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302 HISTÓRIA

MOVIMENTOS SOCIAIS NA PRIMEIRA REPÚBLICA


Durante a Primeira República, organizou-se uma série de movimentos sociais que refletiam a frustração de
grande parte da sociedade com a política implementada pelas elites brasileiras. Por meio desses movimentos,
camponeses, operários, marinheiros e pobres em geral expressavam suas reivindicações, normalmente
associadas às precárias condições de vida e de trabalho.
MOVIMENTOS RURAIS
Nas três primeiras décadas da república, o Brasil era um país tipicamente agrário. Calcula-se que cerca de
70% da população habitava o campo nesse período. A maioria dos trabalhadores rurais não era proprietária
da terra ou vivia da pequena lavoura de subsistência, sem acesso à assistência médica e à educação. Esse
cenário desfavorável contribuiu de forma significativa para a eclosão de agitações sociais na zona rural.

Antônio Conselheiro e os sertanejos de Canudos


O beato Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como Antônio Conselheiro, nasceu em
Quixeramobim, no Ceará, em 1830. Conselheiro foi comerciante, caixeiro e escrivão. Abandonado pela
esposa, decidiu sair pelo sertão como pregador. Em meados de 1874, já caminhava pelo interior
acompanhado de alguns fiéis e, nos dez anos seguintes, percorreu os sertões do Ceará, Pernambuco, Sergipe
e Bahia construindo e reformando capelas, igrejas e cemitérios. Em 1893, Conselheiro e seus seguidores
fixaram-se nos arredores da Fazenda Canudos, próxima ao Rio Vaza-Barris, no interior da Bahia. Nesse
lugar, fundaram o arraial de Belo Monte. Formado por casas construídas em regime de mutirão, em que os
moradores dividiam os frutos do trabalho na terra e amparavam idosos e doentes, o povoado atraiu muita
gente. Estima-se que a população do núcleo chegou a atingir 30 mil pessoas. Movidas por forte misticismo,
essas pessoas acreditavam que Conselheiro era um enviado divino que lhes traria paz, fartura e felicidade. A
comunidade de Canudos praticava a agricultura, o artesanato e a criação de animais. O excedente da
produção era vendido nos municípios vizinhos. No arraial havia duas escolas, lojas, oficinas e diversas
moradias. A administração era da competência de Conselheiro e de doze chefes, que cuidavam das finanças,
das construções, dos registros de nascimento, entre outras atividades. Não havia polícia nem impostos.

Guerra de Canudos (1896-1897)


Aos olhos dos fazendeiros, do governo e do clero, a comunidade de Canudos era uma ameaça. Os
fazendeiros temiam perder mão de obra, o governo não aceitava a autonomia de Canudos e a Igreja
ressentia-se da liderança espiritual de Conselheiro. Assim, entre 1896 e 1897, quatro expedições foram
organizadas pelos governos estadual e federal e enviadas à região para prender Antônio Conselheiro e
dissolver a comunidade de Canudos. As três primeiras tentativas falharam, pois os sertanejos mostraram
grande resistência e habilidade militar, debelando as tropas com ataques inesperados. A repercussão da
terceira derrota foi enorme, e não tardou para que imprensa e políticos atribuíssem a Antônio Conselheiro a
intenção de restaurar a monarquia, representando uma ameaça de fato à república. Foi nesse clima de franca
hostilidade que, em 1897, o Governo Federal organizou uma nova expedição para destruir o arraial. Cerca
de 7 mil soldados com 18 canhões investiram contra Canudos. Os combates iniciaram-se em junho, e, em
outubro, quando ocorreu a ofensiva final contra Canudos, praticamente toda a população local havia sido
exterminada. Os poucos sobreviventes foram feitos prisioneiros. Em 1897, o engenheiro e escritor Euclides
da Cunha foi enviado à região pelo jornal O Estado de S.Paulo para cobrir os acontecimentos na região.
Com base nessa experiência, ele escreveu a obra Os sertões, publicada em 1902. Leia, a seguir, uma parte da
descrição do povoado feita pelo autor: “O arraial crescia vertiginosamente, coalhando as colinas. A edificação
rudimentar permitia à multidão sem lares fazer até doze casas por dia [...]. O povoado novo surgia, dentro de
algumas semanas, já feito ruínas. Nascia velho. Visto de longe, [...] tinha o aspecto perfeito de uma cidade cujo solo
houvesse sido sacudido e brutalmente dobrado por um terremoto. Não se distinguiam as ruas. Ora, por estas veredas,
[...] chegavam sucessivas caravanas de fiéis. Vinham de todos os pontos, carregando os haveres todos; e, transpondo
as últimas voltas do caminho, quando divisavam o campanário humilde da antiga capela, caíam genuflexos sobre o
chão aspérrimo. [...] Nada queriam desta vida. Por isto a propriedade tornou-se-lhes uma forma exagerada de
coletivismo [...]: apropriação pessoal apenas de objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das
pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota-parte, revertendo o
resto para a companhia. Os recém-vindos entregavam ao Conselheiro noventa e nove por cento do que traziam,
incluindo os santos destinados ao santuário comum. Reputavam-se felizes com a migalha restante.” CUNHA, Euclides
da. Os sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Ateliê Editorial/Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do Estado, 2001. p. 291-
299. (Coleção Clássicos comentados I)
GUERRA DO CONTESTADO (1912-1916)
Localizada entre Santa Catarina e Paraná, a região do Contestado, no início da república, abrigava uma vasta
floresta de araucárias e campos naturais, além de extensa plantação de erva-mate. A região, disputada pelos
dois estados, passou a atrair a atenção de fazendeiros, especuladores e companhias madeireiras, interessados
em aumentar suas propriedades e em explorar madeira. Com isso, os posseiros locais passaram a ser
expulsos das terras. A situação agravou-se com a construção de um trecho da Estrada de Ferro São Paulo-
Rio Grande do Sul. No final da obra, grande parte dos trabalhadores contratados pretendia permanecer na
região. Contudo, os especuladores e as companhias madeireiras exigiram a saída imediata deles, impedindo-
os de ocupar os trechos próximos à ferrovia. O aumento do número de trabalhadores sem terra criou um
clima propício a agitações e conflitos. Foi nesse contexto que se destacou a figura de Miguel Lucena
Boaventura, ex-soldado do Exército que se fazia chamar de “monge” José Maria. Beato e curandeiro, José
Maria fundou, no centro-sul de Santa Catarina, uma comunidade religiosa semelhante a Canudos, à qual deu
o nome de Monarquia Celeste. Nela, ele ajudava os caboclos, pregava uma sociedade igualitária e resistia
contra aqueles que pretendiam expulsar a população local. Com medo de que a comunidade se fortalecesse e
uma revolta como a de Canudos explodisse, o governo local decidiu atacar o povoado. Os primeiros choques
armados entre a milícia celeste dos caboclos e a força enviada pelo governo – formada por jagunços
contratados por empresas, policiais e soldados do Exército – ocorreram em 1912. A irmandade cabocla
resistiu até 1916, quando o general Setembrino de Carvalho, à frente de 7 mil soldados e com o apoio da
artilharia e da aviação, forçou os sobreviventes a se renderem.

CANGAÇO
O movimento conhecido como cangaço teve início no final do século XIX, no sertão nordestino,
estendendo-se até meados da década de 1940. Os cangaceiros integravam grupos armados que sobreviviam
por meio de saques e pilhagens. Os primeiros bandos de cangaceiros eram contratados por coronéis para
defender seus interesses. Agiam muitas vezes em conflitos que envolviam brigas entre famílias ou entre as
oligarquias locais. No final do século XIX, formaram-se os bandos de cangaceiros independentes, que não se
subordinavam a chefes locais. Eles eram perseguidos pelas “patrulhas volantes” das polícias estaduais, que
agiam com brutalidade. O bando mais conhecido foi o de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Ele, sua
companheira, Maria Bonita, e outros cangaceiros morreram numa emboscada em 1938, no interior de
Sergipe. O cangaço perdeu força na década seguinte, quando o Governo Federal organizou a repressão com
mais eficiência. Além disso, o crescimento das indústrias no Sudeste passou a atrair os sertanejos, que foram
para a região, deixando de ver no cangaço um meio de sobrevivência. Alguns historiadores acreditam que o
cangaço foi uma forma de resistência diante dos problemas sociais e políticos existentes no sertão
nordestino, como a fome, a seca e o poder dos coronéis. Para outros, porém, os cangaceiros eram criminosos
e não se preocupavam em transformar a realidade local.

ATIVIDADE
A partir do texto sobre movimentos sociais rurais, produza uma charge representando cada movimento
exposto.

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