se os resultados do modo como procedemos sobre a realidade,
o que não é a expressão dos processos da própria realidade.
 O conhecimento, construção indefinidamente fecunda
187

o O progresso dos conhecimentos é a obra de uma união indissociável entre


a experiência e a dedução: uma colaboração necessária entre os dados
oferecidos pelo objeto e as ações sou operações do sujeito.
 A «verdade científica» inventa-se
 A invenção da «verdade científica» é produto de um trabalho teórico rico que
pressupões rutura com as interpretações vulgares (espontâneas)
 O problema da rutura com os quadros do pensamento vulgar não deixa de se
pôr, mesmo nos estádios mais avançados de uma ciência.
 Cada ciência efetua a construção do seu próprio objeto, a qual implica um
trabalho de abstração em diversos níveis
 Cada ciência reconstrói sucessivamente o seu objeto, retificando-se a si
mesma e rompendo com as noções vulgares
 A verdade, em ciência, como retificação do saber
 Todo o conhecimento é resposta a uma interrogação
 O trabalho científico baseia-se em ideias preconcebidas e observações
premeditadas.
o Ideia preconcebida é o primeiro movimento de um espírito investigador.
 É a teoria que, pelas suas interrogações, torna acessíveis à análise científica
os objetos.

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