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FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 4

2 FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO ............................................. 5

3 AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA .............................................................................. 9

3.1 A formação da sociologia e a identificação de seus objetos.................................. 9

3.2 A realidade e a perspectiva sociológica .............................................................. 17

3.3 Ciências naturais e sociologia: o trabalho de Spencer na legitimação do campo

sociológico… ............................................................................................................. 22

4 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA .......................................................................... 25

4.1 Compreendendo o conceito de sociologia ........................................................... 25

4.2 O percurso histórico do surgimento da sociologia ............................................... 26

4.3 Características da sociologia como ciência ......................................................... 29

5 AS FUNÇÕES DA SOCIOLOGIA ........................................................................... 31

5.1 Os pensadores da Sociologia e suas ideias ........................................................ 33

5.2 Metodologias na pesquisa sociológica ................................................................ 36

6 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ................................................................................... 38

6.1 Divisão de classes ............................................................................................... 38

6.2 As mudanças no mundo do trabalho ................................................................... 39

6.3 O sentido do trabalho .......................................................................................... 40

7 A VISÃO DE SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO EM ÉMILE DURKHEIM .................. 42

7.1 Características apresentadas pelos Fatos Sociais .............................................. 43

7.2 Reconhecimento do Fato Social .......................................................................... 45

7.3 O Processo Educativo e a Socialização do Indivíduo ......................................... 47

7.4 O homem é determinado pela sociedade ou o homem determina a sociedade? 48


8 O PENSAMENTO DE KARL MARX E SUA RELAÇÃO COM A SOCIOLOGIA DA

EDUCAÇÃO .............................................................................................................. 49

8.1 As Formas de Consciência no Mundo da Produção ........................................... 51

9 A NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO E SUA IMPLICAÇÃO PARA A

EDUCAÇÃO .............................................................................................................. 56

9.1 O surgimento da nova sociologia da educação ................................................... 56

9.2 As principais contribuições da nova sociologia da educação .............................. 58

9.3 Michael Young e a nova sociologia da educação no Reino Unido ...................... 58

9.4 Michael Apple e a nova sociologia da educação nos Estados Unidos ................ 59

9.5 Pierre Bourdieu e a nova sociologia da educação na França ............................. 59

10 EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA SOCIAL .............................................................. 62

11 EDUCAÇÃO, CULTURA E CIDADANIA............................................................... 66

12 RELAÇÕES ENTRE DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO NA OBRA DE PAULO

FREIRE ..................................................................................................................... 77

12.1 Democracia, Educação e as Relações na Humanização Humana .................... 77

13 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 89
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A Sociologia surge do movimento de pensar e questionar a realidade social,


no momento em que a vida da sociedade europeia do final do século XVIII está
marcada pela desagregação de seus valores e de suas crenças tradicionais, em
consequência das transformações produzidas pela constituição da modernidade,
baseada no primado da razão como meio de interpretação dessa realidade.
A Sociologia é uma ciência que nasce da contradição entre o novo e o velho;
entre, de um lado, a ênfase no desenvolvimento do progresso – proporcionado
pelo avanço das ciências naturais e a consequente introdução de inovações
tecnológicas, fundamentais à consolidação do capitalismo, com o crescimento
industrial resultante das mudanças significativas no modo de produção e de
consumo, na composição do mercado de trabalho e nas relações de trabalho e de
produção – e, de outro lado, a tentativa de restabelecimento da ordem social,
subvertida em seus valores fundamentais (PILETTI , N.; PRAXEDES, W., 2010).
A Sociologia como ciência surgiu no século XIX, momento de desenvolvimento
do método científico em outros setores do conhecimento humano. Ela tinha como
preocupação aplicar o ponto de vista científico à observação e à explicação dos
fenômenos sociais e buscou compreender as transformações sociais provocadas
pelas Revoluções Industrial e Francesa.
A Sociologia parte da noção de que a vida humana em sociedade está sujeita
a uma ordem social e procura compreender as regularidades e as leis que regem as
relações entre os homens.

Papel inicial da Sociologia

Sob inspiração das ciências da natureza, concebia-se que o conhecimento


científico nas ciências sociais deveria dar aos homens o controle de sua sociedade e
de sua história assim como a física e a química lhes possibilitaram o controle das
forças naturais. Os pioneiros e fundadores da Sociologia aspiravam também fazer do
conhecimento sociológico um instrumento de ação e pretendiam modificar a própria
sociedade em que viviam.

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A constituição da Sociologia como ciência

Desde a sua criação, a Sociologia preocupa-se com a definição do seu objeto


de pesquisa e os métodos de análise para não se confundir com o senso comum. A
Sociologia como ciência utiliza-se de pesquisas quantitativas, levantamento de dados
empíricos e técnicas de observação da realidade. Análise consistente do material,
que possibilite a outros pesquisadores a reprodução e a validação dos mesmos
resultados.

Os precursores da Sociologia

Embora não seja possível um único indivíduo fundar um campo inteiro de


estudo, havendo muitos colaboradores no pensamento sociológico, atribui-se
especial proeminência a Augusto Comte (1798-1857). Para Comte, o papel da
Sociologia seria explicar as leis do mundo social, assim como as ciências da
natureza explicam o mundo físico. Comte formulou a lei dos três estágios do
conhecimento humano: o teológico, o metafísico e o positivo.

A lei dos três estágios de Augusto Comte

Estágio teológico: o pensamento humano era guiado por ideias religiosas e


pela crença de que a sociedade era expressão da vontade divina.
Estágio metafísico: se desenvolveu no período da Renascença, em que a
sociedade passou a ser vista em termos naturais e não sobrenaturais.
Estágio positivo: anunciado pelas descobertas de Galileu e Newton, conduziu
ao estímulo da aplicação de técnicas científicas para a compreensão do mundo
social.
A sociologia é vista como a última ciência a se desenvolver por ser a mais
complexa de todas as ciências (PILETTI , N.; PRAXEDES, W., 2010).

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A institucionalização da Sociologia

Émile Durkheim (1858-1917) foi um dos precursores da Sociologia como


ciência. Foi influenciado pelo pensamento de Augusto Comte, porém considerava suas
ideias especulativas demais. Durkheim procurou dar uma base empírica para o
conhecimento sociológico.
Para Durkheim, o princípio básico da Sociologia era “estudar os fenômenos
como coisas”. Com isso queria dizer que a vida social pode ser analisada de forma
tão rigorosa quanto os objetos ou fenômenos da natureza.
Para Durkheim, as sociedades têm uma realidade própria – a sociedade é
mais do que ações e interesses de seus membros individuais.
A Sociologia, como ciência, passou a ocupar um espaço na universidade em
1887, quando Émile Durkheim passou a lecionar na Universidade de Bourdeux e
criou a primeira cátedra desta ciência na França.
Em 1902, Durkheim transferiu-se para a Universidade Sorbonne, em Paris,
onde contribuiu para a formação de inúmeros cientistas sociais reunidos em um
grupo que ficou conhecido como Escola Francesa de Sociologia.

A constituição da Sociologia como ciência

Wright Mills (2009), no texto “A promessa”, afirmou que os seres humanos


envolvidos na vida cotidiana tendem a ter uma visão limitada dos horizontes sociais,
pois sua visão de mundo social se encontra restrita aos ambientes mais próximos. A
sociologia é uma ciência que adota um olhar mais amplo sobre o mundo social e,
dessa forma, permite aos seres humanos compreenderem a relação entre suas
vidas individuais com os contextos sociais mais amplos.
Segundo Giddens (2012), sob a perspectiva prática, a Sociologia permite a
compreensão das diferenças culturais entre os grupos sociais. Permite uma análise
precisa dos resultados das ações políticas e possibilita que os indivíduos tenham
uma maior autocompreensão do seu papel na sociedade.
Portanto... A Sociologia é uma ciência que surge no século XIX em um contexto
de transformações históricas profundas na sociedade europeia e tem como objeto de

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estudo o homem e suas interações sociais. Seus precursores foram Augusto Comte
e Émile Durkheim.

A educação em perspectiva sociológica

A educação é um objeto privilegiado da Sociologia. O ato de educar é


concebido, ao mesmo tempo, a base da conservação da ordem e o esteio de suas
mais radicais transformações. (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 11).
Questões sociais como: que tipo de educação deve existir? Quais são os
conhecimentos que o sistema educacional deve garantir a todos os cidadãos? A
educação das classes dominantes deve ser igual à educação dos segmentos pobres
da população? Como garantir essa igualdade?
Percebe-se que os temas que permeiam o debate na área educacional são os
mesmos presentes no debate político e social contemporâneo, evidenciando a
estreita ligação entre os problemas da sociedade e os problemas da educação.

Tendências no desenvolvimento da sociologia da educação

Ao analisar o desenvolvimento dos estudos sociológicos sobre educação,


Antônio Cândido identifica diversos focos sobre os quais a educação pode ser
estudada na Sociologia:

a) A primeira é sobretudo uma reflexão sobre o caráter social do processo


educativo, seu significado como sistema de valores e sua relação com as concepções
e as teorias do homem. Nessa perspectiva, a educação é vista como processo de
socialização do indivíduo para a vida em sociedade. Esse é o ponto de partida da
análise de Émile Durkheim.

b) A linha pedagógico-sociológica desenvolveu-se, principalmente, nos


Estados Unidos, onde procurou efetuar o estudo dos aspectos sociais da educação a
fim de obter o bom funcionamento da escola. Seu foco é o estudo dos grupos sociais,
formas de interação, a relação da escola com a comunidade, entre outros. Essa
concepção tem como pano de fundo o “culto à eficiência” escolar. A sociologia é
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concebida como componente da pedagogia e da administração escolar. Essa área
tem sido cultivada por educadores como ramo da ciência da educação.

c) A terceira linha é devida a sociólogos ou a educadores de orientação


sociológica, que veem a sociologia educacional como ramo da sociologia, não da
ciência da educação. Preocupa-se com a função social da educação e com a solução
dos problemas educacionais.

Fonte: www.brasilescola.uol.com.br

3 AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA

3.1 A formação da sociologia e a identificação de seus objetos

As reflexões sobre o comportamento humano sempre estiveram presentes em


sociedades e comunidades ao redor do mundo e ao longo do tempo, em épocas e
configurações sociais distintas. As pinturas rupestres feitas em cavernas e
elaboradas por hominídeos expressavam as formas de organização dos grupos

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sociais que surgiam, as caças, os perigos vividos, os espaços visitados, as viagens
empreendidas. As representações pictóricas podem datar do período Paleolítico, que
se estendeu da origem do homem até 10.000 a.C. Ou seja, o desejo de expressar,
gravar e compreender a história humana está presente entre indivíduos desde os
primórdios das organizações sociais mais elementares.
É possível que a identificação do indivíduo como parte de um grupo seja um
fator preponderante para a inclinação à reflexão a respeito dos contextos em que o
grupo se insere. A expressão livre dos laços entre humanos deu espaço à reflexão,
elaborada pelos filósofos da Antiguidade Clássica, sobre a pureza, a moral e a
função de cada comportamento. Esse tipo de pensamento norteou as leituras sobre
interações sociais até meados do século XVIII.
O Iluminismo, também chamado de Século das Luzes, trouxe novas
possibilidades de interpretação da natureza do comportamento humano. Nesse
período, passa-se a considerar a complexidade das relações humanas, normalmente
baseadas na estrutura de organização política do Estado. Mas são as rápidas
transformações decorrentes da Revolução Industrial as responsáveis pelo grande
interesse em medir, projetar e identificar formas de relações e comportamentos
sociais. Devido à Revolução, se altera o modo de produção, consumo e organização
social e política. E isso tem um motivo: o caos e os desequilíbrios sociais,
desencadeados por situações nunca antes conhecidas. Por isso, pensadores
passaram a observar os comportamentos sociais em busca de uma resposta para as
transformações que se sucediam. (MARTINS, J. S; ECKERT, C; NOVAES, S. C;
2005).
As dinâmicas sociais passaram a ser foco não apenas de observação, mas de
estudo. Por que essas dinâmicas acontecem da forma como acontecem? Quais são
os elementos que incidem sobre as organizações sociais? Quais elementos as
tornam estáveis, lineares, ou quais incitam o desejo por ruptura, por revoluções? E,
para os pensadores cujos trabalhos deram origem à sociologia, a questão
preponderante era: como reorganizar ou reestabelecer as sociedades após o caos?
Esses são alguns dos questionamentos que nortearam a definição de metodologias
para a observação e a análise de dinâmicas sociais e que culminaram na
delimitação de um campo científico específico, a sociologia. A ciência das relações

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sociais nasce com o estigma de pousar o olhar sobre um objeto instável, abstrato,
difícil de ser controlado.
Por isso, alguns autores que analisaram brilhantemente seus contextos
sociais e históricos tiveram seus estudos utilizados como base para a construção da
sociologia como campo científico, e seus métodos foram considerados integrantes
do aporte que deu origem a essa área de estudo. Entre eles, destacam-se Auguste
Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Desses autores, apenas Karl Marx
não define claramente etapas ou métodos de análise e interpretação de interações
sociais com o objetivo de criar uma abordagem científica a ser retomada por futuros
pesquisadores. Mas a forma de organização de sua leitura sobre as estruturas
sociais oferece tantos dados para o fortalecimento da sociologia como ciência que
sua obra se equipara, nesse sentido, às dos outros três estudiosos. (SILVA, 2005).
A seguir, você vai conhecer melhor a contribuição de cada um deles para o
estabelecimento e o fortalecimento da sociologia como campo científico. Tenha em
mente que, com exceção de Durkheim e Weber, os autores mais importantes para a
formação das teorias sociológicas clássicas não faziam parte da mesma geração e
analisavam contextos sociais, políticos e históricos distintos.

Auguste Comte (1798–1857)

O francês Auguste Comte inicia seus estudos na Escola Politécnica ainda


adolescente, mas há uma pausa entre o início de seus estudos e a sua conclusão.
Tal pausa foi causada pelo fechamento temporário da Escola e depois por sua
expulsão. Após concluir os estudos, ele vive uma grave crise psicológico-emocional
e se afasta da pesquisa por algum tempo. Sua primeira obra, Plano de Trabalho
Científico para Reorganizar a Sociedade, realizada em 1822, demonstra como
imaginava recompor a sociedade num período de intensas rupturas, em que a
Europa vivia alternâncias de poder entre regimes despóticos e revoluções. Comte foi
secretário e amigo do Conde de Saint-Simon, nobre francês teórico do socialismo
utópico. Contudo, rompeu com o Conde após alguns anos, por não considerar
definitivas as suas teorias sobre as organizações sociais. O positivismo comtiano
define os parâmetros empíricos para a observação das dinâmicas sociais. Além
disso, é a teoria que define o objeto sociológico como elemento próprio da ciência.
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Para Comte, se existiam leis que regiam as ciências naturais, também existiam leis
que regiam os objetos sociais. Para conhecê-las, as etapas empíricas da
observação à comparação deveriam ser respeitadas. Foi Comte o teórico que definiu
o termo “sociologia”. (SILVA, 2005).

Fonte: www.tomlivre/auguste-comte.br

Karl Marx (1818–1883)

De origem judaica, o alemão Karl Marx estudou direito, filosofia e história,


concluindo o doutorado ainda bem jovem, aos 23 anos. Voltado à filosofia hegeliana,
o jovem Marx escrevia artigos jornalísticos que questionavam a organização política
alemã e enfatizavam o aporte democrático. Por isso, foi expulso e se mudou para a
França, onde conheceu Engels. Seu posicionamento político o levou a ser expulso
também da França, então ele foi para a Inglaterra, onde permaneceu até a sua
morte. O primeiro trabalho em que aparece sua marca metodológica mais
importante para a sociologia, o materialismo histórico, é O Manifesto do Partido
Comunista, escrito em parceria com Friedrich Engels, em 1848. O materialismo
histórico é uma teoria que entende que as relações entre a produção e o consumo
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de mercadorias é o que determina as estruturas e organizações sociais. Por isso, as
grandes transformações históricas foram pautadas pela alteração na forma de
produção, do feudalismo para o mercantilismo e depois para o capitalismo. Para
Marx, o capitalismo causaria tensões ininterruptas entre as classes, trabalhadores e
burgueses, e essas tensões levariam à tomada de poder pelos trabalhadores, que
colapsariam o sistema e estabeleceriam o comunismo. Para o autor, a marcha para
o comunismo era inevitável, por isso o materialismo histórico possui um viés
determinista. (SILVA, 2005).

Fonte: www.jornal.usp.br

Émile Durkheim (1858–1917)

O francês Émile Durkheim também tinha origem judaica, mas declarava não
praticar nenhuma religião. Assim como Marx, estudou filosofia, porém seus trabalhos
se voltavam inteiramente à definição das metodologias de pesquisas e aportes
técnicos da sociologia. Sua carreira acadêmica se inicia com estudos voltados para
a ciência da educação. Criador da chamada “escola de sociologia francesa”,
Durkheim foi o primeiro acadêmico a ocupar a cátedra de ciências sociais na
Universidade de Sorbonne. Durkheim dialoga em seus trabalhos com Comte e Marx,
mas tem um alinhamento maior com as teorias positivistas. Ele compreende que a

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sociologia tem objetos próprios e diferentes daqueles do direito, da filosofia e da
economia. Mas, diferente de Comte, Durkheim não acreditava em leis sociais, e sim
na determinação de métodos e etapas para a observação, a classificação e a
comparação dos fenômenos sociais, o que constituiria a verdadeira ciência
sociológica. A tipificação de comportamentos é um dos elementos usados pelo
pensador para chegar à observação científica dos fenômenos sociais. (SILVA,
2005).

Fonte: www. historiaonline.com.br

Max Weber (1864–1920)

O alemão Max Weber estudou história, economia e direito. Sua origem foi
intelectualmente privilegiada, já que, como filho de um político do Partido Nacional
Democrata alemão, pôde ter contato com estudiosos e intelectuais de seu tempo.
Weber foi para os Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. Lá, passou a
analisar aspectos de uma sociedade capitalista, comparando-os às estruturas
tradicionais morais e culturais da Alemanha, cuja corrupção ou enfraquecimento

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durante a República de Weimar o preocupava. Weber transcende o positivismo de
Comte, o materialismo de Marx e o funcionalismo de Durkheim, mas admite as
contribuições de cada um desses aportes, dialogando com seus teóricos em alguns
trabalhos. O pensador alemão criou a chamada sociologia compreensiva, um
método de análise que compreende as construções simbólicas de maneira subjetiva.
Ou seja, é um método que admite que o aparato sistêmico de significação de
fenômenos sociais é o que dá sentido à ação, e ele pode ser diferente em contextos
sociais, políticos e históricos distintos. Por isso, Weber contraria o determinismo do
materialismo histórico de Marx e a impossibilidade de transcendência das estruturas
sociais de Durkheim. Para ele, o espaço que Marx deu aos conflitos entre classes
como motor da história foi dado aos processos de racionalização dos fenômenos
sociais, em associação às dinâmicas de dominação social.
Comte viveu todo o processo de erosão do poder da nobreza e da monarquia
francesa, bem como os impactos resultantes dos movimentos que culminaram na
Revolução Francesa, na ruptura da monarquia e na constituição da república no
país. Revoluções não são transições, não são alterações que ocorrem aos poucos;
não há espaço ou tempo para acomodações de mudanças. Para que eclodam, é
preciso que haja um momento anterior de caos. E os momentos subsequentes à
ruptura e à instalação de um novo modelo de organização política e social costumam
também ser pautados por desorganização e incerteza. (SILVA, 2005).
Para Comte, porém, independentemente dos objetivos de um movimento
político e das alterações que ele poderia trazer às organizações sociais, deveria
haver espaço para se pensar em planejamento social e organização, pilares que
construiriam o bem-estar social. A racionalidade deveria nortear as ações e, assim,
estabeleceriam-se planos e etapas que ordenariam e manteriam seguras e
controladas quaisquer alterações na organização social.
Como você viu, Marx, Weber e Durkheim buscavam compreender as causas
e consequências das interações sociais. Eles verificavam o modo como tais
interações se conectavam com um contexto histórico comum e avassalador para as
estruturas tradicionais de organização social: a modernidade. Por isso, alguns
elementos estão presentes nas abordagens desses autores. Entre eles, você pode
considerar: as características estruturais e a expansão do capitalismo, o processo de
urbanização, a expansão da produção, a saturação do consumo doméstico e as
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expansões territoriais. Essas transformações deram novas formas e sentidos às
interações sociais. Os mesmos elementos também tiveram impacto na organização,
na estrutura e na função do Estado, de modo que a democracia e o liberalismo são
pautas para as análises sociológicas. (SILVA, 2005).

Fonte: www.todamateria.com.br

Como você pode perceber, a sociologia percorreu um longo caminho para se


estabelecer. Ela se fortaleceu a partir de teóricos com formação em áreas diversas,
que procuraram explicar ou dar sentido ao caos social que acreditavam existir, ou às
transformações que vivenciaram. Sua origem, portanto, é resultado de um processo
de construção de leituras sociais de aproximadamente um século.
Seu objeto de estudo, porém, é algo mais claro de se observar nesse
processo. A sociologia deixa de lado os impactos das organizações do Estado ou de
elementos sobrenaturais para se concentrar nas práticas sociais que permitem a
manutenção, a organização ou a ruptura de sistemas de organização social, política
e econômica.

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3.2 A realidade e a perspectiva sociológica

A definição da realidade e as interações estabelecidas dependem, para a


sociologia, das leituras possíveis para cada indivíduo. Essas possibilidades seriam
delimitadas pelas técnicas e comportamentos definidos e adquiridos pelo convívio
com o grupo social de origem. Veja, por exemplo, a pesquisa sociológica sobre a
memória realizada por Silva (2005). Ao se inserirem numa sociedade que preza mais
os valores de troca do que os valores de uso dos objetos, os sujeitos da pesquisa
perderam o objetivo principal da feitura de cerâmica e, com ele, a matéria-prima das
lembranças. Não estavam mais no lugar onde nasceram e, se a sociabilidade se
ancorava nas relações de reconhecimento e pertencimento, desejar os mesmos
utensílios utilizados pela comunidade local era uma forma de não ficar à margem.
Além disso, o espaço do assentamento já não era o mesmo do passado; não
havia homogeneidade na origem dos moradores. Eles vinham do Vale do
Jequitinhonha, em Minas Gerais, do interior de estados do Nordeste, especialmente
Bahia, Pernambuco e Alagoas, e de estados do Centro-Oeste e do Sul do País,
como Mato Grosso do Sul e Paraná. Essa gama de origens diferentes fomentava
conflitos e grupos rivais se punham em atrito devido ao “desconhecimento prévio”.
Assim, Silva (2005) observou dois desafios metodológicos.
O primeiro desafio era fazer com que os depoentes compartilhassem o
mesmo objetivo da pesquisa: o resgate da memória. Aqui está o ponto-chave que
torna essa pesquisa tão interessante. A socióloga despiu-se dos conceitos
amplamente difundidos sobre o distanciamento demandado do pesquisador e adotou
uma metodologia que aproximava pesquisador e pesquisado por meio do diálogo. A
situação que inicialmente causou estranhamento e desconfiança por parte dos
sujeitos da pesquisa, especialmente dos líderes políticos (que tendiam a generalizar
as falas e, com isso, elevavam o risco de enviesar a pesquisa), mostrou-se eficiente
quando a autora seguiu um conceito de W. Mills que ela mesma cita em seu texto: a
imaginação sociológica tornou-se sua guia.
Tomando o diálogo como fonte de troca e saberes, Silva (2005) ministrou uma
palestra aos alunos do curso noturno do assentamento. Ela falou sobre a memória e
a sua importância para o processo de reconstrução da identidade e mesmo para a
constituição dos alunos como sujeitos históricos de uma nova história. Já o segundo

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desafio girava em torno do caráter teórico-metodológico da pesquisa. Como
interpretar narrativas orais, interpretar silêncios, identificar esquecimentos ou
resistências? Como transformar falas em dados a serem analisados, constituintes de
uma trajetória?
Como afirma Benjamin (1994):

A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo. Interagindo,


eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser familiar. O papel
da mão no trabalho produtivo tornou-se mais modesto e o lugar que ela
ocupava durante a narração está agora vazio. (Pois a narração, em seu
aspecto sensível, não é de modo algum o produto exclusivo da voz. Na
verdadeira narração, a mão intervém decisivamente com seus gestos
apreendidos na experiência do trabalho, que sustentam de cem maneiras o
fluxo do que é dito.)

A interpretação é de que a relação entre pesquisado e pesquisador é


artesanal, é feita pelo trabalho das mãos. Inseridos num meio em que o objetivo era
a produção dos objetos, os depoentes talvez se expressassem mais
espontaneamente. Se a ideia inicial da oficina de cerâmicas em argila se mostrou
infrutífera, o mesmo não aconteceu com a oficina de fuxicos (pequenos círculos de
tecido franzido nas bordas por meio de um alinhavado simples que se assemelham a
pequenas flores e são matéria-prima para colchas, tapetes, toalhas e almofadas
artesanais, entre outros produtos). Nessa oficina, aprendendo uma arte nova, ou
relembrando os ensinamentos das mães e avós, as mulheres do assentamento
viram-se num ambiente em que as memórias puderam emergir por meio das
canções entoadas na execução do trabalho, que as lembravam de sua terra de
origem, suas famílias, suas tradições. O estudo da história de uma vida não é a
finalidade da sociologia. Ele leva à construção da noção de trajetória como uma
série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo
grupo) em um espaço de devir e submetido a transformações incessantes. Os
acontecimentos biográficos definem-se antes como “alocações” e como
“deslocamentos” no espaço social, isto é, nos diferentes estados sucessivos da
estrutura da distribuição dos diferentes tipos de capital que estão em jogo no campo
considerado. Assim, diferente das biografias comuns, a trajetória descreve a série de
posições sucessivamente ocupadas pelo mesmo indivíduo em estados sucessivos
do campo social.

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É apenas nas estruturas de um campo que se define o sentido dessas
posições sucessivas: as atitudes, o trabalho e tudo aquilo que torna o campo
interessante o suficiente para ser objeto de uma pesquisa. A coerência teórica dessa
metodologia se dá pelo fato de que o tempo do devir social dos indivíduos e dos
grupos já está estruturado por normas, definições sociais, representações ou
oportunidades típicas socialmente condicionadas de desenvolvimento ou de
orientação biográfica. Apesar de muito elucidativas, é preciso estar atento ao fato de
que as biografias, autobiografias e histórias de vida não revelam toda a vida de um
indivíduo, mas apenas uma versão selecionada de como ele deseja se apresentar.
Naturalmente, esse não é um processo descartável, já que também é importante
conhecer e verificar as interpretações que as pessoas fazem de sua própria
experiência para explicar parte do comportamento social. (CANDIDO, 2006).
Uma das maiores dificuldades das ciências humanas ao se estabelecerem
como disciplinas foi a criação e a adequação de ferramentas metodológicas para
tratar de seus objetos de pesquisa. A ideia era que, ao mesmo tempo em que
normatizassem a produção científica e acadêmica, as ferramentas também
legitimassem tais disciplinas, mostrando normatização e controle da pesquisa. Havia
grande dificuldade em mostrar que, embora afastadas das ciências naturais,
necessitando de abordagens diferentes, as ciências cujos objetos eram os homens e
seus pensamentos, suas construções e interações sociais, podiam ser confiáveis; a
volatilidade do objeto consistia mais em uma oportunidade do que em um problema.
Foi preciso construir modelos de certa forma rígidos, que conferissem legitimidade
às pesquisas das novas disciplinas que se formavam — por muitas vezes, a quebra
desses modelos mostrava certos vieses nas pesquisas. Depois da criação da
sociologia como disciplina, ocorreu o processo de distinção entre ela e as demais
ciências, a partir da formulação de metodologias próprias ainda no século XIX. A
interdisciplinaridade é retomada a partir de fins do século XX, tornando as análises
mais ricas e aprofundadas.
Mas qual é a trajetória da sociologia como disciplina? De acordo com Candido
(2006), pode-se dividir o processo de constituição da sociologia brasileira como
ciência em dois períodos. No primeiro, entre 1880 e 1930, a sociologia seria “[...]
praticada por intelectuais não especializados, interessados principalmente em
formular princípios teóricos ou interpretar de modo global a sociedade brasileira”
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(CANDIDO, 2006, documento online). Nesse período, não haveria ensino nem
pesquisa empírica acerca de aspectos delimitados da realidade contemporânea. O
segundo período se construiria após a década de 1940, e nesses 10 anos entre uma
fase e outra é que a sociologia se incorpora ao ensino superior e passa a ser tratada
como instrumento de análise social.
Nessa fase, surgem os primeiros sociólogos de formação brasileira, que
fomentam o segundo período da sociologia no País. Ainda segundo Candido (2006),
a sociologia como campo científico sofre duas influências tão decisivas que a
marcam permanentemente: a do direito e a do evolucionismo. No século XIX, o
esforço de compreender o Estado, o universo econômico e as estruturas políticas do
País foi, essencialmente, do jurista, que o autor determina como “[...] o intérprete por
excelência da sociedade, que o requeria a cada passo e sobre a qual estendeu o
seu prestígio e maneira de ver as coisas” (CANDIDO, 2006, p. 273). Contudo,

[...] como as teorias dominantes na segunda metade do século se achavam


marcadas pelo surto científico de então, notadamente a Biologia, que saiu
dos laboratórios para se divulgar de maneira triunfante, os juristas
mergulharam na fraseologia científica e se aproximaram, neste terreno, dos
seus pares menos aquinhoados, médicos e engenheiros, que com eles
formavam a tríade dominante da inteligência brasileira. Vemos então, na
Sociologia, os juristas inaugurarem uma orientação cientificista, como se
dizia, que contou desde logo com a cooperação de engenheiros e sobretudo
médicos. A sociologia brasileira formou-se, portanto, sob a égide do
evolucionismo e recebeu dele as preocupações e orientações fundamentais,
que ainda hoje marcam vários dos seus aspectos (CANDIDO, 2006, p. 273).

De fato, os pensadores mais influentes do período, como Sílvio Romero e


Fernando de Azevedo, tiveram e assumiram influência darwinista e jurista. Azevedo,
um dos fundadores da disciplina no Brasil, foi influenciado por um caldo de cultura
científica — que ia dos juristas aos filósofos, passando pelos defensores da biologia.
No texto A Ciência da Humanidade: Sociologia... Seu lugar entre a ciência, seu
método, pode-se perceber em Sílvio Romero a influência evolucionista, a partir da
óptica jurista de análise social. O direito constitui-se de fatos observáveis: as leis.
Mas as leis existem para regimentar uma sociedade, um corpo social que age, vive e
discute; que, portanto, está em constante movimento.
Num Estado, cidadãos estão sob suas leis, mas as leis não são as mesmas
em países diferentes, nem se apresentam a todos os cidadãos da mesma maneira.
A ciência jurídica, portanto, pode ser subdividida em vários ramos, que entram numa

20
mesma variável geral: a sociologia. Mas a sociologia é uma ciência? Esse
questionamento sobre a legitimidade da sociologia como ciência é para onde o olhar
de Romero (2001) se direciona, criticando os opositores da “ciência da sociedade”.
O maior crítico da sociologia brasileira é o poeta e jurista Tobias Barreto. A crítica do
jurista sergipano estaria especialmente desenvolvida em “estudos alemães” e é
apresentada no ensaio Variações antissociológicas. Seus argumentos contrários à
“ciência da sociedade” eram os seguintes:

 estudo dos fenômenos sociais culminaria numa “pantosofia” (uma ciência


do “tudo”), que não é compatível com o espírito humano;
 culminaria também em sociolatria, ou seja, a exaltação da grandeza
humana, algo que para Barreto era inconciliável com uma ciência social;
 a liberdade invalidaria a sociologia: “Enquanto não se provar que a
vontade humana é uma força natural [...] como o calor e a eletricidade, a
sociologia nada vale” (BARRETO, 1962, p. 42);
 se a sociologia trata da sociedade, então seu objeto seria uma abstração
sem objetivo e haveria tantas sociologias quanto existem grupos sociais;
 homem, família e Estado não poderiam ter explicações e mecanismos,
como existem nos objetos das ciências naturais;
 a sociologia derivaria da ideia errada de que a sociedade é um indivíduo
diferente do Estado, assim sociologia e ciência política seriam ciências
diferentes;
 para Barreto (1962), a mania da “lei”, que regularia normas e épocas,
exposta com a estatística como prova para o fenômeno social, não
provaria nada;
 emparelhamento da sociologia com as ciências naturais não funcionaria,
pois não há uma ciência da natureza parecida com o que a sociologia
procurava ser em relação à sociedade.

Segundo Romero (2001, p. 54),

21
“[...] não há dúvida de que o jurista de Estudos de Direito tem em grande
parte razão. Mas não se deve concluir do abuso para a condenação geral
da coisa. Porque alguns fantasistas andam por aí a inventar engraçadas e
insustentáveis leis sociológicas”.

O trabalho do pesquisador está em constante construção e transformação. O


objeto demanda sempre uma forma de olhar única, particular. Assim, transportar
métodos de análises conhecidos, eficazes anteriormente, nem sempre mostra-se
eficiente. Mas o trabalho dos sociólogos que se seguiram à delimitação do campo
científico mostra que, muito mais do que encaixar um objeto num tipo de abordagem
ou análise preexistente, é ofício do pesquisador procurar, desbravar, produzir novos
meios de se chegar ao seu tema, ao seu objeto.

3.3 Ciências naturais e sociologia: o trabalho de Spencer na legitimação do


campo sociológico

É interessante você observar que os pensadores da sociologia


empreenderam uma luta árdua para desenvolver metodologias próprias, e a ciência
política trava hoje a mesma batalha. Definida por alguns autores apenas como um
desdobramento ou uma ramificação da sociologia, já que seu foco é uma parte
importante da estrutura de qualquer sociedade (o Estado e as relações sociais que
advêm dele), a ciência política busca ainda hoje estabelecer metodologias
particulares, que a legitimem como ciência diversa da sociologia. Nesse caminho,
muitos criticam seus pensadores por utilizarem métodos quantitativos e estatísticos
em demasia, como numa clara oposição às experiências qualitativas mais utilizadas
pela sociologia contemporânea, transformando-a, talvez, numa ciência “dura”. Mas,
se para se opor à sociologia é preciso adotar metodologias quantitativas, isso não
poderia classificar a ciência política quase como uma ciência matemática? É
possível relacionar o modo como a ciência política trabalha hoje para se diferenciar
da sociologia com o modo como a sociologia trabalhou para se diferenciar das
ciências naturais no século XIX. Naquele período, a classificação das ciências se
dava em função de uma suposta complexidade, como no modelo a seguir:

1. Matemática
2. Astronomia

22
3. Física
4. Biologia
5. Sociologia

Aqui, a sociologia já se encaixava no plano das ciências, mas no menor grau


de complexidade. Para Spencer, o quadro não se definia em ordem de importância,
mas da seguinte maneira:

1. ciências abstratas
2. ciências abstrato-concretas
3. ciências concretas

Ou seja, para Spencer, haveria particularidades em cada ciência provenientes


da natureza de seus objetos, mas o rigor metodológico asseguraria a sua
classificação como ciência. Por isso, não poderia haver ciência mais ou menos
complexa, mais ou menos importante, ainda que houvesse diferenças ocasionadas
pelos objetos de estudo. (AUGUSTINHO, 2018)
O evolucionismo moderno quebrou essas barreiras, como mostra Spencer na
sua delimitação dos processos do método de pesquisa:

1. observação
2. observação artificial
3. experimentação
4. comparação
5. classificação
6. indução
7. dedução

O autor definiu e categorizou passos e assegurou que não haveria outros,


nem ciência que não precisasse deles. E a sociologia não fugiria à regra. Spencer
relata que, como cientista e sociólogo, seu objeto foi o próprio ato de observar e
desenvolver o método da sociologia. A partir de comparações com temas e objetos
da física, da biologia, da astronomia, da anatomia e da química, ele chegou à
23
conclusão que buscava: o método da sociologia é o mesmo de todas as outras
ciências. Como você viu, a sociologia surgiu como uma “resposta científica” às
questões sociais que emergiram no século XIX, especialmente com o desenrolar da
Revolução Industrial. (ROMERO, 2001).
A sociedade em crise, desorganizada e em situação de caos, levou
pensadores a trabalharem numa resposta, numa saída para os problemas sociais
como a fome, a violência e o desemprego. Comte e Durkheim trabalharam para que
a ciência pudesse dar respostas e direções para o restabelecimento da ordem. Já
Marx viu no caos a expressão de que as sociedades estavam inevitavelmente se
transformando, e o despertar das classes trabalhadoras levaria o processo em
direção ao comunismo mais objetivo. Mas todos os teóricos se fundamentaram nos
diálogos com os parâmetros empíricos das ciências naturais para a definição das
práticas de análise dos fenômenos sociais, pavimentando o caminho para os
chamados “sociólogos profissionais” do século XX.

Fonte: www.mundociencia.com.br

24
4 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

4.1 Compreendendo o conceito de sociologia

O primeiro ponto a destacar quando falamos no ser humano é sua capacidade


e necessidade de viver como um ser social, de maneira organizada e
interdependente, em que suas características culturais podem ser ensinadas e
aprendidas. Neste processo de convivência social, as estruturas que constituem tais
associações vão sendo modifi cadas, incorporando novas maneiras de viver e de
agir.
A vida do homem em sociedade passa por inúmeros movimentos e
reconfigurações associadas a diversos fatores, como o próprio desenvolvimento da
noção de comunidade, dos avanços nas áreas que envolvem as questões
econômicas e de governo, as mudanças de paradigmas nas buscas por explicações
para os fenômenos, entre outros.
O ser humano apresentou, no percurso de seu desenvolvimento histórico,
inúmeras mudanças nas suas maneiras de viver e relacionar-se em sociedade,
desde as estruturas comunitárias mais simples, como a família, até a complexidade
das grandes corporações empresariais e das relações de governo estabelecidas. A
busca pela conceituação do que vem a ser a sociologia enquanto ciência passa pela
percepção e pelo entendimento do que vem a ser o conceito de sociedade em si e
de como se organizam e se movimentam os mais diversos grupos humanos e seus
fenômenos sociais.
Temos que destacar que as reflexões em torno de como os seres humanos
vivendo em sociedade se organizavam remontam à Antiguidade Clássica, muito
antes da elaboração do conceito de sociologia por Auguste Comte, na Modernidade,
mais especificamente no século XIX. Sobre este fato, Vila Nova (2013, p. 29)
comenta:

25
É óbvio que a reflexão sobre os fenômenos sociais não começou com a
sociologia, no século XIX. Antes que Auguste Comte inventasse, na primeira
metade daquele século, a palavra sociologia para denominar a nova ciência
e proclamasse a necessidade, a conveniência e a possibilidade de
aplicação dos princípios da ciência – até então aplicados apenas ao estudo
dos fenômenos da natureza – ao conhecimento da sociedade, os filósofos
se ocuparam da explicação dos fenômenos sociais. As reflexões de Platão,
de Aristóteles, por exemplo, na Antiguidade, ou mesmo de Maquiavel, já no
século XVI, apesar de toda a revisão, no Renascimento, das ideias
tradicionais até então predominantes, são muito diversas das teorias
sociológicas. A reflexão filosófica a respeito da sociedade difere da
sociologia tanto nos resultados quanto, principalmente, na maneira de
alcançá-los.

A citação do autor nos aponta algumas questões muito interessantes, como a


busca do homem em fornecer explicações para os fenômenos sociais que nos
acompanham há muito tempo e a distinção entre a sociologia e a Filosofia enquanto
ciências. Dentre os inúmeros conceitos apontados em busca de uma definição do
que seria a sociologia, veja o que nos dizem Lakatos e Marconi (1990, p. 22):

Estudo científico das relações sociais, das formas de associação,


destacando-se os caracteres gerais comuns a todas as classes de
fenômenos sociais, fenômenos que se produzem nas relações de grupos
entre seres humanos. Estuda o homem e o meio humano em suas
interações reciprocas. A sociologia não é normativa, nem emite juízos de
valor sabre os tipos de associação e relações estudados, pois se baseia em
estudos objetivos que melhor podem revelar a verdadeira natureza dos
fenômenos sociais. A sociologia, desta forma, é o estudo e o conhecimento
objetivo da realidade social.

Como podemos perceber na conceituação das autoras, para a sociologia


interessam como principais focos de análise as relações entre os homens no meio
em que vivem.

4.2 O percurso histórico do surgimento da sociologia

26
Para que possamos entender de forma mais consistente o surgimento da
sociologia, precisamos pontuar alguns aspectos históricos que colaboram para que
isto ocorra. Para essa tarefa iremos nos remeter ao século XVIII e às transformações
que ocorrem na sociedade nos aspectos políticos e econômicos. Claro que, antes
disso, devemos apontar grandes acontecimentos históricos que antecedem o
surgimento da ciência como um todo e que modificam a forma como a sociedade irá
pensar e agir. Entre eles, temos, no século XV, os esforços em busca de expansão
territorial das nações europeias, conhecido como o período das Grandes
Navegações, e o estabelecimento de colônias nas Américas, na Ásia e na África, o
que acelera o desenvolvimento da economia monetária e fortalece a burguesia
destes países.
No século XVI, temos a Reforma Protestante, que marca um rompimento
entre o pensamento ou conhecimento teológico (explicações divinas) e o
conhecimento racional (explicações pela razão do homem). A Reforma Protestante
vai muito além da simples ruptura do modo de pensar da Igreja da época e da
contestação dos poderes papais, pois representa a busca do próprio homem para as
explicações dos fenômenos que ocorrem ao seu redor.
Segundo Tomazi (2000), essa nova forma de conhecimento da natureza e da
sociedade, na qual a experimentação e a observação são fundamentais, aparece
neste momento, representada pelas ideias e pelas obras de diversos pensadores,
entre os quais Nicolau Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei (1564-1642), Thomas
Hobbes (1588-1679), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650).
Junto com esses, há outros dois pensadores que farão a ponte entre esses novos
conhecimentos e os que se desenvolverão no século seguinte: John Locke (1632-
1704) e Isaac Newton (1642-1727). Já no século XVII, percebemos a ascensão da
burguesia comercial nos países europeus, que se estendia a todo o restante do
mundo. Nesta época, irão surgir novos formatos de organização da produção das
manufaturas, criando novos inventos que pudessem aprimorar os processos e
diminuíssem o número de pessoas envolvidas neles.
É quando surgem as primeiras máquinas de tecer, descascar algodão, as
máquinas a vapor, etc. O trabalho mecânico começa a ser utilizado paralelamente
ao trabalho artesanal. O século XVIII começa em meio a toda essa ebulição de
novas descobertas focadas na produção e numa sociedade em modificação,
27
proposta pelos eventos anteriores. Da mesma forma, a Revolução Inglesa ocorrida
no século anterior irá inspirar as Revoluções Americanas e Francesas e irá trazer
novos formatos de organização política para as nações.
As transformações nas esferas da produção, a emergência de novas formas
de organização política e a exigência de representação popular dão características
muito específicas a esse século, em que pensadores como Montesquieu (1689-
1755), David Hume (1711-1776), Jean-Jaques Rousseau (1712-1778), Adam Smith
(1723-1790) e Immanuel Kant (1724-1804), entre outros, procurarão, por caminhos
às vezes divergentes, refletir sobre a realidade, na tentativa de explicá-la (TOMAZI,
2000). Estas tentativas de busca por explicações das novas realidades no século
XVIII citadas pelo autor irão servir de base para o surgimento da sociologia como
uma ciência; ciência esta que nasce em meio à consolidação do sistema capitalista.
No início do século XIX, pensadores como Saint-Simon, Hegel e David Ricardo irão
fazer com que Auguste Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883) venham a
refletir sobre a sociedade, porém de maneiras muito divergentes.
Comte irá focar seus pensamentos em busca de uma filosofia positiva, que
busca a explicação dos fenômenos e a modificação da maneira de pensar do
homem utilizando as ciências existentes na época e propondo uma reforma prática
das instituições. Outro expoente da sociologia que irá se inspirar nas ideias
propostas por Comte nesta época é Emile Durkheim.
Karl Marx e Friederich Engels, por sua vez, irão analisar os aspectos sociais,
econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, entre outros, sem a preocupação de
definição de uma ciência específica para tal, como a sociologia representava para
Auguste Comte. Suas análises procuraram focar as mudanças nos processos
produtivos, o surgimento da sociedade capitalista, visando fornecer aos
trabalhadores condições de melhor analisar o contexto em que se encontram
vivendo e as relações entre as classes trabalhadoras e capitalistas.
Podemos dizer que a sociologia como ciência, acadêmica, irá afirmar-se nas
obras de Émile Durkheim, na França, e de Max Weber, na Alemanha; ambos
preocupados em integrar a sociologia aos aspectos científicos necessários para
garantir os métodos e teorias necessárias para tal afirmação.

28
4.3 Características da sociologia como ciência

A sociologia apresenta alguns aspectos bem particulares que a distinguem de


outras Ciências Sociais, como a Antropologia, a Economia ou a Filosofi a Social.
Vamos conhecer, agora, alguns destes aspectos que caracterizam a sociologia
enquanto ciência.

 Indução como método predominante — através da observação


sistemática e planejada dos fatos, de casos bem particulares e
específicos, a sociologia vai formulando, construindo suas teorias e
explicações acerca da vida em sociedade. Lembramos que a
observação sistemática faz parte da própria característica de toda a
ciência que se vale do método científico para o estabelecimento de
suas regras e verdades sobre o objeto estudado; com a sociologia não
é diferente!
 Neutralidade valorativa — não cabe à sociologia realizar juízos de valor
sobre os objetos e fatos pesquisados, ou afirmar e estabelecer o certo
e o errado, o justo e o injusto, como faria a Ética. Tampouco apontar o
que deveria ser feito, o que seria legítimo, como faz o Direito. A
sociologia estuda as relações que ocorrem na sociedade, tentando
classificar e identificar seus componentes, porém isentando-se de
julgá-los, deixando de exercer os juízos binários que comentamos
anteriormente entre o que é bom e mau para a sociedade.
 Moralmente neutra — este aspecto refere-se ao não estabelecimento
de juízos de valores que falamos antes; porém, o sociólogo possui
compromisso moral com a verdade que foi buscada através da
observação realizada sobre os fenômenos sociais. É preocupação dos
sociólogos, também, não permitir que suas questões morais pessoais
interfiram nos resultados de suas análises, nas suas percepções e
leituras sobre as mais diversas realidades sociais que estejam sendo
observadas/ pesquisadas.
 A transitoriedade — a sociologia estabelece o estudo de fatos que
venham a acontecer na sociedade com uma certa regularidade. Esta
29
observação, porém, pode ser modificada com o próprio
desenvolvimento ou reconfiguração destes aspectos observados pelo
pesquisador com o passar do tempo. Ou seja, as teorias e análises
sociológicas efetuadas anteriormente sobre algum fato social poderão
vir a ser reformuladas em observações posteriores sobre este mesmo
objeto pesquisado, o que caracteriza este aspecto da transitoriedade.
 A busca pela classificação — as atividades do cientista sociólogo vão
além dos pressupostos estabelecidos pelo método científico, como a
elaboração de hipóteses, a observação em si, as generalizações
típicas e a criação de teorias. O sociólogo também se encarrega da
busca pela classificação dos fenômenos que ocorrem no tecido social.
Essas classificações são observadas nos esforços em dividir a
sociedade em partes, como: grupos, culturas, categorias, castas,
classes, entre outros.

Entender estes princípios é muito importante neste momento, pois são


marcadores que serão utilizados pelo sociólogo em suas análises e são estes que
reforçam o caráter científico da sociologia, ciência, conforme vimos anteriormente,
que nasce dentro do contexto do surgimento e afirmação da própria racionalidade
científica proposta no século XIX, através dos estudos de Francis Bacon e Renée
Descartes, principalmente com a criação do Método Científico.

30
Fonte: www. casaruibarbosa.gov.br

5 AS FUNÇÕES DA SOCIOLOGIA

A Sociologia surge como ciência no século XIX, com o intuito de realizar


análises sobre a sociedade em suas inúmeras relações, procurando mapear as
causas e aspectos que contribuíam para a organização social, classificando os
fenômenos e inspirando hipóteses explicativas sobre os objetos pesquisados que,
por sua vez, originam-se na própria sociedade, atendendo ao conceito de fato social
cunhado por Durkheim (1996, p. 12), que afirma:

É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade
dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter.

Partindo da conceituação dos fatos sociais feita pelo autor, percebemos que o
mesmo pensa a organização da sociedade realizada pelos efeitos de normalização e
padronização sociais estabelecidos nas regras de conduta, nas ideias e
pensamentos que compõem tais fatos. Estes fatos serão sempre exteriores ao

31
indivíduo, ou seja, não dependem dos aspectos internos destes, e sim do esforço
coletivo e social no estabelecimento destas normas de convivência criadas e
impostas desde o nosso nascimento.
Os fatos sociais irão apresentar três características: exterioridade,
generalidade e coercitividade. A generalidade diz respeito ao que comentamos
anteriormente, o caráter coletivo que se faz presente e determina, para todos, como
agir neste grupo social. A exterioridade traduz a condição desse ser exercido sendo
o mesmo estabelecido fora da consciência individual, externo às questões pessoais
intrínsecas ao sujeito. A coercitividade, por fim, remete ao dever, à obrigação em
acatar e seguir as determinações que foram estabelecidas na sociedade em que
vivemos. Lakatos e Marconi (1990, p. 65) comentam que:

A coerção não necessita ser drástica; igualmente são eficazes o riso, a


zombaria, o afastamento dos amigos, quando nosso comportamento não
constitui transgressões às leis, mas às convenções da sociedade. Exemplo:
não se portar corretamente à mesa, vestir-se inadequadamente, falar de
modo impróprio.

Partindo da definição do fato social, tido como o objeto de estudo da


Sociologia, cabe ao sociólogo a problematização do mesmo, procurando percebê-lo
por diversas maneiras e buscando a sua contextualização mais exata, suas origens,
as causas de seu estabelecimento como regras de conduta, os fatores que
contribuíram para que estes fossem instituídos. Barros (2008, p. 152) traz o seguinte
comentário sobre o que seria a problematização:

Problematizar é lançar indagações, propor articulações diversas, conectar,


construir, desconstruir, tentar enxergar de uma nova maneira, e uma série
de operações que se fazem incidir sobre o material coletado e os dados
apurados. Problematizar, nas suas formulações mais irredutíveis, é levantar
uma questão sobre algo que se constatou empiricamente ou sobre uma
realidade que se impôs ao pesquisador.

Nossa vida em sociedade apresenta muitas facetas e dimensões diversas que


nem sempre são facilmente observáveis, pois o convívio humano acaba disfarçando-
as através das inúmeras práticas culturais (com seus símbolos, valores e normas)
dos grupos envolvidos em suas interações. Baseado nestas questões, Vila Nova
(2013, p. 218) comenta que “[...] à Sociologia cumpre precisamente ir além das
aparências físicas da vida social e penetrar nas camadas mais profundas da
sociedade para compreender a “lógica” oculta da sua organização [...]”. Esta lógica
32
oculta citada pelo autor muitas vezes poderá ser percebida pelo sociólogo através
das problematizações, dos levantamentos e das inserções no campo social, no qual
serão mapeados os detalhes que envolvem as relações e interações entre as
pessoas. Outra função interessante que pode ser atribuída à Sociologia relaciona-se
com a sua possibilidade de vir a transformar-se em instrumento de intervenção
social, utilizando-se, para isso, do chamado planejamento social. Porém, convém
observar que:

[...] o planejamento social não é, entretanto, a aplicação apenas da


Sociologia à intervenção na sociedade, mas, de modo conjugado, das
demais ciências sociais, embora se verifique, sobretudo no Brasil, uma
tendência à supervalorização da Economia na condução dessa atividade
(VILA NOVA, 2013, p. 30).

Dentro da lógica das atribuições do sociólogo que contribuem diretamente


para o planejamento social estão as atividades de avaliação e monitoramento sobre
os projetos públicos que estão sendo colocados em prática pelas esferas
governamentais, por exemplo.

5.1 Os pensadores da Sociologia e suas ideias

Quando estudamos a Sociologia a partir de seu contexto histórico, como


viemos fazendo, três grandes autores se destacam, formando uma tríade de ideias
de base para as análises sociológicas posteriores a seu tempo; são eles: Durkheim,
Weber e Marx. Vamos conhecer um pouco as ideias destes três autores e o modo
como entendiam a educação na sociedade. Émile Durkheim, sociólogo francês
nascido em 1858 e que viveu até 1917, entendia a sociedade como algo que iria
sempre prevalecer ao indivíduo. Ou seja, a sociedade é o conjunto das normas,
regras e procedimentos, sentimentos, ideias e pensamentos que conduzem os
indivíduos e que foram construídos coletivamente, o que vinha a ser a definição de
fato social segundo Durkheim.
Podemos entender mais facilmente esta ideia ao percebermos que a criança,
quando nasce, já se encontra num grupo social, de modo que a sua infância e a
forma como irá crescer e se desenvolver já foram previamente estabelecidas pelos
demais membros adultos desta sociedade. Podemos visualizar muito bem o conceito
de fato social proposto por Durkheim na educação, uma vez que ela irá se
33
encarregar de ensinar as regras e condutas e educar os membros para viver em
sociedade.
Podemos nos questionar, seguindo este viés, sobre o que se aprende na
escola. Qual a função desta instituição em nossas vidas? Durkheim diria que sua
principal função é preparar o indivíduo para a vida em sociedade. Segundo Tomazi
(2000, p. 18), o próprio conceito de instituição, para Durkheim, leva a esta resposta,
uma vez que “para ele, uma instituição é um conjunto de normas e regras de vida
que se consolidam fora dos indivíduos e que as gerações transmitem umas às
outras. Há ainda muitos outros exemplos de instituições: a Igreja, o Exército, a
família, etc.”.
Max Weber, sociólogo alemão nascido em 1864 e falecido em 1920, entendia
que as análises da Sociologia deveriam recair sobre os atores sociais e suas ações.
O principal de suas ideias, em contraposição a Durkheim, é que Weber não via a
sociedade como algo superior e exterior aos indivíduos, e sim como o resultado de
um conjunto de ações recíprocas destes indivíduos. Baseado nesta ideia,
estabeleceu o conceito de ação social. Nas palavras de Weber (1991, p. 3), a ação
social “[...] significa uma ação que, quanto ao sentido visado pelo agente ou os
agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu
curso [...]”. Um exemplo bem simples e frequentemente adotado na escola que
ilustra uma ação social, segundo as ideias de Weber, seria a fila.
Os alunos vão posicionando-se em coluna, um após o outro, seguindo uma
ordem naturalizada de agir socialmente que já faz parte do sujeito, ou seja, sua
subjetividade já internalizou a fila como algo a ser feito. Esta é a principal diferença
entre Weber e Durkheim, pois Weber entendia que internamente o indivíduo ia
significando, dando sentido às coisas e, assim, ia mudando e condicionando seu
comportamento. Outro conceito muito utilizado por Weber diz respeito à noção de
poder, porém um poder não localizado num lugar específico, como o Estado, por
exemplo, mas que perpassa todos os aspectos sociais e que não se relaciona
somente com a questão econômica. Entendia a sociedade como um sistema de
poder que se manifesta em todas as esferas:

[...] não apenas nas relações entre classes, ou entre governantes e


governados, mas igualmente nas relações da família, na empresa, por
exemplo, os indivíduos se deparam a todo momento com o fato de que

34
indivíduos ou conjunto de indivíduos têm maior ou menor possibilidade de
impor a sua vontade a outros. (VILA NOVA, 2013, p. 86).

Podemos depreender do conceito do autor que este sistema de poder


também poderá ser percebido no interior da escola. Poder representado na figura do
professor, dos gestores escolares, dos grupos sociais com suas culturas específicas
representados por pais e alunos, etc. Assim, o espaço da escola está sempre em
negociação destas relações de poder dos grupos que ali convivem. Karl Marx,
pensador alemão que nasceu em 1818 e viveu até 1883, também apresentou sua
contribuição para os entendimentos das relações entre os indivíduos e a sociedade
empreendidos pela Sociologia.
O que difere radicalmente as ideias de Marx em relação a Durkheim e Weber
é que, para ele, as relações em sociedade não poderiam ser pensadas
separadamente das condições materiais em que essas relações se apoiam. Ou seja,
para viver em sociedade, o homem precisa, num primeiro momento, valer-se da
natureza, transformá-la, erguer suas moradias, fabricar os itens que farão parte de
sua vida cotidiana e que irão garantir sua sobrevivência. Isto era o que o autor
chamava de produção social da própria vida e que irá embasar seus escritos,
procurando explicar a sociedade dividida em classes, e, posteriormente, sua
discussão contrária às ideias do capitalismo.
Segundo as palavras de Marx (1978, p. 129):

O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio
condutor aos meus estudos pode ser formulado em poucas palavras: na
produção social da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. [...] não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o
seu ser social que determina sua consciência.

Por ter este entendimento de como as questões materiais interferem e


condicionam os indivíduos é que Marx irá desenvolver suas análises sobre as
classes sociais existentes, entendendo que os indivíduos agem de acordo com o que
é regulado no interior da classe a que pertencem. Fica nítido em suas obras o
estudo dos embates, sobretudo, entre a classe capitalista e a trabalhadora. Destas
ideias resumidas aqui, irá despontar o materialismo histórico proposto por Marx e

35
Engels, no qual emerge o caráter revolucionário na figura do cientista social como
aquele que deveria propor mudanças radicais na organização social.

5.2 Metodologias na pesquisa sociológica

As primeiras pesquisas em Sociologia remontam ao início do século XX, na


chamada Escola de Chicago (Departamento de Antropologia e Sociologia da
Universidade de Chicago). É neste período que irão surgir marcadores importantes
para a pesquisa científica sociológica, estabelecendo os aspectos também
qualitativos como importantes de serem analisados, e não somente os quantitativos
que vinham sempre sendo enfatizados e reforçados pelas Ciências Exatas como
mais confiáveis e como os que levariam com maior exatidão ao conhecimento da
verdade e ao estabelecimento do senso crítico científico.
Este é um aspecto importante a ser destacado: as questões qualitativas que
compõem os indivíduos, que constituem suas subjetividades, que fazem com que a
sociedade também se organize, normalize e estabeleça condutas de vida devem
fazer parte das pesquisas sociológicas para que estas consigam realizar suas
análises com maior eficácia. Segundo Minayo (1996), as pesquisas qualitativas na
Sociologia trabalham com significados, motivações, valores e crenças e estes não
podem ser simplesmente reduzidos às questões quantitativas, já que respondem a
noções muito particulares.
Entretanto, os dados quantitativos e os qualitativos acabam se
complementando dentro de uma pesquisa. A escolha do objeto a ser pesquisado
pelo sociólogo estará relacionada ao rol de questões possíveis dentro do grande
universo das interações humanas que ocorrem na sociedade. Sobre este objeto a
ser analisado, será aplicada, num primeiro momento, uma pesquisa bibliográfica
minuciosa, seguida, então, da aplicação dos instrumentos de coleta de dados e das
metodologias típicas da ciência, como os questionários, as entrevistas, observações
e pesquisas de campo. Segundo Becker (1994), por mais ingênuo ou simples nas
suas pretensões, qualquer estudo objetivo da realidade social, além de ser norteado
por um arcabouço teórico, conforme mencionamos, deverá informar a escolha do
objeto pelo pesquisador e também todos os passos e resultados teóricos e práticos

36
obtidos com a pesquisa. Acompanhe o esquema na Figura 1 com os passos mais
utilizados numa pesquisa sociológica:

As quatro etapas sugeridas pelo esquema anterior são importantes na


condução de um processo sério de pesquisa sociológica e garantem o respaldo
científico dos resultados conquistados com a mesma. Segundo Boni e Quaresma
(2005, p. 72), “[...] as formas de entrevistas mais utilizadas em Ciências Sociais são:
a entrevista estruturada, semi-estruturada, aberta, entrevistas com grupos focais,
história de vida e também a entrevista projetiva [...]”. Dependendo do tipo de objeto a
ser investigado, do acesso ao público que se requer e da disponibilidade do
pesquisador, um destes tipos específicos poderá ser escolhido.

37
Fonte: www.jornaldosudoeste.com.br

6 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A Revolução Industrial ocorrida na Europa (principalmente na Inglaterra) no


século XVIII, mudou radicalmente a estrutura da sociedade. Homens passaram a ser
substituídos por máquinas, que produziam mais e custavam muito menos. Isto fez
com que os problemas sociais aumentassem, pois muitas pessoas que antes
trabalhavam de forma artesanal, ficaram sem emprego. Eram acostumadas a uma
forma mais lenta de vida, no meio rural, trabalhando apenas para sobreviver da
terra. Agora passariam a trabalhar muito mais para os empresários, ganhando às
vezes menos do que estavam ganhando antes. (SILVA, 2005).

6.1 Divisão de classes

A sociedade se dividiu em Burgueses, os que detinham as fábricas e


controlavam a economia, e os Proletariados, que tinham a força de trabalho.
38
O capitalismo se fortaleceu, quem produzisse mais, estava acima dos outros.

Fonte: www.cinevest.com.br

6.2 As mudanças no mundo do trabalho

Fonte: kdfrases.com

A revolução industrial mudou a forma e a estrutura do trabalho e das relações


de produção. Da manufatura ao trabalho nas fábricas e nas indústrias. Este ponto é
de fundamental importância para o seu entendimento das consequências que esta
revolução trouxe para a humanidade de forma geral, mesmo que ainda no seus
39
primórdios é possível visualizar em longo prazo fortes transformações sentidas até
hoje na estrutura de produção e reprodução social.

6.3 O sentido do trabalho

Fonte: pt.slideshare.net

A origem da palavra trabalho tem sido comumente atribuída ao latim tripalium,


instrumento de tortura utilizado para empalar prisioneiros de guerra e escravos
fugidios. O sentido da palavra trabalho atribuído há séculos passados é responsável
por inúmeros preconceitos e padrão relacionados à atividade que tem atribuído uma
separação hierárquica de funções, que irá se refletir posteriormente em
desigualdades sociais. (SILVA, 2005).
Assim, em sua própria terminologia, o trabalho carrega uma carga de esforço
e desprazer, o que é extremamente compreensível em sociedades onde
predominavam o trabalho forçado e que atividades produtivas eram desprezadas e
executadas tão somente por escravos como na Grécia e Roma antigas, cabendo aos
homens livres a execução de atividades intelectuais ligadas às ciências e às artes.

40
Pode-se afirmar que o trabalho é o ato que o homem executa visando
transformar conscientemente a natureza, é uma ação em que o homem media,
regula e controla seu metabolismo com a natureza.

Fonte: kdfrases.com

A origem do trabalho encontra-se na necessidade de a humanidade satisfazer


suas necessidades básicas, evoluindo para outros tipos de necessidades, mesmo
supérfluas. Assim, trabalhar é produzir riqueza, o que é necessário em todos os
modos de produção, seja no comunal primitivo, no escravista, no feudal, no
capitalista, e mesmo nas experiências socialistas. O que muda é a forma de produzir,
a tecnologia utilizada, e a relação entre o sujeito que produziu e o que se apropria do
que foi produzido, que varia de acordo com a forma de organização da sociedade.
Uma sociedade não vive sem o trabalho, na verdade, pode-se dizer que o
homem evoluiu de sua condição animal até sua condição atual devido ao seu
trabalho. Engels (s/d, p. 270) afirma que o homem modifica sua relação com a
natureza devido ao trabalho. Se na condição animal ele tinha de submeter-se às leis
da natureza, através do trabalho ele busca dominar a natureza, transforma-a em
proveito próprio. Passa de ser dominado a ser dominante devido ao
desenvolvimento do trabalho.

41
7 A VISÃO DE SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO EM ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim nasceu na cidade de Épinal, na França. Iniciou seus estudos


em sua cidade natal e continuou os mesmos em Paris, formando-se em Filosofia. Foi
professor de pedagogia em Bordeaux e Sorbonne e depois passou a lecionar
Sociologia. Foi o responsável pela introdução do ensino da Sociologia no ensino
superior. Interessado pelo socialismo e influenciado por Comte, relacionou sua
busca de um método rigoroso aos problemas sociais de seu tempo. Durkheim
observa que cabe a Sociologia descobrir as leis da vida social, apresenta a
Sociologia como uma ciência positiva, como um estudo metódico. (BONI e
QUARESMA, 2005).
Deve-se a ele, o reconhecimento da Sociologia enquanto ciência, com objeto
e método de estudos próprios. Deu fundamento a uma forma determinada de análise
da sociedade – a análise funcionalista. Tal análise baseia-se na visão da sociedade
como um organismo, à semelhança de um organismo vivo, um todo integrado, onde
cada parte desempenha uma função necessária ao equilíbrio do todo. A
preocupação de Durkheim foi com a ordem social e afirmava que a raiz de todos os
males estava na fragilidade da moral contemporânea. Julgava poder apontar
caminhos para a sociedade com a ajuda da ciência.
Segundo ele, os valores morais constituem elementos eficazes para
neutralizar as crises econômicas e políticas. A principal tarefa da Sociologia é o
estudo dos fatos sociais e não dos individuais. A concepção de Sociologia se baseia
na teoria do fato social. O objetivo de Durkheim era demonstrar que pode e deve
existir uma Sociologia objetiva e científica, conforme as outras ciências tendo por
objeto o fato social. Segundo ele, é fundamental ver a tendência coletiva. A tarefa da
Sociologia é estudar a sociedade como um todo, condicionando suas partes. Para
Durkheim, o fator social é sempre o determinante. O meio moral que serve de
entorno aos indivíduos deve ser tomado como um dado bruto a observação do
investigador que não deve assumir em momento algum os valores nele contidos. A
Sociologia é o estudo dos fatos sociais. (BONI e QUARESMA, 2005).
E fatos sociais são modos de agir que exercem sobre o indivíduo uma
coerção exterior, com existência própria, independente das manifestações
individuais. O fato social apresenta uma existência objetiva e não significa o
42
resultado de uma acumulação de fatos individuais. O social precede o individual e
nunca é redutível a ele; a Sociologia não é uma psicologia, a causa determinante de
um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais antecedentes, e não entre os
estados da consciência individual. O método para a pesquisa social deveria ser
realizado diante do rompimento com o espiritualismo e com o subjetivismo. O
sociólogo deve proceder como cientista, onde a Sociologia deve utilizar informações
controláveis e provenientes de um tratamento objetivo; ela deverá ordenar os dados
coletados para construir tipos sociais que permitam a comparação. O seu método
deve “considerar os fatos sociais como coisas”.

7.1 Características apresentadas pelos Fatos Sociais

Objetividade: os fatos sociais são objetivos e são exteriores à consciência


individual, provêm da sociedade e não do indivíduo, são próprios do grupo. O
indivíduo os adquire para viver em sociedade, são anteriores e superiores ao
indivíduo. Ex.: modo de vestir, língua, religião. Coerção: os fatos sociais se impõem
ao indivíduo, exercem pressão social. Se o indivíduo tentar desviar-se do grupo
social, sofre sanções aprovativas ou reprovativas. Generalidade e Diversidade: os
fatos sociais são gerais, pois existem em todas as sociedades. Mas ao mesmo
tempo, não são uniformes. Todo o fato social depende do grupo, da época, do local.
Solidariedade Mecânica e Orgânica: nas sociedades onde predominam a
solidariedade mecânica, os indivíduos participam de uma consciência coletiva
comum. A solidariedade mecânica tem sua origem na semelhança dos membros
individuais e o estado é de consciência coletiva. Nas sociedades de solidariedade
mecânica existe um total predomínio da sociedade sobre o indivíduo. (SILVA, 2005).
A semelhança é muito forte entre os indivíduos e o espaço individual é
menor. Na sociedade de solidariedade orgânica, os indivíduos estão integrados na
sociedade e cada um depende do outro. Isto deve-se à especialização de funções e
ao crescimento da divisão social do trabalho e a heterogeneidade entre os
indivíduos, diminuindo a consciência coletiva. Nas sociedades arcaicas, a
diferenciação dos indivíduos se traduz por uma solidariedade de tipo mecânico, “por
similitude”; todos os indivíduos são semelhantes, fazem as mesmas coisas. Em
nossas sociedades complexas, em que a divisão do trabalho é mais acentuada, a
43
diferenciação se faz por solidariedade orgânica: o vínculo social repousa na
separação das atividades, repartidas de maneira complementar e mais ou menos
parcelar. Assim, a sociedade cria o “indivíduo”, a pessoa. Anomia e Patologia:
significa ausência de normas. (BONI e QUARESMA, 2005).
Segundo Durkheim, os problemas sociais tinham sua origem na ausência de
normas. O mundo moderno, que trouxe liberdade aos indivíduos, trouxe também
excesso de egoísmo e individualismo. Os códigos morais entraram em declínio, e a
falta de orientações morais gerou a falta de regras.
A anomia moderna tem por origem uma nova forma de divisão do trabalho
social – separação das atividades de concepção e de execução, e especialização
das tarefas – que favorece o individualismo. As partes da sociedade que não
estavam integradas e não contribuíam para o bom funcionamento do todo eram,
para Durkheim, chamadas de fatos sociais patológicos. Os comportamentos
patológicos (regras sociais falhas) representam “doenças”. Tais comportamentos
representam a falta de cumprimento de função de cada um e atrapalham o bom
andamento do todo. Funcionalismo: a ideia funcionalista não tem origem com
Durkheim, mas ele a tomou de Darwin e Spencer. O funcionalismo compara a
sociedade com um organismo vivo em que cada parte desempenha sua função. Se
cada parte desempenha bem sua função, o todo vai bem. Se uma parte do
organismo falha, todo o organismo se ressente. No modo de ver funcionalista, a
sociedade é como um organismo integrado em que cada parte deve cumprir sua
função. E, se existem problemas na sociedade, é porque as partes não estão
suficientemente integradas. (BONI e QUARESMA, 2005).
Cabe à Sociologia localizar as partes que não estão bem integradas e
restaurar o funcionamento normal. Sociedade e Indivíduo: para Durkheim, a
sociedade é superior e tem precedência sobre o indivíduo. A vida social se explica
pela sociedade e não pelo indivíduo. As estruturas sociais funcionam
independentemente dos indivíduos e condicionam suas ações. A sociedade age
sobre os indivíduos e modela suas formas de agir, pensar e sentir. Metodologia:
tendo como pressuposto que a sociedade é superior ao indivíduo e que as ciências
sociais devem imitar as ciências da natureza, para Durkheim, uma ciência madura
deve se assentar no método.

44
Ele buscava uma Sociologia com as mesmas características da física,
química, astronomia. Em As Regras do Método Sociológico estabeleceu as
condições de investigação científica e positiva. Partia do pressuposto de que a
realidade social é idêntica à realidade da natureza e, assim como as “coisas” da
natureza funcionam independentemente da ação da natureza, assim também as
“coisas” da sociedade independem da ação humana. Os fatos sociais devem ser
tratados como coisas, isto é, de maneira totalmente objetiva.

7.2 Reconhecimento do Fato Social

É possível reconhecer o fenômeno social porque ele se impõe ao indivíduo,


fatos sociais exercem coerção sobre os comportamentos individuais, (ex.: moda,
casamento, correntes de opiniões). Para Durkheim, só existe um modo de conhecer
os fatos que estão à nossa volta, a saber, gerando uma representação mental, uma
chave interpretativa que construímos para lidar com aquilo que a princípio
desconhecemos. As representações podem ser individuais (pessoais) ou coletivas
(compartilhadas). As representações sobre os fatos sociais são representações
coletivas; é como se existisse dois em nós mesmos, um ser individual (com estados
mentais apenas nossos), e ao mesmo tempo um ser social, com uma cabeça social
onde habitam um conjunto de crenças, hábitos, valores, os quais não revelam coisas
que pensamos com nossa própria mente; tais crenças e valores não revelam uma
personalidade privada e sim, o quanto há dos outros em nós. “[...] não apenas o
indivíduo faz parte da sociedade, uma parte da sociedade faz parte dele”.
(RODRIGUES, 2004, p. 24-25). As representações coletivas são exteriores às
consciências individuais, não derivam do indivíduo considerado isoladamente, mas
de sua cooperação.
A consciência coletiva, a sociedade ao mesmo tempo individual e coletiva que
a obriga a comportar-se conforme o desejo da sociedade, não existe
individualmente, mas pela cooperação entre os indivíduos. Segundo essa existência
social, essa vida coletiva é obra não apenas dos indivíduos que cooperam entre si
num dado momento da vida da sociedade, mas também de gerações passadas, que
ajudaram a formar crenças, valores e regras que ainda hoje perduram. Para
Durkheim, o meio moral é produzido pela cooperação entre os indivíduos através de
45
um processo de interação na divisão do trabalho social, que é determinado conforme
a predominância na vida coletiva de uma época específica. E este tipo diferente de
cooperação dá origem a uma vida moral diferente, em forma de crenças, valores e
normas que se seguem geração para geração; e esta vida moral é perpetuada na
forma de educação.
Quando os homens possuem pouca divisão do trabalho em sua vida comum,
existe entre eles uma solidariedade baseada na semelhança entre as pessoas. Na
moderna sociedade industrial, existe uma solidariedade por diferença (orgânica) e
não mais por semelhança (mecânica), em que os indivíduos desempenham funções
diferentes umas das outras. Esse processo aumentou com o capitalismo, que levou
a uma superespecialização das tarefas. Durkheim aponta que, quando há pouca
divisão do trabalho (solidariedade mecânica), a consciência coletiva é mais forte e
extensiva a um número maior de pessoas, pois desempenhando funções sociais
muito semelhantes, os indivíduos pensam de modo similar. Quando, ao contrário, há
uma divisão do trabalho (solidariedade orgânica) cada pessoa tem uma margem
maior de liberdade para pensar e agir por conta própria. Isso gera um
enfraquecimento relativo da consciência coletiva, há diminuição das reações da
coletividade contra a quebra das regras estabelecidas e uma margem maior para a
interpretação pessoal ou grupal dessas regras. Os meios morais nas sociedades
com poucas e muitas divisões de trabalho são distintas. (SILVA, 2005).
Os valores, crenças e normas, numa sociedade pouco diferenciada,
aparecem como imperativos obrigatórios e transmitidos homogeneamente de uma
geração para outra; enquanto que, numa sociedade diferenciada, sofrem
interferência de grupo. Quando, cada indivíduo, em função da divisão do trabalho e
da especialização, assume valores, crenças e normas diferenciadas, conforme o
grupo ao qual se vincula na vida profissional, as regras gerais ficam relativizadas,
ficam mais fracas.
Podem-se dar interpretações diferentes a elas, conforme o lugar de onde são
vistas, a tendência, portanto, será o conflito, decorrente da competição imposta pela
diferenciação: os indivíduos passam a guiar-se pela busca da satisfação de
interesses que são cada vez mais pessoais e cada vez menos coletivos. É assim
que Durkheim vê um fenômeno extremamente disseminado nos dias de hoje: o
individualismo. Quanto mais individualista em termos de crenças e valores é uma
46
sociedade, mais a sua consciência coletiva diminui, o que determinará a perda de
uma moral coletiva, que se faz fundamental para a sobrevivência da sociedade. A
solidariedade é um cimento que dá liga à sociedade, se deixada seguir seu rumo
sem controle, a solidariedade orgânica provocaria a desintegração da sociedade,
provocaria o que Durkheim chamou de anomia, isto é, a ausência de regras, o caos.
Se isso não ocorre por completo é porque a consciência coletiva ainda se mantém
de alguma forma. (RODRIGUES, 2004).
Num meio moral em que o individualismo possibilitado pela diferenciação
social compete com a consciência coletiva, a educação assume o significado de
educação moral, assume o papel fundamental de preservação e promoção da
coesão social. Sendo um dos principais expoentes na Sociologia da Educação
Positivista, Durkheim considerava a educação como imagem e reflexo da sociedade.
A educação para Durkheim é o processo pelo qual aprendemos a ser membros da
sociedade. Educação é socialização, e a cada momento histórico, existe um tipo
adequado de educação a ser transmitida. Para Durkheim, socializar-se é aprender a
ser membro da sociedade, é aprender o seu devido lugar nela. Só assim é possível
preservar a sociedade. Preservá-la inclusive de sua própria diferenciação. O
pensamento de Durkheim foi usado muitas vezes para justificar atitudes e ideologias
conservadoras, interessadas em manter a ordem social vigente. O pensamento
liberal conservador justifica a desigualdade social como fenômeno natural, afirmando
que os homens são dotados de capacidades diferentes. A desigualdade é tomada
como questão individual e não social.

7.3 O Processo Educativo e a Socialização do Indivíduo

Para a Sociologia, o processo educativo, que procura tornar o indivíduo um


membro da sociedade, é chamado de socialização, processo pelo qual os homens
são capazes de influenciarem uns no comportamento dos outros, modificando-se
mutuamente, num processo de interação social. Na socialização, atuam em
interação os indivíduos e a sociedade. A socialização é um processo de construção,
cujos agentes são o ser humano e o grupo social que o cerca. Nesse processo, o
indivíduo ao mesmo tempo em que se aproxima da conduta do grupo em que vive,
incorporando determinados padrões sociais, age, também, sobre o grupo, tendo a
47
possibilidade de modificá-lo. Nesse contexto, o processo educativo se apresenta
relacionado à técnicas aplicadas com normas vigentes e valores compartilhados
pelos indivíduos, no contexto de uma determinada sociedade, cultura e tempo
histórico. Para a Sociologia, não há prática pedagógica neutra, todas são
construídas em meio a valores e normas. (RODRIGUES, 2004).

7.4 O homem é determinado pela sociedade ou o homem determina a


sociedade?

Diante da necessidade de criar um espaço próprio para a Sociologia, alguns


pensadores se empenharam em demonstrar a existência de uma vida coletiva com
alma própria, fora da mente do indivíduo (psicologia) ou de outra ciência humana
qualquer. Pensaram em tratar a ação individual como o ponto de partida para o
entendimento da realidade social, colocando a ênfase não no peso da coletividade
sobre os homens, mas na capacidade dos homens de forjar a sociedade a partir de
suas relações uns com os outros. Segundo Rodrigues (2004, p. 20), “[...] a
sociedade faz o homem na mesma medida em que o homem faz a sociedade”. Ao
mesmo tempo em que os homens criam o mundo social em que vivem, esse mundo
criado sobrevive ao tempo, influenciando os modos de vida das gerações seguintes.

Fonte: www.brasilescola.uol.com.br

48
8 O PENSAMENTO DE KARL MARX E SUA RELAÇÃO COM A SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO

Karl Heinrich Marx (1818-1883) economista, filósofo, sociólogo e socialista


iniciou seus estudos de Direito na Universidade de Bonn. Após, seguiu para a
Universidade de Berlim, para prosseguir nos seus estudos, lá entrou em contato com
a Filosofia de Hegel, de quem herdou a concepção dialética e a Filosofia da História,
as quais serão abordadas ao longo do texto. Doutorou-se em Filosofia pela
Universidade de Iena. Dentre suas principais obras podemos citar O Manifesto
Comunista e A Ideologia Alemã, ambas escritas juntamente com seu grande amigo
Engels, e a obra de maior destaque O Capital. Marx deixou muitas marcas no
pensamento da sociedade ocidental do século XIX com suas pesquisas da
sociedade capitalista. (SILVA, 2005).
Ao perceber a miséria e o sofrimento pelos quais passavam os trabalhadores
daquela época, Marx compreendeu que havia um processo histórico em andamento,
pois, a burguesia não estava apenas ascendendo na sociedade, utilizando-se de
mão-de-obra barata dos operários, mas também, utilizando-se dos conhecimentos
que estes possuíam a respeito da produção dos objetos, conhecimentos que
aprenderam de seus antepassados, dos quais a burguesia aos poucos se apossava.
Marx procurou, de um lado, perceber a realidade como ela é, analisá-la e reconstruí-
la para compreendê-la em sua totalidade. Por outro lado, para compreender como a
sociedade realmente se mostrava, ele buscava uma forma de transformá-la, em
busca de uma vida melhor. Com a intenção de promover a transformação da
sociedade, Marx lançou uma crítica ao materialismo teórico dos filósofos que havia
estudado, principalmente ao idealismo de Hegel, reivindicando uma Filosofia que, ao
invés de só interpretar o mundo, também tentasse modificá-lo, transformá-lo.
Formula então, sua dialética materialista, em que postula que as leis do pensamento
correspondem às leis da realidade.
Para Marx, não são as relações sociais que determinam a vida, mas a vida
que é determinada pelas relações sociais, esta seria a base de seu materialismo
histórico. A dialética não é só pensamento. A dialética é pensamento e realidade
unidos. Segundo Rodrigues (2004, p. 36) “Para Marx não havia contradição entre
teoria e prática [...]”. Então, para compreender a sociedade, Marx se utilizou do
49
materialismo histórico, o qual pretende explicar a história das sociedades humanas,
em todas as épocas, através dos fatos materiais, essencialmente econômicos. Ao
buscarem a história humana, ele e seu amigo Friedrich Engels escreveram apud
Rodrigues (2004, p. 37), que “[...] a história humana é a história da relação dos
homens com a natureza e dos homens entre si (...). Aparecendo como elemento
intermediário o trabalho humano”.
A mudança da natureza se dá através do trabalho do homem. Para que as
tarefas de produção se tornassem mais eficazes, o homem passou a desenvolver
técnicas, por exemplo, inventou a machadinha de pedra, domesticou animais para
estes realizarem os trabalhos mais pesados, para aumentar a produção e melhorar
sua qualidade de vida e reduzir esforços. Com a capacidade reflexiva que o homem
possui, tornou-se capaz de melhorar suas condições de vida e de domínio da
natureza. Esse domínio sobre a natureza, o desenvolvimento de técnicas para tornar
o trabalho mais fácil, Marx denominou de “Forças Produtivas”, e que atualmente são
representadas pelas altas tecnologias.
Como afirma Rodrigues (2004, p. 39): “Ao mesmo tempo em que o trabalho é
o intermediário da relação do homem com a natureza, ele é, também, o intermediário
da relação dos homens uns com os outros”. O homem para ter maior produtividade
alia-se a seus pares, distribuem tarefas e benefícios entre si. Essa distribuição de
tarefas também determina diferentes formas de propriedade, as quais, determinam
as relações sociais de uma sociedade, que seriam as relações de propriedade.
Segundo Marx, estas implicam em dois pontos: os meios para a realização do
trabalho e o trabalho em si.
Logo, “as relações de propriedade são a base das desigualdades sociais [...]”
(RODRIGUES, 2004, p. 39). Pois, há os homens que possuem os meios para a
realização do trabalho, e há os homens que não possuem os meios, porém possuem
vontade e força para desempenhar o trabalho e a oferecem para quem possui os
meios, que também caracterizam as “relações sociais de produção”, um oferece os
meios e não trabalha e o outro não possui os meios, mas trabalha. No transcorrer da
história humana, percebem-se conjuntos diferenciados de forças produtivas, bem
como, de relações sociais de produção. Segundo Rodrigues:

50
As grandes transformações pelas quais passou a história da humanidade
foram as transformações de um modo de produção a outro (...) existiram
três diferentes modos de produção ao longo da história: o modo de
produção escravista antigo (o trabalho era realizado por escravos), o modo
de produção feudal (servidão) e o modo de produção capitalista
(assalariamento) [...]. (RODRIGUES, 2004, p. 40).

Em cada um desses modos de produção, houve uma classe superior, que


mandava, e uma classe inferior, que obedecia, havendo sempre uma luta de
classes. É o que Marx afirmava: o que move a História é a luta entre as classes.

8.1 As Formas de Consciência no Mundo da Produção

O capitalismo se apossou, como já dizia Marx, dos conhecimentos de


produção, que antes passavam de geração em geração, e não apenas da mão-de-
obra desses trabalhadores. Alguns comerciantes, percebendo que quanto maior a
produção mais lucros teriam, passaram a contratar pessoas que sabiam executar os
serviços, que compreendiam o modo como os produtos eram fabricados, e então,
passaram a dividir as tarefas.
O que anteriormente todos os operários deveriam aprender a fazer, ou seja,
todas as etapas da fabricação de uma camisa, por exemplo, agora apenas um
aprenderia a abotoar os botões: um outro, a fazer o corte da camisa; outro, a
costurar e assim sucessivamente. Dessa forma, o dono da fábrica, o burguês,
ampliaria sua produção e também seus lucros. Karl Marx compreende o trabalho
como atividade central da sociedade. Assim, as relações de produção e as relações
sociais fundam todo o processo de formação da humanidade. Ele busca explicar
como o conhecimento vem a se relacionar com o mundo material, com o trabalho
humano.
Assim, a relação do conhecimento com o mundo material que esses
assalariados realizam não passa de uma falsa consciência, pois eles possuem uma
representação de que vivem em um mundo que não é o deles e, sim, o mundo que
os capitalistas desejam que eles vivam, para não pensarem em mudar de vida. A
vida que vivem é boa e a única que eles podem desfrutar. Assim, também os filhos
desses assalariados crescem e vêem que o destino deles também será o de se
tornarem assalariados, acabando por viverem sem perspectivas de melhoria em
suas vidas. Os assalariados percebem isso como algo normal, natural. O
51
proletariado não percebe que é um objeto dessa sociedade capitalista, pois,
conforme Rodrigues (2004, p. 46): “Ele só aprende que deve trabalhar para receber
o salário e viver, pois esta é a percepção que tem da realidade na vida cotidiana”.
Essa concepção de vida Marx denominou de alienação, pois as pessoas vivem
alienadas ao trabalho, àquele modo de vida, não pensam em mudar as condições de
trabalho, perceber a sociedade real. A esse respeito tomamos o seguinte para
melhor compreensão:

O trabalho que sempre foi o meio pelo qual o homem relacionou-se com a
natureza e com os outros homens, é individualmente percebido como algo
sobre o qual o trabalhador não tem controle. O trabalhador foi separado,
pelo capitalismo, do controle autônomo que exercia sobre seu trabalho e
também do fruto deste trabalho. O trabalho é então percebido pelo
trabalhador como algo fora de si, que pertence a outros. A isso, Marx dá o
nome de alienação. Por causa do trabalho alienado a que estão submetidos,
os homens adquirem uma consciência falsa do mundo em que vivem, vêem
o trabalho alienado e a dominação de uma classe social sobre outra como
fatos naturais e passam, portanto, a compartilhar uma concepção de mundo
dentro da qual só têm acesso às aparências, sem ser capazes de
compreender o processo histórico real. A isso Marx dá o nome de ideologia
portanto, é aquele sistema ordenado de ideias, de concepções, de normas e
de regras que obriga os homens a comportarem-se segundo a vontade do
“sistema”, mas como se estivessem se comportando segundo sua própria
vontade. Esta coerção do “sistema” sobre os indivíduos, revela Marx, na
verdade é a coerção da classe dominante sobre as classes dominadas. Por
isso Marx afirma que a ideologia dominante numa dada época histórica é a
ideologia da classe dominante nessa época. (RODRIGUES, 2004, p. 46).

Com a economia capitalista, percebe-se que o trabalho perde seu caráter de


socialização, na qual os indivíduos constroem-se e relacionam-se entre si. Essa
força é vendida a quem possui os meios de produção, porém essa força não é
remunerada de forma igualitária. No capitalismo, o operário se torna uma
mercadoria, que poderá ser comprada e vendida, em troca de uma quantia em
dinheiro, o salário, é o que Costa nos coloca:

O salário é o valor da força de trabalho, considerada como mercadoria.


Como a força de trabalho não é uma “coisa”, mas uma capacidade,
inseparável do corpo do operário, o salário deve corresponder à quantia que
permita ao operário alimentar-se, vestir-se, cuidar dos filhos, recuperar as
energias e, assim, estar de volta ao serviço no dia seguinte (COSTA, 2005,
p. 116).

Segundo Marx, o trabalho torna-se cada vez mais alheio ao trabalhador.


Quanto mais o trabalhador produz, mais ele nega-se a si mesmo, mais se arruína
física e espiritualmente. Dessa forma, podemos concluir que a propriedade privada é

52
a base do processo de alienação do sujeito. Conforme afirma Costa, “[...] a indústria,
a propriedade privada e o assalariamento alienavam ou separavam o operário dos
“meios de produção” e do fruto de seu trabalho, que se tornaram propriedade
privada do empresário capitalista”. Comparando esse processo com a educação,
apesar de Marx e Engels não terem deixado muitos escritos a respeito da educação,
em alguns textos é perceptível a compreensão de que a educação está vinculada
com as relações econômicas e sociais da época. Desse modo, é possível apontar
que eles compreendiam a educação da mesma forma que compreendiam a
sociedade. A educação era uma das mais importantes formas de perpetuação da
exploração de uma classe sobre a outra. Desde criança, os operários tomariam a
ideologia burguesa como sendo a sua, compreendendo que deveriam apenas servir
à classe dominante. No livro O Capital, Marx analisou as condições em que os
operários viviam e como era a educação dos filhos desses operários, segundo
interpretações de Rodrigues (2004):

A lei inglesa anterior a 1844 permitia a contratação de crianças para


trabalhar nas fábricas, com a condição de que os patrões apresentassem
um atestado de que os meninos frequentavam a escola (...) O tipo de
educação dado às crianças operárias era tão precário, que só poderiam
servir para perpetuar as relações de opressão às quais essas crianças e
seus pais operários estavam sujeitos. O descaso era tanto que qualquer um
que tivesse uma casa e alegasse ser ali uma escola poderia fornecer os
“atestados de frequência às aulas” de que as fábricas precisavam para
livrar-se da fiscalização (RODRIGUES, 2004, p. 49).

Nesse caso, a educação que essas crianças operárias recebiam não passava
de uma perpetuação da ideologia de que existem apenas duas classes, a dos
dominantes e a dos dominados. Os últimos, com a crença que possuem o dever de
servir aos primeiros, deixam-se levar por essa falsa realidade. O proletariado,
vivendo nessa falsa ideologia, acabava por educar também seus filhos com tais
concepções.
As crianças também cresciam alienadas e sujeitas a trabalharem o resto de
suas vidas em uma fábrica, recebendo um salário mísero. Porém, Marx não via a
educação apenas como alienação do sujeito, mas acreditava numa educação
voltada para a libertação e emancipação do ser, o qual poderia se libertar das
explorações e da visão sistêmica capitalista.
Segundo Santos, a essência do homem é o conjunto das relações sociais que
ele estabelece, é um ser que não encontra-se acabado, que está em um processo
53
de construção de si mesmo, o homem é um ser em transformação (2005, p. 1).
Ainda segundo Santos, para compreender o processo educativo, deve-se
compreender o processo de produção da existência do homem, ou seja, o trabalho e
as relações que o homem mantém.

[...] o ensino aparece como instrumento para o conhecimento e também


para a transformação da sociedade e do mundo. Este é o potencial e o
caráter revolucionário da educação. O proletariado, por si só, não conquista
sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de
ter sido privado desde o início dos meios que lhe permitiriam consegui-lo.
Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um
projeto político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande
maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos
educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são decisivos para
a construção da consciência de classe do trabalhador (SANTOS, op. cit).

Marx apoiava a escola, desde que a educação se desse apenas em um turno,


para que a criança estivesse livre no outro para a realização de trabalhos nas
fábricas. Para Marx, os alunos que permanecessem o dia inteiro na escola não
aprenderiam tanto quanto os que ficassem apenas em um dos turnos, pois, uma
atividade funcionaria como descanso para a outra.

[...] segundo a concepção de Marx, que era um homem do século XIX, o


trabalho infantil é desejável, desde que o Estado garanta aos filhos dos
operários uma escola de meio período que não seja apenas um depósito de
crianças e desde que a superexploração do trabalho infantil seja controlada
pela legislação (...) as mãos sujas de graxa e o suor do rosto seriam tão
educativos, do ponto de vista moral, quanto os livros, os cadernos e o lápis
[...] (RODRIGUES, 2004, p. 51).

Assim, Marx acreditava que esse seria o ponto inicial para que o operário
aprendesse que não é uma mera vítima de exploração da burguesia, isto é um
processo educacional que o tornasse capaz de compreender todo o processo
produtivo das fábricas burguesas. Segundo Rodrigues, para Marx, esse novo saber
seria de fundamental importância para romper a alienação do trabalho, e iniciar o
processo emancipatório. Utilizamos aqui o exemplo dado por Rodrigues:

[...] nenhum conteúdo educacional doutrinário mudaria a visão de mundo


dos filhos dos operários se a educação não lhes desse meios para superar
sua condição de trabalhador parcial, capaz de executar uma única tarefa
simplificada, ditada pelas exigências do capital (RODRIGUES, 2004, p. 53).

54
Portanto, a educação que Marx desejava deveria contemplar três dimensões:
a mental, a física e uma educação tecnológica. A educação mental se voltaria para a
intelectualidade, a leitura, a reflexão. A educação física seria a prática de esportes, e
a tecnológica, seria o ensino do manejo das maquinarias utilizadas nas indústrias
para a produção. Com essa educação em três dimensões, acreditava-se que os
filhos dos operários estariam com um conhecimento acima dos filhos dos burgueses,
pois estes últimos não possuíam a educação tecnológica. Eles não possuiriam a
práxis da educação. Marx acreditava que, quando os operários tomassem o poder, o
ensino seria público e igualitário a todos. Na sociedade pensada por Marx, a
educação seria de caráter social, para que os educandos não recebessem nenhuma
influência a respeito de propriedades privadas. Além de, educar os trabalhadores a
viver em permanente coletividade. A respeito dessa nova educação, Engels, citado
por Rodrigues (2004), comenta:

A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar rapidamente na


prática todo o sistema de produção e lhes permitirá passar sucessivamente
de um ramo de produção a outro, segundo as necessidades da sociedade
ou suas próprias inclinações. Por conseguinte, a educação nos libertará
deste caráter unilateral que a divisão atual do trabalho impõe a cada
indivíduo. Assim, a sociedade organizada sobre bases comunistas dará a
seus membros a possibilidade de empregar em todos os aspectos suas
faculdades desenvolvidas universalmente (ENGELS apud RODRIGUES,
2004, p. 57).

A educação de Engels assemelha-se com o que enfrentamos em pleno século


XXI, o trabalhador polivalente capaz de desenvolver várias tarefas. Para que o ideal
de educação proposto por Engels acontecesse, não foi necessária nenhuma
Revolução Comunista, com os avanços tecnológicos por que passa a sociedade
atual, foi necessário que as pessoas se especializassem para permanecer no
mercado de trabalho. Mesmo com os avanços tecnológicos e a melhoria da vida de
poucos, a sociedade do século XXI necessita refletir sobre as desigualdades que
aumentam a cada dia de forma gritante. E é exatamente por isso que cursos de
graduação e pós-graduação das universidades oferecem disciplinas que
oportunizam a reflexão sobre tais questões tão importantes para nossa época.

55
Fonte: www.tribunadaimprensalivre.com.br

9 A NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO E SUA IMPLICAÇÃO PARA A


EDUCAÇÃO

Talvez um dos movimentos mais revolucionários e influentes no modo de se


pensar a educação tenha sido a virada representada pela nova sociologia da
educação (NSE). Desde os anos 1970, uma nova forma de se investigar e de se
buscar interromper a desigualdade educacional tem se estruturado a partir deste
movimento teórico. Para além de se olhar apenas para o macrossocial e de uma
perspectiva quantitativa para as problemáticas sociais da educação, passou-se a
mirar também o que ocorre no cotidiano da escola, com o currículo e os
conhecimentos, e as relações destes elementos com as desigualdades. Este novo
olhar tem trazido consigo novos insights e novos desafios, mas também tem
avançado no combate às desigualdades, apesar dos inúmeros desafios que ainda
restam. (AUGUSTINHO, 2018)

9.1 O surgimento da nova sociologia da educação

Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, ocorre uma crise na educação
de países considerados “centrais”: Estados Unidos, França e Inglaterra – países
estes em que os governos seguiram bastante à risca as prescrições da Sociologia
56
da Educação então hegemônica. Na França, as revoltas de maio de 1968 são
relacionadas com a promessa não cumprida de suposta ascensão social
correspondente ao maior acesso à educação básica e superior. Nos EUA e no Reino
Unido, colapsa todo o sistema de Bem-Estar Social e, em particular, a escola
pública, que tampouco cumpriu sua promessa de equiparação de oportunidades
após ser, em ambas as noções, reformada de forma a garantir acesso praticamente
universal. (NOGUEIRA, 1990). Com efeito, o viés de Sociologia da Educação que
predominava nas universidades e nas políticas públicas sustentava boa parte das
reformas que, neste momento histórico, caíram por terra.
A Sociologia da Educação se preocupava centralmente, até o fim dos anos
1960, com o aspecto macrossocial da educação. Neste sentido, a hipótese do
acesso era imperativa: era preciso entender o que bloqueava o acesso dos grupos
mais populares e como interromper esses problemas. Apesar do sucesso desta
empreitada, no entanto, as desigualdades permaneceram. Desta forma, havia um
cruzamento de amplo alcance entre classe social e escolarização. As pesquisas
raramente se debruçavam especificamente na escola, sendo mais comum
investigações quantitativas que consideravam cada escola como mais um número
nas estatísticas.
Quanto ao conhecimento escolar, havia também pouco debate, comum
consenso de que deveria ser garantido a todos. Isto sustentou, talvez, o único
aspecto mais “cultural” do pensamento sociológico da educação então prevalecente:
a ideia de que as supostas “deficiências” culturais das camadas populares fossem
supridas com atividades “compensatórias” em contraturnos e escolas públicas
populares. (MITRULIS, 1983). O fracasso dessa prescrição sociológica baseada na
hipótese de que a igualdade de oportunidades seria alcançada com apenas essas
poucas medidas macrossociais gerou revolta e descrença popular, o que também se
verificou no campo da Sociologia da Educação, especialmente nos três países
citados. (SILVA, 1999). Quase que simultaneamente, com algumas diferenças
contextuais, surge na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, na virada para os
anos 1970, um movimento não intencionalmente programado, que ficou conhecido
como a nova sociologia da educação. O que este movimento passou a analisar, com
um olhar mais apurado sobre o que ocorre dentro da escola, na política educacional

57
e com o currículo escolar, foi, afinal, o que diferenciava os alunos, apesar de a
escola ser pretensamente indiferenciada. (MITRULIS, 1983).

9.2 As principais contribuições da nova sociologia da educação

Em contradição ao modelo sociológico voltado apenas para o macrossocial da


educação, a nova sociologia da educação propõe que o olhar deve repousar
também sobre o micro. Desta forma, passa-se a analisar criticamente os motivos
pelos quais a reprodução das desigualdades persiste na escola, não apenas do
ponto de vista do acesso ou da compensação, mas do ponto de vista do próprio
currículo escolar e do próprio conhecimento escolar (até então, encarados como
“neutros” ou “desinteressados”). Investiga-se o cotidiano vivido na escola e, desta
maneira, inclusive, envolve-se os professores e professoras na tarefa de combater a
reprodução das desigualdades na escola. (WEIS; MCCARTHY; DIMITRIADIS,
2013). Estes teóricos propiciaram uma verdadeira revolução na forma como se podia
enxergar e imaginar a transformação da reprodução social na escola,
complexificando o olhar sobre a educação. Pode-se, para conhecer melhor suas
contribuições, discutir algumas das principais contribuições proporcionadas em cada
contexto

9.3 Michael Young e a nova sociologia da educação no Reino Unido

Foi Michael Young, na Universidade de Londres (onde foi contemporâneo de


outro fundamental autor da NSE, Basil Bernstein), que publicou, em 1971, aquele
que é considerado o trabalho seminal da nova sociologia da educação: Know ledge
and control: new directions in the Sociology of Education (1971), que continha
contribuições de Pierre Bourdieu e Basil Bernstein. (WEIS; MCCARTHY;
DIMITRIADIS, 2013). A principal preocupação para Young na obra foi a de formular
uma Sociologia do Conhecimento e, para isso, de forma mais imediata, precisava
antes de uma Sociologia do Currículo. Desta forma, coloca a questão do
conhecimento escolar em primeiro plano e, diferentemente das tradições até então
hegemônicas, não toma como dadas as categorias e disciplinas que configurariam o
conhecimento verdadeiro, mas se perguntava sobre o que conta como
58
conhecimento. (SILVA, 1999). Realiza, assim, uma crítica à arbitrariedade em se
definir o que é conhecimento “puro”, “geral” ou “acadêmico”, em contraste com o que
se define como “aplicado”, “específico” ou “vocacional” – posiciona esta questão
como uma questão de classe social, uma vez que manteria elites no poder do
currículo escolar. (WEIS; MCCARTHY; DIMITRIADIS, 2013).

9.4 Michael Apple e a nova sociologia da educação nos Estados Unidos

Michael Apple possivelmente seja o nome mais relevante nos Estados Unidos
vinculado à NSE. Seu trabalho inaugural, Ideologia e currículo (1979), representa o
seu diferenciado olhar sobre as desigualdades educacionais. Apple traz para a
discussão a economia e a cultura para pensar o currículo, a partir de uma
abordagem neomarxista (muito influenciado por pensadores como Raymond
Williams e Antonio Gramsci). Apple não vê uma correspondência direta entre a
economia e a educação, como se a escola refletisse automaticamente as relações
de produção (SILVA, 1999); vê uma relação complexa, em que o currículo escolar se
encontra envolvido. Para Apple, por mais que as relações de poder da economia
influenciem decisivamente a forma como os grupos sociais vivem a educação, elas
não garantem em última instância como a educação se estrutura ou como a
desigualdade se mantém. (WEIS; MCCARTHY; DIMITRIADIS, 2013). Para Apple
(2006), a educação e o currículo são lugares de disputa política, em que não há
garantia de que as consciências serão estabelecidas a priori. Há espaço, segundo
Apple (2006), para que se conteste, na escola, de quem são os conhecimentos
estudados, a quem eles beneficiam e quem eles silenciam, por exemplo. Apple
(2006) vê complexidade e movimento na escola e na disputa pelo que é entendido
como conhecimento escolar, sem ignorar as fortes influências que as relações
econômicas continuamente impõem sobre a forma como a escola é vivida.

9.5 Pierre Bourdieu e a nova sociologia da educação na França

Na teoria de Bourdieu e seu coautor Passeron, o objeto principal da


reprodução são os bens simbólicos, que estão em relação inseparável dos bens
econômicos. (SILVA, 1999). Os autores não se debruçam propriamente em como se
59
originam as desigualdades econômicas, mas se preocupam em entender como
essas desigualdades se reproduzem através da conversão de capital econômico em
capital cultural, social e simbólico. (BOURDIEU; PASSERON, 2009). Garante-se,
neste processo, que os privilégios apareçam como naturais e justos, na medida em
que são percebidos como capacidade ou talento para aquisição da cultura tida como
correta. Neste sentido, a escola seria estratégica: a cultura escolar seria uma
espécie de enigma, que só pode ser decifrado por quem recebeu o código da sua
família. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002). A cultura valorizada socialmente e, assim,
especificamente na escola, seria a das classes dominantes, e a posse dessa cultura
por parte dos herdeiros dessas famílias seria traduzida como sucesso escolar. O
distanciamento das demais culturas em relação à cultura escolar seria a base para a
explicação não apenas do fracasso escolar nos meios populares, mas também para
a forma como este fracasso é legitimado socialmente. (BOURDIEU; PASSERON,
2009).

Contribuições e desafios para a educação brasileira

A discussão promovida pela nova sociologia da educação, mais do que mera


discussão abstrata, tem resultado em efeitos concretos nas escolas, a partir de
lições que profissionais da educação têm tirado com base em seus ensinamentos.
Ao mesmo tempo, há desafios e limites ainda não superados dentro do debate da
NSE que precisam também ser continuamente problematizados. Aqui, pontuam-se
alguns desses aspectos, sem uma intenção de finalizar a discussão – pelo contrário,
com o objetivo de apontar apenas alguns exemplos de um universo ainda maior de
importantes contribuições e desafiadoras missões que têm marcado essas décadas
recentes na Sociologia da Educação.

Avanços percebidos

No campo do currículo, é preciso valorizar o trabalho que professores e


professoras têm feito ao redor do país para levar para a sala de aula a cultura e os
saberes dos alunos e alunas, indo de encontro a visões mais tradicionais de que há
“déficit” dos alunos de grupos populares. Há, desta forma, uma valorização de outras
60
linguagens, conhecimentos, gostos e modos de se perceber no mundo que não os
consagrados na escola. Este tem sido um importante trabalho, não no sentido de
negar aos alunos os conhecimentos consagrados, mas de relacioná-los com as
próprias vivências e trajetórias dos alunos. Conhecimentos, assim, são
problematizados, enquanto “neutros” ou “desinteressados”, e enfrentados. Perguntas
como “Quem se beneficia com este conhecimento e quem é silenciado?” passam a
ser feitas. No campo do trabalho docente e da avaliação, têm sido também árduas,
porém reconhecidas, as conquistas de professoras e professores para a
implementação, com um grau de autonomia e de intelectualidade, dos currículos
escolares e dos modos de avaliação, em contraposição às políticas de
implementação de material didático padronizado e avaliações de aprendizagem de
larga escala. Socialmente. (BOURDIEU; PASSERON, 2009).
Agregue-se, ainda, as importantes mobilizações das professoras e
professores por reconhecimento na carreira. Todas essas questões apontam para
aprendizagem quanto à relação complexa entre economia e educação – sendo não
apenas correspondente às lógicas econômicas, mas influenciada de forma relacional
e disputada na forma como se vive a educação, e não somente na economia. No
campo das políticas educacionais, registre-se a participação intensa das
comunidades escolares na elaboração do Plano Nacional de Educação e as
pressões para um debate democrático em torno de medidas como a Base Nacional
Curricular Comum e o Novo Ensino Médio. Apesar dos desafios, deve-se perceber o
entendimento coletivo de que a democratização da educação e da igualdade de
oportunidades vai além do acesso à escola, relacionando-se com a forma como ela
é estruturada.

Desafios que permanecem

Apesar da importância de perceber os avanços conquistados a partir das


contribuições da nova sociologia da educação, ainda há uma longa caminhada pela
frente na educação brasileira para a incorporação das diretrizes estabelecidas. No
campo do currículo, ainda há um imenso trabalho em termos de equalização de
oportunidades. Esta é uma questão que tradicionalmente foi vista sob a ótica de
classe, mas precisa ser igualmente, e de forma relacional, tratada em relação a raça,
61
gênero e sexualidade, além de outras dinâmicas sociais. São ainda grandes a
injustiça e o sofrimento de muitas famílias em função da arbitrariedade do
conhecimento e da gestão escolar.
No campo do trabalho docente e da avaliação, ainda é grande o desafio da
formação continuada e da remuneração adequada das professoras e dos
professores. Estes ataques à carreira têm sido estudados na perspectiva da NSE,
sendo relacionados a dinâmicas econômicas como a proletarização de professores e
a culpabilização individual pelo fracasso sistêmico da escola. No campo das políticas
educacionais, ainda persistem vieses relacionados ao período anterior à NSE,
sustentados no credo de que a igualdade de oportunidades se garante com acesso e
correção cultural de alunos. Há uma longa jornada de reconexão com o senso
comum, mas também de esperança socialmente. (BOURDIEU; PASSERON, 2009).

Fonte: www.pesquisaescolar.com.br

10 EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA SOCIAL

Uma discussão da educação e da relação pedagógica só é possível na


medida em que a situamos como prática social. A prática social não pode ser vista,
simplesmente, como uma atividade que se manifesta como fenômeno ou fato, mas
todo um conjunto de atividades humanas que se diferenciam de qualquer
comportamento “natural”.
62
Nesse sentido, só há prática humana – mesmo quando “praticada” por uma só
pessoa – quando nela se identifica uma dimensão social. Ela está inserida no
processo cultural, produzido historicamente. Isto é, produzido na relação de
interação intencional entre os seres humanos, e na relação de homens e mulheres
com a natureza, com o mundo das coisas.
Assim, ainda que o ser humano tenha uma atividade de busca de alimento
para saciar sua fome – o que é natural –, nele essa mesma atividade é prática,
porque mobiliza, para além de sua capacidade de sentir a fome e de buscar saciá-la,
sua consciência, sua intencionalidade. A caça ou a pesca, portanto, passam a ser
um fazer consciente e intencionado, implicando necessariamente estabelecimento
de raciocínios, relações, reflexão, abstração, significação.
É necessário ainda registrar que nenhuma prática, justamente por ser
humana, pode prescindir de elementos teóricos. Ela é atividade que incorpora uma
reflexão sobre o mundo, sobre a vida, sobre si mesma, enquanto parte constitutiva
indispensável da humanidade do homem.
É pela mediação realizada pela consciência que o homem percebe e entende
a natureza, os outros homens e a sociedade. É pela incorporação de uma teoria das
relações sociais que os homens se relacionam, se reproduzem e produzem e
reproduzem o mundo em torno de si.
Toda atividade educacional, que se concretiza em relações pedagógicas é,
portanto, uma prática social que apresenta características históricas, implicações
teóricas e compromissos políticos.
Como afirma Pellegrino (1986), “Acontece que nós, humanos, somos fratura,
ruptura, salto qualitativo da natureza para o processo cultural. Somos exilados de
nossa condição biológica e da Lei Cósmica que a preside. Perdemos os instintos, no
bom e honrado sentido animal da palavra. Somos, sim, animais, mas animais
políticos – zoon politikon –, tendo que criar as leis da polis por termos rompido – este
é o pecado original – com a Lei que rege o sol, as estrelas, as plantas e os bichos.”
Justamente por ser a educação uma prática social que se concretiza através
da relação pedagógica entre os sujeitos que a realizam, o comprometimento político
lhe é inerente.

63
Uma das lições mais preciosas de Karl Marx (1818-1883) foi a de nos chamar
a atenção para a “omnilateralidade”, ou seja, para a categoria de totalidade na
análise de qualquer fenômeno.
Neste sentido, nosso grande desafio está em não nos deixar levar por
reducionismos na análise da prática educativa, limitando-nos a apenas um aspecto
(ou, mesmo considerando vários aspectos, deles tratar isoladamente), o que
caracterizaria uma unilateralidade.
Por exemplo, considerar como única função educativa, em um curso de
formação de técnicos, a socialização apenas dos saberes relacionados com a
prática profissional admitida para os profissionais da saúde deste nível é,
provavelmente, correr o risco de sonegar elementos fundamentais de compreensão
profunda daquelas práticas. Além disso, é um desprezar da totalidade e da
complexidade da educação e do próprio exercício profissional, que têm como
critério, menos hierarquização dentro de um campo profissional e mais entendimento
da realidade (princípios, processos e procedimentos) para o desenvolvimento de
competências humanas. Tal maneira de proceder estaria, possivelmente, ignorando
outras formas de saber, contribuições de diferentes culturas e de diversas
experiências que têm importante contribuição a dar na constituição do profissional
como sujeito, pessoa humana e cidadão. Seria, em última análise, não considerar
que a prática pedagógica é uma prática social.
Dentro desta visão omnilateral da ação pedagógica, certamente mais do que
o objeto, o conteúdo ou a forma, é importante o sujeito visto em sua totalidade e em
sua relação com o outro, formando coletivos, grupos sociais, que – por sua vez – se
relacionam na formação de uma sociedade. (PELLEGRINO, 1986).
Esse sujeito – em suas dimensões individual e coletiva – ocupa o lugar de
protagonista no cenário pedagógico, pois é nele, por ele e para ele que a ação
educativa acontece. A partir desse pressuposto, é primordial conhecer muito bem
esse sujeito. O que pretendemos agora, na afirmação desta totalidade, é ver, na
prática social educativa, esse processo de relação específica entre sujeitos humanos
que se apresentam e recebem denominações também específicas de educador-
educando e professor-aluno.
Mas, certamente, isso que dissemos nada tem de surpreendente para você.
Na sua experiência de todos os dias, sua prática de enfermagem é uma prática
64
social que envolve uma relação entre sujeitos, seres humanos que se constituem
socialmente como pessoas. Nem se nega que um seja o profissional da enfermagem
numa relação com um outro que se está valendo de seus serviços como atendido ou
cuidado no campo da saúde. Entretanto, esta relação concreta, que faz com que se
denomine a um como enfermeiro e ao outro como paciente, continua a ser e em
nada pode obscurecer a relação interpessoal de sujeitos sociais.
Da mesma forma, para além da condição daquele que ensina e daquele que
aprende, é preciso compreender o professor e o aluno como sujeitos que se
constroem na história. A relação educativa, em que se envolvem como educador –
educando, só pode ter significado concreto quando é entendida como prática social,
sempre implicando uma visão de mundo. (PELLEGRINO, 1986).
A prática pedagógica precisa ser vista a partir de uma perspectiva que dê
conta de pensar o homem na sua totalidade e na sua singularidade. Isto significa
conceber o homem e suas práticas – dentre elas a educativa – sem dicotomizá-lo.
Implica, portanto, em entender que a subjetividade, para existir, supõe a coletividade
e o social; em buscar subsídios para ter uma visão histórica que, sem excluir o
particular e específico, seja entendida como a totalidade do momento; em construir
uma abordagem interdisciplinar que não seja apenas a justaposição de perspectivas
teóricas diversas, mas um compromisso com a já mencionada omnilateralidade
humana.
Os fatos concretos da educação de cada um e o conjunto do “fazer
pedagógico” é, portanto, prática coletiva. Nela, necessariamente, os aspectos
cognitivos, afetivos, sócio-econômicos, políticos e culturais interagem em função de
resultados também concretos. Assim, a prática social pedagógica, tal como acontece
em cada “aqui e agora”, se faz pela linguagem, fazendo (produzindo) linguagem. Por
isso mesmo a didática, que, sem dúvida alguma, é uma questão de meios, só pode
dar conta deles quando se assume, primordialmente, como uma questão
epistemológica e, mais ainda, uma questão cultural.

65
Fonte: www.queconceito.com.br

11 EDUCAÇÃO, CULTURA E CIDADANIA

Falar em educação significa falar do homem e de seu ambiente vital enquanto


presença para si mesmo, presença no mundo e presença com os outros. Toda teoria
da educação pressupõe uma determinada concepção de homem e de sociedade. À
luz dessa compreensão, explicitaremos, em primeiro lugar, alguns aspectos sobre a
compreensão de homem, para, em seguida, possibilitar a sistematização de alguns
pontos imprescindíveis à compreensão da sociedade em nossos dias, e, por último,
apresentaremos alguns aspectos importantes que fundamentam a ideia de que a
educação tem um papel fundamental e irrenunciável de formação para a cidadania.
O homem levanta a pretensão de sentido. “O sentido mora na substância do ser
humano”. Ele busca dar sentido às coisas que lhe estão dispostas e do modo como
lhe estão dispostas. (PELLEGRINO, 1986).
O homem busca dar sentido ao todo de sua existência, admirando-se diante
das coisas como se lhe apresentam, e interrogando-se contínua e incansavelmente
a respeito do porquê das coisas serem como são e não de outro modo. E como ser
dotado de reflexão, o homem vive como problemático, isto é, ele está preocupado
em compreender a vida, o mundo, o sentido de suas ações, a particularidade de
seus gostos, o significado de sua relação com a natureza. O homem, ao tomar
66
consciência dos diversos problemas que povoam seu universo, coloca-se, então, a
célebre questão a respeito de quem ele é. Desde a aurora da cultura ocidental, a
reflexão sobre o homem, identificando-se, sobremaneira, pela interrogação o que é o
homem, permanece no centro das mais variadas expressões da cultura: mito,
literatura, ciência, filosofia, ética e política.
Dessa questão fundamental emerge com fulgurante evidência a singularidade
própria do homem que é a de ser o interrogador de si mesmo, interiorizando
reflexivamente a relação sujeito-objeto por meio da qual ele se abre ao mundo
exterior. No campo filosófico a interrogação sobre o homem torna-se dominante já
na época da sofística grega (século V a.C.), e, a partir de então, acompanha todo o
desenvolvimento histórico da filosofia ocidental, até encontrar a expressão clássica
de tais interrogações nas questões sintetizadas por Kant: - que posso saber? (teoria
do conhecimento); - que devo fazer? (teoria do agir ético); - que me é permitido
esperar? (filosofia da religião); - que é o homem? (antropologia filosófica). A partir
das célebres questões kantianas, que se tornaram bem conhecidas, chamamos
atenção, aqui, para dois aspectos muito importantes quando tratamos do
questionamento a respeito da antropologia: a) o homem deve ser entendido como
um ser que há de alcançar a perfeição por meio de sua própria atividade. Este
aspecto é fundamental para compreender o homem como um ser que está em busca
contínua da realização pessoal. (PELLEGRINO, 1986).
É característica fundamental do homem constituir-se como ser aberto e
inacabado. O homem apresenta-se como um projeto aberto. Todo o seu agir
constitui um atestado dessa abertura. De fato, em tudo o que pensa, deseja, quer,
realiza, o homem sempre ultrapassa todos os limites já atingidos pelo pensamento,
pelo desejo, pela vontade, pela ação, pelo trabalho. É a busca contínua do ir além do
já alcançado. O homem nunca está satisfeito consigo mesmo. Está sempre inquieto,
lança-se cada vez mais para frente. Ele busca conseguir metas mais elevadas. O
homem não pode ser considerado, de antemão, um ser perfeito. Mas, antes, deve
ser visto como um ser de possibilidades. Ele não é um ser condenado a não se
realizar e a não encontrar a plenitude. “Nesse sentido, o homem é um ser da
passagem, um ser em constante fazer-se, um vir-a-ser em processo. Portanto, o
homem não é uma realidade fixa, definida uma vez por todas, mas essencialmente
transcendência.
67
É o movimento, o superar-se, o que o constitui como homem, e por isto ele é
processo”; b) o homem é um ser de relações com o mundo que o cerca. O homem
não é um ser absoluto que dispõe de tudo o que quer, quando quer e onde quer, de
modo a considerar-se independente de toda a realidade externa fora dele. Nesse
sentido, o homem se percebe e se entende como um ser de presença que se realiza
nas relações que lhe são constitutivas. A educação, à luz dessa perspectiva, não
deve ser vista, por um lado, simplesmente, como um período bem delimitado, bem
determinado, fechado e estanque da existência humana, ou seja, delimitá-la como
especificamente o período escolar, e, quanto muito, o período universitário. Mas, por
outro lado, a educação também não pode ser vista como um pacote já pronto,
embalado a ser adquirido num mercado de ofertas de acordo com os gostos ou com
a procura (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
A educação, com efeito, deve ser compreendida muito mais como a arte de
conduzir permanentemente o homem à efetivação de seu ser como livre e à
explicitação e compreensão do horizonte da totalidade em que se constitui sua
existência. A educação deve auxiliar o homem a aprender a ser, e aprender a ser
homem significa levar adiante a capacidade de maravilhar-se, sendo esta a
capacidade de perguntar, propor respostas e de enriquecer o mundo com novas
considerações, porque, em primeiro lugar, a vida humana é singular por ser uma
aventura consciente. Ou seja, o caminhar é uma experiência básica do ser humano.
O caminho é variante no tempo e no espaço, mas é, ao mesmo tempo, uma
realidade a ser humanizada, quando escolhido por um homem. É o andar que faz de
uma estrada caminho.
O homem é um ser que internamente não se guia por instintos seguros, não
obstante deva ser capaz de ele mesmo determinar os seus atos. Para isso carece de
uma reflexão sobre si mesmo que lhe forneça um conhecimento de si, do que deve
ser e de como pode chegar à sua auto-realização. Já Aristóteles acreditava que a
admiração estava no início do próprio ato de filosofar. Para ele, os homens foram
levados a filosofar pela admiração, permanecendo primeiramente atônitos diante dos
problemas mais óbvios, e depois foram, pouco a pouco, progredindo até proporem-
se questões muito superiores. Logo, podemos dizer que da admiração surge a
indagação, e desta o homem é levado a contemplar tanto as perguntas mais simples
e corriqueiras quanto as mais complexas e prementes.
68
Ao perguntar-se, o homem descobre-se, da natureza, um ser cultural. É um
ser situado. É ser-no-mundo, e, nesse ser-no-mundo, está implícita a consciência de
conhecer e julgar o mundo, a mim mesmo e o resto do mundo. O homem, com
efeito, não só está no mundo, como as coisas estão num ambiente físico. Não só
vive no mundo como as plantas ou os animais vivem no seu ambiente biológico, mas
tem consciência de ser-no-mundo e poder refletir e julgar. O mundo do homem não é
ambiente fechado e limitado. Não é ambiente restrito a um habitat vital determinado.
Estende-se indefinidamente. Supera todo regionalismo. Expande-se à globalidade. E
a possibilidade de extensão infinita dá ao homem, na sua consciência, um valor
absoluto que apreende a totalidade do ser, dando-lhe, por conseguinte, a
capacidade de contrastar e contrabalançar a totalidade do ser com a contingência do
ser corporal no mundo.
Assim, se o homem, no plano horizontal do ser corporal, é finito e
contingente, mas, enquanto ser espiritual, ou seja, ser cultural, eleva-se sobre o
mundo e ultrapassa as barreiras e os limites do mundo biofísico. Em outras palavras,
a faculdade racional do homem de conhecer, julgar e falar revela nele uma nova
dimensão ontológica, capaz de o soerguer ontologicamente acima do horizonte do
mundo e pensar-se na totalidade do ser. Nesse sentido, para Oliveira, o homem: é o
único ser capaz de captar o princípio da natureza e de si mesmo e, enquanto tal,
transcende a natureza. Nesta transcendência, ele emerge como “ser do sentido”,
que não só situa tudo que encontra num contexto de significação, mas que age a
partir do sentido captado. Assim, ele é, no mundo, o único sujeito capaz de decisões
livres, portanto, portador de uma dignidade irrepetível, o que o faz responsável pela
própria natureza, não como dono dela, mas a serviço de todos os seres, sobretudo
da dignidade do homem. Neste sentido, pode-se dizer que a natureza é objeto de
deveres morais: ela deve ser respeitada, porque, também, ela é participação na
razão absoluta. Porém, se em tudo há valor, só o homem levanta a questão do valor
e, neste sentido, ele é, infinitamente, superior ao não-humano. O soerguimento
ontológico do homem não negligencia o processo histórico da correlação existente
entre natureza e cultura. (AUGUSTINHO, 2018)
Deve-se compreender tal correlação em sua dinâmica mais profunda. Ou
seja, por um lado, a vida do homem é uma vida de comunhão com a natureza e, por
consequência, a história deste homem corre junto com a história da natureza, no
69
entanto, por outro lado, em razão do homem transcender o espontaneamente dado,
e, através de um tratamento cultural que dá à própria natureza mediante sua
inteligência e criatividade, elabora um mundo que tem características inteiramente
suas. “A educação como atividade especificamente humana faz parte inerente da
vida sociocultural do indivíduo. Pela educação o indivíduo é integrado à cultura e à
sociedade existente, mas simultaneamente a educação possibilita a intervenção do
ser humano no processo de mudança social”.
A esse respeito, Morais afirma que há dois aspectos, em termos filosóficos, a
considerar de uma mesma realidade vital: a) que o resultado do desenvolvimento
histórico fixou a distinção entre coisas naturais e coisas culturais, não sendo artificial
ou inverídica, para o momento que vivemos, tal distinção; esta fixa uma separação
necessária entre o inintencional e o intencional, entre o âmbito da necessidade
cósmica e o das necessidades especificamente humanas; b) mas que o processo
histórico, que prossegue, aponta para uma profunda unidade nessa diversidade,
conquanto o triunfo do artificialismo no cotidiano e a percepção cada vez mais
problemática que o homem tem da sua relação com a natureza tornem difícil – a não
ser com bom uso do potencial humano de reflexão – ver clara a referida unidade.
Numa palavra, significa afirmar ser o homem um ser cultural situado. Ele vive
e se desenvolve numa determinada cultura, sendo esta, por conseguinte, a morada
do homem, mas, ao mesmo tempo, também, a moradora no homem. Isso significa
dizer que, por um lado, a cultura exerce um papel condicionador sobre o homem,
porém, por outro, enquanto moradora no ser, o homem, enquanto proprietário
imobiliário, pode criticá-la enquanto a cultura mora em sua casa. Numa palavra, o
homem enquanto ser de sentido busca encontrar sentido e valor em tudo o que
pensa e faz. É capaz, por conseguinte, de questionar e provocar continuamente com
sua reflexão a ciência, a ética, a cultura e toda a hierarquia de valores, uma vez que
nenhuma realidade tal como se apresenta abarca a totalidade das possibilidades.
Ajuda-nos uma vez mais a afirmação de Morais.

Não se subestime, entretanto, o peso condicionador da cultura. Ela é a


nossa morada; e toda morada condiciona de modo intenso o viver dos
moradores, bastando para isto que não confundamos o morar com o visitar
só em raros momentos (para dormir ou comer) cômodos de aluguel.
Todavia, todo ser humano é também morada da cultura e, não poucas
vezes, questiona a sua moradora e, se dela acaba por discordar em alguns
aspectos, tenta rearranjá-la ou no mínimo torná-la menos inaceitável, isto
mediante o senso crítico e a força da práxis. Quando um homem ou um
70
grupo humano não foge à sua condição de ser pensante, seu poder se
revela bem mais efetivo do que costumeiramente supomos.

A cultura designa, pois, a própria ação do sujeito humano sobre a natureza


humana, ou seja, corresponde ao que os gregos chamavam de paideia, ou seja,
educação. Esta cultura compreendida nos moldes da paideia clássica, preocupada
com a formação global e autenticamente humana do homem tem, sobretudo três
características básicas: a) é uma cultura aberta, não fechando o homem no âmbito
estreito de ideias e crenças. O homem culto é o homem de espírito aberto e livre que
sabe compreender as ideias e as crenças do próximo, embora não as aceite; b)
ancorada no passado, uma cultura viva está aberta para o futuro. Nesse sentido, o
homem culto não se desequilibra diante do novo, porque sabe considerar seu justo
valor; c) a cultura baseia-se na capacidade humana de realizar opções e abstrações
que permitam confrontos, avaliações de conjunto. A cultura exige ideias gerais que,
entretanto, são avaliadas criticamente em situações concretas. A cultura designa no
uso da linguagem atual, em primeira linha, o contexto de teoria e práxis, e práxis
entendida aqui tanto como agir e também como fazer.
Cultura é, então, o que o homem faz de si e de seu mundo, ou seja, o que
pensa e faz, sendo, por conseguinte, o significado básico de cultura
fundamentalmente a formação do homem, o seu melhoramento constante,
cultivados e efetivados no conjunto dos modos de viver e pensar. Assim sendo, uma
vez que o homem está situado numa cultura e esta é moradora no homem, urge
lançarmos um olhar crítico à cultura atual e analisarmos como nos situamos neste
momento da história. Segundo nos parece, temos três desafios que se apresentam
urgentes. Em primeiro lugar, temos o desafio tecnológico-ecológico. A técnica e a
ciência tornaram-se universais. Vive-se numa sociedade de trabalho que também se
universalizou. Vê-se a revolução da informática. A tecnologia está dando à atividade
de ação, pela primeira vez na história, um raio e alcance planetários. A técnica
permite a comunicação simultânea de todos os acontecimentos do planeta. Diante
disso, os homens se encontram diante do desafio de assumir, em escala mundial, o
dever da responsabilidade de suas ações. (AUGUSTINHO, 2018)
O dever de assumir a responsabilidade do agir humano. Porém, ante este
compromisso, vê-se crescer o desequilíbrio entre o poder de dominação técnica da
realidade e os critérios morais para ação universal. Assiste-se a um desequilíbrio
71
entre o homo faber e o homo sapiens. Vê-se um crescente desequilíbrio entre as
responsabilidades morais e as crescentes evoluções técnicas. O abismo crescente
entre valores e interesses, tanto a nível individual, familiar, político nacional e
internacional, mostra a imensa desproporção entre os limites das preocupações
individuais e a amplidão das consequências do agir humano.
À luz dessa problemática, pela primeira vez, nossa civilização coloca cada
ser humano, cada nação face à problemática comum. A partir disso, é urgente
necessidade de assumir o princípio da responsabilidade solidária, que assume a
forma de um princípio de autoridade, capaz de afrontar aos desafios emergentes e
de assegurar aos homens a capacidade de governar seus poderes. “Trata-se de
assumir a responsabilidade pelo futuro do homem”. Em segundo lugar, temos hoje o
denominado desafio da “biologização” da vida humana. A ciência alcançou e
conseguiu descobertas e avanços maravilhosos. No entanto, a vida humana não
pode ser vista de modo unidimensional, isto é, deve ser vista em todas as suas
direções e dimensões.
O verdadeiro avanço humano projeta a vida em suas diferentes dimensões.
Assim, a vida humana é mais do que simples objeto químico. A questão crucial que
se levanta é se há possibilidade de estabelecer uma via crítica em busca de uma
dimensão da vida humana que ultrapasse as concepções naturalistas que hoje são
desenvolvidas pelas biociências, uma vez que a ciência tem hoje condições de
decifrar completamente o mapa genético de cada ser humano. (AUGUSTINHO,
2018).
A decifração do mapa genético que levou ao estabelecimento do genoma
humano foi chamado de “descoberta do alfabeto da vida humana”. Como cientistas
podemos dizer que esse é um estágio interessante na descrição do objeto
bioquímico que possui uma tal complexidade que é capaz de ter características tais
que podemos chamar vida humana. Para o filósofo, essa objetivação do código
genético leva em consideração apenas a estrutura e o fluxo que mantém o
organismo vivo. O modo filosófico de pensar, contudo, leva-nos a perguntar se a
vida humana se reduz a essa estrutura e a esse movimento. Parece fora de dúvida
que a vida humana é mais que esses elementos próprios do objeto da bioquímica.
Em terceiro lugar, temos o desafio da globalização. Especialmente com a
queda do muro de Berlim, em 1989, houve uma aceleração da globalização da
72
economia. O mundo mudou radicalmente. Vive-se uma transformação social,
econômica e política que se faz acompanhada, sustentada e articulada por uma
grande transformação ético cultural. Essa mudança interveio como sinal de ruptura
com o mundo da assim denominada era industrial. Da Era Industrial passa-se à Era
do Acesso, sendo que, nesta, máquinas inteligentes, na forma de programas de
computador, da robótica, da biotecnologia, substituíram rapidamente a mão-de-obra
humana na agricultura, nas manufaturas e nos setores de serviços. Segundo a
lógica reinante do mundo globalizado, comandado pelas linhas mestras da
tecnologia, uma multidão de seres humanos encontra-se sem razão razoável para
viver neste mundo.
A ideologia de sustentação da economia do mercado é excludente e busca
eliminar quem não entra e consegue seguir seus parâmetros. Deve-se executar o
ofício de separar e eliminar o refugo, o que não presta e o que não conta. Tudo se
estrutura a partir do privilégio e do padrão de vida e consumo. Dessa lógica um dos
efeitos perversos da globalização pela via do mercado total é o mundo dos
excluídos. O mundo dos pobres, por sua vez, não é formado apenas por
empobrecidos, mas, também, e, sobretudo, por prescindíveis, isto é, por aqueles que
não contam. Com a concepção do consumo, uma economia de rapinagem está
destruindo a natureza, atentando contra a biodiversidade e ameaçando a vida, e as
novas tecnologias, cada vez mais, por sua vez, dispensam mão-de-obra, formando
um exército de mão-de-obra de reserva. Os perigos que ameaçam a humanidade
estão cada vez mais evidentes. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
A extinção completa do gênero humano é uma possibilidade. Ninguém
desconhece que o problema da viabilidade do planeta apresenta-se dramática. A
diminuição da camada de ozônio, o aquecimento pelo efeito estufa, o
empobrecimento dos solos e do meio ambiente, o problema da água e dos resíduos
industriais, o desmatamento, o esgotamento dos recursos naturais, a
superpopulação, o fosso econômico entre o hemisfério norte e o hemisfério sul, o
abismo entre pobres e ricos, a discriminação racial, o fundamentalismo, o terrorismo
e a instabilidade do mundo são fatores presentes à mente de todos. São aspectos
preocupantes. Não é possível ignorar tais problemas.
Tal situação exige de todos uma radical revisão dos quadros intelectuais, dos
posicionamentos e ações. O surgimento de tais problemas planetários leva a uma
73
reestruturação da compreensão do homem no mundo. Deve-se aprender a pensar
além dos nivelamentos regionais e nacionais. Vive-se num mundo, que, agora
sabemos, é complexo. As diversas partes do mundo estão ligadas por uma
interdependência radical. Por sua vez, a crise tem como característica principal ser
em nível planetário. Por isso, a virada para a qual queremos nos preparar, sabemos
não se restringirá à história local, e a um período da história determinado, mas, pelo
contrário, abarcará a civilização humana em seu conjunto.
Assim sendo, os quadros mentais habituais, os raciocínios corriqueiros devem
ser desestruturados. Eles devem passar por uma análise de revisão crítica. É um
processo, por assim dizer, de desconstrução e reconstrução. Para pensar o mundo,
em sua globalidade e complexidade, para tornar inteligível a problemática mundial,
precisamos abater as barreiras restritivas e fechadas, e tomar uma posição firme na
encruzilhada da nossa reflexão e ação. Uma grandiosa aventura do espírito humano
está não apenas começando, mas faz-se urgente. Urge, portanto, repensar a
sociedade que temos, e, sobretudo, a sociedade que somos e formamos, a fim de
promover a sociedade da vida. “Temos de promover a sociedade da vida, não da
morte. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
É tempo de cidadania efetiva. E cidadania é coparticipação social. É preciso
articular pessoas, congregar energias, reunir grupos, integrar vozes, somar
participantes para defender a vida”. À luz desse cenário que vislumbramos acima,
cabe-nos, agora, traçar alguns elementos imprescindíveis à educação no processo
da educação à cidadania. De início, gostaríamos de chamar a atenção para o
aspecto de que a educação não se dá de uma vez por todas. É um processo. É o
processo fascinante, sedutor e provocador de ensinar e aprender a pensar, a
pesquisar, a dialogar, a viver, a conviver e a responsabilizar-se. “A educação tem,
portanto, um fim determinado como conteúdo: a autonomia do indivíduo, que
abrange essencialmente a capacidade de responsabilizar-se”. A educação, por
conseguinte, quando vista como processo permanente de formação, coloca o
homem em processo contínuo de gênese para a humanidade livre e responsável. É
a educação, segundo Kant, que faz o homem tornar-se um verdadeiro homem. É a
capacidade de tornar-se adulto. Nessa perspectiva, a educação é uma arte, pois não
é uma disposição natural que se desenvolve por si mesma. Exige esforço e
dedicação permanente e contínua. “A educação, portanto, é o maior e o mais árduo
74
problema que pode ser proposto aos homens”. Em segundo lugar, gostaríamos de
chamar a atenção para o aspecto de que a educação não é tarefa exclusiva da
família. Não é, também, tarefa e período temporal e espacial correspondente à
frequência à escola ou à universidade.
E, tampouco, é tarefa única e exclusiva do Estado. É, outrossim, um
processo permanente e complementar. Superando a tendência, inclusive, na
educação da separação entre o âmbito privado e o âmbito público, ou seja, entre a
função da família e a função do Estado, devemos, talvez, ter em mente e olhar uma
vez mais para aquilo que Aristóteles chamava atenção aos atenienses. Cada um
deve sentir-se parte do todo. Devemos superar a tendência de uma sociedade
atomizada, ou seja, uma sociedade em que cada um é considerado como que uma
mônada autossuficiente imune aos problemas e desafios emergentes no mundo da
vida (Lebenswelt). Em outras palavras, cada um de nós deve sentir-se cidadão do
mundo.
Para Aristóteles: “o que é comum a todos deve ser aprendido em comum.
Não devemos pensar tampouco que qualquer cidadão pertence a si mesmo, mas
que todos pertencem à cidade, pois cada um é parte da cidade, e é natural que a
superintendência de cada parte deve ser exercida em harmonia com o todo”. Sentir-
se parte inerente e atuante na transformação do todo, isto é cidadão, é muito
importante para compreender o processo dialético da educação, envolvendo o nível
individual, o nível familiar e nível social e nível político, porque educar bem os
cidadãos, talvez, seja uma das únicas formas de aperfeiçoar e modificar o Estado.
(AUGUSTINHO, 2018).
A educação da criança inclui a introdução no mundo dos homens, começando
com a linguagem e seguindo com a transmissão de todo o código de crenças e
normas sociais, cuja apropriação permite que o indivíduo se torne membro da
sociedade mais ampla. O privado se abre para o público e incorpora-o como parte
integral do Ser da pessoa. Em outras palavras, o “cidadão” é um objetivo imanente
da educação, e assim parte da responsabilidade dos pais, não só por causa de uma
imposição do Estado. Por outro lado, assim como os pais educam os filhos “para o
Estado” (e para muitas outras coisas), o Estado assume para si a educação das
crianças. Na maioria das sociedades, a primeira fase da educação é confiada à
família, mas todas as demais são submetidas a supervisão, regulamentação e
75
assistência do Estado, de modo que pode haver algo como uma “política
educacional”. Ou seja, o Estado não quer apenas receber os cidadãos já formados,
quer participar da sua formação.
Por fim, queremos acenar, ainda que brevemente, para a importância e para o
papel fundamental da educação para a formação cidadã. Em outras palavras,
chamamos a atenção para a responsabilidade e para o compromisso inadiável de
cada um com o esclarecimento, a formação e a prática da cidadania. Esta nós a
entendemos como o conjunto de direitos e obrigações que cada cidadão tem,
enquanto presença no mundo, presença com os outros e presença para si, com a
sociedade na qual vive e com o Estado, e com a sobrevivência e com a continuidade
da vida de todo Planeta. Nesse sentido, devemos assumir com responsabilidade o
compromisso de uma educação para a cidadania que não seja só local, mas
universal, capaz de vencer as barreiras do “localismo provinciano”. Devemos
aprender que nada do que acontece pode nos ser alheio e indiferente.
(AUGUSTINHO, 2018).
Essa tarefa é responsabilidade de cada um, e, portanto, de todos, porque
ninguém pode realizar essa tarefa no lugar de outrem, tendo, por conseguinte, a
Escola, por sua vez, nessa perspectiva, uma função imprescindível. Cabe-lhe, entre
outras funções, ser formadora da inteligência, dispensadora da cultura, dar a cada
pessoa os saberes e os conceitos que lhe permitam chegar a uma palavra
responsável, a um discurso coerente, e a uma reflexão livre e aberta. Concluindo,
afirmamos que essa tarefa é inadiável e imprescindível a cada cidadão em particular,
mas também de todos em conjunto e das diversas instituições existentes,
especialmente, as educacionais, uma vez que, segundo Jonas: “Guardar intacto tal
patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação dos homens não é um
fim utópico, mas tampouco se trata de um fim tão humilde. Trata-se de assumir a
responsabilidade pelo futuro do homem”.

76
Fonte: www.visaooeste.com.br

12 RELAÇÕES ENTRE DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO NA OBRA DE PAULO


FREIRE

12.1 Democracia, Educação e as Relações na Humanização Humana

Iniciamos nossa reflexão ressaltando que na filosofia de Paulo Freire,


educação é, antes de qualquer coisa, um ato político, que para concretizar a
incessante e ininterrupta busca humana de “ser mais”, requer, necessariamente, a
instauração de um estado em que a participação, a comunicação e a autonomia
sejam os componentes permanentes e insolúveis da práxis humana. Na perspectiva
freiriana, a educação humanizadora somente se realiza com e na presença de uma
práxis verdadeiramente democrática. Essa constatação nos coloca diante destes
dois temas-chave de difícil conceituação. (AUGUSTINHO, 2018)

77
Democracia e Educação não são questões novas nem simples, pois desde a
antiguidade, são objetos de fortes e calorosos debates na cena política e social de
todos os tempos e sociedades. Ao longo dos milênios, em diferentes períodos
históricos, sociedades e atores/interpretes desenvolveram diferentes definições,
conceitos e aspectos sobre essas temáticas. Assim, para melhor compreendermos
as relações entre democracia e educação procuraremos abarcar no decorrer da
nossa trajetória breves resgates históricos acerca de um e de outro, distinguir
diferentes conceitos, abordagens e teorias. Para atender esses objetivos,
reportando-nos ao surgimento e trajetória da democracia, importa ressaltar que,
embora as primeiras reflexões dos filósofos gregos fossem distintas das práticas
modernas, estas ainda permeiam de forma imprescindível a vida política, assim
como a ética, que concentra parâmetros para a sua valoração, crítica e análise. A
democracia nasce na política ateniense, que concebia a polis como uma unidade
social e política organizada (território que abrangia áreas urbanas e rurais), em que a
população se dividia em três classes distintas: escravos (base da pirâmide
representativa das classes sociais e maior parcela populacional), os estrangeiros
residentes (metecos) e cidadãos.
A intensa vida cívica da Ágora ou do Campo de Marte, coração da cidade,
espaço da fala, da política e da liberdade da polis ateniense, adivinha das pessoas
livres de encargos, privilégio obtido pelo nascimento (LEISTER, 2006). Nos
primórdios da luta pela igualdade de status entre os homens (ser social), a
democracia frutifica da luta do proletariado urbano, liderado pela burguesia comercial
emergente, que visa à conquista do seu espaço político em Atenas, por meio da sua
efetiva participação nas guerras, movida por Atenas contra os seus adversários, que
fomentou o despertar de uma maior consciência política (SOUZA, 2002). Desde
então, a cidade se dividia claramente em duas. Os descontentes não mais se
limitavam ao sofrimento reprimido e ao apego místico. A submissão cedia lugar à
violência, nas lutas de classes. Uma luta horrenda e longa.
Desde o século VII até a conquista romana, muitas foram às revoluções e
contra-revoluções, morticínios, banimentos e confiscos. (GLOTZ, 1988). Ainda que
seus principais artífices fossem de origem aristocrática, a democracia emerge do
clamor e luta das classes inferiores, pautadas nos ideais de liberdade e de igualdade
de direitos. Princípios, os quais, mesmo que desvirtuadamente, ainda concentram o
78
cerne da democracia atual, compreendida como aquela em que o poder não se
concentra nas mãos de um só indivíduo ou de poucos, mas é detido por todos ou
pela maioria. Nesse regime, a soberania supostamente pertence ao povo, e todo
cidadão é titular do poder político. No caso brasileiro, a democracia que se aplica é a
representativa, cuja vontade do povo é expressa por seus representantes escolhidos
através de eleições. (DARNTON; DUHAMEL, 2001). Vale registrar que no texto
constitucional brasileiro, os princípios de liberdade e igualdade são preservados
como parte do ideário democrático nacional:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia [sic]


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob
a proteção de Deus (BRASIL, 1988, preâmbulo, grifos nossos).

Desta forma, buscando desmistificar ingênuas crenças acerca da democracia


como regime governamental, e também melhor entender as críticas freirianas ao que
ele chamou de democracia cínica, buscaremos distinguir brevemente democracia
como modelo político de democracia como construção social-histórica de
humanização. Rousseau (1712-1778), em “O Contrato Social”, afirma ser
inconveniente que quem redige as leis as execute, e também que o corpo do
governo desvie a sua atenção dos objetivos gerais para se concentrar nos objetivos
particulares, pois nada pode ser mais perigoso que a influência nos negócios
públicos pelos interesses privados.
A democracia a que ele se referia era a direta, em que não se instauram
instituições sociais e o desenvolvimento da ação responsável, individual, social e
política é resultado de um processo participativo, em que os cidadãos são
executores de leis que eles mesmos fazem. Um governo perfeito, aplicável somente
a deuses, se houvesse um povo de deuses, pois, entre os homens, apenas em
poucas e raras sociedades esse modelo político se faz possível, o que
evidentemente não é o caso da sociedade brasileira. Na versão contemporânea da
democracia participativa, em que se insere o Estado brasileiro, a democracia
compreende uma “[...] série de arranjos institucionais a nível nacional”, concretizada
unicamente pela competição pelos votos e as eleições livres e periódicas. Pelo

79
menos em tese, pelo sufrágio universal (única garantia de igualdade de oportunidade
e acesso aos mecanismos de controle sobre os líderes), através do voto, as pessoas
controlam os líderes e influenciam nas decisões destes (PATERMAN, 1992, p. 25).
No entanto, Schumpeter (apud PATERMAN, 1992) assevera que, na democracia
participativa, a participação do cidadão só ocorre para eleger o líder. O único
controle que o cidadão, geralmente, tem sobre os seus líderes é o de substituí-los
por líderes alternativos nas eleições. A participação não possui papel especial ou
central. Basta um número suficiente de cidadãos para manter a máquina eleitoral, os
arranjos institucionais funcionando satisfatoriamente, e um número reduzido de
líderes, ativos e decididos, para conter efetivas tentativas de controle do poder por
parte do povo.
A competição, de fato, é só entre os líderes pelos votos. Sendo assim, a
participação limitada e a apatia são positivas: amortecem o choque das
discordâncias, dos ajustes e das mudanças. A democracia para o povo se resume
ao direito de figurar como meros peões, manipuláveis e manipulados, no grande
tabuleiro da disputa do poder pelas classes dominantes. A garantia de igualdade e a
liberdade não passam de engodo. Quanto menos o povo se tornar crítico, mais fácil
é a aplicação de táticas e práticas alienantes. Nesses termos, é possível inferir que,
no caso brasileiro, a democracia participativa, na realidade fomenta o processo
ideológico alienante e intencional, arraigado desde os primórdios da nossa história.
Nesse contexto, a escola e a educação, sobretudo a pública, cada vez mais
universalizada, como se encontra formalmente estruturada, mantida e controlada
pela classe dominante, pelo e a serviço do capitalismo, atuam eficazmente na
manutenção e intensificação do status quo que divide a sociedade entre explorador-
explorado, opressor-oprimido. Daí podermos argumentar que a política e a educação
são esferas inextrincáveis, tanto que separá-las de forma ingênua astuta, não é
somente um ato irreal, mas perigoso (FREIRE, 2001a).

[...] a educação é sempre um ato político. Aqueles que tentar argumentar


em contrário, afirmando que o educador não pode ‘fazer política’, estão
defendendo uma certa política, a política da despolitização. [...] se a
educação, notadamente a brasileira, sempre ignorou a política, a política
nunca ignorou a educação. Não estamos politizando a educação. Ela
sempre foi política. Ela sempre esteve a serviço das classes dominantes [...]
(GADOTTI, 1983, p. 14).

Igualmente, não se pode refutar que:


80
[...] Não há um trabalhador de ensino, no Brasil ou em qualquer outra
sociedade, como algo abstrato, universal. O trabalhador do ensino,
enquanto tal é um político, independentemente de se é, ou não, consciente
disto. Daí que me pareça fundamental que todo trabalhador de ensino, todo
educador ou educadora tão rápido quanto possível, assuma a natureza
política de sua prática. Defina-se politicamente. Faça a sua opção e procure
ser coerente com ela (FREIRE, 2001b, p. 49).

Voltando nossas reflexões à questão da função ideológica da escola e as


relações de poder que permeia o seu contexto, ressaltamos que a educação no
Brasil, desde a sua gênese, constituiu-se como um processo organizado, ora pela
Igreja ora pelo Estado, com avanços e retrocessos, em prol da reprodução cultural e
formação das elites. Ao longo dos séculos, as políticas educacionais voltadas para o
povo (classes inferiores da sociedade) destinavam-se ao ensino dos “[...] rudimentos
do saber: ler, escrever e contar, de maneira que a escola para os pobres, mesmo em
se tratando de brancos e livres” (FARIA FILHO, 2000, p. 136), não deveria
ultrapassar tal aprendizado. Somente a elite tinha acesso à instrução secundária e
superior. Cenário em que professores e alunos, na medida em que executa cada
qual o seu papel, reproduzes as desigualdades sociais. Para Freire (1996, 14), esse
cenário retrata a “malvadez neoliberal” exercida pela sua ideologia fatalista e:

[...] imobilizante, que [...] insiste em convencer-nos de que nada podemos


contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar
‘quase natural’. Frases como a ‘realidade é assim mesmo, que podemos
fazer?’ ou ‘o desemprego no mundo é uma fatalidade do fim do século’
(FREIRE, 1996, p. 18).

Isso se concretiza porque a classe dominante sabe que é na escola que mora
“[...] o segredo da força mantenedora dos preconceitos patrióticos, das convenções
sociais, das superstições e dos dogmas religiosos". Por isso, o Estado e a Igreja
disputaram ferrenhamente, e ainda disputam, o controle da instrução do povo, tendo
ambos por objetivo a formação de mentalidades adaptadas aos seus interesses de
classe, pois é nas escolas, sobretudo nas mantidas pelo Estado “[...] que se
amoldam e se mutilam as consciências das classes populares”. Nelas, cultiva-se e
cultua-se a atrofia da razão e são incutidas nas “[...] crianças das classes
subalternas às mentiras patrióticas e religiosas” (PENTEADO apud CARRÃO, 1997,
p. 2).
Assim se cria a subordinação intelectual, conceito utilizado por Antônio
Gramsci (1891-1937), para mostrar sua visão da dimensão ideológica da dominação
81
de classe na sociedade capitalista, a dominação econômica, em que os Estados
usam seus aparelhos para manter as classes subalternas alienadas quanto aos
pensamentos ideológicos, crenças sedimentadas historicamente que compõem a
base de todos os atos, ações e condutas humanas, cuja ideia que se faz verdadeira
pelos eventos, mas que, não obstante, camufla e perpetua a ação autoritária,
desrespeitosa, injusta e solidifica, sobretudo, a desigualdade (CARRÃO, 1997).
Cabe registrar que o Estado brasileiro, pautado nos paradigmas da democracia e
tendo por base as teorias modernas da educação praticadas no exterior, divulgadas
a partir da década de 1980, reestruturou as suas políticas educacionais, implantando
o conceito de escola democrática, fundamentada no diálogo como reflexão para a
ação. A Lei n. 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases, traz em seu artigo 27, Inciso I, que
a educação básica se incumbirá da “[...] difusão de valores fundamentais ao
interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à
ordem democrática”; e, no artigo 35, Inciso III, prevê que o ensino médio deve se
incumbir do “[...] aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico”. (BRASIL, 1996). Não se pode negar que legalmente a educação brasileira
verdadeiramente atingiu conotação democrática.
Entretanto, ingênuo seria imaginar que somente porque a lei preconiza,
determina e impõe as coisas se efetivam. Não é bem assim que, de fato, as coisas
ocorrem em qualquer área, muito menos na educação. Não se arranca de uma hora
para outra, como passe de mágica, o que se arraigou ao longo de séculos. Freire
(1989) explica com muita clareza os precedentes históricos, sociais e econômicos
que culminaram no que ele denominou de “inexperiência democrática” e caracterizou
como mutismo, submissão, intransitividade, alienação. O Brasil nasceu e cresceu
sob forças fortemente predatórias: exploração econômica do dominador, que não
somente era senhor das terras, mas também das gentes. Ao colonizador interessava
apenas a extração das riquezas da nova colônia e nenhuma forma de criação de
uma civilização. Os poucos colonos que aqui fixaram residência não se interessaram
em integração.
A constituição de grandes propriedades separadas por muitas léguas
favoreceu o fechamento das comunidades em si próprias, sob a proteção dos todo
poderosos senhores e o desenvolvimento da cultura do mandonismo-dependência,
82
das soluções paternalistas da dominação e do mutismo nacional. Nessas
circunstâncias, a autoridade externa e dominadora encontrou abrigo. Sem condições
favoráveis não surgiram centros urbanos com classe média, lastro econômico
razoável, criados pelo povo e por ele governados. Não floresceu em nossa cultura o
senso de participação nos problemas comuns, a consciência criadora e livre, o
autogoverno e as “[...] disposições mentais flexíveis capazes de levar o homem”
(FREIRE, 2003, p. 68), a sobrepor os interesses privados pelos públicos e
desenvolver o senso de solidariedade social e política. A sabedoria democrática que
se forma quando uma sociedade se faz com as próprias mãos não se formou. Ao
contrário, cristalizaram-se o poder exacerbado e a submissão, que negou ao povo
brasileiro o experimento da criticidade, a participação na vida econômica e política
da colônia, as trocas de experiências. O homem pobre brasileiro desenvolveu um
“quase gosto masoquista” de se permanecer ajustado, acomodado e não integrado
(FREIRE, 1989, p. 74).
Daí a nossa falta de aspirações democráticas. Cristalizamo-nos como uma
sociedade escravocrata, sem povo, antidemocrática, dividida social e
economicamente entre uma minoria escandalosamente rica, autoritária e
exploradora, e uma maioria esmagadoramente miserável, submissa, ajustada e
acomodada ao assistencialismo e ao paternalismo, imperando o “carneirismo”: os
lobos que se acostumaram aos privilégios e carneiros se ajustaram/acomodaram por
falta de opção ou por estratégia de sobrevivência.
No contexto educacional as condições foram mais que propícias para a
atuação da escola tradicional, que “[...] mata o poder criador não só dos educandos,
mas também do educador” (FREIRE, 1983, p. 69), e ao matá-los, destrói toda e
qualquer possibilidade de desenvolvimento de democracia humanizadora, porque
deixa resquícios em professores e alunos por ela formados, os quais podem transitar
em todos os contextos sociais. Sobretudo nos cursos de pedagogia e de
licenciaturas, a atuação tradicional influencia fortemente a formação voltada para o
autoritarismo, para a mera transmissão do conhecimento, para o antidiálogo, para a
garantia de resultados, dificultando a fomentação da criticidade democrática. Assim,
a educação tradicional frutificou entre nós, porque a nossa sociedade não conseguiu
fomentar a sua própria democracia, a democracia que:

83
[...] é forma de vida, se caracteriza sobretudo por forte dose de
transitividade de consciência no comportamento do homem. Transitividade
que não nasce e nem se desenvolve a não ser de certas condições em que
o homem seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos
problemas comuns. Em que o homem participe (FREIRE, 1989, p. 80).

No pensamento freiriano, a democracia, antes de ser um método político, é


um estado humano de construção histórico-social, que se orienta na e para a
humanização por meio da educação e da política. Educação e política unidas, feitas
pelo meio do agir social, forjado no seio da consciência crítica. Trata-se de um
processo que não surge, não acontece, não é imposto, nem mesmo ocorreria por
uma suposta extinção do capitalista (FREIRE, 1999). A democracia é realizada pelo
próprio povo (FREIRE, 1989). Uma ação e conquista coletiva e conjunta, fruto do
respeito, do diálogo, do poder de tomada de decisão por todos que compartilham da
jornada da humanização do ser humano (biológico), como resultado da sua vocação
para ser homem (ser social). “Um ser finito, limitado, inconcluso, mas consciente de
sua inconclusão. Por isso, um ser ininterruptamente em busca, naturalmente em
processo” (FREIRE, 2001a, p.18). Por isso, a democracia não corrobora com a
democracia cínica concebida pelo modelo liberal-conservador:

[...] uma democracia que aprofunda as desigualdades, puramente


convencional, que fortifica o poder dos poderosos, que assiste de braços
cruzados à aviltação e ao destrato dos humildes e que acalenta a
impunidade. [...] uma democracia cujo sonho de Estado, dito liberal, é o
Estado que maximiza a liberdade dos fortes para acumular capital em face
da pobreza e às vezes da miséria das maiorias. [...] democracia puramente
formal que lava as mãos em face das relações entre quem pode e quem
não pode porque já foi dito que ‘todos são iguais perante a lei’. [...] Lavar as
mãos a diante das relações entre poderosos e os desprotegidos do poder só
porque já foi dito que ‘todos são iguais perante a lei’ é reforçar o poder dos
poderosos. [...] democracia fundada na ética do mercado que, malvada e só
se deixando excitar pelo lucro, inviabiliza a própria democracia (FREIRE,
2000, p. 24).

A democracia cínica, admitida pelos discursos puramente liberais é um


embuste. Por um lado, sustenta uma ideologia na qual os princípios de igualdade,
liberdade, autonomia existem no campo supra-estrutural. É uma fantasia, um sonho,
uma farsa, que tem por objetivo envolver alienar e massificar de tal forma as classes
dominadas. Uma artimanha ideológica cruel, que não somente predispõe os menos
afortunados ao fracasso, mas ainda faz com que recaiam sobre esses a
responsabilidade pelas suas situações:

84
[...] ideologias de acordo com a qual a responsabilidade dos fracassos e
insucessos que elas mesmas criam pertence aos fracassados enquanto
indivíduos e não às estruturas ou à maneira como funciona essas
sociedades. Se os garotos negros não aprendem bem o inglês a culpa é
deles, de sua incompetência ‘genética’ e não da discriminação a que são
submetidos, da raça e de classe, e não do elitismo autoritário com que se
pretende impor o ‘padrão culto’ [...] É o mesmo que acontece no Brasil, os
meninos e meninas dos morros e córregos não aprendem porque são, de
“nascença”, incompetentes (FREIRE, 1992, p. 80).

Daí a relevância da educação bancária para a democracia cínica. Ela atende


perfeitamente aos interesses das classes dominantes que controlam o modelo
político governamental, mantendo e perpetuando a sua supremacia, pois, faz-se “[...]
desvinculada da vida, centrada na palavra, em que é altamente rica, mas não a
palavra ‘milagrosamente’ esvaziada da realidade que deveria representar, pobre em
experiência do fazer” (FREIRE, 2003, p. 87), pautada pelo fazer comunicados, na
resposta pronta.
O paradigma tradicional de educação, nas reflexões freirianas, reflete a
sociedade opressora, preconiza uma cultura pautada no silêncio, trabalha a favor da
manutenção da ignorância, garante o sucesso da submissão, da formação do
homem-objeto e dicotimiza os atores de seus papeis. O educador educa, sabe,
pensa, diz, disciplina, opta e prescreve a sua ação, escolhe e determina os
conteúdos, detém a autoridade, compreende o centro (sujeito) do processo. O aluno
é educado, não sabe, não pensa, é pensado, escuta docilmente, é disciplinado,
segue a prescrição dos conteúdos, pensa que atua, jamais é ouvido e se acomoda,
subordina-se à autoridade, resume-se a mero objeto do processo (FREIRE, 1987).
Paulo Freire (1983) afirma que, nesse modelo de educação, o indivíduo não é
formado para a criticidade, mas para permanecer no estado de consciência ingênua,
que confere ao indivíduo característica simplista na interpretação dos problemas e
da realidade e a conclusões apressadas e superficiais, mantendo-o alienado:
inseguro, frustrado e conformado, nostálgico, descomprometido e antidialógico,
saudosista, com tendência a achar que o passado era melhor, sugestionado a
aceitar massificações, como quem sofre uma lavagem cerebral, submetendo-se ao
imposto pelo opressor ou, utilizando um termo mais atual: pela mídia, como certo e
absoluto.
Nesse estado, subestima-se o outro, é inflexível, considera seu conhecimento
como absoluto, mas discute com argumentações frágeis; argumenta mais com
85
emocionalidade do que com criticidade; impõe suas verdades; mostra-se passional,
fanático ou sectário, percebe a realidade como estática e imutável. Fomenta a
percepção ingênua da realidade, distorcida, em que as pessoas são percebidas
como ‘coisas’ e os sujeitos como ‘objetos’, em que os agentes não trabalham com,
mas contra, e as mudanças são vistas como ameaças. Tendemos a supor que um
dos maiores males desse paradigma possa ser o favorecimento e/ou instigamento
da separação do contexto escolar em dois mundos: o dos mestres e o dos alunos, e
a convivência inóspita entre ambos, os quais se indulgenciam ao invés de se
compreenderem e se ajudarem.
O ambiente escolar é palco permanente de um eterno jogo de interesses que
não favorece a nenhuma das partes, muito menos propicia a formação do caráter
democrático. Por um lado, os mestres insistindo em reproduzir o que aprenderam e
o que está arraigado na sua essência de homem-objeto, submisso: ajustado,
acomodado e não integrado (FREIRE, 1989). Por outro, os alunos que, diante dessa
nova realidade que propicia certo grau de liberdade, não aceitam mais passivamente
a imposição dos paradigmas da educação colonial, e, consciente ou
inconscientemente, colocam-se contrários a castração da sua criatividade e
criticidade, lutando, seja de forma clara e concisa ou por meio da rebeldia pelo seu
direito à integração livre e criadora no processo educacional, do qual se sabem
protagonistas, mas não se sente por terem sua verdadeira participação coibida.
Fruto também da educação tradicional é o antagonismo: real-ideal no ambiente
escolar. Enquanto o real coabita e é comandado pelos resquícios da educação
tradicional autoritária, repressora e burocratizadora, que impossibilita a tomada de
consciência da historicidade e temporalidade dos conhecimentos e da realidade
atual, o ideal forjado pelos mecanismos de comunicação (mídia), a serviço do
sistema capitalista opressor, reduz a realidade ao nível de pensamento, da
imaginação, da ilusão.
O que nos parece é que acabamos por viver, sob o ideário de uma
democracia humanista, como massa inautenticamente, que ilusoriamente se sente
autônoma, livre e participante, quando, na realidade, somente produz e reproduz o
eterno ciclo vicioso de produção-consumo, para atender aos interesses do sistema
opressor. É importante frisar que o ser alienado pretende imitar o outro e não ser ele
mesmo no seu processo histórico. Na realidade ele quer ser aquele que lhe é
86
imposto ou mostrado como o modelo ideal, quer reproduzir o existir do personagem
da novela, do jogador de futebol, dos ídolos que o sistema capitalista-opressor lhe
apresenta sem ter consciência do seu próprio existir e do seu próprio ser. Ele “não
olha para a realidade com critério pessoal, mas com olhos alheios. Por isso, vive
uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva” (FREIRE, 1983, p.
35). Não vive o seu próprio viver.
Vive através de outrem, geralmente um parasita. Age compelido pelo desejo
do outro a quem admira e em quem se espelha e incorpora os valores desse outro
como sendo os seus. Seu pensamento não se compromete consigo mesmo, não é
responsável. Como o ser alienado, a sociedade brasileira desde o início vive sob a
tutela de interesses não genuínos, e a escola sob a idealização de autônoma e
democrática e da formação moldada por esses paradigmas, parece se confirmar
como palco de inúmeras deficiências/dificuldades físicas e pedagógicas, que
corroboram no estímulo e incentivo, para não dizer imposição, da reprodução da
“consciência hospedeira da opressão”, ao invés da razão e consciência democrática.
Frise-se o termo real, porque, em termos de ideal isto até ocorre:

A escola primária, a escola média e a própria universidade, marcadas, todas


elas, de uma ostensiva ‘inexperiência democrática’, vêm dinamizando um
agir educativo quase inteiramente ‘florido’ e sem consonância com a
realidade (FREIRE, 2003, p. 47, grifos nossos).

Entretanto, se essa realidade se mostra tão forte e tão implacável; se a


realidade converge para a idealização e não realização de educação democrática é
porque, nós, professorado somos frutos, ou pelo menos reflexo, da nossa expressiva
inexperiência democrática. Não queremos com isto justificar nem sermos
condizentes com a acomodação. Nossa intenção é desvelar os fatos que favorecem
reflexões avaliativas acerca da realidade, fundamental para o entendimento da
mesma, sobretudo quando se busca subsídios que favoreçam a sua desconstrução.
Assim, encerramos nossa jornada registrando que, para Freire (2000, p. 80),
democracia autêntica é aquela em:

[...] que o Estado, recusando posições licenciosas ou autoritárias e


respeitando realmente a liberdade dos cidadãos, não abdica de seu papel
regulador das relações sociais. Intervém, portanto, democraticamente,
enquanto responsável pelo desenvolvimento da solidariedade social.

87
E, que, no pensamento freiriano, democracia é aquela que propicia e gera
uma forma de vida e convivência interpessoal, em que se configuram relações
intersubjetivas que constituem as práticas políticas e pedagógicas (estruturas da
organização social e política), e recusa os atos de intolerância e de negação da
alteridade e da diversidade, de autoritarismo e totalitarismo que nega a liberdade.
Assim como, também recusa as “práticas paternalistas e assistencialistas que
impõem ao ser humano o mutismo, a domesticação e a passividade” (GARCIA,
2005, p. 85).
A construção da democracia necessita que homens e mulheres possuam:

[...] considerável experiência e conhecimento da coisa pública [...].


Necessitam, igualmente de certas instituições que lhes permitam participar
da construção da sociedade. Necessitam, contudo de algo que mais do que
isto, necessitam de uma específica disposição mental [...], isto é, de certas
experiências, atitudes, preconceitos e crenças, compartilhados por todos ou
por uma grande maioria (BARBU apud FREIRE, 1989, p. 81).

Necessita, pois, que homens e mulheres aprendam a ser capazes de


solucionar seus próprios problemas sociais. Para tanto, é preciso que tais
capacidades e tal desenvolvimento ocorram na e com a participação ativa e livre da
vida democrática. Por isso, a educação na e para a vida democrática deve capacitar
as pessoas a solucionar problemas com uso do instrumento da inteligência e da
cooperação, e não na memorização de conteúdos ou verdades fixas. Daí a
inseparabilidade da democracia da educação e ambas do pensar a experiência
conflituosa da existência histórica e social. Inferimos com Freire que somente a
educação progressista, problematizadora e dialógica pode estabelecer a educação
verdadeiramente democrática, capaz de concretizar a vocação ontológica humana
de “ser mais” (FREIRE, 1989, p. 80).

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