Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: A intermidialidade, emergida dos estudos comparados da literatura a partir dos anos 1990,
destaca-se como uma concepção produtiva no âmbito das relações entre diferentes formas de arte.
Esse conceito preenche lacunas deixadas por termos anteriores, permitindo a exploração investigativa
de interseções midiáticas. Ao focar em elementos cotidianos, certos artistas brasileiros recriam e
combinam elementos comunicativos e culturais reconhecíveis popularmente. Estas expressões, aqui
chamadas de "poéticas brincantes", englobam a intermidialidade que dialoga com ícones da cultura
popular e correntes artísticas contemporâneas. A obra de Manuel Messias se alinha com este conceito,
ao realizar uma abordagem intermidiática quase instintiva, partindo de uma raiz primitiva das mídias.
Suas criações gráficas incorporam elementos folclóricos, religiosos e da cultura pop, organizando
linhas, formas, figuras e letras de forma concisa e original. Para embasar essa abordagem teórica,
serão utilizados os escritos sobre intermidialidade de autores como Irina Rajewsky (2012), Claus
Clüver (2011), Dick Higgins (2012), e sobre arte e cultura brasileira, Andrade (1990), Gullar (1978),
Câmara Cascudo (2004), Suassuna (2008), Candido (2006), assim como as contribuições de Bakhtin
(1981) sobre cultura popular e carnavalização.
1 Introdução
2 A intermidialidade
algumas questões que tangem, por exemplo, o pictórico ou o sonoro e que não podem ser
tratados pelo verbal de forma mais concisa.
Nesse sentido, a intermidialidade surge como solução eficaz, pois “serve para
designar configurações, procedimentos e processos implicando várias mídias, nos quais entra
em jogo, portanto, um atravessamento das fronteiras midiáticas” (RAJEWSKY, 2015, p. 64).
A amplitude da sua articulação foi além dos estudos interartes, atraindo pesquisadores que
não se limitavam à área literária, abarcando outros campos das artes, da comunicação e das
ciências humanas.
Essa amplitude de atuação se dá pela própria construção do termo, composto por
“Inter”, que configura tudo aquilo que está entre, todas as trocas e relações, e “Mídia”, tudo
aquilo que é passível de se tornar veículo de um texto ou narrativa. Bruhn (2020) entende
midialidade como o eixo do fenômeno fixado entre dois pontos no processo de comunicação,
“[...] ou seja, entre o produtor e a mensagem e entre a mensagem e o receptor [...]" (p.21).
Numa perspectiva semiótica, a mídia é aquilo que carrega o signo, ou o próprio signo, na
transmissão de uma mensagem.
Mídia, na maioria das vezes, é reduzida a apenas meios de comunicação como jornal,
rádio e televisão, no entanto, Clüver (2007) sugere que pode ser entendido também por meios
físicos como técnicas, suportes, dispositivos e materialidades. Sendo assim, a
intermidialidade, ao ancorar suas definições nos desdobramentos da mídia, opera tanto na
arqueologia das linguagens e mecanismos da arte e da comunicação, quanto nos “cruzamentos
das fronteiras” midiáticas. Além disso, realoca os recursos estéticos numa relação horizontal:
um poema ocupa o mesmo lugar narrativo que um cartaz de supermercado, no sentido que
tudo é mídia e pode ser apropriado na elaboração de um fenômeno estético, as hierarquias
parecem ter sido suplantadas.
Dick Higgins (2012) ao usar o termo “Intermídia”, revisitando uma expressão
utilizada por Samuel Taylor Coleridge em 1812, declara que a separação das mídias geradas
pelo pensamento renascentista foi superada na criação de obras que parece estar entre mídias.
O autor observa em práticas vanguardistas, como as de Duchamp e Rauschenberg, que se
apropriam de elementos do cotidiano na criação de suas obras, uma tentativa de abandonar
certa sacralização da arte que foi erigida no decorrer da história.
3 Poéticas brincantes
diversas fontes para suas práticas, dialoga com a definição da cosmovisão carnavalesca
postulada por Bakhtin (1982):
Manuel Messias, gravurista e pintor brasileiro imprime em sua obra, uma narrativa
que agrupa elementos semióticos que transitam entre a arte, religião e cultura popular
brasileira. Suas gravuras são potentes de "[...] referências populares, originárias da literatura
de cordel, o fazer artístico da xilogravura e carnal, sensual (PEIXOTO, p. 30, 2021). As
características brincantes principais da obra desse artista se inserem em dois fatores: Por
empreender em suas práticas, um jogo livre com mídias e elementos cotidianos e por ser
subversor do papel de exclusão que a sociedade vigente os impunha. Criar, nesse caso, não
tem a ver apenas com volúpia artísticas, mas também como uma forma de afirmar-se ante as
forças que os oprimiam.
Seus primeiros contatos com a arte se dão pelos livros de Arte e Histórias em
quadrinhos nessas casas, onde sua mãe trabalhava. Seus primeiros desenhos são personagens
de gibis, essa referência midiática lhe acompanhará durante toda a sua produção. O requadro,
o Lay-out de página e a imbricação de imagem e palavra, recursos próprios das histórias em
quadrinhos configura uma das bases das suas composições. No entanto, foi em contato com os
gravurista Ivan Serpa e Maria Inês que Messias encontrou sua técnica mais explorada: A
xilogravura.
Xilogravura é um processo de gravação muito difundida no Medievalismo, no qual
se usa uma madeira esculpida como matriz, era muito utilizada na produção de cartazes e
folhetos. No Brasil, sobretudo na região Nordeste, é fartamente utilizada para ilustrar os
folhetos de poesia popular conhecidas por literatura de cordel.
Ao jogar com o design das letras, articulando recursos de tipografia com traços e
formas de construções figurativas, Messias desloca, em parte, a letra da sua função tradicional
que é de invocar sons e fonemas. A letra se torna um construto pictórico, tornando-se mais um
ícone dentro da composição. Essa é uma prática própria das Histórias em quadrinhos, dos
folhetos da literatura de cordel e da publicidade, nas quais, títulos, falas, onomatopeias, avisos
e marcas se transformam em ilustrações. No entanto, a iconografia tipografada de Messias nos
remete a algo anterior, nos conecta com a reminiscência dos primórdios das mídias, aos
códices medievais, às escritas pictográficas em pergaminhos antigos.
Essa conexão que tange, quase, a um primitivismo, é alcançada por Manuel Messias
que, imersos nos inúmeros fenômenos da linguagem que o cercava, elabora um inventário
imagético próximo ao ritualístico. Messias “[…] se coloca no papel de observador atento do
seu entorno e busca registrar, em sua obra, peculiaridades do ambiente em que está inserido,
assim como fragmentos fotográficos da produção efêmera e espontânea de designer anônimos
provenientes do povo […].(FINIZOLA, 2010, p. 32). Na articulação desses signos, memórias
e representações culturais primárias são resgatadas e reelaboradas nessas poéticas brincantes.
Sendo assim, levando em consideração os pressupostos que fundamentam a definição
de poéticas brincantes, proposta para este trabalho, Manuel Messias parece ser um importante
representante dessa compressão de Arte que nasce desse olhar tão verdadeiro sobre o Brasil.
"[...] E se não foi reconhecido ainda como tal, é porque representa essencialmente um
apagamento histórico que cai sobre os indivíduos menos estruturados, negros e pobres nesse
país" (PEIXOTO, p. 32, 2020).
.
4 Conclusão
REFERÊNCIAS
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
Ediouro. 1998.
CLÜVER, Claus. Inter textus / inter artes / intermedia. Trad. Elcio Loureiro Cornelsen et
al.Aletria. Revista de estudos de literatura. BeloHorizonte: CEL, FALE, Universidade Federal
deMinas Gerais, n. 14, p. 11-41, Jul.-Dez. 2006.(Orig. em alemão, 2001).
SUASSUNA, Ariano. Almanaque Armorial. Org. Carlos Newton Jr, Rio de Janeiro: Editora
José Olímpia. 2008.
.