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CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA

PORTARIA Nº 1.004 DO DIA 17/08/2017

MATERIAL DIDÁTICO

LITERATURA COMPARADA

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ..................................................................................... 3


UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA.............................................................. 4
2.1.REFLEXÕES INICIAIS ................................................................................................. 4
2.2. LITERATURA COMPARADA NO BRASIL........................................................................ 6
2.3. DEBATE EM TORNO DO MÉTODO COMPARATISTA ........................................................ 7
UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA COMPARADA E OS
ESTUDOS CULTURAIS ........................................................................................... 21
3.1. LITERATURA COMPARADA = ESTUDOS CULTURAIS? ................................................. 21
3.2. O LÓCUS DE ENUNCIAÇÃO DA AMÉRICA LATINA ........................................................ 27
UNIDADE 4 – LITERATURA COMPARADA E INTERDISCIPLINARIDADE ........... 36
4.1. AS NOVAS PERSPECTIVAS DA CRÍTICA CONTEMPORÂNEA .......................................... 36
UNIDADE 5 – LITERATURA E CINEMA .................................................................. 42
5.1. REFLEXÕES INICIAIS .............................................................................................. 42
UNIDADE 6 – UMA ABORDAGEM COMPARATIVA .............................................. 47
6.1.LAVOURA ARCAICA: DO LIVRO AO FILME ................................................................... 47
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
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UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO
A disciplina “Literatura Comparada” adquiriu um funcionamento sistemático e
se tornou muito mais do que uma atividade acadêmica discreta e por vezes
marginal. Hoje, ela tem seu espaço próprio no mundo universitário de vários países,
sendo que as associações literárias como a Abralic e a AILC/ICLA tiveram um papel
fundamental para o seu reconhecimento institucional.
Assim sendo, na Unidade 1, traçaremos um panorama histórico em torno do
surgimento desta disciplina, focalizando o seu desenvolvimento no Brasil.
Procuraremos destacar o debate em torno dos estudos comparatistas, através da
posição crítica de alguns importantes estudiosos da área de literatura tais como
Antônio Cândido, Roberto Schwarz, Silviano Santiago e Haroldo de Campos.
Na Unidade 2, discorreremos sobre a relação da Literatura Comparada com
os Estudos Culturais, pois, tendo-se em vista o impacto causado pela globalização e
pelas crescentes integrações supranacionais, torna-se premente pensar como são
atualmente construídas as localidades culturais. Assim sendo, reproduziremos as
principais discussões teóricas que tentam mapear um lócus de enunciação para a
América Latina na contemporaneidade. Intentaremos mostrar também que as novas
configurações mundiais têm levado a diferentes concepções de literatura universal,
que modificam, por sua vez, os conceitos de local, regional, marginal.
Já na Unidade 3, daremos destaque à “Interdisciplinaridade”, que é
característica marcante dos estudos em Literatura Comparada. Nesse sentido,
destacaremos as contribuições da teoria literária que levaram a uma ampliação do
conceito de texto e de sua produção, modificando, por conseguinte, nossa maneira
de considerar o literário e seus procedimentos de construção. Ao tratarmos do
diálogo existente entre os diferentes tipos de texto, sublinharemos a relação da
Literatura com o Cinema.
Por fim, na Unidade 4, faremos uma abordagem comparativa entre o livro
Lavoura Arcaica do escritor Raduan Nassar e o filme Lavour´Arcaica do diretor Luiz
Fernando Carvalho.

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UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA

2.1.Reflexões iniciais
Eduardo F. Coutinho (2006), em artigo publicado na Revista Brasileira de
Literatura Comparada, traça interessantes considerações em torno desta disciplina
acadêmica que, desde a sua configuração e consolidação, tem levado a que os
estudiosos se debatam quanto à sua definição. Alguns a veem como um simples
método de abordagem do fenômeno literário, outros a tomam, no sentido amplo,
como área do conhecimento.
Assim sendo, após analisar algumas tentativas de definição, o autor mostra
que inicialmente a Literatura Comparada designava uma forma de investigação que
abordava duas ou mais literaturas nacionais ou que confrontava produções literárias
em idiomas distintos. Por isso, nessa época, todas as definições acentuavam o seu
caráter internacional e a familiaridade que o estudioso deveria ter com mais de um
idioma.
Posteriormente, os estudos em Literatura Comparada passaram a abarcar
outras áreas, propondo, assim, um diálogo entre os diversos campos do
conhecimento e as diferentes manifestações artísticas. Então, o caráter
interdisciplinar da Literatura Comparada passou a ser enfatizado. De qualquer modo,
segundo Coutinho:

Surgida em contraposição aos estudos de literaturas nacionais ou


produzidas em um mesmo idioma, a Literatura Comparada traz como marca
fundamental, desde os seus primórdios, a noção da transversalidade, seja
com relação às fronteiras entre nações ou idiomas, seja no que concerne
aos limites entre as áreas do conhecimento. (COUTINHO, 2006, p.41).

Portanto, a transversalidade é o elemento fulcral dos estudos comparatistas.


Ou seja, a capacidade de atravessar fronteiras, seja entre nações ou idiomas, seja
entre diferentes áreas do conhecimento como a Psicologia, a Filosofia, a Sociologia,
seja entre outras formas de arte como a pintura, a fotografia, o cinema. Podemos
dizer que Literatura Comparada é uma forma específica de interrogar os textos
literários na sua interação com outros textos literários e com outras formas de
expressão cultural e artística.

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De acordo com esse ponto de vista, é a referência à interdisciplinaridade da


Literatura Comparada que norteia a definição de Henry Remak, e que constitui um
dos principais traços da chamada “Escola Americana”:

A Literatura Comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um


país específico e o estudo das relações entre a literatura, de um lado, e
outras áreas do conhecimento e crença, como as artes, a filosofia, a
história, as ciências sociais, a religião, etc., de outro. Em suma, é a
comparação da literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura
com outras esferas da expressão humana. (REMAK apud COUTINHO,
2006, p.44)

Por fim, Coutinho ressalta algumas transformações pelas quais sofreram os


métodos de abordagem comparatista a partir dos anos 70 para cá, como podemos
observar pelas seguintes palavras do autor:

Embora a maioria dos pressupostos da Escola Americana de Literatura


Comparada tenham sido fortemente abalados após a década de 70, dando
lugar a outras tendências distintas e diversas entre si, o veio interdisciplinar
por ela amplamente estimulado é um traço que irá permanecer, ainda que
com faces diferentes. Assim, em função de contribuições de correntes do
pensamento contemporâneo como os Estudos Culturais e Pós-coloniais, a
compartimentação do saber que ainda vigorava na época da Escola
Americana, exigindo que um estudo comparatista sobre o tema do incesto
ou da revolução, por exemplo, fosse abordado por um viés que enfatizasse
o literário, e não o psicanalítico ou sociológico respectivamente - com o
objetivo explícito de deixar clara a diferença entre as duas áreas - deixou de
ser levada em conta. Do mesmo modo, a questão da adaptação de uma
obra de uma esfera artística ou do conhecimento para outra também deixou
de ser vista pela perspectiva binária tradicional, que considerava sempre a
segunda como devedora da primeira, e passou a ser encarada como uma
manifestação, uma tradução criativa da primeira, que com ela dialoga,
mantendo a sua singularidade. (COUTINHO, 2006, p. 50).

O autor ressalta, dessa forma, a contribuição dada pelos estudos culturais e


pós-coloniais que possibilitaram uma descompartimentação do saber, fazendo com
que se abolisse a primazia do literário sobre as outras áreas do conhecimento.
Também as novas correntes do pensamento contemporâneo permitiram que se
visse a questão da adaptação por outro ângulo, segundo o qual a obra segunda
deixa de ser devedora da primeira e passa a ser encarada como uma tradução
criativa, que dialoga com a primeira, mas mantém a sua especificidade.

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2.2. Literatura Comparada no Brasil


Procuraremos, neste capítulo, traçar um panorama acerca da instituição dos
estudos comparatistas no Brasil. Para isso, inicialmente lançaremos mãos do livro
Literatura Comparada de Sandra Nitrini (NITRINI, 1997), no qual a autora esclarece
que:

Os anos 80 foram decisivos para o estatuto institucional da literatura


comparada no Brasil. Em 1986, foi criada em Porto Alegre a Associação
Brasileira de Literatura Comparada-Abralic, por ocasião do I Seminário
Latino-Americano de Literatura Comparada. A Universidade Federal do Rio
Grande do Sul acolheu também o I Congresso da Associação Brasileira de
Literatura Comparada, em 1988. Ainda nessa década, a Universidade
Federal de Minas Gerais foi sede de dois simpósios de literatura
comparada. Convém lembrar também a publicação do livro Literatura
Comparada, de Tânia Franco Carvalhal, em 1986, numa coleção de
divulgação, destinada a estudantes universitários. (NITRINI, 1997, p.184).

Entretanto, conforme pontua Nitrini, mesmo antes da introdução da literatura


comparada como disciplina nas universidades já havia, informalmente, alguns
estudos nesse campo. Podemos citar como exemplo de estudo comparatista, a tese
Origens e Evolução dos Temas da Primeira Geração de Poetas Românticos
Brasileiros de Antônio Sales Campos, apresentada em 1945. Neste trabalho, a partir
de eixos temáticos como o patriotismo, o indianismo, o lirismo, Campos refaz a
história da produção literária da primeira geração de poetas românticos, na
perspectiva do tradicional comparatismo francês, aliando a historiografia literária e a
busca das fontes e influências, sempre comprovadas por meio do cotejo de textos.
Também Fidelino Figueiredo publicou nos anos 40, na Revista USP, o artigo
Shakeaspeare e Garret direcionado pela ideia de que o desenvolvimento histórico e
episódico particular de cada literatura ocorre no contexto da “solidariedade geral”
que é a base da crítica comparativa e da literatura comparada. Apesar de outros
trabalhos de pesquisa terem sido feitos, a literatura comparada, como campo
específico de estudos acadêmicos, só tomou impulso nos anos 70 com a produção
universitária dos cursos de pós-graduação. No âmbito da crítica literária, a literatura
comparada também está presente no país há muito tempo como postura analítica.
Nitrini destaca que um dos mais antigos estudos de literatura comparada no Brasil é
o ensaio “Traços de Literatura Comparada do Século XIX”, de Tobias Barreto,
publicado em 1887.

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Por sua vez, o professor Antônio Cândido introduziu a literatura comparada na


Universidade de São Paulo, em 1962, quando propôs que a disciplina de Teoria
Literária se transformasse em Teoria Literária e Literatura Comparada, com o
objetivo de assegurar um espaço institucional a este domínio dos estudos literários.
Além disso, fundou e dirigiu um círculo de estudos de literatura comparada, de 1962
a 1964, orientando dissertações de mestrado e teses de doutoramento de literatura
comparada. No 1º Congresso da Abralic em Porto Alegre, Cândido se pronunciou:

Há mais de quarenta anos eu disse que “estudar literatura brasileira é


estudar literatura comparada”, porque a nossa produção foi sempre
vinculada aos exemplos externos que insensivelmente os estudiosos
efetuavam as suas análises ou elaboravam seus juízos tomando-os como
critérios de validade. Daí ter havido uma espécie de comparativismo difuso
e espontâneo na filigrana do trabalho crítico desde o tempo do romantismo,
quando os brasileiros afirmavam que a sua literatura era diferente da de
Portugal. (CÂNDIDO apud SOUZA, 2002, p.39).

O perfil comparatista de Antônio Cândido extrapola às suas atividades


docentes, pois sua vasta obra crítica e histórica oferece reflexões e interpretações
que representam profundas contribuições não só para o pensamento comparatista
brasileiro, mas também para o latinoamericano. Assim sendo, destacaremos no
decorrer desta unidade alguns trabalhos de Antônio Cândido que foram importantes
para o desenvolvimento da abordagem comparatista no Brasil. Também
ressaltaremos as polêmicas e discussões que seus textos provocaram no meio
acadêmico. Assim sendo, traremos para o debate, as reflexões traçadas por Silviano
Santiago, Haroldo de Campos, Roberto Schwarz.

2.3. Debate em torno do método comparatista


Já no final da década de 50, Antônio Cândido havia publicado o livro
Formação da Literatura Brasileira (CÂNDIDO, 1969), marco seminal da nossa
historiografia literária e testemunho cabal de que a história da literatura brasileira,
em seu período de formação, acha-se vinculada a modelos estrangeiros. Nesse
livro, Cândido não escapa a uma aproximação comparatista do objeto literário.

Essa obra interessa de modo particular pela explicitação de sua concepção


de literatura como sistema, de seus pressupostos e dos conceitos
instrumentalizados, permitindo delinear a particularidade de sua visão

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comparatista e pontuar seu importante papel como instaurador de uma


tradição de estudos acadêmicos de literatura comparada que fogem às
vulnerabilidades da literatura comparada tradicional. (NITRINI, 1997, p.192).

No prefácio da primeira edição de Formação da Literatura Brasileira, Cândido


teoriza o modo de tratar diferentes literaturas e o problema da questão do valor:

Cada literatura requer tratamento peculiar, em virtude dos seus problemas


específicos ou da relação que mantém com outras. A brasileira é recente,
gerou no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas ou três
para se constituir. A sua formação tem, assim, caracteres próprios e não
pode ser estudada como as demais, mormente numa perspectiva histórica,
como é o caso deste livro, que procura definir ao mesmo tempo o valor e a
função das obras (CÂNDIDO apud NITRINI, 1997, p. 196).

O teor comparatista de Formação aparece expresso no prefácio, embora


Cândido não faça referência explícita à literatura comparada. Também no primeiro
parágrafo a visão comparatista impõe-se como uma das linhas de força do livro:

Este livro procura estudar a formação da literatura brasileira como síntese


de tendências universalistas e particularistas. Embora elas não ocorram
isoladas, mas se combinem de modo vário a cada passo desde as primeiras
manifestações, aquelas parecem dominar nas concepções neoclássicas,
estas nas românticas - o que convida, além de motivos expostos abaixo, a
dar realce aos respectivos períodos. (CÂNDIDO apud NITRINI, 1997, p.
197).

Além disso, em Formação da Literatura Brasileira, Antônio Cândido


traça considerações acerca da questão da influência para bem explicitar o papel que
esta desempenha na sua concepção de literatura como um sistema integrado e
dinâmico de autores, obras e público. Como atesta Nitrini:

Ele [Cândido] se valeu desse conceito ao lado de outros como período, fase
e geração etc., como técnica auxiliar, sem dogmatismo. Se, por um lado,
esse conceito lhe é operatório na medida em que lhe permite estabelecer
liames entre os escritores ‘contribuindo para formar a continuidade no
tempo e para definir a fisionomia própria de cada momento’; por outro, ‘é
preciso reconhecer que ele é talvez o instrumento o mais delicado, o mais
falível de toda a crítica’ em vista da dificuldade de se estabelecer uma
distinção entre coincidência, plágio e influência, como também em vista da
‘impossibilidade de verificar a parte da deliberação e do inconsciente’ no
processo de criação. (NITRINI, 1997, p. 204).

Cândido alerta ao leitor que a perspectiva correta para se estudar as


literaturas nacionais latino-americanas é a da literatura comparada. Após definir a

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produção literária latino-americana como galho secundário da portuguesa, que, por


sua vez, é arbusto de segunda grandeza no jardim das musas, o autor acrescenta:

Há literaturas de que um homem não precisa sair para receber cultura e


enriquecer a sensibilidade; outras, que só podem ocupar parte de sua vida
de leitor, sob pena de lhe restringirem irremediavelmente o horizonte (...).
Os que se nutrem apenas delas são reconhecíveis à primeira vista, mesmo
quando eruditos e inteligentes, pelo gosto provinciano e pela falta de senso
de proporções. (...) Comparada às grandes, a nossa é pobre e fraca. Mas é
ela, não outra, que nos exprime. (CÂNDIDO apud SANTIAGO, 1982, p.19).

No artigo “Literatura e Subdesenvolvimento”, publicado pela primeira vez em


1969, Antônio Cândido torna a discutir o problema das influências “à luz da
dependência causada pelo atraso cultural” (CÂNDIDO, 1989). Segundo o crítico, as
literaturas latino-americanas e norte-americanas constituem “galhos das literaturas
metropolitanas”. E ainda, no contexto apresentado, a influência revela-se inevitável,
“sociologicamente ligada à nossa dependência, desde a própria colonização e a
transplantação, às vezes, brutalmente forçada das culturas”:

Encaremos, portanto, serenamente o nosso vínculo placentário com as


literaturas européias, pois ele não é uma opção, mas um fato quase natural.
Jamais criamos quadros originais de expressão, nem técnicas expressivas
básicas, no sentido em que o são o Romantismo, no plano das tendências;
o romance psicológico, no plano dos gêneros; o estilo indireto livre, no da
escrita. E embora tenhamos conseguido resultados originais no plano da
realização expressiva, reconhecemos implicitamente a dependência. Tanto
assim que nunca se viu os diversos nativismos contestarem o uso das
formas importadas, pois seria o mesmo que se oporem ao uso dos idiomas
europeus que falamos. O que requeriam era a escolha de temas novos, de
sentimentos diferentes. (CÂNDIDO, 1989, p. 151-152).

Podemos observar pelo entrecho supracitado que o autor sugere uma


mudança de postura. Devemos aceitar que a influência é inevitável, procurando não
ficar angustiados com isso. Ou seja, primeiramente, devemos encarar de maneira
serena a nossa dependência, o nosso vínculo placentário com as literaturas
metropolitanas. Após esse verdadeiro desrecalque, conseguiremos superar o nosso
complexo de inferioridade e só, então, passaremos a perceber a interlocução criativa
existente entre as obras. Cândido desenvolve, dessa forma, o conceito de
“fecundação criadora da dependência”, que seria o modo peculiar de nossos países

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serem originais. Então, o autor cita a obra de Guimarães Rosa como tributária desse
modo transfigurador de tratar a realidade local.
Silviano Santiago no artigo “Apesar de dependente, universal” dialoga com
Antônio Cândido, sendo que, assim como o crítico paulista, também ele assinala que
a perspectiva correta para o estudo das literaturas latino-americanas é a da literatura
comparada:

Acreditar que possamos ter um pensamento autóctone auto suficiente,


desprovido de qualquer contato “alienígena”, é devaneio verde-amarelo; a
avaliação é justa: colocar o pensamento brasileiro comparativamente, isto é,
dentro das contingências econômico-sociais e político-culturais que o
constituíram é evitar qualquer traço do dispensável ufanismo. (SANTIAGO,
1982).

Porém, Silviano Santiago considera que os intelectuais insistem na utilização


de um método fundamentalmente etnocêntrico nos estudos comparativos entre a
literatura brasileira e a europeia:

Caso nos restrinjamos a uma apreciação da nossa literatura, por exemplo,


com a européia, tomando como base os princípios etnocêntricos-fonte e
influência-da literatura comparada, apenas insistiremos nos aspectos
repetitivos e redundantes. O levantamento desses aspectos duplicadores
(útil, sem dúvida, mas etnocêntrico) visa a sublinhar o percurso todo-
poderoso da produção dominante nas áreas periféricas por ela definidas e
configuradas; constituem-se no final do percurso dois produtos paralelos e
semelhantes, mas apresentando entre eles duas decalagens capitais,
responsáveis que serão pelo processo de hierarquização e rebaixamento do
produto da cultura dominada. Duas decalagens capitais. Uma temporal (o
atraso de uma cultura com relação a outra) e uma qualitativa (a falta de
originalidade nos produtos da cultura dominada). (SANTIAGO, 1982, p.20).

Neste ensaio, Silviano Santiago dá continuidade a uma reflexão que já tinha


apresentado em “O entre-lugar do discurso americano”, ao indagar-se sobre a
atitude do crítico e do artista num país em evidente inferioridade econômica com
relação à cultura ocidental, à cultura da metrópole e à cultura do próprio país. O
autor critica o pensamento da época e assinala que, se somos dependentes
economicamente, não precisamos ser dependentes culturalmente.
Em seus ensaios, Santiago coloca em questão o papel do intelectual hoje. E
se pergunta como o crítico deve apresentar o complexo sistema de obras que vem
sendo explicado pelo método tradicional baseado no estudo das fontes e influências.

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Conforme atesta o entrecho acima, o autor argumenta que tal método insiste
somente nos aspectos em que as obras latino-americanas repetem os modelos
europeus, fazendo delas meras parasitas, que não acrescentam nada de próprio,
pois se encontram aprisionadas pelo prestígio das fontes. Santiago discorre, dessa
maneira, sobre a falência desse método e a necessidade de substituí-lo por outro:
um novo discurso crítico que negligencie a caça às fontes e às influências e
estabeleça como único valor crítico a diferença.
Vemos que o autor não nega que haja a dependência, pois, quando fala em
diferença, ele quer dizer a diferença em relação a um modelo. Contudo, a atitude de
Santiago não é tão serena quanto à de Cândido. Ao passo que este afirma que a
influência é inevitável, que devemos aceitá-la sem recalque, Santiago objetiva
negligenciá-la em prol da “diferença”, apontada como único valor crítico.
Não podemos nos esquecer que Cândido fala de uma “fecundação criadora
da dependência”, marcando, portanto, que a posição do escritor com relação à
influência deve ser crítica. Haveria, dessa maneira, uma interlocução criativa entre a
cultura dependente e a metrópole. Porém, Santiago avança seu pensamento nesse
sentido e afirma que, em vez de endossar o modelo retomado, os textos latino-
americanos devem romper com ele sutil ou abertamente. O posicionamento da cópia
em relação ao modelo, segundo Santiago, é de agressividade, como fica patente
pela seguinte explanação do autor:

O texto segundo se organiza a partir de uma meditação silenciosa e


traiçoeira sobre o primeiro texto, e o leitor, transformado em autor, tenta
surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas
suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com suas intenções,
segundo sua própria direção ideológica, sua visão do tema apresentado de
início pelo original. (SANTIAGO, 1978, p.22)

Acerca da proposta de Silviano Santiago sobre o discurso latino-americano,


Nitrini esclarece que:

O novo trabalho crítico propõe uma análise do “uso” feito pelo escritor de
um texto ou de uma técnica literária durante seu movimento de agressão ao
modelo, desmistificando-o como objeto único e de reprodução impossível.
Silviano Santiago situa o “entre-lugar” do discurso latino-americano no
interstício entre o momento da assimilação, apropriação, submissão e
exercício da agressão, destruição e subversão da cultura imposta,

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distinguindo-se, assim, da outra e opondo-se ao conceito de unidade


cultural.(NITRINI, 1997, p.213).

Marli Fantini Scarpelli também traz importantes contribuições no que concerne


à análise do ensaio de Silviano Santiago:

Visto que, segundo ele [Silviano Santiago], o continente não poder isolar-se
da invasão estrangeira nem recuperar sua imaginária condição de paraíso,
caberia ao escritor latino-americano – desde um entre-lugar atravessado
astutamente pela dupla postura de assimilação e resistência – interferir no
processo de transplante cultural, impondo uma transgressiva inversão do
percurso empreendido pelos colonos, durante todos os séculos de
ocupação da América Latina. Santiago sugere um conceito-imagem, o
“entre-lugar do discurso latino-americano” para se operar com a
permeabilização histórica, cultural e literária da América Latina, que,
atravessada por várias etnias, vozes e línguas, é o espaço ambíguo onde
se mesclam distintas histórias e temporalidades em confronto.
É desse conflitivo e turvado lócus de enunciação que o escritor latino-
americano deve, segundo ele, aprender a manejar a língua da metrópole
para, em seguida, combatê-la. (SCARPELLI, 2001, p. 527).

Para Santiago nós latino-americanos fomos vítimas de um processo de


ocidentalização por meio da violência, o que nos levou a crer na supremacia do
dominador. Entretanto, em uma sociedade marcada pela mestiçagem, em que se
entrelaçam o elemento europeu e o elemento autóctone, o hibridismo reina.
A propósito do conceito de hibridismo, Nestor Garcia Canclini (CANCLINI,
2000) esclarece que o termo, embora remonte à antiguidade, ganhou um relevo
especial no final do século XX ao ser utilizado para analisar a cultura. Transportado
das ciências biológicas para as ciências sociais, esse conceito foi rejeitado por
alguns teóricos porque na biologia costuma acarretar o sentido de esterilidade.
Entretanto, Canclini salienta que tal argumento deve ser descartado já que nas
ciências sociais o conceito de hibridismo revelou-se fecundo, pois colocou em
evidência a produtividade e o poder inovador das misturas culturais, ajudando,
desse modo, a sair dos discursos essencialistas de identidade, autenticidade e
pureza cultural.
É de acordo com esse ponto de vista que Silviano Santiago (SANTIAGO,
1978) discorre sobre o papel da América Latina cuja heterogeneidade e hibridização
representa uma importante marca cultural junto à cultura ocidental. Silviano postula
o seguinte:

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A maior contribuição da América Latina para com a cultura ocidental vem da


destruição sistemática dos conceitos de unidade e de pureza, estes dois
conceitos perdem o contorno exato do seu significado, perdem seu peso
esmagador, seu sinal de superioridade cultural, à medida que o trabalho dos
latino-americanos se afirma, se mostra mais e mais eficaz. (SANTIAGO,
1978, p.18).

Podemos perceber uma mudança de foco, pois, se antes havia uma tentativa
por parte dos europeus de apagar as línguas e costumes que fugissem aos moldes
da Europa como, por exemplo, os costumes e tradições decorrentes da cultura
indígena, presenciamos hoje uma crescente valorização da heterogeneidade, que
aos poucos procura se infiltrar na cultura europeia, buscando transformar de forma
criativa esses discursos.
O autor articula, portanto, uma inversão de valores. Os conceitos de pureza e
unicidade perdem seu sinal de superioridade. A América Latina institui seu lugar no
mapa da civilização ocidental pelo desvio da norma, que transfigura os elementos
antes tidos como imutáveis.
Portanto, a atitude do artista deverá ser de assimilação e agressividade em
relação aos modelos europeus. Para Silviano Santiago, a infiltração do pensamento
selvagem no pensamento europeu poderá ser um caminho possível para que ocorra
a descolonização intelectual. Isto é, para que afinal a América Latina possa sair da
sua condição de dependência cultural. Vemos que, nesse ínterim, Santiago se
posiciona diferentemente de Antônio Cândido, já que este preconiza apenas que
devemos encarar serenamente a dependência, por ser este um fato quase natural.
Silviano Santiago, ao contrário, vai além, pois “pretende que os textos da
metrópole submetam-se também a uma apreciação a respeito de sua real
universalidade: a literatura metropolitana existe apenas no processo de expansão
em que respostas não etnocêntricas são dadas aos valores da metrópole.”
(SANTIAGO apud NITRINI, 1997, p. 214).
De acordo com esse ponto de vista, situa-se Haroldo de Campos, em “Da
Razão Antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira” (CAMPOS, 1983).
Campos defende a tese de que a literatura brasileira não está determinada nem
política, nem econômica e nem culturalmente a ser dependente das literaturas
metropolitanas. E ainda, tomando por base os trabalhos de Marx, Engels e Octavio
Paz, o autor descarta a ideia de uma relação de causa e efeito entre prosperidade

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econômica e excelência artística. “O motivo desse complexo de dependência estaria


na translação para as nossas latitudes tropicais de um episódio da metafísica
ocidental da presença, que é a historiografia ontológica”. (CAMPOS, 1983, p.47).
Segundo o autor, a historiografia ontológica ocidental procura reconstituir a
trajetória de uma literatura nacional desde suas origens até seu apogeu, no qual se
constituiria a unidade máxima de um legado comum, de uma tradição. Para
Campos, essa historiografia traz no seu bojo um problema: como definir um legado
comum, qual é o valor que lhe confere unidade, que orienta seu desenvolvimento?
Geralmente esse valor máximo central toma forma no conceito de “clássico”, porém
este conceito é passível de acepções diversas e conflitantes. O autor denuncia,
assim, o logocentrismo que ronda toda a historiografia ontológica.

A esta historiografia tão criticada, Haroldo de Campos contrapõe a “modal,


diferencial”, por ele assim definida: “um gráfico sísmico da fragmentação
eversiva”. Trata-se de uma historiografia fragmentária, cuja perspectiva não
é a de mostrar um desenvolvimento evolutivo no sentido de um
aprimoramento progressivo; ao contrário, ela admite períodos de altos e
baixos numa trajetória sem origem nem fim. O único mecanismo motor
corresponde ao da oposição, da ruptura, tanto diacrônica quanto sincrônica.
(NITRINI, 1997, p. 216).

Haroldo de Campos postula a tese de que a negação, a ruptura, o diálogo


diferencial aparece como um movimento antigo e natural que proporcionaria o
questionamento da universalidade. Por isso, o autor alega a importância do barroco
para a literatura brasileira, já que ele representa a não-origem, porque é a não-
infância. Lembrando que o termo latino infans significa afásico, o autor conclui que o
barroco já nasceu pronto, falando. A maturidade e o cosmopolitismo do barroco
brasileiro se revelam na maneira como Gregório de Mattos e Padre Antônio Vieira,
através de suas obras, não só compartilharam como também parodiaram o código
artístico mais elaborado da época.
O autor reforça ainda esta ideia da não-origem ao afirmar que a literatura
brasileira de início “articulou-se como diferença em relação a esta panóplia de
universália, eis o nosso nascer” (CAMPOS, 1983, p.113). Ela se insere no código da
literatura universal por seu alto padrão técnico, por um lado, e, por outro, por seu
acentuado caráter diferencial desde Gregório de Matos, passando por Sousândrade,
Oswald, Drummond, Murilo Mendes, João Cabral e incluindo, finalmente, a poesia

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concreta. “A diferença passa agora a significar o nacional, o que caracteriza o


nacional em relação ao código universal”. (NITRINI, 1997, p. 216).
Vale lembrar que o debate sobre o barroco foi fomentado na década de 80 no
Brasil com a grande polêmica que surgiu com a publicação do livro de Haroldo de
Campos O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso
Gregório de Mattos (CAMPOS, 1989) o qual criticou duramente o fato de Antônio
Cândido ter subtraído de seu livro Formação da Literatura Brasileira (CÂNDIDO,
1969) o estilo barroco, cujo principal argumento seria a ausência de um público leitor
satisfatório. Campos, por sua vez, condena o argumento de Candido dizendo:

A noção quantitativa de público rarefeito, à época da produção da obra, não


parece ter aqui, no seu determinismo “objetivista”, suficiente peso de
convencimento. Sobretudo quando, para além do período colonial, as
relações entre escritor e “grande público” em nosso meio acabam sendo
definidas, emblemática e paradoxalmente, em termos também de
“ausência”. (CAMPOS, 1989, p. 50-51).

Campos combate a retirada de Gregório de Matos da formação da literatura


brasileira, em detrimento do argumento que considera exclusivamente o primeiro
público como a recepção da obra e advoga em favor da indiscutível originalidade e
brasilidade do poeta Gregório.
Vale lembrar que o barroco, estilo no qual compunha Gregório de Mattos, foi
trazido diretamente da Europa e adotado em um Brasil recém-nascido, um Brasil
criado com a chegada dos portugueses. Constituiu-se, dessa maneira, como o
primeiro registro cultural oriundo da aproximação entre a cultura lusitana e a
brasileira, sendo que mostrou uma capacidade surpreendente de representar as
misturas e os contrastes presentes no Novo Mundo.
Desde o início, portanto, o barroco representou uma fonte de resistência ao
hegemônico, tendo em vista o fato de marcar o início da produção literária brasileira
em meio a um ambiente cultural de predominância portuguesa, trazendo um
discurso mestiço diferente e discordante ao que vinha sendo produzido no Brasil
pelos intelectuais portugueses. O estilo seiscentista caracterizou, dessa forma, o
início da produção literária brasileira, registrando as primeiras questões que
envolveram a nossa formação mestiça, de forma que deve ser tomado como um
período fundamental para a compreensão da construção identitária e cultural

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brasileira. Por tudo isso, segundo Haroldo de Campos, ele não pode ser descartado
da nossa historiografia literária como o fez Antônio Cândido.
E ainda, concernente com seus ideais de pregar uma visão crítica da história,
Campos retoma o conceito de “antropofagia” de Oswald de Andrade e assinala:

A Antropofagia oswaldiana(...) não envolve uma submissão (uma


catequese), mas uma transculturação; melhor ainda, uma “transvaloração”:
uma visão crítica da história como função negativa (no sentido de Nietzche),
capaz tanto de apropriação como expropriação; desierarquização,
desconstrução. Todo passado que nos é o “outro” merece ser negado. Vale
dizer: merece ser comido, devorado. (CAMPOS, 1983, p.234).

Acerca desse processo de desierarquização da cultura universal, apregoado


por Campos, Sandra Nitrini argumenta que:

Para que a desierarquização da cultura universal também seja universal, e


para que deixe de ser somente uma reivindicação teórica e se torne uma
prática, é preciso que as culturas tradicionalmente tidas como fontes
abdiquem de seu etnocentrismo cultural, buscando, por sua vez, suas
fontes nas produções periféricas. (NITRINI, 1997, p. 217).

A autora observa, portanto, a necessidade de que as trocas entre as


produções dos países tradicionalmente tidos como fontes e dos países periféricos
sejam de “mão dupla”. Para que isso ocorra é preciso que os primeiros abdiquem de
seu etnocentrismo. Nitrini alega que somente dessa forma a aclamada
desierarquização atingirá a universalidade. Ou seja, será válida e praticada por
todos, não ficando restrita ao plano da argumentação teórica.
Vale ainda destacar as palavras da crítica Eneida Maria de Souza, autora do
livro Crítica Cult, no qual traça um panorama em torno do pensamento e da crítica
literária e cultural brasileira. A autora destaca os pontos comuns apresentados nos
trabalhos de Santiago e Campos:

Em ambos, a retomada da antropofagia como conceito operatório, por se


revelar ainda eficaz no processo de desconstrução das culturas
estrangeiras, coloca a literatura nacional em posição de igualdade na
concorrência com a estrangeira, pela confiança no aspecto positivo e alegre
da transculturação. Aproximam-se, também, pelo tratamento desconstrutor
conferido às noções filosóficas de original, cópia e simulacro, invertendo o
processo causal de interpretação do discurso histórico. (SOUZA, 2002,
p.54)

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Apesar de alguns pontos em comum, podemos observar que Silviano


Santiago e Haroldo de Campos priorizam ângulos diferentes para tratar do mesmo
problema. Santiago parte do sistema de colonização dos países subdesenvolvidos.
Para ele fomos vítimas de um processo de ocidentalização forçado. Isto é, por meio
da violência e de uma ideologia de superioridade fomos levados a crer na
supremacia do dominador. Segundo o crítico, isso talvez explique o fato de o ponto
central de nossa cultura ter sido sempre a busca da semelhança com o modelo.
Campos, por sua vez, enfatiza a questão da transmissão do legado cultural que
permite identificar o “novo” mesmo nas condições de uma economia
subdesenvolvida. Ele expõe como ocorreu esta transmissão e intercomunicação no
barroco e na poesia concreta, demonstrando assim que os países subdesenvolvidos
dialogaram entre si mesmos e com os países desenvolvidos.
À propósito dos estudos empreendidos por Haroldo de Campos, Eneida Maria
de Souza afirma que:

A atuação do poeta, crítico e tradutor, pauta-se pela apropriação entre


tradução e antropofagia, decorrente da associação com a intertextualidade
e com vistas a uma perspectiva sincrônica em relação à tradição cultural
brasileira. (...) A necessidade de incorporar a produção artística dentro de
um movimento internacional implica, por um lado, a conscientização da
nossa dívida para com as culturas dominantes e, por outro, a superação
desse débito por meio da devoração antropofágica do legado cultural
estrangeiro. (SOUZA, 2002, p.42).

Já Sandra Nitrini, após analisar os postulados de Campos e Santiago, levanta


a seguinte indagação:

A proposta de modelos fundados na teoria desconstrutivista surge com uma


arma para uma tomada de posição contra esse estado de coisas. Mas até
que ponto esta sugestão de estratégia discursiva também não se confunde
com um recurso ideológico que poderá vir a escamotear uma dependência
cultural, pelo menos, em determinados momentos da história da literatura-
latino-americana?(NITRINI, 1997, p. 218).

Nitrini observa que as proposições de Santiago e Campos têm como aparato


a teoria desconstrutivista cujas premissas se encontram nos trabalhos do estudioso
francês Jacques Derrida. Então, sem negar que essa teoria possa servir como arma
para uma transformação na maneira de encararmos a nossa cultura, a nossa
história, bem como os estudos de literatura, a autora questiona se o uso dessa

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estratégia discursiva não acabaria por revelar que continuamos até certo ponto
dependentes culturalmente.
Por sua vez, Roberto Schwarz, a partir da leitura da obra de Machado de
Assis, cunhou o conceito de “As ideias fora do lugar” (SCHWARZ, 1977). Baseando-
se na ideologia sociológica marxista, Schwarz se volta para o questionamento das
contradições provocadas pela modernização nos países periféricos:

Expressões como “descompasso”, “mal-estar” e “torcicolo cultural”,


traduzem a preocupação de Schwarz em apontar a defasagem entre as
idéias importadas e a sua recepção num contexto diferenciado do europeu.
Enquanto a modernização européia se baseava na autonomia do indivíduo,
na universalização da lei e na ética do trabalho, no Brasil, a cultura do favor,
antimoderna como a escravidão, prega a dependência pessoal, a exceção à
regra e a remuneração de serviços pessoais. O “homem livre” continuava
preso a uma estrutura social que não se desvinculava de princípios arcaicos
de privilégio e de clientelismo, obstáculos para a constituição de um Estado
Moderno. (SOUZA, 2002, p.52).

No artigo intitulado “Nacional por Subtração” (SCHWARZ, 1987), Roberto


Schwarz reacende a polêmica entre o seu pensamento teórico e o de Santiago e
Haroldo de Campos, ao se posicionar de forma distinta quanto às redefinições dos
conceitos de nacionalidade e de dependência cultural. Nesse texto, conforme
constata Sandra Nitrini, “Embora não se refira aos termos fonte e influência,
Schwarz vale-se dos conceitos de imitação e cópia que, tanto quanto os anteriores,
são abominados por críticos que se alinham na teoria desconstrutivista e por
comparatistas que renegam as tendências tradicionais da literatura comparada.”
(NITRINI, 1997, p.219).
Neste ensaio, Schwarz alega que as ideias desconstrutivistas servem para
alimentar o nosso ego, nosso amor próprio:

Tais idéias que fundamentam a possibilidade de passarmos de atrasados a


adiantados, de desvio a paradigma, de inferiores a superiores serão muito
bem recebidas e cultivadas nos países que vivem na humilhação da cópia
explícita e inevitável porque estão mais preparados que a metrópole para
abrir mão de origem primeira (ainda que a lebre tenha sido levantada lá e
não aqui). (SCHWARZ apud NITRINI, 1997, p. 220).

Podemos perceber pelo entrecho acima que Schwarz alega que as teorias
desconstrutivistas, embora criadas nos países metropolitanos, serão bem mais
aceitas nos países periféricos, porque para os países centrais é difícil abrir mão da

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origem primeira. O crítico alerta que nossas produções literárias manifestam a


“diferença”, mas o discurso crítico continua dependente. O autor demonstra
inquietação diante da importação de modelos estrangeiros sem que se faça a devida
contextualização, nem uma reflexão aprofundada:

Duas atitudes contrárias ilustram o quadro do sentimento de inadequação


cultural dos brasileiros: de um lado, a importação indiscriminada e sem
motivação própria de tendências estrangeiras; de outro, a rejeição
nacionalista de todo o imperialismo metropolitano.
No primeiro caso, Roberto Schwarz mostra como diversas tendências da
crítica literária internacional são importadas e se sucedem em ritmo
acelerado, por exemplo, nos anos 60 e 70 deste século, sem que uma
reflexão aprofundada justifique a troca de uma pela outra. (SCHARZ apud
NITRINI, 1997, p.221).

Conforme assinala Sandra Nitrini:

‘Nacional por subtração’ se constrói com base na crítica a essas várias


visões, mostrando sua ineficácia, uma vez que nenhuma delas trabalha, no
entender do autor, com a questão principal: a estrutura social desuniforme do
país, responsável pela segregação dos pobres, fazendo que a cultura se
encontre sempre numa posição insustentável e contraditória. Em suma, para
Schwarz, o problema da imitação vem articulando uma série de
constrangimentos históricos ligados aos próprio desenvolvimento da história
contemporânea da qual o Brasil faz parte. (NITRINI, 1997, p.224-225).

Portanto, para Schwarz, o tema definidor da cultura brasileira se desenvolve


em torno da dualidade nacional/estrangeiro, onde o nacional é sempre por
subtração. Isto é, tirando as ideias e modelos importados, sobra pouca coisa, mas o
que sobra é o nacional. Também Paulo Emílio Sales Gomes já havia exposto esse
problema com clareza: “Não somos europeus ou americanos do norte, mas,
destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa
construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e ser
o outro”. (GOMES, 1986, p. 88).
Conforme destaca Maria Elisa Cevasco (2003), um passo central para o obra
de Roberto Schwarz foi desatar esse nó da dualidade no debate sobre a cultura
nacional, em permanente oscilação entre um falso cosmopolitismo e um igualmente
falso nacionalismo. Ele demonstra que o debate sobre o caráter imitativo da cultura
nacional é em si mesmo ideológico: o problema central nunca foi escolher entre
imitar o estrangeiro ou defender posições nacionalistas. Esse falso problema dá

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notícia da distância entre as elites brasileiras e o resto do país, como atesta a


seguinte assertiva do crítico: “Por sua lógica, o argumento oculta o essencial, pois
concentra a crítica na relação entre elite e modelo, quando o ponto decisivo está na
segregação dos pobres, excluídos do universo da crítica contemporânea.
(SCHWARZ, 1987, p.47).
Além disso, conforme explicita Sandra Nitrini:

(...) Roberto Schwarz se insere na tradição crítica instaurada por Antônio


Cândido. Ambos conferem importância à continuidade do trabalho
intelectual. Para Roberto Schwarz, uma das falhas dos países
subdesenvolvidos consiste no desinteresse pelo trabalho da geração
anterior, fazendo que o antigo seja relegado e o presente não se articule
com o passado, gerando todo um processo de descontinuidade, no qual o
pensamento do país se perde na incerteza das novidades vindas do
estrangeiro. (NITRINI, 1997, p.226).

Vemos, dessa forma, a posição crítica de alguns de nossos mais importantes


pensadores que são Antônio Cândido, Silviano Santiago, Haroldo de Campos e
Roberto Schwarz. Tais autores inserem-se no debate com argumentações ora
coincidentes, ora conflitantes. Entretanto, ambos demonstram que “(...) a
inadequação e o mal-estar na cultura brasileira causados pelo confronto entre a
recepção e a atualização dos empréstimos estrangeiros constituem, inegavelmente,
um dos pontos cruciais da problemática transcultural”. (SOUZA, 2002, p.52). Assim
sendo, por suas pertinentes reflexões, o conhecimento dos trabalhos de tais autores
são imprescindíveis para qualquer crítico que ouse se aventurar nas trilhas abertas
pela Literatura Comparada.

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UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA


COMPARADA E OS ESTUDOS CULTURAIS

3.1. Literatura Comparada = Estudos Culturais?


No campo dos Estudos Literários, várias mudanças ocorreram a partir
do surgimento dos chamados “Estudos Culturais”, que fizeram com que estudar
Literatura passasse a ter um enfoque mais amplo e cultural, aliado ao interesse pela
pesquisa de temas ligados às minorias.
Segundo Yudice (1993), os Estudos culturais se originaram na
Inglaterra no final dos anos 50 e começo dos anos 60. Sua institucionalização
começou em um pequeno departamento de inglês em Birmingham com a criação do
Birmingham Center of Contemporany Cultural Studies. O motivo imediato da
fundação do centro foi a legitimação acadêmica de um ethos democratizador a
respeito das classes operárias na Inglaterra do pós-guerra que começou a sentir a
ruptura dos valores tradicionais e o impacto das novas formas de riqueza e
consumismo das hierarquias.
Os fundadores vieram, dessa forma, de uma tradição totalmente marginal a
dos centros da vida acadêmica inglesa. Eram professores em programas de
educação em centros para operários e procuraram reivindicar o valor dos operários
numa luta intelectual e cultural, deslocando o sentido de cultura da sua tradição
relacionada às elites para as práticas cotidianas. Assim sendo, o conceito de cultura
ganhou um tom antropológico, deixando de ser posse de uma elite restrita para ser
encarada como um modo de vida.
Raymond Willhiams é um dos fundadores dos Estudos Culturais. Seu projeto
privilegia a inter-relação entre os fenômenos culturais e socioeconômicos e o ímpeto
da luta como agente transformador. Sob esse prisma, a crítica se sobrepõe a
criação.
Embora tenham diferentes pontos de vista políticos, os fundadores dos
Estudos Culturais formulam um discurso de crítica à nova sociedade industrial.
Conforme foi dito anteriormente, eles se caracterizam por serem pensadores vindos
das classes operárias e que têm como objeto de estudo as manifestações culturais
que a elite rotula como cultura popular.

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Raymond Williams argumenta que a cultura era posse de uma minoria,


portanto se fazia necessário difundi-la por meio da educação. Williams vê a cultura
como algo que pertence a todos, cuja tarefa é a criação de significados e valores,
como é o caso da linguagem. Ele não despreza o cânone, mas acredita que a
cultura é muito mais abrangente. Então, afirma que é preciso se apropriar da
herança da elite através dos meios de produção cultural. Williams distingue ainda
cultura da classe trabalhadora da cultura popular (jornais, revistas, entretenimento,
etc), sendo que aponta esta última como tipicamente capitalista. Podemos dizer que
sua maior contribuição para o debate cultural advém da sua percepção materialista
de cultura, que vê os bens materiais como resultados da posse dos meios de
produção.
Os Estudos Culturais surgiram, portanto, como uma reação aos
problemas e bloqueios da disciplina do inglês, sendo que os fundadores do centro
passaram a estudar a resistência de determinadas classes pela leitura de seus
textos, ou seja, “escutando suas vozes”. Segundo Cevasco (2003), muitos creditam
o surgimento dos Estudos Culturais à atuação dos professores da Workers
Educational Association (WEA) que passaram a ensinar para trabalhadores arte e
literatura relacionando-as à história e a sociedade contemporânea, ostentando uma
intervenção política.
A WEA acreditava que uma nova sociedade só poderia ser criada de
baixo para cima, com a troca de ideias entre trabalhadores e intelectuais.
Privilegiava o experimentalismo, a interdisciplinaridade e o envolvimento político.
A revolução social dos anos 60 posteriormente cede lugar a um
endurecimento de relações entre as diferentes classes sociais e a diminuição da
resistência de instituições como as universidades. A política da Guerra Fria, por
temer o comunismo, passou a reprimir os movimentos operários. Assim, a WEA
perdeu a sua significação política e muitos dos seus professores acabaram sendo
absorvidos pelas universidades, o que levou a que os Estudos Culturais fossem
institucionalizados como disciplina universitária.
Para seus opositores, os Estudos Culturais vieram para “destruir” o
valor da literatura, excluindo a dita Alta Literatura. Já seus defensores alegam que

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eles apenas deselitizam a cultura, antes restrita a uma minoria, e celebram o


popular, apoiados em um antiintelectualismo de longa tradição na Inglaterra.
Para Raymond Williams a cultura em comum é aquela continuamente
redefinida pela prática de todos os seus membros e não uma na qual a que tem
valor cultural é aquela produzida por poucos e vivida passivamente pela maioria. Os
Estudos Culturais remetem, dessa forma, a uma noção inseparável entre cultura e
mudança radical. Williams condena ainda a separação ente cultura alta e popular,
pois acredita que uma complementa a outra.
Esse interesse pela cultura geral, e não apenas pela alta cultura, expandiu o
campo dos Estudos Literários e potencializaram o aspecto do conhecimento social
da crítica cultural. Também podemos destacar como ponto positivo travado na
relação estabelecida entre estudos culturais e literários a forma como o materialismo
cultural estuda a literatura.
De acordo com esse método, o conceito de literatura varia de acordo com o
tempo e com as condições de produção. O materialismo não considera os produtos
da cultura como “objetos”, mas sim como práticas sociais. Seu objetivo é desvendar
as condições dessa prática e não meramente elucidar os componentes de uma obra.
Ao fazer análise literária, os Estudos Culturais vão indagar as condições de
possibilidades históricas e sociais dessas obras que as fizeram serem concebidas
como literatura.
Podemos ainda afirmar que o momento presente é de expansão da disciplina,
sendo que atualmente é nos Estados Unidos, centro do novo império mundial, que
acontece uma enorme explosão dos Estudos Culturais.
No que concerne ao Brasil, podemos dizer que assim como em muitos outros
países, ele teve formas de Estudos Culturais antes de a disciplina se transformar em
grife acadêmica. Mas, a data oficial de seu reconhecimento institucional no país é
1998, ano em que a Abralic escolheu como tema “Literatura Comparada = Estudos
Culturais?”.
Assim como na Literatura Comparada, uma característica preponderante da
nova disciplina é a abordagem diversificada e multidisciplinar. Contudo, os
estudiosos que fazem Estudos Culturais se interessam por uma forma de ler oposta
àquela de uma Literatura absoluta, eterna e atemporal, distante do social. Portanto,

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a noção de cultura é deslocada, deixando de ser um termo associado a produções


da elite para se tornar um termo abrangente, que abarca as produções dos
diferentes agentes sociais. Como desilitizar é desmistificar, os Estudos Culturais
provocam uma desauratização em torno do objeto literário, procurando levar as
discussões às classes excluídas para que estas se tornem agentes ativos da sua
prática social. Ou seja, a inclusão social passa a ser também cultural.
Do mesmo modo, o cânone torna-se mais flexível, abrindo-se para as
literaturas marginais. Os textos são vistos como práticas discursivas, dentre outras.
Noções como a de imitação, cópia, perdem o sentido depreciativo, pois o segundo
texto passa a ser encarado como revitalizador do primeiro.
De acordo com esse ponto de vista, o valor da literatura brasileira, por
exemplo, assim como o de outras literaturas latino-americanas estaria em como elas
se apropriam das formas europeias.
Todavia, a chegada dos Estudos Culturais provocou uma cisão no meio
acadêmico entre aqueles que defendem os Estudos Literários e os partidários dos
Estudos Culturais. Os representantes dos primeiros mostram-se inconformados com
a perigosa diluição do objeto de análise e a presumida ausência de rigor teórico e
sistematização metodológica. Essa situação teria sido motivada pelas teorias da
multiplicidade, da desconstrução, da descontinuidade pós-estruturalista de Deleuze,
Derrida, Focault. Mais a grande vilã da história se concentra na figura informe da
interdisciplinaridade, praticada, segundo seus detratores, sem a observância de leis
ou de controle.
Luís Costa Lima (LIMA, 1997), por exemplo, advoga a favor de um resgate da
prática teórica como forma de controle do “armazém de secos e molhados” que se
tornou a prática interdisciplinar. Também entre os defensores dos Estudos Literários,
podemos apontar, dentre outros, a crítica Leyla Perrone-Moisés.
Autora de Altas Literaturas (PERRONE-MOISÈS,1998), Leyla Perrone afirma
que o amor pela literatura está em declínio, justamente entre aqueles que seriam
supostamente seus estudiosos e divulgadores, os professores universitários. Em seu
livro, ela traça um panorama do desinteresse pela literatura, que cada vez mais cede
lugar aos departamentos de Estudos Culturais nas universidades. Nestes, segundo
a autora, a literatura importa menos por suas qualidades do que por ser expressão

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de uma determinada minoria sexual, étnica, etc (literatura feminista, gay, afro-
americana, etc). Ela critica a diluição das fronteiras e afirma que é preciso ter critério
ao se fazer comparações. O cânone representa, dessa forma, um juízo reflexivo que
é necessário, como podemos observar pelas seguintes palavras da autora:

O “cânone ocidental” é um patrimônio nosso, europeu e americano;


pertence à nossa memória histórica; e, segundo os princípios iluministas
ocidentais, é um patrimônio cultural da humanidade. Em nome de velhos
rancores coloniais e de recentes libertações sexuais, não devemos jogá-lo
fora, negando às novas gerações o direito de conhecê-lo e a liberdade de
avaliá-lo.
Valorizar o cânone ocidental não é fechá-lo; é apenas não o esquecer nem
censurar, sob o pretexto de que não gostamos de nossa história passada,
logocêntrica, machista, colonialista, etc. (PERRONE-MOISÈS, 1998, p.
202).

A autora afirma ainda que os mais fortes inimigos do cânone ocidental e do


que ele representa não são os universitários culturalistas, mas sim a lógica
mercadológica que impera na sociedade contemporânea. Ou seja, escreve-se tendo
em mente a passagem direta para veículos de comunicação de massa. Segundo
Leyla, o problema é que a cultura de massa tornou-se industrial em escala planetária
e, como tal, fornecedora de produtos padronizados segundo uma demanda de
produtos de baixa qualidade estética, que ela ao mesmo tempo cria e satisfaz:

Enquanto, nos Campi universitários, os teóricos acadêmicos modernos


discutem com os acadêmicos pós-modernos, os literários com os
culturalistas, os machistas com as feministas, o vale-tudo ideológico e
estético prospera e aufere lucros, indiferente a qualquer teorização ou
crítica”. (PERRONE-MOISÈS,1998, p.203).

Portanto, a autora não quer um cânone rígido, mas assegura que é preciso
preservar esse patrimônio cultural e histórico, pois não podemos entrar numa
espécie de vale-tudo. Assim sendo, ela conclui que:

(...) a desconstrução, quando bem entendida, deve ser permanentemente


recomeçada. Propostas como a da morte do autor (Focault), do
descentramento (Derrida), da escritura (Barthes, Sollers) tiveram efeitos
positivos. Elas puseram em xeque as autoridades opressoras, abriram
caminho para novas formas de escrita, para as literaturas emergentes e
não-canônicas. Mas essas propostas, mal compreendidas ou aplicadas de
modo literal, tiveram efeitos perversos na criação, na crítica e nos ensinos
literários: foram assimiladas como criatividade espontânea, como dispensa
de qualquer competência ou formação, como irresponsabilidade autoral,

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como desprezo pela tradição e pela alta cultura, como valorização


ideológica automática de qualquer produto “marginal”. Além disso, a
generalização anônima do texto, a indiferenciação dos gêneros e a abolição
dos critérios estéticos foram postos a serviço da informática e da
industrialização cultural, que oferecem ao consumidor produtos
transnacionais padronizados, uma espécie de “moda mix” na cultura e nas
artes. Será que, ao efetuarmos a liquidação sumária da estética, do cânone
e da crítica literária, não jogamos fora, como a água do banho, uma criança
que se chamava literatura? (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 214).

Por sua vez, os Estudos Culturas são praticados, dentre outras universidades
do país, na Universidade Federal de Minas Gerais. Assim, entre os seus defensores,
podemos apontar a professora e crítica literária Eneida Maria de Souza. Assim, ao
tratar a respeito da importação de teorias estrangeiras, a autora dialoga com
Roberto Schwarz se posicionando contrariamente ao crítico, como podemos
perceber pelo seguinte entrecho:

O olhar unívoco em direção a uma determinada tradição carece de malícia;


a visão excludente de tradições teóricas revitaliza a já gasta polêmica das
“idéias fora do lugar”. Na ausência deliberada de um porto seguro para as
idéias, o importante é enfatizar o descentramento de lugares de origem,
supostamente produtores de saber. De maneira curiosa, o verbo comparar
vai sofrendo, ao longo do tempo, modificações que tendem a abalar as
posições universalistas-principalmente ditadas pela cultura européia – e das
limitações de ordem nacionalista – ligadas a um pensamento redutor.
(SOUZA, 2002, p.43).

Eneida propõe que haja um intercâmbio entre a literatura com outras


tradições e fontes de saber. Ou seja, não se deve passar de um extremo a outro.
Assim, a literatura aparece como tendo um lugar de destaque, mas não tendo um
lugar hegemônico sobre os estudos culturais. Por isso Eneida fala de o “não-lugar da
literatura”, enfatizando, dessa maneira, o caráter nômade e processual do saber:

Infelizmente, torna-se tarefa impossível conservar, na atualidade, posições


radicais contra os desmandos da teoria e o descontrole dos paradigmas de
referência. O mundo mudou, nos últimos dez anos, de forma assustadora
(para o bem e para o mal), e porque motivo as concepções artísticas,
teóricas e políticas não deveriam trocar o caminho tranquilizador do
reconhecimento pelo do saber sempre em processo? Enfrentar esse desafio
é uma das formas de continuar a mover o debate teórico, para que este não
se transforme em consenso de grupos ou na apatia acadêmica, provocada
por um certo tipo de mal-estar, que não incita a curiosidade, mas, ao
contrário, alimenta o conservadorismo. (SOUZA, 2002, p. 78).

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A autora acredita em um saber processual, fragmentário e nômade. Portanto,


que carece de ser construído e reformulado constantemente. Por isso, é
fundamental o exercício crítico, uma vez que este proporciona a movimentação do
debate teórico. Eneida considera prejudicial o consenso de grupos e pontua que o
“mal estar” propagado por aqueles que se posicionam contra a importação de teorias
só levam a uma crescente apatia e ao conservadorismo. Mais uma vez ela contesta
Roberto Schwarz como podemos observar pela assertiva: “A aceitação da sina de
país periférico e a resistência que impulsiona a busca da diferença e das inserções
residuais de nossa cultura frente às demais colocam em xeque o preconceito de
estarem as idéias fora do lugar de origem.” (SOUZA, 2002, p.108).
Por fim, achamos prudente salientar algumas críticas que são feitas aos
Estudos Culturais. A principal delas reside no fato de a retórica continuar sendo
muito sofisticada, haja vista que quem fazia estudos literários foi quem passou a
fazer estudos culturais. Assim sendo, corre-se o risco de ocorrer a manutenção do
status quo, já que se teoriza sobre as minorias, mas estas muitas vezes não só não
depreendem como também não participam da teorização.
Além disso, conforme já foi dito anteriormente, embora as minorias sejam
valorizadas pelos novos discursos críticos, elas tendem a serem absorvidas pelo
mercado, tornando-se apenas mais um entre os produtos standartizados. Por
exemplo, parece que atualmente virou “moda” estudar as literaturas marginalizadas.
O problema disso é quando tais estudos trazem meras análises superficiais, sem
que consigam engendrar uma visão profícua em torno nas novas negociações
identitárias que se faz necessária em tempos pós-modernos, marcados pela
globalização e pela transnacionalização do capital.
Logo, faz-se necessário uma reflexão profunda sobre todas essas questões
para que se fomente um debate que seja realmente crítico, alheio aos modismos e a
importação indiscriminada dos estrangeirismos.

3.2. O lócus de enunciação da América Latina


A implantação dos estudos culturais no Brasil e na América latina foi feita a
fim de se juntar a uma concepção teórica fluente que vinha se desenvolvendo na
academia em diversos lugares do mundo, e assim, procurou-se adicionar as nossas

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peculiaridades latino-americanas ao coro pluralista que tenta mapear um lugar de


onde se possa falar em um mundo globalizado.
Nesse sentido, insere-se o ensaio de Ricardo Piglia, escritor e crítico
argentino, “Una propuesta para el nuevo milênio” (PIGLIA, 2001), no qual elege o
“deslocamento” como uma qualidade para a literatura do próximo milênio. Piglia
completa as propostas que Ítalo Calvino, escritor italiano, havia elencado para a
literatura do futuro: visibilidade, leveza, rapidez, exatidão e multiplicidade. A sexta
proposta, Calvino não escreveu. Então, Piglia acrescenta o deslocamento, o que
significa “Sair do centro, deixar que a linguagem fale também da borda, no que ouve,
no que chega de outro”. (PIGLIA, 2001).1 É interessante que Piglia está deslocando
o próprio debate, de Harvard, lócus de enunciação de Calvino, para a periferia,
Buenos Aires:

Como nós poderíamos considerar esse problema a partir da


Hispanoamérica, a partir da Argentina, a partir de Buenos Aires, a partir de
um subúrbio do mundo? Como nós veríamos o problema do futuro da
literatura e sua função? Não como alguém que o vê de um país central com
uma grande tradição cultural. Nós colocamos esse problema a partir da
margem, a partir das bordas das tradições centrais, mirando “al sesgo”. E
este mirar “al sesgo” nos dá uma percepção, quiçá, diferente, específica.
2
(PIGLIA, 2001).

Piglia procura mostrar as vantagens concernentes à posição do intelectual


periférico, pois o intelectual do centro só conhece o centro, mas o intelectual
periférico circula tanto pelo centro quanto pela periferia. Por isso, seu olhar é
diferente. Ele mira “al sesgo”, ou seja, olha de viés, de soslaio.
Uma vez dotado desse olhar levemente marginal, o intelectual cede espaço a
outras vozes. Vozes nativas recalcadas, vozes desarmoniosas e contraditórias. Ele
se abre a novas possibilidades de construção da linguagem, permitindo que a fala
que vem do outro o ajude a narrar, sobretudo nos momentos de horror e violência,

1
Texto original: Salir del centro, dejar que el lenguaje hable también en el borde, en lo que oye, en lo
que llega de otro.
2
Texto original: ¿Cómo podríamos nosotros considerar ese problema desde Hispanoamérica, desde
la Argentina, desde Buenos Aires, desde un suburbio del mundo? ¿Cómo veríamos nosotros, el
problema del futuro de la literatura y su función? No cómo lo ve alguien en un país central con
una gran tradición cultural. Nos planteamos entonces ese problema desde el margen, desde el
borde de las tradiciones centrales, mirando al sesgo. Y este mirar al sesgo nos da una
percepción, quizás, diferente, específica.

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quando as palavras parecem atingir um limite ao qual não parece ser possível
transgredir:

Há um ponto extremo, um lugar – digamos – ao qual parece impossível


aproximar-se com a linguagem. Como se a linguagem tivesse uma borda,
como se a linguagem fosse um território com uma fronteira, depois de qual
está o silêncio. Como narrar o horror? Como transmitir a experiência do
3
horror e não só informar sobre ele? (PIGLIA, 2001).

O distanciamento é, então, necessário, segundo Piglia, porque a narração


direta não alcança a abrangência do dilaceramento que experiências tais como o
horror e a violência imprimem no sujeito. Por isso, é preciso chamar o outro à fala,
para que ele as possa transmitir de forma vívida e convincente. Isto é, a fala do outro
ajuda a contar sobre aquilo que a linguagem própria, na sua precariedade, não é
suficiente para expressar. Piglia requer, dessa maneira, o deslocamento da
observação direta para reivindicar uma visão mediada por outro. E assim, por meio
dessa outra voz que emerge na narrativa, novas imagens, que contrapõem e
contestam as ficções oficiais, podem ser formuladas.
Ricardo Piglia está, dessa maneira, discutindo o lugar do intelectual
contemporâneo, que já não se enclausura no centro hegemônico, mas que caminha
em direção às margens, produzindo uma enunciação diferenciada, que articula
espaços e culturas diversas, sem perder, no entanto, a sua função crítica e
questionadora do discurso hegemônico.
Walter Mignolo (MIGNOLO, 2003) por sua vez fala de “descolonização
intelectual”. Segundo o autor, o projeto colonial, atrelado ao ocidentalismo, foi
responsável pela subalternização de diversas formas de conhecimento como, por
exemplo, as cosmologias dos ameríndios, suas memórias e tradições. No entanto,
segundo o autor, atualmente os lugares que foram considerados margens dos
impérios coloniais estão reivindicando a sua condição de centros alternativos de
enunciação e têm colaborado para “dessubalternizar saberes e expandir o horizonte
do conhecimento além da academia e além da concepção ocidental de
conhecimento e racionalidade”. (MIGNOLO, 2003, p.29).

3
Texto original: Hay un punto extremo, un lugar-digamos- al que parece imposible acercarse con el
lenguaje. Como si el lenguaje tuviera un borde, como si el lenguaje fuera un territorio con una
frontera, después de cual esta el silencio. ¿Cómo narrar el horror? ¿Cómo transmitir la
experiencia del horror y no solo informar sobre él?

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E ainda, Mignolo acresecenta: “Margens, ao contrário de ‘fronteiras’, não são


mais as linhas onde se encontram e dividem a civilização e a barbárie, mas o local
onde uma nova consciência, uma gnose liminar, emerge da repressão acarretada
pela missão civilizadora.” (MIGNOLO, 2003, p.404). Essa nova consciência a que
Mignolo chama de “dupla” produz um pensamento liminar, isto é, que se insere nas
bordas do pensamento hegemônico, sem pretensões totalizantes e que traz à tona
saberes subalternizados como, por exemplo, a cosmovisão das populações nativas
das Américas. O pensamento liminar propiciaria, dessa forma, a “descolonização
intelectual” (MIGNOLO, 2003, p.76), já que possibilitaria um desentrelaçamento da
rede de conceitos e preconceitos que a colonização europeia levou aos povos
americanos.

Do mesmo modo que a Europa levou várias técnicas e invenções aos


povos presos em sua rede de dominação... ela também os familiarizou com
seu equipamento de conceitos, preconceitos e idiossincrasias, referentes
simultaneamente à própria Europa e aos povos coloniais.
Os colonizados, privados de sua riqueza e do fruto de seu trabalho sob a
dominação colonial, sofreram, ademais, a degradação de assumir como
sua a imagem que era um simples reflexo da cosmovisão européia, que
considerava os povos coloniais racialmente inferiores porque eram negros,
ameríndios ou ‘mestizos’. (RIBEIRO apud MIGNOLO, 2003, p. 36).

Quando temos em mente uma nova possibilidade de enunciação teórica e


crítica, estamos também considerando a prática literária. Nesse sentido, Mignolo
acrescenta que a sua discussão visa criar, através do pensamento liminar:

Um arcabouço no qual a prática literária não seja concebida como objeto


de estudo (estético, lingüístico ou sociológico), mas como produção de
conhecimento teórico; não como representação de algo, sociedade ou
idéias, mas como reflexão à sua própria moda sobre problemas de
interesse humano e histórico. (MIGNOLO, 2003, p. 305).

A literatura deixa de ser mero objeto de estudo e passa ser um lugar de


produção teórica, que problematiza de maneira peculiar as questões que têm
aguçado o pensamento intelectual contemporâneo. Na prática literária estão
presentes os conflitos que o intelectual atravessa ao se inserir em meio a uma
cultura diversificada e ter que escolher uma língua na qual possa se expressar. E
ainda, na tessitura textual podem se encontrar entrelaçadas múltiplas cosmovisões,
que não raro se chocam, além de constituir um lugar propício para irrupção da fala

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31

do subalterno que contribui para uma revisão da História e desmistificação das


ficções oficiais engendradas pelo Poder.
Nesse sentido, também Stuart Hall, em Da Diáspora – Identidades e
mediações culturais, discorre sobre a colonização europeia no Caribe, apontando
para a questão da violência promulgada pelo projeto colonizador que devastou as
populações nativas do continente. Hall afirma que os povos que sofreram esse tipo
de interferência não são vazios, mas foram esvaziados por meio de rupturas
violentas e abruptas. Nas palavras de Hall:

Nossas sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. Suas
origens não são únicas, mas diversas. Aqueles aos quais originalmente a
terra pertencia, em geral, pereceram há muito tempo – dizimados pelo
trabalho pesado e pela doença. A terra não pode ser sagrada, pois foi
violada – não vazia, mas esvaziada. Todos que aqui estão pertenciam
originalmente a outro lugar. Longe de constituir uma continuidade com os
nossos passados, nossa relação com a história está marcada pelas
rupturas mais aterradoras, violentas e abruptas. (HALL, 2003, p.30).

Tais comentários de Hall sobre o Caribe podem ser aplicados ao território


latino-americano em geral, pois também se encontra inserido nessa história de
violência promovida pela colonização europeia. Hall comenta sobre a pluralidade da
nossa origem, já que o nosso território foi invadido e, ademais, recebeu levas de
imigrantes ao longo do tempo. Podemos falar de um espaço-palimpsesto, em que
estão superpostas diferentes civilizações e distintas tradições culturais. Segundo
Gérard Genette “Um palimpseto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada
para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por
transparência, o antigo sob o novo.” (GENETTE, 2005, p.5). A civilização antiga,
nativa do território americano, embora tenha sofrido atos de violência, no qual se
intentou apagar suas memórias e tradições, sobreviveu de forma marginal tal qual a
primeira inscrição traçada no pergaminho.
Essa tradição silenciada hoje se irrompe não como um objeto de estudo, mas
como um lugar de enunciação a partir do qual promulga-se um questionamento do
discurso ocidental hegemônico. Nesse sentido, Roberto Fernández Retamar, a partir
do lócus caribenho, fala da sedução de Caliban:

Nosso símbolo não é, pois, Ariel... mas sim Caliban. Isso é algo que nós,
os habitantes mestizos destas ilhas onde morou Caliban, vemos com

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especial clareza: Próspero invadiu as ilhas, matou nossos antepassados,


escravizou Caliban, e ensinou-lhe sua língua para se fazer compreender.
Que mais poderia Caliban fazer se não usar essa mesma língua-hoje ele
não tem outra-para amaldiçoá-lo, para desejar que a “peste vermelha”
caísse sobre ele? Não conheço outra metáfora mais expressiva de nossa
situação cultural, nossa realidade...Que é nossa história, se não a
história e cultura de Caliban? (RETAMAR apud MIGNOLO, 2003, p.
213).

Aprendemos a língua do europeu e a usamos para desestruturá-la.


Manchamos a pureza dessa língua e introduzimos um discurso mais nuançado, que
permite movimento, mobilidade, fluidez, sem perder, contudo, a sua força.
Ana Pizarro, estudiosa chilena latino-americanista, também comenta que o
nosso discurso tradicional se apresenta fraturado devido às sucessivas rupturas que
sofreu. Então, ela argumenta:

(...) constituímos culturas que, cindidas por uma parte e tensionadas por
imposições externas por outra, vão transformando seu desgarramento em
vibração estética, consolidando em beleza sua irresolução, experimentando
4
deste modo com dor o parto de si mesmas. (PIZARRO, 2005, p.129).

Embora constituímos culturas que vivem e sobrevivem na tensão, que


possuem uma fratura advinda da violência colonizadora, temos feito da irresolução e
da precariedade pontos de vibração estética. Ao desmontarmos os conceitos de
pureza temos imprimido as nossas marcas na cultura ocidental. Nossa experiência
passa sim pela dor, mas essa dor é capaz de gerar um fruto novo.
Ao refletir sobre a mistura cultural latino-americana e sobre a violação na
nossa origem que faz com que nossas tradições tenham que ser constantemente
repensadas e reiventadas, M. A. Pereira assinala:

Se não podemos escapar da cultura européia, pois foi ela que nos
constituiu como nação de uma modernidade que chegou nas caravelas,
também não podemos escapar da mãe negra e índia. Mas certamente
podemos ressignificar esse passado e enfrentar o resultado de uma
violência histórica da qual não temos culpa, mas que nos persegue e
acabrunha nesses 500 anos de existência (PEREIRA, 2002).

4
Texto original: “(...) constituimos culturas que, escindidas por una parte y tensionadas por
imposiciones externas por otra, van transformando su desgarramiento en vibración estética,
consolidando en belleza su irresolución, experimentado de este modo con dolor el parto de sí
mesmas”. (PIZARRO, 2005, p.129).

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Encarar serenamente que fazemos parte da cultura europeia, sem esquecer


nossa porção indígena, negra, árabe, talvez seja uma premissa para os intelectuais
da contemporaneidade. E assim, o ato de se debruçar sobre o passado de dor e
violência, o relendo e atribuindo novas significações, assume o caráter de uma
potencial resistência perante novas tentativas de apagamento da memória
tradicional indígena ou africana, além de propiciar a insurreição de saberes que
outrora foram subalternizados, bem como o reflorescimento de tradições recalcadas.
Cumpre destacar, por conseguinte, o ensaio “Necessidade e solidariedade
nos Estudos de Literatura Comparada” de Benjamin Abdala Junior (ABDALA JR,
2003), no qual o crítico discorre sob as novas perspectivas para os estudos em
literatura comparada na América Latina e nos países Ibero-americanos. Em primeiro
lugar, Abdala pontua que a mestiçagem à maneira latino-americana envolve as
culturas ameríndias, africanas e europeias, o que nos traz o estatuto da
“crioulidade”. Essa mestiçagem essencial não é sintética, mas sim uma forma plural
de nos imaginarmos como repertório de várias culturas.
O autor assinala ainda que também Portugal e Espanha são povos marcados
pelo hibridismo cultural de suas ex-colônias. Portanto, a “crioulidade” é um laço
comum que nos une. Assim, poderíamos pensar em um marcro-sistema, formado
pela comunidade cultural ibero-afro-americana.
Para tecer suas reflexões, Abdala se vale da peça “A Tempestade” de William
Shakespeare, especialmente da imagem de “Próspero” como representante do
colonizador europeu e de “Caliban” como uma figura positiva, signo do colonizado
capaz de subverter a cultura do colonizador. Então, afirma que não há motivos para
que a nossa comunidade Ibero-afro-americana se projete como imagem de
Próspero, negando, dessa maneira, a nossa condição mestiça. Pelo contrário, a
nossa perspectiva deve ser a de Calibã, isto é, a do colonizado capaz de “morder” a
cultura ocidental e europeia de Próspero e afirmar por meio desse ato as nossas
raízes ameríndias e africanas.
Essa perspectiva descentrada remete a uma teoria literária descolonizada.
Assim, a literatura comparada emerge a partir de um conceito muito mais amplo que
o geográfico, pautando-se pelo sociocultural, como podemos observar pela seguinte
assertiva do autor:

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Esse descentramento solicita uma teoria literária descolonizada, com


critérios próprios de valor. Em termos de literatura comparada, o mesmo
impulso nos leva a enfatizar estudos pelos paralelos – um conceito mais
amplo que o geográfico e que envolve simetrias socioculturais. Assim, os
países ibéricos situam-se em paralelo equivalente ao de suas ex-colônias.
Em lugar de um comparativismo da necessidade que vem da circulação
norte/sul, vamos promover, pois, o comparativismo da solidariedade,
buscando o que existe de próprio e de comum em nossas culturas.
(ABDALA JUNIOR, 2003, p.67).

Por “comparativismo da solidariedade”, podemos depreender que o autor


assegura a necessidade de se firmarem laços fraternos entre as comunidades
culturais, não laços caracterizados pela competição e pela dependência. Assim, o
comparativismo solidário irá permitir uma circulação mais intensa de nossos
repertórios culturais. O autor afirma ainda que é a nossa identidade crioula que nos
permite sonhar com tal comunidade Ibero-afro-americana:

(...) entendemos que o momento solicita a marcação de nosso solo crioulo


com a universalidade de sua maneira de ser. Essa mesma maneira de ser,
aberta, sem xenofobismo, convida os outros, ao norte do Equador, a
descobrirem o que em nós existe como marcas de suas identidades – uma
identidade historicamente também modelada a partir desses centros.
Enfatizamos nosso descentramento de perspectivas – descentramento
equivalente ao reivindicado pelos grupos de resistência à estandartização
dos países periféricos – convidando-os também a se imaginarem, de forma
equivalente, dentro da universalidade crioula – uma universalidade que se
faz para a frente, enlaçando carências, mais do que por referência exclusiva
ao passado. (ABDALA JUNIOR, 2003, p.76).

Podemos observar pelas palavras do autor que as novas alianças culturais,


pautadas na solidariedade, têm como marcas a universalidade de ser, pois são
abertas às diferenças, não se deixando levar pelos xenofobismos ao mesmo tempo
em que se projetam para o futuro.
Vemos, dessa forma, que os estudos críticos em literatura comparada
buscam refletir sobre questões tais como dependência cultural, importação de
teorias estrangeiras, descolonização intelectual. Ao traçarem aproximações entre os
múltiplos textos, os críticos procuram observar como os escritores brasileiros se
posicionam dentro do debate contemporâneo, a partir de um lócus de enunciação
marginal: a América Latina. Assim, procuram analisar como é estabelecido o diálogo
entre as obras brasileiras e as obras das metrópoles. Então, valendo-se da metáfora
antropofágica, eles observam se as nossas obras mordem, devoram os textos

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alheios. Vale lembrar que a “devoração antropofágica” compreende etapas que


envolvem as ações de experimentar, degustar, absorver, e, posteriormente,
selecionar, devolver, inovar. Portanto, a atitude proposta pelos críticos
contemporâneos, dentro da ótica das teorias desconstrucionistas, é que a
apropriação de textos alheios deve envolver um processo ativo, no qual o sujeito age
sobre, fala contra e modifica os dados recebidos.

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UNIDADE 4 – LITERATURA COMPARADA E


INTERDISCIPLINARIDADE

4.1. As novas perspectivas da crítica contemporânea


O dialogismo, a intertextualidade, a estética da recepção, a crítica genética
têm reorientado os estudos de literatura comparada. A crítica contemporânea
desvencilha-se da obsessão exclusiva com o “texto” no seu sentido estrito, voltando-
se também para os seus “arredores”, trazendo à frente da cena os rascunhos, as
anotações, as sublinhas, a correspondência do autor, as fotos, enfim, a marginalia.
Ou seja, os arredores que acontecem à margem do texto, hoje avultam em
importância como determinantes da produção da escrita e da interpretação de seus
significados.
Além do mais, o conceito hoje amplificado de texto envolve a noção de que
toda escrita é leitura e vice-versa. Tal prática questiona o sentido primacial em
fontes primárias como raízes exclusivas de aplicação do texto: a velha discussão de
quem vem primeiro já não cabe mais. A marca do olhar do crítico estudioso da
marginália é o descentramento:

Optar por escrever a partir da margem é desterritorializar a significação: a


margem ganharia o poder de gerar uma significação, de produzir uma nova
paisagem. Nessa perspectiva, o jogo das linhas com as entrelinhas obriga à
opção por uma prática de linguagem centrada na origem ponto relacional.
Nesse sentido, olhar não só o passado conserva o seu poder de iluminar o
presente, mas exige ser reescrito/ reelido. (CURY, 2000, p.166).

A fim de enfatizar o olhar descentrado do crítico contemporâneo e o processo


de releitura que ele faz da tradição, Ricardo Piglia escreve o texto “Memoria y
tradición”. Neste ensaio, Piglia coloca em debate a complexidade da relação
estabelecida pelo intelectual com a tradição. O escritor e crítico argentino ressalta
que “Para um escritor a memória é a tradição”. (PIGLIA, 1991, p. 60).5 Isto é, o que
constitui a tradição do escritor é a sua memória permeada de citações, leituras
anteriores, que são apreendidas pelo escritor e tomam forma de memória pessoal.
Piglia descarta, dessa forma, o tradicional vínculo entre inspiração e escrita e
concebe o ato criador como entrecruzamento de textos. Por isso, ele argumenta que

5
Texto original: “Para un escritor la memoria es la tradición”.

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“Em literatura, os roubos são como as recordações: nunca de todo deliberados,


nunca demasiado inocentes”. (PIGLIA, 1991, p. 60).6
Uma vez que os textos estão em constante diálogo, o ato de escrever se
relaciona, portanto, ao da apropriação. Contudo, as apropriações feitas por um
determinado autor não são totalmente deliberadas e nem totalmente inocentes, pois
ao lidar com a memória, o escritor é assaltado também pelo esquecimento e, sendo
assim, os fragmentos de outras escrituras podem voltar como “(...) recordações
pessoais. Com mais nitidez às vezes, que as recordações vividas”. (PIGLIA, 1991, p.
60).7
Se na própria ideia de memória cabe a ideia de arquivamento, podemos dizer
que a tradição do escritor é formada por arquivos de experiência vivida e de
experiência de leituras, compreendendo também os desvãos, os esquecimentos,
enfim, as falências da memória. Logo, uma memória pessoal, assim construída e
compartilhada, para Piglia, tomaria a forma de sonho, de restos perdidos que
reaparecem, tendo, por conseguinte, um efeito de memória falsa.
Nesse sentido também, Jorge Luis Borges, no famoso texto “O escritor
argentino e a tradição” (BORGES, 1953), argumenta que o escritor não deve se
limitar a uns poucos temas nacionalistas, mas deve estar ciente de que o seu
“patrimônio é o universo”, podendo lançar mão do que melhor lhe aprouver. Borges,
ao pensar, sobretudo, na interação promovida pelos escritores latino-americanos
entre a cultura nativa e a europeia, acrescenta que eles podem tirar consequências
afortunadas dessa condição, pois “(...) agir dentro de uma cultura, e, ao mesmo
tempo, não se sentir ligado a ela por uma devoção especial, torna mais fácil à
inovação.” (BORGES, 1953, p. 288). Logo, um certo distanciamento permite uma
maior ‘irreverência’ no trato com a tradição.
Portanto, o escritor deve ser, sobretudo, um leitor, ou seja, deve conhecer a
tradição, para melhor combatê-la. Podemos dizer, portanto, que a atitude dos
escritores é de agressão ao modelo, como postula Silviano Santiago em “O entre-
lugar do discurso latino-americano”:

6
Texto original: “En literatura los robos son como recuerdos: nunca de todo deliberados,
nunca demasiado inocentes”.
7
Texto original: “(...) recuerdos personales. Con más nitidez a veces, que los recuerdos
vividos”.

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38

O texto segundo se organiza a partir de uma meditação silenciosa e


traiçoeira sobre o primeiro texto, e o leitor, transformado em autor, tenta
surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas
suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com suas intenções (...)
(SANTIAGO, 1978, p. 22).

Santiago compara o trabalho do escritor latino-americano com aquele


desempenhado pelo tradutor/traidor, que abdica da fidelidade ao original em prol de
uma tradução criativa. De acordo com essa perspectiva, a tradução não é vista
como mera cópia. Pelo contrário, é compreendida como a unidade capaz de
acrescentar novas leituras ao original, garantindo, dessa forma, a sua sobrevivência.
Essa concepção de tradução decorre do pensamento de Walter Benjamin
(BENJAMIN, 1992) que chama de “relação de vida” o tipo de ligação estabelecida
entre a obra original e a tradução. Ele salienta ainda que “na tradução o original
evolui, cresce, alçando-se a uma atmosfera por assim dizer mais elevada e mais
pura da língua (...)”. (BENJAMIN, 1992, p. 201). Logo, a tradução é despojada de
sua condição inferior para ser encarada em caráter de suplementariedade em
relação à obra original.
Por sua vez, Ricardo Piglia (1991) articula também o conceito de “má
tradução” para se referir à tradição argentina na qual, assim como em outros países
latino-americanos, os escritores mantêm simultaneamente um olho voltado para a
sua própria cultura e o outro voltado para a cultura da metrópole, constituindo a
famosa “mirada estrábica”. Nesse sentido, Piglia afirma que “A tradição argentina
tem a forma de uma tradução. De uma má tradução temos que dizer, uma tradução
falsa, que desvia e disfarça e finge que há uma só língua”. (PIGLIA, 1991, p. 62).8
Portanto, o papel do escritor latino-americano é comparado ao do tradutor, porém
não ao de um tradutor qualquer, mas daquele que assume a condição de traidor, isto
é, aquele que trai, que desvia o original e que, por conseguinte, o enriquece.
Sendo assim, não podemos dizer que a tradição é algo inerte e imutável. Pelo
contrário, ela é também mudança, sinônimo de um quadro dinâmico longamente
entretecido e desde sempre aberto à incorporação de elementos novos, que
alimentam o antigo e estabelecem a necessária ponte entre o velho e o novo.

8
Texto Original: La tradición argentina tiene la forma de uma traducción. De una mala
traducción hay que decir, una traducción falsa, que desvia y disfraza y finge que hay una
sola lengua.

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39

O crítico argentino argumenta ainda que o intelectual se encontra na fronteira,


levado ou trazido a ela pela força, pois, por um lado, existe todo um arcabouço
tradicional anterior do qual ele não pode se alijar e, por outro, existe o inevitável
contato com a cultura estrangeira. Portanto, a relação do intelectual com a tradição
envolveria momentos de saída e de retorno inevitável, configurando o que Piglia
chama de “ex-tradição”. Em sintonia com a crítica contemporânea que não visa ao
fechamento dos conceitos, Ricardo Piglia deixa o conceito de ex-tradição em aberto.
Sendo assim, M.L.Scher retoma esse conceito errático de Piglia, expandindo o seu
sentido:

O sentido geral de “extradição” é o da deportação do estrangeiro, ele


estando fora é forçado a voltar para seu país. Jogando com a separação do
prefixo, Piglia reiventa o termo e amplia seu sentido para propor a idéia de
que um escritor sempre trabalha com a ex-tradição: num sentido, trabalha
com os rastros de uma tradição perdida, quase olvidada; em outro, com a
obrigação de cruzar a fronteira, levado ou trazido a ela, sempre pela força.
(...) O intelectual ou o escritor por formação asila-se na alta-cultura, na
cidade letrada, mas como não pode jamais romper com a sua tradição,
volta sempre à casa. De volta a ela, não pode mais alienar-se da sua
formação letrada, e é com ela que transita no seu próprio espaço para
reconhecê-lo, sendo para sempre então um ser deslocado, um estrangeiro
nos dois lugares (SCHER, 2005, p. 248).

O intelectual retorna inevitavelmente à sua casa. Entendemos por “casa” uma


noção mais abrangente que envolve não só o espaço do aconchego do lar, bem
como o tempo da infância e as relações familiares, mas de um modo geral, toda uma
tradição da qual o intelectual parte e para a qual se vê compelido a voltar.
Podemos dizer, dessa forma, que o trato com a tradição, o deslocamento em
direção às margens, a busca por reinserir saberes e formas de pensamento outrora
subalternizados têm se constituído como condição para o intelectual
contemporâneo.
A relação projetada pelo intelectual com a tradição literária revela-nos o
caráter dialógico existente entre os textos, pois conforme pontua Paulino et al
(1997):

As produções humanas, embora aparentemente desconexas, encontram-se


em constante inter-relação. Na verdade, constrói-se uma grande rede, com
o trabalho de indivíduos e grupos, onde os fios são formados pelos bens
culturais. Se se considerar toda e qualquer produção humana como um
texto a ser lido, reconstruído por nós, a sociedade pode ser vista como uma

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grande rede intertextual, em constante movimento. O espaço da cultura é,


pois, intertextual. Essa idéia não implica harmonia como característica
definidora da cultura mesmo porque não existe um, mas vários grupos
culturais dentro de uma mesma sociedade. (PAULINO et al, 1997, p.12).

Assim sendo, os estudos em literatura comparada ganham destaque na


contemporaneidade, pois como vimos a Literatura Comparada é uma forma
específica de interrogar os textos literários na sua interação com outros textos
literários ou não, e outras formas de expressão cultural e artística. A área foi
redefinida e tornou-se mais abrangente, abarcando, por exemplo, outros códigos
culturais como, por exemplo, a pintura, a fotografia, o cinema.
Conforme já foi dito anteriormente o veio interdisciplinar da literatura
comparada é a sua tônica desde o início, mas este traço foi novamente reforçado
diante dos avanços propiciados pelas novas teorias textuais, desconstrucionistas e
culturais.
No que tange à interdisciplinaridade, Maria Luiza Ramos (RAMOS, 1994)
pontua que, como os estudos literários irão se confrontar com outras áreas das
ciências humanas, a condição fundamental para que esse trabalho seja levado a
efeito com sucesso é conhecimento das disciplinas em questão. Sendo assim, “(...) é
no próprio espaço das Letras que os estudantes vão receber esse conhecimento,
mediatizado pelos professores que devem, eles próprios, adquiri-los por iniciativa
própria, independentemente de uma formação sistemática (RAMOS, 1994, p.21).
A autora afirma ainda que outra dificuldade dos estudos interdisciplinares é
que nem sempre é fácil se fazer um recorte dos aspectos mais pertinentes às
questões literárias, sem que as lacunas provoquem distorções. Por tudo isso,
segundo Ramos:

(...) a formação em outras áreas que não os estudos literários fica sujeita às
circunstâncias da história pessoal de cada um: gosto por determinada
matéria, cumprimento de compromissos acadêmicos, acesso à bibliografia,
oportunidades de estudo orientado, ainda que fora de programações
curriculares. (RAMOS, 1994, p.22).

Como podemos perceber pelas palavras da autora, os estudos em que


buscam fazer comparações entre a literatura e as outras áreas acadêmicas vai
depender em grande parte da história pessoal de cada um.

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Assim sendo, dentre as muitas possibilidades, optamos por detalhar o diálogo


estabelecido pela literatura com o cinema como uma forma de ilustrar o caráter
interdisciplinar dos estudos em literatura comparada.

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UNIDADE 5 – LITERATURA E CINEMA

5.1. Reflexões iniciais


Em seu contínuo transformar através dos tempos, a literatura sempre
manteve diálogo com outras manifestações artísticas. Podemos dizer que as
relações com o cinema remontam aos primórdios da invenção desta que seria
denominada “sétima arte”. Entretanto, é necessário pontuar que essas relações nem
sempre foram bem vistas por parte de alguns teóricos e cineastas como, por
exemplo, Igmar Bergman que chegou a afirmar que “o cinema não tem coisa alguma
a ver com a literatura” (BERGMAN apud CARDOSO, 2003, p.61). Contudo, apesar
das opiniões controversas, é inegável que há uma contaminação de diferentes
matizes entre a linguagem literária e a linguagem cinematográfica.
A semelhança existente entre o cinema e a literatura se situa no fato de que
ambos são formas de narrar, formas de expressão, principalmente enquanto
narrativas. A diferença básica entre a literatura e o cinema é que uma faz parte da
comunicação verbal e a outra da visual.
A literatura é um sistema de signos que usa principalmente as palavras
impressas e as imagens mentais criadas a partir delas, para concretizar seu texto,
de modo que possa ser lido e compreendido. O cinema também é um sistema de
signos que usa uma aparelhagem capaz de criar imagens visíveis e concretas para
concretizar seu texto (fílmico) de modo que possa ser lido e compreendido.
A linguagem verbal (da palavra) emprega vocábulos que representam algo
abstrato e cria uma imagem mental na mente do leitor. Já a imagem do cinema é
entendida como material, concreta, visível. O cinema é ainda considerado uma arte
impura, pois mescla fotografia, teatro, música, dança, pintura e literatura criando, por
conseguinte, a sua própria linguagem, que está em constante transformação, como
qualquer outra linguagem.
A adaptação fílmica de um texto literário pode ser considerada como uma
tradução intersemiótica, porque se trata de um processo que converte uma
linguagem em outra, que transporta algo de um sistema semiótico para outro
sistema. As traduções podem ser de dois tipos diferentes: aquelas que reproduzem
a história e aquelas que recriam a história.

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Em ambos os tipos, a mimese e a fidelidade deixaram de ser objetivo da


tradução sendo que existe hoje a consciência de que há sempre um
autor/cineasta/dramaturgo/tradutor intermediário entre o autor e o leitor/espectador.
Eles podem pertencer à mesma cultura ou a cultura diferentes e são, além disso,
indivíduos diferentes. Por esse motivo, a tradução deixou de preocupar-se com os
aspectos da imitação e de respeito pela obra original para transformar-se em algo
muito mais criativo, que depende muito da intenção de quem traduz, seja a de
aproximar o produto final da audiência ou de conservá-lo mais próximo de sua
origem. Essas duas intenções, muitas vezes inerentes ao processo de traduzir,
resultam em produtos realmente diferentes. Além disso, devemos observar que
várias leituras de um mesmo texto podem revelar mensagens subjacentes, muitas
vezes em oposição ao sentido aparente.
Todavia, as relações entre o cinema e a literatura não se circunscrevem
apenas ao trabalho de adaptação fílmica de obras literárias como comumente se
costuma pensar. Por um lado, o cinema materializou potencialidades que já haviam
sido realizadas na ficção como, por exemplo, o flashback que, apesar de ter sido
explorado em obras literárias antes mesmo do surgimento do cinema, foi aprimorado
por este veículo, tornando-se um recurso claro e amplamente utilizado. Por outro
lado, a literatura se apropriou de temas e estratégias narrativas oriundas do discurso
cinematográfico, formando, dessa maneira, o que César Guimarães chamou de um
“circuito de mão dupla”:

(...) literatura e cinema mantiveram entre si, ao longo do tempo um conjunto


de relações sob a forma de um circuito de mão dupla. Se nos seus
primeiros tempos o cinema encontrou na literatura um certo modelo
narrativo que lhe permitiu contar histórias através de imagens, mais tarde a
poesia e a ficção (...) assimilarão, por meio da analogia, procedimentos e
temas característicos do cinema. (GUIMARÃES, 1997, p.109).

Um dos quesitos fundamentais, entretanto, quando se trata do procedimento


cinematográfico é o fato deste se articular em uma constante tensão entre realidade
e ficção. Assim sendo, é oportuno ressaltar as palavras de Marília da Silva Franco,
que constam no ensaio “Uma invenção dos diabos”:

Definidas as características técnicas básicas da fotografia, por volta de


1850, cientistas, principalmente os ligados aos estudos biológicos,

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desenvolveram engenhos capazes de dar movimento às imagens


fotograficamente fixadas. A fidelidade ao real dessas imagens era um ganho
inestimável para o estudo científico. Era o registro mais absolutamente
confiável e comprovável. O reconhecimento e a aceitação dessa relação
visceral entre cinema e realidade desempenhará um papel fundamental na
evolução técnica e artística desse meio de comunicação de massa.
(FRANCO, 1984, p. 116)

Vemos, portanto, que o cinema nasceu dentro de uma visão cientificista e


positivista, marcado por uma forte tendência documental. Vale lembrar que as
primeiras imagens feitas por Lumière registravam hábitos do cotidiano como, por
exemplo, empregados saindo das fábricas e um trem chegando à estação.
Entretanto, ao lado desta corrente teórica que vê o cinema na sua vocação
essencialmente realista, existem outras correntes que concebem o cinema como
“um discurso feito de imagens, totalmente manipulável e calculável, um artifício que
transtorna os modos tradicionais de representação e percepção” (FURTADO, 1999).
Vale salientar, por conseguinte, a figura do diretor que, ao constituir um filme,
seleciona enquadramentos, locações, luzes, etc. Geralmente, os adeptos dessa
corrente têm George Mélies como precursor, uma vez que este viu o cinema como
um meio de dar prosseguimento às suas experiências de ilusionismo.
Porém, por maior que sejam os artifícios empregados pelo diretor, a matéria-
prima do cinema, que pode ser considerada a sua maior arma ou o seu maior
obstáculo, é a impressão de realidade criada pela imagem cinematográfica. É a esse
propósito que se manifesta Marcel Martin:

A imagem cinematográfica é marcada por uma ambivalência profunda:


resulta da atividade técnica capaz de reproduzir exata e objetivamente a
realidade que lhe é apresentada, mas ao mesmo tempo essa atividade se
orienta no sentido preciso desejado pelo realizador. (MARTIN, 2003, p. 21).

E ainda, a essência da linguagem cinematográfica é a capacidade de alterar e


caminhar em múltiplos sentidos no tempo e espaço. Por exemplo, com apenas um
corte move-se de um espaço a outro, às vezes separados por quilômetros. Além
disso, no cinema o tempo é manipulado livremente. Como afirma Jean-Claude
Carriére “Lidar com o tempo, quer seja para acelerá-lo, realentá-lo, cortá-lo ou
emendá-lo, dissecá-lo ou até esquecê-lo, é um componente orgânico da linguagem
do cinema, uma parte de sua sintaxe, do seu vocabulário”. (CARRIERE, 1994,

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p.124). Os movimentos se tornam mais lentos ou mais rápidos, de acordo com as


necessidades dramáticas. E ainda, pode-se misturar o imaginado com o vivido,
mover-se para o futuro ou para o passado, tudo em questão de segundos, de forma
que o cinema chega mesmo a “alterar (e, por vezes, maltratar) nossos aparelhos de
representação e percepção”. (FURTADO, 2001).
Tais mudanças de tempo e espaço propiciadas pela montagem
cinematográfica possibilitaram que o cinema criasse uma linguagem que poucos
espectadores podiam absorver sem esforço ou ajuda. Carrière (1994) esclarece que
nos primórdios do cinema havia a figura do explicador que de posse de um bastão
apontava os personagens esclarecendo dados da trama.
Entretanto, rapidamente os espectadores foram se adaptando às inovações
trazidas pelo cinema. Por conseguinte, os filmes têm-se tornado com o passar do
tempo cada vez mais rápidos e menos descritivos. De forma que se pode dizer que
só mesmo uma habilidade advinda do hábito de ver filmes nos torna capazes de
ordenar esse aparente caos. Pode-se dizer também que as inovações trazidas pela
linguagem cinematográfica foram contaminando a escrita literária, tornado-a mais
ágil e sintética, afeita à percepção de detalhes e despida de linearidade.
No que tange a relação entre cinema e literatura vale ainda salientar as
seguintes palavras do diretor Jorge Furtado na palestra “A adaptação literária para
cinema e televisão” (FURTADO, 2003):

O cinema sempre aprendeu com a literatura, não só filmando suas histórias,


mas também reproduzindo seus procedimentos narrativos. Usando como
guia o livro Mimesis de Erich Auebarch, poderíamos fazer um paralelo entre
os modos de representação da realidade na literatura e no cinema. De
Homero o cinema aprendeu o flash-back e a idéia de que cronologia é vício.
De Petrônio, o poder dramático da prosódia e a subjetividade do discurso.
De Dante, a vertigem dos acontecimentos, a rapidez para mudar de
assunto. De Boccaccio, a idéia da fábula como entretenimento. De
Rabelais, os delírios visuais e a certeza de que a arte é tudo que a natureza
não é. De Montaigne, o esforço para registrar a condição humana. De
Shakespare, Cervantes (e também Giotto) a corporalidade do personagem
e o poder da tragédia. Da Comédia de Moliére o cinema aprende que a
história é uma máquina. Voltaire ensinou a decupagem, a técnica do
holofote e o humor como forma avançada da filosofia. De Goethe o cinema
e também a televisão aprendem o prazer do sofrimento alheio. De Stendhal
e Balzac vem o realismo, a narração off e o autor como personagem. De
Flaubert vem a dramática e o roteiro como tentativa de literatura. Brecht é o
pai do cinema-teatro e a idéia de que o realismo tem hora. (FURTADO,
2003).

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Vemos, dessa maneira, que desde primórdios houve uma espécie de conexão
entre a literatura e o cinema, sendo que uma linguagem contaminou a outra,
ampliando com isso as possibilidades de interação. Assim sendo, nosso trabalho
enquanto críticos é o de averiguar o diálogo estabelecido. Ao fazermos nossas
análises devemos levar em conta e ter sempre em mente todas as circunstâncias
dentro das quais um texto é produzido/traduzido, sejam elas de que tipo for. Embora
essas circunstâncias envolvam o tradutor, o crítico, como um re-escritor, também ele
está igualmente sujeito a elas. Isto é, quando ele analisa os filmes/traduções está
produzindo um texto para alguém num dado momento, sofre, por conseguinte, as
constrições do seu tempo, da sua leitura, da sua história, do seu eu, enfim.

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UNIDADE 6 – UMA ABORDAGEM COMPARATIVA

6.1.Lavoura Arcaica: do livro ao filme


No final de 1975, em plena ditadura militar, a editora José Olympio lançou, no
Rio de Janeiro, um pequeno livro de um autor praticamente desconhecido e com o
curioso título de Lavoura Arcaica. O romance foi logo prestigiado pela crítica literária,
tendo sido recomendado por Tristão de Athayde para o prêmio Coelho Neto da
Academia Brasileira de Letras.
Lavoura Arcaica, romance de estreia de Raduan Nassar, é uma versão ao
avesso da parábola do filho pródigo. A estória se inicia quando Pedro, o primogênito
de um clã de imigrantes libaneses, vai buscar André, o filho desgarrado, em uma
pensão na qual ele havia se refugiado. Para Pedro, a família é o que há de mais
sagrado e, por isso, André deve ser persuadido a voltar para casa. Do diálogo entre
os dois irmãos e dos assomos de memória do protagonista começa a emergir o
passado de André: seu tormento com os longos sermões morais do pai, sua
afinidade com o ramo materno da família e sua catastrófica obsessão pela irmã Ana.
Por meio de suas lembranças, tomamos conhecimento das causas de sua
fuga. De um lado, a severa lei paterna e do outro, o sufocamento provocado pela
ternura materna. Ao contrário dos sermões do pai, ele afirma a vida, o sexo e a
liberdade. Seu corpo oprimido reclama direitos e André exerce-os contra todas as
leis, apaixonando-se por sua bela irmã Ana e cometendo incesto. Contudo, o filho
pródigo cede aos apelos do irmão e regressa de volta ao lar, o que deflagra uma
crise que provoca a quebra definitiva dos alicerces da família.
Raduan Nassar pertence à linhagem dos naradores-poetas, tendo escrito
essa estória torrencialmente, em parágrafos, que ocupam capítulos inteiros e com
uma insólita pontuação. O autor joga com as sonoridades das palavras, cria efeitos
de claro e escuro que apontam para um certo barroquismo presente na narrativa.
E ainda, todos os personagens encontram-se submetidos ao tempo, à
fatalidade, ao eterno retorno. Por meio de uma linguagem densa, de uma dicção
convulsionada, o autor traça uma sondagem introspectiva, em que a experiência
interior do personagem André, enquanto percorre os intricados labirintos da
memória, é exacerbada. A esse propósito, Florentino assinala:

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Nesse romance, tudo o que vem tocado pela doença, pela epilepsia – a
memória, a família, o corpo, a sexualidade, o sagrado –, tudo isso já vem
seriamente enfermo no bojo da linguagem do narrador-personagem André,
e constituirá a matéria que faz com que a dicção assuma uma aparência
doente, convulsiva. (FLORENTINO, 2001, p.294).

Mesmo naqueles críticos, que demonstraram um imediato entusiasmo pelo


romance de Nassar, podemos vislumbrar um certo desamparo e desorientação
perante a incomensurabilidade do livro, pois Lavoura Arcaica não se insere em
nenhuma corrente literária e não se enquadra em nenhum tipo de definição ou
classificação oferecidas pela crítica, teoria literária ou corrente ideológica.
De acordo com esse prisma, Sabrina Sedlmayer Pinto, no livro Ao lado
esquerdo do pai, em que analisa o romance nassariano, considera Lavoura
Arcaica como um bloco errático. A autora afirma:

Apesar de Lavoura Arcaica resgatar muitos textos alheios, o romance traz


uma linguagem tão convulsionada e percorre um trajeto tão singular na
literatura brasileira que, ao tentarmos contextualizá-lo, percebemos que
este é um romance solitário [...] um iceberg: um bloco que se desprendeu
de uma massa maior que vaga errante. (PINTO, 1995, p.21).

Podemos notar, dessa maneira, que o romance de Nassar apresenta uma


certa alteridade com relação ao conjunto da produção literária brasileira de 70
para cá, sendo que o autor chega a afirmar em entrevista: “Fiz meus dois
textinhos sem levar em conta a zoeira aí fora, fiz lirismo quando o lirismo estava
fora de moda”. (NASSAR apud JABOR, 1992).
Esta explanação do autor nos instiga a uma reflexão sobre o momento em
que Lavoura surgiu no cenário literário. Assim sendo, vamos recorrer ao ensaio
de Silviano Santiago “Prosa literária atual no Brasil” inserido no livro Nas malhas
da letra para nos servir de apoio nessa reflexão.
Santiago observa que, apesar de uma certa anarquia formal dominar o
cenário da prosa no Brasil dos anos 70 e 80, é possível assinalar uma tendência
ao memorialismo. Segundo o autor, nos primeiros anos da chamada “abertura”
duas linhas foram dominantes. Como uma primeira e camuflada resposta da
literatura às imposições de censura e repressão feitas pelo regime militar, surgiu a
prosa de intriga fantástica e estilo onírico, em que o intricado jogo de metáforas e
símbolos transmitia uma crítica radical das estruturas de poder no Brasil. Depois

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apareceu o romance-reportagem em que se denunciavam os arbítrios da violência


militar e policial nos anos duros do AI-5. E, com o retorno dos exilados políticos,
impõe-se a narrativa do tipo autobiográfico.
Lavoura rompe, portanto, com a produção literária brasileira dos anos 70 e
80, na qual uma herança realista é preservada, haja vista o naturalismo
marcadamente presente nos romances-reportagem. Se alguma ressonância do
momento político, ou mesmo da relação entre ordem e poder, por ventura possam
ocorrer na narrativa, podemos dizer que a originalidade do autor está em optar
por “(...) um engajamento político mais amplo do que o recurso direto aos temas
de um momento preciso”. (PERRONE-MOISÉS, 1996, p.69)
Lavoura Arcaica é, sobretudo, uma obra lírica, que fala de uma maneira
poética sobre sentimentos, que esmiúça a complexidade das relações humanas,
abordando de forma magistral a relação entre a tradição e a liberdade, o sagrado
e o profano, focalizando a efervescência contraditória e conflitante do despertar
da paixão em um ambiente austero e repressivo. Nesse sentido, destacamos as
seguintes palavras do autor:

(...) certos escritores vinham a tempos chupando o sangue das palavras,


queriam a qualquer custo acabar com os sentimentos na literatura. (...) Em
literatura quando você lê um texto que não toca o coração é que alguma
coisa está indo pras cucuias. Na minha opinião. (NASSAR, 1996, p.28)

O romance de Nassar se distingui também das narrativas que


convencionalmente chamamos de pós-modernas. Isto é, narrativas citadinas,
dotadas de uma linguagem fragmentada e centradas em um cenário urbano
saturado por imagens tecnológicas e produtos da mídia.
O escritor e crítico Milton Hatoum, em texto elaborado para os Cadernos de
Literatura Brasileira, discorre sobre suas impressões acerca da obra nassariana,
afirmando o seguinte:

Li Lavoura Arcaica em 1976, numa época em que muitos livros de ficção


pretendiam denunciar a brutalidade da vida política brasileira (...) o toque
militar de recolher parecia impor um tema a alguns escritores que queriam
escrever sobre o tempo presente, esse tempo que para literatura parece
ser um contratempo. L.A fugia do factual, do circunstancial e aderia a algo
que penso ser importante numa obra literária: a linguagem muito elaborada

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que invoca um conteúdo de verdade, uma dimensão humana profunda e


complexa. (HATOUM, 1996, p.19-20).

O romance Lavoura Arcaica foi levado à tela grande em 2001 pelo diretor Luiz
Fernando Carvalho. Como já foi dito anteriormente, podemos discutir a questão da
adaptação literária por múltiplas dimensões, no entanto o debate que outrora se
concentrava em torno de uma maior ou menor fidelidade do filme em relação ao livro
perde terreno atualmente para uma discussão que engloba a ideia de “diálogo”.
Conforme aponta Ismail Xavier:

A interação entre as mídias tornou mais difícil recusar o direito do cineasta à


interpretação livre do romance ou peça de teatro, e admite-se até que ele
pode inverter determinados efeitos, propor outra forma de entender certas
passagens, alterar a hierarquia dos valores e redefinir o sentido da
experiência das personagens. A fidelidade ao original deixa de ser o critério
maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como nova
experiência que deve ter a sua forma, e o sentido nela implicados, julgados
em seu próprio direito.” (XAVIER, 2003, p.61-62)

O filme Lavour‘Arcaica tornou-se de imediato um grande sucesso de crítica,


tendo acumulado prêmios nos festivas de Montreal, Biarritz, Havana, Cartagena,
Rotterdam e Brasília. A boa acolhida que teve o filme perante a maior parte da
crítica especializada, que aplaudiu e reverenciou o filme dirigido por Carvalho, não
impediu, contudo, que alguns críticos levantassem o seguinte questionamento: Até
que ponto a transposição quase integral de um texto literário significa “adaptação”?
Carvalho não só filmou sem roteiro, mas também usou as indicações de luz e o
encadeamento original do livro. Na fala das personagens, encontramos passagens e
trechos inteiros da obra de Raduan Nassar.
Adaptar um texto implica passar uma linguagem para outra, pois a linguagem
cinematográfica possui suas próprias peculiaridades e se difere da linguagem
literária no que concerne aos recursos que utiliza. Enquanto a ferramenta do escritor
é a palavra, o texto escrito, o cineasta se vale fundamentalmente da imagem.
Segundo assinala J. E. Romão:

O romance, como qualquer outra obra literária, descreve a realidade,


desenvolve a trama e analisa sentimentos através das palavras, cujo grau
de abstração e de generalização exige do leitor a utilização de sua
experiência de vida, de sua cultura e de suas disposições no momento para
recriação, na imaginação, do que é narrado.

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Só o cinema tem condições de ‘reproduzir’ o real, porque mesmo num filme


de ficção, estaremos diante de imagens em movimento e sonoras.
(ROMÃO, 1981, p.13).

O cinema, como toda linguagem, possui sua gramática própria, isto é, sua
sintaxe, seus sinais de pontuação, suas metáforas, seu vocabulário. Por isso, ao nos
referirmos à transposição de um texto literário para o meio cinematográfico, falamos
em tradução inter-semiótica. Além disso, a transposição de uma linguagem para
outra deflagra inevitáveis transformações, já que implica determinadas escolhas que
o diretor deverá tomar durante o processo de construção do filme.
No ato da leitura, cada leitor constrói um filme em sua mente, o qual
fatalmente acaba não coincidindo com aquele imaginado pelo diretor, o que leva a
que comumente ouçamos do espectador a frase “gostei mais do livro” perante às
adaptações. Podemos dizer, dessa forma, que toda filmagem de uma obra literária é
apenas uma possível leitura desta, entre as milhares outras que poderia ter.
As considerações referentes à fidelidade que Carvalho mantém com relação
ao livro de Raduan Nassar, o que segundo alguns faz com que seu filme fuja do
conceito de “adaptação”, encontram respaldo no pensamento do próprio diretor que
rejeita terminantemente tal termo para se referir ao seu trabalho e afirma ter agido
como se estivesse em “diálogo” com o livro de Nassar. (CARVALHO, 2002, p.34).
Por isso talvez, boa parte da crítica, conforme assegura Ismail Xavier, “identificaram
o filme como tradução9 e consideraram a busca de equivalências bem sucedida”.
(XAVIER, 2003, p.63).
Conquanto, o assombro diante do filme decorre, sobretudo, da originalidade
do diretor que apresenta inovadores experimentos narrativos, além de utilizar
recursos como metáforas, jogos de luzes e sombras, incorporando, dessa forma, o
que o texto literário oferecia de visualidade e não se restringindo ao que concerne ao
enredo. A esse propósito, Carlos Alberto Mattos comenta: “A soma de admiração,
perplexidade e objeções angariada à época do lançamento reflete o diálogo oblíquo
do filme com a cultura brasileira, sua posição singular de objeto sagrado em meio ao
trânsito de produtos.” (MATTOS apud CARVALHO, 2002, p.7).

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Grifo meu.

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Assim como o romance de Raduan Nassar segue como um “bloco errático”


dentro do panorama literário, o filme de Carvalho também foge às principais
tendências que parecem ir assumindo o cinema nacional, pois vai contra a narrativa
contida e o naturalismo típicos do cinema contemporâneo. Podemos dizer que o
diretor buscou no plano audiovisual uma operação poética análoga à do livro. Nas
palavras de Carvalho:

(...) aquela poética é de uma riqueza visual impressionante, então eu


entendi a escolha daquelas palavras que, para além de seus significados,
me propiciavam um resgate, respondiam à minha necessidade de elevar a
palavra a novas possibilidades, alçando novos significados, novas imagens.
Tentei criar um diálogo entre imagens das palavras com as imagens do
filme. Palavras enquanto imagens. (CARVALHO, 2002, p.35).

O diretor não só abriu mão do naturalismo, mas também recorreu a um


conjunto de outras linguagens as quais o cinema pode abarcar: da fotografia à
música, da fala à dança, da narração às artes plásticas. Podemos vislumbrar no
filme referências a pintura tenebrista espanhola, os dourados que dialogam com
Rembrandt, as figuras alongadas de El Greco, passando por Caravaggio e pelos
Cristos de Velásquez, dentre outras evocações.
Assim sendo, ao rastrearmos as escolhas e os métodos tomados por
Carvalho, podemos perceber os índices de um “cinema de poesia” em que a aposta
na força visual e plástica da literatura permite que haja um novo tipo de
entrelaçamento entre a arte literária e a cinematográfica.
Maciel no artigo “Para além da adaptação: formas alternativas de articulação
entre literatura e cinema” (MACIEL, 2003), aponta que a constituição de um “cinema
de poesia” data do início do século XX, sobretudo através das experiências de
Eisenstein que inaugurou uma outra linhagem, refratária aos princípios de
continuidade e verossimilhança legitimados pelo diretor americano David Griffith.
Segundo a autora, Einsestein buscou não no romance realista do século anterior,
como fizera Griffith com os romances de Charles Dickens, mas sim baseou suas
formulações na poesia de várias tradições (inclusive a oriental) e nos experimentos
narrativos de James Joyce. Maciel esclarece ainda que o cerne da diferença entre
essas duas correntes estéticas está na montagem, já que Eisenstein não buscava os
efeitos griffithiano de tempo, e sim uma montagem guiada pela expressividade.

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Além de Eisenstein, vários foram os cineastas que se deram a tarefa de


explorar e teorizar as manifestações e incidências da linguagem poética no cinema.
Dentre eles, podemos citar Luís Buñuel e Píer Paolo Pasolini. Como explica Maciel,
Buñuel chegou a defender, em uma conferência proferida no México, em 1958, a
prática de um cinema que se configurasse como instrumento de poesia.10 “Um
cinema no qual o jogo de fusões e escurecimento das imagens, os espaços flexíveis,
os desvios da ordem cronológica, as irrupções metafóricas, a sintaxe dos sonhos e o
exercício insólito pudessem se viabilizar plenamente.” (MACIEL, 2003, p.114).
Já Pasolini, no manifesto “O cinema de poesia”11, utilizou a terminologia da
semiótica para tratar da linguagem cinematográfica que, segundo ele, é
fundamentalmente língua da poesia. Além disso, o cineasta italiano tomou
emprestado à teoria literária a noção de discurso indireto livre e criou o termo
“subjetiva indireta livre”. Conforme esclarece Ismail Xavier:

Pela subjetiva indireta livre durante o filme inteiro estaremos vivenciando


uma instabilidade, uma oscilação entre objetivo e subjetivo, na qual o
movimento próprio das coisas se mescla a movimento da interioridade, um
contaminando o outro com seu estilo. Isso possibilita ao espectador uma
visão mais compreensiva, interna, da experiência da personagem e o obriga
a constante cotejo entre a imagem que lhe é dada e a noção que ele tem do
mundo, já que o filme não afirma uma realidade estável que emoldure e
explique os movimentos da personagem. (XAVIER, 1993, p.108).

Maciel aponta também como características de um cinema de poesia o uso


do primeiro plano, as subdivisões sutis do enquadramento, os contrastes
expressionistas de luz e sombra, à presença estrutural da música, as modulações
líricas dos personagens e da paisagem. Assim, o poético seria “revelado
cinematograficamente através do poder transfigurador do ‘olhar da câmera’ que,
para isso, dependeria de recursos como a velocidade ou à lentidão dos movimentos,
as proximidades íntimas dos primeiros planos, as variações de luminosidade, dentre
outros.” (MACIEL, 2003 p.116-117).
Érika Savernini (SAVERNINI, 2004), por sua vez, persegue os índices de um
cinema de poesia nos seguintes diretores: Buñuel, Pasolini e Krzysztof. Após
analisar as considerações teóricas bem como os filmes feitos por esses cineastas, a

10
Cf. BUÑUEL (1991), p.333-337.
11
Cf. PASOLINI (1985), p.21-51.

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autora observa que o cinema de poesia não se opõe ao cinema clássico, mas sim
propõe a potencialização de recursos outros com o intuito de relativizar o
funcionalismo narrativo. Ou seja, embora a objetividade e a subjetividade convivam
pontecialmente em todo filme, o cinema de poesia procura enfatizar a ambiguidade.
Além disso, o olhar da câmera procura transcender a aparência naturalista das
relações cotidianas para poder revelar mecanismos mais sutis e profundos. Nas
palavras da autora:

Os filmes em que se pode observar uma tendência para um cinema de


poesia caracaterizam-se pela existência de uma personagem central que
domina a narrativa de tal forma que esta parece representar a sua
subjetividade (ainda que, tecnicamente, o filme não se apresente com uma
câmera subjetiva constante) (...) O sistema significativo e perceptivo da
personagem não interfere apenas no desenvolvimento narrativo, mas
também em sua visualidade, na articulação dos planos, enfim, na
estrutura.(SAVERNINI, 2004, p.47-48).

No filme Lavour‘Arcaica de Luiz Fernando Carvalho, encontramos tais índices


de um cinema de poesia. Nele, o cineasta opta por tomadas amplas e panorâmicas
de cores poderosas. Além de jogar constantemente com as luzes, pois o contraste
entre claro e escuro estruturam todo o filme. E ainda, durante a montagem o diretor
procurou tornar invisíveis os cortes por meio das modulações musicais.
Além disso, Carvalho usa constantemente o primeiro plano e o plano de
detalhe. A personagem André, por exemplo, é exibida muitas vezes em close-ups,
nos fazendo pensar em seu desajuste em relação aos espaços em que se encontra.
De acordo com as pulsões interiores do protagonista, a iluminação pode ser plácida,
translúcida ou sombriamente expressionista a ponto de desfigurar a matéria. Assim,
podemos observar que Carvalho utiliza a “subjetiva indireta livre” como figura de
linguagem fundamental. O filme, como o livro de Raduan Nassar, contamina-se da
subjetividade de André e é por meio dela que nos leva à releitura trágica da fábula
do filho pródigo. Podemos notar a câmera funcionando como um olho. Isto é, um
olho reflexivo, voltado para dentro, explorando o que Carvalho denominou de
“Cartografia da alma” (CARVALHO, 2001).
O diretor afirma que se guiou pelo norte da expressão e não da descrição. Por
exemplo, Raduan Nassar não descreve pontualmente, mas deixa indícios no texto
que permite que reconheçamos que a estória se passa no círculo de uma família de

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imigrantes libaneses residentes no interior do Brasil. Também Carvalho preferiu que


a constituição de época e de costumes no filme não fosse representada de forma
didática, explicativa, já que a preocupação principal era trazer o mundo interno da
personagem para o primeiro plano. Dessa forma, ele comenta que seu objetivo no
filme foi “promover um encontro entre a alma brasileira e a mediterrânica, gostaria
que contivesse um sopro, como diz Alceu Amoroso Lima, ‘um sopro da tradição
clássica mediterrânica’” (CARVALHO, 2002: 77).
Carvalho também usa a montagem com intuito de tecer analogias, criar
metáforas como, por exemplo, ocorre na sequência em que vemos, em ações
paralelas, o André-criança capturar uma pomba, enquanto o André adolescente
consuma sua obsessão por Ana, o que ocorre em um aposento cujas janelas são
bloqueadas por grades, sendo que o cineasta conclui a representação deste ato
sexual proibido com a forte imagem de um arado cortando impetuosamente a terra,
numa belíssima metáfora da comunhão de André com a natureza.
E assim, por meio das belas imagens criadas no filme Lavour‘Arcaica, nós
espectadores somos convidados a estabelecer uma reflexão fundamental sobre a
“Dor do tempo” (CARVALHO, 2002, p.65). Isto é, a dor subjacente a qualquer
tentativa de resgatar um passado que é irrecuperável, que ficou para trás, perdido
para sempre nas intrincadas paredes do tempo, entrelaçado pelas malhas frágeis da
memória. Sempre deslizante, sempre em fragmentos que escapam das afoitas
tentativas que almejam depositá-lo em um unidade sólida.
Percebemos, dessa maneira, o compromisso do cineasta com a poesia, com
o lirismo. Ao ser questionado por um jornalista sobre a sua opinião no que concerne
aos filmes de ação, de estética videoclipesca tão comuns no cinema de hoje,
Carvalho responde:

O exercício dessa linguagem fragmentada ao extremo para criar uma outra


linguagem me interessa muito, contanto que se aproxime da vida, contanto
que isso tudo que a gente esteja falando aqui dê uma volta de 360 graus e,
pá, toque na pele. Porque se não der essa volta é um exercício formalista
inócuo, cego. (CARVALHO, 2001).

Para Carvalho o filme tem que tocar na pele, assim como a literatura para
Nassar tem que tocar o coração, ou seja, ambos se preocupam com que seus
respectivos trabalhos sejam capazes de provocar emoções, de despertar

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sentimentos, de fazer palpitar a vida. Podemos dizer que tanto o escritor quanto o
diretor foram muito bem sucedidos em seus experimentos. Em um mundo
massificado, dominado pelas diretrizes do mercado consumista, filme e livro
destacam-se dessa corrente cujo valor é medido pela capacidade de venda como
produto, pois ambos sobressaem-se pela qualidade artística e pela beleza e riqueza
advindas de um profundo lirismo.

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