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Barroso
Sociologia da Comunicação
Temas e problemas fundamentais para compreender os
media nas sociedades actuais
Maio de 2021
Ficha Técnica
Editor: PV Editora
ISBN: 978-972-8765-22-4
Nº de exemplares: 500
Nota Prévia
Sem pretender esgotar os ‘temas e problemas que os media suscitam nas socieda-
des actuais’, o autor percorre a história do pensamento com espírito analítico, me-
tódico, a que não falta certa inquietude intrínseca ao afã de pensar. Propõe-se
contagiar os seus leitores - os jovens estudantes de ensino superior, por afeição -
, convidando-os a participar no esforço e na aventura que é pensar sobre o pensar,
pensar criticamente a sociedade, a cultura, as relações sociais. Neste esforço vital
realiza-se a abertura ao conhecimento, nele reconhece a PV Editora a sua missão.
Destina-se este livro, também, a todos os que se interessam pelas Ciências Hu-
manas, pela Sociologia da Comunicação em particular, e pretendem alcançar uma
visão compreensiva sobre o impacto dos media nas sociedades e nos processos
humanos e sociais. Seja este um ponto de partida para outras leituras fecundas.
Introdução
“O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma
relação social entre pessoas, mediada por imagens.”
(Debord, 2006, p. 14).
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Apesar de Luhmann se referir à tese da improbabilidade da comunicação, esta tese não advoga
que a comunicação seja impossível. A improbabilidade da comunicação é referida como um
problema, porque a improbabilidade da comunicação se tornou imperceptível; tem a ver com os
obstáculos inerentes à comunicação, que é entendida sob a perspectiva da selecção, e às condições
práticas para que a comunicação aconteça. Efectivamente, a comunicação acontece e não podemos
viver sem ela, porque a comunicação é um processo social e imprescindivelmente humano, que
se insere num sistema social.
Paulo M. Barroso
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Todas as traduções de excertos apresentadas, além da própria redacção deste livro, foram
adaptadas para a grafia antes do Acordo Ortográfico de 1990. Mantém-se a grafia de português
do Brasil nos excertos apresentados a partir de edições brasileiras.
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Precisamente escrito assim, em latim: compendium, poupança, lucro, abreviação, resumo.
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Leia-se do parágrafo 1177a ao 1178b, do livro dez de Ética a Nicómaco, onde Aristóteles refere que
a “felicidade completa” consiste em algumas actividades contemplativas e é a actualização da
virtude suprema, que é, por seu turno, obra do que há de melhor em nós, ou seja, a “mente” (νοῦς,
“intelecto”, “mente”, “razão”). Este é, para Aristóteles, um trabalho teórico, a actividade mais
contínua, agradável, auto-suficiente e tranquila disponível ao ser humano (cf. Aristóteles, 2009a).
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Do grego theoría, “acção de contemplar atentamente”, “admiração pelo pensamento”, “reflexão”
que permite encontrar e conferir sentidos para aquilo que se pretende compreender, aproximando
o ser humano de Theos, Deus. A palavra grega theoría (théa, “através” + horós, “ver”) significa
olhar através de, pois quem olha é chamado de theorós (espectador). No livro Termos filosóficos
gregos: Um léxico histórico, F. E. Peters (1983, p. 228) confirma este sentido etimológico, referindo
que theoría significa “teorização, especulação, contemplação, a vida contemplativa”.
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Transmissão de mensagem que se insere no processo de produção e de recepção da mensagem
que se transmite e que, ainda por cima, produz efeitos nos destinatários. Por conseguinte, a
comunicação como simples transmissão de mensagem já é um processo complexo para ser
estudado e compreendido, dificultando a definição de “comunicação”, quanto mais a comunicação
enquanto fenómeno multifacetado de interacção. Sobre a importância da transmissão na
comunicação, veja-se a Introdução à mediologia, onde Régis Debray chega a designar o actual
período em que vivemos como “o tempo da transmissão”, sendo o assunto da mediologia o
“homem que transmite”, além da própria comunicação que, enquanto processo, já está implicada
no acto e no momento de transmissão (cf. Debray, 2004, pp. 11-16).
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O século XX é justamente considerado, nomeadamente por Adriano Duarte Rodrigues (s.d., p. 17),
como o século da comunicação social.
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ção são contributos sine qua non para se compreender a complexidade e envol-
vência do fenómeno social, cultural e total da comunicação:
– Marshall McLuhan e os efeitos tecnológicos dos media (capítulo 4).
– Denis McQuail e o papel dos media, enquanto instituição social, nas
sociedades modernas (capítulo 5).
– Niklas Luhmann e a sistémica da comunicação ou a sociedade como
um macrossistema de inter-relações comunicacionais (capítulo 6).
– Jürgen Habermas e a acção social como acção racional e comunica-
cional (capítulo 7).
– Anthony Giddens e a relação inevitável entre os fenómenos sociais
da comunicação e da globalização, ambos implicados no desenvol-
vimento da tecnologia e nas transformações profundas das socieda-
des e culturas à escala mundial (capítulo 8).
– A involução do homo sapiens para homo videns, devido à preponde-
rância da imagem e do ver (o sensível) em detrimento da palavra e
do compreender (o inteligível), segundo Giovanni Sartori (capítulo 9).
– A caracterização de Victoria Camps das sociedades actuais e as suas
relações com os fluxos e meios de informação e com a cidadania no
espaço público (capítulo 10).
– As formas e manifestações de determinadas tiranias exercidas pelos
media, segundo Ignacio Ramonet (capítulo 11).
– A problematização sobre uma época de transição da modernidade
para a pós-modernidade, segundo Friedrich Nietzsche, Martin Hei-
degger, Jean Baudrillard, Guy Debord, Michel Foucault, Charles Tay-
lor, Jean-François Lyotard, Gilles Lipovetsky, Gianni Vattimo, Zygmunt
Bauman e Byung-Chul Han (capítulo 12).
– A conceptualização e problematização das actuais dimensões digitais
e virtuais da comunicação, através da produção específica de ima-
gens geradoras de hiper-realidade, com efeitos nas percepções e sen-
sações e na própria cultura convertida em cibercultura (capítulo 13).
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Tradução do autor a partir do texto em inglês de Bauman & Lyon: “Sociology is now obliged to
come to terms with the digital, or miss investigating and theorizing whole swathes of significant
cultural activity.”
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Cf. Crátilo; Górgias; Fedro; O sofista.
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Cf. Periérmeneias; Retórica; Poética; Política.
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A comunicação é um processo de influência, pois uma simples troca comunicativa provoca
mudanças. Em A comunicação como processo social, Pio Ricci Bitti e Bruna Zani (1997, pp. 237-239),
por exemplo, salientam esta característica da comunicação, desde a abordagem clássica de
Paulo M. Barroso
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Aristóteles sobre o uso retórico da comunicação persuasiva até aos estudos contemporâneos de
Harold Lasswell e Paul Lazarsfeld (ambos de 1948) sobre os efeitos e influências da comunicação
de massas.
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Shannon e Weaver conceberam um modelo de comunicação, o chamado Modelo da Teoria da
Informação, que se tornou numa das principais fontes dos estudos da comunicação. Segundo este
modelo, a comunicação é entendida como transmissão de mensagens. Trata-se de um modelo
processual e básico que concebe a comunicação como simples processo linear universalmente
aplicável. Um contributo útil deste modelo é a identificação de três níveis de problemas no estudo
da comunicação: 1) nível A – problemas técnicos (com que precisão se pode transmitir a
informação?); 2) nível B – problemas semânticos (com que precisão os símbolos transmitidos
transportam o significado pretendido?); 3) nível C – problemas de eficácia (com que eficácia o
significado recebido afecta a conduta da maneira desejada?).
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Na condição de ciência recente, as Ciências da Comunicação têm acompanhado e estão
“obrigadas” a seguir os recentes desenvolvimentos das tecnologias da informação e da
comunicação, “mais especialmente das tecnologias da Internet e do multimédia, muitas vezes
designadas como os ‘novos media’”, porque, conforme defendem Jean-Pierre Meunier e Daniel
Peraya (cf. 2009, p. 383), “se estas tecnologias suscitaram novos usos e novas práticas,
nomeadamente pedagógicas, sócio e ou ludo-educativas, também suscitaram o desenvolvimento
de novas abordagens teóricas e metodológicas”.
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Num curso sobre o socialismo,16 Durkheim (cf. 2011, p. 62) sublinha o con-
tributo de Saint-Simon na fundação de uma “nova ciência”, a “ciência do homem
e das sociedades”, que mais tarde, em 1839, Comte cunha com a palavra equiva-
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Do latim socius, socii, “o outro” e “os outros”, e do grego logos, “estudo”.
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Tradução do autor a partir do texto em francês de Saint-Simon: “Une physiologie sociale,
constituée par les faits matériels qui dérivent de l’observation directe de la société, et une hygiène
renfermant les préceptes applicables à ces faits, sont donc les seules bases positives sur lesquelles
on puisse établir le système d’organisation réclamé par l’état actuel de la civilisation.”
16
Referência a um curso ministrado por Durkheim em Bordéus, entre 1895 e 1896, do qual resultou
a obra Le socialisme: Sa définition – ses débuts – la doctrine saint-simonienne, publicada em 1928
por Marcel Mauss. Este livro, que conta com uma introdução de Mauss, parte da herança de Saint-
Simon e leva Durkheim a definir as condições para o bom funcionamento do corpo social e a
identificar, conceptualizar e perspectivar o desenvolvimento e a afirmação da Sociologia.
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lente de “Sociologia”. Qualquer que seja a designação desta nova ciência, reve-
lam-se progressos científicos no conhecimento de assuntos neste campo do so-
cial.17 Os fenómenos, as práticas, os comportamentos e as relações sociais não
se encontram isolados; existem num dado lugar e acontecem num certo mo-
mento. Portanto, cada sociedade tem os seus fenómenos, práticas, comportamen-
tos e relações sociais e todas as sociedades são dinâmicas, evoluem e
modificam-se, incluindo o que as constitui (fenómenos, práticas, comportamen-
tos e relações).
A Sociologia procura compreender as diversas formas de associação das
pessoas em comunidade e as suas relações sociais em dois níveis principais:
– Relações interpessoais.
– Relações entre as pessoas e o meio social (as instituições sociais).
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A propósito, é neste período que surge a preocupação com a sistematização e compilação do
conhecimento iluminista, resultando a publicação, em 1751, do primeiro de 28 volumes (o último
foi publicado em 1772) da emblemática obra Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des
arts et des métiers, dirigida por Denis Diderot e Jean d’Alembert.
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73), defendendo a natureza própria dessa ciência social.18 Note-se que o termo
“sociologia” é híbrido, conforme salientam Theodor Adorno e Max Horkheimer:
“A palavra ‘sociologia’ – ciência da sociedade – é uma malformação, metade latina
e metade grega. A arbitrariedade e artificialidade do termo remete ao recente ca-
rácter da disciplina. Esta não se encontra como uma disciplina isolada no tradicio-
nal contexto da ciência. O termo foi criado por Auguste Comte, que é geralmente
considerado o fundador da sociologia. A sua principal obra sociológica, o Curso de
filosofia positiva, apareceu entre 1830 e 1842. A palavra ‘positiva’ fixava assim, com
exactidão, a ênfase que a sociologia tem mantido, desde o início, como ciência em
sentido estrito. É uma filha do positivismo, nasceu da vontade de libertar o conhe-
cimento da fé religiosa e da especulação metafísica.” (Adorno & Horkheimer, 1973,
p. 1).19
18
O interesse de Spencer é o de conceber um conhecimento verdadeiro e rigoroso sobre o social,
centrando-se nas mudanças e transformações sociais que, para este autor, seguem uma linha
determinista de progresso das sociedades.
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Tradução do autor a partir do texto da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer:
“The word ‘sociology’ – science of society – is a malformation, half Latin, half Greek. The
arbitrariness and artificiality of the term point to the recent character of the discipline. It cannot
be found as a separate discipline within the traditional edifice of science. The term itself was
originated by Auguste Comte, who is generally regarded as the founder of sociology. His main
sociological work, Cours de philosophie positive, appeared in 1830-1842. The word ‘positive’ puts
precisely that stress which sociology, as a science in the specific sense, has borne ever since. It is
a child of positivism, which has made it its aim to free knowledge from religious belief and
metaphysical speculation.”
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Tradução do autor a partir do texto da edição original em inglês da International encyclopedia of
the social sciences: “Commonly accepted definitions of sociology agree that it is the scientific or
systematic study of human society. The focus is on understanding and explaining, and ranges
from the individual in social interaction to groups to societies and global social processes. Unique
to sociology is its emphasis upon the reciprocal relationship between individuals and societies
as they influence and shape each other.”
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Tradução do autor a partir do texto da edição original em inglês da International encyclopedia of
the social sciences: “[…] rapid industrialization resulting in a large, anonymous workforce with
workers spending most of their time away from families and traditions; large-scale urbanization
throughout Europe and the industrializing world; and a political revolution of new ideas
(individual rights and democracy), directed a spotlight on the nature of societies and social
change. The French social thinker Auguste Comte (1798-1857) first coined the term sociology to
describe a new way of thinking about societies as systems governed by principles of organization
and change. Most agree that Émile Durkheim (1858-1917), the French sociologist, made the largest
contribution to the emergence of sociology as a social scientific discipline. Both empirical
research—collecting and quantifying social data—and abstract conceptions of society were major
elements of Durkheim’s research. Durkheim’s work had a major, early impact on the discipline,
both quantitatively and qualitatively.”
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Tradução do autor a partir do texto da edição original em inglês da International encyclopedia of
the social sciences: “Marx was concerned with the oppressiveness that resulted from
industrialization and the capitalist system rather than the disorder to which other social thinkers
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were reacting. Advocating revolution as the only means to end the inequality between the
controlling bourgeoisie class and the exploited proletariat class created by the new industrialized
society, Marx produced much of his work while in exile from his native Germany […] His writing
provides a continuous strand of sociological theory, heavily influential in Europe and, at times,
in the United States. The importance of Marx’s work in shaping early sociology also lies in how
German sociology developed in opposition to Marxist theory.”
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Revolução profunda e em larga escala, baseada em mudanças técnicas, económicas e sociais que
primeiramente ocorreram no Reino Unido entre 1760 e 1850, quando a produção passou de uma
base artesanal para uma produção maquinizada e num contexto de fábrica, com divisão do
trabalho e produção em massa (cf. Bruce & Yearley, 2006, p. 150). Com a Revolução Industrial
surgiram as denominadas sociedades industriais, bem como vários problemas sociais que
motivaram o surgimento de uma nova ciência académica (a Sociologia) que os estudasse e
compreendesse.
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Por conseguinte, a Sociologia é, para Weber, uma ciência que procura com-
preender a acção social e a percepção do sentido dos comportamentos. A Socio-
logia é compreensiva, é a ciência que se ocupa com a compreensão interpretativa
da acção social, procurando fornecer uma explicação a partir das causas dessa
acção e os efeitos prováveis que ela produz. Realça-se nesta perspectiva o objec-
tivo e a preocupação de compreender o sentido que cada actor dá ao seu próprio
comportamento, bem como a apreensão da sua estrutura inteligível, que definem
o âmbito científico da Sociologia. Uma compreensão interpretativa e uma expli-
cação causal apuram a Sociologia. A primeira é própria do método interpretativo
das ciências humanas; a segunda é própria do método causal das ciências natu-
rais. Conclui-se que as ciências sociais não possuem nem um método nem um
objecto de estudo circunscrito e objectivo, pois entre a compreensão e a explica-
ção existem diferenças assinaláveis.
Para que uma área de estudo seja considerada uma ciência, tem de cumprir
determinados requisitos, nomeadamente:
– Possuir um objecto e um campo de estudos específicos, delimitados.
– Ter objectivos epistemológicos, ou seja, visar a produção de conheci-
mento científico que permita compreender o objecto de estudo.
– Seguir uma metodologia que permita alcançar os objectivos e conduzir
aos resultados almejados.
– Ter um corpo sistemático de conhecimentos, permitir a formulação de
leis e teorias explicativas dos fenómenos.
Só cumprindo estes requisitos se obtém um conhecimento científico, que
é verdadeiro e comprovável como tal. É neste sentido que Platão, no diálogo Tee-
teto, fala em crença verdadeira e justificada para definir o saber, ou seja, o co-
nhecimento científico. Para Platão, o saber é opinião verdadeira acompanhada
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de explicação (cf. Platão, 2010, 201d). A opinião verdadeira (o saber) tem de ser
acompanhada de uma terceira exigência ou requisito ou condição (além da crença
e da verdade), uma explicação racional, de modo a obter o estatuto de conheci-
mento. Considerando que a sociedade é um objecto de estudo abrangente e em
permanente mudança e que é possível estudar cientificamente a vida social das
pessoas, a Sociologia, enquanto ciência, é a obediência aos princípios de autono-
mia/interdisciplinaridade, racionalidade e objectividade.
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Em rigor, ainda não se pode falar em “pensamento sociológico” propriamente dito, mas em
pensamento e conhecimento sobre a dimensão social em diferentes povos, condições, factores,
territórios e comunidades. Trata-se de um esboço do que viria a ser o pensamento sociológico no
século XIX.
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Heródoto terá nascido em Halicarnasso, na actual Bodrum, na costa do Mar Egeu, Turquia.
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Reconheça-se igualmente o contributo de Tucídides (460-400 a.C.) enquanto um dos precursores
da Sociologia. Tucídides foi um historiador grego, nascido em Atenas e autor de História da Guerra
do Peloponeso, na qual demonstra sentido crítico na compreensão dos factos e dos indivíduos do
seu tempo.
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Obra de 380 a.C., também e mais correctamente conhecida pelo título original, Politeia (Πολιτεία),
por ser um tratado de idealização da organização política das pessoas em sociedade.
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Os termos gregos phronesis e sophia são distintos, quer na origem etimológica quer nos
respectivos significados: phronesis significa “conhecimento prático”; sophia significa “sabedoria”.
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Tradução do autor a partir do texto da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer:
“Now it is in fact true that philosophy was originally linked to the doctrine of society. Sociology
is nothing new as far as its subject matter is concerned. As basic a text of ancient philosophy as
Plato’s Republic was intended to supply the doctrine of the right and just society, the society
which appeared a possible one to the mind of this Athenian concerned with the restoration of
Athens as a justly ordered polis, a city-state. The design of the ideal state in Plato’s work is
combined with a critique of the society of his time and of the various social theories of his
predecessors. To a large extent it is the reflection of his own experience of this society. According
to Plato’s testimony in his Seventh Epistle, actual observation of the crowd’s licentiousness and
the unscrupulous struggle for power of those who rule by force are incorporated in the Republic.
The condemnation of Socrates led Plato to the conclusion that society, which he does not as yet
distinguish from the state, cannot be reformed by changes in the constitution, which would only
replace the power of the strong by the power of the stronger, but solely by a rational organization
of the entire society.”
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Em maiúsculas, porque se trata de um conceito absoluto e abstracto.
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O zoon politikon de Aristóteles equivale à ideia de animal socialis de Séneca e de São Tomás de
Aquino, por exemplo, conforme reconhece Hannah Arendt em The human condition (título original
em inglês, publicado em 1958 pela The University of Chicago Press), com a reprodução desta
mesma equivalência em latim, no original: homo est naturaliter politicus, id est, socialis (Arendt,
1998, p. 23). De acordo com Arendt, esta substituição do político pelo social sugere que a palavra
“social” seja de origem romana, não tendo equivalente na língua e no pensamento gregos.
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Este adjectivo, eudaimónica, deriva do termo grego eudaimonía (εὐδαιµονία), que significa
“felicidade”, que, segundo Peters, “é o supremo bem prático para os homens”, conforme também
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lógica: uma política e uma ética como uma só felicidade colectiva e individual
(um bem supremo). Todas estas ideias enunciadas inserem-se no campo de preo-
cupações da Sociologia, apesar do âmbito filosófico dos escritos de Aristóteles.
Na Ética a Nicómaco, Aristóteles refere claramente o que é para si a socie-
dade: é uma espécie de comunidade e toda a comunidade se forma para alcançar
algum bem. A mais importante de todas as sociedades e que inclui todas as ou-
tras (famílias e aldeias) visa o mais importante de todos os bens: a comunidade
política (Aristóteles, 2009a, 1094a).
Em A potência do pensamento, Agamben reconhece que Aristóteles coloca
no início da sua Ética a Nicómaco o problema de uma definição da “obra do
homem [tò érgon toû anthrópou]”, ou seja, a “determinação do bem supremo como
objecto da episteme politike, da ciência política, da qual o tratado sobre a ética é
uma espécie de introdução”, considerando que “este bem supremo é a felicidade”
(cf. Agamben, 2013, p. 315). A intenção de Aristóteles em definir a felicidade leva-
o, de acordo com Agamben, a investigar sobre a “obra do homem”.
A sociedade é, para Aristóteles, physis, natureza. A sociedade não é nómos,
lei ou convenção. Ao defender que a sociedade é natureza e não convenção, Aris-
tóteles afirma que a sociedade é algo inerente ao indivíduo e não simplesmente
algo estatuído (Marías, 1987, p. 98). Todas as actividades e todas as práxis tendem
para um bem, que é um bem último e que confere sentido à vivência social. O
ser da polis é definido pela ideia de que toda a comunidade ou sociedade tende
para um bem.
Aristóteles inaugura uma concepção ou perspectiva natural sobre a socia-
bilidade. Esta concepção aristotélica é, muito depois (nos séculos XVII e XVIII),
confrontada por outra que se afirma como antagónica, a contratualista, conforme
se distinguem sucintamente na seguinte tabela:
Aristóteles (2009a, 1097a) revela na Ética a Nicómaco. Sobre este conceito primordial de eudaimonía,
que deve ser distinguido de hedoné, “prazer”, por ser um “‘fim sobrevindo’, algo que não se pode
querer ou buscar directamente, mas que acompanha a realização plena da sua actividade”, i.e. é
menos profundo o significado de prazer (cf. Marías, 1987, p. 96), consulte-se a obra Termos
filosóficos gregos: Um léxico histórico, de F. E. Peters (1983, p. 85).
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Tratado também conhecido por Sobre a interpretação ou Da interpretação, contido no Organon,
conjunto de seis livros (Categorias, Da interpretação, Analíticos anteriores, Analíticos posteriores,
Tópicos e Refutações sofísticas) de Aristóteles sobre lógica (enquanto instrumento da filosofia) e a
arte de filosofar.
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No original, em latim, Civitas Dei.
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É indigno que sejam venerados por gente honesta aqueles que são aplacados por
gente desprezível. Sejam pois afastados da tua piedade pela purificação cristã, tal
qual como os afastou das tuas dignidades a nota do censor.” (Santo Agostinho,
2006, p. 281).
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Tradução do autor a partir do texto da edição consultada em inglês de São Tomás de Aquino: “But
a man is the master of a free subject, by directing him either towards his proper welfare, or to
the common good. Such a kind of mastership would have existed in the state of innocence
between man and man, for two reasons. First, because man is naturally a social being, and so in
the state of innocence he would have led a social life. Now a social life cannot exist among a
number of people unless under the presidency of one to look after the common good; for many,
as such, seek many things, whereas one attends only to one.”
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Ibn Kaldun nasceu em Tunes, actual capital da Tunísia.
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Também conhecida como Introdução à história universal.
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A obra foi escrita em 1513, mas apenas publicada post mortem em 1532. A época em que viveu
Maquiavel foi determinante para a elaboração de O príncipe. A Itália do Renascimento estava
dividida em pequenos estados (e.g. Florença, Milão, Veneza, Nápoles), governados de forma
despótica, nem sempre com tradição dinástica ou direito legítimo sobre o poder. O clima
generalizado era de instabilidade permanente, confrontos, intrigas e desconfianças propícias à
perfídia, astúcia e acção cínica e fulminante contra os adversários políticos. As cidades envolviam-
se entre si, mas também com outros países (e.g. Espanha, Inglaterra e França) já constituídos
como nações unificadas. Nas disputas pelo poder, cada cidade tentou proteger-se como podia,
exercendo influências sobre as outras. Neste contexto, O príncipe e o seu autor representam, por
um lado, a expressão de uma época, por outro, o apelo à unidade nacional.
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Tradução do latim: Sobre os principados (ou Acerca dos principados).
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A “virtú” é uma característica importante que um príncipe deve possuir e engloba astúcia, força,
estabilidade e vigor. Para Maquiavel, a “virtú” representa um conjunto indeterminado de
qualidades e competências que, adquiridas e exercidas pelo príncipe, servem para este se
relacionar eficazmente com a sorte e, se considerar necessário, para governar e realizar grandes
feitos. A “virtú” é “virilidade”: as pessoas com “virtú” são caracterizadas pela capacidade de impor
a sua vontade em situações adversas ou difíceis, combinando o carácter com força e cálculo.
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Esta frase é, por vezes, entendida como a sugerir que os fins justificam os meios. Todavia, este
entendimento frequentemente atribuído a Maquiavel não é indubitável, considerando-se que este
autor nunca terá afirmado isso. Maquiavel simplesmente afirma que o resultado (os fins) importa
quando nenhum outro meio independente existe para estabelecer uma decisão, ou seja, quando
“não há tribunal para reclamar”, i.e. ao qual apelar.
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Obra com os títulos originais e completos em latim, De optimo reipublicae statu deque nova insula
Utopia, e em inglês, On the best state of a commonwealth and on the new island of utopia, ou seja, o
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posta de representação da sociedade perfeita por parte do autor. Tão perfeita que
não existe, pois é uma utopia.43 Considerado humanista e Santo da Igreja Católica,
Morus critica, nesta obra, as condições sociais de Inglaterra no século XVI. A uto-
pia explora a possibilidade de projectos sociais alternativos. Esta obra narra, por-
tanto, uma utopia que é uma alternativa para a realidade, sobre a qual o próprio
autor reconhece não ter esperança que seja implementada, segundo Paul Ricoeur
(1991, p. 309). A utopia é imaginação selectiva e, por isso, é também incongruente
com a realidade. Por definição, as utopias não são realistas, mas fornecem uma
forma de pensamento experimental para examinar como seria a sociedade se se-
guíssemos as regras e os valores propostos (cf. Bruce & Yearley, 2006, p. 312).
Este é o lado pejorativo do conceito de utopia.
Por seu turno, um lado positivo pode ser identificado na faculdade de uma
utopia servir para cumprir uma função importante: explorar o possível e o me-
lhor. Fá-lo colocando em questão o que presentemente existe. A intenção de uma
utopia é suscitar a mudança social, alterar a ordem presente, melhorar a relação
de governação, sugerindo formas ideais. Conforme se lê nesta passagem de A
utopia:
“De facto, nadar no meio de delícias, saciar-se de volúpias no meio das dores e la-
mentações de um povo inteiro, não é conservar um reino, é manter uma prisão.
O médico que apenas sabe curar as doenças dos clientes comunicando-lhes outras
mais graves ainda, é considerado ignorante e imbecil; confessai, portanto, vós que
sabeis governar tirando aos cidadãos a subsistência e as comodidades da vida, que
sois indignos e incapazes de governar homens livres. A não ser assim, corrigi a
vossa ignorância, o vosso orgulho e a vossa preguiça; é isso que leva ao ódio e ao
desprezo pelo soberano. Vivei em conformidade com a justiça, fazei corresponder
as vossas despesas aos vossos proventos, dominai a torrente do vício, criai insti-
tuições benéficas que, prevendo o mal o façam abortar no germe, em vez de criar
suplícios contra desgraçados que uma legislação absurda e bárbara leva ao crime
e à morte.
Não ressusciteis leis já carunchosas, caídas em desuso e no esquecimento, criando
assim aos vossos súbditos dificuldades e motivos de errar. Não eleveis nunca o cas-
título desta obra em português seria “Sobre o melhor estado de uma comunidade e sobre a nova
ilha da utopia” (tradução do autor).
43
“Utopia” é um termo grego (composto por ou, “não” + tópos, “lugar”) que significa “lugar
nenhum”. O termo utopia refere-se, na obra ficcional de Morus, a uma ilha do Novo Mundo, uma
sociedade perfeita que, por ser perfeita, é utópica. Não se deve confundir o termo utopia com o
termo eutopia, “lugar feliz ou afortunado”, apesar de Morus referir que estes dois géneros de
lugares não estão afastados (Morus, 2016, p. 57). A obra A utopia, de Morus, que é sobre um lugar
que não existe, cunhou a palavra “utopia”, segundo Paul Ricoeur (cf. 1991, p. 269). A obra de
Morus é, para Ricoeur (1991, p. 273), um exemplo da afinidade que existe entre o método histórico
e o género literário. Por conseguinte, o significado de “utopia”, principalmente o significado
sociológico, deve corresponder ao entendimento original de Morus de “lugar nenhum”,
respeitando também quem criou o conceito e quem fez a sua paradoxal descrição de utopia como
um lugar que existe em nenhum lugar real, i.e. “uma cidade fantasma; um rio sem água; um
príncipe sem povo, etc.” (Ricoeur, 1991, p. 16).
Paulo M. Barroso
38
tigo de uma falta a um juro que o juiz consideraria excessivo e vergonhoso entre
simples particulares. Deveis ter sempre ante os olhos a bela maneira de ver dos
Macários.
Nessa nação vizinha da utopia, no dia em que o rei toma posse do seu cargo, oferece
sacrifícios à divindade, e compromete-se com um juramento sagrado a nunca ter
nos seus cofres mais de mil libras de ouro ou a soma em prata de valor equivalente.
Este costume foi introduzido por um príncipe que tinha maior empenho em traba-
lhar pela prosperidade do Estado do que em acumular milhões.” (Morus, 2016, pp.
56-57).
Desta passagem se conclui que uma pessoa que desfruta de uma vida de
luxo, enquanto todas as outras à sua volta estão em dificuldades e se lamentam,
dificilmente pode ser chamada de rei. Pelo contrário, essa pessoa é mais como
um carcereiro. Conforme a metáfora usada em A utopia, essa pessoa é um médico
muito mau que não cura ninguém de uma doença sem causar outra. Esta passa-
gem é importante para a reflexão sobre a dimensão social do indivíduo e as exi-
gências na constituição e funcionamento de qualquer sociedade, bem como os
atributos que os governantes devem possuir para melhor conduzirem os destinos
da comunidade. Acerca deste último ponto, Morus refere que um rei que não
pode suprimir o crime sem diminuir os padrões de vida deve admitir que não
sabe como governar indivíduos em liberdade, pelo que devia começar por supri-
mir um dos seus vícios: o seu orgulho ou a sua preguiça. Estas são as falhas mais
susceptíveis de fazer um rei odiado ou desprezado. Enquanto governante e so-
berano, um tal rei deve viver com os seus próprios recursos, adaptar as suas des-
pesas aos seus rendimentos, prevenir o crime através de uma boa administração
em vez de permitir que ele se desenvolva e depois começar a puni-lo.
Sem utopias, uma sociedade não teria funções e estaria “morta”, pois não
teria mais projectos, ambições e objectivos colectivos. Em A utopia de Morus, re-
conhece-se a importância da felicidade colectiva, apesar do carácter idealizado e
ficcional da “sociedade perfeita”:
“A natureza que nos inspira a caridade pelos nossos irmãos não nos ordena sermos
cruéis e impiedosos para nós próprios.
Eis o que leva os utopianos a afirmar que uma vida deve ser honestamente agra-
dável, isto é, que o prazer é o fim de todas as nossas acções; que tal é a vontade da
natureza, e que, obedecer a essa vontade, é ser virtuoso.
A natureza, dizem ainda, leva todos os homens a ajudarem-se mutuamente e a
compartilharem do alegre festim da vida. Este preceito é razoável e justo. Não há
indivíduo, por mais altamente colocado que se considere acima do género humano,
que suponha que a Providência deva ocupar-se dele apenas. A natureza deu a
mesma forma a todos, a todos aquece com o mesmo calor e a todos abrasa no
mesmo amor: o que ela reprova é que se aumente o bem-estar próprio agravando
a desgraça alheia.” (Morus, 2016, p. 105).
44
No estado de natureza, o homem é o lobo do homem, i.e. Homo homini Deus, et homo homini lupus
(“O homem é um Deus para o homem, e o homem é um lobo para o homem”), conforme a versão
completa de Hobbes na sua epístola de dedicatória no início de Do cidadão (Hobbes, 2002, p. 3).
Paulo M. Barroso
40
45
A ideia de contrato é proposta pelas teorias políticas que vêem o contrato (acordo tácito ou
expresso entre a maioria dos indivíduos) como a origem da sociedade e o fundamento do poder
político. O conjunto das teorias que defendem esta tese do acordo que assinala, assim, o fim do
estado natural e o início do estado social e político é o contratualismo. Enquanto escola, o
contratualismo floresceu na Europa entre o início do século XVII e o fim do século XVIII, tendo
vários representantes ilustres que defenderam, cada um à sua maneira, esta corrente: Hobbes,
Espinosa, Locke, Rousseau, Kant (cf. Bobbio, Matteucci & Pasquino, 1998, p. 272).
Sociologia da Comunicação
41
a uma sociedade civil (uma entidade colectiva, uma instituição ou grupo social,
um estado) com poder soberano e leis, que garante a todos o que todos desejam:
estabilidade, paz e segurança:
“Visto que o fim dessa instituição é a paz e a defesa de todos, e visto que quem
tem direito a um fim tem direito aos meios, pertence de direito a qualquer homem
ou assembleia que detenha a soberania ser juiz tanto dos meios para a paz e a de-
fesa como de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas; e fazer tudo
o que considere necessário ser feito, tanto antecipadamente, para a preservação
da paz e da segurança, mediante a prevenção da discórdia interna e da hostilidade
externa, quanto também, depois de perdidas a paz e a segurança, para a recupera-
ção de ambas.” (Hobbes, 2003, p. 152).
46
No original em latim De cive. A versão desta obra em inglês só aparece em 1651, com o título
Philosophical rudiments concerning government and society (Tradução do autor: Rudimentos
filosóficos sobre governo e sociedade).
Paulo M. Barroso
42
toda a vida; e no entanto todos eles têm, crianças ou mais velhos, natureza hu-
mana; por conseguinte, o homem é tornado apto para a sociedade não pela natu-
reza, mas pela educação.
Ademais, mesmo que o homem nascesse numa condição tal que o levasse a desejar
a sociedade, disto não se seguiria que já nascesse pronto para nela ingressar: pois
uma coisa é desejar, outra coisa termos capacidade para aquilo que desejamos. E
até mesmo aqueles que, por orgulho, não se dispõem a aceitar as justas condições
sem as quais não pode haver sociedade, apesar disso a desejam.” (Hobbes, 2002,
p. 359).
1.1.10. Locke: passagem para o estado civil num quadro jurídico e moral
O pensamento social de John Locke (1632-1704) é relevante para a com-
preensão do ser humano como ser eminentemente político e social. Ao contrário
de Hobbes, que justificava o pacto com interesses egoístas e psicológicos dos in-
divíduos (e.g. as paixões e o medo), Locke entende a passagem do estado de na-
tureza para o estado civil subordinada a um quadro jurídico e moral (Ferreira, et
al., 1995, p. 36). Para Locke, a organização dos indivíduos numa sociedade civil
deve ser pautada pela necessidade da lei em solucionar interesses divergentes e
em ser reconhecida como factor independente e padrão do bem.
“As leis civis são possibilitadas pela constituição da sociedade política derivada do
pacto, mas devem fundar-se na lei natural. Considerando que a lei natural é mo-
ralmente justa, então a sociedade política mais não é do que uma obrigação colec-
tiva de cumprimento dessa lei. A sociedade política nasce, como em Hobbes, do
abdicar dos direitos naturais por parte dos contratantes e da cedência definitiva
do poder de fazer cumprir a lei da natureza, isto é, punir os semelhantes, o que
anuncia a monopolização estatal dos meios de coerção e de repressão. Simples-
mente, no modelo lockeano, os direitos alienados não são cedidos a um soberano
todo-poderoso, mas a uma comunidade subordinada à lei natural e à lei que ela
própria estabeleceu.” (Ferreira, et al., 1995, p. 36).
contrato social a explicar o surgimento das sociedades. Esta tese, seguida, apesar
das diferenças, por Hobbes e Locke, mas também por Montesquieu e Rousseau,
concebe a sociedade como um acordo racional entre os indivíduos, em função
das necessidades ou conveniências destes.
As obras Dois tratados sobre o governo e Carta sobre a tolerância condensam
as preocupações de Locke nestes temas e problemas que não são exclusivos da
Ciência Política; são igualmente da Sociologia. No segundo tratado sobre o go-
verno, intitulado “Um ensaio referente à verdadeira origem, extensão e objetivo
do governo civil”, Locke desenvolve uma teoria positiva do governo, uma hipó-
tese alternativa à tese de que “todos os governos do mundo são produto apenas
da força e da violência, e que os homens vivem juntos apenas segundo as regras
dos animais, em meio aos quais o mais forte leva a melhor” (Locke, 1998, p. 380).
Locke não aceita que os governos sejam apenas o produto da força e da violência
e que os indivíduos vivam em comunidade por serem apenas animais gregários,
obrigados a tal pelos mais fortes, pois estas condições estabelecem, assim, “o
alicerce da desordem, do mal, do tumulto, da sedição e da rebelião interminá-
veis”. Por conseguinte, quem “não queira dar ocasião a que se cogite” nesta tese
ou hipótese, “deve, necessariamente, descobrir outra fonte do governo, outra
origem do poder político e outro modo para designar e conhecer as pessoas que
o possuem” (Locke, 1998, p. 380).
Locke distingue entre governo civil legítimo e ilegítimo. O governo legítimo
é instituído pelo consentimento ou acordo explícito dos governados, que transfe-
rem ao governo o seu direito de exercer a lei da natureza e julgar por si. Esta trans-
ferência é o que suporta o poder do governo, forma uma comunidade política
estável e faz funcionar o sistema de justiça, que é uma função legítima para qual-
quer governo. No segundo tratado sobre o governo, Locke afirma: “Todos os ho-
mens encontram-se naturalmente nesse estado [de natureza] e nele permanecem
até que, por seu próprio consentimento, se tornam membros de alguma sociedade
política” (Locke, 1998, p. 394). A tese de Locke é a de que todo o governo legítimo
se funda em algum género de consentimento, i.e. toda a autoridade política legí-
tima está enraizada no consentimento dos governados (o contrato social).
Com este pressuposto, o governo civil legítimo tem funções fundamentais
a cumprir: preservar os direitos à vida, liberdade, saúde e propriedade dos cida-
dãos governados, por um lado, e processar e punir quem violar os direitos dos
outros, conforme sustenta o segundo tratado de Locke (cf. 1998, p. 385). Para o
efeito, deve haver um mecanismo indispensável que não existia no estado de na-
tureza: um juiz imparcial para avaliar o crime e estabelecer a correspondente pu-
nição. De acordo com o segundo tratado de Locke:
“Evitar esse estado de guerra (no qual não há apelo senão aos céus, e para o qual
pode conduzir a menor das diferenças, se não houver juiz para decidir entre liti-
gantes) é a grande razão pela qual os homens se unem em sociedade e abandonam o
Paulo M. Barroso
44
estado de natureza. Ali onde existe autoridade, um poder sobre a Terra, do qual se
possa obter amparo por meio de apelo, a continuação do estado de guerra se vê
excluída e a controvérsia é decidida por esse poder.” (Locke, 1998, p. 400).
47
Originalmente publicada em 1762.
48
Cf. nota 45.
Paulo M. Barroso
46
visa o interesse comum, que emana do povo e que se expressa através da lei,
pois é votada directamente pelo povo reunido em assembleia. Assim, a vontade
geral é garantida e não limita a liberdade do cidadão. Todos os cidadãos partici-
pam na vontade geral e, por conseguinte, são “soberanos”, i.e. são governados,
mas livres, obedecendo à lei para a qual contribuíram (Bobbio, Matteucci & Pas-
quino, 1998, p. 1298). Obedecer à vontade geral é obedecer à lei legítima da so-
ciedade politicamente organizada, à vontade autêntica e ao desejo de justiça.49
Segundo Rousseau, todos os homens nascem livres e a liberdade faz parte
da natureza do homem. Os problemas decorrem dos males que a sociedade cria
(e que não existem no estado selvagem). Assim se compreende que a opinião pú-
blica seja um conceito do liberalismo e racionalismo modernos (dos finais do sé-
culo XVIII, em França). Para Rousseau, os direitos e obrigações sociais
correspondem à moralidade e esta não é natural; é uma construção social. No
estado de natureza não existe moral; o indivíduo é amoral (não é nem bom nem
mau). Neste estado, não existem diferenças entre os indivíduos, porque não exis-
tem escalas de valor nem modelo ou padrões.
O homem nasce bom e a sociedade corrompe-o? Ou o homem nasce mau
e a sociedade é que o normaliza? Sobre esta questão, Rousseau defende a boa
natureza humana (que é um ideal iluminista), ao contrário de Hobbes, para quem
o ser humano, no estado de natureza, é o lobo do seu semelhante (Homo homini
lupus). Mas Rousseau responde com a “teoria do bom selvagem”: por natureza,
o ser humano é bom, nasce livre, mas comporta-se com maldade e esta advém
da sociedade (que impõem servidão, privilegiando as elites em detrimento dos
mais fracos e criando desigualdades.50 Rousseau defende que os direitos das pes-
soas foram ameaçados e destruídos pela civilização. O ser humano nasce livre,
mas deixa-se contaminar pela sociedade, tornando-se infeliz. Para voltar a ser
feliz, seria preciso um regresso à Natureza, à simplicidade primitiva, onde seriam
escassas as necessidades e diminutas as preocupações. Como este regresso é im-
possível, é preciso que se concretize um contrato social: as pessoas e os respec-
tivos haveres colocam-se sob o controlo da sociedade. Para Rousseau, a natureza
humana é boa, mas a sociedade corrompe-a. Por isso, a vida social orienta-se
mais pelos sentimentos do que pela razão.
49
Aceitar pertencer, de um modo livre, a um contrato social e obedecer à vontade geral é uma forma
de alienação, porque o indivíduo toma a iniciativa da cedência positiva de poder que institui a
vontade geral (cf. Bobbio, Matteucci & Pasquino, 1998, p. 20).
50
O indivíduo, para Rousseau, estaria numa sociedade que o normaliza, dada a impossibilidade de
ser livre no estado de natureza, ao contrário da perspectiva de Marx que, segundo Freud, entende
que o indivíduo nasce bom e a sociedade é que o torna mau. Em O mal-estar na civilização, Freud
refere: “O comunismo acredita ter encontrado o caminho para nos livrar do mal. O homem é
inequivocamente bom e quer bem ao próximo, mas a instituição da propriedade privada
corrompeu a sua natureza” (Freud, 2008, p. 67).
Paulo M. Barroso
48
51
O conceito de “positivismo” deriva do verbo positare, que em latim quer dizer “pôr”, “colocar”,
tendo o particípio passado positum, que significa “posto”, “colocado”. Segundo o positivismo, a
realidade é o que está posto ou colocado diante de nós; o que é positivo é o certo, o real, o que
não admite dúvida, o que se apoia em factos e na experiência.
Sociologia da Comunicação
49
“Em seu sentido amplo (filosófico), o positivismo está relacionado a um forte sen-
timento antimetafísico que postula que as formas de conhecimento não científicas
(ou que não são passíveis de comprovação empírica) são destituídas de significado.
Em um sentido restrito (sociológico), o positivismo significa uma determinada ma-
neira de entender o uso do método científico na sociologia: trata-se da noção de
que a sociologia deve adotar os mesmos métodos das ciências da natureza.” (Sell,
2009, p. 29).
52
Tradução do autor a partir do texto da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer:
“Positive sociology, in Comte’s sense, saw as its task the recognition of natural laws, then still
conceived as ‘unchanging’. Its goal is ‘precision’ and not absolute truth or the actualization of a
just society. ‘At all times’ it avoids ‘conscientiously every useless exploration of an inaccessible
inner nature or the essential modalities in the generation of any phenomena’. And as its means
it employs exclusively ‘pure observation, the experiment in the true sense, and finally, the
comparative method’. It explicitly and quite dogmatically presupposes ‘that the social movement
necessarily is subject to unchanging natural law, instead of being governed by this or that power
of volition’. Society becomes purely an object of observation, that is neither to be admired nor
condemned. A doctrine is to be established, which ‘has no other intellectual ambition than to
discover the true laws of nature’ and which ‘is sufficiently rationally thought out, that during
the course of its entire active development it can still remain completely true to its own principles’
thus raising immanent freedom from contradiction as its criterion. Theory and practice are
sharply separated, as ‘all intermixture or any links of theory and practice tend to endanger both
equally, because it inhibits the full scope of the former – theory – and lets the latter vacillate
back and forth without guidance. Indeed, one must admit, that because of their greater
complexity the social phenomena require a greater intellectual distance, than is the case for any
Sociologia da Comunicação
53
other scientific object, between the speculative conceptions, no matter how positive these might
be, and their ultimate practical realization. The new social philosophy must thus carefully protect
itself from that tendency, only too general today, which would induce it to intervene actively in
actual political movements; these must above all remain a permanent object of thorough
observation for it’. By the postulate of Comtean sociology ‘to always subordinate scientific views
to the facts, for the former are only intended to ascertain the real interconnections of these’,
science is committed to a fundamentally retrospective character.”
53
A palavra “método” significa “caminho a seguir”, pois deriva do termo grego methodos, que é
composto por meta (“ao longo”, “através de”, “por meio”) e hodos (“caminho”). O método é,
portanto, uma condição sine qua non para formar e sustentar um corpo de conhecimentos
científico; é um processo racional para chegar a uma meta (obter um dado resultado
preestabelecido ou alguma coisa) de modo regular, sequencial, ordenado, explícito e possível de
proceder (ou seja, seguindo um caminho).
Paulo M. Barroso
54
54
O termo “alienação” deriva do latim alius, “outro”, “estranho”, “estar alheio a si próprio”,
“arroubamento de espírito”, i.e. estar privado, inconsciente de si e das suas condições, estar fora
de si ou ser outro, no sentido da teoria económica e social de Marx. A alienação também se
manifesta no indivíduo numa outra modalidade enquanto auto-alienação, processo em que o
indivíduo se deixa abstrair das condições reais, segundo Marx e Engels em A ideologia alemã (cf.
Marx & Engels, 2007, p. 74). Nesta obra, A ideologia alemã, Marx & Engels perguntam: “Como se
dá que, no interior dessa autonomização dos interesses pessoais em interesses de classe, o
comportamento pessoal do indivíduo tenha de se coisificar, se alienar, e que, ao mesmo tempo,
ele subsista sem ele, como poder independente dele, produzido pelo intercâmbio, que ele se
transforme em relações sociais, numa série de poderes que o determinam, subordinam e que, por
isso, aparecem na representação como poderes ‘sagrados’?” (cf. Marx & Engels, 2007, p. 240).
Sociologia da Comunicação
55
“Mas o que a princípio foi ponto de partida torna-se depois, graças à simples re-
produção, resultado constantemente renovado. Por um lado, o processo de produ-
ção não cessa de transformar a riqueza material em capital e meios de fruição para
o capitalista; por outro lado, o operário sai dele como para lá entrou: fonte pessoal
de riqueza, despida dos seus próprios meios de realização. O seu trabalho, já alie-
nado, feito propriedade do capitalista e incorporado no capital, mesmo antes de
começar o processo, não pode, evidentemente, realizar-se durante o processo, a
não ser em produtos que fogem da sua mão. A produção capitalista, sendo ao
mesmo tempo consumo da força de trabalho pelo capitalista, transforma sem ces-
sar o produto do assalariado, não só em mercadoria, mas também em capital, em
valor que bombeia a força criadora do valor, em meios de produção que dominam
o produtor, em meios de subsistência que compram o próprio operário.” (Marx,
1975, p. 360).
55
Os itálicos são da edição consultada do livro de Marx.
Paulo M. Barroso
56
atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a
outros seres humanos, e - além de, e através de [1], [2] e [3] - também [4] a si mes-
mos (às suas possibilidades humanas constituídas historicamente). Assim conce-
bida, a alienação é sempre alienação de si próprio ou auto-alienação, isto é,
alienação do homem (ou de seu ser próprio) em relação a si mesmo (às suas possi-
bilidades humanas), através dele próprio (pela sua própria atividade). E a alienação
de si mesmo não é apenas uma entre outras formas de alienação, mas a sua própria
essência e estrutura básica. Por outro lado, a ‘auto-alienação’ ou alienação de si
mesmo não é apenas um conceito (descritivo), mas também um apelo em favor de
uma modificação revolucionária do mundo (desalienação).
O conceito de alienação, considerado hoje como um dos conceitos centrais do mar-
xismo e amplamente usado tanto por marxistas como não-marxistas, só entrou
para os dicionários de filosofia na segunda metade do século XX. Antes, porém,
era considerado como um importante termo filosófico e foi muito usado mesmo
fora da filosofia: na vida cotidiana, no sentido de afastamento de antigos amigos
ou companheiros; na teoria econômica e no direito, como termo para designar a
transferência da propriedade de uma pessoa para outra (compra e venda, roubo,
doação); na medicina e na psiquiatria, como nome para o desvio da normalidade,
a insanidade. E antes de se ter desenvolvido como um ‘conceito’ metafilosófico (re-
volucionário) com Marx, foi usado como conceito filosófico por Hegel e por Feuer-
bach. Em seus comentários sobre a alienação, Hegel teve, por sua vez, vários
predecessores, alguns dos quais usaram a palavra sem se aproximarem de seu sig-
nificado hegeliano (ou marxista); outros foram precursores da ideia sem usar a ex-
pressão, e, em alguns casos, houve até mesmo uma espécie de encontro entre a
ideia e o termo que a indica.” (Bottomore, 1988, p. 5).
Por se ter interrogado sobre a natureza das relações sociais, Marx é, por
conseguinte, um dos fundadores da Sociologia. Estas relações são problemáticas
e dependem de factores económicos. Com a existência de problemas económicos,
as relações sociais tornam-se assimétricas e também problemáticas, principal-
mente nas sociedades contemporâneas, ou seja, numa época de profundas mu-
danças e diferenças sociais marcadas pela massificação, materialismo e
consumismo.
Paulo M. Barroso
58
um vasto espectro de tópicos. Três dos principais temas que abordou foram: a im-
portância da Sociologia enquanto ciência empírica; a emergência do indivíduo e a
formação de uma ordem social; e as origens e carácter da autoridade moral na so-
ciedade. Encontraremos as ideias de Durkheim repetidas vezes nas nossas discus-
sões teóricas acerca da religião, do desvio e do crime, do trabalho e da vida
económica. Para o autor, a principal preocupação intelectual da Sociologia reside
no estudo dos factos sociais. Em vez de aplicar métodos sociológicos ao estudo de
indivíduos, os sociólogos deviam antes analisar factos sociais - aspectos da vida
social que determinam a nossa acção enquanto indivíduos, tais como o estado da
economia ou a influência da religião. Durkheim acreditava que as sociedades ti-
nham uma realidade própria - ou seja, a sociedade não se resume às simples acções
e interesses dos seus membros individuais. De acordo com o autor, factos sociais
são formas de agir, pensar ou sentir que são externas aos indivíduos, tendo uma
realidade própria exterior à vida e percepções das pessoas individualmente. Outra
característica dos factos sociais é exercerem um poder coercivo sobre os indivíduos.
No entanto, a natureza constrangedora dos factos sociais raramente é reconhecida
pelas pessoas como algo coercivo, pois de uma forma geral actuam de livre vontade
de acordo com os factos sociais, acreditando que estão a agir segundo as suas op-
ções. Na verdade, afirma Durkheim, frequentemente as pessoas seguem simples-
mente padrões que são comuns na sociedade onde se inserem. Os factos sociais
podem condicionar a acção humana de variadas formas, que vão do castigo puro
e simples (no caso de um crime, por exemplo) a um simples mal-entendido (no caso
do uso incorrecto da linguagem). Durkheim reconhecia que os factos sociais são
difíceis de estudar. Os factos sociais não podem ser observados de forma directa,
dado serem invisíveis e intangíveis. Pelo contrário, as suas propriedades só podem
ser reveladas indirectamente, através da análise dos seus efeitos ou tendo em con-
sideração tentativas feitas para as expressar, como leis, textos religiosos ou regras
de conduta estabelecidas. Durkheim sublinhava a importância de pôr de lado os
preconceitos e a ideologia ao estudar factos sociais. Uma atitude científica exige
uma mente aberta à evidência dos sentidos e liberta de ideias preconcebidas pro-
venientes do exterior. O autor defendia que os conceitos científicos apenas podiam
ser gerados pela prática científica. Desafiou os sociólogos a estudar as coisas tal
como elas são e a construir novos conceitos que reflectissem a verdadeira natureza
das coisas sociais. Tal como os outros fundadores da Sociologia, Durkheim estava
preocupado com as mudanças que transformavam a sociedade do seu tempo. Es-
tava particularmente interessado na solidariedade social e moral - por outras pa-
lavras, naquilo que mantém a sociedade unida e impede a sua queda no caos. A
solidariedade é mantida quando os indivíduos se integram com sucesso em grupos
sociais e se regem por um conjunto de valores e costumes partilhados.” (Giddens,
2008, pp. 8-9).
Para Giddens, Weber interessa-se por vários temas e problemas que extra-
vasam o próprio e vasto campo da Sociologia. A perspicácia de Weber, tal como
a dos outros autores pioneiros nesta nova área de estudo sobre o social, permite
prestar atenção às novas formas de organização social. Esta circunstância justi-
fica, per se, a pertinência e a relevância da Sociologia em contribuir para o estudo
e compreensão das transformações que as sociedades modernas enfrentam.
56
Assim é designada a sociedade devido ao predomínio dos meios de comunicação, dos fluxos de
informação e dos acessos imediatos e fáceis à informação (em qualquer hora, em qualquer lugar,
por qualquer pessoa). A designação “sociedade da informação”, que se tornou dependente de
complexas redes electrónicas de informação e comunicação (cf. McQuail & Windahl, 2003, p. 171),
terá surgido como extensão das ideias relacionadas com a “sociedade pós-industrial”.
Sociologia da Comunicação
63
57
Tradução do autor a partir do texto da edição original em espanhol de Espinar et al.: “El fenómeno
comunicativo, aún siendo un elemento clave de la vida en sociedad y, en definitiva, de la existencia
humana, ha sido tratado con pretensiones claras de conocimiento científico sólo desde hace
relativamente poco tiempo. Respecto a la investigación sociológica, la existencia de una Sociología
especializada, centrada en la comunicación (y que, por tanto, pudiera denominarse ‘Sociología de
la comunicación’), es algo muy reciente. […] La investigación sobre comunicación de masas se
inicia, de forma seria y sistemática, en los años treinta en Estados Unidos. A partir de ese
momento, un gran número de científicos sociales, desde diferentes campos y disciplinas, han ido
centrando su labor investigadora en el estudio de la comunicación de masas. De esta forma, se
ha generado un importante cuerpo de conocimientos que algunos autores han bautizado como
Mass Communication Research (MCR), intentando dotarle de un carácter de ciencia diferenciada e
independiente. La Sociología fue una de las disciplinas que, en un principio, mayor interés mostró
hacia el estudio de la comunicación de masas. Es más, durante muchos años, investigación de la
comunicación de masas fue sinónimo de Sociología de la comunicación de masas, sobre todo en
el ámbito estadunidense (el de mayor influencia internacional).”
Paulo M. Barroso
64
58
Os media como instituições sociais, conforme defende McQuail (cf. 2003, p. 5), i.e. instituições de
produção, reprodução e distribuição de conhecimentos e de sentidos capazes de moldar a
percepção do público, o seu reconhecimento do passado e a sua compreensão actual do mundo.
Sociologia da Comunicação
67
2. A comunicação
“Esta expansão conquistadora oculta o facto da comunicação ser própria de todas as sociedades,
de todas as culturas em todas as épocas. É geradora de relações de ordem, de sentido. […]
Monopoliza o imaginário, produz o real e as suas simulações, engendra as ‘sociodiceias’ modifica-
doras, cria e impõe as figuras detentoras do poder e mantém-se na sua dependência.”
(Balandier, 1999, pp. 123-124).
nicar. Esta é uma perspectiva simples, mas eficaz e demonstrativa sobre a comu-
nicação.
“Se a pessoa a quem atiramos uma bola com toda a nossa alma a apanhar, e se nós
apanharmos a bola que essa pessoa nos lança de volta, então um acto de comuni-
cação acontece.
Mas às vezes sentimos, ‘Ele não a apanhou do modo como eu queria que o fizesse!’
Ou, ‘Não há maneira de eu poder apanhar a bola que ele me atirou!’ Há sempre in-
felizmente muitas tentativas de comunicação que não chegam a concretizar-se.
Quando as comunicações não concretizadas se acumulam, as nossas emoções tor-
nam-se instáveis.” (Itoh, 2009, pp. 30-32).
59
O canal distingue-se do meio: enquanto o canal é o meio físico pelo qual o sinal de comunicação
é transmitido (e.g. ondas de luz ou ondas de rádio), o meio consiste no recurso técnico ou físico
(e.g. a voz) que converte “a mensagem num sinal capaz de ser transmitido ao longo do canal”
(Fiske, 1993, p. 34).
60
O feedback é o processo pelo qual o comunicador obtém informação do receptor sobre se e como
este receptor recebeu a mensagem.
Sociologia da Comunicação
71
supõe um emissor que emite uma mensagem num certo código, um canal de
transmissão e um receptor que descodifica a mensagem. Comunicação pressupõe
uma troca de ideias, sentimentos ou experiências com outrem, através de um
processo onde intervêm os interlocutores (emissor e receptor).
Entender a comunicação como processo é conceber sistemas públicos de
trocas linguísticas, onde concorrem princípios de cooperação entre os interlocu-
tores, num mercado social que é o da linguagem, onde já existe o sentido e os
procedimentos de regulação das trocas (cf. Grice, 1989, pp. 26-28). Neste mercado
social, exerce-se um jogo de oferta e de procura sobre diferentes tipos de produ-
tos, como:
a) Contratos de comunicação: subjacentes à ideia de que todo o acto de
comunicação se inscreve num quadro pré-estruturado, que varia
consoante a definição da situação em quatro termos: i) objectivos; ii)
identidade dos interlocutores; iii) troca de mensagens; e iv) dispositivo
de comunicação.
b) Rituais de linguagem: comportamentos usuais que o emissor deve
adoptar a partir do momento em que pretende estabelecer ou manter
um contacto com um receptor.
c) Valor social das palavras: signos que veiculam uma identidade social e
podem transportar valores de verdade e de identidade, como no caso
dos sociolectos.
Segundo Pierre Bourdieu, em O que falar quer dizer: A economia das trocas
linguísticas, o que circula no mercado linguístico são “discursos estilisticamente
caracterizados”:
“Todo o acto de fala e, de um modo mais geral, toda a acção, é uma conjuntura,
um encontro de séries causais independentes: de um lado, as disposições, social-
mente moldadas, do habitus linguístico, que implicam uma certa propensão para
falar e para dizer coisas determinadas (interesse expressivo) e uma certa capacidade
de falar definida inseparavelmente como capacidade linguística de geração infinita
de discursos gramaticalmente conformes e como capacidade social que permite
utilizar adequadamente essa competência numa situação determinada; do outro,
as estruturas do mercado linguístico, que se impõem como um sistema de sanções
e de censuras específicas. […] A gramática só muito parcialmente define o sentido,
e é na relação com um mercado que se opera a determinação completa da signifi-
cação do discurso. Uma parte, e não a menor, das determinações que fazem a de-
finição prática do sentido, chega ao discurso a partir de fora e automaticamente.
Na base do sentido objectivo que se gera na circulação linguística está, antes de
mais, o valor distinto que resulta das relações estabelecidas pelos locutores, cons-
ciente ou inconscientemente, entre o produto linguístico oferecido por um locutor
socialmente caracterizado e os produtos simultaneamente propostos num espaço
social determinado. Há ainda o facto de o produto linguístico só se realizar com-
pletamente como mensagem quando é tratado como tal, ou seja, decifrado, e que
os esquemas de interpretação que os receptores põem em acção na sua apropriação
Paulo M. Barroso
72
criadora do produto proposto podem estar mais ou menos afastados daqueles que
orientam a produção. Através destes efeitos inevitáveis, o mercado contribui para
fazer não só o valor simbólico como, também, o sentido do discurso. […] O que cir-
cula no mercado linguístico, não é a ‘língua’, mas, sim, discursos estilisticamente
caracterizados, simultaneamente do lado da produção, na medida em que cada lo-
cutor cria para si um idiolecto a partir da língua comum, e do lado da recepção, na
medida em que cada receptor contribui para produzir a mensagem que percepciona
e aprecia importando para aí tudo o que constitui a sua experiência singular e co-
lectiva.” (Bourdieu, 1998, pp. 14-15).
Comunicação Informação
Bilateral: os sujeitos (interlocutores) são Circuito unilateral, onde o conteúdo circula
alternadamente emissores e receptores. exclusivamente do emissor para o receptor.
Processo que pressupõe uma fonte que emite uma Pode limitar-se a dar a conhecer algo a alguém,
mensagem num certo código, um canal de mas não através de um processo.
transmissão e um receptor que descodifica a
mensagem.
Exige feedback. Não exige reversibilidade.
Tabela 3: Diferenças gerais entre comunicação e informação.
Sociologia da Comunicação
73
A informação é uma acção isolada, que pode ser desencadeada por um in-
divíduo ou por uma máquina (fontes ou emissores da mensagem). Na informação
não existe reversibilidade, conforme se demonstra no seguinte esquema linear:
Objectivo?
Quem? O quê? Como? A quem?
Resultado
Fonte Mensagem Meio Receptor esperado
Figura 1: Esquema da informação.
Mensagem
Codificação Descodificação
Descodificação Codificação
Mensagem
61
O conceito de “informação” vem do latim informare, no sentido de “dar forma” ou aparência, pôr
em forma, formar, criar, representar, apresentar, criar uma ideia ou noção.
Paulo M. Barroso
74
impressa
pictográfica
Em relevo Publicações em sistema Braille; escrita em relevo
Aparelhagens sonoras; rádio; altifalantes; fala e audição; telefone;
Oral
seminários; palestras; reuniões; contactos; gestos
Audiovisual Televisão; cinema; videofone; projecção de slides
Gestual Linguagem dos surdos-mudos; gestos dos sinaleiros
Morse; bandeiras; código dos sinais de trânsito; símbolos matemáticos
Codificada ou simbólica
ou químicos
Não verbal
62
Joseph N. Pelton (2000, p. 204) caracteriza a e-sphere como a época e o mundo marcados pela
interactividade e globalidade de um só cérebro ou modo de pensar colectivo e interactivo. Trata-
se de uma aldeia global, mas diferente daquela que foi favorecida pela televisão transmitida via
satélite, em que todos viam a mesma imagem, e que foi abordada por McLuhan. Esta e-sphere é
uma aldeia global assente numa cultura electrónica, numa world-wide mind que pode pensar e
interagir colectivamente. A aldeia global de McLuhan é caracterizada pelo panopticon; a e-sphere
é caracterizada pelo synopticon.
Sociologia da Comunicação
75
“Ao contrário dos animais, que conheciam apenas o presente, o Homem adquirira
um passado; e começava a tactear em direcção a um futuro. Aprendera também a
controlar as forças da natureza; com o domínio do fogo, lançara as fundações da
tecnologia e deixara para trás a sua origem animal. A pedra deu lugar ao bronze e
depois ao ferro. À caça sucedeu a agricultura. A tribo transformou-se em aldeia e
a aldeia em cidade. A palavra tornou-se eterna, graças a certas marcas em pedra,
barro e papiro. Depois, inventou a filosofia e a religião. E povoou o céu, nem sempre
incorrectamente, de deuses.” (Clarke, 1988, p. 34).
63
Atente-se à diferença entre a internet e a world wide web, também conhecida por web (“teia”,
“rede”) ou apenas www. A internet, desenvolvida a partir da Advanced Research Projects Agency
Network (ARPANET) criada em 1969, é uma rede que conecta os milhões de computadores entre
si no mundo; a world wide web é uma das várias ferramentas de acesso à internet; é um sistema
de informações interligadas que permite o acesso de conteúdos através da internet, da qual é
dependente. A internet fornece os vários serviços, como a troca de mensagens por correio
electrónico (email); a world wide web usa o protocolo HTTP para promover essa transferência de
informações e depende de navegadores (browsers) para apresentar o conteúdo ao utilizador,
permitindo-o clicar em ligações (links) de acesso a arquivos hospedados em outros computadores.
Apesar de a internet ser muito maior e mais acessível do que a ARPANET, era difícil de usar. Podia-
se trocar mensagens, arquivos e até executar alguns programas remotamente, mas além disso
não se podia fazer muito mais, a menos que se fosse um especialista (cf. Poe, 2011, p. 214). Nesse
sentido, Castells (2003, p. 22) explica que “em colaboração com Robert Cailliau, Berners-Lee
construiu um programa navegador/editor em dezembro de 1990 e chamou esse sistema de
hipertexto de world wide web, a rede mundial. O software do navegador da web foi lançado na
Net pelo CERN em Agosto de 1991”. Sobre a invenção da world wide web, veja-se o testemunho
do próprio inventor (cf. Berners-Lee, 1999).
Sociologia da Comunicação
77
Nas sociedades actuais, é cada vez mais frequente o uso de redes sociais.
Todavia, esta circunstância não significa mais sociabilidade; pelo contrário, a vir-
tualidade das relações interpessoais configura um generalizado défice de relações
humanas interpessoais. Segundo Castells:
“A emergência da Internet como um novo meio de comunicação esteve associada
a afirmações conflitantes sobre a ascensão de novos padrões de interação social.
Por um lado, a formação de comunidades virtuais, baseadas sobretudo em comu-
nicação on-line, foi interpretada como a culminação de um processo histórico de
desvinculação entre localidade e sociabilidade na formação da comunidade: novos
padrões, seletivos, de relações sociais substituem as formas de interação humana
territorialmente limitadas. Por outro lado, críticos da Internet, e reportagens da
mídia, por vezes baseando-se em estudos de pesquisadores acadêmicos, sustentam
que a difusão da Internet está conduzindo ao isolamento social, a um colapso da
comunicação social e da vida familiar, na medida em que indivíduos sem face pra-
ticam uma sociabilidade aleatória, abandonando ao mesmo tempo interações face
a face em ambientes reais.” (Castells, 2003, p. 98).
Na era dos self media, é o consumidor quem compõe o produto que vai
consumir e já não lhe basta o produto acabado que lhe é oferecido. Trata-se de
um self-service da informação de prática quotidiana. Os self media pressupõem
receptores activos que também produzem e transmitem informações.
64
Acrónimo de Electronic Numerical Integrator And Computer (“Computador e Integrador Numérico
Electrónico”), construído em 1946 por John Mauchly e John Eckert.
Sociologia da Comunicação
79
65
O termo potlatch significa “dádiva” e é um sistema de prestações sociais e totais que é próprio de
algumas tribos primitivas, como as do Canadá.
Paulo M. Barroso
80
meio ambiente. A sobrevivência dos seres vivos depende das trocas com o meio
ambiente e com os outros seres. As trocas são como uma relação entre um estí-
mulo e uma resposta.
De acordo com Mauss, em Sociologia e antropologia:
“Os factos que estudamos são todos, permitam-nos a expressão, factos sociais totais
ou, se quiserem - mas gostamos menos da palavra - gerais: isto é, eles põem em
acção, em certos casos, a totalidade da sociedade e de suas instituições (potlatch,
clãs que se enfrentam, tribos que se visitam etc.) e, noutros casos, somente um nú-
mero muito grande de instituições, em particular quando essas trocas e contratos
dizem respeito sobretudo a indivíduos. Todos esses fenómenos são ao mesmo
tempo jurídicos, económicos, religiosos, e mesmo estéticos, morfológicos etc. São
jurídicos, de direito privado e público, de moralidade organizada e difusa, estrita-
mente obrigatórios ou simplesmente aprovados e reprovados, políticos e domésti-
cos simultaneamente, interessando tanto as classes sociais quanto os clãs e as
famílias. São religiosos: de religião estrita, de magia, de animismo, de mentalidade
religiosa difusa. São económicos: pois as ideias do valor, do útil, do ganho, do luxo,
da riqueza, da aquisição, da acumulação e, de outro lado, a do consumo, mesmo a
de dispêndio puro, puramente sumptuário, estão presentes em toda a parte, em-
bora sejam entendidas diferentemente de como as entendemos hoje. Por outro
lado, essas instituições têm um aspecto estético importante que deliberadamente
deixamos de lado neste estudo: mas as danças que se sucedem, os cantos e os des-
files de todo tipo, as representações dramáticas que se oferecem de acampamento
a acampamento e de associado a associado, os objectos mais diversos que se fabri-
cam, usam, enfeitam, pulem, recolhem e transmitem com amor, tudo que se recebe
com alegria e se apresenta com sucesso, os próprios festins de que todos partici-
pam, tudo, alimentos, objectos e serviços, mesmo o ‘respeito’, como dizem os Tlin-
git, tudo é causa de emoção estética e não apenas de emoções da ordem da moral
ou do interesse.” (Mauss, 2008, pp. 309-310).
66
Quer a relação (entre partes ou elementos de um sistema ou estrutura, como a sociedade) quer a
comunicação são, necessariamente, sociais, i.e. fenómenos sociais e totais.
Paulo M. Barroso
82
67
Tradução do autor a partir do texto da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer: “If
one were to compress within one sentence what the ideology of mass culture actually adds up
to, one would have to represent this as a parody of the injunction: ‘Become that which thou art’:
as the exaggerated duplication and justification of already existing conditions, and the
deprivation of all transcendence and all critique.”
68
Os mecanismos de mediação ou interacção mediada são de comunicação mediada e assentam
nos processos, meios técnicos e instituições (família, escola, Igreja, media, novos media, etc.) de
socialização que transmitem informações, comportamentos, hábitos e atitudes, i.e. “criam
condições de vida em sociedade”; os mecanismos de mediatização são de comunicação
mediatizada, “aquela que se realiza através dos media, dos novos media e das indústrias culturais
e de conteúdo” (Ferin, 2009, pp. 27-28).
Paulo M. Barroso
88
69
Tradução do autor a partir da edição original em inglês de Giner: “As I say, one of the major social
outlooks present in, and characteristic of, the modern world is a conception called the ‘mass
society’ interpretation. In some quarters it also receives the name of the ‘theory of mass society’.
Yet, I hasten to say, it very rarely appears in a guise that can deserve the title of theory, with its
minimal connotations of logical rigor and falsifiability. I will nevertheless retain the expression
‘theory’ in many instances, in order to remain faithful to sources and common speech, conscious
however of the pitfalls and fallacies involved. (Moreover, the fact that the word ‘theory’ is so
lavishly used by mass society ‘theorists’ to describe their cogitations is quite revealing in itself).
The outlook in question claims basically that modern society is the result of a general breakdown
of the elements of differentiation that internally diversified former societies, as well as the parallel
result of a loss of the sense of the sacred: technology, economic abundance and political equality
have created a homogeneous society, in which men are the prey of the impersonal forces of
bureaucracy and regimentation, while ideological fanaticism is their only, fatal refuge from the
moral desert created by generalized apathy and secular disbelief.”
Sociologia da Comunicação
91
70
Tradução do autor a partir da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer: “The mass
is produced socially – in its nature it is not unchangeable; not a community fundamentally close
to the individual, but only welded together by the rational exploitation of irrational psychological
factors, it confers on people the illusion of closeness and communion. But precisely as such an
illusion, it presupposes the atomization, alienation, and impotence of the individuals.”
Paulo M. Barroso
92
“Pode parecer uma disciplina curiosa que tem dificuldades em definir sucintamente
o seu termo nuclear, mas esta palavra [sociedade] carrega uma variedade muito
ampla de significados. Mais amplo e menos útil, pode ser a totalidade dos relacio-
namentos humanos. Mais útil, significa qualquer auto-reprodução de grupo hu-
mano que ocupa razoavelmente um território delimitado e possui uma cultura
razoavelmente distinta e um conjunto de instituições sociais. Geralmente nos re-
ferimos aos estados-nação como sociedades: França ou Holanda, por exemplo. Mas
nós também podemos usar o termo para um determinado povo dentro de um es-
tado: os escoceses ou os galeses, por exemplo. Também é usado para grupos dis-
tintos que sustentam algum tipo de identidade colectiva em virtude da cultura e
interacção social, mas falta um território. Então, podemos falar de ‘sociedade his-
pânica’ nos EUA ou ‘sociedade pentecostal’ no Uganda. No entanto, a ausência de
um território provavelmente significa que ‘subcultura’ seria uma designação mais
útil.” (Bruce & Yearley, 2006, p. 286).71
71
Tradução do autor a partir da edição original em inglês da The Sage dictionary of sociology: “It may
seem a curious discipline that has trouble succinctly defining its core term but this word [society]
carries a very wide variety of meanings. Broadest and least useful, it can be the totality of human
relationships. More useful, it means any self-reproducing human group that occupies a reasonably
bounded territory and has a reasonably distinctive culture and set of social institutions. We
commonly refer to nation-states as societies: France or Holland, for example. But we may also
use the term for a particular people within a state: the Scots or the Welsh, for example. It is also
used for distinctive groups that sustain some sort of collective identity by virtue of culture and
social interaction but lack a territory. So we might talk of ‘Hispanic society’ in the USA or
‘Pentecostal society’ in Uganda. However, the absence of a territorial element probably means
that ‘subculture’ would be a more useful designation.”
72
Tradução do autor a partir da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer: “Under
society in the most pregnant sense is understood a sort of linking structure between human
beings in which everything and everyone depend on everyone and everything; the whole is only
sustained by the unity of the functions fulfilled by all its members, and each single one of these
members is in principle assigned such a function, while at the same time each individual is
determined to a great degree by his membership in this total structure. The concept of society
becomes a functional concept as soon as it designates the relationship between its elements and
the lawfulness of such relationships rather than merely the elements themselves or when it is
merely descriptive. Sociology would thus be primarily the science of social functions, their unity,
their lawfulness.”
Sociologia da Comunicação
93
73
Os termos “sociologia”, “sociedade” ou “comunicação” são palavras-chave importantes neste
livro, principalmente por se inserir na área científica da Sociologia da Comunicação, que está
espelhada no seu título. Estes termos não permitem, em si mesmos (i.e. fora do âmbito da
Sociologia da Comunicação), definições monotéticas, ou seja, uma classificação que utiliza apenas
um critério diferenciador. Conforme designa Wittgenstein (cf. 1998, p. 44), são odd-job words, i.e.
conceitos ambíguos, com funções referenciais irregulares e aplicáveis em contextos variados.
Aceita-se também a opção de “termo guarda-chuva” para definir estes conceitos abrangentes e
polissémicos.
Paulo M. Barroso
94
74
Os meios de comunicação social são considerados o quarto poder, porque desempenham uma
função determinante na formação e esclarecimento da opinião pública e na vigilância crítica, livre
e independente da sociedade e das democracias constitucionais, nomeadamente sobre os órgãos
dos três poderes (legislativo, executivo e judicial).
Sociologia da Comunicação
95
3.3. Cultura
Existem várias definições de “cultura”, mas todas incidem em aspectos re-
lativos, como as suas representações, expressões e modelos de acção e compor-
tamento, bem como os seus elementos constituintes (os símbolos, os
conhecimentos, os valores, as crenças e as normas). Em The Sage dictionary of so-
ciology, de Steve Bruce e Steven Yearley (2006, p. 58), por exemplo, define-se cul-
tura de uma sociedade como a totalidade das suas crenças, normas, valores,
rituais, linguagem, história, conhecimento e carácter social partilhados.
Paulo M. Barroso
96
75
Tradução do autor a partir da edição original em inglês de Parsons: “[…] first, that culture is
transmitted, it constitutes a heritage or a social tradition; secondly, that it is learned, it is not a
manifestation, in particular content, of man’s genetic constitution; and third, that it is shared.
Culture, that is, is on the one hand the product of, on the other hand a determinant of, systems
of human social interaction.”
Paulo M. Barroso
98
Para T. S. Eliot (2002, p. 30), a cultura é “aquilo que torna a vida digna de
ser vivida”. Apesar de vaga, esta definição permite compreender que a cultura é
tudo o que o ser humano produz para seu proveito ou para responder às diversas
necessidades que diariamente surgem. Cada cultura tem as suas próprias formas
de se manifestar e de se expressar. O ser humano é, por isso, sujeito e objecto si-
multâneo da cultura. Por conseguinte, a cultura é um atributo colectivo que
acompanha o desenrolar da vida humana (que é um instrumento de cultura) em
cada sociedade e é, consequentemente, um conceito relativo, subjectivo, flu-
tuante.
Os valores culturais são diversos. Enquanto artefactos produzidos, os ele-
mentos da cultura pressupõem diferentes tipos de sociedades (lugares de desen-
volvimento e implementação da cultura). A comunicação é cultura e as culturas
não podem existir sem sociedades nem estas sem cultura. Sem cultura nem se-
ríamos humanos, não teríamos linguagem (formas de expressão), sentido de au-
toconsciência e a nossa capacidade de pensar estaria limitada. As variações
culturais entre seres humanos estão relacionadas com os diferentes tipos de so-
ciedade e as variações nas formas de comunicação estão relacionadas com as di-
ferentes culturas ou estádios do seu desenvolvimento.
Paulo M. Barroso
100
76
A cultura é “a produção e circulação de sentido, significado e consciência”, pois é “a esfera do
significado que unifica as esferas de produção (economia) e as relações sociais (política)”, segundo
John Hartley (2004, p. 61). A cultura confere sentido à realidade e ao sistema social (relações
sociais e interacções, identidade colectiva, actividades quotidianas) de que faz parte. A cultura é,
por conseguinte, a esfera de reprodução da vida.
Sociologia da Comunicação
101
Figura 3: Modelo de cultura com os três níveis (Fonte: adaptado de Carley H. Dodd, 1988, p. 38).
77
Conjunto de símbolos próprios de uma cultura, religião ou povo pelos quais estes se expressam.
78
O ensaio “Le symbole donne à penser” está integrado, com algumas variações e com o título “O
símbolo dá que pensar”, no final de A simbólica do mal (cf. Ricoeur, 2013, pp. 365-375).
Paulo M. Barroso
104
1959, p. 61). É como se o pensamento que o símbolo doa possuísse uma articu-
lação prévia e consistisse, por conseguinte, num “pensamento pensado” no reino
dos símbolos. Por isso, é possível interrogar os símbolos “tendo em vista o sentido
que se esconde por trás deles, como nos podemos servir deles para levar mais
longe a reflexão” (Ricoeur, 2013, p. 13).
Os símbolos de uma cultura convidam à interpretação. Só há interpretação
da cultura se existir matéria-prima da interpretação, ou seja, símbolos com sig-
nificados e sentidos para serem lidos, descortinados, pensados, pois os símbolos
dizem mais do que deixam antever de um modo superficial, como se guardassem,
em si mesmos, o que dizem. Esta questão implica a relação dos símbolos com o
conhecimento e com a acção, i.e. com o substrato de qualquer cultura.
Um símbolo é o que representa uma coisa, está em lugar de algo, e esta
conexão pode ser simbolizada de maneira diferente segundo cada cultura. Con-
forme sublinha Gurvitch, os símbolos simultaneamente revelam e ocultam; re-
velam ocultando e ocultam revelando:
“Os símbolos são as expressões sensíveis inadequadas de significados espirituais,
ocupando o lugar entre as aparências e as coisas em si (an sich). Eles são os inter-
mediários entre esses dois e dependem de ambos. Eles simultaneamente revelam
e ocultam, ou melhor, revelam ocultando e ocultam revelando. O que expressam e
o que escondem é, por um lado, o espiritual, por outro lado, a realidade (física, bio-
lógica, psicológica, sociológica), na qual o espírito em parte se corporifica, em parte
se revela. Como George Santayana tão bem afirmou, ‘os símbolos são presenças e
são aquelas presenças particularmente agradáveis que invocamos interiormente’.”
(Gurvitch, 2001, p. 35).79
79
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Gurvitch: “The symbols are the
inadequate sensitive expressions of spiritual meanings, taking the place between appearances
and things in themselves (an sich). They are the intermediaries between these two and depend
on both. They simultaneously reveal and conceal, or rather they reveal by concealing and conceal
by revealing. What they express and what they hide is on the one hand the spiritual, on the other
reality (physical, biological, psychological, sociological), in which the spirit partly embodies itself,
partly reveals itself. As George Santayana so well put it, ‘symbols are presences and they are
those particularly congenial presences which we have inwardly invoked’.”
Sociologia da Comunicação
105
80
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Carey: “[…] the Chicago School scholars
conceived communication as something more than the imparting of information. Rather, they
characterized communication as the entire process whereby a culture is brought into existence,
maintained in time, and sedimented into institutions. Therefore, they saw communication in the
envelope of art, architecture, custom and ritual, and, above all, politics. And this gave the third
distinctive aspect to their thought: an intense concern with the nature of public life.”
81
Formada por autores ligados à Universidade de Chicago, entre os anos 1920 e 1940, nomeadamente
Robert Park, Ernest Burgess e Louis Wirth, que desenvolveram trabalhos que se tornaram a base
da teoria e da investigação na área da Sociologia Urbana (cf. Giddens, 2008, p. 575). Nos finais do
século XIX e inícios do século XX, as transformações sociais e o urbanismo crescente,
principalmente nos Estados Unidos, suscitaram reflexões e uma consciência colectiva sobre os
problemas das sociedades (ao nível das assimetrias entre os meios rurais e urbanos, da coesão
social e integração, da economia ou da criminalidade), como são exemplos os trabalhos, nessa área
da Sociologia, de Robert Park, George Herbert Mead e Thomas Dewey (cf. McQuail, 2003, p. 39).
Paulo M. Barroso
106
“[…] nenhum processo mental chega a captar a realidade em si, já que, para poder
representá-la, para poder, de algum modo, retê-la tem de socorrer-se do signo, do
símbolo. E todo o simbolismo esconde em si o estigma da mediatez, o que o obriga
a encobrir quanto pretende manifestar.” (Cassirer, 1989, p. 11).
82
Obra publicada em 1975, originalmente em francês, com o título L’instituition imaginaire de la
société, (Éditions du Seuil, Paris).
Sociologia da Comunicação
107
Por seu turno, Mauss sublinha a importância capital dos símbolos para a
comunicação e para a cultura. Atente-se à seguinte passagem de Sociologia e an-
tropologia:
“Há muito Durkheim e nós ensinamos que não pode haver comunhão e comunica-
ção entre homens a não ser por símbolos, por signos comuns, permanentes, exte-
riores aos estados mentais individuais que são simplesmente sucessivos, por signos
de grupos de estados tomados a seguir por realidades. Chegamos até a supor por
que eles se impõem: é porque, em troca, pela visão e pela audição, pelo facto de
ouvir o grito, de sentir e ver os gestos dos outros simultaneamente ao nosso, os
tomamos por verdades. Há muito pensamos que uma das características do facto
social é precisamente seu aspecto simbólico. Na maioria das representações colec-
tivas, não se trata de uma representação única de uma coisa única, mas de uma re-
presentação escolhida arbitrariamente, ou mais ou menos arbitrariamente, para
significar outras e para comandar práticas.” (Mauss, 2008, p. 328).
Por seu turno, George Steiner considera relevante o que designa por “ima-
gens do passado” para a compreensão do que nos governa, ou seja, do que é a
cultura:
Paulo M. Barroso
108
“Não é o passado literal que nos governa, excepto, talvez, numa acepção biológica.
São as imagens do passado: com frequência tão intensamente estruturadas e tão
imperativas como os mitos. As imagens e as construções simbólicas do passado
encontram-se impressas, quase à maneira de informações genéticas, na nossa sen-
sibilidade.” (Steiner, 1992, p. 13).
83
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Foster: “Without symbolism there could
be no culture. A symbol is an artefact: a ‘thing’ that exists out there somewhere in space and time.
As a ‘thing’, a symbol has material reality and is experienced through the senses. It is a ‘thing’
that represents: that is culturally involved in such a way that it can be used in a multiplicity of
contexts to convey meaning, not just about itself, but about cultural processes and relationships.
Every symbol participates in a web of significances that we call culture. In other words, any symbol
resonates with meaning. The meaning of a symbol is not a ‘thing’, and it can only be grasped
inductively by observation of many instances of the social uses of that symbol, or similar symbols.”
Sociologia da Comunicação
109
84
O termo nous dá origem ao conceito de noésis, a operação do nous, ou seja, a operação do
pensamento, em contraste com a actividade dos sentidos, segundo F. E. Peters (cf. 1983, p. 147).
Paulo M. Barroso
110
em que as ideias são imutáveis, eternas e verdadeiras (cf. Platão, 2001, 507b).
Mas o mundo 3 de Popper é o dos produtos da mente, que estão em permanente
mudança; é o mundo do conhecimento objectivo.
Na sua autobiografia intelectual intitulada Busca inacabada, Popper (cf.
2008, p. 252) explica que, se chamarmos ao mundo das coisas ou dos objectos fí-
sicos o mundo 1 e ao mundo das experiências subjectivas e dos processos mentais
o mundo 2, podemos chamar ao mundo dos enunciados em si o mundo 3. Então,
pergunta Popper: “Devemos chamar ‘reais’ às imagens que vemos na televisão?”.
Como as imagens de televisão são o resultado de um processo pelo qual o apare-
lho descodifica mensagens transmitidas através de ondas, devemos chamar
“reais” a essas mensagens codificadas e abstractas, pois o resultado da sua des-
codificação é “real” (Popper, 2008, p. 256).
Se o ser humano é um animal simbólico, o mesmo é dizer que é um animal
cultural. Todas as sociedades possuem cultura e um sistema de significação sim-
bólica que são interdependentes. Todos os elementos materiais ou espirituais da
cultura, todos os modos de manifestação da cultura (rituais, festas, jogos, modas,
costumes, usos, formas de artes, etc.) e todas as relações sociais são formas sim-
bólicas, porque verificam-se trocas de signos, i.e. interpretações e significados.
Por conseguinte, os sistemas sócio-culturais são fundamentalmente sistemas in-
tegrados de comunicação (cf. Lima, Martinez & Lopes Filho, 1980, p. 63), pois
tudo ou quase tudo na cultura comunica. A cultura é um dado universal e tudo
o que o ser humano acrescenta à Natureza (tudo o que o ser humano faz ou con-
cebe de diferentes maneiras e resultados como obra da sua acção) é cultura. Não
é geneticamente transmitida, i.e. não nascemos com cultura; a cultura é herdada
socialmente (cf. Lima, Martinez & Lopes Filho, 1980, p. 67). O ser humano passa
por um processo de endoculturação85 ou inculturação86 que os integra no seu sis-
tema social. Por isso, existem diferentes culturas (relativismo cultural), mas tam-
bém os elementos da cultura (símbolos, conhecimento, valores, crenças e normas)
estão presentes em diferentes modos e proporções em todas as culturas.
85
Conjunto de processos de aquisição ou aprendizagem pelo qual o ser humano se apropria da
cultura do sistema social a que pertence.
86
Processo de adaptação cultural.
87
Um exemplo de um valor é a monogamia, que é proeminente na maioria das sociedades
ocidentais.
Sociologia da Comunicação
111
88
O conceito de “norma” deriva do grego nómoi, lei ou convenção, contrapondo-se ao conceito de
physis, natureza. O termo “norma” significa etimologicamente “esquadro de carpinteiro, regra,
padrão” e pressupõe regras de comportamento ou acção socialmente partilhadas, expressando o
que se deve ou não deve fazer em determinadas circunstâncias (cf. Barroso, 2020a, p. 1269).
89
Por exemplo, numa cultura que valoriza a hospitalidade, as normas culturais estimulam
expectativas quanto à dádiva de presentes ou ao comportamento social de convidados e
anfitriões.
90
Atinente ao efeito normalizador e dissuasor das normas sociais (em particular, as normas morais
e religiosas), Oscar Wilde, por intermédio do personagem Lord Henry, em O retrato de Dorian Gray,
refere com perspicácia e pertinência: “O temor à sociedade, que é a base da moral, e o temor a
Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam” (Cf. Wilde, 1999, p. 36).
Por seu turno, Nietzsche também apresenta uma perspectiva similar, original e interessante sobre
as normas morais e religiosas, quando se refere ao nascimento social da falta (pecado) e da culpa,
que passa a ser encarnada pelo indivíduo. Em A genealogia da moral, Nietzsche critica o que
denomina como “ideal ascético ao serviço de uma finalidade, a exaltação dos sentimentos”,
considerando ser esta a “obra-prima do sacerdote ascético para produzir na alma humana esta
música estática” enquanto “perfeição do sentimento de culpabilidade”. Assim, o pecado é o nome
atribuído pelo sacerdote à “má consciência animal” (crueldade interiorizada); o pecado é “o
acontecimento capital na história da alma doente, é a frase mais nefasta da interpretação
religiosa”, a partir da qual passou a haver uma “nova doença no mundo: o pecado”, pois é um
freio da vontade, da liberdade, do pensamento, da acção e do comportamento do indivíduo
inserido e em convívio numa comunidade (cf. Nietzsche, 1997b, pp. 116-117).
Paulo M. Barroso
112
91
Tradução do autor a partir do texto original em inglês: “In modern Western societies, the
functioning of social systems of norms was critically analyzed by Michel Foucault in the 1970s;
his work is often reduced either to the thesis of a massive normalization of individual behavior
or to the power exercised under the regime of the norms instead of according to laws. Foucault
defined the norm as a mix of legality and nature, prescription, and constitution. Different groups,
communities, and societies have different norms with different functions. Therefore, regarding
Foucault’s perspective, one could question whether there are no norms, but only the simple and
virtual normative use.”
Sociologia da Comunicação
113
92
Culturas mais pequenas e específicas formadas e assentes em outras culturas mais vastas e
complexas, com a qual estabelecem uma cisão ou demarcação.
93
Julgar uma cultura tomando como medida de comparação outra cultura que é considerada
superior ou melhor e que, por norma, é aquela à qual pertence quem faz o juízo de valor.
Sociologia da Comunicação
115
94
A aculturação é o processo pelo qual um indivíduo ou grupo humano pertencentes a uma
determinada cultura entra em contacto permanente com uma cultura diferente (supostamente
considerada “superior”, mais forte ou dominante) e se adapta a esta ou retira dela elementos
culturais.
Paulo M. Barroso
116
– Não é tradicional.
– Não é elitista nem erudita.
– É uma produção (melhor, reprodução) em massa.
– É popular.
– É comercial.
– É homogeneizada.
95
Em Portugal, os tribunais são um dos órgãos de soberania, administram a justiça em nome do
povo exercendo o poder judicial, que é fundamental a par do poder legislativo (exercido pela
Assembleia da República) e do poder executivo (exercido pelo Governo que aplica a lei enquanto
órgão superior da Administração Pública).
96
A cultura de massas será o resultado da acção, em especial, dos meios de comunicação de massas,
segundo Gabriel Cohn (1973, p. 99), “em sociedades tecnologicamente avançadas e de alto grau
de urbanização”. Concordamos com Cohn, segundo o qual a cultura de massas implica, como seu
substrato social, a sociedade de massas e, no plano interactivo, a comunicação de massas.
97
Estes cinco aspectos coincidem com as cinco funções dos media na sociedade (informar, persuadir,
educar, socializar e distrair ou entreter), que serão abordadas mais adiante, no subcapítulo 3.4.1.
Paulo M. Barroso
118
98
Os media não criam as atitudes e os valores na cultura, pois estes (as atitudes e os valores) já
estão presentes; os media apenas alimentam e propagam as atitudes e os valores, ajudando as
culturas a manter e a adaptar os seus valores (Fiske, 1993, p. 200).
Sociologia da Comunicação
119
bém deve ser regida por normas, examinando o que pode e deve ser publicado.
Embora existam áreas dos media em que é difícil implementar essas normas, é ne-
cessário introduzir directrizes éticas para o blogging e os outros social media, por
exemplo, que se tornaram cada vez mais populares e influentes, permitindo que
qualquer pessoa produza e publique conteúdos na web. A introdução de normas
em novas áreas pode regular o seu uso e impedir acções ofensivas ou desviantes.”
(Barroso, 2020a, p. 1270).99
Os media possuem estatuto e legitimidade que são dados pelos seus pú-
blicos, mas também concedem arbitrariamente (seguindo os critérios editoriais
que escolhem) estatuto social e legitimidade a pessoas anónimas (e.g. nos reality
shows) através do tempo de antena que lhes dão, aumentando a sua notoriedade
mediática, ou seja, tornando-as populares.
O poder dos media em termos de atracção e direcção da atenção dos pú-
blicos está comprometido em função de determinados interesses editoriais (estilo
mais formal e rigoroso ou mais espectacular e sensacionalista adoptado pelo
órgão de comunicação) e comerciais (concorrenciais, de guerra de audiências). A
adopção de um estilo mais espectacular e sensacionalista vai mais ao encontro
dos interesses colectivos de uma cultura popular. Os media, os conteúdos (pro-
gramas de entretenimento e de informação) e os públicos identificam-se, pois
são todos populares. O poder dos media também é distractivo, ou seja, é o poder
de distrair os públicos com programas de entretenimento ou até o simples cultivo
do aparato e do espectáculo informativo (nos noticiários) que causa sensação.
99
Tradução do autor a partir do texto original em inglês: “The journalistic activity is necessarily
regulated by codes of ethics that guarantee the guidance of important practices such as
confirming the sources of information, ensuring the contradiction, following objectivity and
impartiality, or seeking the truth; otherwise, moral principles and fundamental social values of
society, such as truth, will be violated. Therefore, the media production must be also governed
by norms, scrutinizing what can and should be published. Although there are areas in media
where it is difficult to implement such norms, it is necessary to introduce ethical guidelines for
blogs and other social media, for example, which have become increasingly popular and
influential, enabling anybody to produce and publish content on the web. Introducing norms in
new areas might regulate their use and prevent offensive or deviant actions.”
Paulo M. Barroso
120
Massificação no “consumo” dos media torna as Relações pessoais pela proximidade entre o
relações impessoais. emissor e o receptor.
Público vasto e desconhecido, sem feedback e sem Público restrito, conhecido e, por vezes, presente,
conhecimento das reacções ou efeitos (excepto com reacções imediatas e directas.
quando há estudo de audiências).
100
A propósito do totalitarismo mediático, Leonardo Acosta (1979, p. 141) sublinha: “Os termos
‘comunicações de massa’ e ‘meios de comunicação de massas’, que emergiram nos Estados
Unidos, são enganadores em mais do que um sentido. Em primeiro lugar, tais media não
constituem realmente um veículo da comunicação humana, porque comunicação implica um
diálogo, uma troca, e os mass media falam, mas não permitem uma resposta”. Tradução do autor
Paulo M. Barroso
124
a partir do original em inglês: “The terms ‘mass communications’ and ‘mass media’ which
emerged in the United States are misleading in more than one sense. In the first place, such
media do not really constitute a vehicle of human communication, for communication implies a
dialogue, an exchange, and the mass media speak, but do not permit a response.”
Sociologia da Comunicação
125
Meios de comunicação de massas controlados por Não estabelece a existência de uma elite unificada
outras instituições. e homogénea sob os meios de comunicação.
Redução da capacidade crítica das audiências (os Conteúdos pluralistas e competitivos para as
cidadãos tornam-se espectadores). audiências.
Audiências levadas a aceitar a visão proposta. As audiências são capazes de resistir à persuasão.
101
Neste segundo caso, os cidadãos nem podem ser denominados como tal, porque o conceito de
cidadão não pressupõe públicos formatados, acríticos e passivos dos meios de comunicação
social.
102
Sobre o caso Watergate, que resultou na demissão de Richard Nixon do cargo de presidente dos
EUA, em 1974, por estar envolvido num processo de espionagem política através de escutas
telefónicas na sede do Partido Democrata em Washington, localizada nos escritórios do edifício
com o nome de Watergate, veja-se a obra Watergate: O processo de uma presidência, redigido pelos
próprios jornalistas que realizaram a investigação (cf. Woodward & Bernstein, 1974). Esta obra
deu origem ao filme Os homens do presidente (All the president’s men) de 1976, realizado por Alan
J. Pakula.
103
No cinema existem inúmeras representações de boas e de más práticas do jornalismo e que
servem o propósito da Sociologia da Comunicação: reflectir sobre o papel e as influências sociais
do jornalismo. Estes casos são frequentemente reportados no cinema, nomeadamente Citizen
Kane (1941), de Orson Welles, que caracteriza a prepotência dos magnatas no campo dos media,
com interesses privados e divergentes aos do serviço público e informativo do jornalismo, e
Spotlight (2015), de Tom McCarthy, que mostra, a partir de um caso real, como deve proceder a
Paulo M. Barroso
126
Efectivamente, foi Edmund Burke quem utilizou pela primeira vez a ex-
pressão “quarto poder”, conforme atesta Francis Balle:
“Edmund Burke, político e escritor britânico, utilizou pela primeira vez a expressão
‘quarto poder’ em 1790, para condenar a Revolução Francesa. Em 1840, Balzac apro-
priou-se desta fórmula, no mesmo artigo da Revue parisienne onde lançou a sua cé-
lebre diatribe: ‘Se a imprensa não existisse, não era preciso inventá-la…’ Em Junho
de 1978, Aleksandr Soljenitsyne, dirigindo-se aos estudantes da Universidade de
Harvard reunidos para o ouvir, lançava este aviso às democracias ocidentais: a im-
prensa tornou-se a força mais poderosa dos Estados Unidos, ela ultrapassa, em po-
tência, os três outros poderes.” (Balle, 2003, p. 103).
os casos. O conceito aponta para o poder dos media,105 enquanto estruturas pro-
fissionais e indústrias especializadas na produção e transmissão de produtos me-
diáticos, e para os seus efeitos e influências sociais e culturais.
“Os meios de comunicação de massa são um dos mais influentes meios institucio-
nalizados pelos quais esse processo geral [o imperialismo mediático] é organizado
e alcançado, e o termo imperialismo dos media é frequentemente usado para des-
tacar o seu papel específico.” (O’Sullivan, Hartley, Saunders, Montgomery & Fiske,
1994, p. 74).106
Para este foco não são alheios os modelos (de dominação e pluralista) de
implementação dos media anteriormente abordados nem o mais recente e tec-
nológico processo de globalização dos media. Por conseguinte, o imperialismo
mediático não pode ser separado dos media enquanto instituição social, que de-
sempenha um papel activo e de influência nas sociedades, nem das suas activi-
dades e práticas de produção e difusão de conteúdos mediáticos que não deixam
de ser produtos comerciais ou mercadorias de consumo em massa. Segundo Leo-
nardo Acosta:
“Os meios de comunicação de massa, da imprensa à televisão, foram desenvolvidos
pela primeira vez nos Estados Unidos, o paraíso do capital monopolista e do impe-
rialismo financeiro moderno. Os meios de comunicação de massa e seu produto
final, a chamada ‘cultura de massa’, assumem um papel mais importante a cada
dia, como um complexo ideológico-industrial dedicado à justificação e perpetuação
do sistema capitalista e, em particular, do complexo financeiro-político-militar
norte-americano que constitui o núcleo do imperialismo yankee.” (Acosta, 1979, p.
141).107
105
O poder dos media não reside apenas na vertente comunicacional (produção e difusão de
conteúdos ou produtos mediáticos), mas também económica (base capitalista) e política
(transmissão e cultivo de ideologia, opiniões politizadas e comentários parciais de líderes de
opinião, muitos deles partidários, nos meios de comunicação social).
106
Tradução do autor a partir do original em inglês: “The mass media are one of the most influential
institutionalized means whereby this general process [the media imperialism] is organized and
achieved, and the term media imperialism is often used to highlight their specific role.”
107
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Acosta: “The mass media, from the
press to television, were developed for the first time in the United States, the paradise of
monopoly capital and modern financial imperialism. The mass media and their final product,
so-called ‘mass culture’, assume a more important role every day, as an ideological-industrial
complex devoted to the justification and perpetuation of the capitalist system, and in particular,
the North American financial-political-military complex that constitutes the core of yankee
imperialism.”
Paulo M. Barroso
128
108
Tradução do autor a partir do texto da edição original em espanhol de Espinar et al.: “El término
imperialismo cultural, junto a otros como imperialismo ideológico o imperialismo económico,
ocuparon un papel fundamental en todos los estudios que sobre las comunicaciones en las
relaciones entre diversas naciones se llevaron a cabo en la década de los años setenta. En palabras
de Herbert Schiller, el imperialismo cultural se podría definir del siguiente modo: ‘El conjunto
de procesos mediante los cuales una sociedad se introduce en el seno del moderno sistema
mundial y la forma en que su capa dirigente es inducida, mediante fascinación, presión, fuerza
o corrupción, a modelar las instituciones sociales para que se correspondan con los valores y
estructuras del centro dominante del sistema o a convertirse en su promotor’.
Sociologia da Comunicação
129
gens sérias e reflectidas. Essas não são as prioridades para o leitor ou telespectador
da maior parte de nossos jornais, nem o que o telespectador recebe quando liga o
noticiário local das 11 horas ou, com muita frequência, até mesmo as produções
de notícias da rede de televisão.
‘Bem, foi mesmo o melhor sexo que você já teve?’ Estas foram as palavras de Diane
Sawyer numa entrevista com Marla Maples no Prime Time Live da ABC News (onde
‘mais americanos obtêm as suas notícias, mais do que em qualquer outra fonte’).
Estas palavras marcaram uma nova baixa (de onde a própria Sawyer tem escalado
activamente). Por mais de 15 anos temo-nos afastado do jornalismo de verdade e
seguido em direcção à criação de uma cultura fraca do infotainment, em que as li-
nhas entre Oprah, Phil, Geraldo, Diane e até Ted, entre o New York Post e Newsday,
muitas vezes não se distinguem. Nesta nova cultura de excitação jornalística, en-
sinamos aos leitores e telespectadores que o trivial é importante, que o melodra-
mático e o bizarro são mais importantes do que notícias de verdade. Não servimos
os nossos leitores e telespectadores, nós os alcovitamos. E condescendemos a eles,
dando a eles o que achamos que eles querem e o que calculamos que vá vender e
aumentar a nossa audiência e a quantidade dos leitores. Muitos, tristemente, pa-
recem justificar a nossa condescendência, e se entusiasmam com o lixo. Ainda
assim, o papel dos jornalistas é desafiar as pessoas, não apenas entretê-las.
Estamos no processo de criar o que merece ser chamado de cultura idiota. Não uma
subcultura idiota, que toda a sociedade tem borbulhando sob a superfície e que
pode trazer diversão inócua; mas a própria cultura. Pela primeira vez, o esquisito,
o estúpido e o grosseiro estão se tornando a nossa norma cultural, até mesmo o
nosso ideal cultural. […]
Não pretendo atacar a cultura popular. O bom jornalismo é cultura popular, mas
cultura popular que amplia e informa os seus consumidores em vez de apelar para
o cada vez mais baixo denominador comum. Se, por ‘cultura popular’, queremos
designar expressões de pensamento ou sentimento que não requerem trabalho da-
queles que a consomem, então o jornalismo popular decente acabou. O que acon-
tece hoje, infelizmente, é que a mais baixa forma de cultura popular – a falta de
informação, a desinformação e um desprezo pela verdade ou pela realidade da vida
da maior parte das pessoas – atropelou o jornalismo real. Hoje, os americanos co-
muns estão sendo entupidos com lixo.” (Bernstein, 1992, pp. 24-25).109
109
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Bernstein: “Reporting is not
stenography. It is the best obtainable version of the truth. The really significant trends in
journalism have not been toward a commitment to the best and the most complex obtainable
version of the truth, not toward building a new journalism based on serious, thoughtful
reporting. Those are certainly not the priorities that jump out at the reader or the viewer from
Page One or ‘Page Six’ of most of our newspapers; and not what a viewer gets when he turns on
the 11 o’clock local news or, too often, even network news productions. ‘All right, was it really
the best sex you ever had?’ Those were the words of Diane Sawyer, in an interview of Marla
Maples on ‘Prime Time Live,’ a broadcast of ABC News (where ‘more Americans get their news
from… than any other source’). Those words marked a new low (out of which Sawyer herself
has been busily climbing). For more than fifteen years we have been moving away from real
journalism toward the creation of a sleazoid info-tainment culture in which the lines between
Oprah and Phil and Geraldo and Diane and even Ted, between the New York Post and Newsday,
are too often indistinguishable. In this new culture of journalistic titillation, we teach our readers
and our viewers that the trivial is significant, that the lurid and the loopy are more important
than real news. We do not serve our readers and viewers, we pander to them. And we
condescend to them, giving them what we think they want and what we calculate will sell and
Paulo M. Barroso
130
boost ratings and readership. Many of them, sadly, seem to justify our condescension, and to
kindle at the trash. Still, it is the role of journalists to challenge people, not merely to amuse
them. We are in the process of creating, in sum, what deserves to be called the idiot culture. Not
an idiot subculture, which every society has bubbling beneath the surface and which can provide
harmless fun; but the culture itself. For the first time in our history the weird and the stupid and
the coarse are becoming our cultural norm, even our cultural ideal. […] I do not mean to attack
popular culture. Good journalism is popular culture, but popular culture that stretches and
informs its consumers rather than that which appeals to the ever descending lowest common
denominator. If, by popular culture, we mean expressions of thought or feeling that require no
work of those who consume them, then decent popular journalism is finished. What is happening
today, unfortunately, is that the lowest form of popular culture–lack of information,
misinformation, disinformation, and a contempt for the truth or the reality of most people’s
lives–has overrun real journalism. Today ordinary Americans are being stuffed with garbage.”
Sociologia da Comunicação
131
110
Obras publicadas em 1962, 1964 e 1967, respectivamente.
Paulo M. Barroso
134
“Há um princípio básico pelo qual se pode distinguir um meio quente, como o
rádio, de um meio frio, como o telefone, ou um meio quente, como o cinema, de
um meio frio, como a televisão. Um meio quente é aquele que prolonga um único
de nossos sentidos e em ‘alta definição’. Alta definição se refere a um estado de
alta saturação de dados. Visualmente, uma fotografia se distingue pela ‘alta defi-
nição’. Já uma caricatura ou um desenho animado são de ‘baixa definição’, pois
fornecem pouca informação visual. O telefone é um meio frio, ou de baixa definição,
porque ao ouvido é fornecida uma magra quantidade de informação. A fala é um
meio frio de baixa definição, porque muito pouco é fornecido e muita coisa deve
ser preenchida pelo ouvinte. De outro lado, os meios quentes não deixam muita
coisa a ser preenchida ou completada pela audiência. Segue-se naturalmente que
um meio quente, como o rádio, e um meio frio, como o telefone, têm efeitos bem
diferentes sobre seus usuários.” (McLuhan, 1999, pp. 38).
São inclusivos: permitem completude e mais São exclusivos: dispensam que as informações
participação sensorial para apreensão das sejam complementadas pelas audiências;
mensagens. permitem menos participação.
Tabela 8: Tipologia dos media (entre “cool media” e “hot media”), segundo McLuhan.
Nesta tipologia não consta, por óbvias razões históricas, a internet como
meio de comunicação. Seria impossível classificar a internet nesta tipologia bi-
nária, porque a internet é um meio híbrido, uma mistura de todos os meios. A
classificação da internet depende do uso e da experiência comunicacional que se
faz deste meio num dado momento, pois a “Internet incorpora rádio, filmes e te-
levisão e distribui-os através de uma tecnologia especial” (McQuail, 2003, p. 121).
Deste modo, esta tipologia, já ultrapassada em função da própria evolução dos
media,111 sustenta que os meios são quentes (quando mobilizam um só sentido,
111
Conforme reconhece McQuail (cf. 2003, p. 30), hoje é mais difícil diferenciar os vários tipos de
media do que era antes, porque “algumas formas mediáticas são agora distribuídas por tipos
diferentes de canal de transmissão, reduzindo a unicidade original da forma e da experiência de
uso”.
Sociologia da Comunicação
135
e.g. a imprensa ou a rádio, com pouca participação do público) e são frios (menos
expressivos e mais sugestivos, e.g. o telefone ou a televisão, quando solicitam
mais a participação do utilizador (Balle, 2003, p. 93).
Esta tipologia pode ter uma vertente pedagógica, de advertência para os
efeitos exercidos pelos media sobre os sentidos humanos, ao ponto de McLuhan
ter admoestado para essa situação, dizendo “Mind your media men!”.112
112
Tradução: “Prestem atenção aos meios de comunicação que usam!”.
Paulo M. Barroso
136
Tabela 9: As três culturas ou galáxias de evolução tecnológica das sociedades, segundo McLuhan.
Uma cultura não é uma civilização. Uma cultura manifesta-se como uma
forma de pensar, sentir, agir, comunicar, etc.; é o conjunto de técnicas para o
ajustamento e adaptação da espécie humana ao meio e para a interacção social.
Baseia-se no entendimento partilhado dos significados que incorporam as estru-
turas de significação de tudo o que rodeia a comunidade à qual se pertence e se
está inserido ou com a qual se identifica em termos de padrões culturais. As es-
truturas de significação caracterizam as culturas, porque funcionam como ma-
trizes onde se inscrevem os significados interpretáveis para serem seguidos, pois
são importantes para a inserção, participação, identidade e interacção social.
O conceito de civilização é muito mais aglutinante do que o de cultura.
Uma civilização pode incluir várias culturas. Uma civilização é pautada por um
determinado ideal de progresso colectivo em todos os níveis: intelectual, moral,
social, cultural, político, técnico e científico. É uma sobreposição humana sobre
o estado primitivo ou natural de barbárie.
No entanto, estas três culturas propostas por McLuhan correspondem a
três mundos ou três configurações civilizacionais: a oral (logosfera, a do predo-
mínio da palavra oral), a impressa (grafosfera, a do predomínio da escrita ou da
palavra impressa) e a electrónica (videosfera, a do predomínio da audiovisuali-
dade). Em Vida e morte da imagem: Uma história do olhar no ocidente, Régis Debray
(1994, p. 360) sintetiza estas três culturas:
1. Logosfera, que segue a invenção da escrita e é o domínio da palavra,
“o que era verdadeiramente, estava ausente” e “a suspeita incidia sobre
o visível”.
2. Grafosfera, que se constrói a partir da imprensa, “o visível recuperou a
sua dignidade, mas como contingência que persegue ou regula uma
necessidade logicamente acessível pelo discurso ou abstracção”.
3. Videosfera, onde a “dissimulação comprova o falso ou o inconsistente
e a suspeita incide sobre o inobservável”; “o que não é visualizável não
existe”.113
113
Para mais desenvolvimento acerca destas três culturas, a logosfera, a grafosfera e a videosfera,
veja-se também o Curso de midiologia geral, de Régis Debray (1993).
Sociologia da Comunicação
137
114
A escrita, a imprensa e os meios electrónicos tiveram o efeito de criar mutações nos fundamentos
da vida social. O meio aplicado para transmitir uma mensagem exerce um efeito específico, mais
importante até do que a própria mensagem.
Paulo M. Barroso
138
115
O título original em inglês, publicado em 1992, é How the world was one: Beyond the global village.
Sociologia da Comunicação
139
A actual sociedade global foi em grande medida criada pelas tecnologias dos trans-
portes e das comunicações, e podia argumentar-se que a segunda é a mais impor-
tante. Pode imaginar-se um planeta (generosamente, apresento a ideia aos meus
colegas escritores de ficção científica) em que as deslocações de longa distância
sejam extremamente difíceis ou até impossíveis. Mas, se os habitantes de tal
mundo tivessem desenvolvido comunicações eficientes, poderiam, mesmo assim,
considerar-se membros de uma única sociedade.” (Clarke, 1994, pp. 11-12).
“Ao colocar o nosso corpo físico dentro do sistema nervoso prolongado, mediante
os meios elétricos, nós deflagramos uma dinâmica pela qual todas as tecnologias
anteriores – meras extensões das mãos, dos pés, dos dentes e dos controles de
calor do corpo, e incluindo as cidades como extensões do corpo – serão traduzidas
em sistemas de informação. A tecnologia eletromagnética exige dos homens um
estado de completa calma e repouso meditativos, tal como convém a um organismo
que agora usa o cérebro fora do crânio e os nervos fora de seu abrigo. O homem
deve servir à tecnologia elétrica com a mesma fidelidade servomecanística com
que serviu seu barco de couro, sua piroga, sua tipografia e todas as demais exten-
sões de seus órgãos físicos. Com uma diferença, porém: as tecnologias anteriores
eram parciais e fragmentárias, a elétrica é total e inclusiva. Um consenso ou uma
consciência externa se faz agora tão necessário quanto a consciência particular.
Com os novos meios também é possível armazenar e traduzir tudo; e, quanto à ve-
locidade, não há problema. Nenhuma aceleração maior é possível aquém da bar-
reira da luz.” (McLuhan, 1999, pp. 77-78).
É nesta perspectiva que McQuail (cf. 2003, p. 15) refere a instituição dos
media na sociedade, na base de:
– Produção e distribuição de conteúdos com impacto (influência) e signi-
ficado (efeito) nos públicos.
– Organização formal profissional dos media como empresas modernas
de cariz liberal, concorrencial e capitalista.
– Operacionalização estratégica na esfera pública.
– Regulação constante como garantia para um Estado de Direito.
Sociologia da Comunicação
145
116
Segundo McQuail (2003, p. 30), “a Internet não existe em parte alguma como entidade legal e
não está sujeita a qualquer conjunto singular de leis ou regulações nacionais”, mas “quem usa
a Internet pode ser responsabilizado pelas leis e regulamentos do país onde habita como também
pelas leis internacionais.”
Paulo M. Barroso
146
seguiram à impressão da Bíblia de Gutenberg, ca. 1450, do que nos mil anos an-
teriores (cf. McQuail, 2003, p. 20).
Relativamente a 2), a partir do século XVIII, o cidadão comum da França,
dos EUA e de outros países exigiu e obteve representação nos respectivos gover-
nos. Ao mesmo tempo, o cidadão comum desejou ser alfabetizado e ter acesso a
instituições escolares, que antes eram restritas. Os governos democráticos, por
sua vez, dependiam de cidadãos instruídos e, em consequência, encorajaram a
alfabetização em massa e o crescimento de uma imprensa livre (cf. McQuail, 2003,
p. 21).
Quanto a 3), as indústrias modernas exigiam uma força de trabalho ins-
truída e capaz de lidar com números. Também necessitavam de meios de comu-
nicação rápidos para realizar os seus negócios com eficiência. Os media
tornaram-se fonte de lucro e a comunicação de massas tem sido um grande ne-
gócio (cf. McQuail, 2003, p. 22).
• Marxismo
• Economia política
• Sociedade de • Sociedade de massas
Centração informação
Centração
nos Media na Sociedade
• Determinismo da tecnologia • Funcionalismo estrutural
de comunicação
• Difusão e desenvolvimento
Consenso
Figura 4: Posicionamento conceptual das perspectivas ou teorias consoante o que cada uma defende ser
o papel dos media na sociedade (cf. McQuail, 2003, p. 92).
Segundo McQuail (cf. 2003, p. 83), os media são essenciais à sociedade, se-
gundo o funcionalismo estrutural, para:
– Integração e cooperação.
– Ordem, controlo e estabilidade.
– Adaptação à mudança.
– Mobilização.
– Gestão da tensão.
– Continuidade da cultura e dos valores.
O que é que nos aponta para o facto de estarmos a viver numa sociedade
da informação? A resposta breve e concisa de Hartley (2004, p. 251), que coloca
esta mesma questão em Comunicação, estudos culturais e media: Conceitos-chave,
é a de que “o uso, o armazenamento e a distribuição da informação contribuíram
para transformar as estruturas sociais ao longo da história”. Todavia, se todas
as sociedades dependem de informações como poder determinante, podemos
afirmar que esta era é a da sociedade da informação e que os séculos anteriores
não eram?
A informação é importante para todas as sociedades, mas a diferença é
que, agora, a informação é tecnológica, i.e. é produzida, transmitida e recebida
instantaneamente através de novos dispositivos tecnológicos, cujos usos modi-
ficam os hábitos e os estilos de vida colectiva. Segundo Hartley (2004, p. 251), al-
guns autores argumentam que é a proliferação de mercados baseados em
informações (e o correspondente rápido aumento da quantidade de produtos ba-
seados em informações) que define a era da informação e esta situação é recente,
tal como são recentes os computadores para processamento de informações, te-
lemóveis e outros meios tecnológicos para receber e transmitir informações de
uma maneira mais fácil, simples e imediata.
117
Segundo a teoria hipodérmica, cada elemento do público é atingido, de uma maneira pessoal e
directa, pelas mensagens dos meios de comunicação de massas (cf. Wolf, 1992, p. 18). Esta teoria
pressupõe a existência de uma sociedade de massas, onde cada indivíduo é um átomo, i.e.
encontra-se isolado e reage isoladamente aos impulsos e estímulos que são as mensagens dos
meios de comunicação de massas.
118
A base teórica deste modelo de comunicação “a dois níveis”, como também é designado, são as
obras The people’s choice (1944) de Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, sobre o voto
e a formação da opinião pública durante as eleições presidenciais dos EUA de 1940, e a obra
Personal influence (1955), da autoria de Elihu Katz e Paul Lazarsfeld. Para mais desenvolvimento
sobre este modelo de comunicação, leia-se Teorias da comunicação, de Mauro Wolf (cf. 1992, pp.
44-50).
119
Teoria que defende que os mass media apresentam ao público uma lista de assuntos sobre os
quais é preciso formar uma opinião e discutir. A compreensão que o público tem de grande parte
da realidade social é fornecida pelos mass media (cf. Wolf, 1992, p. 128). Assim, o público inclui
ou exclui do seu conhecimento os assuntos em função de estes serem ou não tratados pelos mass
media.
Paulo M. Barroso
154
120
Segundo Nelson Traquina (cf. 2000, p. 13), o conceito de agendamento foi exposto pela primeira
vez por Maxwell McCombs e Donald Shaw em 1972, quando “o paradigma então vigente na
communication research apontava claramente para uma ideia acerca do poder dos media, mais
tranquilizadora para a sociedade em geral: a de que esse poder era reduzido e os seus efeitos
limitados”.
Paulo M. Barroso
156
teresse e sentimento, a sensação normal de estar vivo, de ter uma relação social
(cf. Carey, 2009, p. 1). Esta situação acontece porque:
– Existem cada vez mais formas e meios de comunicação, nomeadamente
electrónicos e de acesso (visualização) fácil e imediato.
– Os media têm um papel preponderante e absorvente na vida quotidiana.
– Os media produzem e disseminam uma cultura de massas.
– Os efeitos dos media são complexos.
121
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Carey: “One of the major problems one
encounters in talking about communication is that the noun refers to the most common,
mundane human experience. There is truth in Marshall McLuhan’s assertion that the one thing
of which the fish is unaware is water, the very medium that forms its ambience and supports
its existence. Similarly, communication, through language and other symbolic forms, comprises
the ambience of human existence. The activities we collectively call communication—having
conversations, giving instructions, imparting knowledge, sharing significant ideas, seeking
information, entertaining and being entertained—are so ordinary and mundane that it is difficult
for them to arrest our attention. Moreover, when we intellectually visit this process, we often
focus on the trivial and unproblematic, so inured are we to the mysterious and awesome in
communication.”
Sociologia da Comunicação
157
122
Os termos doxa e episteme são ambos gregos e antónimos. Enquanto doxa significa “opinião” e
um grau inferior de cognição, episteme significa “conhecimento (verdadeiro e científico)” e “corpo
organizado de conhecimento” (cf. Peters, 1983, p. 56 e 77).
Paulo M. Barroso
158
Lippmann interessa-se por questões pertinentes que ainda hoje têm cabi-
mento. Por exemplo:
– Como é que as pessoas formam concepções sobre o que acontece no
mundo?
– Como é que as pessoas seleccionam uma parte das mensagens que re-
cebem?
– Como é que o público processa as mensagens e como é que as retrans-
mitem?
– Como é que as pessoas se informam, formam juízos e agem em confor-
midade?
123
Tradução do autor a partir do texto da edição original em espanhol de Espinar et al.: “Uno de los
argumentos de Lippmann en este libro es que la teoría democrática pide demasiado a los
ciudadanos, ya que no puede esperar-se de ellos que actúen como legisladores, que sean activos
y que, además, se impliquen en todos los asuntos importantes. Los ciudadanos tienen muchas
dificultades para formar su opinión de un modo racional y democrático porque están ocupados
con sus proprios temas personales, con los problemas de su vida cotidiana y no les queda tiempo
para poder dedicarse a los asuntos políticos. En su opinión, ningún individuo podía estar
informado sobre los temas del día, ni tener una opinión sobre cada tema. Para Lippmann la
responsabilidad a la hora de tomar decisiones debería recaer en los gobernantes y en los
representantes electos, ya que son ellos los que están cualificados para analizar la información
relevante y debatir los informes de los expertos. Desde esta perspectiva, la única competencia
del público sería juzgar los resultados y vigiar la puesta en práctica de los programas elegidos
[…] El autor llega a la conclusión de que la influencia de los medios en los ciudadanos es, en
gran medida, inconsciente. […] Una de las aportaciones más importantes del libro de Lippmann
consiste en mostrar el modo en que las personas se informan y posteriormente forman los juicios
que guían sus acciones en el mundo moderno. Dicho de otro modo, de qué manera elabora la
gente sus concepciones, cómo selecciona una parte de los mensajes que le llegan, cómo los
procesa y cómo los transmite. La piedra angular de la opinión pública era para el autor la
cristalización de las concepciones y las opiniones en ‘estereotipos’ con carga emocional.”
Sociologia da Comunicação
161
dores), a opinião pública adquire uma importância e uma força própria para se
manifestar e exercer pressão. O desenvolvimento da opinião pública (e.g. dos me-
canismos de formação e de expressão da opinião pública) acompanha o desen-
volvimento dos meios de comunicação de massas.
Existem modos de auscultação da opinião pública, nomeadamente:
– Referendo: direito dos cidadãos em se pronunciarem sobre questões ou
assuntos de interesse público e social, previsto na Constituição da Re-
pública Portuguesa.
– Sufrágio universal por voto secreto: instrumento ao qual os cidadãos
recorrem nos períodos de eleições democráticas (para a Assembleia da
República, Presidência da República, Poder Local ou Parlamento Euro-
peu).
– Sondagem de opinião: técnica ou instrumento de pesquisa da opinião.
124
O termo “propaganda” e a acção que implica surgiu quando o Papa Gregório XV criou a
Congregato Propaganda Fide (Congregação para a Propagação da Fé) em 1622, numa época em
que a Igreja Católica estava em decadência, perdendo fiéis com a Santa Inquisição.
125
Chama a atenção, desperta o interesse e impõe ideias (cf. Lampreia, 1988, p. 79).
Paulo M. Barroso
168
126
Em Portugal, é o Código da Publicidade, Decreto-Lei nº. 330/90 de 23 de Outubro, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril (14ª versão, a mais recente).
127
O Código de Atenas (Code of Athens) foi adoptado em 1965 e modificado/melhorado em 1968 e em
2009, consistindo numa normalização do comportamento ético dos membros da International
Public Relations Association (Associação Internacional de Relações Públicas) e é recomendado a todos
os que praticam relações públicas em todo o mundo.
Sociologia da Comunicação
169
128
Tradução do autor a partir do texto original em inglês da Encyclopedia of public relations: “[…]
the press agentry or publicity model, the public information model, the two-way asymmetric
model, and the two-way symmetric model. The earliest, which is the press agentry or publicity
model, is described as one-way communication in which truth is not an essential component.
The public information model focuses on publicity, however, to the extent that disseminating
truthful information is central to the practice. The two-way asymmetrical model tries to per-
suade and relies on feedback from stakeholders. On the other hand, the two-way symmetric
model is considered the most sophisticated form of practice because it focuses on mutual un-
derstanding, mediation, and two-way balanced flow of information.”
129
Modelo introduzido por James Grunig.
Paulo M. Barroso
170
130
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Theaker: “This model is sometimes
described as the ‘ideal’ of public relations. It describes a level of equality of communication not
often found in real life, where each party is willing to alter their behavior to accommodate the
needs of the other. While the other models are characterized by monologue-type communication,
the symmetric model involves ideas of dialogue. It could lead an organization’s management to
exchange views with other groups, possibly leading to both management and publics being
influenced and adjusting their attitudes and behaviors. Communication in this model is fully
reciprocal and power relationships are balanced. The terms ‘sender’ and ‘receiver’ are not
applicable in such a communication process, where the goal is mutual understanding.”
Sociologia da Comunicação
171
131
Tradução do autor a partir do texto original em espanhol de Espinar et al.: “La primera de esas
tradiciones ha recibido distintos calificativos, como Mass Communication Research, investigación
positivista, funcionalista, paradigma dominante, sociología empírica, sociología norteamericana
de la comunicación. Todos estos términos hacen referencia a la investigación que, de forma
predominante, se ha venido desarrollando en Estados Unidos, de corte positivista, empirista y
cuantitativista, orientada a la solución de problemas prácticos de la comunicación, y con un
inicio marcadamente ligado a la sociología funcionalista.”
Paulo M. Barroso
172
ou imoral do que ‘a manivela da bomba de água’. Tanto pode ser utilizada para
bons como para maus fins. Esta visão instrumental consagra uma representação
da omnipotência dos media, considerados como instrumentos de ‘circulação dos
símbolos eficazes’. O senso comum que prevalece no pós-guerra é que a derrota
dos exércitos alemães se deve, em grande medida, ao trabalho de propaganda dos
Aliados. A audiência é encarada como um alvo amorfo que obedece cegamente ao
esquema estímulo/resposta. O medium é suposto agir segundo o modelo ‘agulha
hipodérmica’, termo criado pelo próprio Lasswell para designar o efeito ou o im-
pacto directo e indiferenciado sobre os indivíduos atomizados.” (Mattelart & Mat-
telart, 1997, p. 31).
Harold Lasswell; Kurt Lewin; Paul Lazarsfeld. Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter
Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Erich
Fromm, Franz Neumann, Friedrich Pollock, Jürgen
Habermas, etc.
Abordagem funcionalista: perspectiva sobre o Abordagem estruturalista: perspectiva dialéctica
papel dos media nas massas populares. sobre a realidade como totalidade social.
Conforme se deduz pela leitura desta tabela e pelo que no seguinte sub-
capítulo 5.7.2. se enuncia, a teoria crítica da Escola de Frankfurt representa a
“contracorrente de muita communication research”, como realça Mauro Wolf
(1992, p. 71).
132
O termo “superestrutura” pertence ao léxico de A ideologia alemã, de Marx e Engels (2007, p.
74), usado para a organização social a partir da produção e do comércio (cf. Bottomore, 1988, p.
27), e relaciona-se com o conceito de “infra-estrutura”. Trata-se de uma metáfora, pois são termos
que se referem a um edifício, mas servem para representar a ideia de que a estrutura económica
da sociedade (a infra-estrutura) condiciona a existência e as formas do Estado e da consciência
social (a superestrutura).
133
Segundo Adorno (cf. 2003a, p. 97), a expressão “indústria da cultura” foi provavelmente utilizada
pela primeira vez no livro Dialéctica do iluminismo que Adorno e Horkheimer publicaram em
1947, referindo-se inicialmente a “cultura de massas”.
Paulo M. Barroso
174
também são feitos para impedir a actividade mental do espectador” (Wolf, 1992,
p. 76). São produtos construídos de propósito para o consumo descontraído e
não comprometedor, i.e. o espectador não deve agir pela sua própria cabeça, pois
o produto prescreve todas as reacções, como justificam Adorno e Horkheimer em
Dialéctica do iluminismo.
No ensaio intitulado “Television and the patterns of mass culture”, Adorno
denuncia a influência e a manipulação das mensagens dos meios de comunicação
de massas ao serviço de uma indústria da cultura, como é o caso da televisão:
“Mas a herança do significado polimórfico foi assumida pela indústria cultural,
pois o que ela [a televisão] transmite torna-se organizado com o objectivo de en-
cantar os espectadores simultaneamente em vários níveis psicológicos. De facto, a
mensagem oculta pode ser mais importante do que aquela que se vê, na medida
em que esta mensagem oculta escapará ao controlo da consciência, não será ‘exa-
minada’, não será evitada pela resistência psicológica às vendas, mas provavel-
mente penetrará na mente do espectador.” (Adorno, 1957, p. 479).134
tica, mas é uma troca simbólica sempre renovada. Os estudos culturais centra-
ram-se nas relações entre a estrutura social, o contexto histórico e a acção dos
meios de comunicação, com o objectivo de determinar como se procede à atri-
buição de sentido à realidade quotidiana em práticas partilhadas (cf. Polistchuk
& Trinta, 2003, p. 131).
“O interesse dos cultural studies centra-se, principalmente, na análise de uma forma
específica de processo social, relativa à atribuição de sentido à realidade, à evolução
de uma cultura, de práticas sociais partilhadas, de uma área comum de significados.
[…] No conceito de cultura, estão englobados quer os significados e os valores, que
surgem e se difundem nas classes e nos grupos sociais, quer as práticas efectivas
através das quais esses valores e esses significados se exprimem e nas quais estão
contidos. Relativamente a tais definições e modos de vida – entendidos como es-
truturas colectivas – os mass media desempenham uma função importante, na me-
dida em que agem como elementos activos dessas mesmas estruturas.” (Wolf, 1992,
p. 94).
135
Tradução do autor a partir da edição consultada em inglês de Luhmann: “Communication
happens only if somebody understands it at least roughly or perhaps even misunderstands it;
in any case, somebody must understand enough so that communication can continue.”
136
Tradução do título Introduction to systems theory, que é a edição em inglês utilizada neste livro
(cf. Luhmann, 2013).
137
Conforme o termo original grego kubernetikê, arte ou técnica de pilotar, governar, conduzir.
Paulo M. Barroso
180
“Em primeiro lugar, é improvável que alguém compreenda o que o outro quer dizer,
tendo em conta o isolamento e a individualização da sua consciência. O sentido só
se pode entender em função do contexto, e para cada um o contexto é, basica-
mente, o que a sua memória lhe faculta. A segunda improbabilidade é a de aceder
aos receptores. É improvável que uma comunicação chegue a mais pessoas do que
as que se encontram presentes numa situação dada. O problema assenta na exten-
são espacial e temporal. […] A terceira improbabilidade é a de obter o resultado
desejado. Nem sequer o facto de que uma comunicação tenha sido entendida ga-
rante que tenha sido também aceite.” (Luhmann, 2006a, pp. 42-43).
138
Luhmann faz questão de distinguir a sua concepção de comunicação da teoria da acção
comunicativa de Habermas, nomeadamente na questão do consenso produzido pelo acto de
comunicação na teoria de Habermas (cf. Luhmann, 2013, pp. 205-206). O que vem depois do
consenso? Luhmann também discorda da distinção de Habermas entre acção estratégica e acção
comunicativa, preferindo atribuir mais relevância à continuação temporal e sequencial do
processo de comunicação, o que o autor designa por autopoiesis da comunicação, i.e. a auto-
reprodução da vida por aqueles elementos que, por sua vez, foram produzidos no e pelo sistema
de vida (cf. Luhmann, 2013, p. 43).
139
Tradução do título em inglês Social systems, que é a edição utilizada neste livro (cf. Luhmann,
1996).
140
Tradução do título The reality of the mass media, que é a edição em inglês utilizada neste livro (cf.
Luhmann, 2000).
Paulo M. Barroso
182
na sociedade, que constrói. Segundo Luhmann (cf. 2013, p. 61), o que quer que
aconteça na sociedade é comunicação. De certo modo, a construção do sistema
por parte dos meios de comunicação estende-se à opinião pública, que também é
formada como o resultado da acção dos media (cf. Luhmann, 2013, p. 115).
Luhmann apresenta uma concepção de opinião pública, realçando o seu
papel social pela negativa. Nos seus estudos sobre comunicação de massas, con-
sidera que a opinião pública perdeu o seu significado original: deixou de ser o
resultado da discussão racional sobre temas de interesse público, por parte dos
indivíduos integrados na sociedade civil, para se converter na coincidência da
atenção geral sobre um tema, aquele que, por diversas circunstâncias, se consi-
dera mais relevante do que outros.
Um dos principais focos de análise de Luhmann tem a ver com a comuni-
cação pública, sobre a qual é importante saber:
– Como é que se elaboram os temas/assuntos?
– Como é que os temas passam a ser de interesse prioritário?
– Como é que alguns temas substituem outros?
Então, Luhmann conclui que são os media que criam e mantêm a atenção
e o diálogo público sobre os temas (Espinar et al., 2006, p. 45), seguindo o prin-
cípio do agenda-setting. Os media usam mecanismos para seleccionar aconteci-
mentos, convertê-los em notícias e opiniões, estruturar temas e mantê-los na
ordem do dia.
Os estudos e a perspectiva de Luhmann constituem uma teoria da socie-
dade como sociologia da comunicação, assente nos seguintes pressupostos:
– As sociedades formam-se com pessoas e relações sistemáticas entre
pessoas.
– As sociedades são constituídas e integradas pelo consenso e pela com-
plementaridade de opiniões e objectivos comuns.
– As sociedades são unidades regionais, geograficamente delimitadas.
141
Obra originalmente publicada em 1962.
Paulo M. Barroso
188
142
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Finlayson: “According to Habermas,
the ideals of the historical Enlightenment – liberty, solidarity, and equality – are implicit in the
concept of the public sphere and provide the standard of immanent criticism. For example, 18th-
and 19th-century bourgeois society can be criticized for not living up to its own ideals.”
Sociologia da Comunicação
189
143
A edição desta obra de Habermas utilizada neste livro é a versão The theory of communicative
action, traduzida para inglês por Thomas McCarthy (Boston: Beacon Press). Esta obra está dividida
em dois volumes: Reason and the rationalization of society (Vol. 1) e Lifeworld and system: A critique
of functionalist reason (Vol. 2). Cf. Habermas, 1984a e 1984b.
Paulo M. Barroso
192
“O supermercado é um local que nos pode dizer muito sobre fenómenos sociais de
grande interesse para os sociólogos no início do século XXI: o ritmo vertiginoso da
mudança social e o aprofundar da sociedade global. Na próxima vez que for ao seu
supermercado preste atenção à grande variedade de produtos expostos nas prate-
leiras. Se, como muitas pessoas fazem, iniciar as compras pela secção de produtos
frescos, é provável que encontre ananases do Hawai, uvas de Israel, maçãs da África
do Sul e abacates de Espanha. No corredor seguinte, poderá dar de caras com uma
vasta gama de pastas de caril e de especiarias para a cozinha indiana, variadíssimos
ingredientes típicos do Médio Oriente como cuscuz e falafel, bem como com leite
de coco enlatado para a cozinha tailandesa. Continuando as compras, tome atenção
ao café proveniente do Quénia, da Indonésia ou da Colômbia, à carne de ovelha da
Nova Zelândia, às garrafas de vinho da Argentina ou do Chile. Se prestar atenção
a um pacote de bolachas ou a uma tablete de chocolate, notará que os ingredientes
vêm descritos em oito ou dez línguas diferentes. Que dimensões sociológicas estão
associadas a esta curta ronda pelo supermercado? Como vimos na discussão em
torno da sociologia do café […] não podemos separar as nossas acções locais de
contextos sociais mais amplos que se estendem pelo mundo. A enorme variedade
de produtos que nos habituámos a ver nos supermercados ocidentais depende de
laços económicos e sociais complexos que ligam as pessoas e os países do mundo
inteiro. Tal reflecte igualmente processos de mudança social em larga escala - pro-
cessos que forçaram diferentes partes do mundo a entrar em relação umas com as
outras. Em relação ao passado, o mundo em que vivemos hoje em dia tornou-nos
muito mais interdependentes das outras pessoas, ainda que estas estejam a mi-
lhares de quilómetros de distância. Estas relações entre local e global são bastante
recentes em termos de história humana, tendo-se acelerado nos últimos trinta ou
quarenta anos, em resultado dos progressos dramáticos no campo da comunicação,
da tecnologia de informação e dos transportes. Graças ao desenvolvimento de
aviões a jacto, de velozes navios cargueiros de grande dimensão, e de outros meios
de transporte de grande velocidade, pessoas e bens podem hoje ser transportados
de forma contínua através do mundo inteiro. Da mesma forma, o sistema mundial
de comunicação por satélite, estabelecido apenas há cerca de trinta anos, tornou
possível que as pessoas entrem em contacto umas com as outras de forma instan-
tânea. Os sociólogos usam o termo globalização quando se referem a estes proces-
sos que intensificam cada vez mais a interdependência e as relações sociais a nível
mundial. Trata-se de um fenómeno social com vastas implicações, muitas das quais
serão analisadas mais à frente. Não deve pensar-se na globalização apenas como o
desenvolvimento de redes mundiais - sistemas económicos e sociais afastados das
nossas preocupações individuais. É também um fenómeno local, que afecta a vida
quotidiana de todos nós. Como ilustração, voltemos ao exemplo do supermercado.
Os efeitos da globalização reflectem-se de várias formas nas prateleiras de um su-
permercado. Em primeiro lugar, assistiu-se nas últimas décadas a um enorme au-
mento na quantidade e variedade de produtos à venda nos supermercados. Estes
são cada vez maiores, de modo a albergar a gama crescente de produtos disponí-
veis. As barreiras ao comércio internacional têm vindo a diminuir, abrindo os mer-
cados a um leque mais vasto de produtos. Em segundo lugar, os produtos que
encontra à venda no supermercado foram cultivados ou produzidos em cem ou
mais países diferentes. Antigamente, por razões práticas, era quase impossível
transportar tantos produtos, em particular artigos frescos, através de longas dis-
tâncias. Em terceiro, alguns dos produtos mais populares à venda nos supermer-
cados hoje em dia podiam há uns anos atrás ser relativamente desconhecidos - é
o caso das ‘comidas étnicas’ referidas atrás. Uma explicação para o facto pode estar
Sociologia da Comunicação
197
144
Tradução do autor a partir do original em inglês de International encyclopedia of the social sciences:
“In popular and scholarly discourse, the term globalization is widely used to put a name to the
shape of the contemporary world. In the realms of advertising, policy making, politics, academia,
and everyday talk, globalization refers to the sense that we are now living in a deeply and
increasingly interconnected, mobile, and sped up world that is unprecedented, fueled by
technological innovations and geopolitical and economic transformations. As a way to name
our contemporary moment, the term globalization entered popular media and advertising in
the early 1990s. After the fall of the Berlin Wall in 1989 and the breakup of the Soviet Union,
enthusiasm accelerated for increasing international trade, deregulating national economies,
privatizing the state, structurally adjusting developing-world economies, and increasing the
Paulo M. Barroso
198
transnationalization of corporations. Globalization was the new term that signaled this triumph
of the capitalist market. As social science became increasingly focused on globalization, theories
of globalization emphasized the transformations in labor, capital, state, and technology that
have created a heightened sense of global interconnection or what has been called by the
geographer David Harvey ‘time-space compression’.”
145
Cf. as edições consultadas destas três obras publicadas, respectivamente em Giddens, 2000a,
2005 e 2000b.
146
A tese de Fukuyama (cf. 1992) assenta num consenso global sobre o triunfo e supremacia do
liberalismo democrático e do mercado capitalista, com o fim da Guerra Fria e do comunismo,
restando um único modelo para o mundo.
Sociologia da Comunicação
199
147
Por exemplo, as especiarias asiáticas (pimenta, gengibre, canela, cravo e noz-moscada) que já
tinham muita procura na Europa no século XV, com os Descobrimentos, ao ponto de
determinarem a vontade e necessidade de definir uma rota comercial específica para estes
produtos se globalizarem nos hábitos de consumo.
Paulo M. Barroso
200
148
A americanização significa a aculturação das identidades culturais locais face à hegemonia,
industrialização e liberalização económica norte-americanas. Assim, a globalização não é um
incidente passageiro; é uma mudança radical e permanente nas formas e estilos de vida globais.
Sociologia da Comunicação
201
149
Em O mundo na era da globalização, Giddens identifica e caracteriza apenas estas duas facções
que assumem posições extremas: a dos cépticos e a dos radicais. Uma terceira facção, a dos
transformacionalistas, é reconhecida por Giddens como a moderada e sensata, com a qual o
autor mais se identifica.
150
Por outro lado, as ideologias de direita poderão ser entendidas como mais propensas à criação
de desigualdades sociais e económicas, bem como à concentração do capital e ao aumento do
fosso entre os mais ricos e os mais pobres.
Sociologia da Comunicação
203
Além destas duas facções extremas, Giddens (2008, p. 59) refere uma ter-
ceira perspectiva sobre a globalização: a dos transformacionalistas. Esta é uma
perspectiva mais moderada, defendendo uma posição mais sensata, razoável e
aceitável:
“A globalização tornou-se um assunto de acesas discussões. Os ‘cépticos’ defendem
que a ideia de globalização é exagerada e que os níveis actuais de interdependência
não são historicamente inéditos. Alguns cépticos centram-se antes nos processos
de regionalização que estão a intensificar a actividade no âmbito de grandes grupos
financeiros e comerciais. Os ‘hiperglobalizadores’ adoptam uma postura contrária,
defendendo que a globalização é um fenómeno real e de grande magnitude que
ameaça reduzir a zero o papel dos governos nacionais. Um terceiro grupo, os trans-
formacionalistas, acredita que a globalização está a alterar muitos aspectos da ac-
tual ordem mundial - incluindo as relações sociais, políticas e económicas - embora
os velhos padrões ainda se mantenham. Segundo esta perspectiva, a globalização
é um processo contraditório, envolvendo um fluxo multidireccionado de influências
que por vezes se opõem entre si.” (Giddens, 2008, p. 76).
Golfo, pois esta seria o que Baudrillard (1991, pp. 40-41) designa por “hiper-visua-
lização da guerra”, uma espécie de frisson do real, uma estética do hiper-real, um
frisson de exactidão vertiginosa e falsa, um frisson de distanciamento e ampliação
simultâneos, de distorção de escala, de uma transparência excessiva (cf. Barroso,
2020b, p. 33). As fotografias de guerra na imprensa podem, por conseguinte, as-
sumir um realismo que as caracteriza como hipotiposes da realidade (cf. Barroso,
2020b, p. 38), descrições vivas e realistas de uma situação.
Conforme refere Baudrillard (cf. 2005, p. 77), as imagens de guerra não são
diferentes da própria guerra. As imagens de guerra produzem efeitos consoante
a difusão à escala global que tiverem nos media. Difundidas massivamente pelos
media e circulando livremente num mundo cada vez mais globalizado, as imagens
são estetizadas para produzir espectáculo e visualidade (cf. Barroso, 2020b, p. 34),
pois a globalização “globaliza” tanto o que é positivo como o que é negativo.
“[…] a globalização não está a evoluir de forma imparcial, e as suas consequências
não são totalmente benignas. Para muitos povos que vivem fora da Europa e da
América do Norte, parece que se trata de uma ocidentalização que causa descon-
forto ou, talvez, de uma americanização, visto que os Estados Unidos são agora a
única superpotência, que desfruta de posições dominantes, económicas, culturais
e militares, na ordem global. Muitas das expressões mais visíveis da globalização
são americanas: Coca-Cola, McDonald’s, CNN.” (Giddens, 2000b, p. 25).
lacionam com a economia electrónica global, ela própria de criação muito recente.
Como acontece com a ciência, também neste caso o risco tem duas faces. O risco
está estreitamente ligado à inovação. E existe sempre a tendência para o minimizar;
o enlace activo entre o risco financeiro e o risco empresarial é a verdadeira loco-
motiva da globalização da economia. […] De uma maneira muito profunda, a glo-
balização está a reestruturar as nossas formas de viver. É dirigida pelo Ocidente,
está profundamente marcada pelo poderio político e económico dos Estados Unidos
da América e arrasta com ela consequências muito desiguais. Mas a globalização
não é apenas uma questão de domínio do Ocidente sobre o resto do mundo; afecta
tanto os Estados Unidos como os outros países.” (Giddens, 2000b, p. 16).
151
Relatório da Grande Comissão para o Financiamento do Desenvolvimento, segundo o qual “na
aldeia global, a pobreza de outrem rapidamente se torna um problema nosso: falta de mercados
para os nossos produtos, imigração ilegal, poluição, doenças contagiosas, insegurança, fanatismo,
terrorismo” (Singer, 2004, p. 33). Ou seja, todos estes problemas são actuais e são de todos, sejam
nações ricas ou pobres, pois defrontamo-los num mundo que é só um, conforme alerta Singer.
Sociologia da Comunicação
207
Figura 5: Primeira página do jornal Der Figura 6: Manchetes de jornais do Reino Unido
Spiegel, de 1 de Fevereiro de 2020, colocando dominadas, à semelhança de toda a imprensa
em causa os efeitos da globalização (Fonte: mundial, pela pandemia de coronavírus
Der Spiegel). (Fonte: The Guardian e Russell, 2020).
152
Tradução do autor: “CORONA-VÍRUS, fabricado na China, quando a globalização se torna um
perigo mortal”.
153
Tradução do autor: “Como o Coronavírus fez da globalização uma ameaça mortal”.
Paulo M. Barroso
208
vemos hoje numa sociedade global de risco, em que as sociedades humanas en-
frentam riscos (como o aquecimento global) produzidos pela nossa própria acção
sobre a natureza. A globalização é um fenómeno em rápida expansão, ainda que
de forma assimétrica. Foi referida a separação crescente entre os países mais ricos
e os países mais pobres do mundo. A riqueza, o rendimento, os recursos e o con-
sumo concentram-se nas sociedades desenvolvidas, enquanto grande parte do
mundo em vias de desenvolvimento debate-se com a pobreza, a fome, as doenças
e a dívida externa. Muitos dos países que mais necessitam dos benefícios da glo-
balização correm o risco de ser marginalizados. Nas últimas décadas, as barreiras
ao comércio internacional têm sido progressivamente reduzidas e muitos obser-
vadores acreditam que o comércio livre e os mercados abertos permitirão que os
países em desenvolvimento se integrem de uma forma mais plena na economia
mundial. Os que se opõem a esta visão argumentam que as entidades internacio-
nais de comércio, como a Organização Mundial de Comércio, são dominadas pelos
interesses dos países mais ricos e esquecem as necessidades do Terceiro Mundo.
Argumentam que as regras que ditam o comércio mundial devem, acima de tudo,
defender os direitos humanos, os direitos laborais, o meio ambiente e as economias
nacionais, e não apenas procurar garantir maiores lucros para as empresas. A glo-
balização está a produzir riscos, desafios e desigualdades que atravessam fronteiras
nacionais e diminuem a capacidade das estruturas políticas existentes. Em virtude
de os governos não estarem preparados para sozinhos lidarem com estas questões
transnacionais, há necessidade de novas formas de governação global, para lidar
com os problemas mundiais de uma formal global. Reafirmar a nossa vontade no
mundo social em rápida mudança em que vivemos pode constituir o maior desafio
do século XXI.” (Giddens, 2008, pp. 75-76).
154
O conceito de “tradição”, proveniente do latim traditio, do verbo tradere no particípio, significa
“acto ou efeito de transmitir”, “entregar”.
Sociologia da Comunicação
209
possui ritual significante nem função simbólica como a tradição, que adquire um
significado cultural enraizado na identidade de uma comunidade (Hobsbawm &
Ranger, 2008, p. 11). Uma rotina (no sentido de um caminho já trilhado e conhe-
cido) não tem qualquer função simbólica nem ritual importante para a vida co-
lectiva. Um costume é variável; é uma prática habitual, um modo de proceder,
um mero hábito. Então, colocam-se as perguntas:
– Qual é a relação entre a tradição e a globalização?
– Como é que a globalização, sendo um fenómeno social e total, pode
afectar a tradição, os elementos peculiares e locais de uma identidade
cultural?
– A globalização é um risco para a tradição?
ensina os pobres a contentarem-se com o que têm. O analista social deveria pôr a
descoberto as distorções da ideologia, de modo a permitir que os mais desfavore-
cidos adquiram uma perspectiva verdadeira da vida que têm - e para que empreen-
dam acções que levem a melhorar as suas vidas.” (Giddens, 2008, p. 468).
155
Através da obra Elements d’idéologie, segundo Adorno e Horkheimer (cf. 1973, p. 203).
156
Cf. Vuillemin, 1999, p. 484.
157
Existem outras concepções de ideologia, algumas dignas de registo por serem originais e
interessantes, como a de Max Weber, que concebe a ideologia como legitimação da autoridade
ou do sistema de poder, segundo a qual o poder esforça-se sempre por se legitimar. Para Weber,
não existe poder dominante sem uma pretensão de legitimidade e uma crença na legitimidade.
Weber atribui uma função de mediação diferente à ideologia: a função de legitimação. Esta serve
de elo entre a concepção marxista de ideologia como distorção e o conceito integrador de
ideologia de Geertz. Para mais desenvolvimento sobre esta concepção de ideologia de Weber,
veja-se Ideologia e a utopia, de Ricoeur (cf. 1991, pp. 323-346).
Sociologia da Comunicação
213
158
A crítica começa com a crítica da religião, trabalho já realizado e completado por Feuerbach.
Assim, a crítica da ideologia de Marx apoia-se na crítica da religião de Feuerbach. Trata-se do
modelo da consciência invertida, notório na Crítica da filosofia do direito de Hegel, quando Marx
(cf. 2005, p. 145) afirma que o fundamento da crítica irreligiosa é este: o homem faz a religião
(que é uma consciência invertida do mundo, uma “realização fantástica”, uma realidade não
verdadeira); a religião não faz o homem (cf. Ricoeur, 1991, pp. 95-96).
Paulo M. Barroso
214
simbólico, ou seja, “do modo como as ideias passaram a ser utilizadas para es-
conder, justificar ou legitimar os interesses dos grupos dominantes da ordem so-
cial” (Giddens, 2008, p. 469). A ideologia é, por conseguinte, um conjunto de
ideias ou crenças que são partilhadas para justificar os interesses de determina-
dos grupos dominantes. Existem ideologias em todas as sociedades com desi-
gualdades entre os indivíduos, segundo Giddens (2008, p. 694).
A relação entre os media e a ideologia surge com a questão da possível
carga ideológica dos conteúdos transmitidos, quer noticiários televisivos quer
programas generalistas. A transmissão é realizada de um modo imperceptível e
influente sobre os públicos. Se as notícias favorecem o governo em detrimento
da objectividade informativa, os meios de comunicação de massas difundem
ideologia e alargam o seu raio de acção na sociedade, pois as mensagens chegam
a grandes audiências. Neste caso, os media difundem “valores e crenças que con-
tribuem para assegurar o domínio de grupos mais poderosos sobre os menos po-
derosos” (Giddens, 2008, p. 672).
Segundo Adorno e Horkheimer, a relação entre os media e a ideologia é
notória e violenta, alimentando a indústria cultural:
“Face ao poder indescritível que esses meios de comunicação exercem sobre os
seres humanos hoje – e aqui o desporto, que há muito tempo já se transformou
em ideologia em sentido lato, também deve ser incluído – a determinação concreta
do seu conteúdo ideológico é de urgência imediata. Este conteúdo produz uma
identificação sintética das massas com as normas e as condições que se situam
anonimamente atrás da indústria cultural, ou são propagadas conscientemente
por ela.” (Adorno & Horkheimer, 1973, p. 201).159
159
Tradução do autor a partir da edição consultada em inglês de Adorno & Horkheimer: “In the face
of the indescribable power which these media exercise over human beings today – and here
sport, which for a long time already has gone over into ideology in the broader sense, must also
be included – the concrete determination of their ideological content is of immediate urgency.
This content produces a synthetic identification of the masses with the norms and the conditions
which either stand anonymously in the background of the culture industry, or else are
consciously propagated by it.”
Sociologia da Comunicação
215
160
Porque a ideologia tem sempre a ver com a questão do poder (político), Ricoeur confessa que
está tentado a afirmar que a ideologia tem uma função mais vasta do que a política, na medida
em que é integrativa (cf. Ricoeur, 1991, p. 433).
Paulo M. Barroso
216
Conjunto das instituições sociais que surgem na Complexo de forças coercivas ou reguladoras à
sociedade civil, desempenhando funções disposição do Estado e directamente sob o seu
reguladoras e reproduzindo a ideologia do Estado controlo.
(e.g. a esfera do privado em oposição ao Estado).
Incluem a educação, a família, a religião, o Incluem o sistema penal, a polícia, o exército, a
sistema legal, o sistema político-partidário, a legislatura e a administração do governo.
cultura e a comunicação.
São caracterizados pelo consentimento, em vez Caracterizam-se pela autoridade legitimada do
da coerção, e pela relativa autonomia em relação Estado para impor ordens ao povo.
à classe económica dominante ou aos
representantes no Estado.
Tabela 15: Diferenças entre “aparelhos ideológicos de estado” e “aparelhos repressivos de estado”,
segundo Althusser (cf. Hartley, 2004, p. 25).
161
Tradução do autor a partir da edição consultada no original em inglês War and peace in the global
village, de McLuhan e Fiore: “One thing about which fish know exactly nothing is water, since
they have no anti-environment which would enable them to perceive the element they live in.”
162
Tradução do autor a partir do original em inglês de McLuhan e Fiore: “What fish are able to see
bears a close analogy to that degree of awareness which all people have in relation to any new
environment created by a new technology - just about zero.”
Paulo M. Barroso
220
mais importante entender que a televisão está mudando a natureza do ser humano.
É este o aspecto essencial, aliás essencialíssimo, que até hoje escapou da atenção
da maioria das pessoas. Entretanto, é bastante evidente que o mundo em que vi-
vemos já está se apoiando nos ombros da ‘geração-televisiva’: uma espécie recen-
tíssima de ser humano criado pela tele-visão – diante de um televisor – antes
mesmo de saber ler e escrever.
Por isso, na primeira parte deste livro vou tratar e me preocupar com a primazia
da imagem, isto é, com uma espécie de predomínio do visível sobre o inteligível
que conduz para um ver sem entender. […] A respeito desta matéria, o mais cáus-
tico é Baudrillard: ‘A informação – ele escreve – em lugar de transformar a massa
em energia, produz ainda mais massa’. É óbvio que a televisão – ao contrário dos
instrumentos de comunicação que a precederam (até o rádio) – destrói mais saber
e mais entender do que transmite.” (Sartori, 2001, pp. 7-9).
163
É como afirma Roland Barthes a propósito da mensagem fotográfica, que é de leitura universal,
bastando olhar para o seu conteúdo. Segundo Barthes, em O óbvio e o obtuso: “Temos então o
estatuto particular da imagem fotográfica: é uma mensagem sem código; proposição da qual
temos imediatamente de extrair um corolário importante: a mensagem fotográfica é uma
mensagem contínua.” (Barthes, 2009, p. 13).
Paulo M. Barroso
222
lugar onde tudo pode ser mostrado sob um aspecto dramático, para que o julga-
mento se formule de acordo com o conselho de Maquiavel a partir do que é visto”
(Balandier, 1999, p. 103).
Actualmente, com a utilização massificada (por qualquer pessoa, em qual-
quer lugar e em qualquer momento) de telemóveis e redes sociais (e.g. o Insta-
gram, rede que promove o culto da imagem), as sociedades e culturas tendem a
privilegiar a visualidade. Através da proliferação de ecrãs (incluindo outdoors
electrónicos e dinâmicos) e de imagens, o culto da imagem re-semantiza uma
época de iconofilia (amor ou gosto pelas imagens) e iconolatria (culto e adoração
das imagens).
164
Tradução do autor a partir do texto original em espanhol de Camps: “La cultura de masas es
mediocre si sólo busca la atención de las masas. No puede ser alta cultura porque sólo unos
pocos están preparados para entenderla y apreciarla. Los medios de comunicación son medios
de masas, esa es su razón de ser, no pueden pretender ser otra cosa.”
Paulo M. Barroso
226
“Os meios de comunicação, por estranho que pareça, não nos fazem comunicar,
contribuindo antes para nos isolar no nosso próprio mundo. Nada faz com que o
indivíduo se sinta mais compreendido, mais atendido, mais acompanhado. A so-
ciedade da comunicação não é mais solidária nem mais afectiva. Não soube pôr os
meios e o progresso técnico ao serviço da democracia e do entendimento mútuo.
Muito menos ao serviço do ser humano. A técnica vale por si própria e só se sub-
mete ao poder económico.” (Camps, 1996a, p. 21).
165
Tradução do autor a partir do texto original em español de Camps: “Los medios de comunicación
realizan un servicio llamado ‘público’. Pero también se organizan en empresas que deben ser
rentables económicamente. Es fácil que el servicio al dinero acabe anulando al servicio a la
información, a la cultura o, incluso, a un entretenimiento con criterios de buen gusto y buen
hacer. El objetivo de vender y recabar audiencias no siempre se compadece bien con otros
objetivos menos materialistas. Se suele efectuar la simple y no siempre acertada deducción de
que el público quiere y, sobre todo, pide, aquello que consume son más fruición. No siempre la
ecuación es cierta. Es puramente numérica, cuantitativa: a más ventas, más prestigio profesional.”
Paulo M. Barroso
228
10.1. Mediacracia
Numa conferência intitulada “Sociedad de la información y ciudadanía”,
Camps reconhece que as denominadas sociedades da informação apresentam ca-
racterísticas peculiares, justificando esta denominação com:
– O desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação.
– Uma nova organização mundial das sociedades em rede, que afecta
todas as pessoas e envolve todos os domínios da vida.
– Mudanças nas maneiras de viver, quer em termos instrumentais (novas
maneiras ou novos instrumentos de comunicação) quer em termos qua-
litativos (novos estilos de vida, novas formas de aceder ao conhecimento
e reestruturação da escala de valores).
166
Tradução do autor a partir do texto original em espanhol de Camps: “Si los medios de
comunicación quieren servir a la democracia y responsabilizarse de ese servicio, deben combatir,
sin anularlos, los dos poderes que los tiranizan: el mercado y la técnica. Ambos son los elementos
de una modernización que no siempre significa progreso humano.”
Sociologia da Comunicação
229
167
Itálicos conforme o original.
Paulo M. Barroso
230
Por conseguinte, o ser humano pode ser entendido segundo três dimen-
sões distintas, ou seja, como indivíduo, como pessoa ou como cidadão:
Estas três dimensões realçam o carácter social do ser humano, pois “o de-
sejo de ser reconhecido pelos outros é inseparável do ser humano”, na medida
em que apenas através do reconhecimento dos outros pode constituir-se como
pessoa, segundo Agamben (2010, p. 61).168
Segundo Camps, a cidadania possui características que não são respeitadas
nas sociedades actuais. Se ser um “cidadão” é ser uma pessoa livre e igual às de-
mais que coopera socialmente, então devem existir condições gerais, tais como:
a) Liberdade política e democrática (existência de espaço público).
b) Vontade de cooperar.
c) Ideal democrático: estado de bem-estar.
d) Direitos civis, políticos e sociais.
e) Sujeito de obrigações/deveres.
168
Segundo Agamben, persona significa, na origem, “máscara” e é através da máscara que o
indivíduo adquire um papel e uma identidade social (cf. Agamben, 2010, p. 61).
Sociologia da Comunicação
231
169
Termo no original em inglês, uma espécie de soft media, um género de programas populares que
combinam informação e entretenimento (este último, incluindo espectáculo, sensacionalismo,
teatralização). Neste sentido, a infotainment possui valor e qualidade depreciativos, apesar de
condensarem as preferências dos telespectadores devido à facilidade de compreensão ou baixo
nível de exigência e rigor dos conteúdos.
Paulo M. Barroso
232
Nesta obra, Ramonet refere uma série de conceitos e expressões para ca-
racterizar o campo dos media. Por exemplo: “messianismo mediático”; “imprensa
people”; “curto-circuito mediático”; “mimetismo mediático”; “era da suspeição”;
“censura democrática”; “efeito biombo”; “é verdade porque é tecnológico”; “ver-
dade mediática”; “fictício é estético”; “teratologia televisiva”; “dejectos telegé-
nicos”; “televisão necrófila”. Todos estes conceitos e expressões possuem
significados depreciativos, através dos quais Ramonet pretende caracterizar a
actividade mediática.
Paulo M. Barroso
234
170
Apesar de este livro de Chomsky ter sido publicado em 1991, há muito tempo para um campo
dos media em acelerado desenvolvimento (principalmente tecnológico), as ideias-chave
continuam actuais e até se cimentam com a passagem dos anos, pelo que se considera pertinente
esta obra para a compreensão do papel e das influências dos media na sociedade.
Sociologia da Comunicação
235
171
Esta periodização é, com mais propriedade, da História. A Idade Moderna ou a modernidade para
a História inicia-se com a queda de Constantinopla, em 1453, e vai até meados do século XVIII,
com o Humanismo, o Renascentismo, o Iluminismo e a Revolução Francesa. A emancipação, o
esclarecimento, a confiança no progresso científico, tecnológico, da razão e do ser humano são
ideias centrais do Iluminismo e, por consequência, da modernidade.
Paulo M. Barroso
238
172
Cf. nota 154.
Paulo M. Barroso
240
No livro 44 Letters from the liquid modern world,173 Bauman refere o mo-
mento exacto do surgimento da revolução pós-moderna, segundo o sociólogo
francês Alain Ehrenberg. Trata-se de um curto momento, uma pequena e aparen-
temente inofensiva e pontual acção comunicativa (um acto de comunicação num
meio de comunicação de massas, ou seja, no espaço público mediatizado) que
ilustra o que depois se viria a instalar como habitual no espaço público dos meios
de comunicação tradicionais (como a televisão e a rádio) ou nos meios inovadores
(como as redes sociais):
“Alain Ehrenberg, sociólogo francês e exímio e perspicaz analista da trajectória
convulsiva do indivíduo moderno, tentou identificar a data de nascimento da úl-
tima revolução cultural moderna (pelo menos do seu ramo francês) que nos con-
duziu aos tempos em que continuamos a habitar; uma espécie de revolução cultural
equivalente ao primeiro tiro da Primeira Guerra Mundial, disparado em 28 de Junho
de 1914 sobre o Príncipe Arquiduque Franz Ferdinand da Áustria e sua esposa em
Serajevo, ou à salva do navio de guerra Aurora em 7 de Novembro de 1918, sinali-
zando o ataque bolchevique e a captura do Palácio de Winter. A escolha de Ehren-
berg foi a noite de uma quarta-feira de Outono de 1980, quando uma certa Vivienne
declarou, durante um talk show popular na TV e diante de vários milhões de es-
pectadores, que o problema de ejaculação precoce do seu marido Michel a impedia
de experimentar o orgasmo no decorrer da sua vida conjugal.
O que havia de tão revolucionário no pronunciamento de Vivienne? Duas coisas.
Primeiro: um tipo de informação que até então era considerada essencialmente, e
até mesmo pelo seu nome, privada, foi tornada pública. E segundo: o espaço pú-
blico foi usado para desabafar e debater uma questão de preocupação totalmente
privada.” (Bauman, 2010, p. 26).174
Este episódio é entendido como um marco, pois terá inaugurado uma ten-
dência, que hoje se confirma como uma prática recorrente: falar de qualquer as-
sunto, em qualquer momento, em qualquer lado, especialmente no espaço
173
Título da obra de Bauman utilizada e publicada originalmente em inglês (Polity Press,
Cambridge), em 2010. Esta obra está editada e traduzida para português do Brasil com o título
44 Cartas do mundo líquido moderno (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro).
174
Tradução do autor a partir do original em inglês de Bauman: “Alain Ehrenberg, a French
sociologist and uniquely insightful analyst of the convoluted trajectory of the modern individual,
attempted to pinpoint the birthdate of the late modern cultural revolution (at least of its French
branch) that ushered us into the times we continue to inhabit; a sort of cultural revolution’s
equivalent to the first shot of the First World War aimed on 28 June 1914 by Gavrilo Princip at
Archduke Franz Ferdinand of Austria and his wife in Sarajevo, or the battleship Aurora’s salvo of
7 November 1918, signaling the Bolshevik assault and the capture of the Winter Palace.
Ehrenberg’s choice was an autumnal Wednesday evening in the 1980s when a certain Vivienne
declared during a popular TV talk show, and so in front of several million spectators, that her
husband Michel’s bane of premature ejaculation prevented her from ever experiencing orgasm
in the course of her marital life. What was so revolutionary about Vivienne’s pronouncement?
Two things. First: a kind of information that until then was deemed to be quintessentially, even
eponymously private, was made public. And second: the public arena was used to vent and
thrash out a matter of thoroughly private concern.”
Sociologia da Comunicação
241
público. Esta prática tornou-se ainda mais frequente e banal com os avanços tec-
nológicos dos meios de comunicação. A internet aumenta a ressonância dessas
confissões privadas.
A modernidade refere-se a modos de vida e organizações sociais que emer-
gem na Europa Ocidental e que exercem influências em todo o mundo. No domí-
nio político, manifesta-se pela instauração de políticas estáveis empenhadas no
concerto das nações europeias e pela construção de regimes políticos fundados
na distinção entre o privado e o público, no direito, na limitação e no controlo
do poder político e na capacidade de viver desenvolvimentos democráticos.
No domínio religioso, traduz-se pela laicização, isto é, pelo acantonamento
da religião no âmbito privado, e pela irreligião. A modernidade seculariza as prá-
ticas sociais, que perdem um forte pendor doutrinário e adquirem um pendor
mais liberal e desprendido do regramento religioso e moral.
Em termos económicos, a economia moderna é caracterizada pelo esforço
constante em injectar nas técnicas de produção e de distribuição processos cada
vez mais eficazes, por serem inspirados pelo progresso científico. Assim, verifica-
se o crescimento do saber racional e o desenvolvimento das nações, bem como
o florescimento do individualismo.
A modernidade é um período de transição difícil de designar, recebendo a
sociedade distintas designações: sociedade da informação; sociedade de con-
sumo; sociedade do capitalismo; sociedade do espectáculo; sociedade moderna;
sociedade pós-moderna ou sociedade pós-industrial.
As causas da modernização ou massificação das sociedades são apontadas
a vários aspectos, entre os quais:
– Assunção dos direitos universais dos seres humanos pela ONU, depois
da Segunda Guerra Mundial.
– Urbanização industrial, nascimento e desenvolvimento de uma classe
operária que escapa, em grande parte, à influência da Igreja, divisão do
trabalho e laicização da vida social depois da Revolução Industrial.
– Crescimento exponencial da população e concentração populacional,
bem como o surgimento do designado “homem-massa” de Ortega y Gas-
set e o crescimento das cidades, depois da Revolução Demográfica.
– Advento da burguesia: classe social vocacionada para o desenvolvi-
mento das actividades económicas e comerciais e, consequentemente,
para o capitalismo e o enriquecimento.
Desenvolvimentos técnicos que, aplicados às técnicas e processos de comu-
nicação, conduzem ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massas.
Por conseguinte, é num sentido interrogativo que Giddens segue:
“O que é a modernidade? Como primeira aproximação, digamos simplesmente o
seguinte: o termo ‘modernidade’ refere-se a modos de vida e de organização social
Paulo M. Barroso
242
Modernismo Modernidade
Modernidade Pós-modernidade
Valorização do inteligível (a razão). Valorização do sensível (o sentimento).
Razão crítica (idealização do Homem moderno Razão instrumental (operativa e utilitária). Os
como ser racional). valores da razão são colocados em causa.
Subordinação aos valores morais e às doutrinas em Vazio ideológico e social (declínio dos ideais).
prol do colectivo (e.g. justiça social). Narcisismo e individualismo; desvanecimento do
interesse pelas causas públicas.
Período de ideais (utopias, ideologias e Crise de ideais, referências e valores; distopia,
176
metanarrativas) = ideal de progresso da natureza desilusão e perda de fé no progresso.
humana (essencialismo).
Concepção de Homem como categoria universal. Mundividências. Fim da concepção de Homem
como categoria universal e constante na História.
175
Processo de desenvolvimento moderno de um país em termos económicos, científicos e
tecnológicos, i.e. uma renovação e reorganização da vida comunitária. A modernização é o estado
resultante da acção de modernizar, actualizar, tornar moderna a sociedade. A modernização é,
por conseguinte, uma face da modernidade.
176
No livro A vontade de poder, Nietzsche reflecte sobre a fé no progresso que corresponde a um
progresso da própria humanidade. Se o tempo avança, segue em frente, tudo o que nele está
Paulo M. Barroso
244
também avança e progride. O futuro é o progresso e Nietzsche questiona e critica a sua época
que parece não avançar mais do que avançou o século precedente (cf. Nietzsche, 2011, pp. 58,
67, 75 e 82).
Sociologia da Comunicação
245
177
A ideia de secularização é fiel à etimologia latina da palavra saeculum (cf. Barroso, 2018, p. 99),
como a vemos empregue por Nietzsche, que se refere a uma dimensão temporal de um tempo
presente e imanente. É a essência ou a característica constitutiva da modernidade, que designa
um tempo da história humana inaugurado na Europa. Em Sociologia, a secularização significa o
Paulo M. Barroso
246
imanente.178 Se a secularização tem a ver com uma dimensão temporal (i.e. face
ao tempo presente e imanente), essa é a essência ou o traço constitutivo da mo-
dernidade.
A secularização das sociedades e das culturas de massas também se re-
flecte ao nível intelectual, nas reflexões sobre a importância da condição humana.
Segundo Giddens (2005, p. 33), Nietzsche foi um dos primeiros autores a chamar
a atenção para esta transição de mentalidade, maneira de ser e de estar, modos
de pensar, agir, sentir e compreender o mundo em mudança.
Um desígnio peculiar na obra de Nietzsche é o combate contra os falsos
ídolos, as verdades aparentes, as doutrinações e os valores vigentes do espírito
179
processo de perda de poder, popularidade e função social das crenças e das instituições religiosas
(cf. Bruce & Yearley, 2006, p. 272).
178
Tempo presente e inseparável do sujeito.
179
Na obra Ecce homo, Nietzsche explica o que quer referir com a palavra “ídolo”, nomeadamente a
respeito de um outro livro, precisamente com o título Crepúsculo dos ídolos: “O que no frontispício
chamei ‘ídolo’ é precisamente o que até agora se chamou Verdade. ‘Crepúsculo dos Ídolos’
significa: estamos no fim das velhas verdades.” (Nietzsche, 1961, p. 147). Por conseguinte, os
ídolos são, para Nietzsche, os ideais e as “verdades” fabricadas e impostas como tais na sociedade.
Sociologia da Comunicação
247
e conceber este processo numa nova espécie de ser humano será, certamente,
impossível de resultar num super-homem e todos nós sermos como tal.
As mudanças de mentalidade ou de perspectiva sobre questões centrais e
tidas como absolutas ou inquestionáveis são, por vezes, difíceis de aceitar. Prin-
cipalmente quando dizem respeito ao entendimento sobre o próprio ser humano
ou à natureza humana. Por isso, de acordo com Foucault, em Nietzsche, Freud e
Marx: Theatrum philosophicum:
“Segundo Freud, há três grandes feridas narcisistas na cultura ocidental: a ferida
imposta por Copérnico; a feita por Darwin, quando descobriu que o homem des-
cendia do macaco; e a ferida ocasionada por Freud quando ele mesmo, por sua vez,
descobriu que a consciência nasce da inconsciência. Interrogo-me se não se poderia
afirmar que Freud, Nietzsche e Marx, ao envolverem-nos numa interpretação que
se vira sempre para si própria, não tenham constituído para nós e para os que nos
rodeiam, espelhos que nos reflitam imagens cujas feridas inextinguíveis formam
o nosso narcisismo de hoje.” (Foucault, 1997a, p. 17).
180
Texto de 1874.
Paulo M. Barroso
248
“[…] é possível viver quase sem recordar e viver feliz, como o demonstra o animal,
mas é impossível viver sem esquecer. Ou, mais simplesmente, há um grau de insó-
nia, de ruminação, de sentido histórico que prejudica o ser vivo e que acaba por destruí-
lo, quer se trate de um homem, de uma nação ou de uma civilização. […] Trata-se de
saber esquecer a tempo, como de saber recordar a tempo; é imprescindível que um
instinto vigoroso nos advirta sobre quando é necessário ver as coisas historica-
mente e quando é necessário não as ver historicamente. É este o princípio sobre
que o leitor deve reflectir: o sentido histórico e a sua negação são igualmente neces-
sários à saúde de um indivíduo, de uma nação e de uma civilização. […] o passado e
o presente são uma única e mesma coisa e, apesar de toda a sua diversidade, con-
servam a unidade profunda de um mesmo tipo e realizam a omnipresença de tipos
indestrutíveis, apresentando uma estrutura estável de valor invariável e de signi-
ficação sempre idêntica.” (Nietzsche, 1976, pp. 107-113).
181
Conceito grego que significa Natureza (cf. Peters, 1983, p. 189).
182
Em latim, no original: “lembra-te que vais morrer”.
183
Crença na velhice da humanidade. Segundo Nietzsche, a cultura histórica não seria mais do que
um “envelhecimento congénito”.
Sociologia da Comunicação
251
De acordo com esta citação de A gaia ciência, Nietzsche alerta para o de-
clínio da dimensão espiritual e intelectual da humanidade, resultado do seu en-
velhecimento precoce. A reflexão de Nietzsche incide sobre o errado uso das
valências das acções humanas em sociedade. O que é também interessante,
nesta reflexão, prende-se com o facto de as palavras de Nietzsche se assumirem
como uma representação próxima da situação actual que caracteriza as socie-
dades ocidentais.
A questão sobre a pertinência do pensamento de Nietzsche para a com-
preensão das actuais sociedades está subentendida neste excerto de A gaia ciên-
cia, que representa, com fidelidade, a posição filosófica do autor face a uma
cultura que não sabe pensar por si nem pensar em si. Desde a época de Nietzsche,
o desvio das sociedades ocidentais face às heranças históricas tem sido cada vez
maior, o que torna mais emergente uma filosofia crítica nietzscheana do sentido
e dos valores.
Uma consequência do mundo moderno foi primeiramente reconhecida por
Nietzsche como uma crise e depreciação dos valores associada a uma desorien-
tação existencial, segundo Lipovetsky e Serroy em A cultura-mundo: Resposta a
uma sociedade desorientada:
“Ninguém melhor do que Nietzsche conseguiu teorizar a angústia do homem mo-
derno diante da ‘morte de Deus’. Mais nada é verdadeiro, mais nada é bom: quando
os valores superiores perderam o direito de dirigir a existência, o homem ficou so-
zinho com a vida. Enquanto o sentimento de vazio aumenta, multiplicam-se com-
portamentos inebriantes para escapar à noite de um mundo sem valor, ao abismo
da falta de objectivo e de sentido.” (Lipovetsky & Serroy, 2011, p. 31).
Paulo M. Barroso
252
Em Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche (cf. 2002, pp. 17, 41-42) também ad-
verte para a necessidade de desmistificar a importância relativa que as pessoas
atribuem a determinadas entidades e à ideia (que se tornou inútil, supérflua) do
que consideram ser o “mundo verdadeiro”. É necessário mostrar que os funda-
mentos sobre os quais edificamos as nossas verdades, principalmente as mais
sagradas ou absolutas para nós (ao ponto de se assumirem na forma de “nossos
ídolos”) eram um produto da história. Por conseguinte, a proposta é a de uso da
razão para compreender o poder de decisão, a vontade de poder como um desejo
insaciável de manifestar poder que é o mais crucial, e não tanto a própria vida e
a natureza. Nietzsche faz uma concepção heterodoxa da verdade: a verdade não
era concebida como algo que descobrimos sobre o mundo; mas uma qualidade
moral e, por conseguinte, algo subjectivo, controverso e interpretável. Para
Nietzsche, a moralidade é a província do colectivo, não do indivíduo.
Segundo Nietzsche, em A gaia ciência:
“Preparadores. – Saúdo com alegria tudo o que anuncia o aparecimento de uma
época mais viril, mais guerreira, que honrará outra vez a coragem, antes de mais
nada! Porque preparará, por sua vez, a vida de uma época melhor, colectará as for-
ças de que esta terá um dia necessidade. Esta: a que introduzirá o heroísmo no co-
nhecimento, que fará a guerra pelo pensamento, pelas consequências da ideia. São
precisos agora muitos valentes que abram caminho, e que não podem surgir do
nada, do mesmo modo que não podem aparecer da areia da civilização presente e
da vasa das grandes cidades […] Porque, acreditai-me, o grande segredo para colher
a existência mais fecunda e o maior prazer é viver perigosamente. Construí as vossas
cidades sobre o Vesúvio. Enviai os vossos barcos para mares inexplorados. Vivei
em guerra com os vossos semelhantes e convosco mesmos. Pilhai e conquistai, pro-
curadores de conhecimento, enquanto não puderdes ser reis ou proprietários!”
(Nietzsche, 1987, pp. 184-185).
Por este excerto se compreende que, para Nietzsche, se deve estar prepa-
rado para enfrentar os desafios do futuro, superando-os e vencendo-os com sa-
geza, valentia e audácia, porque a época que então se avizinha é hostil.
Sociologia da Comunicação
253
184
Ensaio inserido na colectânea de textos originalmente publicada em alemão, em 1938, sob o tí-
tulo Holzwege.
Paulo M. Barroso
254
O decisivo não é que o homem se liberta para si mesmo dos vínculos que tinha até
agora, mas que a essência do homem em geral se transforma, na medida em que
o homem se torna sujeito. […]
Mas se o homem se torna no primeiro e autêntico subjectum, então isto quer dizer
que o homem se torna naquele ente no qual todo o ente, no modo do seu ser e da
sua verdade, se funda. O homem torna-se centro de referência do ente enquanto
tal. Mas isso só é possível quando se transforma a concepção do ente na totalidade.
Em que se mostra esta transformação? Qual é, de acordo com ela, a essência da
modernidade?
Quando meditamos sobre a modernidade, perguntamos pela imagem do mundo
moderna.” (Heidegger, 2002b, pp. 110-111).
185
Título da obra no original em alemão, publicado em 1962, cuja tradução para português é “A
questão da técnica”. A edição utilizada é a versão em português do Brasil, inserida em Ensaios e
conferências (cf. Heidegger, 2002a, pp. 11-38).
Paulo M. Barroso
256
princípio clássico da semiótica, segundo o qual aliquo stat pro aliquid.186 Em vez
de valer por aquilo que remete, refere ou representa, a imagem é objecto de culto
e de prática generalizada. A cópia é preferível ao original, tal como o simulacro
(reprodução técnica) é preferível ao real, chegando a parecer até mais real do que
o próprio real. Este contexto em que a imagem surge a desempenhar um papel
fundamental na percepção e na vivência do real apresenta-se nefasto, pois simu-
lar a realidade por meio de imagens significa eliminar as diferenças importantes
entre o real e o imaginário (cf. Polistchuk & Trinta, 2003, p. 144).
Hoje, num mundo com excesso de imagens, onde o uso e dependência da
visualidade transforma a cultura, que já é visual, numa iconolatria, a epígrafe de
Baudrillard no intróito deste capítulo 12 tem cada vez mais cabimento, pois a fo-
tografia (a imagem em geral) é o nosso exorcismo, na medida em que a sociedade
primitiva tinha as suas máscaras, a sociedade burguesa os seus espelhos, e nós
temos as nossas imagens (Baudrillard, 1990b, p. 160). As imagens fascinam pela
instantaneidade da sua percepção. Todavia, a percepção imediata da imagem ani-
quila a compreensão do seu conteúdo.
Em Simulacros e simulação, Baudrillard radicaliza as consequências das
imagens e afirma que a realidade deixou de existir; agora vivemos a representa-
ção da realidade. Esta diferença é abismal e traz repercussões. Ao vivermos nas
representações, não vivemos autenticamente. Os media contribuem para essa
passagem do vivido ao não vivido, ou seja, da realidade à representação, na me-
dida em que a difundem cada vez mais. Ao fazê-lo, cimentam as sociedades pós-
modernas. Estas sociedades definem-se pelas transformações sociais profundas,
como esta de que adverte Baudrillard.
Nas sociedades pós-modernas ou visuais, como as actuais, vivemos nas
representações e atribuímos mais importância e força de sedução e atracção aos
signos (às imagens) do que à própria realidade. Surgem os simulacros e as simu-
lações.187 Estes dois termos estão semanticamente próximos, mas são diferencia-
dos da seguinte maneira:
Simulacro Simulação
186
Esta expressão clássica, traduzida como “uma coisa está em vez de outra”, enfatiza a ideia de
representação ou de substituição: x ou aliquid está para y ou aliquo (cf. Eco, 2001, p. 213).
187
Os termos simulacrum, no singular, e simulacra, no plural, derivam do latim, de onde também
surge o termo simulare, que significa “simular”, “fazer parecer como”, “tornar parecido, imitar,
copiar, representar”, isto é, “dar uma aparência de”.
Sociologia da Comunicação
259
p
O simulacro não é uma situação de ilusão Na simulação perde-se a noção do real,
tão avançada como é a simulação. No pois adopta-se uma ideia ou situação
simulacro pode perceber-se que se está no como suposta verdade da qual já não se
engano ou a viver algo que não é real. tem mais o discernimento de ser uma
distorção da realidade.
não irreal, mas simulacro, isto é, nunca mais passível de ser trocado por real, mas
trocando-se em si mesmo, num circuito ininterrupto cujas referência e circunfe-
rência se encontram em lado nenhum. Assim é a simulação, naquilo em que se
opõe à representação. Esta parte do princípio de equivalência do signo e do real
(mesmo se esta equivalência é utópica, é um axioma fundamental). A simulação
parte, ao contrário da utopia, do princípio de equivalência, parte da negação radical
do signo como valor, parte do signo como reversão e aniquilamento de toda a refe-
rência. Enquanto que a representação tenta absorver a simulação interpretando-a
como falsa representação, a simulação envolve todo o próprio edifício da represen-
tação como simulacro. Seriam estas as fases sucessivas da imagem: - ela é o reflexo
de uma realidade profunda, - ela mascara e deforma uma realidade profunda, - ela
mascara a ausência de realidade profunda, - ela não tem relação com qualquer rea-
lidade: ela é o seu próprio simulacro puro.” (Baudrillard, 1991, pp. 12-13).
como o verdadeiro, cria a ilusão de real e de verdade, seduz e convence, não per-
mitindo mais conhecimento nem experiência do mundo real e levando à incapa-
cidade de distinção entre o real e o não-real. Falaciosamente acredita-se que
apenas o que é reproduzido pela imagem é que existe, quando na verdade, para
Baudrillard, é precisamente o papel da imagem que cria a ilusão (o simulacro)
sobre o real. Na criação do simulacro, a imagem descola-se do seu referente e ad-
quire vida própria e desterritorializada, com o objectivo de esteticizar a sensação
e a percepção do indivíduo.
Para Baudrillard, o simulacro é como um tipo de representação produzida
por simulação, é uma cópia sem original. Num mundo em que existem apenas
simulações ou em que a forma do simulacro predomina, o próprio mundo é uma
cópia de uma cópia e as próprias noções de autenticidade e verdade perdem o
seu ponto de referência (cf. Smith, 2010, p. 199). O conceito de simulacro constitui
um problema para Baudrillard, mas não no sentido de Platão, i.e. como imitação
enganosa.188 Tal como Nietzsche, Baudrillard entende que os simulacros não são
como imagens falsas nem obscurecem a verdade por intermédio de um artifício,
uma fachada, mas é um efeito de verdade que esconde a inexistência da verdade
(cf. Baudrillard, 1990a, p. 35).
A interacção entre os media e as novas tecnologias torna a comunicação
(as imagens e os textos) mais apelativa, sedutora e influente. A questão da sedu-
ção da comunicação, com os seus efeitos e consequências na formação da opinião
pública e na massificação da sociedade, não está ausente do campo dos media
ou do processo de produção de notícias, que obedece à lógica de influência.
Por conseguinte, Baudrillard caracteriza a sedução como tendo signos para
a relação social baseados em aparências, artifícios, significados conectados, i.e.
uma ordem ritual com regras peculiares e formas de pensamento (cf. Baudrillard,
1990a, p. 21). As massas são seduzidas pelos discursos dos media. É como se tudo
fosse movido pela sedução, ideologia, desejo e ilusão difundidos pelas mensa-
gens. Como afirma Baudrillard em Seduction:
“Sedução/simulacro: a comunicação como funcionamento do social num circuito
fechado, onde os signos duplicam uma realidade indetectável. O contrato social
tornou-se um ‘pacto de simulação’ selado pelos media e pelas notícias. E ninguém,
188
O problema das imagens para Platão cinge-se à questão de as imagens serem meras imagens da
verdade. Conforme Platão salienta em A república: “Chamo imagens, em primeiro lugar às
sombras; em seguida aos reflexos nas águas ou à superfície dos corpos opacos, polidos e
brilhantes e todas as representações deste género” (Platão, 2001, 509e-510a). Para Platão,
qualquer imitação é sempre negativa porque: 1) afasta-se da verdade; 2) apela a emoções e as
emoções fazem-nos ver as coisas de forma emocional, conduzindo-nos à imoralidade,
instabilidade e irracionalidade. As imagens afastam-nos do bom senso e podem ser perigosas.
Em Platão, interessa a questão sobre a relação entre o eidos (real, verdade), îkon (imagem) e eidôlon
(simulacro). Segundo o The Baudrillard dictionary (cf. Smith, 2010, p. 102), a questão é sobre a
relação entre o verdadeiro modelo (e o modelo como verdade) e a tentativa de capturar esse
modelo numa representação (îkon).
Paulo M. Barroso
264
pode-se acrescentar, se deixa levar por completo: a notícia é vivida como um am-
biente, um serviço ou um holograma do social. As massas respondem à simulação
do sentido com uma espécie de simulação reversa; respondem à dissuasão com de-
safecto e às ilusões com uma crença enigmática. Tudo se move e pode dar a im-
pressão de uma sedução operativa. Mas tal sedução não tem mais sentido do que
qualquer outra coisa, a sedução aqui conota apenas uma espécie de adesão lúdica
a informações simuladas, uma espécie de atracção táctil mantida pelos modelos.”
(Baudrillard, 1990a, p. 163).189
189
Tradução do autor a partir da edição em inglês de Seduction, de Baudrillard: “Seduction/simulacrum:
communication as the functioning of the social within a closed circuit, where signs duplicate an
undiscoverable reality. The social contract has become a ‘simulation pact’ sealed by the media and
the news. And nobody, one might add, is completely taken in: the news is experienced as an
ambience, a service, or hologram of the social. The masses respond to the simulation of meaning
with a kind of reverse simulation; they respond to dissuasion with disaffection, and to illusions
with an enigmatic belief. It all moves around and can give the impression of an operative
seduction. But such seduction has no more meaning than anything else, seduction here connotes
only a kind of ludic adhesion to simulated pieces of information, a kind of tactile attraction
maintained by the models.”
Sociologia da Comunicação
265
Para Baudrillard, as imagens são diabólicas porque elas parecem estar con-
forme a realidade. Acreditamos ingenuamente nessa conformidade, no realismo
das imagens. É o que acontece com certos filmes, que impressionam pelas ima-
gens que são capazes de nos desligar da noção de que são encenações, represen-
tações, ficções. Baudrillard (1991, p. 77) apresenta o exemplo de Apocalypse Now,
de Francis Ford Coppola. Em filmes com exageros, efeitos especiais e tecnológicos
gerados por computador, a realidade (se existir) é a produção e apresentação do
próprio filme, que é uma simulação. Trata-se de um paradoxo: o representado
(realidade) advém do representante (imagem).
“Coppola faz a mesma coisa: testa o poder de intervenção do cinema, testa o im-
pacto do cinema em se tornar uma vasta máquina de efeitos especiais. Neste sen-
tido, o seu filme é muito mais do que o prolongamento da guerra por outros meios,
a completude daquela guerra incompleta, a sua apoteose. A guerra torna-se filme,
o filme torna-se guerra, os dois unidos pelos seus excessos de tecnologia.” (Bau-
drillard, 1984, p. 16).191
190
Tradução do autor a partir da edição em inglês do livro The evil demon of images, de Baudrillard:
“As simulacra, images precede the real to the extent that they invert the causal and logical order
of the real and its reproduction. Benjamin, in his essay ‘The Work of Art in the Age of Mechanical
Reproduction’, already pointed out strongly this modern revolution in the order of production
(of reality, of meaning) by the precession, the anticipation of its reproduction. It is precisely when
it appears most truthful, most faithful and most in conformity to reality that the image is most
diabolical – and our technical images, whether they be from photography, cinema or television,
are in the overwhelming majority much more ‘figurative’, ‘realist’, than all the images from past
cultures.”
191
Tradução do autor a partir da edição em inglês do livro The evil demon of images, de Baudrillard:
“Coppola does the same thing: he tests the power of intervention of cinema, tests the impact of
cinema become a vast machine of special effects. In this sense his film is very much the
prolongation of war by other means, the completion of that incomplete war, its apotheosis. War
becomes film, film becomes war, the two united by their mutual overflow of technology.”
Paulo M. Barroso
266
192
Um reino dos signos e das significações, campo da semiosfera, segundo o termo de Yuri Lotman
(cf. 2005, p. 208). A semiosfera é a esfera dos signos, o espaço ou sistema da Semiótica, sem o
qual a comunicação não pode acontecer (cf. Hartley, 2004, p. 240).
Sociologia da Comunicação
267
‘parque’, que pode parecer uma ‘cidade’, mas apenas a título metafórico. Nos Esta-
dos Unidos, pelo contrário, é bem sabido, existem as cidades dos divertimentos:
Las Vegas é disso exemplo, está centrada no jogo e no espectáculo, a sua arquitec-
tura é de todo artificial e foi estudada por Robert Venturi como um facto urbanístico
completamente novo, uma cidade ‘mensagem’, toda feita de signos, não uma ci-
dade como as outras, que comunicam para poder funcionar, mas sim uma cidade
que funciona para comunicar.” (Eco, 1993, p. 40).
A irrealidade, mas também a hiper-realidade, é o falso expoente em que as
imitações não apenas reproduzem a realidade, mas também tentam melhorá-la.
Por exemplo, existem museus que funcionam como modos de proporcionar
a vivência de uma outra realidade onírica, a ficção, que a própria realidade não
satisfaz. Esta realidade é ficção? O sonho é desejo, é o que se gostaria de ter, mas
não se tem; a realidade é o que suscita o sonho como forma de evasão da própria
realidade.
De facto, o conceito de hiper-realidade está conotado com os efeitos da
cultura de massas, em particular os da reprodução virtual de objectos, eventos
ou experiências que substituem ou são preferidos em detrimento da autentici-
dade do real (a ideia de que a cópia é mais real do que o real originário).
Para Umberto Eco e, na mesma linha de perspectiva, para Baudrillard (cf.
1989, p. 36; 1996, p. 128), a hiper-realidade é indistinta da realidade, da imagem
(signos representativos da realidade) e da sensação de aparência nas formas de
simulação. Se Baudrillard demonstra que o real é suplantado ou escamoteado
pela imitação que se propõe sempre nova e mais completa e, por isso, mais inte-
ressante para a cultura de massas, Umberto Eco permanece na crítica à cultura
de massas e do espectáculo, à semelhança do que antes fez Guy Debord em A so-
ciedade do espetáculo.
Em Viagem na irrealidade quotidiana e em América,193 Umberto Eco e Bau-
drillard, respectivamente, usam os conceitos de “irrealidade” e de “hiper-reali-
dade” para descrever como a nossa percepção do mundo depende cada vez mais
de simulacros da realidade, à medida que nos tornamos numa sociedade comu-
nicacional, tecnológica e hiper-real. Umberto Eco e Baudrillard reconhecem a
construção de uma espécie de semiocracia.194 Os signos da hiper-realidade servem
para a fuga ou distanciamento da referencialidade. Ambos reconhecem uma ten-
dência para os signos escaparem às amarras referenciais, voarem livres de signi-
ficados cognitivos e assumirem uma hiper-vida própria que é mais real do que a
realidade e do que o hiper-real (cf. Tiffin, 2005, p. 41).
193
Obra originalmente publicada por Baudrillard em 1986 com o título Amérique (Bernard Grasset,
Paris).
194
O conceito de “semiocracia” deriva dos termos gregos semeion, “signo”, e krátos, “poder”,
querendo referir um império poderoso e prepotente de signos massificados e influentes, que
impõem uma certa maneira de ver, pensar, sentir, agir ou apenas significar e interpretar o mundo.
Paulo M. Barroso
268
“Somos a primeira civilização que pode julgar-se autorizada por seus aparelhos a
acreditar em seus olhos. A primeira a ter colocado um sinal de igualdade entre visi-
bilidade, realidade e verdade. Todas as outras, e a nossa até ontem, estimavam que
a imagem impede de ver. Agora, vale como prova. O representável apresenta-se
como irrecusável. Ora, como o mercado fixa cada vez mais a natureza e os limites
das representações sensíveis, na medida em que são mediatizadas por indústrias,
o sinal de igualdade se transforma e torna-se: ‘Invendável = irreal, falso, não vá-
lido’. Somente o solvável é válido; só tem valor aquilo que tem clientela. O nivela-
mento dos valores da verdade aos valores da informação indexa a primeira à oferta
e procura: será considerado verdadeiro o que tem um mercado. Tradução: ‘o público
é o nosso único juiz’.” (Debray, 1994, pp. 358-359).
195
O conceito de “gatekeeper” (“seleccionador”, “porteiro”, “bloqueio”) foi elaborado por Kurt Lewin,
em 1947, para demonstrar as dinâmicas de filtragem de informações que actuam no interior dos
grupos sociais e que os influenciam (cf. Wolf, 1992, pp. 159-160). Um gatekeeper é uma pessoa
ou um grupo que possui o poder de decidir se deixa passar a informação ou se a bloqueia.
Sociologia da Comunicação
271
É neste sentido que, em The intelligence of evil or the lucidity pact,196 Bau-
drillard (cf. 2005, p. 31) considera a imersão, a imanência e o imediatismo como
as características do virtual. O mundo interactivo abole a linha de demarcação
entre o sujeito e o objecto (cf. Baudrillard, 2005, p. 78). Viveremos, como afirma
Baudrillard, na hiper-realidade das simulações, onde tudo se torna imagem/signo,
espectáculo e objecto “trans-estético” e onde também as imagens e o espectáculo
tendem a substituir quer o significado da vivência e da experiência humana quer
a própria autenticidade dessa experiência e vivência?
A referida mudança de paradigma comunicacional deve-se a aspectos ma-
teriais, que se desenvolveram com o capitalismo e o liberalismo económico. Vi-
vemos num mercado-mundo onde existe tudo e em quantidades excessivas.
Inclusivamente no campo dos media, onde já não actuam apenas os media tradi-
cionais, mas que se desdobraram e se inovaram em novos media, através dos
quais as formas de comunicação e de informação são diversificadas. Enzensberger
(1978, p. 75) já admoestava há 50 anos, em Elementos para uma teoria dos meios
de comunicação, para a tese de que “os novos media estão orientados para a acção,
não para a contemplação” e “para o presente, não para a tradição”.
Ao permitir o self media e o social media, definindo o modo como nos in-
formamos e nos relacionamos, a comunicação instantânea contribui paradoxal-
mente para a democraticidade e megafonia das comunicações (opiniões,
comentários, postagens, reacções a postagens, etc.) e para uma relativa autocra-
cia e intolerância da sociedade em rede. As modernas formas de comunicação
em rede aproximam e afastam, incluem e excluem, aceitam e recusam, toleram
e não toleram, diluindo as barreiras entre o privado e o público, pois a comuni-
cação instantânea pauta-se por:
– Interconexão na rede.
– Dimensão digital.
– Origem e veracidade difíceis de avaliar.
– Gratuitidade, imediatismo, informalidade e personalização.
196
Obra primeiramente publicada em francês com o título Le pacte de lucidité au l’intelligence du mal
(Éditions Galilée, Paris) em 2004. A edição utilizada neste livro é a tradução desta obra para inglês
com o título The intelligence of evil or the lucidity pact.
Paulo M. Barroso
272
As redes sociais são os novos lugares para as relações sociais e para a in-
formação ou formação. São espaços ilimitados para várias possibilidades. Os dis-
positivos móveis permitem uma conectividade permanente, rápida, imediata e
em todo o lado, sendo os meios privilegiados de uso das redes sociais. Um simples
telemóvel não serve apenas para o essencial (realizar chamadas telefónicas), mas
também para criar e manter as relações sociais em rede ou para partilhar mo-
mentos, experiências e opiniões, mesmo que sejam imanentes, efémeras e banais.
Com poucos caracteres ou com uma simples fotografia, partilha-se tudo, aspectos
da vida privada ou pública, porque o que mais se valoriza é a partilha, não inte-
ressa o que se partilha.
Em 2015, a palavra do ano para os dicionários de Oxford não foi uma pa-
lavra, pela primeira vez; foi um emoji. Esta escolha é paradoxal, porque a palavra
do ano é uma imagem. O emoji em questão é o que representa “lágrimas de ale-
gria”. Um emoji é um ícone, um ideograma, pictograma normalizado que ex-
pressa emoção, atitude ou estado de espírito. A parafernália de emojis disponíveis
é cada vez maior, principalmente nas culturas visuais.198 Pressupostamente um
197
A Netcraft é uma empresa de serviços de internet com sede em Bath, Inglaterra, que faz análises
e estudos desde 1995.
198
Os emojis são cada vez mais, cobrindo cada vez mais o campo semântico da diversidade de
estados de espírito, sentimentos, sensações, situações ou experiências. Até já existe o emoji do
período, na forma significante de uma gota de sangue, para se partilhar a informação de que se
está com a menstruação.
Sociologia da Comunicação
275
emoji expressa melhor do que as palavras, transmite o que se pretende com mais
facilidade, em especial o que é do foro intangível e inefável. É como se a imagem
destronasse a palavra, o ver substituísse o ler. Numa época iconófila e iconólatra
como a actual, em que a imagem e a visualidade são cada vez mais privilegiadas
e assumem o domínio da expressão e entendimento, é com a imagem que se faz
a construção visual do saber e da própria cultura. Como refere Isabel Capeloa Gil
(cf. 2011, p. 11), o desejo da imagem e pela imagem é apanágio da “idade da vo-
ragem pictórica”.
Quando surgiram em 1999, os emojis popularizaram-se, porque foram ao
encontro das necessidades de comunicação instantânea das pessoas. Os emojis
transpõem as fronteiras linguísticas; não falam nenhuma língua, como as pala-
vras; “falam” uma linguagem universal que dispensa código. Por conseguinte,
os emojis reflectem, como fazem as linguagens, as inclinações humanas pró-so-
ciais para a comunicação intersubjectiva, segundo Vyvyan Evans (cf. 2014, p. 3).
As linguagens são multiformes e heteróclitas, são integrantes da vida e do rela-
cionamento social. Por isso, a capacidade humana para se adaptar a novas lin-
guagens é inata e a apetência é maior para formas de comunicação instantâneas.
essa imagem. A imagem de Che Guevara acabou por enriquecer empresários ca-
pitalistas, o que se revela paradoxal. Che Guevara tornou-se um anti-capitalista
celebrado pelo capitalismo.
No documentário intitulado Propaganda: The art of selling lies, realizado
por Larry Weinstein em 2019, Fitzpatrick revela a motivação que o levou a criar
esta imagem:
“Che fora assassinado, executado como prisioneiro de guerra. E cometeram um
acto obsceno: colocaram-no numa plataforma para escoar o sangue do gado. Parecia
o Cristo morto. Fiquei tão ultrajado com a forma como fora assassinado e com o
facto de tentarem fazê-lo desaparecer […] Pensei: ‘Vão-se lixar. Isso não vai acon-
tecer.’ Quando criei a imagem, foi propaganda deliberada. Queria-a o mais simples
possível, para que todos pudessem copiá-la. Fiz panfletos, impressões… distribuí
por toda a gente, registei-a como sendo de uso livre, e declarei-a livre de direitos
para utilização de revolucionários e esquerdistas. A imagem começou a multipli-
car-se. Já a vi nos sítios mais absurdos. Em casas de banho em Tóquio. Em incon-
táveis t-shirts. Descolou e tornou-se tão famosa que chegava a intimidar-me.
Cheguei ao ponto de nem dizer que fora o autor, porque ninguém acreditava. Tive
muita sorte. Meio que por acidente, criei uma das imagens mais icónicas de todos
os tempos. […] Celebrei um grande homem e ressuscitei-o.” (Weinstein, 2019).199
199
Tradução e legendagem do documentário de Helena Figueiredo a partir do áudio original em
inglês.
200
Os itálicos são da edição consultada do livro de Debord.
Sociologia da Comunicação
277
201
A tela, neste contexto, é mais do que um simples ecrã que reproduz imagens; é um dispositivo
de produção de espectáculo e de absorção da atenção e do olhar do espectador, capaz de
determinar a sua percepção e de o alienar colectivamente.
202
Estes óculos provocam um efeito estereoscópico de 3D, tendo lentes de cores diferentes
(usualmente de contraste cromático, como o vermelho e o azul).
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278
203
A expressão “civilização da imagem” foi usada pertinentemente por Enrico Fulchignoni, no livro
La civilisation de l’image (cf. 1969). Cf. também O poder em cena, de Georges Balandier (1999, p.
108), que também se refere a uma “civilização das imagens” quando afirma: “a civilização das
imagens torna-as presentes imediatamente e por toda a parte”.
Paulo M. Barroso
280
Figura 10: Fotografia de John Blanding (Fonte: Figura 11: Mona Lisa, Louvre, Paris (Fonte:
The Boston Globe, 15 de Setembro de 2015). The Guardian, 9 de Março de 2009).
Numa fotografia publicada pelo The Boston Globe, uma multidão assiste à
passagem do elenco (Johnny Depp, entre outros) do filme Black Mass numa visita
ao Coolidge Corner Theatre, em Brookline (Figura 10). A multidão não está a viver
autenticamente a realidade que acontece nem a desfrutar de um momento es-
pecial e único, porque se distrai em capturar e registar em fotografia para uma
vida não vivida numa hiper-realidade. É o espectáculo como o movimento autó-
nomo do não-vivo, segundo Debord (2006, p. 13). Este movimento autónomo do
não-vivo ou do não-vivido também é demonstrado na Figura 11, que representa
o quotidiano do Museu do Louvre, com os visitantes sôfregos na tentativa de fo-
tografarem a obra de arte, tal como acontece actualmente nos concertos de mú-
sica com cantores populares (Figura 12) e ao contrário do que sucedia até
recentemente, nos anos 1980, quando ainda não existiam os dispositivos tecno-
lógicos de captação e partilha de imagem e, por isso, os espectadores usufruíam
mais intensamente os momentos e os espectáculos musicais (Figura 13).
Figura 12: Concerto de Chris Brown, Estocolmo, Figura 13: Concerto Live Aid em Londres,
2016 (Fonte: The Guardian, 3 de Dezembro 13 Julho de 1985 (Fonte: Joe Schaber,
de 2018). The Associated Press/The Denver Post).
como afirma Debord (2006, p. 14), uma relação social entre pessoas mediada por
imagens. As relações humanas deixam de se basear na experiência pura e directa
e são mediadas pelas imagens do espectáculo. Além das relações sociais, a per-
cepção e a perspectiva sobre a realidade também mudam, devido à intermediação
e ao espectáculo das imagens.
O espectáculo apresenta-se na experiência humana como um modelo par-
ticular e dominante de vida e relação social. O espectáculo inverte o real, porque
é produzido para que a realidade vivida termine materialmente invadida pela
contemplação do espectáculo. “Num mundo realmente invertido, a verdade é um
momento do que é falso” (Debord, 2006, p. 16). A conclusão é o que Debord (2006,
p. 17) chama de “monopólio da aparência”.
A incubadora e o habitat do espectáculo são o capitalismo e a economia
de livre mercadoria onde também se insere o espectáculo. “O espectáculo é o ca-
pital em tal grau de acumulação que se torna imagem”, argumenta Debord (2006,
p. 25). Por isso, o espectáculo corresponde ao momento em que a mercadoria
ocupa totalmente a vida social, ou melhor, “o momento em que a mercadoria
ocupou totalmente a vida social” (Debord, 2006, p. 30). Essa colonização da vida
social também se deve aos meios de comunicação. Segundo Debord (2006, p. 44),
“ondas de entusiasmo por determinado produto, apoiado e lançado por todos os
meios de comunicação, propagam-se com grande rapidez”.
O parágrafo 24 de A sociedade do espectáculo é demonstrativo da partici-
pação e colaboração dos meios de comunicação na disseminação do espectáculo
e das suas consequências:
“O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si
mesma, seu monólogo laudatório. É o auto-retrato do poder na época de sua gestão
totalitária das condições de existência. A aparência fetichista de pura objetividade
nas relações espetaculares esconde o seu carácter de relação entre homens e entre
classes: parece que uma segunda natureza domina, com leis fatais, o meio em que
vivemos. Mas o espetáculo não é o produto necessário do desenvolvimento técnico,
visto como desenvolvimento natural. Ao contrário, a sociedade do espetáculo é a
forma que escolhe seu próprio conteúdo técnico. Se o espetáculo, tomado sob o as-
pecto restrito dos ‘meios de comunicação de massa’, que são sua manifestação su-
perficial mais esmagadora, dá a impressão de invadir a sociedade como simples
instrumentação, tal instrumentação nada tem de neutra: ela convém ao automo-
vimento total da sociedade. Se as necessidades sociais da época na qual se desen-
volvem essas técnicas só podem encontrar satisfação com sua mediação, se a
administração dessa sociedade e qualquer contato entre os homens só se podem
exercer por intermédio dessa força de comunicação instantânea, é porque essa ‘co-
municação’ é essencialmente unilateral; sua concentração equivale a acumular nas
mãos da administração do sistema os meios que lhe permitem prosseguir nessa
precisa administração.” (Debord, 2006, pp. 20-21).
Desde 1967, ano em que foi publicado o livro A sociedade do espetáculo, até
à actualidade, as formas de vida social confirmam a tese de Debord. Não vivemos
realmente a não ser na aparência das imagens que produzem espectáculo e que,
por isso, mais nos fascinam. Resumem-se, desta forma, as linhas de força da pers-
pectiva crítica de Debord às denominadas sociedades do espectáculo:
– A acumulação de espectáculo é cada vez maior, porque cada vez mais
se produzem imagens e cada vez mais os espectadores percepcionam o
mundo através dessas imagens, contentando-se com apreensões frag-
mentadas, superficiais e inautênticas.
– Consequentemente à alínea anterior, a representação do mundo domina
sobre o próprio mundo, pois vive-se cada vez mais na representação (na
aparência) e menos na realidade (na verdade).
– O espectáculo triunfa, porque fascina, simplifica o entendimento da rea-
lidade e do mundo e unifica, pois a maioria das pessoas consome es-
pectáculo e, por isso, se identifica com o que vê: o espectáculo altera as
interacções humanas.204
204
Hoje, as redes sociais (e.g. o Facebook e o Instagram) monitorizam e controlam as relações sociais,
opiniões e emoções ou estados de espírito de uma forma ainda mais autocrática e colonizadora.
Paulo M. Barroso
284
205
Livro publicado em 1967, com o título original Traité de savoir-vivre à l’usage des jeunes générations.
Sociologia da Comunicação
285
206
Obra originalmente publicada por Bauman em 2013 com o mesmo título, Liquid surveillance
(Polity Press, Cambridge). Privilegia-se aqui, à semelhança dos outros livros de Bauman utilizados
nesta obra, a edição original em inglês, apesar de existir uma edição traduzida para português
do Brasil com o título Vigilância líquida (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro).
207
Tradução do autor a partir do original em inglês de Bauman & Lyon: “Surveillance is a growing
feature of daily news, reflecting its rapid rise to prominence in many life spheres. But in fact
surveillance has been expanding quietly for many decades and is a basic feature of the modern
world. As that world has transformed itself through successive generations, so surveillance takes
on an ever changing character. Today, modern societies seem so fluid that it makes sense to think
of them being in a ‘liquid’ phase. Always on the move, but often lacking certainty and lasting
bonds, today’s citizens, workers, consumers and travelers also find that their movements are
monitored, tracked and traced. Surveillance slips into a liquid state.”
Paulo M. Barroso
286
208
O RGPD (Regulamento Geral de Protecção de Dados) é um diploma europeu de 2016, que
estabelece regras referentes à protecção, tratamento e livre circulação de dados pessoais em
todos os países membros da União Europeia. O objectivo deste regulamento é reforçar a
protecção de dados e harmonizar a legislação nos Estados que compõem a União Europeia.
Paulo M. Barroso
288
Segundo Foucault, não existe uma evolução da Idade Clássica à Idade Mo-
derna. Foucault contraria a existência de uma continuidade epistemológica, de-
209
Obra publicada em 1966 com o título original Les mots et les choses: Une archéologie des sciences
humaines.
Sociologia da Comunicação
289
fendendo que existe, em vez dessa continuidade ou evolução, uma ruptura epis-
temológica, uma descontinuidade.
O modelo do ecrã totalitário ou do Big Brother210 de Orwell tem raízes num
primeiro modelo de vigilância, desenvolvido por Jeremy Bentham (1748-1832),
filósofo inglês partidário da corrente de pensamento utilitarista.211 É a este que
se deve a primeira formulação de um ideal de vigilância racional que combina a
segurança colectiva e consentimento individual. Em 1787, Bentham propôs o pa-
nóptico como um projecto ideal de prisão que permite a vigilância constante dos
detidos sem que estes vejam, ou seja, os prisioneiros são vistos sem poderem
ver (cf. Bentham, 2008, pp. 21-22). O panóptico é um dispositivo de visibilidade,
um modelo de vigilância e controlo de pessoas. Por isso, em O olho do poder,212
Foucault (1998, p. 218) considera que Bentham é um dos inventores mais exem-
plares da tecnologia do poder, por ter desenvolvido um dispositivo arquitectónico
perfeito para resolver os problemas de vigilância na sociedade em geral e nas
várias instituições sociais (escolas, hospitais, prisões, etc.).
Em O olho do poder, Foucault revela como descobriu o modelo panóptico
de vigilância das sociedades e das várias instituições sociais onde o indivíduo se
insere:
“Estudando as origens da medicina clínica; eu havia pensado em fazer um estudo
sobre a arquitetura hospitalar na segunda metade do século XVIII, época do grande
movimento de reforma das instituições médicas. Eu queria saber como o olhar mé-
dico havia se institucionalizado; como ele se havia inscrito efetivamente no espaço
social; como a nova forma hospitalar era ao mesmo tempo o efeito e o suporte de
um novo tipo de olhar. E, examinando os diferentes projetos arquitetônicos elabo-
rados depois do segundo incêndio do HôteI-Dieu, em 1772, percebi até que ponto o
problema da visibilidade total dos corpos, dos indivíduos e das coisas para um
olhar centralizado havia sido um dos princípios diretores mais constantes. No caso
dos hospitais, este problema apresentava uma dificuldade suplementar: era preciso
evitar os contatos, os contágios, as proximidades e os amontoamentos, garantindo
a ventilação e a circulação do ar: ao mesmo tempo dividir o espaço e deixá-lo aberto,
assegurar uma vigilância que fosse ao mesmo tempo global e individualizante, se-
parando cuidadosamente os indivíduos que deviam ser vigiados. Durante muito
tempo acreditei que estes eram problemas específicos da medicina do século XVIII
e de suas crenças.
Em seguida, estudando os problemas da penalidade, me dei conta de que todos os
grandes projetos de reorganização das prisões (que, além disso, datam de um pouco
210
No livro 1984, Orwell dá forma a um modelo de vigilância, controlo e poder centralizado e
totalitário vinculado a um instrumento, o ecrã. Este instrumento é como um olho.
Metaforicamente, é o olho de Deus, que vê tudo, porque é omnipotente, omnipresente e
omnisciente.
211
Para o pensamento utilitarista de Bentham, a moral baseia-se na noção de utilidade. Assim, uma
acção é moralmente boa se for útil ao maior número possível de pessoas. Trata-se de um princípio
de utilidade, que deve ser útil ao conduzir à felicidade de todos ou do maior número.
212
O título de Foucault, no original em francês, é L’oeil du pouvoir, traduzido para português como
O olho do poder e inserido em Microfísica do poder (cf. Foucault, 1998, pp. 209-227).
Paulo M. Barroso
290
mais tarde, da primeira metade do século XIX) retomavam o mesmo tema, mas já
sob a influência, quase sempre explicitada, de Bentham. Eram poucos os textos, os
projetos referentes às prisões em que o ‘troço’ de Bentham não se encontrasse. Ou
seja, o ‘panopticon’.
O princípio é: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta pos-
sui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel. A construção peri-
férica é dividida em celas, cada uma ocupando toda a largura da construção. Estas
celas têm duas janelas: uma abrindo-se para o interior, correspondendo às janelas
da torre; outra, dando para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de um
lado a outro. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar
um louco, um doente, um condenado, um operário ou um estudante. Devido ao
efeito de contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se na luminosidade, as
pequenas silhuetas prisioneiras nas celas da periferia. Em suma, inverte-se o prin-
cípio da masmorra; a luz e o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que,
no fundo, protegia.” (Foucault, 1998, pp. 209-210).213
213
Para se compreender o princípio e o funcionamento do panóptico a partir de outra descrição de
Foucault, veja-se o capítulo 3 de Vigiar e punir (cf. Foucault, 1997b, p. 165 e segs.). Leia-se também
a Conferência 4 de A verdade e as formas jurídicas (cf. Foucault, 2002, pp. 79-102).
Sociologia da Comunicação
291
214
No original, em francês, Surveiller et punir (Éditions Gallimard, 1975).
Paulo M. Barroso
292
O terceiro princípio se deduz naturalmente dos dois primeiros: uma definição clara
e simples do crime. O crime não é algo aparentado com o pecado e com a falta; é
algo que danifica a sociedade; é um dano social, uma perturbação, um incômodo
para toda a sociedade.” (Foucault, 2002, p. 81).
215
Obra originalmente publicada por Bauman em 1998 com o referido título (Polity Press,
Cambridge). Existe uma edição traduzida para português do Brasil com o título Globalização: As
consequências humanas (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro).
216
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Bauman: “The Panopticon, even when
it was universal in its application and when the institutions following its principles embraced
the bulk of the population, was by its nature a local establishment: both the condition and the
effects of panoptical institution was immobilization of its subjects–surveillance was there to
stave off escape or at least to prevent autonomous, contingent and erratic movements. The
Synopticon is in its nature global; the act of watching unties the watchers from their locality–
transports them at least spiritually into cyberspace, in which distance no longer matters, even
if bodily they remain in place. It does not matter any more if the targets of the Synopticon,
transformed now from the watched into the watchers, move around or stay in place. Wherever
they may be and wherever they may go, they may–and they do–link into the exterritorial web
which makes the many watch the few. The Panopticon forced people into the position where
they could be watched. The Synopticon needs no coercion–it seduces people into watching. And
the few whom the watchers watch are tightly selected.”
Sociologia da Comunicação
295
“Muitos vigiam poucos. Os poucos que são vigiados são as celebridades. Eles podem
vir do mundo da política, do desporto, da ciência ou do espectáculo, ou podem ape-
nas ser especialistas em informação sobre famosos. Todavia, de onde quer que ve-
nham, todas as celebridades exibidas colocam em exibição o mundo das
celebridades – um mundo cuja principal característica é precisamente a condição
de ser observado – por muitos e em todos os cantos do globo, de ser global na sua
qualidade de ser observado. O que quer que falem quando estão no ar, passam a
mensagem de um estilo de vida total. A vida delas, o estilo de vida delas.” (Bauman,
1998, pp. 52-53).217
Para Bauman (cf. 2006, p. 11), o que quer que seja o presente estádio da
história da modernidade, este é, talvez acima de tudo, pós-panóptico. Na transi-
ção ou, pelo menos, coexistência entre o panopticon e o synopticon, Baudrillard
assume uma posição mais radical e sustenta que estamos no fim do panóptico,
referindo-se à TV- verdade dos reality shows, cujo exemplo é o programa An ame-
rican family (1973) com a família Loud:
“[…] sete meses de rodagem ininterrupta, trezentas horas de filmagem directa,
sem guião nem cenário, a odisseia de uma família, os seus dramas, as suas alegrias,
as suas peripécias, non stop – resumindo, um documento histórico ‘bruto’, e a ‘mais
bela proeza da televisão, comparável, à escala da nossa quotidianidade, ao filme
de desembarque na Lua’”. (Baudrillard, 1991, p. 40).
A família Loud era já hiper-real. Era uma família americana ideal e típica
que, como nos sacrifícios antigos, foi “escolhida para ser exaltada e morrer sob
217
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Bauman: “The many watch the few.
The few who are watched are the celebrities. They may come from the world of politics, of sport,
of science or showbusiness, or just be celebrated information specialists. Wherever they come
from, though, all displayed celebrities put on display the world of celebrities–a world whose
main distinctive feature is precisely the quality of being watched–by many, and in all corners of
the globe: of being global in their capacity of being watched. Whatever they speak about when
on air, they convey the message of a total way of life. Their life, their way of life.”
Paulo M. Barroso
296
218
Paralelamente ao caso da família Loud, recomenda-se a compreensão da teoria panóptica e dos
seus efeitos ilusórios recorrendo-se à visualização do filme The truman show (1998), de Peter Weir.
Este filme narra a história de um cidadão (interpretado por Jim Carrey) com o nome Truman
(ironicamente a significar em inglês “homem verdadeiro”) que vive numa mentira, desde que
nasceu e até uma idade adulta, i.e. vive num programa de televisão. A realidade que Truman
julgava existir era um cenário de um reality show, em que o único participante, ele próprio,
desconhecia que tudo na sua vida, incluindo a sua mulher, fazia parte desse programa com uma
equipa de produção, muita audiência, estratégias de product placement durante a emissão e
transmitido ininterruptamente. Também se recomenda, num registo semelhante, o filme EDtv
(1999), de Ron Howard.
Sociologia da Comunicação
297
219
Profético porque o texto foi publicado em 1990, aquando do colapso do comunismo e do início
de uma só vertente e ordem mundial, a do capitalismo, fomentado pelo neo-liberalismo
económico. Em Maio desse ano, quando Deleuze publicou este texto na revista L’Autre Journal, a
world wide web tinha sido inventada um ano antes por Tim Berners-Lee e ainda não existiam
telemóveis nem proliferavam computadores pessoais.
220
Texto no original em francês com o título “Post-scriptum sur les sociétés de contrôle” e inserido
em Pourparlers 1972-1990 (Les Éditions de Minuit, Paris). A versão utilizada neste livro é a da
edição em português inserida na obra Conversações (cf. Deleuze, 2008).
Paulo M. Barroso
298
intelectuais que servem para pensar sobre a realidade social. Para Taylor, os ima-
ginários sociais são maneiras como as pessoas imaginam a sua existência, as
suas relações sociais e o que as circunda, como se relacionam com as outras pes-
soas, como as coisas acontecem e as implicam, as suas expectativas, etc. (cf. Tay-
lor, 2010, p. 31). Mas um imaginário social não é uma teoria social. O imaginário
social difere da teoria social por ser mais vasto e por não ser expresso em termos
teóricos; é transportado por imagens, histórias e lendas. O imaginário social é
um entendimento comum que torna possível práticas também comuns, ou seja,
interacções na esfera pública.
Se o imaginário social muda com a modernidade, a participação das pes-
soas na esfera pública também muda, porque agora as pessoas possuem concep-
ções diferentes da vida colectiva e isso se reflecte na estrutura social e na esfera
pública. Para Taylor, a esfera pública é um espaço comum de interesses colectivos,
onde os media desempenham um papel importante:
“A esfera pública é um espaço comum onde os membros da sociedade se encontram
através de uma variedade de meios – imprensa, electrónica e também encontros
face-a-face – para discutirem assuntos de interesse comum e, deste modo, forma-
rem a seu respeito uma opinião comum. Digo ‘um espaço comum’ porque, embora
os meios sejam múltiplos, como também as trocas que neles têm lugar, considera-
se que esses meios estão em intercomunicação. O que dizemos agora acerca da te-
levisão refere-se ao que se disse no jornal da manhã, que, por seu turno, se refere
ao debate radiofónico de ontem, e assim por diante. Eis porque, habitualmente,
falamos da esfera pública no singular. A esfera pública é uma característica central
da sociedade moderna, de tal modo que, mesmo onde é efectivamente suprimida
ou manipulada, tem de ser simulada.” (Taylor, 2010, p. 87).
se preconiza uma viragem subjectiva para uma nova forma de interioridade (cf.
Taylor, 2009, p. 40).
A fonte da moralidade está dentro do sujeito e permite-lhe distinguir in-
tuitivamente o bem do mal, à semelhança do que revelam as meditações de Santo
Agostinho que falam de um Mestre Interior.
“Tornamo-nos plenamente agentes humanos, capazes de nos compreendermos e,
por isso, de definirmos uma identidade, através da aquisição de uma grande ri-
queza de linguagens humanas, em que nos exprimimos. […] Somos iniciados na
linguagem pela interacção com os outros. Ninguém adquire sozinho as linguagens
de que necessita para se definir a si mesmo. Iniciamo-nos nelas pela interacção
com aqueles que contam para nós – a que George Herbert Mead chamou os ‘outros
significativos’. A formação da mente humana não é, neste sentido, ‘monológica’,
algo que cada um realize sozinho, mas dialógica. […] cada um tem o direito de de-
senvolver a sua própria forma de vida, fundada sobre a sua percepção daquilo que
é realmente importante ou tem valor. As pessoas são chamadas a serem fiéis a si
mesmas, a buscar a própria auto-realização.” (Taylor, 2009, p. 46).
221
Publicada em 1979.
Paulo M. Barroso
304
222
O termo “capitalismo”, entendido para descrever um sistema económico, social e político, surgiu
em 1860, segundo Hobsbawm (cf. 1982, p. 17).
Paulo M. Barroso
306
223
A este sentido 1 contrapõe-se o denominado anti-capitalismo, que visa eliminar a separação
entre os possidentes e o proletariado, permitindo a todos os trabalhadores de uma unidade de
produção tornarem-se os proprietários colectivos do seu capital e transferindo para o Estado a
propriedade de todo o capital de um país.
Sociologia da Comunicação
307
nas paredes de escolas ou no dos inúmeros grupos artísticos: quanto mais a gente
se expressa, menos há o que dizer; quanto mais a subjetividade é solicitada, mais
o efeito é anônimo e vazio. Este paradoxo é reforçado também pelo fato de que
ninguém, no fundo, está interessado nessa profusão de expressões, com uma ex-
ceção que deve ser levada em conta: o próprio eminente ou criador. Isso é, exata-
mente, o narcisismo, a expressão sem retoques, a prioridade do ato de comunicação
sobre a natureza do comunicado, a indiferença em relação aos conteúdos, a assi-
milação lúdica do sentido, a comunicação sem finalidade e sem público, o remetente
transformado em seu principal destinatário. Daí essa pletora de espectáculos, de
exposições, de entrevistas, de proposições totalmente insignificantes para qualquer
pessoa e que não levam em conta nem mesmo a ambiência; outra coisa está em
jogo: a possibilidade e o desejo de se expressar qualquer que seja a natureza da
‘mensagem’, o direito e o prazer narcisista de se manifestar a respeito de nada, por
si mesmo, mas retransmitido e amplificado por um meio de comunicação. Comu-
nicar por comunicar, expressar-se sem qualquer outra finalidade a não ser expres-
sar-se e ser ouvido por um micropúblico, o narcisismo revela, tanto aqui quanto
em outros aspectos, a sua convivência com a ausência de substância pós-moderna,
com a lógica do vazio.” (Lipovetsky, 2006, pp. xxiii-xiv).
224
O nome de Narciso tem origem na palavra grega narkê (“entorpecido”), de onde também surge
a palavra “narcótico”.
Sociologia da Comunicação
313
225
Mais do que marcas, Lipovetsky e Serroy falariam de “hiper-marcas”, pois a cultura é uma cultura-
mundo, uma hiper-cultura, um hiper-mercado com hiper-consumidores. Na sociedade do
hiper-consumo, as marcas criam uma nova forma de cultura: a cultura de marcas globais. Assim,
“quem quiser dizer o que foram o século XX e o princípio do XXI deverá necessariamente dizer
Coca, Levi’s, Vuitton, Apple, Sony, Nike, Dior, Rolex…” (Lipovetsky & Serroy, 2011, p. 99).
Sociologia da Comunicação
317
zontal da cultura dos media), baseados na utilização partilhada da rede, i.e. uma
cultura “de todos para todos”.
Em O ecrã global: Cultura mediática e cinema na era hipermoderna, Lipo-
vetsky e Serroy reconhecem que:
“Em meio século passámos do ecrã-espectáculo ao ecrã-comunicação, do ecrã-único
ao tudo-ecrã. Durante muito tempo, o ecrã-cinema foi único e incomparável; hoje
perde-se numa galáxia cujas dimensões são infinitas: eis a época do ecrã global. O
ecrã em qualquer lugar e em qualquer momento: nas lojas e nos aeroportos, nos
restaurantes e nos bares, no metro, nos carros e nos aviões; o ecrã de todas as di-
mensões, o ecrã liso, o grande ecrã e o mini-ecrã móvel; o ecrã sobre si, o ecrã con-
sigo; o ecrã onde se faz tudo e onde se vê tudo. Ecrã vídeo, ecrã miniatura, ecrã
gráfico, ecrã portátil, ecrã táctil: o século que se anuncia é o do ecrã omnipresente
e multiforme, planetário e multi-mediático.” (Lipovetsky & Serroy, 2010, p. 10).
Tal como o Loft Story (reality show da televisão francesa), o Big Brother (com
edições em muitos países), os talk shows populares desde os anos 1980 (como
aquele onde Vivienne falou da sua intimidade sexual para milhões de especta-
dores) ou An american family, reality show de 1973 com a família Loud, muitos
projectos de entretenimento tornaram-se moda neste formato de mera exibição
e curioso voyeurismo da vida privada de pessoas comuns. Este formato popula-
riza os participantes só por aparecerem na televisão, pois suscita muita audiência
devido ao espectáculo e sensacionalismo associado às imagens transmitidas em
directo sobre a intimidade alheia.
Em Fevereiro de 1968, quando Andy Warhol apresentou a sua primeira
exposição retrospectiva internacional na galeria Moderna Museet, em Estocolmo,
a sua obra já simbolizava uma emergente sociedade de massas. Warhol escreveu
no catálogo de apresentação da exposição o slogan/manifesto artístico “15
minutos de fama” a que, segundo o artista, todos teriam direito (cf. Harris, 2010,
p. 217). Nas actuais sociedades e culturas de massas, este slogan/manifesto apela
a um tempo sem imanência, sem presente nem duração. O slogan/manifesto ou
mera provocação de Warhol sobre a fama desbragada almejável por todos
compreende a instantaneidade mediática que hoje, mais do que nas décadas de
1960-70, caracteriza os discursos mediáticos de massas. O sentido da expressão
de Warhol parece residir na leitura crítica que o próprio fez de uma sociedade
massificada e emergente de há cerca de 50 anos, altura em que, precisamente,
começou a intensificar-se o fenómeno tecnológico, social e global da modernidade
quer das sociedades quer dos meios, técnicas, modos e processos de comunicação
digital.
“As celebridades são indivíduos que são notáveis pela sua identidade nos
media” (Hartley, 2004, p. 39). Apesar da celebridade se distinguir da “estrela”
(como as de Hollywood), o campo dos media está subjacente à ideia de “celebri-
dade instantânea”. Hoje, temos celebridades em todas as áreas e já não apenas
no cinema de Hollywood (cf. Lipovetsky & Serroy, 2011, p. 81). Qualquer pessoa
pode viver como uma celebridade e estar sob a égide do espectáculo, i.e. viver
Paulo M. Barroso
320
fatal? Será possível que o culto moderno do Homo felix seja o instrumento da nossa
maior infelicidade?” (Lipovetsky, 2010, p. 287).
Para Lipovetsky, a sociedade actual é hiper-moderna, é como um “sistema
de paradoxos”; é uma sociedade paradoxal do desencanto. Por exemplo:
a) Sociedade fun (alegre, com estilo, que está na moda), mas também so-
ciedade preocupada e ansiosa, deprimida e angustiada, com o conse-
quente aumento do consumo de ansiolíticos.
b) Pratica-se o culto do presente (cultura neo-dionisíaca do carpe diem,
sem preocupação com o futuro), mas também se cuida do futuro em
questões sobre ambiente (saúde do planeta), longevidade, terrorismo,
reforma (existem sentimentos de inquietude e insegurança face ao fu-
turo).
c) Sociedade tecnológica que cultiva a eficiência, onde tudo é feito para o
momento e com ganhos de tempo e poupança de esforços, mas também
sociedade onde se diz que não se tem tempo, pois todos vivem num
ritmo acelerado.
d) Espiritualidade e espiritualismo vs. materialidade e materialismo, i.e.
tanto se valorizam filosofias de vida e forças e energias espirituais como
consumos desmedidos de produtos materiais.
e) Cuidados na alimentação vs. obesidade e consumos excessivos de fast
food.
f) Liberdade democrática das acções e comportamentos sociais vs. poli-
ciamento (e.g. câmaras de vídeo) das modernas formas de vida.
g) Tradição vs. moda: respeito pelos valores tradicionais, celebrando e sa-
cralizando tudo (inclusive objectos mundanos) e seguindo, ao mesmo
tempo, modas e tendências repentinas e efémeras de consumo e estilo
de vida moderno.226
h) Institucionalização de hábitos e práticas culturais e religiosas (dos
modos de vida colectivos) vs. desinstitucionalização (individualização
de hábitos e práticas).
A hiper-modernidade é abordada, segundo Lipovetsky, pelo ângulo do pa-
radoxo. A contemporaneidade é paradoxal, efémera e geradora de mais modas,
consumos e direitos humanos que sinalizam excessos de escolhas. Até o tempo
é vivido e concebido de um modo paradoxal, em conformidade com os modelos
de sociedades:
226
Segundo Lipovetsky, o luxo é sacralizado, é objecto de desejo e de fascínio; está nos produtos de
marca, nos excessos de tudo o que se oferece para consumo nas sociedades e nas sensações que
os consumidores nutrem pela materialidade. Para Lipovetsky, o luxo cria e define um estilo de
vida e uma sensação ilusória de felicidade.
Paulo M. Barroso
324
227
Para Nietzsche, o povo grego teve a necessidade de sentir sofrimento e afligir-se com a tragédia
e, só assim, pôde edificar a arte e o esplendor estético. A tragédia é um fenómeno estético e o
trágico “designa a forma estética da alegria” (cf. Deleuze, 2001, p. 29). O pessimismo não é signo
de declínio; pelo contrário, é signo de elevação pela arte. Nietzsche reconhece uma relação
profícua entre os gregos e a dor, da qual se desenvolve a sua sensibilidade e nasce a obra de
arte. Segundo Nietzsche, o povo grego era caracterizado por uma sensibilidade simultânea ao
sofrimento e à arte. A origem da arte está na tragédia, no sofrimento humano. Nietzsche entende
a Antiguidade Clássica Grega como a afirmação e a aceitação da vida como tensão de forças
opostas.
Sociologia da Comunicação
325
Apolo Dionísio
Ordem, medida, proporção, luz, imaginação, Caos, sombra, excesso, embriaguez, alegria,
sabedoria. vitalidade.
Apolo é o deus do sonho e da aparência. Dionísio é o deus da afirmação e da força criadora,
do irracional e da integração cósmica.
Princípio artístico: Sonho (e.g. artes plásticas). O Princípio artístico: Embriaguez = superação do
artista como intérprete. individual (e.g. música). O artista como criador).
Princípio psicológico: força humana inconsciente Princípio psicológico: estado de êxtase destruidor
e criadora de formas e de um mundo de das barreiras que nos fazem sair de nós próprios.
aparências. Princípio da individuação. Princípio da “des-individualização”, a ruptura dos
limites do Eu.
Culto da personalidade vigorosa e equilibrada. Vivência intensa pelo seguimento de impulsos
naturais. Negação da moral imperativa (do
ascetismo e do dever).
Tabela 24: Diferenças entre Apolo e Dionísio e o que cada um representa.
do mundo. Nos Estados Unidos das últimas décadas tornaram a palavra minorias
de todo o género, apresentaram-se na ribalta da opinião pública culturas e sub-
culturas de toda a espécie. Podem certamente objectar-se que a esta tomada de
posição não correspondeu uma verdadeira emancipação política – o poder econó-
mico está ainda nas mãos do grande capital. Será – não quero aqui alargar dema-
siado a discussão neste campo; porém, o facto é que a própria lógica do mercado
da informação exige uma contínua dilatação deste mercado, e exige consequente-
mente que ‘tudo’, de qualquer maneira, se torne objecto de comunicação. Esta
multiplicação vertiginosa da comunicação, este ‘tomar a palavra’ por parte de um
número crescente de subculturas, é o efeito mais evidente dos mass media, e é tam-
bém o facto que – relacionado com o fim, ou pelo menos com a transformação ra-
dical, do imperialismo europeu – determina a passagem da nossa sociedade à
pós-modernidade. Não só relativamente aos outros universos culturais (o ‘terceiro-
mundo’, por exemplo), mas também ao próprio interior, o Ocidente vive uma si-
tuação explosiva, uma pluralização que parece irresistível, e que torna impossível
conceber o mundo e a história segundo pontos de vista unitários.” (Vattimo, 1992,
pp. 11-12).
Por esta razão, a sociedade dos mass media é o contrário de uma sociedade
mais iluminada. Segundo Vattimo, uma das caracterizações mais amplamente
aceites sobre a pós-modernidade talvez seja aquela que a apresenta como o fim
da história (cf. Vattimo, 1991, p. 15). Trata-se de uma caracterização com um cariz
apocalíptico, devido à perda ou ausência de meganarrativas que legitimavam e
explicavam o progresso histórico da humanidade na emancipação (tese mais pró-
xima dos ideais defendidos pela ideologia de esquerda).
Em A sociedade transparente, Vattimo esclarece que a tese que propõe é:
“[…] na sociedade dos media, em vez de um ideal de emancipação modelado pela
autoconsciência completamente definida […] abre caminho a um ideal de emanci-
pação que tem antes na sua base a oscilação, a pluralidade, e por fim o desgaste
do próprio ‘princípio de realidade’.” (Vattimo, 1992, p. 13).
Sobre o fim das grandes ideologias que marca a época actual do vazio pós-
moderno e secular, Robert Musil, em O homem sem qualidades, apresenta uma re-
flexão pertinente assente no papel dos intelectuais no mundo. Segundo este autor:
“Os filósofos são seres violentos que, como não dispõem de um exército ao seu
serviço, dominam o mundo encerrando-o num sistema. Provavelmente está aí
a explicação para o facto de, nas épocas de tirania, ter havido grandes filósofos,
enquanto as fases de civilização e democracia avançadas não conseguem pro-
duzir uma filosofia convincente.” (Musil, 2008, p. 346).
228
A propósito da estética do discurso, atente-se ao termo pharmakon usado por Platão, que
estabelece três sentidos dos discursos: remédio, veneno e cosmético. O discurso serve como: a)
medicamento ou remédio para o conhecimento; b) veneno quando, através da sedução das
palavras, nos fascina e faz aceitar o que é dito sem indagarmos a veracidade; c) cosmético,
maquilhagem, charme, máscara para encantar e seduzir, dissimulando ou ocultando a verdade
Paulo M. Barroso
330
retórica, porque visa a persuasão e o mesmo fim de aceitação, mas pelo lado da
estratégia (a forma) discursiva.229 Essa força dos media contribui, segundo Vat-
timo, para a massificação e secularização das sociedades, de um modo indiferente
face à verdade e aos valores, por um lado, em benefício do espectáculo e do sen-
sacionalismo, por outro lado.
Vattimo salienta um aspecto que caracteriza a mudança de paradigma
epocal ou separa o moderno do pós-moderno: a crise do humanismo. Se no
mundo contemporâneo e ateísta “Deus morreu, mas o homem não vai muito
bem”, existe uma diferença assinalável e profunda que passa por uma certa ne-
gação de Deus ou o registo da sua “morte” com relações inevitáveis à destruição
irrevogável do que é um determinado essencialismo, ou seja, do que é humano.
Esta ideia sobre a morte de Deus, expressa por Vattimo, e a tese sobre a
mudança de paradigma (i.e. a entrada numa época de crise do humanismo) estão
subjacentes ao anúncio da morte de Deus preconizado por Nietzsche. Efectiva-
mente, Nietzsche compreende precocemente a mudança de paradigma, a transi-
ção de uma modernidade para uma fase mais secular, mas também adverte para
a crise existencial relacionada com o apagamento ou a morte de Deus. O que
Nietzsche quis dizer com “Deus está morto”?
Em A gaia ciência, Nietzsche escreve:
“O insensato. – Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna em pleno
dia e desatava a correr pela praça pública gritando sem cessar: ‘Procuro Deus! Pro-
curo Deus!’. Mas como havia ali muitos daqueles que não acreditam em Deus, o
seu grito provocou grande riso. ‘Ter-se-á perdido como uma criança?’, dizia um.
‘Estará escondido? Terá medo de nós? Terá embarcado? Terá emigrado?’. Assim
gritavam e riam todos ao mesmo tempo. O louco saltou no meio deles e trespas-
sou-os com o olhar. ‘Para onde foi Deus?’, exclamou, ‘é o que lhes vou dizer. Ma-
támo-lo… vocês e eu! Somos nós, nós todos, que somos os seus assassinos!’.”
(Nietzsche, 1987, p. 145).
sob as palavras (cf. Platão, 2000, 230d, 237a, 257e, 274e). O termo pharmakon é polissémico, mas
indica uma substância que tanto pode curar como pode matar, pois “não há remédio inofensivo”,
segundo Derrida (2005, p. 46), considerando que “o phármakon não pode jamais ser simplesmente
benéfico”.
229
Atinente à retórica, Roland Barthes (cf. 1987, p. 20) considera-a uma metalinguagem, cuja
linguagem-objecto é o discurso (discurso sobre o discurso). A retórica é uma técnica, uma arte
(arte da persuasão, conjunto de regras, de receitas que, colocadas em prática, permitem
convencer o auditório do discurso, mesmo quando é falso aquilo sobre o qual é necessário
persuadi-lo). Por isso é que o mundo contemporâneo está cheio de retórica antiga, segundo
Barthes (cf. 1987, p. 19), e há um ponto comum para o qual remetem todos os sistemas
conotativos: a ideologia. Todos os significados das conotações desembocam na ideologia. A
ideologia é a forma dos significados de conotação. Por conseguinte, a retórica é a forma dos
conotadores.
Sociologia da Comunicação
331
230
Obra originalmente publicada por Bauman em 2000 com este título (Polity Press, Cambridge).
Existe uma tradução para português do Brasil com o título Modernidade líquida (Jorge Zahar
Editor, Rio de Janeiro).
Paulo M. Barroso
332
231
Tradução do autor a partir do livro original em inglês de Bauman: “It is the patterns of
dependency and interaction whose turn to be liquefied has now come. They are now malleable
to an extent unexperienced by, and unimaginable for, past generations; but like all fluids they
do not keep their shape for long. Shaping them is easier than keeping them in shape. Solids are
cast once and for all. Keeping fluids in shape requires a lot of attention, constant vigilance and
perpetual effort–and even then the success of the effort is anything but a foregone conclusion.”
232
Tradução do autor a partir da obra original em inglês de Bauman & Lyon: “The teenagers
equipped with portable electronic confessionals are but apprentices training and trained in the
art of living in a confessional society–a society notorious for effacing the boundary that once
separated the private from the public, for making public exposure of the private a public virtue
and obligation, and for wiping out from public communication anything that resists being
reduced to private confidences, together with those who refuse to confide them.”
Sociologia da Comunicação
333
233
Tradução do autor a partir do livro original em inglês de Bauman & Lyon: “Belonging to a
community is a much more secure and reliable condition than having a network–though
admittedly with more constraints and obligations. Community watches you closely and leaves
you little room for maneuver (it may ban you and exile you, but it won’t allow you to opt out of
your own will). But a network may care little, or not at all, about your obedience to its norms (if
a network has norms to obey, that is, which all too often it doesn’t) and so it gives you much
more rope, and above all will not penalize you for quitting. You can count on a community to be
a ‘friend in need, and so a friend indeed’. But networks are there mostly to share the fun, and
their readiness to come to your rescue in the event of trouble unrelated to that shared ‘focus of
Paulo M. Barroso
334
interest’ is hardly ever put to the test, and if it were it would pass it even less frequently. All in
all, the choice is between security and freedom: you need both, but you cannot have one without
sacrificing a part at least of the other; and the more you have of one, the less you’ll have of the
other. For security, the old-style communities beat networks hands down. For freedom, it is the
other way round (after all, it takes only one press of the ‘delete’ key or a decision to stop
answering messages to get free of its interference).”
234
“Imigrante digital” (“digital immigrant”) por oposição a “nativo digital” (“digital native”),
conforme as designações no original em inglês utilizadas por David Lyon em Liquid surveillance,
i.e. alguém que teve de aprender o seu caminho numa nova cultura, não sendo um nativo digital,
para quem o Facebook é uma maneira garantida e indispensável de se conectar com os outros
(cf. Bauman & Lyon, 2013, p. 42).
Sociologia da Comunicação
335
Se “respeito” significa “olhar para trás”,235 hoje já não olhamos para trás,
porque perdeu-se o contacto respeitoso de evitar o próprio olhar curioso. O uni-
verso de utilizadores da rede fica com livre acesso a dispositivos digitais e a me-
diatização permite a qualquer utilizador acabar com o anonimato e com o
distanciamento. Por outro lado, as relações humanas estão a ser modificadas de-
vido às novas formas de socialização; a intimidade fica descoberta e susceptível
de ser apropriada por uma falsa ideia de proximidade e convívio. Deste modo, o
respeito fica comprometido face à imprevisibilidade das reacções. Por isso, Han
refere-se a “tempestades de indignação”, um conjunto de comportamentos inju-
riosos e acções nefastas como refluxo associado aos seus efeitos sociais destru-
tivos (cf. Han, 2016, p. 15).
Segundo Han, o meio digital despoja a comunicação do seu carácter cor-
poral e táctil e está a afastar-nos cada vez mais do outro. Além disso, o meio di-
gital realiza uma inversão icónica: faz com que as imagens pareçam mais vivas,
belas e melhores do que a própria realidade, que até é percebida como deficiente
e nem é interessante nem estimulante (cf. Han, 2016, p. 39). O meio digital cria
mais distância face ao real do que os meios analógicos. Andamos a produzir enor-
mes quantidades de imagens através desses meios digitais (cf. Han, 2016, p. 41).
“As imagens já não provocam choque. Até mesmo as imagens repulsivas se inscre-
vem no âmbito da diversão (pensemos, por exemplo, num programa como Dschun-
gelcamp). Tornam-se consumíveis. A totalização do consumo suprime qualquer
forma de resposta imunitária.” (Han, 2016, p. 73).
235
O termo “respeito” deriva do latim respectus, “acção de olhar para trás”, consideração, atenção,
“ter em conta”, ou seja, olhar para trás para ver o percurso que se seguiu, as acções,
comportamento e atitudes que se tiveram, o rasto que se deixa e que afecta ou implica os outros.
Paulo M. Barroso
336
Para Han (2016, p. 22), “a nova massa é o enxame digital”. A nova massa
está no digital. A nova massa torna-se uma massa digital e globalizada. Actual-
mente formamos uma nova massa, uma nova forma de viver em sociedade: um
enxame digital. Contraditoriamente, o enxame digital:
– É formado por indivíduos isolados.
– Não tem alma nem reflexão.
– Não possui um sentimento colectivo (não tem autenticidade nem res-
peito e responsabilidade sociais).
– Não funciona para acções comuns nem segue uma direcção (não tem
rumo).
– É moldado pela hiper-comunicação digital (excesso do digital sem sen-
tido nem coerência sobre o social).
236
Programa da televisão alemã RTL, inaugurado em 2004, no qual figuras mediáticas e celebridades
são colocadas em condições de selva. Trata-se da versão alemã de Fear factor ou I’m a celebrity…
Get me out of here.
Sociologia da Comunicação
337
nologias. Segundo Han (2016, p. 46), “os aparelhos digitais trazem com eles uma
nova coação, uma nova escravatura”.
A revolução digital trouxe o imediatismo, a superficialidade, o irrealismo,
a simultaneidade, a distância virtual (“telepresença”), mas interactiva (a acção à
distância e em rede ou “tele-acção”) (cf. Ribeiro, 2005, p. 617). Transformam-se
as relações e dimensões do humano e surgem novas concepções e representações
das relações quer com o espaço quer com o tempo.
O actual paradigma digital pelo qual as sociedades se regem engloba, de
forma inata, um controlo e uma utilização desmedida. Em vez do Big Brother,
temos agora o Big data (cf. Han, 2016, p. 86). Sem respeito, sobrepõe-se o “Eu”
sobre o “Nós”, o privado e banal sobre o público e importante. Com o digital, o
ser humano desvia o olhar sobre o outro e dirige-o para os ecrãs (cf. Han, 2016,
p. 37). Perde-se a interacção social de proximidade e adquire-se uma nova confi-
guração virtual, difícil de definir, mas que é impactante, para não a designar de
avassaladora, sobre a noção de realidade e de sociabilidade.
237
O termo “virtual” em francês, conforme é usado por Deleuze (“virtuel”) significa “potencial”, “o
que é possível”, “o que não acontece”. Deleuze é o filósofo do virtual, segundo Žižek. O que
interessa a Deleuze não é a realidade virtual, mas a realidade do virtual. A realidade virtual
pressupõe a ideia de imitação da realidade e reprodução das experiências através de um medium
artificial. A realidade do virtual representa a realidade do virtual como tal, através dos seus efeitos
e consequências reais (cf. Žižek, 2004, p. 3).
238
Na sequência da nota anterior, o termo “virtual” é ambíguo, mas a etimologia desta palavra é
também polissémica e equívoca. A origem da palavra revela que esta deriva do termo latino
medieval virtualis, significando energia, força, poder (em produzir um efeito), mas também deriva
do latim virtus, virtutis, que significa a qualidade humana da coragem, valor, mérito, como no
caso de se possuir certas virtudes, i.e. excelência moral (cf. Barroso, 2019b, p. 135).
Paulo M. Barroso
340
239
O conceito de “epifenómeno” (“epi” significa “no topo”, “na superfície”, “além de” ou “em adição
a”), opõe-se, pelo menos na teoria marxista, ao próprio fenómeno, i.e. refere-se à aparência
superficial de alguma coisa ou situação e à sua realidade subjacente. Descrever algo como
epifenomenal não quer dizer que esse algo é irreal; pelo contrário, é afirmar que disfarça uma
realidade determinante mais profunda (cf. Bruce & Yearley, 2006, p. 89).
240
Outros problemas igualmente importantes são: os efeitos de desrealização; a não adição de novos
conhecimentos sobre o mundo real; a indistinção entre o real e o fictício.
Sociologia da Comunicação
341
241
O conceito alienação vem do latim alius, que significa “outro” ou “estranho”, derivando alienus,
“de outro lugar ou pessoa”. Etimologicamente, o significado de alienação tem uma
correspondência espacial e existencial. Na teoria de Marx, o trabalhador experimenta o objecto
Paulo M. Barroso
342
do seu trabalho como alienado: mesmo que o objecto tenha sido produzido através do trabalho
do trabalhador, ele não é acessível ao trabalhador. Conforme Marx e Engels afirmam em A
ideologia alemã: “o dinheiro, o trabalho assalariado etc. são alienações da essência humana” (cf.
Marx & Engels, 2007, p. 469).
Sociologia da Comunicação
343
p. 403). Mas as questões principais são: Como é que a aparência surge da reali-
dade? Qual é o papel da linguagem na construção social simbólica da realidade,
i.e. na construção do contemporâneo, da hiper-realidade e da desrealização? Qual
é o contributo da linguagem no surgimento da aparência (ou da percepção da
aparência) a partir da realidade?
A linguagem é um recurso e, neste caso, traz benefícios:
– Amplia a realidade, cria mundos possíveis e substitui o que é real pelo
ficcional, o que é representado (a linguagem é representação).
– É a praxis do logos, é poiesis, uma acção transformadora da realidade
através de uma unidade dialéctica chamada logopoiesis, uma forma
de produção do possível usando signos, elementos de representa-
ção.242
– Faz a transição de planos entre o vivido e o pensado, que só é possível
através do simbólico, que é próprio da linguagem e está inerente às ex-
periências e inter-relações humanas.
242
O conceito de logopoiesis indica um processo de produção de sentido e de pensamento através
de um dispositivo de comunicação ou significação como a linguagem, i.e. uma forma poética de
produção de pensamento e uma poesia que gera pensamento.
243
No sentido de Heidegger, “fazer” significa “atravessar, sofrer, receber o que nos vem ao encontro,
harmonizando-nos e sintonizando-nos com ele”, como o próprio autor explica (cf. Heidegger,
2003, p. 121).
Sociologia da Comunicação
345
244
Sobre a etimologia do conceito “simulacro”, que vem do latim simulare, reveja-se a nota 187 e o
subcapítulo 12.3.1.
Paulo M. Barroso
346
Hiper-realidade
Infra-estruturas tecnológicas de comunicação que misturam/unificam e tornam interactivos:
Real (o factual): realidade física. Não-real (o fictício ou virtual): realidade virtual.
Pessoas reais e objectos reais. Pessoas virtuais e objectos virtuais (ambos
gerados por computador).
Inteligência humana. Inteligência artificial.
Tabela 25: Síntese sobre a hiper-realidade como estrutura composta.
sendo descritível como tal, como está, um mundo virtual é o que está presente
num conjunto como bits de informação gerados por um computador. Um mundo
virtual consiste em imagens da realidade capturadas por uma câmara fotográfica,
que são reconhecidas visualmente pelo computador e, posteriormente, reprodu-
zidas pelo computador e transmitidas por dispositivos tecnológicos na realidade
virtual (cf. Terashima, 2005, p. 8), sendo reconhecidas como tal, i.e. como algo
distinto da própria realidade.
Um campo de co-acção ou acção conjunta fornece um local comum para
objectos e habitantes derivados da realidade física e da realidade virtual e serve
como local de trabalho ou área de actividade na qual eles interagem (cf. Terashima,
2005, p. 9). O campo de acção fornece os meios de comunicação (incluindo pala-
vras, gestos, orientação e movimento do corpo, sons e toques) para que os seus
habitantes interajam em actividades conjuntas (e.g. jogos). O comportamento das
pessoas e os aspectos dos objectos envolvidos no campo estão em conformidade
com as leis naturais (da física, da química, da biologia) e humanas compartilhadas,
que governam os mesmos elementos da realidade. Isso produz e revela realismo.
Nesta perspectiva, um campo de co-acção ou acção conjunta é definido pelo con-
junto de um campo ou local de interacção, habitantes reais ou virtuais (mais de
um), meios de comunicação, conhecimento (um sistema com finalidades onde os
elementos funcionam de acordo com a consecução dos objectivos), leis e controlos
(cf. Terashima, 2005, p. 9). Um campo é o local de interacção e serve como um ob-
jectivo de cooperação; é um sistema com limites definidos e regras conhecidas.
A hiper-realidade é distinta da realidade virtual. Embora a hiper-realidade
inclua realidade virtual, ambas são cada vez mais difíceis de distinguir. É até di-
fícil distinguir o virtual do real. Por exemplo, imagens reais sem filtros versus
imagens manipuladas nas capas das revistas, como o caso da Vanity Fair (Figura
14), onde Oprah Winfrey e Reese Witherspoon têm membros a mais que foram
justificados por “aparentes erros de edição”.
Figura 14: Primeira página da revista Vanity Fair (Fonte: fotografia de Annie Leibovitz/Vanity Fair;
The Guardian, 26 de Janeiro de 2018).
Figura 15: Fotografia publicada na edição Figura 16: Fotografia divulgada pela Guarda
online do diário iraniano Jamejam (Fonte: Revolucionária Iraniana (Fonte: The Denver
The Denver Post, 10 de Julho de 2008). Post, 10 de Julho de 2008).
Figura 17: Imagem obtida pela Agência de Figura 18: Fotografia real, em cima, e depois
Notícias Yonhap (Fotografia: KCNA/EPA; com o símbolo do Canadá, em baixo (Fonte:
Fonte: The Guardian, 20 de Maio de 2015). Ottawa Citizen, 4 de Novembro de 2014).
Sociologia da Comunicação
349
Figura 19: Imagem de Gisele Bündchen Figura 20: Imagem de Gail Porter projectada
projectada no Empire State Building na fachada do Parlamento de Londres
(Fonte: Daily Mail, 20 de Abril de 2017). (Fonte: The Telegraph, 7 de Janeiro de 2016).
Tal como Han (2016, p. 39) refere, “hoje, as imagens não são apenas cópias,
mas também modelos”; “procuramos refúgio nas imagens para nos tornarmos
melhores, mais belos, mais vivos”, o que significa que:
– Estamos a produzir mais espectáculo.
– Estamos cada vez mais familiarizados com a profusão de imagens (in-
cluindo imagens de choque).
– Estamos a viver conforme essas imagens, ou seja, imitando-as.
Para Baudrillard (cf. 2005, p. 93), em The intelligence of evil or the lucidity
pact, a imagem é um operador ou o meio de visibilidade, ou seja, de uma visibi-
lidade/realidade integral: o “tornando-se real” caminhando de mãos dadas com
o “tornando-se visível” e tudo deve ser visto, tudo deve ser visível, e a imagem
é eminentemente o espaço dessa visibilidade.
Os efeitos visuais das imagens são violentos, porque criam ilusões e “dis-
torcem” o real. As imagens fazem desaparecer o real. O imperativo da massifica-
ção moderna é que tudo deve ser visível; tudo deve ser visto, e a imagem é o
meio por excelência para essa visibilidade absoluta. É uma ditadura da imagem.
Paradoxalmente, a imagem torna tudo visível e é o meio responsável pelo desa-
parecimento da realidade.
É nessa perspectiva que Baudrillard identifica a procura ávida e colectiva
por novas formas de expressão, como são hoje as imagens, com o culminar, o
fim ou a morte do social (o vazio social) e, em contraste, o apogeu das massas,
que só querem espectáculo e este é facultado pelas imagens. Baudrillard refere-
se a um apocalipse da imagem. Nas sociedades modernas, onde a simulação é o
elemento central para Baudrillard, os media são responsáveis pela produção de-
senfreada de signos que não têm mais relação com a realidade; os media criam
outra coisa, outra realidade ou, pelo menos, uma realidade de outra natureza. O
que é entendido como hiper-real é produzido com a pretensão de ser mais real
do que a própria realidade, que já não o é. Baudrillard demonstra que a realidade
é suplantada ou oculta pela imitação da imagem, que é sempre nova e mais com-
pleta e, portanto, mais interessante e cativante para a cultura popular e visual.
É a hiper-realidade, que está em toda a parte. Segundo Baudrillard, o
mundo torna-se hiper-real, eivado de simulacros, nos quais as imagens (e os
espectáculos das imagens, para Debord) substituem os conceitos de produção
e conflito de classes como constituintes-chave das sociedades contemporâ-
neas.
Um holograma245 é um exemplo perfeito da hiper-realidade. Para Baudril-
lard, não há necessidade de mediação imaginária para se reproduzir e representar
o que representa. Uma reprodução holográfica “já não é real, é já hiper-real”; “não
tem, pois, nunca valor de reprodução (de verdade), mas sempre já de simulação”
(Baudrillard, 1991, p. 136). Nesta perspectiva, Baudrillard inverte a perspectiva
de Leibniz ao propor que a pergunta deste último (por que existe algo em vez de
nada?) se tornou: por que não há nada em vez de algo? (cf. Stolze, 2016, p. 91).
O hiper-real substitui o real, ou seja, o imanente e o contingente, o substancial
e o necessário. É nisso que se traduz a força do virtual, em que tudo (eventos,
245
Termo derivado do grego holos, “todo” (no sentido das três dimensões), e grama “sinal”,
“mensagem”. Uma fotografia intermediária que contém informações para reproduzir uma
imagem tridimensional por holografia.
Paulo M. Barroso
352
Com esta analogia, Artaud foi um dos primeiros a usar o termo “realidade
virtual” muito antes de este conceito se referir ao que hoje tomamos como pró-
prio de uma cultura digital e tecnológica.246 Os elementos peculiares das actuais
culturas digitais e tecnológicas surgem quer dos sistemas e modelos tradicionais
de comunicação e mediação quer das formas digitais modernas de comunicação
e mediação. Esses elementos são:
246
Terá sido Jaron Lanier o primeiro a usar, na década de 1980, o termo “realidade virtual” no sentido
que hoje tomamos e empregamos nas culturas digitais e tecnológicas, i.e. como “o
desenvolvimento de ambientes gerados por computador nos quais as pessoas reais podem
interagir”, conforme a entrevista que o próprio concedeu ao jornal The Guardian, em 17 de Março
de 2013.
Sociologia da Comunicação
353
Figura 21: Fotografia original em casa (Fonte: Figura 22: Fotografia manipulada (Fonte:
The Washington Post, 12 de Setembro de 2014). The Washington Post, 12 de Setembro de 2014).
247
Conforme reporta o jornal The Washington Post, de 12 de Setembro de 2014.
248
Esta prática é tão moderna e popular que até se usa o neologismo “instagramável” para qualificar
e descrever uma imagem considerada perfeita e susceptível de impressionar se for registada em
fotografia e publicada na rede social Instagram. Com a recente revolução digital da fotografia,
“hoje em dia, tudo o que existe, existe para acabar numa fotografia”, como refere Susan Sontag
(2012, p. 32).
Paulo M. Barroso
354
ciais. Ao fazerem isso, as pessoas criam hiper-realidade e vivem nela como num
mundo ideal online, que é falso, distorcido e não tem nada a ver com a realidade.
Considerando que qualquer representação é realizada por meio de signos
e, portanto, pressupõe referentes (referentes existentes ou referentes inexistentes,
ficcionais), como é que ocorre o efeito psicológico da desrealização? Como é que
as imagens criam estruturas ou formas de significação que excedem ou invertem
a proporcionalidade representativa e distintiva entre o real e o irreal? Ou, como
Baudrillard (cf. 2005, p. 78) pergunta: o que estamos a fazer com um mundo in-
teractivo no qual é virtualmente abolida a linha de demarcação entre o sujeito e
o objecto?
Baudrillard entende que a hiper-realidade é indistinguível da realidade,
das imagens (i.e. dos sinais representativos da realidade) e da sensação de apa-
rência nas formas de simulação. No entanto, se Baudrillard mostra que a realidade
é suplantada ou retraída pela imitação sempre nova e mais completa e, conse-
quentemente, mais interessante para a cultura de massa, Umberto Eco, que tam-
bém entende a indistinção entre realidade e hiper-realidade, insiste nas críticas
à cultura de massas e de espectáculo, como Debord originalmente fez em 1967,
na sua obra A sociedade do espectáculo.
As sociedades modernas são sistemas de espectáculo e resultam de uma
cultura da imagem, na qual a visualidade é predominante. Se existe visualidade,
existem imagens; se existem imagens, devem existir percepções e interpretações
do que é dado a percepcionar pelas imagens. A modernidade é uma época de he-
gemonia e prepotência de imagens que sempre e necessariamente representam
algo. É o esplendor da imagem. Paradoxalmente, as imagens do mundo forneci-
das pelos media, de acordo com A sociedade transparente, de Vattimo (cf. 1992,
pp. 12-13), constituem a objectividade adequada do mundo, e não apenas inter-
pretações diferentes de uma dada realidade de alguma forma.
249
Tradução do autor: “Estas influenciadoras não existem, mas milhões de pessoas as seguem”,
segundo a notícia publicada pelo The New York Times, edição de 17 de Junho de 2019 (cf. Hsu,
2019).
Sociologia da Comunicação
355
ciar milhões de pessoas que as seguem nas redes sociais. Lil Miquela, por exem-
plo, não existe, mas é uma influencer e cantora criada digitalmente em inteligên-
cia artificial, tendo mais de 2,6 milhões de seguidores no Instagram e cerca de
um milhão de ouvintes mensais das suas canções no Spotify,250 tendo já realizado
campanhas para grandes marcas (e.g. Calvin Klein, Prada).
Esta é a estratégia mais recente e inovadora para as empresas atraírem os
consumidores. A mesma notícia revela que a rede de fast-food KFC lançou recen-
temente uma versão moderna e digital do seu fundador, o Coronel Sanders. O
modelo foi criado a partir de fotografias de celebridades e influenciadores do Ins-
tagram, para criar um visual que atraísse “likes” e seguidores online.
Os casos acima mencionados demonstram as transformações que se veri-
ficam nas actuais relações sociais, que agora são relações virtuais. As comunida-
des deixam de ser tradicionais (assentes em identidades, pertenças e
participações institucionais e formais) e passam a ser comunidades online com
interactividade em rede.251 A compreensão sociológica das culturas e sociedades
exige o estudo das suas transformações e dos fenómenos e factores que as origi-
nam, nomeadamente o desenvolvimento das tecnologias de informação e comu-
nicação, bem como as consequências que provocam na estrutura de relações
sociais. As tecnologias de informação e comunicação são agora mais versáteis e
eficazes, impondo uma nova reorganização da sociedade, que adquire, com pro-
priedade, a designação de “sociedade da informação”.
A informação e os seus fluxos sempre caracterizaram as sociedades, mas
nunca como na contemporaneidade, com a rápida ascensão e predomínio da in-
ternet, das redes sociais e das comunicações móveis. “As permutações oferecidas
pelas novas tecnologias de comunicações são intermináveis e extraordinárias”,
como há décadas já reconhecia Toffler (1984, p. 423). A propósito do desenvolvi-
mento tecnológico das redes, da comunicação e das sociedades, Castells caracte-
riza esta recente sociedade em rede ou um novo tipo de estado, o “estado-rede”:
“Assim, surge um novo tipo de Estado, que não é o Estado-nação, mas que não o
elimina e sim o redefine. O Estado que denomino Estado-rede se caracteriza por
compartilhar a autoridade (ou seja, a capacidade institucional de impor uma deci-
são) através de uma série de instituições. Uma rede, por definição, não tem centro
e sim nós, de diferentes dimensões e com relações internodais que são frequente-
mente assimétricas. Mas, enfim, todos os nós são necessários para a existência da
rede.” (Castells, 2001, p. 164).
250
Dados de Agosto de 2020.
251
Corroborando esta perspectiva, “a expansão da Internet e a sua incorporação nos procedimentos
do quotidiano trouxe a enfatização da comunicação em rede”, segundo Lídia Silva (2008, p. 358),
pelo que se deve compreender um “processo dialéctico entre comunicação e comunidade
estruturado pelas redes que se estabelecem entre os sujeitos”. Com o desenvolvimento da
tecnologia e da telecomunicação, gera-se a renovação dos laços sociais a uma escala global, num
novo ecossistema cultural: um espaço invisível (desterritorializado), sem fronteiras, propício ao
nomadismo.
Paulo M. Barroso
356
252
Na trilogia de Castells, denominada por A era da informação: Economia, sociedade e cultura, o
volume um intitula-se A sociedade em rede e o volume dois tem o título O poder da identidade.
Sociologia da Comunicação
357
estende-se aos dias de hoje com o fenómeno da globalização, que intensifica não
apenas a inovação e a reprodução visual, mas também a industrialização digital
e tecnológica e a profusão de imagens virtuais no quotidiano das culturas e so-
ciedades que, deste modo, são cada vez mais visuais.
A globalização trouxe transformações, entre as quais a passagem do ana-
lógico ao digital. Com a invenção e o uso da fotografia e da câmara cinemato-
gráfica, as sociedades e as culturas tornaram-se visuais e visíveis, objectos de
registo, interpretação e significação. As sociedades e as culturas permaneceram
como se estivessem divididas em duas categorias: as predominantemente obser-
vadas (fotografadas, estudadas, cinematografadas) e as predominantemente ob-
servadoras (que fotografam, estudam, produzem filmes), ou seja, “orientais e
ocidentais, sul e norte, pobres e ricas, rurais e urbanas, femininas e masculinas”
(cf. Ribeiro, 2005, p. 616).
Em Cibercultura, Pierre Lévy (cf. 2000, p. 17) define a cibercultura como o
“conjunto das técnicas (materiais e intelectuais), as práticas, as atitudes, as ma-
neiras de pensar e os valores que se desenvolvem conjuntamente com o cresci-
mento do ciberespaço”. O ciberespaço é um constructo, um espaço vasto e virtual
de actuação. Conforme o sentido atribuído por William Gibson, autor que cunhou
este termo em 1984 no livro Neuromancer, o ciberespaço é a “representação em
realidade virtual de uma vasta cidade, que talvez seja melhor descrita como uma
versão totalmente imersiva da Internet”, onde os indivíduos podem existir ape-
nas nesse espaço e até continuar a existir após a sua morte física (cf. Bell, Loader,
Pleace & Schuler, 2005, p. 39).
“O ciberespaço é um termo usado para descrever o espaço criado através da con-
fluência de redes de comunicações electrónicas, como a Internet, que permite a co-
municação mediada por computador (CMC) entre qualquer número de pessoas que
podem estar geograficamente dispersas pelo mundo. É um espaço público (veja-se
esfera pública) onde os indivíduos podem encontrar-se, trocar ideias, partilhar in-
formações, fornecer suporte social, conduzir negócios, criar media artísticos, jogar
jogos de simulação ou envolverem-se em discussões políticas. Essa interacção hu-
mana não requer uma co-presença física ou corporal partilhada, mas é caracteri-
zada pela interconexão de milhões de pessoas em todo o mundo, comunicando por
e-mail, grupos de notícias da Usenet, sistemas de boletins e salas de conversação.”
(Bell, Loader, Pleace & Schuler, 2005, p. 41).253
253
Tradução do autor a partir do original em inglês: “Cyberspace is a term used to describe the
space created through the confluence of electronic communications networks such as the
Internet which enables computer mediated communication (CMC) between any number of
people who may be geographically dispersed around the globe. It is a public space (see public
sphere) where individuals can meet, exchange ideas, share information, provide social support,
conduct business, create artistic media, play simulation games or engage in political discussion.
Such human interaction does not require a shared physical or bodily co-presence, but is rather
characterized by the interconnection of millions of people throughout the world communicating
by email, usenet newsgroups, bulletin board systems, and chat rooms.”
Paulo M. Barroso
358
254
Tradução do autor a partir do texto original em inglês de Gibson: “Cyberspace. A consensual
hallucination experienced daily by billions of legitimate operators, in every nation, by children
being taught mathematical concepts… A graphic representation of data abstracted from the
banks of every computer in the human system. Unthinkable complexity. Lines of light ranged in
the nonspace of the mind, clusters and constellations of data. Like city lights, receding…”
255
Um “netizen” é um cidadão internauta que usa a internet para o seu activismo. É uma espécie de
cidadão do ciberespaço, uma pessoa que participa na comunicação no ciberespaço, incluindo os
fóruns de discussões (cf. Bell, Loader, Pleace & Schuler, 2005, p. 114).
256
Tradução do autor a partir do original em inglês: “The exploding pattern of global change
pervades our planet. It is coming to citizens and businesspeople from every direction. It is coming
to us via cell phones, fiber-optic cables, high performance and personal computers, satellites,
and the all-pervasive Internet. All these complex electronic and communications networks and
Sociologia da Comunicação
359
the advanced software and processing power that support their operation is what is meant by
the word ‘cyberspace’.”
257
Tradução do autor a partir do original em inglês: “Their power, reach, and immediacy will create
an overarching presence that transcends the Global Village paradigm that Marshall McLuhan
defined for us some thirty years ago. McLuhan looked to the power of satellite broadcast
television, which could let everyone on Earth receive the same message. Now the Internet and
modern telecommunications and computer networks can let us think interactively. Now we are
not a village that sees the same image, we are a World-Wide Mind that can think and interact
together.”
258
Sistemas que combinam a telecomunicação e a informática.
Paulo M. Barroso
360
259
Um groupware é um tipo de sistema colaborativo focado no trabalho em grupo. Os sistemas de
groupware surgiram dos estudos sobre comunicação mediada por computador. Trata-se de uma
plataforma de colaboração, uma ferramenta que faculta novas maneiras de interactividade
profissional, favorecendo a coordenação, comunicação e controlo.
Sociologia da Comunicação
361
Quanto à realidade virtual, esta define-se pelo que não é nem pode ser tan-
gível, pelo que, em sentido comum, é o ilusório, o irreal ou o que não tem exis-
tência material concreta, pois o virtual é o que está “desterritorializado”. A
realidade virtual é caracterizada pela imersão, que nos permite interagir com um
ambiente composto por imagens produzidas por computador. Através da imersão,
entramos (tomando a iniciativa) ou somos transportados (apenas mentalmente,
quando somos guiados pelas imagens) para uma dimensão ou “mundo” virtuais,
conforme acontece quando jogamos um jogo de computador ou vemos um filme
em três dimensões com óculos apropriados (e.g. os Google Glass). De acordo com
Jason Jerald, em The VR book: Human-centered design for virtual reality:
“A realidade virtual (RV) pode fornecer às nossas mentes acesso directo aos media
digitais de uma maneira que aparentemente não tem limites. No entanto, criar ex-
periências atraentes de RV é um desafio incrivelmente complexo. Quando a RV é
bem executada, os resultados são experiências brilhantes e agradáveis que vão
além do que podemos fazer no mundo real.” (Jerald, 2016, p. 1).261
260
Tradução do autor a partir do original em inglês: “The goal of AR [augmented reality] is to enrich
the perception and knowledge of a real environment by adding digital information relating to
this environment. This information is most often visual, sometimes auditory and is rarely haptic.
In most AR applications, the user visualizes synthetic images through glasses, headsets, video
projectors or even through mobile phones/tablets. The distinction between these devices is based
on the superimposition of information onto natural vision that the first three types of devices
offer, while the fourth only offers remote viewing, which leads certain authors to exclude it from
the field of AR.”
261
Tradução do autor a partir do original em inglês: “Virtual reality (VR) can provide our minds with
direct access to digital media in a way that seemingly has no limits. However, creating
compelling VR experiences is an incredibly complex challenge. When VR is done well, the results
are brilliant and pleasurable experiences that go beyond what we can do in the real world.”
Paulo M. Barroso
362
262
Tradução do autor a partir do original em inglês: “Communication can also be between human
and technology–an essential component and basis of VR [virtual reality]. VR design is concerned
with the communication of how the virtual world works, how that world and its objects are
controlled, and the relationship between user and content: ideally where users are focused on
the experience rather than the technology.”
Sociologia da Comunicação
363
Conclusões
“Estamos num universo em que existe cada vez
mais informação e cada vez menos sentido.”
(Baudrillard, 1991, p. 103).
soante certas áreas mais peculiares. Em meados do século XX, mais uma vez com
o surgimento e o desenvolvimento de um fenómeno/processo social (os meios
de comunicação social), reconhece-se nas sociedades, sob a influência desses
meios de comunicação, a pertinência científica para um novo ramo da Sociologia:
a Sociologia da Comunicação (ou Sociologia dos Media). Principalmente a partir
do exponencial protagonismo da televisão nos hábitos de consumo e nas atitudes
e comportamentos sociais, a Sociologia da Comunicação surge como resposta a
uma necessidade de compreensão das interacções e influências entre os meios
de comunicação e as pessoas. Os meios de comunicação social são meios de mas-
sas e, por conseguinte, a extensão dos meios nas estruturas sociais alarga as in-
fluências dos ditos meios sobre as pessoas e, de um modo mais alargado, sobre
as sociedades. Estas tornam-se sociedades de massas por via dos efeitos dos
meios de comunicação social. Aqui temos outros dois fenómenos interligados (os
meios de comunicação social, por um lado, e a massificação das sociedades ou
as sociedades de massas, por outro lado) que são específicos do campo de estudo
da Sociologia da Comunicação.
Depois do surgimento e desenvolvimento dos meios de comunicação social
e depois, também, de se notarem os consumos, influências e efeitos imediatos e
maciços destes meios de comunicação sobre as pessoas, o século XX regista ainda
um outro fenómeno social importante para o estudo e compreensão da Sociolo-
gia: a globalização.
O fenómeno social da globalização está relacionado ainda com outro fenó-
meno social, que é igualmente específico do campo de estudos da Sociologia da
Comunicação: as sociedades virtuais. As sociedades nunca deixaram de ser siste-
mas e estruturas sociais. Agora, passam a ser sistemas e estruturas sociais não
sujeitos a padrões convencionais de dimensão e de interacção. Os processos tec-
nológicos alargam as ofertas de dispositivos de informação, promovendo o uso ex-
ponencial e mais opcional dos mesmos através de ligações a redes informáticas.
A Sociologia da Comunicação interessa-se, igualmente, por esta nova ver-
tente virtual ou digital das sociedades, demonstrando que este ramo científico
continua pertinente e actual. Tomando como exemplo o recente campo de actua-
ção dos novos media e do espaço de interacção social das comunidades virtuais,
a Sociologia da Comunicação presta um contributo válido e original na compreen-
são das sociedades, dos meios de comunicação e das suas respectivas e perma-
nentes transformações. A Sociologia da Comunicação abarca um quadro
epistemológico e compreensivo em desenvolvimento, porque as próprias socie-
dades tecnológicas estão ainda a evoluir rumo a um futuro incerto, dinâmico e
moderno da comunicação mediada por computação no ciberespaço.
Por conseguinte, tem tão completa pertinência e relevância como parado-
xismo a epígrafe de Baudrillard no início destas conclusões: vivemos numa época
e num universo onde cada vez há mais informação e menos sentido.
Sociologia da Comunicação
367
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Paulo M. Barroso
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