Você está na página 1de 61

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4

2 ANTROPOLOGIA ....................................................................................... 5

2.1 A constituição do conhecimento antropológico .................................. 10

2.2 A importância da antropologia ............................................................ 14

2.3 A antropologia dentro do campo das ciências sociais ........................ 17

2.4 Métodos científicos da antropologia ................................................... 18

2.5 Técnicas de pesquisa da antropologia ............................................... 19

2.6 Filosofia e antropologia filosófica ....................................................... 22

2.7 Legado da filosofia e da antropologia filosófica para as ciências


humanas e sociais ................................................................................................. 26

2.8 A resposta da filosofia ........................................................................ 28

3 OBJETO DE ESTUDO .............................................................................. 30

3.1 Objetivo da antropologia..................................................................... 33

3.2 Divisões e campo da antropologia ..................................................... 33

3.3 Antropologia física .............................................................................. 33

3.4 Antropologia cultural ........................................................................... 34

3.5 Arqueologia ........................................................................................ 35

3.6 Etnografia ........................................................................................... 35

3.7 Conhecer a trajetória da antropologia como campo de ideias


disciplinares ........................................................................................................... 37

3.8 Etnologia ............................................................................................ 39

3.9 Linguística .......................................................................................... 40

3.10 Folclore ........................................................................................... 40

3.11 Antropologia social .......................................................................... 41

3.12 Cultura e personalidade .................................................................. 41

4 CONCEITUANDO O HOMEM .................................................................. 42


2
4.1 O homem e o ambiente ...................................................................... 44

4.2 O interno e o externo no homem de acordo com crítica de Michel e


Foucault dentro da antropologia ............................................................................ 48

4.3 O lugar do conhecimento de si ........................................................... 53

5 A PSICOLOGIA E A ANTROPOLOGIA .................................................... 58

6 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 60

3
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

4
2 ANTROPOLOGIA

Fonte: brasilcultura.com.br

De acordo com ANDRADE et al., (2010), etimologicamente falando, o termo


antropologia (anthropos, homem; logo, pesquisa) refere-se ao estudo dos seres
humanos, o homem em si. Ela é a ciência humana, que envolve a compreensão
científica de todo o conhecimento humano, ou seja, o homem em sua totalidade, o
que lhe confere um tríplice aspecto:
 Ciência Social: propõe conhecer o homem enquanto elemento
integrante de grupos organizados.
 Ciência Humana: volta –se especificamente para o homem como um
todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem
etc.
 Ciência Natural: interessa – se pelo conhecimento psicossomático do
homem e sua evolução, conforme ANDRADE et al., (2010).

5
Portanto, está relacionado às chamadas ciências biológicas e culturais, a
primeira é para a existência física e a segunda é para a existência cultural. Hoebel e
Frost (1981:3 apud ANDRADE et al., 2010) definem a antropologia como “ a ciência
da humanidade e da cultura. Como tal, é uma ciência superior social e
comportamental, e mais, na sua relação com as artes e no empenho do antropólogo
de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos, é também uma
disciplina humanística”.
A antropologia tem uma dimensão biológica, enquanto antropologia física uma
dimensão sociocultural, enquanto antropologia social e/ ou antropologia cultural uma
dimensão filosófica, enquanto antropologia filosófica, ou seja, quando se empenha em
responder a indagação: o que é homem? Apesar da diversidade dos seus campos de
interesse, constitui-se em uma ciência polarizadora, que necessita da colaboração de
outras áreas do saber, mas conversa com sua unidade, uma vez que seu foco de
interesse é o homem e a cultura, conforme ANDRADE et al., (2010).
Pode- se afirmar que há pouco mais de cem anos a antropologia conquistou
seu lugar entre as ciências. Primeiramente, foi considerada como a história natural
física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Se, por um lado,
essa concepção vinha satisfazer ao significado literal da palavra, por outro restringia
o seu tempo de estudo as características humanas físicas, conforme ANDRADE et al.,
(2010).
Essa postura marcou e limitou os estudos antropológicos por muito tempo,
privilegiando a antropometria, ciência que trata das mensurações do homem fóssil e
do ser vivo. A antropologia visa ao conhecimento completo do homem, o que torna
suas expectativas muito mais abrangentes. Dessa forma, uma conceituação mais
ampla a define como a ciência que estuda o homem, suas produções e seu
comportamento. O seu interesse está no homem como um todo, ser biológico e ser
cultural, preocupando – se em revelar os fatos da natureza e da cultura, conforme
ANDRADE et al., (2010).
Tenta compreender a existência humana em todos os seus aspectos, no
espaço e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica. Busca também a
compreensão das manifestações culturais, do comportamento e da vida social,
conforme ANDRADE et al., (2010).

6
Esta ciência foi formada a partir de diversas origens, estudos e fundamentos,
documentados numa história de evoluções de ideias que levaram aos aspectos
conclusivos de hoje. Laraia nos fala sobre a diversidade de pensadores que proveram
os elementos necessários à ciência antropológica como Confúcio ao afirmar que “a
natureza dos homens é a mesma, são seus hábitos que os mantém separados. A
partir desta ideia fundamental da antropologia muitos levantaram uma pergunta
iniciadora no assunto: porque homens semelhantes em contextos semelhantes geram
culturas tão distintas? Conforme LIDÓRIO A; 2009.

Franz Boas descreve as narrativas de Heródoto (484-424 a.C; apud LIDÓRIO


A; 2009) aos gregos, a respeito do que havia visto em diferentes terras
citando, em uma de suas observações, que os Lícios possuíam “um costume
único pelo qual diferem de todas as outras nações. Tomam o nome da mãe
e não do pai. ” Este tipo de constatação veio a formar a categoria hoje
conhecida como estrutura de parentesco matrilinear.

José de Anchieta (1534-1597 apud LIDÓRIO A; 2009) observou a estrutura de


parentesco patrilinear entre os Tupinambás escrevendo que “porque têm para si que
o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pais, que são agentes; e que as mães
não são mais que uns sacos, em respeito aos dos pais, em que se criam as crianças,
e por esta causa os filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e contrárias
cativas, são sempre livres e tão estimados como os outros”.
Geertz discorre sobre diversos outros pesquisadores que contribuíram com
esboços daquilo que formaria o atual pensamento antropológico como Khaldun, no
século XIV, que elaborou a tese de que os habitantes de terras quentes são mais
passionais que os de climas frios, Conforme LIDÓRIO A; 2009.
Ou ainda Locke que pesquisou o conceito das ideias a partir das distinções
geográficas. No século XVIII Rousseau, Schiller e Herder tentaram construir um
esboço da história da humanidade a partir dos relatos de diversas viagens, de Marco
Polo a Cook, conforme LIDÓRIO A; 2009.
Todos estes exemplos demonstram métodos antropológicos de observação e
interpretação das raízes e valores culturais em diferentes contextos humanos.
Portanto, Antropologia poderia ser introdutoriamente conceituada como “o resultado
da aglutinação histórica de impressões, fatos e ideias sobre a identidade do homem
disperso em seus diferentes ajuntamentos sociais”, conforme LIDÓRIO A; 2009.

7
A ideologia antropológica, entretanto, sofreria forte impacto acadêmico do
evolucionismo de Darwin (denominado na época de método comparativo),
representado principalmente por Tylor. A principal oposição é encontrada
exatamente nas claras ideias de Franz Boas (1858- 1949 LIDÓRIO A; 2009).
Este método comparativo defendia que o homem é o resultado do seu
ambiente.

Para melhor entendermos tomemos como exemplo o povo Ewe no centro de


Gana, África ocidental. Sua língua utilizou quatro vocábulos diferentes para designar
o conceito de rio, porque habitam numa área fluvial que depende de uma
compreensão melhor da evolução desta ideia, enquanto os Konkombas, que não
transitam nos rios mas partilham o mesmo território, utilizam apenas um vocábulo para
conceituar rio. Assim, segundo esta teoria, o ambiente define a cultura e define o
homem levando-o a desenvolver língua, hábitos e formas de agrupamento a partir do
contexto, conforme LIDÓRIO A; 2009.
Boas interfere e nos propõe que a cultura humana não é apenas o resultado do
ambiente, mas sim o resultado das ideias. Revolucionando a Antropologia da época,
Boas fez escola ao mesmo tempo em que chamou a atenção para uma dualidade que
tem como primeiro elemento o reconhecimento do que o ambiente pode produzir no
indivíduo. Desta forma o ambiente seria de fato determinante em alguns aspectos da
formação cultural do indivíduo, conforme LIDÓRIO A; 2009.
Tomemos, como exemplo, um bebê recém-nascido, com três meses de idade,
tendo nascido em uma família Tukano do Alto Rio Negro. Por algum motivo esta
criança é levada para ser criada por uma família Italiana de Milão. Aos 15 anos de
idade este adolescente, senão pelo aspecto físico, será um puro Italiano linguística e
culturalmente. Enfrentaria todas as limitações como qualquer Italiano se necessário
fosse se aculturar no universo Tukano, aprender sua língua, entender sua
cosmovisão, adaptar-se ao clima, organização social e tudo o mais. A determinação
do ambiente de fato é relevante e prioritária na formação direta do indivíduo em termos
de identidade étnica e cultural, conforme LIDÓRIO A; 2009.
Mas Boas acrescenta um segundo elemento, para compor sua dualidade.
Apesar do determinismo geográfico ter seu fundamento bem embasado, há elementos
que constroem a cultura em um determinado grupo que independe de sua
regionalidade. A comprovação mais conclusiva, observada por Boas, foi o
desenvolvimento dos Esquimós (Inuit) em uma mesma região dividida politicamente
entre o Canadá e os Estados Unidos das Américas, conforme LIDÓRIO A; 2009.

8
As escolhas culturais do agrupamento foram extremamente distintas gerando
grupos também distintos apesar de compartilharem a mesma história, região e
ancestralidade. Falam hoje dialetos distintos e possuem costumes paradoxais mesmo
vivendo tão próximos. Portanto a cultura é um elemento muito mais dinâmico do que
se poderia esperar, e desta forma mais complexo ao ser analisado de forma linear,
conforme LIDÓRIO A; 2009.
A Antropologia, inicialmente, era tratada apenas como uma área de estudo
dentro da História e da Filosofia. Com o descobrimento das complexidades culturais
a humanidade viu-se diante da gritante necessidade de uma área específica e
subdividida a ponto de cobrir algumas fontes de perguntas sociais. Surgiu o Estudo
do homem, conforme LIDÓRIO A; 2009.
Um dos fatos que despertou atenções ao redor do mundo no século XVI foi a
inconcebível possibilidade de que fatos análogos possam estar desassociados em sua
origem. Com as viagens e descobertas de novos mundos e povos os relatos
rapidamente chegaram à Europa conduzindo uma série de questionamentos a
respeito de respostas que antes eram tidas como certas. Percebeu-se, por exemplo,
que o garfo foi usado primeiramente em Fiji e tempos depois inventado na Europa
sem que houvesse entre estes lugares qualquer transmissão de conhecimento,
conforme LIDÓRIO A; 2009.
Os tesouros artísticos que chegavam do chamado novo mundo ocidental
possuíam tremenda semelhança com os relatados por Marco Polo no mundo oriental.
O golpe final foi dado através dos relatos de grupos isolados por gerações na Polinésia
os quais, desenvolveram artifícios de bronze e arpões de pesca quase idênticos aos
utilizados na Roma de dois milênios atrás sem que houvesse possibilidade de
transmissão histórica de conhecimento. É claro, portanto, a conclusão de que
necessidades comuns geram invenções e respostas análogas, conforme LIDÓRIO A;
2009.
Tornou-se necessária a existência de uma área específica para o estudo do
homem, suas interações sociais, herança histórica e identidade comunitária. Surgia a
Antropologia que mais tarde viria a se desmembrar em Aplicada, Cultural, Etnologia,
Fenomenologia e diversas outras estruturas de pesquisa e conhecimento do
desenvolvimento humano em seu contexto social, conforme LIDÓRIO A; 2009.

9
2.1 A constituição do conhecimento antropológico

De acordo com JORDÃO P; (2004), como toda construção intelectual, a


antropologia permanece ligada às condições históricas de sua instauração e de suas
manifestações, isto é, aos meios teóricos e práticos que a transformou no que é
atualmente, buscando, assim, compreender o papel do pesquisador e de seus sujeitos
de pesquisa no texto e no trabalho de campo. Não há dúvida de que esta disciplina se
desenvolveu ao mesmo tempo em que se efetuava a expansão colonial européia e
que se estendeu a uma porção cada vez mais vasta das terras habitadas. Vejamos
como se deu este processo na antropologia.

Fonte: medium.com

O período de 1860 a 1920 coincide com a fase de conquista colonial por parte
do mundo Europeu e o advento da antropologia como estudo sobre o outro. Já no
próprio projeto de constituição de um saber mais sistemático sobre o homem, delineia-
se como seu principal eixo uma compreensão da natureza e da cultura que eram o
próprio fundamento epistemológico de sua cientificidade, conforme JORDÃO P;
(2004).

10
Assim, durante um longo espaço de tempo, que compreende até os dias atuais,
quase todas as suas variantes teóricas como, por exemplo, o evolucionismo, o
funcionalismo, o estruturalismo, comprometeram-se com um saber sobre o outro
vinculado às leis científicas que estabeleciam uma natureza una e hegemônica para
todos os seres humanos, em contrapartida a constatação visível de culturas em
constante transformação, conforme JORDÃO P; (2004).
A natureza, entidade metafísica herdada da filosofia clássica, manifestava-se
em nossa substância comum, enquanto que a cultura, ou as culturas no plural, já que
o homem é essencialmente um animal fabricante de cultura, representa nossa
pluralidade de línguas e a fragmentação do gênero humano, conforme JORDÃO P;
(2004).
O período seguinte, é considerado um momento transformador do fazer
antropológico através da observação participante, ou seja, o estabelecimento de uma
distância entre o antropólogo e sua cultura e a cultura do grupo estudado. Esse
distanciamento, que não é consequência completamente desavisada ou aleatória do
processo da construção do conhecimento antropológico, está na base do surgimento
de um novo contexto, diferente do evolucionismo presente no período anterior, pela
construção de um conhecimento que surgiu pelo estabelecimento de uma relação
especifica, não somente entre o pesquisador e seu objeto, mas também entre estes e
o leitor, conforme JORDÃO P; (2004).
O início da década de vinte, coincide teoricamente com a influência do
pensamento funcionalista de Émile Durkheim sobre a antropologia social inglesa. No
mesmo ano de 1922, temos a publicação de Radicliffe-Brown com Os Ilhéus em
Andanaman (1922 apud JORDÃO P; 2004) e, em 1925, O ensaio sobre o dom de
Marcel Mauss. Assim, o conhecimento, pretensamente neutro do objeto etnográfico,
substitui a construção especulativa das origens da família, do estado, da religião, da
cultura como era praticado pelos chamados antropólogos de gabinete no
evolucionismo.

Tomemos como referência o funcionalismo tal como foi desenvolvido no


estudo das sociedades tribais. A análise antropológica consiste em construir
sistemas a partir de uma realidade que aparece, de início, como fragmentada.
A aparência fragmentada e destituída de significação decorre da
exterioridade do observador e a construção de sistemas coerentes pela
antropologia deve corresponder a uma integração real, constantemente
realizada pelos membros da sociedade portadores da cultura, através de
processos que são, o mais das vezes, inconscientes. Esse tipo de

11
investigação pressupõe uma noção de totalidade integrada cuja reconstrução
é objetivo último do pesquisador. (DURHAM, 1988, p. 21 apud JORDÃO P;
2004).

Se o período de 1920 a 1945 assiste à uma expansão dos territórios


colonizados, à época entre 1945 a 1960, corresponde ao início e depois a realização
da descolonização, o que não deixa de ser traduzido por diversas pesquisas
antropológicas. Contudo, as independências meramente formais decepcionaram: o
imperialismo que sucedeu ao colonialismo. Nunca a dependência econômica foi tão
forte e alienante, conforme JORDÃO P; (2004).
Com o aparecimento da crise da ciência no mundo moderno, anunciada já na
metade de nosso século, com a segunda guerra mundial, instala-se na antropologia o
debate acerca de seus novos paradigmas: o que é a antropologia à luz dos novos
questionamentos? Qual é o objeto de estudo da antropologia, já que as sociedades
indígenas pareciam estar se extinguindo? Qual o critério de cientificidade na
antropologia, imposto pelas novas transformações científicas culturais? Conforme
JORDÃO P; (2004).
Como caracteriza JORDÃO P; (2004), o problema se agrava quando tentamos
estabelecer um novo status para noções até então monolíticas como a ciência, a
natureza. É neste contexto que se instala a crise dos novos paradigmas na
antropologia; uns prometendo a reformulação radical da própria natureza da
cientificidade como alguns autores pós-modernos e, outros, procurando adequar o
edifício epistemológico da ciência às novas bases em gestação como os hermenêutas
e outras correntes fenomenológicas.
Do ponto de vista de JORDÃO P; (2004), é dentro deste contexto, a partir dos
anos setenta que se instala uma nova corrente teórica denominada antropologia
interpretativa mais tarde hermenêutica propondo novos referenciais para a disciplina.
Assim, para estes autores, cabe a antropologia não mais a busca de leis universais
para o gênero humano, mas sim a interpretação das culturas existentes, a sua
compreensibilidade por nós através de sua tradução. Ou seja, o critério de
cientificidade deve residir na estruturação lógica da pesquisa, na compreensão do
fenômeno estudado e não mais em uma neutralidade e objetividade absolutas do
conhecimento.

12
Recentemente, nos anos oitenta e noventa, e depois de alguns anos em que
não se pode falar de nenhum paradigma dominante na antropologia, a disciplina tem
sido influenciada, nas palavras de Reynoso (1991 apud JORDÃO P; 2004), por uma
moda intelectual que corresponde a premissas do que vem a ser pós-moderno. O
debate é orientado na linha que conduz a multiplicidade de interpretações.
Nas décadas de sessenta e setenta, como nos aponta Roque de Barros Laraia
(1992 apud JORDÃO P; 2004), a antropologia possuía várias teorias que giram em
torno da tarefa de reconstrução do conceito de cultura. Assim para Kessing (apud
LARAIA, 1986 apud JORDÃO P; 2004), as teorias dividem-se em: considerando a
cultura como sistema adaptativo, tendo como representante Leslie White, Shalins,
Harris, Carneiro, Rapparport, Vayda e outros.
Em segundo, encontram-se as teorias idealista de cultura, que se subdividem
em três abordagens. São elas: a cultura como sistema cognitivo, que podemos citar,
como exemplo, o antropólogo Goodenough; a cultura como sistema estrutural, tendo
Lévi-Strauss, como seu representante; e a cultura como sistema simbólico, posição
desenvolvida por dois antropólogos, Clifford Geertz e David Scheider, nos Estados
Unidos, conforme apud JORDÃO P; 2004.
Em certos âmbitos da antropologia interpretativa é inquestionável, por exemplo,
a influência da teoria crítica da Escola de Frankfurt, da filosofia de Nietzsche, da
semiótica de Charles Sanders Peirce e do romantismo alemão, principalmente Willian
Dilthey e Max Weber, através de seu método compreensivo, conforme apud JORDÃO
P; 2004.
Assim, propõe-se uma série de novas alternativas para a antropologia:
dialogia, polifonia, evocação. Tais alternativas, bem como as tendências que as
propõem, de um modo geral, estão presentes no volume Writing Culture, editado por
James Clifford e George Marcus em 1986. Trata-se de uma coletânea de ensaios
apresentados originalmente num seminário na Escola de Investigação Americana de
Santa Fé, Nuevo México em 1984, cujo tema central gira em torno da redação do texto
antropológico, da autoridade etnográfica e da relação entre pesquisadores e seus
pesquisados, conforme apud JORDÃO P; 2004.

13
Segundo Reynoso (1991 apud JORDÃO P; 2004), é no fervilhamento dos
acontecimentos históricos e, principalmente no advento da sociedade pós-industrial,
que a sociedade ocidental parece estar caminhando para uma grande transformação
histórica, caracterizando um desgastamento rápido das relações sociais.
A fonte deste cataclisma inclui o racionalismo científico, as tecnologias, além
de vários outros aspectos presentes em nossa cultura. Uma de suas transformações
básicas é a burocratização crescente da ciência e da especialização do trabalho
intelectual em parcelas cada vez mais microscópicas. E como consequência desse
complexo processo histórico, dessas transformações, sociais, econômicas e de
perspectivas filosóficas, que a antropologia americana pós-moderna se desenvolveu
(BELL, 1976), conforme apud JORDÃO P; 2004.

2.2 A importância da antropologia

Ao considerar o homem como ser biológico, social e cultural, percebe-se que


as dimensões que compreendem a antropologia, são muito amplas e cada uma
dessas dimensões pode ser representada pelas organizações sociais e políticas,
parentesco, instituições sociais, por sistemas simbólicos, religião, comportamento, ou
ainda, pelas condições de existência dos grupos humanos desaparecidos. Além disso,
podem-se utilizar termos como antropologia, etnologia e etnografia para distinguir
diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas.

Sobre essa questão, Lévi-Strauss (1970, p. 377 apud PEREIRA G; et al.,


2015), acrescenta, A etnografia corresponde aos primeiros estágios da
pesquisa: observação e descrição do trabalho de campo”. A etnologia, com
relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a
antropologia “uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as
conclusões da etnografia e da etnologia.

Porém, percebe-se que é possível entender a antropologia como a ciência que,


ao estudar o diferente, acaba tendo conhecimento sobre a heterogeneidade cultural.
Esse conhecimento amplia os olhares sobre as mais variadas maneiras de ser,
pensar, agir e viver, conforme PEREIRA G; et al., (2015).

14
É importante ressaltar, no entanto, que essa diversidade humana nunca foi
vista como um fato ou algo natural. As diferenças têm de ser explicadas, sejam por
formas míticas, religiosas ou científicas. Neste contexto, pensar o papel da
antropologia, é compreender a imersão dessa ciência em um cenário que, por sua vez
é composto de cenários, autores e regras. Cabe aos antropólogos, normalmente, a
tarefa de estudar culturas que são completamente diferentes das sociedades nas
quais eles vivem, as diferenças entre as suas experiências e costumes, assim como,
como estas funcionam, conforme PEREIRA G; et al., (2015).
De acordo com Silva (2000 apud PEREIRA G; et al., 2015), a antropologia
estabeleceu sua identidade como ciência por meio de uma abordagem metodológica,
na qual a observação participante tornou-se elemento central. A partir da necessidade
de se ir à campo, questionou-se então a antropologia de gabinete, tão criticada por
alguns autores ao afirmarem que a não convivência com o objeto da pesquisa
empobrecia a análise dos mesmos. Sobre a importância dessa abordagem
metodológica o autor completa:

Se um dos principais objetivos da antropologia é promover um alargamento


da razão possibilitado pelo conhecimento das várias concepções de mundo
presentes nas culturas diversas (considerando-se que as culturas só se
encontram através dos encontros dos homens), o trabalho de campo é um
momento privilegiado para o exercício desse objetivo, pois é nele que a
alteridade, premissa do conhecimento antropológico, se realiza. (SILVA,
2000, p.25 apud PEREIRA G; et al., 2015).

No livro a Magia do antropólogo (SILVA, 2000, p.25 apud PEREIRA G; et al.,


2015), nos agradecimentos, é citado um dos rituais do Cabula, religião afro-brasileira:
“O adepto deveria entrar no mato, com uma vela apagada e voltar com ela acesa, sem
ter levado meios para acendê-la, e, além disso, com o conhecimento do nome de seu
espírito protetor”. O objetivo do autor com essa citação é fazer uma analogia dessa
cerimônia ao oficio do etnógrafo, pois, segundo ele, se sente muitas vezes “perdido
em meio ao campo no reino obscuro de um conhecimento ainda não articulado, até
que possamos voltar trazendo a luz, significados encobertos”.
O trabalho do antropólogo, por meio da etnografia, seria equivalente a “voltar
com a vela acesa”, à medida que o método fosse auxiliando o pesquisador a
desvendar e compreender as particularidades daquela cultura. É importante ressaltar
que, além da compreensão, os antropólogos sempre terão que dar testemunho das
culturas estudadas, conforme PEREIRA G; et al., (2015).

15
Silva (2000 apud PEREIRA G; et al., 2015) comenta que Malinowski, o pai do
funcionalismo, também percebia a magia que envolve o antropólogo, os métodos
utilizados por ele e as relações construídas com os “nativos”. Foram esses “truques”
que o possibilitaram a compreensão de todas as particularidades que envolviam a
tribo indígena relatada em os “Argonautas do pacifico” (1976 apud PEREIRA G; et al.,
2015).
O autor esclareceu sobre a necessidade de que o antropólogo passasse longos
dias de convivência com os grupos estudados, com o fim de acompanhar de perto
suas atividades diárias, apreender a língua nativa e, desse modo, absorver os valores
e sentimentos do grupo, por meio da observação atenta do que seus integrantes
fazem e dizem, conforme PEREIRA G; et al., (2015).
Geertz, (1989 apud PEREIRA G; et al., 2015) corrobora com Silva (2000 apud
PEREIRA G; et al., 2015) ao perceber a importância do trabalho de campo do
antropólogo, à medida que enfatiza que a prática etnográfica se refere a estabelecer
relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear
campos, manter um diário, e assim por diante.
E sobre o papel da etnografia na antropologia o autor acrescenta:

Cada vez mais a etnografia vem se consolidando como uma atividade


acadêmica profissional realizada inclusive por povos antes considerados
apenas “objetos” desse conhecimento. “Sujeitos” e “objetos” da antropologia
têm mudado de perfil em decorrência das mudanças nas relações políticas,
econômicas e culturais entre os países que tradicionalmente “produziram” os
primeiros e os continentes que tradicionalmente “forneceram” os segundos
(GEERTZ, 1989, p.24 apud PEREIRA G; et al., 2015).

Além dessa magia, Pritchard apud Silva (2000, p. 66 apud PEREIRA G; et al.,
2015), fala sobre outro tipo: a identificação subjetiva do antropólogo. “[...] embora eu
pense que os diferentes antropólogos que examinam o povo, acabarão por registrar
os mesmos fatos nos seus cadernos de notas, creio que eles escreveriam diferentes
tipos de livros [...]. ” Ou seja, a subjetividade de cada antropólogo acaba por conferir
livros únicos, fruto de olhares, questionamentos e concepções cada vez mais
singulares.

16
2.3 A antropologia dentro do campo das ciências sociais

Sabemos que o ser humano “sempre teve curiosidade a respeito de si mesmo,


independentemente do seu nível de desenvolvimento cultural” (Ibid. p.10). Assim
sendo, o surgimento da Antropologia está ligado a este desejo da humanidade de
conhecer-se a si mesma buscando perceber e registrar as semelhanças e as
diferenças entre os diversos grupos sociais e culturais. Esse dado histórico nos leva
à definição do objeto e, do objetivo da Antropologia, conforme OLIVEIRA J; 2006.
Podemos afirmar que o objeto do estudo da Antropologia é a pessoa humana
e a sua atividade. No caso da Antropologia Cultural o objeto é o ser humano e os seus
comportamentos, ou seja, o homem e a mulher enquanto integrantes de grupos
sociais que fazem cultura. Por essa razão é possível dizer que o objetivo da
antropologia é o estudo da humanidade como um todo, bem como das suas diversas
manifestações e expressões. Assim sendo, pode-se dizer que no seu objetivo a
Antropologia se preocupa com a pessoa humana na sua condição de ser biológico,
ser pensante, ser que produz culturas e ser capaz de organizar-se em sociedades
estruturadas (Ibid. p. 2-3), conforme OLIVEIRA J; 2006.
No caso da Antropologia Cultural, dentro da qual se situa a Antropologiada
Religião, seu objetivo é procurar uma compreensão do ser humano enquanto tal e da
sua existência ativa, capaz de interferir no destino do planeta que habitamos. O papel
da Antropologia Cultural é interpretar as diferenças culturais na medida em que elas
formam sistemas culturais integrados. Sua função é captar o essencial das culturas e
buscar uma verdadeira compreensão de tais sistemas. O essencial do trabalho do
antropólogo cultural é o estudo da vida das pessoas organizadas em grupos culturais,
vendo o seu conjunto formado por tantos elementos como os valores, as reflexões, os
costumes, as normas, etc. (DAMATTA, p. 143-150), conforme OLIVEIRA J; 2006.
Trata-se, pois, de estudar o ser humano enquanto capaz de produzir cultura.
Por isso é fundamental percebermos desde agora a diferença e a relação entre
sociedade e cultura. De fato, pode existir sociedade sem cultura. O que caracteriza a
sociedade é a vida ordenada, com divisões de trabalho, de espaços, de idades, de
extratos sociais, de sexos e assim por diante. Por isso também os animais são
capazes de viver em sociedade. Já a cultura, supõe uma tradição viva que passe de
geração em geração o que foi elaborado coletivamente, de modo que o próprio grupo

17
perceba e tenha consciência de que seu estilo de vida é diferente dos outros),
conforme OLIVEIRA J; 2006.
A partir dessa percepção e dessa consciência o grupo estabelece as suas
normas de inclusão e de exclusão. Consequentemente, podemos ter um grupo
ordenado socialmente, mas sem consciência do seu próprio estilo de vida, isto é, sem
cultura. A cultura se caracteriza, pois, pela tradição, ou seja, pela transmissão do
jeito próprio de ser de um grupo, o qual é mais do que viver ordenadamente com
regras e normas estabelecidas, conforme OLIVEIRA J; 2006.
A cultura é a vivência coletiva consciente e responsável dos padrões, costumes
e hábitos, dentro de um espaço e de uma temporalidade, e que identificam um
determinado grupo. Na cultura há uma interação dialética entre as regras e o grupo,
com possibilidades de reciprocidade e de mudanças. O grupo age ou não desta ou
daquela forma porque tem consciência de que esse agir lhe dá ou não identidade e o
diferencia dos outros grupos sociais (Ibid. p. 47-58), conforme OLIVEIRA J; 2006.

2.4 Métodos científicos da antropologia

Enquanto ciência social que estuda o ser humano, a antropologia faz uso de
diversos métodos, de acordo com os seus campos e com as situações (MARCONI;
PRESOTTO, p. 11-14 apud OLIVEIRA J; 2006). Por método entende-se um conjunto
de regras bem definidas que são utilizadas na investigação. Normalmente o método
segue um procedimento anteriormente elaborado e que deve ser cuidadosa e
escrupulosamente observado. O método tem como finalidade descobrir quais são as
lógicas e as leis da natureza e da sociedade, visando respostas satisfatórias.
Normalmente são utilizados sete métodos nas pesquisas de antropologia. O
primeiro é o método histórico utilizado para a investigação de culturas passadas. Por
meio dele o antropólogo, com a ajuda do historiador, tenta reconstruir as culturas,
explicar fatos e observar fenômenos, como, por exemplo, as mudanças ocorridas e as
adaptações. O segundo é o método estatístico empregado, sobretudo para analisar
as variações culturais das populações ou sociedades. Os dados são obtidos por meio
de tabelas, gráficos, quadros comparativos etc., conforme OLIVEIRA J; 2006.

18
O terceiro é o método etnográfico utilizado para descrever as sociedades
humanas, de modo particular as consideradas primitivas ou ágrafas (sem escrita). O
método consiste essencialmente em levantar todos os dados possíveis sobre uma
determinada cultura ou etnia e, a partir desses levantamentos, tentar descrever o
estilo de vida ou cultura desses grupos, conforme OLIVEIRA J; 2006.
O quarto método é chamado de comparativo ou etnológico. É usado de modo
particular para a pesquisa sobre populações extintas. Por meio da comparação de
materiais coletados, especialmente fósseis, se estudam os padrões, os costumes, os
estilos de vida das culturas, vendo de modo particular as diferenças e semelhanças
existentes entre elas. O objetivo melhor para compreender as culturas passadas e
extintas. O quinto método é conhecido como monográfico, conforme OLIVEIRA J;
2006.
É também chamado de estudo de caso, consiste em estudar com profundidade
determinados grupos humanos, considerando todos os seus aspectos como, por
exemplo, as instituições, os processos culturais e a religião. O estudo monográfico é
muito importante para os casos de culturas que estão ameaçadas de extinção, uma
vez que permite analisá-las e descrevê-las de forma bem pormenorizada, conforme
OLIVEIRA J; 2006.
Por fim, temos o método genealógico e o método funcionalista. No primeiro
caso trata-se de um método usado para o estudo do parentesco e todos os outros
aspectos sociais dele decorrentes. Visa à análise da estrutura familiar e exige a
presença de um informante, ou seja, de alguém que possa revelar os nomes das
pessoas que compõem a árvore genealógica. No segundo caso, a cultura é estudada
e analisada a partir do âmbito da função ou das funções. Por meio dele busca-se
perceber a funcionalidade de uma determinada unidade cultural no contexto da cultura
geral ou global, conforme OLIVEIRA J; 2006.

2.5 Técnicas de pesquisa da antropologia

Métodos estão associadas determinadas técnicas de pesquisa. Por técnica


entende-se a habilidade do cientista ou pesquisador no uso dos métodos, ou seja,
daquele conjunto de regras bem definidas que são utilizadas na investigação e que
lhe permite obter os dados desejados. As técnicas usadas no campo antropológico

19
são três: observação, entrevista e formulário (MARCONI; PRESOTTO, p. 14-16 apud
OLIVEIRA J; 2006).
A técnica da observação consiste na coleta e obtenção de dados. Nela os
sentidos têm um lugar privilegiado, ela pode ser sistemática ou participante. Na
sistemática o pesquisador vai ser direto (pessoalmente) ou indiretamente (por meio
de outras pessoas) observa os fatos no local da investigação e por um período de
tempo. Na participante o pesquisador, por um longo período de tempo, participa do
seu campo de pesquisa. É muito utilizada para a pesquisa cultural. Neste caso o
cientista torna-se um participante ativo da cultura que quer estudar. Ela exige fina
capacidade de observação, superação de preconceitos, trabalho diário de anotação,
registro de fatos e de dados, conforme OLIVEIRA J; 2006.
Exemplo desse tipo de pesquisa é aquela feita pelo francês Roger Bastide
sobre as religiões africanas em Salvador (Bahia) ou o caso de Dacyr Ribeiro que
conviveu durante muito tempo com os índios Kayapós em Mato Grosso. Também
Roberto DaMatta descreve a sua pesquisa entre os índios Gaviões no Pará e entre os
Apinayé no atual estado de Tocantins (DAMATTA, p. 182-240 apud OLIVEIRA J;
2006).
A técnica da entrevista consiste num contato direto, face a face, do cientista e
pesquisador com a pessoa entrevistada, da qual ele pretende obter informações. A
entrevista pode ser estruturada ou semiestruturada (livre). A entrevista estruturada é
aquela na qual o entrevistador segue um roteiro preestabelecido. A semiestruturada é
aquela do tipo informal, sem roteiro a ser seguido, na qual o entrevistador vai colhendo
as ideias do entrevistado, manifestadas de forma espontânea, conforme OLIVEIRA J;
2006.
O formulário é uma técnica que se parece com o questionário, consiste num
levantamento de dados feito através de uma série organizada de perguntas escritas
entregues ao entrevistado, às quais ele é convidado a responder. De certa maneira é
uma pesquisa dirigida, uma vez que o rol de perguntas é feito pelo entrevistador,
visando obter esclarecimentos sobre determinadas questões, conforme OLIVEIRA J;
2006.

20
Convém observar que no caso das duas últimas técnicas, embora as respostas
sejam dadas pelo entrevistado, o modo de formular as perguntas e a escolha do
público alvo pode induzir a um determinado resultado. Isso acontece, por exemplo,
em certas pesquisas de opinião pública, como ficou bem evidente por ocasião das
recentes eleições no Brasil. O risco de manipulação dos resultados pode sempre
existir. Neste caso temos um problema ético muito grave e o cientista encarregado da
pesquisa pode ser responsabilizado por falsificar os resultados, conforme OLIVEIRA
J; 2006.
A antropologia é uma ciência de extrema atualidade, ela pode contribuir para o
desenvolvimento dos seres humanos e dos povos. O resultado de seus estudos e
pesquisas ajuda na superação de desequilíbrios e de tensões culturais. Os
antropólogos costumam apontar as causas das tensões sociais e indicar soluções
para que se restabeleça o equilíbrio entre os diversos grupos culturais. O grande
desafio está no fato de que as culturas dominantes nem sempre concordam com as
conclusões dos estudos e das pesquisas dos antropólogos. Por isso muitas tensões
sociais permanecem e até tendem a se agravar. Não se quer escutar uma verdade
que incomoda, conforme OLIVEIRA J; 2006.
“A ação do antropólogo é de relevância, mas a perspectiva histórica tem
demonstrado que sua tarefa lhe tem sido decepcionante, em face das pressões da
cultura dominante, que nem sempre concorda com as posições teóricas e os métodos
humanísticos por ele adotados, ao desempenhar o papel de conciliador entre o mundo
dominante e o mundo dominado” (MARCONI; PRESOTTO, p. 19 apud OLIVEIRA J;
2006). A importância da antropologia no mundo de hoje, com a sua função de produzir
interpretações das diferenças e de captar, com reverência e profunda compreensão,
o essencial de cada cultura diferente, ela contribui para alargar nossas visões e
romper esquemas ideológicos que tendem a desvalorizar aqueles que não são e não
pensam como nós (DAMATTA, p. 143-150 apud OLIVEIRA J; 2006).
A antropologia, mesmo no atual contexto, tem essa função de ser ponte e
mediação entre dois mundos. Cabe-lhe a tarefa de ajudar-nos a ver o diferente não
como algo exótico, distante e marginal, mas como uma realidade familiar. Embora não
deixe também de ter a função de manter o caráter “exótico” de cada cultura, ou seja,
de insistir sobre o direito que cada cultura tem de permanecer diferente, com suas

21
características próprias, sem que lhe seja imposta uma aculturação forçada, conforme
OLIVEIRA J; 2006.

2.6 Filosofia e antropologia filosófica

A Filosofia nos permite a especulação, o exercício do pensamento, nos


pressupõe a transcendência, a investigação lógico-argumentativa e a fazermos uma
análise precisa quanto aos fenômenos. As ciências não construíram seus métodos,
mas utilizaram os métodos construídos pela Filosofia. A Filosofia por sua vez criou a
epistemologia e os métodos. O diálogo entre antropologia e filosofia ao longo da
história, contribuiu de forma direta e indireta para seus estudos, conforme QUEIROZ
S; (2011).
As ciências física e matemática são tidas como ciências puras e não dão conta
do ser em sua amplitude, nem mesmo a História e nem a Filosofia. Logo nem a
Filosofia e nem as ciências dão conta do estudo do ser humano. A Filosofia implica
na aquisição de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais
amplo possível. Esse conhecimento em benefício do homem, conforme QUEIROZ S;
(2011).

São reconhecíveis, por exemplo, na definição de Descartes, segundo a qual


“essa palavra significa o estudo da sabedoria, e por sabedoria não se entende
somente a prudência nas coisas, mas um perfeito conhecimento de todas as
coisas que o homem pode conhecer, tanto para a conduta de sua vida quanto
para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes”
(DESCARTES, 2003, p. 4 apud QUEIROZ S; 2011).

O fundamento desta concepção é que o homem é um “animal racional” e,


portanto, como diz Aristóteles no início da Metafísica, “todos os homens tendem, por
natureza, ao saber”: “tendem” significa que não somente desejam o saber, mas
também podem obtê-lo. O saber não é privilégio ou patrimônio reservado a poucos;
qualquer um pode contribuir para sua aquisição e para seu enriquecimento, tendo, por
isso direito de julgá-lo, aprová-lo ou rejeitá-lo. A tarefa fundamental da Filosofia é a
busca e a organização do saber, conforme QUEIROZ S; (2011).
A primeira concepção da Filosofia é a metafísica; dominou na Antiguidade e na
Idade Média, distinguindo ainda hoje muitas correntes filosóficas. Sua característica
principal é a negação de qualquer possibilidade de investigação autônoma fora da
filosofia. Um conhecimento é filosófico ou não é conhecimento. Aristóteles define a
22
filosofia como “ciência da verdade”, no sentido de que ela compreenda todas as
ciências teóricas, ou seja, a filosofia primeira, a matemática e a física, e exclui somente
a atividade prática: mas também esta deve recorrer à filosofia para esclarecer sua
natureza e seus fundamentos. Todo o Iluminismo participou do conceito de filosofia
como conhecimento científico. Como disse verdade: “Filósofo, amante da sabedoria,
da verdade”, conforme QUEIROZ S; (2011).

Mais especificamente, a tarefa da antropologia filosófica deveria ser


considerar o homem não simplesmente como natureza, como vida, como
vontade, como espírito etc., mas como homem, isto é, relacionar o complexo
de condições ou de elementos que o constituem com seu modo de existência
específico (ABBAGNANO, 2007, p. 75 apud QUEIROZ S; 2011).

Podemos dizer que de todas as questões o problema que se encontra por trás
de todos os outros é o da determinação do que seria o homem, qual é o lugar ocupado
por ele na natureza, qual a sua relação com o cosmo, sua função no mundo e seu
destino. Daí as perguntas: de onde viemos? Para onde vamos? Que poder temos
sobre a natureza? Que poder a natureza tem sobre nós? Qual é o sentido da nossa
existência? Essas são perguntas que ao longo da vida nos fazemos, mas que não são
fáceis de serem respondidas por que não são próprias ao mundo da técnica, da
produtividade, da mídia e do consumismo que nos cerca. Essas questões se referem
à filosofia, ao exercício do pensamento, a um tipo de conhecimento importante, porém
muito pouco relevante para a maioria das pessoas, ” conforme QUEIROZ S; (2011).
De acordo com QUEIROZ S; (2011), a antropologia pode ser dita filosófica se
seu método é filosófico, quer dizer se ela se aplica em considerar a essência mesmo
do homem. Neste caso, a antropologia se esforça por distinguir o ente que chamamos
homem da planta, do animal e dos outros tipos de entes, e busca por esta delimitação
por em luz a constituição essencial específica desta região determinada do ente.
A antropologia filosófica afirma-se, desde então, como uma ontologia regional
tendo o homem por objeto, coordenada às outras ontologias que com ela partilham o
domínio total do ente. Uma antropologia filosófica assim compreendida não pode ser
considerada sem outra explicação como centro da filosofia e ela o pode menos ainda
fundando esta pretensão sobre a estrutura interna de sua problemática, conforme
QUEIROZ S; (2011).

23
De acordo com QUEIROZ S; (2011), levando em conta nossa forma de estar e
atuar sobre o mundo, nossas necessidades e criações, em Antropologia Filosófica nos
interessa a busca da compreensão dos seguintes elementos: o universo simbólico
humano, o mito, a espiritualidade e a religiosidade como formas específicas do
homem se localizar no mundo; as produções técnicas, estéticas e artísticas como
maneira de expressão e realização interna e externa da vida humana; a vida cultural
e todo o universo das ideologias que constrói as culturas de massa e nos envolve num
mundo de consumismo exacerbado e de indiferença ao que verdadeiramente importa
em termos culturais; interessam-nos também as produções científicas e as questões
éticas, morais e valorativas que envolvem essas produções, sobretudo, na área das
ciências biológicas; a política e os problemas sociais que enfrentamos atualmente
como a violência, as guerras e as drogas; a liberdade humana, as leis e as normas
com todas as determinações e necessidades que as cercam; os aspectos positivos e
negativos da revolução tecnológica contemporânea, no que diz respeito ao meio
ambiente e à saúde desse meio, em que se inclui o próprio homem; enfim, interessa-
nos o mundo do trabalho, a exigência de qualificação e os retornos econômicos e
pessoais que temos em nossas profissões.

Fonte: unieducar.org.br

24
Antropologia não estuda só a sociedade, mas estuda as sociedades humanas
como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. Podemos perceber que
a ciência antropológica não é empírica. Nossa cultura passa por uma gradação, nós
temos que conhecer outras culturas. Percebemos que as ciências utilizaram princípios
e procedimentos criados pela Filosofia, tudo pronto. O objeto de estudos das ciências
antropológicas é o modo de vida das pessoas, conforme QUEIROZ S; (2011).
Um dos fatores importantes para um antropólogo é fazer perguntas sempre, tipo como
acontece com a Filosofia. É um exercício da antropologia de reencontrar uma memória
e não negar a história do indivíduo, conforme QUEIROZ S; (2011).
De acordo com QUEIROZ S; (2011), reafirmando Sócrates, conhecer-se a si
mesmo é o primeiro tema que envolve o homem na história da filosofia e também o
tema de toda a antropologia filosófica. A reflexão sobre si - exige uma análise sempre
renovada dos aspectos da nossa vida cotidiana e dos conhecimentos em termos
científicos. Por isso não basta identificarmos os problemas no nível do senso comum,
é preciso aprofundá-los no nível científico da pesquisa e do pensamento, bem como
na forma especificamente curiosa e questionadora que a filosofia nos possibilita.
É preciso, portanto, ultrapassar o simples nível da experiência pessoal e
procurar o sentido das coisas em conceitos mais elaborados a fim de alcançar uma
visão de conjunto da vida humana e dar-lhe a unidade e a profundidade necessária
em meio à infinita multiplicidade das coisas. É preciso que nos esforcemos para que
consigamos agrupar os acontecimentos de maneira a ter uma visão crítica sobre a
realidade, para além do tecnicismo que engessa as nossas mentes. É preciso que
tenhamos a coragem de criar nós mesmos os nossos próprios conceitos, na condição
de seres autônomos e reflexivos, conforme QUEIROZ S; (2011).
Com a experiência que existe na antropologia filosófica, se relaciona do homem
como homem, diferente de animal e planta. Ela percorre o nível transcendental, com
a resposta sobre o que é o homem, utilizando do sujeito como mediação entre
Natureza e Forma ou como Eu propriamente dito. O campo para a antropologia
filosófica é imenso, e sua especificidade sobre o que realmente o homem vem
acumulando nos seus anos de história. E nos apresenta que o ser humano é
complexo, conforme QUEIROZ S; (2011).

25
2.7 Legado da filosofia e da antropologia filosófica para as ciências humanas
e sociais

Ao focalizarem a realidade humana e social, caracterizada pelo esforço de


construir um meio artificial que pudesse proporcionar o conforto e a vida boa aos seres
humanos justamente o mundo da cultura, da sociedade e da história, protegendo-os
das penas do habitat natural e dos acidentes de uma natureza cega e indiferente aos
seus desígnios, as ciências humanas foram levadas a tomar distância do paradigma
das ciências naturais. Não podendo manter os padrões e os esquemas da biologia,
seja via redução, seja via ampliação do escopo, elas trataram de encontrar uma chave
de explicação diferente para os problemas e os fenômenos atinentes ao Anthropos,
visto da perspectiva da cultura espiritual, da civilização material e da história total dos
povos, conforme DOMINGUES I; (2011).
Assim, no lugar do carbono, dos genes, dos genótipos, dos fenótipos e dos
ambientes, vamos encontrar as forças sociais, as instituições, a educação, a
linguagem, a técnica/tecnologia, as mercadorias, as moedas, a concorrência, a divisão
das tarefas, os imperativos morais, a religião, as guerras, as conquistas, as derrotas,
a escravização dos derrotados, o poder do Estado, e assim por diante, conforme
DOMINGUES I; (2011).
A questão que está em jogo é como dar coerência e uma explicação unificadora
para a estonteante diversidade dos povos, das culturas, de tempos e de lugares,
considerando que a humanidade é a mesma, mas os indivíduos e os grupos variam,
e muito. E mais: não só dar coerência e descobrir a chave, mas ajustar aquilo que no
mundo humano parece reclamar e depender da liberdade de iniciativa e de criação
dos indivíduos e aquilo que reclama e depende de forças coercitivas e se impõem de
toda necessidade: pactos, contratos, convenções, obrigações, leis, etc., conforme
DOMINGUES I; (2011).
Tais são os casos da moral, da economia e da política, que mais do que freios,
corveias, relações de poder e domínio do mais forte, devem ser vistos como
estabilizadores da ação humana, provedoras do habitat humano e o mundo humano
por excelência, conforme DOMINGUES I; (2011).

26
Mas como explicar o imperativo do trabalho, a necessidade da técnica, a
imposição de coerções e de regras de convívio, e as diferenças de toda sorte, os
quais, em vez de creditados à atividade cega da natureza e às pressões do ambiente,
são fabricados, chancelados, transformados e ensejados pelos humanos? Conforme
DOMINGUES I; (2011).
Para responder a essas questões sem dúvida difíceis, várias antropologias
foram formatadas pela filosofia, pela religião e a própria ciência, cada uma delas
pondo o foco num conjunto de caraterísticas dos seres humanos, Conforme
DOMINGUES I; (2011).
Assim, a antropologia do homem interior, de Sócrates, que define o homem por
uma essência interna : a alma-psyché; a antropologia do homem lacunar, a um só
tempo ser da falta e de necessidade e ser de artifício e de invenção, formulada por
Platão no Banquete; a antropologia da queda e do homem pecaminoso, elaborada por
Agostinho e de grande influência na cristandade; a antropologia do homem dual, meio
besta e meio anjo, formatada por São Thomás, mas cujos fundamentos remontam a
Platão e Agostinho (dualismo alma/corpo); a antropologia do homem perfectível e
vazada na ideia do aprimoramento do gênero humano, elaborada pelos renascentistas
(Pico della Mirandola) e adotada pelos modernos, como Herder e Kant; a antropologia
do homem bestial que faz do homem vivendo em estado de natureza o lobo do homem
(homo homini lupus), proveniente de Thomas Hobbes; a antropologia do homem-
máquina, ou antes do corpo-máquina, oriunda de Descartes e de grande impacto na
medicina e nas ciências humanas; a antropologia do homem-histórico, vinda da
biologia, Darwin à frente, que historicizou a espécie humana, e à qual será adotada
pela escola histórica alemã, não sem antes trocar a perspectiva da história natural
pela da história espiritual ou cultural; a antropologia do homo duplex, de Durkheim,
fundada não no dualismo corpo/mente, mas do indivíduo e da sociedade; a
antropologia do homem-pulsional, centrada no desejo e no mal infinito do desejo,
proposta por Freud e com raízes em Platão, conforme DOMINGUES I; (2011).
O que não faltaram foram antropologias e diferentes visões de homem, e as
ciências humanas nascentes puderam se servir à vontade de cada uma delas, e
mesmo fazendo-lhes um mix ou um amálgama, ao se defrontarem com os diferentes
problemas e fenômenos humanos e sociais, conforme DOMINGUES I; (2011).

27
Podemos dizer que, da mesma forma que a filosofia, as ciências humanas e
sociais não elaboraram uma visão unificada do ser humano, havendo mais de uma
maneira como elas lidaram com as potências e as características dos humanos, elas
invocaram os instintos e as tendências que nos caracterizam em nossa vida em
sociedade e nas relações interpessoais, conforme DOMINGUES I; (2011).
Assim, ao falarem do ser humano, a sociologia e a antropologia abrem a caixa
de bondades, por assim dizer, e colocam em primeiro plano os instintos gregários e
as disposições cooperativas dos seres humanos, conforme DOMINGUES I; (2011).
O resultado é a grande bifurcação que irá clivar as ciências humanas e as
biológicas ao se ocuparem de um mesmo objeto, o homem, porém visto de ângulos
diferentes, dando razão à Snow ao falar do choque das duas culturas, conforme
comentamos antes, e mais ainda a Ingold, ao se referir ao ponto de inflexão. De um
lado, a biologia e a história natural, ao forçarem o componente “natureza” da natureza
humana, colocando em evidência a animalidade do homem e a passagem lenta e
gradual da natureza à cultura. De outro lado, as ciências humanas e sociais, ao
forçarem a componente “humana” da natureza humana, colocando em evidência a
humanidade do homem e a passagem abrupta da natureza à cultura, conforme
DOMINGUES I; (2011).

2.8 A resposta da filosofia

A pergunta que deve ser feita, é: E a filosofia? Ou antes: E a antropologia


filosófica? O que ela tem a dizer do relativismo, do historicismo e da questão
antropológica? A via adotada pela filosofia ao pensar a questão antropológica, desde
os tempos de Sócrates, foi a rota do «homem interior», definido pela alma-psyché,
centro em torno do qual vão gravitar as categorias antropológicas de pessoa, sujeito,
intersubjetividade, corporeidade, psiquismo, e, mesmo, espiritualidade, nas linhas
cristã e católica, conforme DOMINGUES I; (2011).
Porém, ao procurar ocupar esse terreno e voltar-se para o interior do homem,
visando conquistar a sua fortaleza interior, a antropologia filosófica vai sofrer a
concorrência da psicologia e da psicanálise, e em vez da unidade da pessoa, da
consciência e do ser humano, descobrirá a cisão do eu, o inconsciente e a
fragmentação do indivíduo, conforme DOMINGUES I; (2011).

28
A outra alternativa é voltar-se para fora e explorar as formas objetivadas ou as
expressões objetivas do ser humano, como fizeram Hobbes e Hegel, tomando como
objeto as normas jurídicas e as instituições políticas. Ao seguir essa rota e procurar
ocupar esse terreno, como Cassirer na filosofia das formas simbólicas em ambiente
contemporâneo, a antropologia filosófica não tardará a descobrir a concorrência da
antropologia científica e de outras disciplinas das ciências humanas, ocupadas não
com a unidade, mas como a diversidade das culturas e das instituições humanas,
conforme DOMINGUES I; (2011).
O ponto é que a filosofia não tem os meios ou as ferramentas para lidar com o
empírico, e a situação da antropologia filosófica não poderia ser diferente. Seu
propósito é levar a cabo sua tarefa, ao pensar a questão antropológica, por meios
puramente especulativos e formatar um discurso universal, apoiando-se em conceitos
abstratos e definições essenciais, e procurando circunscrever seu objeto o homem
sem a menor referência ao espaço e ao tempo, diferentemente da ciência. Contudo,
ao propor a definição do homem, cada filósofo terá a sua, em regra mediante o
isolamento de um aspecto ou propriedade da mente ou do corpo humano,
pretendendo que ela é determinante e universal, conforme DOMINGUES I; (2011).
Em consequência, havendo mais de uma propriedade, como a capacidade de
pensar, falar e agir, haverá mais de uma definição, sem chegar a um denominador
comum: zôon politikón, zôon lógon echon, homo sapiens, homo faber, homo ludens,
homo pictor, animal simbólico o que não faltaram foram definições essenciais,
correlacionando atributos e substratos, e neste aspecto a imaginação do filósofo
mostrou-se fértil, acreditando que bastava uma definição para abarcar o conjunto da
humanidade, conforme DOMINGUES I; (2011).
Todavia, quando a referência ao espaço e ao tempo é feita ou se infiltra em
suas considerações, o filósofo se vê às voltas com a opacidade e a contingência do
empírico e logo parte para o tudo ou nada: ou o tudo do universal da razão ou o nada
do particular do empírico ou da experiência, conforme DOMINGUES I; (2011).
Simplesmente, não há formas intermediárias ou generalidades médias, como
as taxis, os clusters, os agregados estatísticos e as classes das ciências biológicas e
humanas. Então, não tem como e o que fazer: a relatividade das culturas e dos
costumes dos povos é uma realidade, e se a ciência pode neutralizar o relativismo
histórico ou cultural com o método e a ajuda de alguns parâmetros, como a estrutura,

29
os modelos e as constantes culturais, conforme mostrou Lévi-Strauss, a filosofia não
tem o que fazer e como lhe contrapor uma doutrina: uma nova doutrina do homem,
que pudesse competir com a ciência e mesmo vencê-la, ao vencer o relativismo, ,
conforme DOMINGUES I; (2011).
Stuart Mill ao pensar a questão antropológica junto com a questão moral: tomar
a busca do prazer e do menor dano como algo comum aos humanos e aos animais,
visto que uns e outros buscam o prazer e evitam a dor, e desde logo compreendendo
essa propensão como constante ou lei, fazendo do sentimento o fundamento da
moralidade e da razão um instrumento calculador da maximização da felicidade,
conforme DOMINGUES I; (2011).
Nietzsche ao pensar a questão antropológica, a moralidade e a decadência dos
homens: psicologia das profundezas, aliando o ponto de vista do médico e do fisiólogo
(patologias do corpo e da mente) e a perspectiva do artista que Alberti havia
introduzido na arquitetura, perspectiva espacial no caso, e que com Nietzsche em sua
genealogia da moral se converterá em temporal então, o antídoto do relativismo será
buscado no perspectivismo, na multiplicação dos pontos de vista e na adoção de uma
perspectiva elevada ou superior, marcada pelo pathos da distância: a perspectiva do
nobre, conforme DOMINGUES I; (2011).
O desafio consistirá então em encontrar os meios intelectuais os conceitos para
dar sentido à diversidade e à relatividade das coisas, sem cair no relativismo. O
caminho, a nosso ver, são os universais in situ, fortemente contextualizados, com
abrangências diversas e definidos como síntese do uno e do múltiplo. Assim, a razão,
a linguagem, a experiência, a moral e a existência, conforme DOMINGUES I; (2011).
E assim, também, as categorias existenciais de finitude, corporeidade,
pessoalidade, sentido, não-sentido, etc. Ou seja, como no caso da linguagem, em
linguística, que reconhece uma única faculdade da linguagem junto com a diversidade
das línguas, e a exemplo das espécies em biologia, cujo fenótipo varia sem cessar no
tempo e o genótipo segue sendo o mesmo, ao se transmitir para a descendência, a
humanidade em sua diversidade, conforme DOMINGUES I; (2011).

3 OBJETO DE ESTUDO

A antropologia como ciência do biológico e do cultural tem seu objeto de


estudo definido: o homem e suas obras. Segundo Beals e Hoijer (1968:5 apud
30
ANDRADE et al., 2010), “ seus problemas se centram, por um lado, no
homem como membro do reino animal e, por outro, no comportamento do
homem como membro de uma sociedade”.

Para ANDRADE et al., (2010), o objeto da antropologia engloba as formas


físicas primitivas e atuais do homem e suas manifestações culturais. Interessa –se,
preferencialmente, pelos grupos simples, culturalmente diferenciados, e também pelo
conhecimento de todas as sociedades humanas, letradas ou ágrafas, extintas ou
vivas, existentes nas várias regiões da Terra.
Atribui-se ao antropólogo a tarefa de proceder a generalizações, formulando
princípios explicativos da formação e desenvolvimento das sociedades e culturas
humanas. Exemplo: o estudo do homem fóssil, suas mudanças evolutivas, sua
anatomia e suas produções culturais, conforme ANDRADE et al., (2010).
De acordo com ANDRADE et al., (2010), toda investigação antropológica vale-
se do método comparativo em busca de respostas para uma infinidade de porquês,
na tentativa de compreender as semelhanças e as diferenças físicas, psíquicas,
culturais e sociais entre os grupos humanos.
Exemplos: brancos e negros, línguas diversificadas, a indumentária do índio e
do não índio, o culto ao sol e a presença da pirâmide no Egito e nas civilizações pré-
colombianas, duas regiões muito distanciadas geograficamente. Na ausência de um
laboratório experimental, o antropólogo lança mão da pesquisa de campo, que lhe
fornece os dados desejados e permite testar as hipóteses levantadas na observação
de situações peculiares. Daí a importância da contribuição dos antropólogos de
campo, fornecendo o maior número possível de estudos sobre grupos humanos, uma
vez que cada um deles é o produto de uma experiência cultural particular, conforme
ANDRADE et al., (2010).
Exemplos: os Apinajé, estudos por Curt Nimuendajú, os Guarani, estudados
por Egon Schaden, os Esquimós, pesquisados por Franz Boas, e os Samoanos,
investigados por Margaret Mead, conforme ANDRADE et al., (2010).
A antropologia, portanto, é a ciência que tem por objetivo de estudo o homem,
embora a pretensão possa ser, nomeadamente a luz de uma lógica científica pós-
moderna, demasiada exagerada (Harris, 1999; apud LEAL J; 2009), ela corresponde
ao conjunto de estudos teóricos de índole conceitual, metodológico e técnico orientado
para a pesquisa em torno das diversas facetas do Ser humano, ou seja, para as

31
múltiplas dimensões de um objeto de investigação sujeito a um estudo sistemático
que formaliza a <ciência homem>.
No quadro da história natural, o homem é entendido como um ente físico que
faz parte do todo natural, globalmente designado de <natureza>, podendo ser descrito
a partir dela. Embora tenha decorrido num plano de ampla complexidade no presente,
não exposta, realça – se que a adaptação da faceta descritiva dos estudos científicos
naturais (nomeadamente, a <biológica>) ao contexto de estudo social positivista
(referido como <sociológico>) funcionou como um modo de explorar as temáticas
humanas na vertente dos Estudos Sociais, conforme LEAL J; (2009).
Na decorrência dos registros em ciências naturais e/ou subjacente a exploração
em ciências naturais sociais das experiências dos grupos sociais humanos no âmbito
de múltiplas realidades vividas (em diversos contextos geográficos de ocupação
humana bem como em variados sentidos temporais, diacrônico e sincrônico), emerge
uma constatação analiticamente incontornável: o Homem, como ser natural,
cognitivamente consciente, de vivência em grupos sociais, comunicador em múltiplos
suportes, produtor e reprodutor de cultura através de esferas materiais e sócio-
simbólicos, conforme LEAL J; (2009).
De acordo com LEAL J; (2009), estabelecer uma definição absoluta e última
sobre o conceito de cultura, corresponde a uma tarefa que os autores de antropologia
preferem não empreender intensivamente, face ao objeto de estudo, as possibilidades
de combinação conceitual são quase exponenciais.
Recorde- se, a propósito, a < síntese> realizada por Alfred Kroeber e Clyde
Kluckhohn na obra “culture”: A critical Review of Concepts and Definitions” (1952),
correspondente a uma lista com mais de uma centena de definições.
Como medida simplificadora, é comum adotar – se a citação do antropólogo
britânico Edward Burnett Tylor, quando o autor, ainda durante o século XIX, e a
respeito da matéria do evolucionismo cultural, descreve a <cultura> no quadro da
definição etnográfica do seguinte modo: Cultura ou civilização, tomada em seu amplo
sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte,
moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem
na condição de membro da sociedade, conforme LEAL J; (2009).

32
3.1 Objetivo da antropologia

Hoebel e Frost (1981: 3-4 apud ANDRADE et al., 2010), afirmam que a “
antropologia fixa como seu objetivo o estudo da humanidade como um todo...” e
nenhuma outra ciência pesquisa sistematicamente todas as manifestações do ser
humano e da atividade humana de maneira tão unificada.
Para ANDRADE et al., (2010), é um objetivo extremamente amplo, visando ao
homem como expressão global, biopsicocultural, isto é, o homem como ser biológico
pensante, produtor de culturas e participantes da sociedade, tentando chegar, assim,
a compreensão da existência humana.

3.2 Divisões e campo da antropologia

Como caracteriza ANDRADE et al., (2010), antropologia sendo a ciência da


humanidade e da cultura, tem um campo de investigação extremamente vasto:
abrange, no espaço, toda a terra habitada, no tempo, pelo menos dois milhões de
anos e todas as populações socialmente organizadas. Divide –se em dois grandes,
campos de estudos, com objetivos definidos e interesses teóricos próprios:
Antropologia Física ou Biológica e Antropologia Cultural.

3.3 Antropologia física

A antropologia física ou biológica estuda a natureza física do homem,


procurando conhecer suas origens e evolução, sua estrutura anatômica, seus
processos fisiológicos e as diferentes características raciais das populações humanas,
antigas e modernas. Vincula – se assim as ciências biológicas e naturais,
aproximando – se intimamente da Zoologia, da Anatomia, da Fisiologia, da Serologia,
da Medicina etc., conforme ANDRADE et al., (2010). A antropologia Física ou
biológica divide – se em:
PALEONTOLOGIA HUMANA: a paleontologia (palaios, antigo, onto, Ser,
logos, estudo) humana ou paleoantropologia estuda a origem e a evolução humana
através do conhecimento das formas fósseis do passado, intermediarias entre os
primatas e o homem moderno, conforme ANDRADE et al., (2010).

33
SOMATOLOGIA: a somatologia (somato, corpo humano, logos, estudo)
descreve variedades existentes do homem, diferenças físicas individuais e diferenças
sexuais (tipos sanguíneos, metabolismo basal, adaptação e etc.), conforme
ANDRADE et al., (2010).
ANTROPOMETRIA: a antropometria (anthropos, homem, metria, medida) usa
as técnicas de medição, procedimento quantitativo que fornece medidas do corpo
humano (crânio, ossos etc.), elaboradas por instrumentos especiais. Entre eles o
antropômetro, largamente utilizado, conforme ANDRADE et al., (2010).
ESTUDOS COMPARATIVOS DO CRESCIMENTO: recentemente, os
somatólogos ampliaram seu campo de estudo, no sentido de conhecer as diferenças
grupais relacionadas aos índices de crescimento e os outros aspectos correlatos:
alimentação, exercícios físicos, maturidade sexual etc., conforme ANDRADE et al.,
(2010).

3.4 Antropologia cultural

De acordo com ANDRADE et al., (2010), campo mais amplo da ciência


antropológica, abrange o estudo do homem como ser cultural, isto é, fazedor de
cultura. Investiga as culturas humanas no tempo e no espaço, suas origens e
desenvolvimento, suas semelhanças e diferenças. Tem foco de interesse voltado para
o conhecimento do comportamento cultural humano, adquirido por aprendizado,
analisando – o em todas as suas dimensões.

Como ciência social, seu objetivo básico consiste no “problema da relação


entre modos de comportamento instintivo (hereditário) e adquirido (por
aprendizagem), bem como o das bases biológicas gerais que servem de
estrutura as capacidades culturais do homem” (Heberer, 1967:28 apud
ANDRADE et al., 2010). É o homem (estrutura biológica) criando o seu meio
cultura, mediante formas diferenciadas de comportamento, e evidenciando o
caráter biocultural do desenvolvimento humano.

Todas as sociedades humanas passadas, presentes e futuras interessam ao


antropólogo cultural. Segue abaixo os tópicos que abrange o campo de estudo da
mesma: 3.5/ 3.6 / 3.7 / 3.8 / 3.9 / 3.10 / 3.11 / 3.12.

34
3.5 Arqueologia

A arqueologia (archatos, antigo; logos, estudo) tem como objeto de estudo as


culturas do passado, extintas, que, em épocas remotas, desenvolveram formas
culturais, representando fases da humanidade não registradas em documentos
escritos. Trata – se da tentativa de reconstrução do passado por meio da busca de
vestígios e restos materiais não perecíveis e resistentes a destruição através do
tempo, conforme ANDRADE et al., (2010).
Cabe ao arqueólogo desenvolver técnicas adequadas para o trabalho e
escavação e coleta material que, devidamente interpretado, possibilitará a
reconstrução dos fatos do passado, conforme ANDRADE et al., (2010).
 Arqueologia clássica: tenta reconstruir as antigas civilizações letradas
(Egito, Grécia, Mesopotâmia, Etrúria etc.).
 Antropologia Arqueológica: trata dos primórdios da cultura, relativa as
populações extintas (culturas do Paleolítico, Mesolítico e Neolítico).

3.6 Etnografia

É frequente se afirmar que o método etnográfico é aquele que diferencia as


formas de construção de conhecimento em Antropologia em relação a outros campos
de conhecimento das ciências humanas. De fato, o método etnográfico encontra sua
especificidade em ser desenvolvido no âmbito da disciplina antropológica, sendo
composto de técnicas e de procedimentos de coletas de dados associados a uma
prática do trabalho de campo a partir de uma convivência mais ou menos prolongada
do (a) pesquisador (a) junto ao grupo social a ser estudado, conforme ROCHA A; et
al., (2003).
A prática da pesquisa de campo etnográfica responde, pois, a uma demanda
científica de produção de dados de conhecimento antropológico a partir de uma inter-
relação entre o (a) pesquisador (a) e o (s) sujeito (s) pesquisados que interagem no
contexto recorrendo primordialmente as técnicas de pesquisa da observação direta,
de conversas informais e formais, as entrevistas não-diretivas, etc., conforme ROCHA
A; et al., (2003).

35
O método etnográfico é a base na qual se apoia o edifício da formação de um
(a) antropólogo (a). A pesquisa etnográfica constituindo-se no exercício do olhar (ver)
e do escutar (ouvir) impõe ao pesquisador ou a pesquisadora um deslocamento de
sua própria cultura para se situar no interior do fenômeno por ele ou por ela observado
através da sua participação efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a
realidade investigada se lhe apresenta, conforme ROCHA A; et al., (2003).
A etnografia (éthnos, povo; graphein, escrever) consiste em um dos ramos da
ciência da cultura que se preocupa com a descrição das sociedades humanas. Lévi
Strauss (1967:14 apud ANDRADE et al., 2010) define – a de modo mais preciso e
objetivo.
Para ele, a Etnografia “ consiste na observação e análise de grupos humanos
considerados em sua particularidade (frequentemente escolhidos, por razoes teóricas
e práticas, mas que não se prendem de modo algum à natureza da pesquisa entre
aqueles que mais diferem do nosso), e visando a reconstituição, tão fiel quanto
possível, da vida de cada um deles”.
O objeto de estudo da Etnografia centra- se nas culturas simples, conhecidas
como “primitivas” ou ágrafas. São as chamadas sociedades de linhagem e
segmentárias. São grupos humanos que se opõem as sociedades complexas ou
civilizadas. Também estas podem constituir –se em foco de atenção do etnógrafo, por
exemplo, o interesse no estudo de sociedades rurais, conforme ANDRADE et al.,
(2010).
As sociedades simples encontram- se, ainda hoje, espalhadas pela Terra, cada
uma desenvolvendo uma cultura específica. Algumas já desapareceram, outras estão
em contato com o mundo exterior, em processo de mudança, poucas se conservam
isoladas.

Exemplos: “Primitivos” dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, África. No


Brasil, em 1957, dos 143 grupos tribais existem, 33 estavam ainda isolados,
276 em contato esporádico, 45 em contato permanente e 38 integrados a
sociedade nacional (D. Ribeiro, 1957 apud ANDRADE et al., 2010).

O etnógrafo é o especialista dedicado ao conhecimento exaustivo da cultura


material e imaterial dos grupos. Observa e descreve, analisa e reconstitui culturas.
Trata-se de um investigador de campo dedicado a coleta do material referente a todos
os aspectos culturais passíveis de serem observados e descritos, primeiro passo

36
forma que o pesquisador deve ser, ao mesmo tempo, etnógrafo e etnólogo, conforme
ANDRADE et al., (2010).

3.7 Conhecer a trajetória da antropologia como campo de ideias disciplinares

De acordo com ROCHA A; et al., (2003), a prática do método etnográfico é


seguida do estudo sistemático da construção do campo da disciplina antropológica.
Este procedimento permite a compreensão das disposições intelectuais e ideológicas
da trajetória do método antropológico em que o pesquisador se engaja. Compõe-se,
portanto, de um dos processos de formação pelos quais um aluno do curso de ciências
sociais necessita apreender para se formar na prática de investigação crítica que
delimita a produção de conhecimento em Antropologia na sua relação com os demais
campos das ditas “sociais”.
No dizer de ROCHA A; et al., (2003), o encontro/confronto do cientista social
com as sociedades não-europeias foi evidentemente que deu origem a este modo de
conhecimento particular elaborado desde a técnica da observação rigorosa contínua
e regular da vida social a partir da localização do investigado no interior das formas
da vida social que pretendia estudar. Procurava impregnar-se lenta e
sistematicamente dos grupos humanos com os quais mantinha, então, estreita troca
e interação. Nas palavras do antropólogo alemão Franz Boas:

suas alegrias e seus sofrimentos, que tenha conhecido com eles seus
momentos de provação e abundância, e que não os encarem como simples
objetos de pesquisa examinados como célula num microscópio, mas que os
observe como seres humanos sensíveis e inteligentes que são, admitiria que
eles nada possuem de um “espírito primitivo, de um “pensamento mágico” ou
“prélógico” e que cada indivíduo no interior de uma sociedade “primitiva” é um
homem, uma mulher ou uma criança da mesma espécie possuindo uma
mesma forma de pensar, sentir e agir que um homem, uma mulher ou uma
criança de nossa própria sociedade. (Boas, 2003, p. 32 apud ROCHA A; et
al., 2003).

Conforme ROCHA A; et al., (2003), Bronislaw Malinowski e Franz Boas foram


os pais fundadores deste método ao explorarem a distância que separava suas
sociedades daquelas por eles investigadas. Suas obras, os argonautas do pacífico
ocidental e A alma primitiva, respectivamente, são exemplos da experiência de
alteridade na elaboração da experiência etnográfica, tão necessária à formação de

37
um antropólogo, mesmo nos dias de hoje. Diz o antropólogo polonês e posteriormente
naturalizado inglês:

Se um homem embarca em uma expedição decidido a provar certas


hipóteses e se mostra incapaz de modificar sem cessar seus pontos de vistas
e de abandoná-los em razão de testemunhos, inútil de dizer que seu trabalho
não terá valor algum. (Malinowski, 1976, p. 6532 apud ROCHA A; et al.,
2003).

Estranhamento e relativização foram conceitos cunhados na tradição do


pensamento antropológico na sua tentativa de dar conta dos processos de
transformação do olhar o outro, o diferente, desde os deslocamentos necessários do
olhar do (a) antropólogo (a) sobre si mesmo e sua cultura, o igual, de acordo com
ROCHA A; et al., (2003).
A antropologia dos mestres fundadores foi assim responsável, no campo das
ciências sociais, por uma revolução epistemológica pela forma como a pesquisa
etnográfica, tendo como fundamento o trabalho de campo junto as sociedades ditas
primitivas, provocaria nas formas das ciências sociais: produzir conhecimento ao
longo do século XX conquistando vigor metodológico na investigação antropológica
nas modernas sociedades complexas, conforme ROCHA A; et al., (2003).
A etnografia como método de investigação das modernas sociedades
complexas como método de investigação, influenciou as formas de se fazer pesquisa
entre os sociólogos da Escola de Chicago. Este grupo de sociólogos americanos e
europeus tinha por interesse comum nos anos 30 do século XX, desenvolver um
método e conceitos pertinentes para tratar do fenômeno urbano e industrial, conforme
ROCHA A; et al., (2003).
Suas descobertas para compreender a sociedade moderna amplificaram seus
efeitos nos questionamentos no campo da pesquisa em ciências sociais pela forma
como a etnometodologia encontrou nos estudos clássicos dos antropólogos sua fonte
de inspiração para o estudo microscópico das formas de vida social de nossas
próprias sociedades na cultura ocidental, urbano-industrial, conforme ROCHA A; et
al., (2003).
No início do século XX, principalmente após as crises dos anos 1930, eram
inúmeros os cientistas sociais que participavam de instituições públicas ou privadas
que tinham por centro de suas ações o trabalho com grupos e/ou indivíduos vivendo
em situações de crise social. Muitos destes cientistas fizeram destas experiências seu

38
tema e objeto de teses em universidades efetuando-se assim a passagem da
participação para a observação das situações vividas por tais indivíduos e/ou grupos,
numa tentativa de reuni-los no interior de um mesmo procedimento metodológico,
conforme ROCHA A; et al., (2003).
A etnometodologia foi neste caso fundamental para a pesquisa no campo das
ciências sociais migrarem de procedimentos e técnicas de pesquisa influenciadas por
uma sociologia funcionalista ou positivista para uma microssociologia com grande
influência do método etnográfico, em Antropologia. Um exemplo paradigmático é a
Escola de Chicago que influenciou grandemente os estudos antropológicos em
sociedades complexas, em especial orientando para a análise das práticas culturais
no contexto da vida social nos grandes centros urbanos, conforme ROCHA A; et al.,
(2003).
Reunindo esta experiência ao método etnográfico, a área de conhecimento da
Antropologia inovou em suas formas de pesquisar os fenômenos sociais nas
modernas sociedades urbano-industriais ao propor o conceito de relativização como
inerente à pesquisa em ciências sociais, resultado do jogo polêmico entre participação
e distanciamento do pesquisador em relação ao seu próprio território de pesquisa,
conforme ROCHA A; et al., (2003).

Outra forma de se produzir conhecimento em ciências sociais se expande


desde aí tendo como foco o tema das necessárias rupturas epistemológicas,
conforme Pierre Bourdieu (1999 apud ROCHA A; et al., 2003). Para o
sociólogo francês tal pesquisa necessita contemplar o sentido reflexivo da
trajetória dos conceitos e teorias produzidos superando a força e a qualidade
heurística das ditas ciências duras. A apresentação do mundo subjetivo do
pesquisador como parte integrante dos procedimentos científicos de
objetivação a pesquisa do mundo social e não como impedimentos a sua
realização encontram na história das técnicas de pesquisa em antropologia
uma fonte de inspiração.

3.8 Etnologia

A Etnologia (éthnos, povo; logos, estudo) é outro ramo da ciência da cultura,


cujo pesquisadores utilizam os dados coletados e oferecidos pelo etnógrafo.
Eminentemente comparativa, preocupa – se com a análise, a interpretação e a
comparação entre as mais variadas culturas existentes, considerando suas
semelhanças e diferenças.

39
Enfatiza as inter-relações de homem e meio ambiente, indivíduo e cultura, na
tentativa de compreender a operosidade e a mudança das mesmas. Segundo Lévi-
Strauss (1967-396 apud ANDRADE et al., 2010), Etnografia, Etnologia e Antropologia
não constituem três disciplinas diferentes ou três concepções diferentes dos mesmos
estudos. São, de fato, três etapas ou três momentos de uma mesma pesquisa, e a
preferência por este ou aqueles destes termos exprimem somente uma atenção
predominante voltada para um tipo de pesquisa que não poderia nunca ser exclusivo
dos dois outros”.

3.9 Linguística

De todos os ramos da Antropologia Cultura, a Linguística é mais auto-


suficiente, em função de independência que envolve o seu conhecimento. A
linguagem é um meio de comunicação e também um instrumento de pensamento. A
grande diversidade de línguas acompanhada a grande variedade de culturas, cada
uma delas com suas formas e estruturas básicas definidas. Exemplo, línguas
indígenas brasileiras (Curt Nimuendajú, em 1981, relacionou 40 famílias linguísticas;
apud ANDRADE et al., 2010).

3.10 Folclore

É um dos campos de investigação da Antropologia Cultural, definindo – se


como o estudo da cultura espontânea dos grupos humanos rurais ou urbanizados. É
uma ciência socioantropológica, uma vez que se dedica ao estudo de determinados
aspectos da cultura humana. Preocupa –se com os fatos da cultura material e
espiritual que, originados espontaneamente, permanecem no seio do povo, tendo
determinada função.
O folclore, sendo uma disciplina autônoma, tem seus próprios métodos e
técnicas de pesquisa científica. Estuda os fenômenos em sua dimensão espacial e
temporal. Mesmo tendo a autonomia, é considerado ramo da antropologia, pela
identidade de interesses (o homem e a cultura) desses dois campos de conhecimento.
Exemplos, folguedos populares, danças, artesanato, linguagem, alimentação,
canções, etc. Conforme ANDRADE et al., (2010).

40
3.11 Antropologia social

É o estudo dos processos culturais e da estrutura social, seu interesse está


centrado na sociedade e nas instituições. O antropólogo social é aquele que, levando
em conta as diferenças existentes entre grupos humanos, preocupa –se em conhecer
as relações sociais que as regem. Cada aspecto da vida social- o familiar, o
econômico, o político, o religioso, e o jurídico só pode ser compreendido se estudado
em relação aos demais, como parte de um conjunto integrado.
Lucy Mair (1972:14 apud ANDRADE et al., 2010) afirma que cabe ao
antropólogo social “ observar a totalidade das relações que agem entre pessoas na
unidade social que estudamos, não só as diretamente relevantes a determinado
problema”. Isto significa que uma sociedade deve ser observada e estudada como um
todo, a partir de suas intenções, chegando –se até a sua estrutura e organização. As
diferenças entre “social” e o “cultural” não são tão substanciais, mas seu conteúdo
implica tendências teóricas próprias. Enquanto os ingleses se acham mais voltados
para antropologia social, os americanos dão preferência a antropologia cultural.

3.12 Cultura e personalidade

As Inter – relações entre cultura e personalidade constituem aspecto que abre


a análise antropológica um novo campo de investigação. O indivíduo não é visto como
um simples receptor e portador de cultura, mas como um agente de mudança cultural,
desempenhando papel dinâmico e inovador.
Ele incorpora, através do processo de endoculturação, características próprias
do grupo em que vive, adquirindo uma personalidade básica. Como participante de
uma sociedade e de uma cultura, a pessoa é portadora de caracteres constitucionais
(biopsicológicos) e de experiência sociocultural próprios. Isso lhe confere um tipo de
personalidade que vai determinar ações e reações, pensamentos e sentimentos,
enfim, o seu comportamento na busca de melhor adaptação aos valores sócios
culturais do grupo. Indivíduo, sociedade e cultura são três aspectos inter-relacionados,
indispensáveis do comportamento humano, conforme ANDRADE et al., (2010).

41
4 CONCEITUANDO O HOMEM

De acordo com conforme LIDÓRIO A; (2009), a sociologia não vê o homem


sozinho como homem, por definir este como um ser estritamente social. A psicologia
vê o homem como um ser autoconsciente enquanto a filosofia o define como um ser
moral e racional como defendia Hegel. Para a teologia, o fato de ser espiritual o
distingue de toda a criação.
Até aqui temos visto uma antropologia mais culturalista, mais estruturalista, na
consideração de que uma cultura seria um agrupamento ou um segmento social que
se desenvolve a partir das ideias e influencia o homem. Não seria, portanto, o meio
geográfico que determinaria a cultura, porém a dinâmica da cultura influenciaria o ser
humano que estaria dentro dela, sendo o homem a célula menor, conforme LIDÓRIO
A; (2009).
Perante tal pressuposto surgiu, porém, um problema axiomático a ser debatido
na antropologia. Estudiosos começaram a perceber que, perante culturas
profundamente definidas em alguns aspectos (modo de vida, valores, prioridades,
etc.) não raramente surgiam indivíduos que, drástica e surpreendentemente, geravam
mudanças profundas na base dos conceitos e vida. Ou seja, passou-se a perceber
que o homem é um agente transformador da cultura. Assim, o segredo para
entendermos a dinâmica cultural seria entendermos o homem, o indivíduo, este ser
destituído de muito valor na visão estruturalista, conforme LIDÓRIO A; (2009).

Fonte: opusdei.org

42
Pensando sobre o agente humano e suas múltiplas interações, Kroeber ajuda-
nos a distinguir o orgânico do cultural. Segundo ele o homem está inserido na
mecânica da natureza de forma igual pois, organicamente, possui necessidades
igualitárias a serem satisfeitas tais como o sono, alimentação, proteção, sexualidade
e etc., porém, a forma de suprir estas necessidades difere, certamente, de
agrupamento para agrupamento, de segmento social para segmento social. E isto
seria cultura, conforme LIDÓRIO A; (2009).
Se um indígena, membro de uma cultura tolerante ao infanticídio, ou mesmo
fomentadora do mesmo, um dia decidir não mais participar, e até mesmo se opor a tal
prática, movido por pura volição e escolha, sua história bem como de seu grupo
poderá ser perpetuamente alterada desde então. Portanto, o homem, apesar de ser a
célula menor no conceito antropológico geral e cultural, também é o agente
transformador. Desta forma pode-se diferir o homem dos demais agentes da natureza,
em termos culturais por “sua capacidade de transmitir sua história à geração vindoura,
avaliá-la de acordo com seus atuais princípios e desejos, e recriá-la à luz de suas
expectativas”, conforme LIDÓRIO A; (2009).

Franz Boas, estudando as diferenças culturais entre os Esquimós (Inuit) no


Canadá (1883; apud LIDÓRIO A; 2009.) Percebeu que as ideias de nobreza,
miséria, dignidade, pecado e relacionamento, “residem na construção do
coração, em que eu encontro, ou não, tanto aqui quanto entre nós”. Portanto,
passou a conceituar o homem como “um agente transmissor de ideias, fonte
inerente de conceitos herdados pela humanidade que se distingue em suas
aplicações na vida e grupo”.

Desta forma a fonte da diversidade cultural passou a ser o homem e seu


pensamento, não o ambiente e imposições geográficas. Entretanto falta aqui o estudo
e percepção dos elementos geradores de ideias no indivíduo. O que veio mais tarde
a ser tratado na fenomenologia religiosa. Digno de nota seria a discordância entre
Tylor e Kroeber em razão da posição do homem entre os outros seres vivos. Enquanto
Tylor distinguia o homem a partir da cultura (o único possuidor de cultura e
transmissão cultural) Kroeber distinguia o homem dos demais seres vivos apenas pelo
poder de comunicação oral mais precisa e capacidade de gerar instrumentos que lhe
pudessem ser úteis ao desenvolvimento, conforme LIDÓRIO A; (2009).
Apesar da tentativa de Kroeber em colocar o homem dentro da ordem da
natureza, não o distinguindo dos demais seres vivos, não nos fornece munição para
entendermos a sua incrível diversidade, conforme LIDÓRIO A; (2009).

43
Recorremos, portanto, às palavras de Laraia quando diz que a grande
qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações: um animal
frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se transformou
no mais temível dos predadores. Sem asas, dominou os ares; sem guelras ou
membranas próprias, conquistou os mares. Tudo isto porque difere dos outros animais
por ser o único que possui cultura, conforme LIDÓRIO A; (2009).
Segundo Geertz, as antigas abordagens definidoras da natureza humana, tanto
feitas pelo Iluminismo quanto pela antropologia clássica, são basicamente tipológicas,
e tornavam secundárias as diferenças entre indivíduos e grupos. Agora, através de
uma visão cultural vemos que se tornar humano é “tornar-se individual, e nós nos
tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais... (que) não são gerais, mas
específicos”, conforme LIDÓRIO A; (2009).
Portanto poderíamos conceituar homem, para nosso estudo antropológico,
como o ser em cultura, que se define a partir da sua história, suas ideias e
envolvimento social. Em sua consciência, em sua moralidade e racionalidade, assim
como em sua espiritualidade o homem pode aventurar-se num caminhar construtivo
em sua própria essência humana através de sua vocação cultural, conforme LIDÓRIO
A; (2009).

4.1 O homem e o ambiente

O homem só pode existir se for capaz de adequar e transformar a energia


disponível no ambiente. Quando um aldeão está plantando hortaliças, na verdade está
se utilizando da energia do ambiente para sua manutenção: o vegetal aproveita a
energia do sol por meio da fotossíntese; o homem, por sua vez, está transformado o
vegetal em calorias para sobreviver, conforme AGUIAR R; (2013).
O fogo, utilizado para aquecer as lareiras das casas, é mais um exemplo de
como os galhos de uma árvore são transformados em outra fonte de energia, o calor.
São elos de uma cadeia: o sol alimenta o pasto, o pasto alimenta a cabra e a cabra
alimenta o homem, conforme AGUIAR R; (2013).

44
Produção, então, é o resultado da aplicação da tecnologia e do trabalho
humano nos recursos naturais. Dessa forma, a produção de energia constitui a
maneira de viver de um povo. Cada sociedade cria um enorme conteúdo cultural que
vai ditar as normas a serem respeitadas na satisfação das necessidades mais básicas.
Esta gama de saberes populares que moldam a relação homem-ambiente se converte
em rico material de estudo para as ciências sociais, conforme AGUIAR R; (2013).
Os quatro modos básicos de produção são: caça e coleta, agricultura de corte
e queimada, agricultura de irrigação e pastoreio nômade. É com base nestes sistemas
produtivos que as sociedades que vivem de forma tradicional garantem seu sustento.
A caça e coleta
É o modelo mais elementar de produção, onde o homem extrai o necessário
para sua subsistência por meio da caça de animais e coleta de plantas, frutas e raízes
disponíveis no entorno. Este tipo de economia só pode manter pequenos grupos, de
20 a 30 pessoas. Este modelo foi o primeiro a ser empregado pelo homem em tempos
pré-históricos, acompanhando a humanidade ao longo de sua existência. Hoje,
poucos grupos isolados, como os que vivem em florestas tropicais ou nas savanas
africanas, empregam este modo econômico, conforme AGUIAR R; (2013).
A agricultura de corte e queimada
É um modelo de produção que permanece em uso entre muitas comunidades
de pequena escala. Neste sistema, a vegetação em uma área a ser destinada para o
plantio é cortada e em seguida é ateado fogo. O objetivo é limpar a área para o plantio
e o carvão resultante da queima, em um primeiro momento, serve de nutriente.
Contudo, neste sistema o solo se esgota rapidamente, sendo a comunidade obrigada
a abandonar as terras cultivadas em um prazo médio de cinco anos. Este sistema
depende da participação das famílias e é capaz de manter comunidades com até
cerca de 200 pessoas, conforme AGUIAR R; (2013).
A agricultura de irrigação
Parece ter superado as dificuldades que se apresentam no modo de corte e
queimada. Ao irrigar as terras o agricultor aumenta seu potencial produtivo.
Associando a irrigação com um sistema de rotação de culturas, as comunidades
passaram a usufruir seus territórios de plantio por tempo indeterminado. Os
plantadores de arroz dos campos da China são um exemplo desse tipo de economia,
que por lá data de milhares de anos, conforme AGUIAR R; (2013).

45
Com uma grande quantidade de excedentes, tem-se início um intenso comércio
e aparece a especialização da mão de obra. Ou seja, se nas outras comunidades
todos os seus membros possuem as mesmas obrigações, com este novo sistema
econômico as pessoas passam a se dedicar a atividades específicas: surgem os
agricultores, os artesãos, os comerciantes. As grandes civilizações, que surgiram às
margens do Tigre e Eufrates há mais de 5 mil anos, passaram por esse processo de
especialização da mão de obra, conforme AGUIAR R; (2013).
O pastoreio nômade
É normalmente empregado por grupos humanos que vivem em regiões
inóspitas, como nos desertos do Saara ou da Mongólia. Diante de um clima hostil ao
homem, essas comunidades aprenderam a sobreviver conduzindo suas cabras e
camelos de oásis em oásis, estabelecendo trocas comerciais com outros grupos.
Diante desses modelos econômicos está a questão familiar mais básica: os
pais enfrentando a natureza para dar sustento a seus filhos. A isso denominamos
economia de status, onde os bens são produzidos e distribuídos não por compra e
venda, mas por força dos direitos e obrigações tradicionais. Em suma, um pai ou uma
mãe não fornecem uma refeição aos filhos porque estes a compraram, mas sim
porque o sustento da prole faz parte da obrigação tradicional destes pais.
Para a distribuição dos bens produzidos o homem desenvolveu três meios de
intercâmbio:
A reciprocidade:
 Onde a troca se dá entre comunidades de laços afetivos, do tipo dar e
receber, que vivenciamos entre parentes ou aparentados e não há
regras de quantidade ou tempo do contra fluxo. A reciprocidade implica
o intercâmbio entre pessoas que estão numa posição simétrica, de
igualdade. É uma troca entre iguais, onde ninguém está em posição de
dominação, conforme AGUIAR R; (2013).
O modo redistributivo:
 Que consiste em agrupar todos os bens produzidos em uma área
central e distribuí-los em parcelas igualmente proporcionais ao trabalho
empregado. Este processo é controlado por uma autoridade central
(como o cacique ou uma liderança comunitária), conforme AGUIAR R;
(2013).

46
O mercado:
 Pessoas sem nenhuma relação de parentesco ou estranhas se reúnem
em um lugar específico para intercambiar artigos. A introdução de uma
unidade de medida de valores se tornou inevitável para esse tipo de
economia e assim surge o dinheiro, conforme AGUIAR R; (2013).
Os estudos antropológicos direcionados para a relação entre homem e
ambiente atualmente compõem o campo de estudo denominado antropologia
ecológica. A maneira como o homem se utiliza dos recursos disponíveis e os
transforma, agregando significado cultural aos elementos da natureza, vão constituir
o principal foco de estudo do antropólogo. Plantas, animais, elementos da natureza,
passam a integrar uma série de estruturas simbólicas e cosmológicas a fim de moldar
o universo social e conferir sentido de vida para os homens e mulheres que vivem de
economia tradicional, conforme AGUIAR R; (2013).
Comunidades de pescadores artesanais, ou ainda sociedades agropastoris de
pequena escala são alguns exemplos de grupos humanos que compõem o objeto de
estudo da antropologia ecológica. Praticam modos produtivos centrados em
conhecimentos tradicionais passados de pai para filho ao longo de muitas gerações.
Alguns desses conhecimentos são milenares, conforme AGUIAR R; (2013).
Entre os pescadores artesanais da Ilha de Santa Catarina, a vida social
obedece a uma clara ordem cosmológica. Os elementos naturais, como mar ou o
clima, são interpretados de modo a orientar as ações coletivas. Muitas vezes, seres
sobrenaturais, como as bruxas, são evocados para justificar o insucesso de
empreendimentos ou os males que assolam a comunidade, conforme AGUIAR R;
(2013).
Os pescadores artesanais hoje vivem um conflito contra os pesqueiros
industriais, a quem responsabilizam pela redução dos estoques pesqueiros. Esse
problema econômico gerou instabilidade social e tensão, levando os mais jovens ao
abandono das tradições, dilema que se repete em muitas outras comunidades
tradicionais Brasil e mundo afora, conforme AGUIAR R; (2013).
Num dado momento, se descobriu que as sociedades distribuíam de forma
diferente a organização do trabalho. Elas foram então classificadas dentro de dois
graus distintos de integração dos indivíduos: a solidariedade mecânica e a
solidariedade orgânica, conforme AGUIAR R; (2013).

47
Na solidariedade mecânica as atividades de subsistência são desenvolvidas
sem observar uma rigorosa divisão do trabalho, podendo a mesma tarefa ser
desenvolvida por membros de categorias sociais distintas. Já na solidariedade
orgânica, a sociedade está formada por unidades díspares, ou grupos especializados,
envolvidos de forma estrita em suas funções, conforme AGUIAR R; (2013).

4.2 O interno e o externo no homem de acordo com crítica de Michel e Foucault


dentro da antropologia

Conforme SILVEIRA F; (2015), objetivando conhecer o homem em suas


práticas, fazendo uso do mundo e da natureza, a Antropologia parte da análise da
dimensão interior do homem. A indicação feita por Foucault, busca antes salientar a
centralidade da relação entre o interno e o externo no homem, anunciada já nas
subdivisões da Antropologia:
 “Didática Antropológica – Da maneira de conhecer tanto o interior
quanto o exterior do ser humano” e
 “Característica Antropológica – Da maneira de conhecer o interior do
homem pelo exterior”.
É neste ponto que a Antropologia faz jus ao seu parentesco com a psicologia
empírica, pois as análises referentes ao interior do homem se centram no seu sentido
interno, através do qual o sujeito tem o poder de intuir a si mesmo. O sentido interno
é examinado na Antropologia de maneira a, num mesmo movimento, envolver a
psicologia empírica na investigação e afastar a psicologia racional como possibilidade.
De um lado, no movimento de conhecer a si mesmo, evoca-se o Gemüt como “mera
faculdade de sentir e pensar” ([2008], 2011, p. 60 apud SILVEIRA F; 2015), mas, por
outro, corre-se o perigo de se elevar esta faculdade ao estatuto de substância (alma),
o que faz o conhecimento recair numa ilusão transcendental, como apontado por Kant
na Dialética.

48
Fonte: wordpress.com

Esta ilusão seria decorrente da confusão operada pela psicologia entre


apercepção e sentido interno, cuja distinção na Antropologia, ressalta Foucault, é
diferente daquela encontrada na crítica da razão pura. Na Antropologia, a apercepção
é definida como consciência daquilo que o homem faz, atribuindo-se uma atividade
originária ao sujeito e, o sentido interno, como consciência daquilo que o sujeito
experimenta de maneira passiva, num jogo de representações (Gedankenspiel) que
se joga fora dele ([2008], 2011, p. 31 apud SILVEIRA F; 2015).
Na crítica, a apercepção era reduzida ao simples eu penso, e o sentido interno
ligado apenas à forma pura do tempo. Assim, o sentido interno é, do ponto de vista
antropológico, definido como consciência do que o homem sofre “quando é afetado
pelo jogo de seus próprios pensamentos”, e Kant salienta que neste mecanismo, ele
está sujeito a ilusões, e à possibilidade de “descobrir nas profundezas de sua alma”,
algo que, na verdade, ele mesmo ali inseriu (KANT [1798b], 2006, §24 apud SILVEIRA
F; 2015).

Estas modificações com relação à apercepção e o ao sentido interno são


fundamentais para o delineamento de um espaço possível para a
Antropologia: o sujeito é tomado aqui como determinante (das bestimmende
Subjekt), e como sujeito que determina a si mesmo (das sich selbst
bestimmende Subjekt). De acordo com Marco Marsá, a apercepção pura,
distinta de uma intuição intelectual, é aqui apercepção pura de um fazer (tun)
e no meio de um fazer, tendo lugar como “ocupação” ou “negócio”, sob a
forma de um “encontrar-se” num mundo, ocupado com as coisas e em relação
com os outros [...], mas este ser sensível, constitutivo da subjetividade, afeta
igualmente aquilo que se deve entender por ‘sentido interno’. Este último, com
efeito, porque é definido na Antropologia como consciência daquilo que o
49
homem ‘experimenta’ (leidet), não pode mais se referir ao tempo como forma
da subjetividade (MARSÁ, 2012/13, p. 37 apud SILVEIRA F; 2015).

O sentido interno é dotado, na Antropologia da possibilidade de ser afetado,


uma vez que aqui ele não é o lugar da intuição do sujeito, por meio da forma pura do
tempo. É por esta razão que a análise do Gemüt no âmbito do sentido interno é tão
importante para a compreensão da antropologia como pragmática, ainda que boa
parte da discussão, segundo Foucault, tenha remanescido no manuscrito original, não
tendo sido levada ao texto publicado, conforme SILVEIRA F; (2015).
Provavelmente, diz Foucault, porque na abordagem do problema do
conhecimento de si, a discussão enveredaria para o domínio do transcendental, sendo
que à Antropologia deveriam concernir apenas as descrições empíricas da
observação de si (FOUCAULT [2008], 2011, p. 33-34 24 apud SILVEIRA F; 2015).
Isto leva o autor francês a endossar a tese de que a filosofia crítica kantiana está
presente como um dado inexorável na Antropologia, mas que, ao mesmo tempo, seu
lugar ali é arenoso, uma vez que a sensibilidade deve ser considerada, de acordo com
a Crítica, apenas em sua forma pura, e não naquilo que diz respeito ao fato de o sujeito
conhecer a si mesmo enquanto sofre a ação do meio externo.
Três questões deverão ser postas para se conceber o sentido da abordagem
antropológica do Gemüt:
 De que modo seu estudo ajuda a conhecer melhor o homem como
cidadão do mundo;
 Uma vez que o Gemüt reúne, com efeito, as três faculdades
fundamentais exploradas nas três críticas, que relações se podem extrair
daí entre a Antropologia e a filosofia crítica e, por fim;
 Em que medida o exame do Gemüt não recai numa psicologia, seja
racional ou empírica, questão abordada, mas não inteiramente
respondida pela Crítica da razão pura nem pela Antropologia segundo
Foucault ([2008], 2011, p. 49 apud SILVEIRA F; 2015).
Forma-se aí uma “organização abstrata” ([2008], 2011, p. 50 apud SILVEIRA
F; 2015), um espaço para o delineamento do lugar da análise do Gemüt para além da
psicologia, esta que, por sua vez, já tendo buscado suas raízes numa “metafísica
desencorajada” não pode encontrar lugar na razão pura seja como ciência de uma

50
alma substancial, seja como estudo empírico da alma, do qual jamais se poderiam
extrair asserções universais.
Com relação à forma, a Antropologia busca se distanciar da psicologia ao evitar
uma correspondência entre apercepção e sentido interno, nesse sentido, a
Antropologia jamais aborda uma alma como substância, ficando restrita ao
conhecimento do Eu objeto, disperso, fenomênico, conforme SILVEIRA F; (2015).
Foucault dirá que a Antropologia está em consonância com os desígnios da
Dialética transcendental, que denunciava a confusão entre a representação simples e
vazia do Eu e a compreensão da alma como substância. Esta confusão gera a ilusão
de que haveria uma substância especial – a alma – o que, com efeito, não passa de
uma hipóstase da função de unificação da consciência; um paralogismo, conforme
SILVEIRA F; (2015).
No entanto, fica resguardado o espaço à psicologia empírica como uma espécie
de “fisiologia do sentido íntimo” cujos conteúdos dependem das condições da
experiência ([2008], 2011, p. 51 apud SILVEIRA F; 2015). Neste ponto, Foucault
chega ao questionamento definitivo na investigação acerca das relações entre
psicologia e antropologia e, dentro dele, ao desafio central envolvido nas relações
entre o conhecimento antropológico e a ilusão antropológica:

Seria necessário concluir que, por um desvio de perspectivas, a própria


antropologia veio a tornar-se, ao mesmo tempo, esta disciplina
transcendental e este conhecimento empírico ou que, ao contrário, ela os
tornou impraticáveis, desmontando-os para sempre? (FOUCAULT, [2008],
2011, p. 52 apud SILVEIRA F; 2015).

Responder afirmativamente à primeira pergunta seria o mesmo que dizer que


a Antropologia operaria a confusão entre o nível do empírico e do transcendental o
que, definitivamente, não é a tese de Foucault e ainda menos o propósito de Kant.
Com efeito, uma vez que a Antropologia busca se distanciar da psicologia, o Gemüt
não é compreendido como alma, mas como a mente (ou ânimo) afetada pelo espírito
(Geist), conforme SILVEIRA F; (2015).
Este é compreendido como um princípio que não é nem determinante nem
regulador, mas antes “vivificador” – do qual, segundo Foucault, conhecemos menos
sobre o que ele é em si, e mais sobre o seu ato de vivificação – uma vez que sua
função é trazer vida e orientar, através de ideias, e no sentido da totalidade, os
poderes e faculdades do Gemüt ([2008], 2011, p. 53-54 apud SILVEIRA F; 2015).

51
A função do espírito enquanto um princípio não é organizar o ânimo,
constituindo-o como um ser vivo ou como ser absoluto, mas, antes, fazer nascer, na
passividade de sua determinação empírica, “o movimento fervilhante das ideias”
([2008], 2011, p. 55 apud SILVEIRA F; 2015). É com este movimento que o Gemüt
pode “fazer algo de si mesmo”, sendo este o maior uso empírico possível da razão
([2008], 2011, p. 55 apud SILVEIRA F; 2015).
Foucault faz notar que o espaço possível desta conclusão se dá numa
compreensão da ideia, “liberada de seu uso transcendental”, e considerada apenas
no âmbito de seu uso empírico, tendo um importante papel organizador na vida
concreta do espírito ([2008], 2011, p. 54 apud SILVEIRA F; 2015).

Ela termina por representar um elemento vivificador que impulsiona o Gemüt


para além de seu caráter receptivo. Vinculada à ideia desdialetizada, a razão
empírica passa a “viver no elemento do possível” ([2008], 2011, p. 55 apud
SILVEIRA F; 2015). Foucault conclui que aquilo que, na crítica, representava
o caminho da ilusão transcendental, na Antropologia que se desenvolve sob
o ponto de vista pragmático faz vigorar a vida empírica do Gemüt.

Não se trata, portanto, de compreender que a Antropologia se torna uma


“disciplina transcendental” ao mesmo tempo em que faria as vezes de um
conhecimento empírico. É que as ideias suscitadas pelo espírito têm um caráter
especial na Antropologia, diferentemente do que é desenvolvido na Dialética.
A experiência é compreendida aqui como algo que está para além das relações
do homem com a natureza, pois que no princípio está implícita a “maneira” de se
compreender esta natureza; a ideia remete ao movimento constante da possibilidade
em oposição à determinação empírica. É este o sentido de um princípio vivificador,
conforme SILVEIRA F; (2015).
De acordo com SILVEIRA F; (2015), Foucault extrai daí quatro consequências:
 A própria Antropologia só é possível na medida em que o ânimo é
vivificado pelas ideias, não estando preso a suas determinações
fenomenais, e sendo remetido à liberdade pelo espírito;
 Este movimento invalida qualquer filosofia do espírito ou psicologia
empírica desenvolvidas meramente no nível da natureza, o que faz com
que só haja antropologia possível enquanto pragmática;
 Tanto a Crítica como a Antropologia estariam propensas ao erro e à
ilusão, o que remete o pensamento a sua fragilidade, a sua finitude,

52
devido a tendências “naturais” da razão. Na primeira, a de abandonar o
âmbito da experiência possível em função do uso puro e, na segunda, a
de se perder em seu próprio jogo devido à abertura ilimitada à
possibilidade;
 O espírito (Geist) poderia vir a ser compreendido como o princípio
fundamental da filosofia kantiana, “o núcleo da razão pura”, tendo um
caráter paradoxal, uma vez que é, ao mesmo tempo, a origem das
ilusões transcendentais e o juiz do retorno à legitimidade:

O Geist seria o fato originário que, em sua versão transcendental, implica que
o infinito jamais esteja aí, mas sempre em um essencial recuo – e, em sua
versão empírica, que o infinito anima, contudo, o movimento em direção à
verdade e a inesgotável sucessão de suas formas. O Geist está na raiz da
possibilidade do saber. E por isto mesmo indissociavelmente presente e
ausente nas figuras do conhecimento: ele é este recuo, esta invisível e “visível
reserva” na inacessível distância a partir da qual o conhecer adquire lugar e
positividade. Seu ser consiste em não ser aí, delineando, com isto mesmo, o
lugar da verdade. Fato originário que, em sua estrutura única e soberana,
sobrepuja a necessidade da Crítica e a possibilidade da Antropologia ([2008],
2011, p. 57 apud SILVEIRA F; 2015).

A partir do Geist, conclui-se que, na verdade, a relação entre a Crítica da razão


pura e a Antropologia é inteiramente de ordem negativa. O lugar da verdade em cada
uma suscita o simétrico oposto na outra, já que aquilo que aponta para o limite na
Crítica é, na Antropologia, a ênfase no ilimitado como possibilidade. A relação entre
as duas é da ordem de uma inversão, conforme SILVEIRA F; (2015).
Esta relação é necessária para a compreensão da antropologia como
pragmática, uma vez que o jogo entre o Gemüt e o Geist está na base do homem
compreendido como algo que está entre o conhecimento de si e o conhecimento do
mundo. Há uma relação recíproca e reversa entre espontaneidade e passividade se
se tomam em conjunto estes dois momentos da obra de Kant. Esta relação fica mais
clara se se questiona sobre a centralidade da sensibilidade na Antropologia, conforme
SILVEIRA F; (2015).

4.3 O lugar do conhecimento de si

De acordo com SILVEIRA F; (2015), o uso empírico da razão comporta, na


Antropologia, a possibilidade de ação ao Gemüt, uma vez que ele representa a
capacidade de o homem conhecer a si mesmo, mas também de fazer algo de si.
53
O fato de o sentido interno ser afetado revela que a Antropologia mantém uma
relação singular com a faculdade da sensibilidade no conhecimento. Kant escreve:

O que há de passivo na sensibilidade, que, no entanto, não podemos pôr de


lado, é propriamente a causa de todo mal que a ela se atribui. A perfeição
interna do ser humano consiste nisto: ter o uso de todas as suas faculdades
em seu poder, para submetê-lo ao seu livre-arbítrio. Mas para isso se exige
que o entendimento domine sem, contudo, debilitar a sensibilidade (que é em
si plebe, porque não pensa), porque sem ela não haveria matéria que
pudesse ser elaborada para uso do entendimento legislador (KANT [1798b],
2006, §8; apud SILVEIRA F; 2015).

Há, na Antropologia, uma apologia da sensibilidade através da qual é negada


a ideia de que ela seja o lugar do erro no conhecimento. Uma vez que o juízo cabe
apenas ao entendimento, somente ele pode errar (KANT [1798b], 2006, §11 apud
SILVEIRA F; 2015).
Dessa maneira, pode-se dizer que há algo no entendimento que o torna
suscetível a “representações obscuras” das quais não há uma consciência imediata.
Este domínio de obscuridade no entendimento revela sua suscetibilidade e sua
passividade. Tal apreciação do entendimento, que lhe outorga um lado passivo, onde
deveria haver apenas espontaneidade, associada à apreensão sensível do objeto pela
sensibilidade, remete à finitude essencial do conhecimento humano, conforme
SILVEIRA F; (2015).

Fonte: yellowstonerecovery.com

Essa finitude é ressaltada na Antropologia já na maneira como são


apresentados o sentido interno e a apercepção em sua relação com o dado: enquanto
consciência daquilo que o homem faz, a apercepção atua no mundo como uma

54
realidade já dada de sínteses passivas, operadas para além da consciência e da
unidade do “eu penso”. E uma vez que o mundo se oferece antropologicamente como
âmbito de sínteses já operadas, o sentido interno se dá como consciência daquilo que
o homem sofre (leidet), não podendo mais se referir ao tempo como forma pura da
subjetividade, conforme SILVEIRA F; (2015).
O eu, na Antropologia, não sou transcendental, lugar das formas puras, e
identifica-se antes com o “ser sensível” do homem. Já o tempo é algo que está mais
próximo do mundo e da natureza, ligado às vicissitudes do corpo humano em suas
determinações empíricas. Isso não significa, contudo, que o tempo seja compreendido
ontologicamente, conforme SILVEIRA F; (2015).
Ele é “antropológico”, e se dá nas sínteses já operadas entre a existência
humana concreta e o mundo cosmopolítico. O “Eu” não impera aqui como lugar
originário destas sínteses, conforme SILVEIRA F; (2015).
No período final de redação da Antropologia, Kant troca correspondências com
o matemático Jakob Beck, nas quais a ênfase dada à sensibilidade e a questão das
sínteses operadas fora do Eu são discutidas. De acordo com Foucault, nestas
correspondências podem ser observados os temas maiores da Crítica:
 A relação com o objeto;
 A síntese do múltiplo;
 A validade universal da representação (FOUCAULT [2008], 2011, p. 29
apud SILVEIRA F; 2015).
Segundo a objeção de Beck a Kant, haveria um problema incontornável
atrelado à representação do objeto por parte do sujeito. Se, diz Beck, a representação
é constituída pelo sujeito, como saber se ela não se torna solipsista e incomunicável
aos outros? Como ter certeza de que, na representação, o sujeito não apenas atribui
algo de si mesmo, na representação do objeto? Kant teria respondido à objeção
apelando para a ideia de “composição”. Não é no sujeito que deve estar o lugar de
encontro entre as representações partilháveis, mas do lado do objeto, enquanto este
afeta os próprios sujeitos, compondo com eles um conjunto partilhável, conforme
SILVEIRA F; (2015).

55
A representação é comunicável porque é o objeto, em uma relação de
composição com o sujeito, que torna possível a partilha, a comunicabilidade do
conhecimento ([2008], 2011, p. 28-30 apud SILVEIRA F; 2015). Foucault faz notar que
esta discussão é central para a maneira como a antropologia compreende o homem;
enquanto habitante de um mundo, e em constante relação com os outros.
Esta discussão desembocaria no problema do conhecimento de si. Ao tomar a
si mesmo como objeto, o sujeito não estaria efetivamente conhecendo, mas apenas
cindindo o Eu em Eu-objeto, de um lado, e Eu-sujeito, de outro. Esta discussão evoca
o problema das relações entre entendimento e sensibilidade na qual estará implícita
uma rejeição de Beck à consistência e à autonomia da sensibilidade, conforme
SILVEIRA F; (2015).
Em uma palavra: atribuir à sensibilidade um caráter de consistência neste
conhecimento significaria abdicar inteiramente de uma unidade sintética da
apercepção e, portanto, admitir uma inexorável cisão do sujeito, conforme SILVEIRA
F; (2015).
De acordo com SILVEIRA F; (2015), o texto da Antropologia apresenta uma
resposta implícita às objeções de Beck justamente no alto grau de relevância atribuído
à sensibilidade no processo de conhecimento:

Eu, como ser pensante, sou de fato um mesmo sujeito comigo, como ser
sensível, mas como objeto da intuição empírica interna, isto é, enquanto sou
afetado internamente por sensações no tempo, simultâneas ou sucessivas,
só me conheço como apareço a mim mesmo, não como coisa em si mesma.
Pois isso depende da condição do tempo, que não é um conceito do
entendimento (portanto não mera espontaneidade); por conseguinte, de uma
condição com respeito à qual minha faculdade de representação é passiva (e
pertence à receptividade) (KANT [1798b], 2006, §7 apud SILVEIRA F; 2015).

Não há, portanto, um Eu duplo. Há apenas um Eu, que é fenomênico, e cujo


conhecimento opera segundo faculdades distintas, a de receptividade e a de
espontaneidade. O sujeito é ativo, mas é também objeto de afecção. Foucault
destaca, porém, que essa discussão sobre o conhecimento de si teria ficado mais bem
trabalhada no manuscrito que permaneceu inédito (FOUCAULT [2008], 2011, p. 32
apud SILVEIRA F; 2015).

56
Uma decorrência destas objeções de Beck seria o problema da distinção entre
filosofia teórica e prática ([2008], 2011, p. 30 apud SILVEIRA F; 2015). Enquanto
objeto da natureza o homem é determinado, mas enquanto conhece através de
representações e representa a si mesmo, ele se eleva a uma condição de ser de
liberdade, pois se torna ciente de suas faculdades. Também esta resposta aparece
como questão de peso na Antropologia, cujo domínio de possibilidade está ligado,
como vimos, justamente ao horizonte de uma liberdade que congrega teoria e prática.
A antropologia pragmática seria:

[...] uma região na qual a observação de si não acede nem a um sujeito em


si, nem ao Eu puro da síntese, mas a um Eu que é objeto e está presente
apenas em sua única verdade fenomenal. Entretanto, esse Eu-objeto,
oferecido ao sentido na forma do tempo, não é estranho ao sujeito
determinante, pois, afinal, ele não é outra coisa senão o sujeito tal como é
afetado por si mesmo. E o domínio da antropologia, longe de ser o do
mecanismo da natureza e das determinações extrínsecas (ela seria então
uma “fisiologia”), é inteiramente habitado pela presença surda, solta e por
vezes desviada de uma liberdade que se exerce no campo da passividade
originária. Em suma, vemos esboçar-se um domínio próprio da antropologia,
aquele em que a unidade concreta das sínteses e da passividade, do afetado
e do constituinte dá-se como fenômeno na forma do tempo ([2008], 2011, p.
33 apud SILVEIRA F; 2015).

Como caracteriza SILVEIRA F; (2015), a Antropologia tem lugar no contexto de


sínteses possíveis apenas mediante a ênfase que ela outorga ao domínio da
sensibilidade, uma vez que o homem é compreendido em sentido pragmático, fazendo
uso de suas faculdades, e transformando o natural, mas sendo, por outro lado, afetado
por ele. Estas sínteses evocam mais uma vez o papel que a filosofia crítica
desempenha nesta discussão.
Nesse meio, o tempo desempenha um importante papel e permite visualizar a
“reprodução em espelho” ([2008], 2011, p. 64 apud SILVEIRA F; 2015) das condições
de possibilidade do conhecimento da Crítica nas formas concretas da existência
humana na Antropologia.
O que na Crítica estava atrelado à forma pura do sentido interno tendo,
portanto, um caráter de atividade sintética constitutiva do sujeito, é compreendido na
Antropologia como o originário da existência concreta humana. Nele, o tempo não
conta com a unidade subjetiva para e está disperso em instantes na concretude das
ações humanas.

57
O próprio “eu” na Antropologia, de acordo com Foucault, é destituído do poder
de unificar o múltiplo em sínteses, uma vez que se encontra disperso em meio ao “já
dado”, sem que se possa atribuir a ele um ponto primitivo de origem, conforme
SILVEIRA F; (2015).

Assim, o tempo “antropológico”, antes de ser uma determinação, configura-


se como possibilidade, através da qual homem é capaz de se elevar acima
da natureza pelo uso de sua liberdade pragmática, exercida no seio de uma
passividade originária, conforme SILVEIRA F; (2015).

No delineamento desta relação entre o a priori como as condições de


possibilidade do conhecimento na Crítica e o originário como descrição não empírica
das formas concretas da existência humana está a base do que Foucault enunciará
como uma confusão entre o domínio do empírico e do transcendental, evitada por
Kant na obediência direta aos desígnios da filosofia crítica, que impõe sempre
determinados limites ao conhecimento. Em uma palavra: de um “universal concreto”
na Antropologia não se pode derivar qualquer fundamento ou condição a priori da
existência humana, conforme SILVEIRA F; (2015).

Cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente frente às ações


sobre o meio. As respostas ou manifestações são, portanto, resultado das
percepções, dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada
indivíduo. Embora nem todas as manifestações psicológicas sejam
evidentes, são constantes, e afetam nossa conduta, na maioria das vezes,
inconscientemente. (FAGGIONATO, 2011; apud SILVA K; SAMMARCO Y;
2015).

5 A PSICOLOGIA E A ANTROPOLOGIA

De acordo com ANDRADE et al., (2010), as relações entre essas duas ciências
são bastantes estreitas, uma vez que ambas têm como foco de interesse o
comportamento humano. A antropologia ocupa-se do comportamento grupal e a
psicologia, do comportamento individual.
Os antropólogos buscam, nos dados levantados pelos psicólogos, explicações
para a complexidade das culturas e do comportamento humano e para a interpretação
dos sistemas culturais relacionados com os tipos de personalidade correspondentes.

58
Indaga-se, assim, quais seriam os móveis da conduta social e qual o papel da cultura
no processo de adaptação humana, conforme ANDRADE et al., (2010).
Fatores biológicos, ambientais e culturais são as variáveis explicativas das
diferenças individuais, que determinam os diversos tipos de personalidade básicos
das culturas. Na tarefa de proceder a esse conhecimento, antropólogos e psicólogos
auxiliam – se mutuamente, fornecendo dados que propiciam a compreensão de
problemas comuns, conforme ANDRADE et al., (2010).

59
6 BIBLIOGRAFIA

A CAMILA DA SILVA, Keila; MICAELA SAMMARCO, Yanina. Relação Ser Humano


e Natureza: Um Desafio Ecológico e Filosófico. Revista Monografias Ambientais,
[S. l.], p. 1-12, 2015.

CARNEIRO SILVEIRA, Fillipa. Sujeito e homem na crítica de michel foucault à


antropologia. Repositorio, [S. l.], p. 1-250, 2015.

CARVALHO DA ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia: saberes e


práticas. Ufrgs, [S. l.], p. 1-23, 2003.

DE ANDRADE MARCONI, MARINA; Maria Neves Presotto, Zelia. Antropologia: uma


introdução. [S. l.]: Altas S. A, 2010. ISBN 978-85-224-5217-0.

DOMINGUES, Ivan. A filosofia, as ciências e a questão antropológica. UFMG, [S.


l.], p. 1-36, 2011.

FERREIRA LEAL, João Paulo. Elementos de Antropologia médica: uma


abordagem antropológica sobre corpo doença e saúde. Bdigital, [S. l.], p. 1-152,
2009.

JORDÃO, Patrícia. A antropologia pós-moderna: uma nova concepção da


etnografia e seus sujeitos. Revista de Iniciação Científica da FFC, [S. l.], p. 1-17,
2004.

LISBOA MOREIRA DE OLIVEIRA, José. A antropologia como ciência. Academia,


[S. l.], p. 1-12, 2006.

LIDÓRIO, Ronaldo A. Conceituando a antropologia. Revista Antropos, [S. l.], p. 1-


9, 1 dez. 2009.

LEITE QUEIROZ, Sinara. Distinções entre antropologia e


filosofia. Revistapandorabrasil, [S. l.], p. 1-12, 2011.

SIMAS AGUIAR, Rodrigo. Antropologia Sociocultural. Sitedealexandredefreitas, [S.


l.], p. 1-63, 2013.

60
TEREZA JARDIM PEREIRA, Gardênia; GOMES SANTOS, Patrícia Sinara.
Antropologia e método etnográfico: uma contribuição para a compreensão das
culturas: Anthropology and Ethnography: a contribution to the understanding
of cultures. Periodicos, [S. l.], p. 1-9, 1 out. 2015.

61

Você também pode gostar