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A morte devagar – Martha Medeiros

Por
 Revista Prosa Verso e Arte
 -
28/12/2016

Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias
contradições.

Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as
mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor
nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem
comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se
diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria,
mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is
a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos,
sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o
certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos
conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha
graça de si mesmo.
Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e
requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é
opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da
população.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante,


desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que
desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se
aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo
restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia.

Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves
prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que
simplesmente respirar.
– Martha Medeiros, crônica publicada originalmente no jornal ‘Zero Hora’, em 1 de novembro
de 2000. Disponível no link. (acessado em 11.7.2016).

https://www.revistaprosaversoearte.com/morte-devagar-martha-medeiros/

Intertextualidade:

O que é intertextualidade? A intertextualidade se refere à presença de elementos formais ou


semânticos de textos, já produzidos, em uma nova produção textual. Em outras palavras, refere-
se aos textos que apresentam, integral ou parcialmente, partes semelhantes ou idênticas de
outros textos produzidos anteriormente.

Tipos de Intertextualidade
Há muitas maneiras de realizar a intertextualidade sendo que os tipos de intertextualidade mais
comuns são:

 Paródia: perversão do texto anterior que aparece geralmente, em forma de crítica irônica de
caráter humorístico. Do grego (parodès) a palavra “paródia” é formada pelos termos “para”
(semelhante) e “odes” (canto), ou seja, “um canto (poesia) semelhante à outra”. Esse recurso é
muito utilizado pelos programas humorísticos.
 Paráfrase: recriação de um texto já existente mantendo a mesma ideia contida no texto original,
entretanto, com a utilização de outras palavras. O vocábulo “paráfrase”, do grego (paraphrasis),
significa a “repetição de uma sentença”.
 Epígrafe: recurso bastante utilizado em obras, textos científicos, desde artigos, resenhas,
monografias, uma vez que consiste no acréscimo de uma frase ou parágrafo que tenha alguma
relação com o que será discutido no texto. Do grego, o termo “epígrafhe” é formado pelos
vocábulos “epi” (posição superior) e “graphé” (escrita). Como exemplo podemos citar um artigo
sobre Patrimônio Cultural e a epígrafe do filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): "A cultura é o
melhor conforto para a velhice".
 Citação: Acréscimo de partes de outras obras numa produção textual, de forma que dialoga com
ele; geralmente vem expressa entre aspas e itálico, já que se trata da enunciação de outro autor.
Esse recurso é importante haja vista que sua apresentação sem relacionar a fonte utilizada é
considerado “plágio”. Do Latim, o termo “citação” (citare) significa convocar.
 Alusão: Faz referência aos elementos presentes em outros textos. Do Latim, o vocábulo “alusão”
(alludere) é formado por dois termos: “ad” (a, para) e “ludere” (brincar).

Outras formas de intertextualidade são o pastiche, o sample, a tradução e a bricolagem.

Exemplos
Segue abaixo alguns exemplos de intertextualidade na literatura e na música:
Intertextualidade na Literatura

Fenômeno recorrente nas produções literárias, segue alguns exemplos de intertextualidade.

O poema de Casimiro de Abreu (1839-1860), “Meus oito anos”, escrito no século XIX, é um dos
textos que gerou inúmeros exemplos de intertextualidade, como é o caso da paródia de Oswald
de Andrade “Meus oito anos”, escrito no século XX:

Texto Original

“Oh! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!”

(Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”)

Paródia

“Oh que saudades que eu tenho


Da aurora de minha vida
Das horas
De minha infância
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra!
Da rua de Santo Antônio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais”

(Oswald de Andrade)

Outro exemplo é o poema de Gonçalves Dias (1823-1864) intitulado Canção do Exílio o qual já


rendeu inúmeras versões. Dessa forma, segue um dos exemplos de paródia, o poema de Oswald
de Andrade (1890-1954), e de paráfrase com o poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-
1987):

Texto Original

“Minha terra tem palmeiras


Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.”

(Gonçalves Dias, “Canção do exílio”)


Paródia

“Minha terra tem palmares


onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá.”

(Oswald de Andrade, “Canto de regresso à pátria”)

Paráfrase

“Meus olhos brasileiros se fecham saudosos


Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!”

(Carlos Drummond de Andrade, “Europa, França e Bahia”)

Intertextualidade na Música

Há muitos casos de intertextualidade nas produções musicais, veja alguns exemplos:

A música “Monte Castelo” da banda legião urbana cita os versículos bíblicos 1 e 4, encontrados
no livro de Coríntios, no capítulo 13: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não
tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine” e “O amor é sofredor, é benigno;
o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece”. Além disso, nessa
mesma canção, ele cita os versos do escritor português Luís Vaz de Camões (1524-1580),
encontradas na obra “Sonetos” (soneto 11):

“Amor é um fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

https://www.todamateria.com.br/intertextualidade/
Atividade: Você deverá produzir uma Intertextualidade para a crônica apresentada

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