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SUMÁRIO

Apresentação..............................................................................................................1
Pedagogia do Oprimido: sinopse (Paulo Freire).................................................................2
Aula 1: Contextualização histórica e teórica .....................................................................3
Contexto Histórico 1964 - 1973/1976 ...............................................................................3
Breve Biografia de Paulo Freire: de 1964 à 1974 da ditadura e do exílio..................................5
Influências Teóricas em Pedagogia do Oprimido.............................................................7
Autores que Influenciaram Freire: Trechos ....................................................................8
Aula 2: "Pedagogia do Oprimido" (Análise dos capítulos 1 e 2)..............................................14
Estrutura básica de "Pedagogia do Oprimido"...............................................................14
Contradição Opressor x Oprimido: Texto ....................................................................15
Educação Bancária x Educação Problematizadora: Esquematização.................................17
Educação Bancária: Texto .......................................................................................18
Aula 3: "Pedagogia do Oprimido" (Análise dos capítulos 3 e 4).............................................22
Inédito-Viável: Esquematização................................................................................22
Concepção de Diálogo: Texto....................................................................................23
Investigação Temática: Mapa Conceitual....................................................................25
Teoria da Ação Dialógica x Teoria da Ação Antidialógica: Quadro Comparativo...................26
Esquema de Teoria da Ação:Manuscrito de Freire.........................................................27
Aula 4: Críticas à Pedagogia do Oprimido.......................................................................29
Autocrítica de Freire................................................................................................29
Críticas a Freire .....................................................................................................30
Influenciados por Freire: Trechos...............................................................................35
Sugestões...................................................................................................................41
Bibliografia................................................................................................................45
APRESENTAÇÃO

Participante do curso Paulo Freire 100 anos: leituras fundamentais,

Este é o caderno pedagógico do Módulo 2: Freire e a Libertação. O material foi preparado


como subsídio para o estudo dirigido da obra Pedagogia do Oprimido.
Textos, mapas conceituais, quadros, esquematizações, questionários e sugestões
bibliográficas e audiovisuais são alguns dos recursos didáticos que auxiliarão em sua leitura da
obra em estudo.
O caderno está estruturado conforme a programação das 4 aulas assíncronas do módulo,
a saber:

Aula 1 – Contextualização histórica e teórica da obra


Aula 2 – “Pedagogia do Oprimido” (análise dos capítulos 1 e 2)
Aula 3 – “Pedagogia do Oprimido” (análise dos capítulos 3 e 4)
Aula 4 – Críticas à “Pedagogia do Oprimido” e influências

Para um melhor aproveitamento do caderno e das aulas sugerimos o seguinte roteiro de


estudos:
a) Antes de assistir às aulas, faça uma primeira leitura do livro Pedagogia do Oprimido. Essa
leitura pode ser dividida em etapas. Por exemplo, antes da Aula 1, leia as partes iniciais do livro,
“Prefácio” e “Primeiras palavras”; e antes das demais aulas leia os capítulos que serão debatidos.
b) Durante a aula esteja com o caderno pedagógico. Isso facilitará a consulta rápida a alguma
informação ou referência feitas no decorrer da aula.
c) Após a aula retome o caderno e faça as leituras indicadas e/ou aquelas que mais lhe
interessar.
d) Finalizada as aulas e o estudo dirigido por meio do caderno, retorne ao livro Pedagogia do
Oprimido e realize uma segunda leitura, procurando atinar para os detalhes da obra.

IMPORTANTE: em cada aula será disponibilizado um link na descrição do vídeo para um


questionário onde você poderá deixar suas dúvidas e comentários a respeito do tema
apresentado. As respostas a esses questionários serão trabalhadas na atividade síncrona TIRA
DÚVIDA a ser realizada dia 11/11 às 18h (horário de Cuiabá)/19h (horário de Brasília).
Materiais complementares serão disponibilizados na sala virtual do curso. Sugerimos
também que acompanhe nosso instragam.com/freire100anos. Esperamos que ao longo do curso
possamos compartilhar leituras, questionamentos, práticas e dialogar acerca do pensamento
freireano e de suas implicações para o atual cenário brasileiro, latino-americano e mundial.

Bom curso!
Equipe Executora do Projeto Paulo Freire 100 anos: leituras fundamentais

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Pedagogia do Oprimido: sinopse (Paulo Freire)¹

O livro tem 4 capítulos. No primeiro, analiso a consciência oprimida e a opressora


constituindo-se na realidade objetiva. Estudo-as em sua dialeticidade e coloco a questão da
superação da contradição entre elas, de que nasce o homem novo – não mais opressor, não mais
oprimido – homem libertando-se.
No segundo apresento e critico os fundamentos do que venho chamando de concepção
“bancária” da educação, que transformando a consciência dos homens numa espécie de panela,
vai enchendo-a com depósitos que são falso saber. Esta é a educação que, “castrando” a essência
do ser da consciência – sua intencionalidade – serve à opressão. Em seguida, descrevo o que me
parece ser a educação como prática da liberdade, que se instaura como uma situação
gnoseológica em que o educador-educando, em diálogo com o educando-educador, se fazem
sujeitos complacentes, mediatizados pelo objeto cognoscível.
No terceiro, trato da dialogicidade da educação que tem como ponto de partida a busca do
conteúdo programático da educação, que não pode ser realizado apenas pelo polo do educador,
dentro de uma concepção libertária da educação. Esta busca implica o conhecimento do pensar do
povo, referido ao mundo, em cuja relação dialética vamos encontrar o que chamo de “temas
geradores”. Assim, a educação libertária, na alfabetização, investiga a “palavra geradora” do povo
e, na post-alfabetização, o “tema gerador”. Exponho toda a metodologia desta investigação que
venho teorizando nestes anos de exílio.
No último capítulo, o maior em número de páginas, analiso (resultado também do exílio – o
que em última análise o livro todo) as teorias da ação que nasceu das matrizes dialógica e
antidialógica.
O livro, mesmo que com suas marcas, às vezes até ostensivas, cristãs (com um pouco de
teológico) é um livro forte e duro.

Fonte: Paulo Freire. Não tema enfrentar, não tema ouvir, não tema o desvelamento. In: Paulo
Freire (org. e notas Ana Maria Araújo freire). Pedagogia da tolerância. São Paulo: Editora UNESP,
2004, p. 221-2.

¹ Título dato pelos organizadores do caderno pedagógico. O texto é um trecho de uma carta de Freire endereçada à
irmã Maria Celina Corrêa Leite, em 03/09/1968 , em que se anuncia a última revisão da Pedadogia do Oprimido.
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AULA 1: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E TEÓRICA

CONTEXTO HISTÓRICO 1964 – 1973/1976

Durante a segunda metade do século XX, além de inúmeros golpes militares serem
desferidos por toda América Latina, casos do Brasil em 1964, da Bolívia também em 1964, de
Honduras em 1963, da Argentina em 1976, apenas para citar alguns casos. Assim, percebemos que
houve uma guinada de movimentos reacionários que tomaram o poder em um curto espaço de
tempo, frutos de uma aliança das burguesias locais com as políticas imperialistas dos Estados
Unidos da América.
Nesse cenário que Paulo Freire vê um projeto do opressor ser implementado e seu método
perseguido, pois buscava dar uma ferramenta para a emancipação dos trabalhadores através da
educação. O Brasil era um país onde o analfabetismo ainda atingia parcelas significativas da
população, taxas que também eram seguidas pelos outros países latino-americanos, que
conviviam com as mazelas de uma desigualdade social gigantesca.
Após o início da ditadura brasileira, Freire passa mais de dois meses preso pela ditadura
militar se exilando, primeiramente, na Bolívia por um curto período, e depois no Chile onde
viveu cinco anos. Lá ele trabalhou para a Organização das Nações Unidas (ONU), e, também, foi
por lá onde escreveu algumas de suas obras. A trajetória de Paulo Freire acompanhou a trajetória
política dos países latino-americanos, por ter enfrentado três golpes de estado nos países em que
viveu, Brasil, Bolívia e Chile.
Nesse contexto, podemos perceber que se encontra no poder todo um projeto político e social
que é antagônico a pedagogia e aos pensamentos de Paulo Freire, ao mesmo tempo, como forma
de reação aos seus contextos até se vê surgir nesse período muitos movimentos sociais de suma
importância.
Em um curto período se organizam desde o Partido dos Panteras Negras, nos Estados Unidos;
os Tupamaros no Uruguai; a Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua e o Movimiento de
Izquierda Revolucionario (MIR) no Chile. Em meio a estes momentos conturbados, estes grupos
surgiram para questionar, se defender e/ou agredir a ascensão reacionária que pairava sobre o
continente americano de maneira geral.
Nos Estados Unidos, as manifestações pelos direitos civis cresciam e Martin Luther King
reivindicava o direito dos afro-estadunidenses; além dele, ativistas como Malcolm X fortaleciam
cada vez mais o movimento negro no país na década de sessenta, atingindo cada vez mais
adeptos para a causa e se tornando referência para movimentos negros do mundo todo, símbolo
da contestação a movimentos racistas e reacionários no país, como a Ku Klux Klan por exemplo.

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Na Europa, o cenário de insatisfação dos jovens tem sua maior expressão nos movimentos
que explodiram em Maio de 1968, que tiveram início em Paris, na França, e reverberaram por
todo o mundo. As suas reivindicações grevistas, de ocupações estudantis, pautavam desde a luta
pelos direitos civis, de liberdade sexual, do combate a cultura conservadora, até uma denúncia
contra os horrores que acontecia na Guerra do Vietnã. Maio de 1968 marcou toda uma geração e
também influenciou representações artísticas, na música, cinema e na literatura.
Ainda sob a influência da Revolução Cubana e também da Revolução Chinesa, que provaram
ser alternativas de rupturas tanto para com o imperialismo estadunidense, como para o
capitalismo. Essas revoluções incendiaram o imaginário revolucionário dos países
subdesenvolvidos, pois colocaram os guerrilheiros e os camponeses como protagonistas de sua
história. E, ainda, bastante inspirados pela figura romântica de Che Guevara, muitos líderes e
movimentos que surgiram nesse momento visavam a luta armada e a violência revolucionária
como o caminho possível para emancipação política, social e econômica de suas nações.
Em contrapartida, ocorreu também os movimentos hippie e diversas manifestações de
pacíficas por inúmeros países que reprovavam o uso da violência, as políticas ditatoriais e os
inúmeros confrontos armados que ocorriam em diversos locais no período de Guerra Fria.
Além disso, outro fator característico desse momento – e que também teve influência sobre
a obra de Paulo Freire - foi a guinada à esquerda de parte da igreja católica, que viu na luta
revolucionária um ponto de emancipação de seus fiéis. Por toda a América Latina tivemos a
formação de Comunidade Eclesiais de Base (CEB), no qual muitos religiosos se envolviam com os
movimentos populares da época. Muitos padres e sacerdotes católicos, além de validar a luta
contra a opressão vivida pelos mais pobres, também pegaram em armas e lutaram em guerrilhas,
como é o caso do sacerdote colombiano Camilo Torres.

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BREVE BIOGRAFIA DE PAULO FREIRE: De 1964 à 1974 da ditadura e do exílio

O educador Paulo Freire no ano de 1964 era certamente a esperança que norteava o caminho
de uma educação crítica e emancipadora no Brasil, isso porque sua concepção de educação
juntamente ao método de alfabetização na cidade de Angicos no interior do estado de Rio Grande
do Norte era reconhecido por intelectuais e autoridades políticas da época, pois o método que
criou, é fundado no princípio de que a educação é um processo que deve partir da realidade que
cerca o educando, o entendimento é que, “não basta saber ler mecanicamente 'Eva viu a uva'. É
necessário compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir uvas e quem lucra com esse trabalho.” (Paulo Freire, in Moacir Gadotti, Paulo Freire:
Uma Biobibliografia, 1996.)
Para o educador, a importância que havia nesse reconhecimento político eram as
oportunidades que surgiam para alfabetizar o povo, esse desejo estava inserido em um contexto
social e político no Brasil, pois aproximava o período eleitoral e naquela época as pessoas
analfabetas não tinham o direito ao voto, portanto a alfabetização era o meio e a solução para que
todos participassem efetivamente do processo político democrático que era a votação e escolha de
seus representantes políticos.
Paulo Freire recebeu um convite no início do ano de 1964 pelo então presidente do Brasil João
Goulart, também conhecido como “Jango”, o convite era para liderar o Programa Nacional de
Alfabetização – PNA que iria adotar o método de alfabetização de Paulo Freire, o objetivo do
programa era de alfabetizar cerca de cinco milhões de pessoas, estava previsto a instalação de
cerca de 20 mil círculos de cultura e a formação de educadores em massa, o lançamento do
programa estava marcado para o dia 13 de maio de 1964 e a expectativa em caso de sucesso do
programa era do colégio eleitoral crescer cerca de quarenta por cento.
Porém, no dia 1º de abril de 1964 antes da data prevista para o lançamento do PNA, os militares
deram um golpe de estado no Brasil, sendo o General Castello Branco empossado como o
primeiro general presidente da ditadura militar no país, logo o PNA foi extinto e Paulo Freire foi
preso acusado de traição e subversão, permanecendo encarcerado por mais de 70 dias, isso
porque as políticas educacionais e a tentativa de conscientizar as massas populares incomodavam
as elites conservadoras brasileiras.
Em setembro de 1964, Paulo Freire aos 43 anos foi exilado na embaixada da Bolívia no Rio de
Janeiro, de onde partiu para La Paz na Bolívia, a primeira cidade em que morou no exílio, porém
dias após sua chegada à Bolívia também sofreu um golpe militar e Paulo Freire deixou o país,
indo morar no Chile. Durante o período de exílio em que morou no Chile trabalhou por cinco
anos para o Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária - ICIRA e em 1967,
durante o exílio no Chile, publicou no Brasil seu primeiro livro, Educação como Prática da
Liberdade, baseado fundamentalmente na sua tese Educação e Atualidade Brasileira, de 1959, a qual
concorreu à cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade
do Recife.

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Paulo Freire teve a oportunidade de participar de importantes reformas, conduzidas pelo
governo democrata-cristão de Eduardo Frei, recém-eleito com o apoio da Frente de Ação
Popular, participou ativamente no processo educacional de técnicos e profissionais do setor
agrário por convite do governo do Chile. Esses tempos vividos no Chile e as experiências obtidas
foram de grande importância para estudar seu método em outro contexto, avaliá-lo e
sistematizar teoricamente. Sua experiência foi fundamental para a formação do seu pensamento
político-pedagógico.

“Para mim, o exílio foi profundamente pedagógico. Quando, exilado,


tomei distância do Brasil, comecei a compreender-me e a compreendê-lo
melhor [...] Foi exatamente ficando longe dele, preocupado com ele, que
me perguntei sobre ele. E, ao me perguntar sobre ele, me perguntei sobre
o que fizeram com outros brasileiros, milhares de brasileiros da geração
jovem e da minha geração. Foi tomando distância do que fiz, ao assumir o
contexto provisório, que pude compreender melhor o que fiz e pude
melhor me preparar para continuar fazendo algo fora do meu contexto e
também me preparar para uma eventual volta ao Brasil.”

(Trecho de uma conversa com Frei Betto, extraída do livro Essa escola
chamada vida. P. 56-8 in Paulo Freire: uma biobibliografia).

Como resultado dos seus primeiros anos em exílio, Paulo Freire escreve sua obra Pedagogia do
Oprimido em 1968, este livro é a expressão de suas vivências com a educação popular, libertação e
justiça social, a obra foi publicada em diversas línguas como o espanhol, o inglês (em 1970) e até o
hebraico (em 1981). Pela questão política da ditadura militar, o livro só foi publicado no Brasil no
ano de 1974, quando foi iniciado o processo de abertura política do país.
Pela importância e reconhecimento, em 1969 Paulo Freire foi convidado para ser professor
visitante na Universidade de Harvard, em Cambridge, no estado de Massachusetts, onde dava
aulas sobre suas próprias reflexões, depois de um ano, mudou-se para Genebra, na Suíça,
trabalhando como consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas.

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INFLUÊNCIAS TEÓRICAS EM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

No diagrama abaixo são apresentadas algumas das principais influências teóricas presentes em “Pedagogia
do Oprimido”, especialmente em suas bases filosóficas, psicológicas e pedagógicas.

Hegel
Marxismo dialética do
Marx, R. senhor e
Luxemburgo, escravo Fenomenologia
Lukács, Lenin,

Goldmann, outros) (Husserl, Jaspers,


Sartre)
análise
sócio-econômica intencionalidade da
dialética consciência
práxis

Pedagogia do
Oprimido

Cristianismo
progressista
Álvaro Vieira Pinto (personalismo,
existencialismo, teologia
consciência ingênua política e da esperança)
consciência crítica
inédito-viável concepção antropológica
Psicanálise e compromisso social
humanista
(E. Fromm)
aspectos
psicológicos da
opressão

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AUTORES QUE INFLUENCIARAM FREIRE: TRECHOS

Confira trechos e comentários acerca de autores importantes com os quais Freire dialoga no livro "Pedagogia
do Oprimido". Erich Fromm, Frantz Fanon e Álvaro Vieira Pinto são pensadores fundamentais para
compreensão do contexto teórico da obra. Fromm desenvolve a noção de necrofilia, aqui apresentada em seus
traços essenciais a partir da síntese de Paulo Carbonari. Fanon marca o pensamento freireano de várias
formas, como apontado por Venício Lima no comentário selecionado, que indica momentos em que Freire
reconhece e integra as ideias fanonianas. De Vieira Pinto, influência presente desde os primeiros livros de
Freire, é destacado o trecho em que o filósofo isebiano discute a noção de “situação-limite” aplicada ao país
subdesenvolvido.

Necrofilia e Biofilia em Erich Fromm

No Livro O Coração do Homem (1965), Erich Fromm retrata diferentes formas de violência. Ele
aborda tendências de violência que vão contra a vida, que podem ser denominadas a “essência do
verdadeiro mal”, o “coração do mal” (1965, p. 39): a necrofilia, o narcisismo e a fixação simbiótica
pela mãe.
Para Fromm (1965, p. 41), a distinção “mais fundamental” entre os seres humanos, tanto no
campo psicológico¹ quanto moral, é a que separa “os que amam a morte e os que amam a vida”, os
“necrófilos e os biófilos”. Ressalva ele que não necessariamente uma pessoa é totalmente uma
coisa ou outra, estando presentes ambas como tendências e, em muitas, precisa-se identificar
qual delas é a mais forte (chama aquelas consagradas totalmente à morte de “insanas”).
O texto de Erich Fromm se dedica a fazer uma “descrição da pessoa necrófila” (1965, p. 41) –
exemplos, segundo ele: Hitler, Eichmann e Stalin. A primeira característica é que a pessoa com
orientação necrófila “é atraída e fascinada por tudo o que não é vivo, tudo o que é morto” (1965, p.
42). A segunda característica é que os necrófilos “moram no passado, nunca no futuro” (que odeia
e teme, orientando-se ao passado, no qual fixa seu “desejo de certeza e segurança”), sendo que
suas emoções são sentimentais e alimentam a lembrança de emoções tidas no passado ou que
acredita tê-las tido (1965, p. 42). Outra característica é que “são frios, distantes, devotos da ‘lei e
da ordem’” [nisso consiste a justiça], com valores que “são exatamente o inverso dos [valores] que
ligamos à vida normal” (1965, p. 42). Outra característica é a atitude favorável em relação à força,
como uma capacidade ou desejo de matar, já que o necrófilo “ama a força”, sendo que sua maior
façanha não seria gerar vida, mas destruí-la (1965, p. 42-43). A necrofilia é um “modo de vida”,
mais do que uma ação transitória. Em geral o necrófilo se faz passar por construtor, salvador,
protetor, bom pai, um líder que eleva a nação. Sendo assim, por um bom tempo haverá
complacência com ele. As outras características são que o indivíduo necrófilo “ama tudo o que
não cresce, tudo o que é mecânico”, tem o “desejo de transformar o orgânico em inorgânico”, ao

¹Fromm lembra que, ainda que tenha sido pouco trabalhado pela Psicanálise, a necrofilia se remete ao “instinto de
morte”, tanatológico, como trabalhado por Sigmund Freud.
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modo de que “todas as pessoas vivas fossem coisas” (“sentimentos e pensamento vivos são
transformados em coisas”) das quais quer se apropriar, reforça a “memória em vez de
experiência”, o “ter, em vez de ser”, “gosta de controle”. Contudo, “teme profundamente a vida”,
visto que a vida é “desordenada e incontrolável” (1965, p. 44). Fromm também diz que o necrófilo
se deixa atrair “pela escuridão e pela noite”, tudo o que o aparta da vida e se dirige contra ela. Há
como que um “fascinado pela destruição” (1965, p. 42).
A orientação oposta à necrófila é chamada por Fromm de “biófila”: sua essência “é o amor à
vida” (1965, p. 48). Ela também não é uma característica única, mas representa uma orientação de
um modo de ser que se manifesta nos processos corporais, nas emoções, nos pensamentos, nos
gestos de uma pessoa. Segundo ele, “a substância viva tem a tendência para integrar-se e unir-se;
tende a fundir-se com entidades diferentes e opostas, e a crescer de forma estrutural” (1965, p.
49). A pessoa biófila “é atraída pelo processo da vida e do crescimento em todas as esferas [...].
Ama a aventura de viver mais do que a certeza”; “desfruta a vida e todas as suas manifestações”
(1965, p. 50). A perspectiva da vida aponta no sentido de que “a vida é desenvolvimento
estruturado”, mas que “por sua natureza não está sujeita a um controle ou previsão rigorosos”. A
vida não é abstração, é vida individual” (1965, p. 62).
Erich Fromm faz uma análise das condições para a posição orientada à biofilia (1965, p. 55),
discutindo, inclusive, em que medida ela entra em disputa com a disposição necrófila – faz um
debate com Freud. Discute até que ponto são dimensões conflitantes, já que as entende como “a
contradição mais fundamental existente no homem” (1965, p. 54). Não se resume a uma questão
biológica e nem a uma luta na qual a vitória é por uma delas. A meta fundamental é preservar a
vida, sendo o seu contrário, uma distorção, uma psicopatologia. O “instinto de vida constitui a
potencialidade primária do homem”, que precisa de “condições adequadas” para se afirmar (o
instinto de morte é uma “potencialidade secundária”) (1965, p. 55).
Fromm elenca como condições específicas para o desenvolvimento da biofilia (desde a
infância): o carinho, o contato afetuoso com outros durante a infância, a liberdade e a ausência de
ameaças, o ensino (pelo exemplo e por admoestações) dos princípios que conduzem à harmonia e
a força interior, o guia pela “arte de viver”, a influência estimulante de outros e de resposta a ela e
um modo de vida que seja verdadeiramente interessante (1965, p. 56). O oposto fomentaria o
desenvolvimento da necrofilia: o crescer entre pessoas que amam a morte, a falta de estímulo, a
frieza, as condições que tornam a vida rotineira e carente de interesse e a ordem mecânica ao
invés de uma ordem determinada por relações diretas e humanas entre as pessoas.
As condições sociais para o desenvolvimento da biofilia também são tratadas. Entre elas
estão as que coincidem com as condições que fomentam as tendências, já apontadas acima, como
as que promovem o desenvolvimento do indivíduo. Acrescenta a importância de situações de
abundância contra a escassez, tanto econômica quanto psicológica. Outra é a abolição da
injustiça, que entende como a situação na qual uma classe social explora a outra e lhe impõe
condições que lhe impeçam de acessar uma vida digna, impedindo a uma classe social de
participar da experiência básica do viver. Finalmente também trabalha a liberdade como
condição para o desenvolvimento da biofilia no sentido de “liberdade para” criar e construir,
admirar e aventurar-se, o que requer um indivíduo ativo e responsável. Em resumo, diz que “o a-

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mor à vida se desenvolverá mais numa sociedade onde houver: segurança, no sentido das
condições materiais básicas para uma vida digna não estarem ameaçadas; justiça, no sentido de
ninguém poder ser um fim para os objetivos de outrem; e liberdade, no sentido de cada homem
ter a possibilidade de ser um membro ativo e responsável na sociedade” (1965, p. 57).

Fonte: Paulo César Carbonari Necrofilia: repercussão ética, política e educacional – estudo em
Paulo Freire e Erich Fromm. Espaço Pedagógico, v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 739-743, set./dez. 2020.
Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep (adaptado)

A presença de Frantz Fanon no pensamento de Paulo Freire

Paulo Freire talvez tenha sido o primeiro intelectual público brasileiro a ler, reconhecer e
integrar Fanon ao seu pensamento. Exilado no Chile desde 1964, ele teve acesso à primeira edição
em espanhol de Los Condenados de la Tierra, pela Fondo de Cultura Económica do México (1963) e,
desde então, Fanon passou a ser presença frequente em seus principais escritos.
Já em sua obra maior – Pedagogia do Oprimido (1977a) – escrita no Chile nos anos de 1967/1968²,
a dedicatória de Freire remete claramente ao título de Les Danmés de la Terre [Os Condenados da
Terra] de Fanon: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim,
descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo com eles lutam” (1977a, p. 17).
No corpo do livro, ao discutir as “formas de ser e comportar-se dos oprimidos que refletem a
estrutura de dominação”, Freire trata, no capítulo I, das atitudes fatalistas e comenta:
Na “imersão” em que se encontram, não podem os oprimidos divisar, claramente, a “ordem” que serve aos
opressores que, de certa forma, “vivem” neles. “Ordem” que, frustrando-os no seu atuar, muitas vezes os leva a
exercer um tipo de violência horizontal com que agridem os próprios companheiros (1977a, p. 53).
Neste ponto, Freire remete a Fanon e cita uma passagem de Los Condenados de la Tierra que diz:
“el colonizado no deja de liberarse entre las nueve de la noche y las seis de la mañana. Esa agresividad
sedimentada en sus músculos va a manifestarla al colonizado primero contra los suyos” (Freire, 1977a, p. 53,
nota de rodapé).
Mais de uma década após seu retorno ao Brasil, depois do exílio, Freire revisita a Pedagogia do
Oprimido em seu Pedagogia da Esperança (1992), e descreve a “sensação gostosa que nos assalta
quando confirmamos a razão de ser da segurança em que nos achamos”. Ele se referia à releitura
dos originais do Pedagogia do Oprimido, que fez quase 25 anos depois, e da “emoção que o tomou
ao se adentrar nos Condenados da Terra (de Fanon) e no "e Colonizer and the Colonized (de Memmi)”,
livros que o ajudaram a construir sua obra maior (Freire, 1992, p. 141).
Em seu Cartas a Cristina (1994), falando sobre a problemática educativa progressista e as
contradições possíveis no comportamento de professoras e professores, no quadro maior do
processo de libertação, Freire lembra que “a incoerência é uma possibilidade e não um dado em
nossa existência” e continua:

A partir da Pedagogia do Oprimido, sempre que cita Fanon, Freire passa a citar também Alberto Memmi. Seu The
Colonizer and the Colonized [Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador], complementa as observações
de Fanon.
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O fato de reconhecer tantas possibilidades de incoerência quantos possam ser os tipos de relações em que
coexiste num mesmo indivíduo o rol (sic) de dominado e de dominador, não é suficiente para obstaculizar o
processo de libertação. Me lembro de que na Pedagogia do Oprimido me refiro a isso citando Fanon e Memmi.
No fundo, o oprimido introjeta o opressor que passa a viver nele. Daí a ambiguidade do oprimido, que é ele e o
opressor dentro dele. No que Fanon chama de “violência horizontal”, em que o oprimido fere e maltrata o
oprimido como se fosse opressor, em última análise é o oprimido matando o opressor no oprimido (1994/2015,
p. 255).
Esta série de citações documenta e evidencia as diferentes formas em que Fanon se faz
presente no pensamento de freireano.
Primeiro, Freire reconhece indiretamente a influência de Fanon na própria dedicatória de
sua obra maior.
Segundo, reconhece, com emoção, sua alegria ao reler o Pedagogia do Oprimido, anos depois
de escrevê-lo, e verificar que suas constatações sobre o comportamento dos
oprimidos/colonizados eram compartilhadas por Fanon e Memmi.
Terceiro, Freire e Fanon identificam a mesma necessidade de “elevação do pensamento”
(conscientização) dos oprimidos como passo indispensável para uma postura de autorreflexão
que os tornem responsáveis pela condução de seu próprio destino.
Quarto, assim como Fanon, Freire constata que o oprimido “aprende” a ser violento como
vítima da violência do opressor. Isto dá origem a uma ambiguidade existencial que, dentre outras
consequências, provoca atos de violência horizontal.
E quinto, Freire incorpora em diferentes dimensões de seu pensamento a interpretação de
que os opressores vivem, habitam, se introjetam nos modos de ser e de pensar dos oprimidos.
Essa introjeção se manifesta na violência horizontal; na tentativa da educação colonial de
desqualificar os oprimidos e sua cultura; na falsa superioridade das classes dominantes; e até
mesmo na ideologia das administrações autoritárias de escolas. A extrojeção do opressor só pode
ocorrer quando os oprimidos dele se distanciarem e os reconhecerem como seus antagonistas.
Nos processos de alfabetização com populações na miséria, a extrojeção do opressor se realiza
quando uma espécie de psico-análise (sic) histórico-político-social desfaz a culpa indevida e
resulta na expulsão do opressor.
Fanon foi um dos autores parceiros aos quais Freire recorreu para consolidar seu
entendimento do modo de ser e de agir dos oprimidos e, a partir daí, construir uma proposta de
ação cultural para libertação, tanto dos oprimidos como dos opressores. Essa proposta vai muito
além de um método de alfabetização de adultos.

Fonte: Venício A. de Lima. Paulo Freire: a prática da liberdade, para além da alfabetização. São Paulo :
Fundação Perseu Abramo, 2021, p. 50-55 (adaptado)

11
As situações-limite e sua superação histórica

Coletivamente, o país subdesenvolvido vive em condição limite. Podemos afirmar que o


subdesenvolvimento é em conjunto uma “situação-limite”. E assim como o autor existencialista
[referência implícita a Karl Jaspers] julgou, equivocadamente, que as situações desse tipo são a
condição da liberdade autêntica, julgamos lícito dizer, utilizando a expressão “situação-limite”,
mas traduzindo-a em novo conceito, de caráter objetivo, que, para os povos, são elas realmente o
fundamento do apelo à liberdade, porque, para conjurá-las, exigem-se atos livres, que irão
constituir no plano da história o que chamaremos de “atos-limite”. Não são atos interiores à
situação existente, e com elas conformes, pois os desta espécie se fazem graças à cumplicidade
com o dado; os verdadeiros “atos-limite” são ações de substituição, fundam-se na negação do
dado, no não querê-lo, e dirigem-se à criação do inédito inexistente. Compreenderemos a
fecundidade do conceito de “situação-limite, ao corrigir-lhe o enunciado.
Interpretado como modo de estar histórico de uma comunidade nacional em ascensão, as
“situações-limite” não são a fronteira entre o “ser” e o “nada”, mas a fronteira entre o “ser” e o
“mais ser”. Não são a abertura para a transcendência metafísica ou religiosa, como julga o
filósofo que concebeu pela primeira vez esta ideia, mas a abertura para a transcendência
histórica. Não são o modo de existir que torna inútil a liberdade objetiva, por não haver ato a
decidir capaz de superá-la, mas, ao contrário, são a mais intensa convocação à liberdade, pois
descortinam um infinito de atos a fazer, exatamente aqules que as devem suprimir como
“situações-limite”. Não são a morada do desespero, mas a da esperança.
Esta [a “situação-limite”] não aparece mais como o “muro”, no qual esbarramos, porque não é
mais vista como termo final de uma possibilidade estática e definitiva de ser, mas como
momento do processo histórico.

Fonte: Álvaro Vieira Pinto. Consciência e Realidade Nacional. 2 ed. Rio de Janeiro: Contrponto, 2020,
vol II, p. 283-5 (adaptado)

12
Questões sobre a contextualização histórica:

1. Quais principais acontecimentos da época tiveram influência sobre a obra de Freire?

2. Como o exílio vivenciado por Freire impactou no desenvolvimento de seu


pensamento?

3. Qual a relação entre a alfabetização e o contexto social e político do Brasil na época?

13
AULA 2: "PEDAGOGIA DO OPRIMIDO" (ANÁLISE
DOS CAPÍTULOS 1 E 2)

ESTRUTURA BÁSICA DE “PEDAGOGIA DO OPRIMIDO”

Abaixo é apresentado um esquema da estrutura conceitual de “Pedagogia do Oprimido”. O quadro indica


algumas das noções principais presentes na obra, destacando as contraposições e ênfases estabelecidas por
Freire.

Pedagogia do Oprimido

Opressores
Educação bancária
Teoria da Ação Cultural Antidialógica
(dominação; desumanização)
x
Oprimidos
Educação problematizadora
Teoria da Ação Cultural Dialógica
(libertação; humanização)

Situação: Problema central da humanização e desumanização

Conscientização para libertação

Obstáculos:
Sectarismos (de direita e de esquerda) e medo da liberdade
Pedagogia do Oprimido e investigação dialógica dos temas geradores
Ênfase na classe social
Opção pelo povo e por um mundo sem opressão (libertando-se)

14
Contradição opressor x oprimido: texto

"A violência dos opressores que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação
– a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a
lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar
recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente
opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da
humanidade em ambos. E ai está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-
se a si e aos opressores.
Estes, que oprimem, exploram e violentam, em razão de seu poder, não podem ter, neste poder,
a força de libertação dos oprimidos nem de si mesmos. Só o poder que nasça da debilidade dos
oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos. Por isto é que o poder dos
opressores, quando se pretende amenizar ante a debilidade dos oprimidos, não apenas quase
sempre se expressa em falsa generosidade, como jamais a ultrapassa. Os opressores, falsamente
generosos, têm necessidade, para que a sua “generosidade” continue tendo oportunidade de
realizar-se, da permanência da injustiça. A “ordem” social injusta é a fonte geradora,
permanente, desta “generosidade” que se nutre da morte, do desalento e da miséria.
(...) Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado
terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão?
Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não
chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da
necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato
de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo
quando esta se revista da falsa generosidade referida. (...) O grande problema está em como
poderão os oprimidos, que “hospedam” ao opressor em si, participar da elaboração, como seres
duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram
“hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora.
Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é
impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um
dos instrumentos para esta descoberta critica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores
pelos oprimidos, como manifestações da desumanização.
(...) O “medo da liberdade”, de que se fazem objeto os oprimidos, medo da liberdade que tanto
pode conduzi-los a pretender ser opressores também, quanto pode mantê-los atados ao status de
oprimidos, é outro aspecto que merece igualmente nossa reflexão.
Um dos elementos básicos na mediação opressores-oprimidos é a prescrição. Toda prescrição é a
imposição da opção de uma consciência a outra. Daí, o sentido alienador das prescrições que
transformam a consciência recebedora no que vimos chamando de consciência “hospedeira” da
consciência opressora.
Por isto, o comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz-se à base de
pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores.

15
Os oprimidos, que introjetam a "sombra” dos opressores e seguem suas pautas, temem a
liberdade, a medida em que esta, implicando na expulsão desta sombra, exigiria deles que
“preenchessem” o “vazio” deixado pela expulsão, com outro “conteúdo” – o de sua autonomia.
O de sua responsabilidade, sem o que não seriam livres. A liberdade, que é uma conquista, e não
uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável
de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente
porque não a tem. Não é também a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusive
eles se alienam. Não é idéia que se faça mito. É condição indispensável ao movimento de busca
em que estão inscritos os homens como seres inconclusos.
Dai, a necessidade que se impõe de superar a situação opressora. Isto implica no reconhecimento
crítico, na “razão” desta situação, para que, através de uma ação transformadora que incida sobre
ela, se instaure uma outra, que possibilite aquela busca do ser mais. No momento, porém, em
que se comece a autêntica luta para criar a situação que nascerá da superação da velha, já se está
lutando pelo Ser Mais.
(...) Dai, esta exigência radical, tanto para o opressor que se descobre opressor; quanto para os
oprimidos que, reconhecendo-se contradição daquele, desvelam o mundo da opressão e
percebem os mitos que o alimentam – a radical exigência da transformação da situação concreta
que gera a opressão. (...) Ao fazer-se opressora, a realidade implica na existência dos que
oprimem e dos que são oprimidos. Estes, a quem cabe realmente lutar por sua libertação
juntamente com os que com eles em verdade se solidarizam, precisam ganhar a consciência
crítica da opressão, na práxis desta busca. "

(Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª ed., 1987 p. 20-24)

16
EDUCAÇÃO BANCÁRIA X EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA: ESQUEMATIZAÇÃO

O quadro abaixo esquematiza as noções de educação bancária e educação problematizadora discutidas no


segundo capítulo de “Pedagogia do Oprimido”. São confrontados os pressupostos e implicações de cada forma
de educação.

Educação bancária Educação problematizadora

Educador x Educando Educador-educando e educando-educador


(verticalidade e antidialogicidade) (horizontalidade e dialogicidade)

Autêntico ato cognoscente:


Falso ato cognoscente, dois momentos: 1) educador e educandos são ambos sujeitos
1) educador exerce sozinho o ato cognoscentes mediatizados pelos objetos
cognoscente cognoscíveis (pelo mundo)
2) educador narra ou disserta aos alunos a 2) o educador “re-admira” a “ad-miração” inicial
respeito do objeto conhecido por ele na “ad-miração” dos educandos

* Não há conhecimento nem cultura * Superação da doxa pelo logos no desvelamento


verdadeiros. O objeto cognoscível é posse do da realidade. O objeto cognoscível não é
educador e memorizado pelos educandos propriedade do educador mas incidência para
reflexão de educandos e educador

Par cognitivo: memorização e repetição Par cognitivo: problemas e desafios


Dicotomiza: Dialética:
consciência x mundo consciência-mundo.
pensamento x ação pensamento-ação (práxis)

Reflexão sobre um homem abstrato Reflexão “sobre os homens em suas relações


com o mundo”
Imersão das consciências Emersão das consciências e inserção crítica na
realidade
Realidade estática e mistificada Realidade em transformação e desmistificada
“Assistencializa” Criticiza
Nega a criatividade e a humanização Funda-se na criatividade e favorece a humanização
Fixista, “é”, anti-histórica => fatalismo Incabamento, inconclusão => historicidade
Homens-objetos => alienação Homens-sujeitos => autonomia

17
EDUCAÇÃO BANCÁRIA: TEXTO

No trecho selecionado Freire apresenta os pressupostos antropológicos, gnosiológicos, pedagógicos e as


implicações sociais e políticas da educação bancária. Ao final contrapõe a educação bancária à educação
problematizadora, que será defendida como proposta pedagógica libertadora.

Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que
julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da
opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da
ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o
que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega
a educação e o conhecimento como processos de busca.
O educador se põe frente aos educandos como sua antinomia necessária. Reconhece, na
absolutização da ignorância daqueles a razão de sua existência. Os educandos, alienados, por sua
vez, à maneira do escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua ignorância a razão da
existência do educador, mas não chegam, nem sequer ao modo do escravo naquela dialética, a
descobrir-se educadores do educador.
Na concepção “bancária” que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de depositar,
de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem pode verificar-se esta
superação [da contradição entre educador e educandos]. Pelo contrário, refletindo a sociedade
opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação” “bancária” mantém e estimula a
contradição.
Daí, então, que nela:
a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a
prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação
do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta
escolha, se acomodam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe
antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações
daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

18
Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar,
entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “experiência feito”
para ser de experiência narrada ou transmitida.
Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos
como seres de adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no
arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência
crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos.
Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de
transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebidos.
Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza,
estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para
estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação.
Na verdade, o que pretendem os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e
não a situação que os oprime”¹, e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os
dominem.
Para isto se servem da concepção e da prática “bancárias” da educação, a que juntam toda
uma ação social de caráter paternalista, em que os oprimidos recebem o nome simpático de
“assistidos”. São casos individuais, meros "marginalizados”, que discrepam da fisionomia geral
da sociedade.
Como marginalizados, “seres fora de” ou “à margem de”, a solução para eles estaria em que
fossem “integrados”, “incorporados” à sociedade sadia de onde um dia “partiram”, renunciando,
com trânsfugas, a uma vida feliz.
Sua solução estaria em deixarem a condição de ser “seres fora de” e assumirem a de “seres
dentro de”.
Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram
fora de. Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os transforma em “seres para outro”.
Sua solução, pois, não está em “integra-se”, em “incorporar-se” a esta estrutura que os oprime,
mas em transformá-la para que possam fazer-se “seres para si”.
Este não pode ser, obviamente, o objetivo dos opressores. Daí que a “educação bancária”,
que a eles serve, jamais possa orientar-se no sentido da conscientização dos educandos.
O que não percebem os que executam a educação “bancária”, deliberadamente ou não
(porque há um sem-número de educadores de boa vontade, que apenas não se sabem a serviço da
desumanização ao praticarem o "bancarismo”) é que nos próprios “depósitos”, se encontram as
contradições, apenas revestidas por uma exterioridade que as oculta. E que, cedo ou tarde, os
próprios “depósitos” podem provocar um confronto com a realidade em devenir e despertar os
educandos, até então passivos, contra a sua “domesticação”.
A sua “domesticação” e a da realidade, da qual se lhes fala como algo estático, pode despertá-
los como contradição de si mesmos e da realidade. De si mesmos, ao se descobrirem, por
experiência existencial, em um modo de ser inconciliável com a sua vocação de humanizar-se. Da
realidade, ao perceberem-na em suas relações com ela, como devenir constante.

¹ Simone de Beauvoir. El Pensamento Político de la Derecha. Buenos Aires: Ediciones Siglo Veinte/S.R.L, 1963, p. 34.
19
Esta concepção “bancária” implica, além dos interesses já referidos, outros aspectos que
envolvem sua falsa visão dos homens. Aspectos ora explicitados, ora não, em sua prática.
Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não
com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua
consciência como algo especializado neles e não aos homens como “corpos conscientes”. A
consciência como se fosse alguma seção “dentro” dos homens, mecanicistamente
compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá “enchendo” de realidade. Uma
consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que se
vão transformando em seus conteúdos. Como se os homens fossem uma presa do mundo e este
um eterno caçador daqueles, que tivesse por distração “enchê-los” de pedaços seus.
E porque os homens, nesta visão, ao receberem o mundo que neles entra, já são seres
passivos, cabe à educação apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao mundo. Quanto mais
adaptados, para a concepção “bancária”, tanto mais “educados”, porque adequados ao mundo.
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não
pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres “vazios” a quem o mundo “encha” de
conteúdos; não pode basear-se numa consciência especializada, mecanicistamente
compartimentada, mas nos homens como “corpos conscientes” e na consciência como
consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da
problematização dos homens em suas relações com o mundo.
Ao contrário da “bancária”, a educação problematizadora, respondendo à essência do ser da
consciência, que é sua intencionalidade, nega os comunicados e existencía a comunicação.
Identifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser consciência de, não apenas
quando se intenciona a objetos mas também quando se volta sobre si mesma, no que Jaspers²
chama de “cisão”. Cisão em que a consciência é consciência de consciência.
Neste sentido, a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar,
ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros
pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como situação
gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um
sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a
educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição
educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à
cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível.
O antagonismo entre as duas concepções, uma, a “bancária”, que serve à dominação; outra, a
problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exatamente aí. Enquanto a primeira,
necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a segunda realiza a superação.

Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 42ª ed., 2005, p. 67-78 (adaptado)

² “The reflexion of consciousness upon itself is as self-evident and marvelous as is its intentionality. I am at myself; I am both one and
twofold. I do not exist as thing exists, but in an inner split, as my own object, and thus in motion and inner unrest.” (A reflexão da
consciência sobre si mesma é tão autoevidente e admirável quanto é sua intencionalidade. Eu estou em mim mesmo; eu sou tanto eu quanto
um duplo. Eu não existo como uma coisa existe, mas numa cisão interna, como o meu próprio objeto e, portanto, como movimento e
agitação interior). Karl Jaspers, Philosophy, vol. I. The University of Chicago Press. 1969, p. 50.
20
Questões sobre os capítulos 1 e 2

1. Como Freire caracteriza a desumanização dos opressores e dos oprimidos?

2. Como a práxis (reflexão - ação) atua na superação da contradição opressor-


oprimido?

3. Como Freire distingue a “falsa generosidade” da “generosidade autêntica”?

4. O que é a concepção de educação bancária definida por Freire e como ele a


relaciona com a visão necrófila descrita por Erich Fromm? Por que isso é
relevante no contexto da obra?

21
INÉDITO-VIÁVEL: ESQUEMATIZAÇÃO

O esquema abaixo sintetiza o conceito de inédito-viável. Este conceito expressa dimensões fundamentais da
concepção antropológica freireana, ressaltando os projetos e as possibilidades da existência humana marcada
pelo condicionamento e a liberdade.

22
CONCEPÇÃO DE DIÁLOGO: TEXTO

No trecho abaixo, retirado do terceiro capítulo de “Pedagogia do Oprimido”, Freire define o “diálogo”,
conceito nuclear de sua proposta educacional. O autor ainda aponta como o diálogo inscreve-se na própria
natureza humana.

Quando tentamos um adentramento no diálogo, como fenômeno humano, se nos revela algo
que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do
diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus
elementos constitutivos.
Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões; ação e reflexão, de tal forma
solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se
ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis¹. Daí, que dizer
a palavra verdadeira seja transformar o mundo².
A palavra inautêntica, por outro lado, com que não se pode transformar a realidade, resulta
da dicotomia que se estabelece entre seus elementos constituintes. Assim é que, esgotada a
palavra de sua dimensão de ação, sacrificada, automaticamente, a reflexão também, se
transforma em palavreria, verbalismo, blablablá. Por tudo isto, alienada e alienante. É uma
palavra oca, da qual não se pode esperar a denúncia do mundo, pois que não há denúncia
verdadeira sem compromisso de transformação, nem este sem ação.
Se, pelo contrário, se enfatiza ou exclusiviza a ação, com o sacrifício da reflexão, a palavra se
converte em ativismo. Este, que é ação pela ação, ao minimizar a reflexão, nega também a práxis
verdadeira e impossibilita o diálogo.
Qualquer destas dicotomias, ao gerar-se em formas inautênticas de existir, gera formas
inautênticas de pensar, que reforçam a matriz em que se constituem.
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se
de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo.
Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua
vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.

¹ (ação)
Palavra --------------------------- = Práxis
(reflexão)
(da ação) = palavreria, vebalismo, blablablá
Sacrifício ----------------------------------------------------------
(de reflexão) = ativismo.

² Algumas destas reflexões nos foram motivadas em nossos diálogos com o prof. Ernani Maria Fiori.
23
Não é no silêncio³ que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer
a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por
isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de
prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se
esgotando, portanto, na relação eu-tu.
Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e
os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se
acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no
direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto
desumanizante continue.
Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o transformam, o
diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens.
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o
refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não
pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se
simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes.
Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a comprometer-
se com a pronúncia do mundo, nem com buscar a verdade, mas com impor a sua.
Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar
de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance
mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos
sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens.

Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 42ª ed., 2005, p. 89-91.

³ Não nos referimos, obviamente, ao silêncio das meditações profundas em que os homens, numa forma só aparente de sair do
mundo, dele “afastando-se" para “admirá-lo” em sua globalidade, com ele, por isto, continuam. Daí que estas formas de
recolhimento só sejam verdadeiras quando os homens nela se encontrem "molhados” de realidade e não quando, significando um
desprezo ao mundo, sejam maneiras de fugir dele, numa espécie de “esquizofrenia histórica”.

24
INVESTIGAÇÃO TEMÁTICA: MAPA CONCEITUAL

25
TEORIA DA AÇÃO DIALÓGICA X TEORIA DA AÇÃO ANTIDIALÓGICA: QUADRO
COMPARATIVO

O quadro a seguir compara as duas formas de teoria da ação cultural discutidas por Freire no capítulo 4 de
“Pedagogia do Oprimido”. São elencadas as caraterísticas básicas da Teoria da Ação Antidialógica, criticada
pelo educador, e da Teoria da Ação Dialógica, defendida pelo autor.

TEORIA DA AÇÃO ANTIDIALÓGICA TEORIA DA AÇÃO DIALÓGICA


[objetivo: conquista dos seres humanos] [objetivo: transformação do mundo]

Conquista Co-laboração
- reificação do ser humano, objeto a ser - encontro de sujeitos, em co-laboração,
conquistado para transformação do mundo
- mitificação da realidade: mito da ordem da - sujeitos se voltam para a realidade
liberdade; do todos podem ser empresários; mediatizadora para problematizá-la e
da propriedade privada; da generosidade dos desvelá-la
dominantes, etc - confiança nas massas e desconfiança do
- os mitos são introjetados pelos oprimidos opressor “hospedado” nelas, que pode
através de slogans e dos meios de levar à traição e renúncia
comunicação de massa

Dividir para manter a opressão Unir para libertação


- cisão entre os oprimidos através, por - união dos oprimidos entre si e deles com
exemplo, de “treinamento de líderes”, a liderança
promoções e favorecimentos - implica “consciência de homem
- visão focalista dos problemas, perda da oprimido”
dimensão de totalidade - romper com a aderência ao opressor

Organização [desdobramento da união]


- não é dirigismo, nem justaposição de
indivíduos
Manipulação - implica: liderança, disciplina, ordem,
- conformação das massas aos objetivos das decisão, objetivos, tarefas, mas não a
elites “coisificação” das massas
- assistencialismo - liberdade sem licenciosidade; autoridade
- populismo sem autoritarismo
- envolve o testemunho da liderança:
coerência, valentia de amar, crença no povo

Síntese cultural
Invasão cultural - Liderança e massa co-intencionados à
- os oprimidos veem a realidade com a ótica dos realidade opressora a desvelam e recriam
opressores: pautam-se por sua visão de mundo e - enfrenta a cultura opressora
seus valores - não há esquemas prescritos. Liderança e
- desvalorização da própria cultura e inibição de povo criam juntos a pauta da ação
sua criatividade (investigação e ação)

26
ESQUEMA DE TEORIA DA AÇÃO: MANUSCRITO DE FREIRE

Teoria da Ação Revolucionária Teoria da Ação Opressora

Intersubjetividade
Atores - Sujeitos

ação
Sujeitos - Atores Atores - Sujeitos
Níveis da liderança Massas oprimidas Oprimidos.
revolucionária Realidade a ser Objetos como
mantida - Objeto parte da realidade,
Interação imersos nela.
o
aç ã

aç ã
o

Realidade a ser
Objeto transformada Objeto
mediatizado para a mediatizador para a

humanização manutenção -
Objetivo como processo Objetivo objetivo da opressão
permanente

Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido: O manuscrito, 2018, p. 322

27
Questões sobre os capítulos 3 e 4

1. Qual a importância atribuída por Freire ao amor para a possibilidade do


diálogo?

2. Como Freire relaciona a importância dos “temas geradores”, “universo


temático” e “situações limite”?

3. Quais as principais diferenças entre "ação dialógica" e "ação antidialógica"


e como se relacionam com a libertação e opressão?

4. Como Freire relaciona Diálogo e Revolução [autêntica]?

28
AULA 4: CRÍTICAS À “PEDAGOGIA DO OPRIMIDO”

AUTOCRÍTICA DE FREIRE

No texto abaixo, retirado do livro "Pedagogia da Esperança", Freire realiza uma autocrítica da linguagem
usada em “Pedagogia do Oprimido”, avaliando a ideologia machista presente na linguagem.

Falar um pouco da linguagem, do gosto das metáforas, da marca machista com que escrevi a
Pedagogia do oprimido e, antes dela, Educação como prática da liberdade, me parece não só importante
mas necessário.
Começarei exatamente pela linguagem machista que marca todo o livro e de minha dívida a
um sem-número de mulheres norte-americanas que, de diferentes partes dos Estados Unidos,
me escreveu, entre fins de 1970 e começos de 1971, alguns meses depois que saiu a primeira edição
do livro em Nova York. Era como se elas tivessem combinado a remessa de suas cartas críticas
que me foram chegando às mãos em Genebra durante dois a três meses, quase sem interrupção.
De modo geral, comentando o livro, o que lhes parecia positivo nele e a contribuição que lhes
trazia à sua luta, falavam, invariavelmente, do que consideravam em mim uma grande
contradição. É que, diziam elas, com suas palavras, discutindo a opressão, a libertação,
criticando, com justa indignação, as estruturas apressaras, eu usava, porém, uma linguagem
machista, portanto discriminatória, em que não havia lugar para as mulheres. Quase todas as que
me escreveram citavam um trecho ou outro do livro, como o que agora, como exemplo, escolho
eu mesmo: “Desta forma, aprofundando a tomada de consciência da situação, os homens se
‘apropriam’ dela como realidade histórica, por isto mesmo, capaz de ser transformada por eles”
(Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 74). E me perguntavam: “Por que
não, também, as mulheres?”.
Me lembro como se fosse agora que estivesse lendo as duas ou três primeiras cartas que
recebi, de como, condicionado pela ideologia autoritária, machista, reagi. E é importante
salientar que, estando nos fins de 1970 e começos de 1971, eu já havia vivido intensamente a
experiência da luta política, já tinha cinco a seis anos de exílio, já havia lido um mundo de obras
sérias, mas, ao ler as primeiras críticas que me chegavam, ainda me disse ou me repeti o
ensinado na minha meninice: “Ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está
incluída”. Em certo momento de minhas tentativas, puramente ideológicas, de justificar a mim
mesmo, a linguagem machista que usava, percebi a mentira ou a ocultação da verdade que havia
na afirmação: “Quando falo homem, a mulher está incluída”. E por que os homens não se acham
incluídos quando dizemos: “As mulheres estão decididas a mudar o mundo."? Nenhum homem se

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acharia incluído no discurso de nenhum orador ou no texto de nenhum autor que escrevesse: “As
mulheres estão decididas a mudar o mundo”. Da mesma forma como se espantam (os homens)
quando a um auditório quase totalmente feminino, com dois ou três homens apenas, digo:
“Todas vocês deveriam” etc. Para os homens presentes ou eu não conheço a sintaxe da língua
portuguesa ou estou procurando “brincar” com eles. O impossível é que se pensem incluídos no
meu discurso. Como explicar, a não ser ideologicamente, a regra segundo a qual se há duzentas
mulheres numa sala e só um homem devo dizer: “Eles todos são trabalhadores e dedicados?”. Isto não
é, na verdade, um problema gramatical mas ideológico.
Neste sentido é que explicitei no começo destes comentários o meu débito àquelas mulheres,
cujas cartas infelizmente perdi também, por me terem feito ver o quanto a linguagem tem de
ideologia.
Escrevi então, a todas, uma a uma, acusando suas cartas e agradecendo a excelente ajuda que me
haviam dado.
Daquela data até hoje me refiro sempre a mulher e homem ou seres humanos. Prefiro, às
vezes, enfeiar a frase explicitando, contudo, minha recusa à linguagem machista.

Fonte: Paulo Freire. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 66-7

CRÍTICAS A FREIRE

O trecho selecionado de bell hooks coaduna com a autocrítica de Freire. A filósofa estadunidense, bastante
influenciada pelo filósofo brasileiro, não deixa de fazer a crítica a alguns aspectos do pensamento freireano,
como o sexismo da linguagem nas obras iniciais do autor.

Enquanto lia Freire, em nenhum momento deixei de estar consciente não só do sexismo da
linguagem como também do modo com que ele (e outros líderes políticos, intelectuais e
pensadores críticos progressistas do Terceiro Mundo, como Fanon, Memmi etc.) constrói um
paradigma falocênctrico de libertação – onde a liberdade e a experiência da masculinidade
patriarcal estão ligadas como se fossem a mesma coisa. Isso é sempre motivo de angústia para
mim, pois representa um ponto cego na visão de homens que têm uma percepção profunda. Por
outro lado, não quero, em nenhuma hipótese, que a crítica desse ponto cego eclipse a capacidade
de qualquer pessoa (e particularmente das feministas) de aprender com as percepções. [...]. O
sexismo de Freire é indicado pela linguagem de suas primeiras obras, apesar de tantas coisas
continuarem libertadoras. Não é preciso pedir desculpas pelo sexismo. O próprio modelo de
pedagogia crítica de Freire acolhe o questionamento crítico dessa falha na obra. Mas
questionamento crítico não é o mesmo que rejeição. [...].
É o pensamento feminista que me dá força para fazer a crítica construtiva da obra de Freire
(da qual eu precisava para que, como jovem leitora de seus trabalhos, não absorvesse
passivamente a visão de mundo apresentada), mas existem muitos outros pontos de vista a partir

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dos quais abordo sua obra e que me permitem perceber o valor dela, permitem que essa obra
toque o âmago do meu ser. Conversando com feministas da academia (geralmente mulheres
brancas) que sentem que devem ou desconsiderar ou desvalorizar a obra de Freire por causa do
sexismo, vejo claramente que nossas diferentes reações são determinadas pelo ponto de vista a
partir do qual encaramos a obra. Encontrei em Freire quando estava sedenta, morrendo de sede
(com aquela sede, aquela carência do sujeito colonizado, marginalizado, que ainda não tem
certeza de como se libertar da prisão do satus quo), e encontrei na obra dela (e na de Macolm X, de
Fanon etc.) um jeito de matar essa sede. Encontrar uma obra que promove a nossa libertação é
uma dádiva tão poderosa que, se a dádiva tem uma falha, isso não importa muito.

Fonte: hooks, bell. Ensinando a transgredir: educação como prática da liberdade. Trad. Marcelo
Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 69-72.

***

O texto de Rosiska Darcy Oliveira e Pierre Dominice, escrito originalmente em 1974, realiza uma síntese das
críticas ao trabalho educativo de Freire até aquele momento. O trecho selecionado apresenta uma análise dos
conceitos freireanos e a necessidade de melhor defini-los e adequá-los à prática pedagógico-política.

Não há dúvida de que seu pensamento pedagógico é claramente político. Toda a Pedagogia do
oprimido, assim como seus textos mais recentes está impregnada de uma intenção revolucionária.
A “conscientização” nunca foi considerada um objeto estritamente educativo. Seu objetivo
constante é que o povo assuma a responsabilidade política da história. Isso esclarecido, resta
saber quais os fatores políticos que permitem uma “educação libertadora”. Em outras palavras,
como falar de libertação através da educação em uma sociedade em que o poder político está
bloqueado pelas forças de opressão? Em nossas sociedades ocidentais, ditas “democráticas”, em
que medida é possível, de outro modo que não pedagógico, setorial e restritivo, falar de educação
libertadora? Com base em que critérios é possível determinar se uma ação de formação ou um
movimento social com dimensão educativa escapa da dominação das forças opressivas?
A nosso ver, a resposta a essas perguntas torna-se ainda mais difícil em razão do tipo de
discurso utilizado por Freire. Quando ele fala de povo ou de oprimidos, não delimita estes termos
com precisão. No contexto do Nordeste brasileiro e em outras regiões do mundo
subdesenvolvido, os dados da situação política são suficientemente eloquentes para que não se
necessite definir, especialmente em forma sociológica, o significado desses termos.
Como no caso de [Ivan] Illich, encontramo-nos diante de um pensamento profundamente
marcado pela filosofia e pela teologia. Ao contrário de Illich, as palavras utilizadas têm uma
referência concreta. Entretanto, como ele, têm uma nítida tonalidade simbólica e uma coloração
efetiva. É impressionante a ausência de referências precisas a fatores econômicos, sociológicos
ou psicológicos, o que torna difícil colocar-se em prática o pensamento de Freire.
Os textos de Paulo Freire atingem, sem dúvida alguma, um público vasto. Mas o pensamento

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que toma forma necessita de um determinado número de mediações para ser assimilado. Em
consequência, cada leitor corre o risco de reter apenas o que lhe concerne diretamente ou o que
seus próprios marcos de referência lhe permitem captar. Se for latino-americano, compreenderá
Freire em função de sua experiência de luta política ou de sua prática de movimento social, tal
como tenha ocorrido dentro desse quadro socioeconômico. Se for católico, identificar-se-á com a
orientação humanista e se sentirá em terreno familiar graças às influências manifestas dos
filósofos que marcam o pensamento de Paulo Freire. Se for marxista, reconhecerá uma
problemática típica à qual se acostumou graças às correntes contemporâneas do pensamento
(Gramsci, Lukács, Marcuse). Se for pedagogo, encontrará ênfases de libertação que caracterizam
as tendências progressistas da pedagogia contemporânea. Somente aqueles que são um pouco
todas essas personagens ao mesmo tempo, ou que tenham passado por essas diferentes “fases” e
sofrido essas diferentes “influências”, podem realmente compreender a intenção de Freire e a
totalidade de seu recurso intelectual.
Essa falta de clareza em relação aos termos utilizados nos conduz ao seguinte problema: em
que medida suas experiências e teorias nascidas no contexto do “Terceiro Mundo” podem ser
traduzidas e adaptadas às sociedades “altamente industrializadas”? De fato, quando
consideramos a complexidade das sociedades do mundo industrial, fica difícil identificar
exatamente de que população se trata quando se fala “povo” ou “oprimidos”. São os operários
industriais? Os trabalhadores emigrados da Europa ocidental ou as minorias étnicas dos Estados
Unidos? As mulheres, os jovens, os professores e os cientistas ou os assistentes sociais? A
diversidade de movimentos de libertação é uma eloquente amostra da complexidade da análise
da opressão e da variedade de forças sociais que, no seio do “povo”, protestam contra sua
alienação.
O pensamento de Freire encontra-se atualmente em uma situação bastante paradoxal. Entre
o êxito de suas obras e a continuação prática de seu pensamento há uma distância que se faz cada
vez maior. O êxito é a consequência de cada vez mais gente – de diferentes grupos sociais – se
reconhecer através de sua crítica da educação alienante e dos mecanismos de programação da
consciência, e se sentir atraída por suas proposições que apontam para uma educação
libertadora. Em compensação, a dúvida sobre os agentes históricos capazes de pôr em prática
uma alternativa radical e a dificuldade em se determinarem as oportunidades de luta que
conduzam a uma mudança efetiva dificultam essa passagem da consciência da necessidade de
mudança para a ação concreta de libertação.
Sem dúvida, o pensamento de Freire não carece de poder persuasivo. Mas este existe apenas
potencialmente. Conclui-se a partir daí que é necessário clarificar os termos e lhes dar um
sentido que só terão, de fato, numa prática explícita.

Fonte: Rosiska Darcy de Oliveira; Pierre Dominice. Pedagogia dos Oprimidos – Opressão da
Pedagogia – O debate pedagógico. In: TORRES, Carlos Alberto. Diálogo e práxis educativa: uma
leitura crítica de Paulo Freire. Trad. Mônica Mattar Oliva. São Paulo: Loyla, 2014, p. 302-304
passim

32
***
No texto abaixo, Dermeval Saviani discute a relação entre Paulo Freire e o marxismo. Destaca e exemplifica
como o educador se apropria de conceitos dessa corrente de pensamento, porém sem aderir aos seus
fundamentos teóricos.

Vê-se que em Pedagogia do oprimido os autores que integram, de algum modo, a tradição
marxista constituem maioria. Além de Marx, Engels e Lênin, temos Rosa Luxemburgo, Lukács,
Mao Tse-Tung, Lucien Goldmann, Althusser, Kosik, Marcuse, Debret, Guevara, Fidel Castro,
Sartre. No entanto, isso não significa que Paulo freire tenha aderido ao marxismo ou, mesmo,
tenha incorporado em sua visão teórica de análise da questão pedagógica a perspectiva do
marxismo. Na verdade, é possível reconhecer a matriz hegeliana em sua análise da relação
opressor-oprimido, calcada na dialética do senhor e do escravo que Hegel explicita na
Fenomenologia do espírito. Quanto aos autores marxistas, eles são citados incidentalmente,
apenas para reforçar aspectos da explanação levada a efeito por Freire, sem nenhum
compromisso com sua perspectiva teórica. Se algum conceito é apropriado, isso ocorre
deslocando-o da concepção de origem e dissolvendo-o num outro referencial. Isso pode ser
ilustrado com o conceito de limite máximo de consciência possível, de Lucien Goldmann. Em
Goldmann, esse conceito é de matriz lukacsiana e pressupõe não apenas a distinção entre
consciência real e consciência possível, mas também o antagonismo entre as classes
fundamentais, dominante e dominada, sob o capitalismo, isto é, a burguesia e o proletariado.
Supõe, portanto, a luta de classes. Assim, raciocina Goldmann, se a burguesia pode, em certas
circunstâncias, ser dotada de uma consciência real mais avançada do que o proletariado, em
termo de consciência possível, devido às posições respectivamente ocupadas por essas duas
classes no sistema de produção, a burguesia estará necessariamente aquém do proletariado.
Assim, o limite máximo de consciência possível, nas condições em que vigora o modo de
produção capitalista, só poderá ser atingido pelo proletariado (GOLDMANN. Ciências humanas e
filosofia, 1976, p. 94-103). Não é esse, entretanto, o contexto em que Freire lança mão desse
conceito goldmanniano. Senão vejamos:
Paulo Freire reporta-se a Goldmann quando está tratando da investigação da “situação-
limite”. Considera que esta, enquanto realidade concreta, “pode provocar em indivíduos de áreas
diferentes, e até de subáreas de uma mesma área, temas e tarefas opostas que exigem, portanto,
uma diversificação programática para seu desvelamento” (FREIRE. Pedagogia do Oprimido, 1972, p.
142). E retira daí a conclusão que os investigadores devem “centrar-se no conhecimento do que
Goldmann chama ‘consciência real’ (efetiva) e ‘consciência máxima possível’”, introduzindo,
como sinônimo, o conceito de “inédito viável”, formulado a partir da “situação-limite”, de
Jaspers, reinterpretado por Vieira Pinto: “A consciência real (ou efetiva) constituindo-se nos
‘obstáculos e desvios’ que a realidade empírica impõe à instauração da ‘consciência máxima
possível’ – ‘máximo de consciência adequada à realidade’ – implica a impossibilidade da
percepção, para além das ‘situações-limites’, o que denominamos o ‘inédito viável’ (idem,
ibidem).

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Em suma, apesar do comparecimento de grande número de autores marxistas, a concepção
de fundo que preside a tessitura de Pedagogia do oprimido permanece sendo a filosofia personalista
na versão política do solidarismo cristão. Eis que, já nas primeiras páginas do primeiro capítulo,
quando está caracterizando a relação opressor-oprimido com base na dialética do senhor e do
escravo, de Hegel, Freire estabelece a condição para que o opressor possa solidarizar-se
verdadeiramente com os oprimidos: “o opressor só se solidariza com os oprimidos quando seu
gesto deixa de ser um gesto ingênuo e sentimental de caráter individual, e passa a ser um ato de
amor com eles” (idem, p. 46-7)
O solidarismo cristão, na versão corrente da doutrina social da Igreja expressa nas encíclicas
papais, foi divulgado no Brasil pelo padre Fernando Bastos de Ávila por meio das obras
Solidarismo e Neocapitalismo, socialismo, solidarismo, ambas publicadas pela Editora Agir, do Rio de
Janeiro (ÁVILA, 1963 e 1965). Mas em Paulo Freire o solidarismo assume as conotações próprias do
radicalismo católico que desembocou na corrente denominada “teologia da libertação”.
Poderíamos mesmo considerar que a pedagogia libertadora de Freire é o correlato, em educação,
da “teologia da libertação”.

Fonte: Dermeval Saviani. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3 ed. rev. Campinas: Aurores
Associados, 2010, p. 331-3

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INFLUENCIADOS POR FREIRE: TEXTOS

Abaixo seguem trechos dos textos das pesquisadoras cubanas Zaylín Brito Lorenzo (licenciada em psicologia)
e Ania Mirabal Patterson (socióloga), onde comentam a influência e a importância da pedagogia de Paulo
Freire nos cenários atuais e nas práticas diárias.

Educación popular, cultura e identidad desde la perspectiva de Paulo Freire (Zaylín Brito
Lorenzo)

(...) Para uma aproximação teórica e metodológica contextualizada nos momentos atuais da
educação, as principais heranças do pensamento de Freire a se levar em consideração devem
estar associadas à sua função crítica, como processo que deve nutrir-se da realidade do presente
para reconstruir continuamente seus métodos educativos, articulados à pratica educativa.
(...) Alcançar verdadeiras transformações no âmbito educativo da região é uma dívida ainda
pendente para a agenda das ciências sociais e, em especial, para a pedagogia crítica
contextualizada em circunstâncias atuais.
Em todo caso, a pedagogia proposta por Paulo Freire se situa como pioneira para a América
Latina, ao herdarmos o caminho da educação popular. Sua obra redimensiona uma nova
concepção da realidade social, por meio da qual se faz possível reinterpretar a sociedade e a
história à luz das novas mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas da região. Um
caminho possível para repensar o andar e o projetar das novas utopias da mudança e a
transformação educativa e social que urgem na região latinoamericana.
(...) No mesmo sentido, a influência na formação identitária a partir da análise da biografia do
sujeito participante no processo educativo é a categoria que articula essa perspectiva.
Precisamente essa concepção de Freire sobre a biografia do sujeito e de seu lugar constitui uma
proposta pedagógica que incorpora o sujeito, sua história pessoal, suas tradições culturais e
populares em função de um aprendizado apropriado desde a vivência dos sujeitos participantes
nos processos educacionais. Se converte assim o sujeito em protagonista de sua educação.

(Zaylín Brito Lorenzo, Educación popular, cultura e identidad desde la perspectiva de Paulo Freire. In:
Paulo Freire. Contribuciones para la pedagogía. Moacir Gadotti, Margarita Victoria Gomez,
Jason Mafra et al [orgs.], 2008, p. 30 - 35, tradução nossa)

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Pedagogía crítica: Algunos componentes teórico-metodológicos (Ania Mirabal Patterson)

(...) A pedagogia do oprimido como base dessa pedagogia crítica é a linha a seguir para alcançar
um mundo de paz e esperança, onde sejam possíveis as utopias projetadas.
(...) A pedagogia crítica tem componentes éticos, políticos, metodológicos, e vitaliza o homem
como sujeito dentro do processo. Um sujeito com consciência crítica capaz de reconhecer-se no
mundo e transformá-lo, chegando a obter essa consciência, necessita de uma educação dialógica,
na qual se estabeleçam relações horizontais e o conhecimento seja reflexivo (e co-construído).
(...) A dialogicidade dessa corrente pedagógica implica que educador e educando troquem ativa e
reflexivamente seus conhecimentos, não que seja só o educador quem de antemão decida sobre
que tema será sua conferência, mas que indague os interesses dos educandos e desde essa
posição se construam, desde a prática e a realidade dos educandos, o conhecimento e a reflexão
crítica do mundo. Um educador que respeite seus educandos e não os subestime. A humildade, o
amor e o respeito são parte dos princípios dessa pedagogia crítica.
(...) A pedagogia crítica é esperançosa pois oferece a possibilidade de construção de um mundo
novo, ao reconhecê-lo dentro de cada contexto e com respeito às tradições culturais. Em muitos
países da América Latina, a educação popular se disseminou e está conquistando espaços cada
vez mais diversos pois supõe uma pedagogia crítica com ênfase na participação, uma
participação real, cujos princípios são ter parte, tomar parte e formar parte. Se está superando
aquela tradição educativa que supõe que o professor é o que tem o conhecimento e o fornece aos
alunos, e que estes o assimilam como uma verdade dada a qual não criticam. Nos encontramos
diante de realidades que necessitam de um diálogo constante, no qual os revolucionários de hoje
tenhamos claro que ainda que nossas intenções sejam boas não podemos manipular as
populações; estas devem deixar ouvir sua voz, participar, buscar soluções próprias adequadas aos
seus contextos.
(...) Freire nos incita a formar sujeitos críticos e reflexivos, com consciência coletiva de mudança,
de transformação; a que parta de sua prática concreta, vá à teoria e se torne a prática
transformada.
(...) Essa proposta de pedagogia crítica é transponível a todos os âmbitos da vida. É, a meu juízo,
pedagogia de vida. Não podemos evitá-la nem como educadores nem como educandos, pois em
ocasiões reproduzimos estereótipos em nossa vida cotidiana, na qual muitas vezes nos
comportamos de diferentes maneiras segundo o contexto. É usual que em ocasiões assumamos
posições respeitosas, dialógicas, em nossos círculos políticos ou de amigos, e logo no âmbito
familiar não nos lembramos ou simplesmente as evitamos, estabelecendo relações de poder com
nossos filhos, pais, irmãos, etc, esquecendo de dialogar, perguntar a eles quais são suas
preferências, desejos, sentimentos e necessidades, impondo a eles o que nós queremos ou
pensamos que é melhor para eles. Se demonstra assim a incoerência de um processo que requer
de preceitos éticos que apontem a sua coerência necessária. A lógica indica que devemos ser
coerentes, uma pessoa crítica e dialógica em todos os momentos. Como diz, Freire, os oprimidos
de hoje não podem se converter nos opressores de amanhã.

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(...) Através de reflexões gerais poderíamos dizer que o diálogo é o elemento articulador de uma
pedagogia revolucionária, transformadora, democrática e popular, e além disso é uma base de
sustentabilidade para todos os projetos humanos. Sustentabilidade vista desde o sentido prático
como garantia de preservação, de continuidade, de possibilitar mudanças segundo o contexto
histórico, de mantimento de tradições culturais. Um diálogo que permita relações horizontais
entre os diferentes grupos, seja a nível micro e macro. O diálogo se converte no ponto de
encontro onde se constrói conhecimento e se legitima o mesmo dentro da diversidade de
realidades nas quais se edifica e se refaz necessariamente. O diálogo é um componente ético e
político que supõe a igualdade, a fraternidade, a lealdade, o respeito e o compromisso, e que não
deve admitir estereótipos pré estabelecidos que o limitem e o trunquem, nem preconceitos
relacionados à raça, religião, classe; ainda que seja preciso ter em conta essas questões para
respeitá-las em todos os seus sentidos. O diálogo é uma arma nobre que educa desde a essência
humana e pode contribuir para tornar realidade as utopias possíveis e um mundo melhor.

(Ania Mirabal Patterson, Pedagogía crítica: algunos componentes teórico-metodológicos. In: Paulo
Freire. Contribuciones para la pedagogía. Moacir Gadotti, Margarita Victoria Gomez, Jason
Mafra et al [orgs.], 2008, p. 107 - 111, tradução nossa)

Oprimidos e opressores (Augusto Boal)

No texto selecionado de Augusto Boal se percebe a influência de Freire, sobretudo na discussão das categorias
“oprimido” e “opressor”. Boal aponta que tais categorias expressam relações de poder. O teatrólogo brasileiro
destaca ainda a importância da dimensão estética no enfretamento da opressão.

Oprimidos e opressores não podem ser candidamente confundidos com anjos e demônios.
Quase não existem em estado puro, nem uns nem outros. Desde o início do meu trabalho com o
Teatro do Oprimido, fui levado, em muitas ocasiões, a trabalhar com opressores no meio dos
oprimidos, e também com alguns oprimidos que oprimiam.
Nenhuma sociedade fabrica, “em série”, os seus cidadãos – somos todos responsáveis por
nossos atos.
Já algumas vezes ouvi o argumento vergonhoso de que até “Hitler não nasceu monstro, foi a
sociedade que o tornou assim”. Penso, ao contrário, que não podemos fingir ignorar que temos
livre-arbítrio e somos responsáveis pelas escolhas que fazemos, cada um de nós, é claro, dentro
de uma situação social e política concreta, que é poderosa e determinante, mas não exclusiva. A
história dos povos e a biografia dos indivíduos não são obra da fatalidade.
Não podemos conceder perdão e oferecer amizade a quem escolheu o proveito próprio às
custas da morte alheia. Aqueles que querem a todos perdoar, “ver os dois lados da questão” ou
“ver a questão de todos os lados”, aqueles que tentam justificar as razões dos opressores, são os
imobilistas do mundo.

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Se fosse verdade que todos têm razão, e que todas as razões se equivalente, seria melhor que o
mundo ficasse do jeito que está. Nós, no Teatro do Oprimido, ao contrário, queremos
transformá-lo, queremos que mude sempre em direção a uma sociedade sem opressão. É sio que
significa humanizar a humanidade: queremos que o “homem deixe de ser lobo do homem”, com
dizia um poeta.
Sabemos que todas as sociedades se movem através de estruturas conflitantes: como
poderíamos nós, então, assumir uma virginal posição isenta diante de conflitos dos quais,
queiramos ou não, fazemos parte? Seremos sempre aliados dos oprimidos... ou cúmplices dos
opressores.
Trabalhar com os oprimidos é uma clara opção filosófica, política e social.
Diante do mercado e do lucro, que, no mundo globalizado, substituem todos os valores
chamados “humanísticos”, temos que tomar uma posição filosófica, política e social – ação! Não
podemos flutuar acima da Terra na qual vivemos, procurando cosmicamente compreender as
razões de todos e procurando a todos justificar, aos que exploram e aos que são explorados, aos
senhores e aos escravos.
Nossa tomada de posição e nossas ações concretas devem acontecer não porque sejamos
artistas, mas porque somos cidadãos. Fôssemos veterinários, dentistas, pedreiros, filósofos,
bailarinos, professores, jogadores de futebol ou lutadores de judô – qualquer que seja a nossa
profissão –, temos a obrigação cidadã de nos colocarmos ao lado dos humilhados e ofendidos.
Somos seres vivos: precisamos de ar, água e terra. O ar está poluído pela fumaça, a água
contaminada pelos detritos industriais, e a terra cercada de arame farpado e muros. E nós... não
dizemos nada? Somos seres sociais: mundo afora, países bélicos e blindados impõem sua vontade,
invadem, escravizam – a razão do Príncipe é seu poder! Mundo adentro, cai a noite. E nós...
ficamos calados?
Tenho sincero respeito por aqueles artistas que dedicam suas vidas exclusivamente à sua
arte – é seu direito ou condição! –, mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida.
O Teatro do Oprimido jamais foi um teatro equidistante que se recuse a tomar partido – é
teatro de luta! É teatro DOS oprimidos, PARA os oprimidos, SOBRE os oprimidos e PELOS
oprimidos, sejam eles operários, camponeses, desempregados, mulheres, negros, jovens ou
velhos, portadores de deficiências físicas ou mentais, enfim, todos aqueles a quem se impõe o
silêncio e de quem se retira o direito à existência plena.
Existem também os opressores não antagônicos, com os quais o cuidadoso diálogo é
possível e as transformações relacionais também.
Em Santiago do Chile, em 1974, convidado pelo consulado francês, trabalhei com operários
chilenos; entre eles, aquele que era o mais combativo na luta contra a ditadura propôs uma cena
de família na qual ele, inconscientemente, mostrava-se ditador em relação à esposa e às suas
filhas. Na política, lutava contra a ditadura e, na família, exercia poderes ditatoriais.
Aquele operário era inconsciente das opressões que exercia, pois, para ele, eram a única
forma que conhecia e aceitava de “ser um bom pai severo”. Confundia suas opções opressoras
com a função de pai.

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Este operário algo aprendeu sobre ética e, certamente, mudou seu comportamento. Era
opressor não consciente e, em parte, deixou de sê-lo. Trabalhar com este [opressor não
antagônico] vale a pena e pode ser transformador.
No Centro do Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro já

trabalhamos com homens que batiam em suas mulheres. A


vergonha que alguns sentiam, ao ver-se em cena, já era o início do
caminho de transformação possível. É pouco? Sim, muito pouco,
mas a direção da caminhada é mais importante do que o tamanho
do passo.
Trabalhamos com professores que batiam em seus alunos, e
pais em seus filhos: a visão teatral de suas opressões envergonhava
esses opressores e, a muitos, transformava. O espaço estético é
um espelho de aumento que revela comportamentos dissimulados, inconscientes ou ocultos.
Não devemos ter medo ou pudor de trabalhar com pessoas que exerçam funções ou
profissões que oferecem a oportunidade e o poder de oprimir – temos que acreditar em nós e no
teatro.
Mas temos que ter muito cuidado... e saber escolher nosso lado.

Fonte: Augusto Boal. Teatro do Oprimido e outras poéticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 21-27
(adaptado).

***

A compreensão dicotômica da Ecclesia docens e discens resulta de uma visão patológica da


realidade da Igreja (Leonardo Boff)

O texto selecionado apresenta a crítica de Leonardo Boff à concepção hierárquica da Igreja católica. Nesta
crítica o teólogo da libertação retoma as noções freireanas de “educador-educando” e “educando-educador”
para defender uma outra visão de Igreja.

Toda sanidade pode, historicamente, apresentar patologias. Isso ocorreu com o tema em
questão. Houve época, especialmente a partir da reforma gregoriana em que a Igreja era
sobretudo o clero. A partir daí, a Ecclesia docens tende a constituir um estado sociológico à parte.
A constituição de um corpo de peritos dicotomizado da comunidade, vem acompanhada de um
processo de expropriação objetiva do poder religioso dos demais membros que passam a ser
meramente leigos, destituídos de força produtora de bens simbólicos, relegados a simples
espectadores da vida da Igreja. A separação rígida entre clérigos e leigos é enfatizada por
Gregório XVI (1831-1846): “Ninguém pode desconhecer que a Igreja é uma sociedade desigual, na
qual Deus destinou a uns como governantes, a outros como servidores. Estes são os leigos,
aqueles são os cléricos”. Pio X é ainda mais rígido: “Somente o colégio dos pastores tem o direito e

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a autoridade de dirigir e governar. A massa não tem direito algum a não ser o de deixar-se
governar qual rebanho obediente que segue seu Pastor” (Cf. Schumaus, M. Der Glaube der
Kirche, Bd. II, Munique, 1970, 102).
Paulo Freire mostrou o caráter patológico deste tipo de relação que
desumaniza um polo e o outro. (Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro,
1975, 63; id. Educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro, 1974, 85-99).
De um lado se encontra a Ecclesia docens que tudo sabe e tudo interpreta;
do outro o leigo que nada sabe, nada produz e tudo recebe, a Ecclesia
discens. A Hierarquia não aprende nada em contato com os leigos; estes
não têm espaço eclesial para mostrar sua riqueza. Nega-se assim a
vocação ontológica de cada homem e sobretudo do cristão que é ser
participante e não mero espectador da história da salvação. A educa-
ção da fé não é libertadora de um e de outro, mas massificadora.
Na história da Igreja, a má articulação dos polos do discens e do docens em benefício quase sempre
do docens (Hieraquia) levou a situações de autoritarismo inaceitáveis à luz de critérios evangélicos
(Lc 22, 25-28). O caminho era de uma mão só que ia da Hierarquia que ensina para o povo que
apenas ouvia. Importa criar um caminho de duas mãos: do discens para o docens e do docens para o
discens.

Fonte: Leonardo Boff. Igreja: carisma e poder. 3 ed. Petrópolis: Vozes, p. 218-219, passim.

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SUGESTÕES

VÍDEOS
Os vídeos indicados abordam o pensamento e a prática de Paulo Freire. O primeiro discute a formação do
pensamento freireano. O segundo destaca o legado do educador e traz material inédito sobre a experiência de
Angicos/RN. O terceiro explica a importância de Freire e debate os ataques extremistas sofridos pelo educador
nos últimos anos.

Paulo Freire, um homem do mundo


Episódio 1 - A formação do pensamento

Direção Cristiano Burlan (2020, 52min)

O programa investiga a formação de Paulo Freire e suas influências para a concepção da


Pedagogia do Oprimido a partir de depoimentos de sua família e de profissionais que o
conheceram ou atuam nas instituições onde colocou em prática seus conceitos.
Disponível em:
https://sesctv.org.br/programas-e-series/paulo-freire/ mediaId=3c628c0514fa361bb5e88752efe96893

100 anos de Paulo Freire: obra e legado

Direção Joaquim de Carvalho (2021, 1h e 27min)

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O repórter e documentarista Joaquim de Carvalho apresenta a obra de Paulo Freire, com imagens
raras do Experimento de Angicos, o primeiro de uma série de projetos que livraria o Brasil das
trevas do analfabetismo e que foi abortado pela ditadura. Neste documentário, lançado a
propósito dos 100 anos de Paulo Freire, intelectuais como Fernando Haddad, Jessé Souza, Márcia
Tiburi, Marcos Guerra e Moacir Gadotti analisam a obra do Patrono da Educação no Brasil. Em
depoimento exclusivo, a professora Nita, viúva de Paulo Freire, diz como o marido responderia
aos ataques de ódio da extrema direita.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lTKV45-OLps

Paulo Freire, 100 anos

Direção Leão Serva (2021, 30 min)

Paulo Freire, 100 Anos traz os principais estudiosos da obra do educador para explicar a sua
importância e, ao mesmo tempo, os motivos dele estar sendo vítima de tantos ataques
extremistas.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tG_pVkhzr1c

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LIVROS

Abaixo indicam-se três obras para o aprofundamento do estudo do pensamento freireano. Tais textos servem
como instrumentos para investigação das influências e diálogos do autor, além da análise dos conceitos
principais do filósofo.

Paulo Freire: a prática da liberdade, para além da alfabetização (Venício A. de Lima. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2021)

O livro é um convite a refletir sobre Freire e os tempos atuais. Ele nos traz a ideia-força de que o
pensamento de Freire não pode ser reduzido a um método de alfabetização de adultos, porque vai
além à medida que seu compromisso maior é com a humanização do homem e sua liberdade.

Dicionário Paulo Freire (Danilo R. Streck; Euclides Redin,; Jaime José Zitkoski, (orgs.). 4 ed. rev.
ampl. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015)

O dicionário livro reúne 230 verbetes sobre a obra de Paulo Freire, escrito por mais de cem
estudiosos. Os verbetes foram selecionados considerando-se o lugar que a palavra, expressão ou
conceitos ocupa na obra freireana e a recorrência de seu uso.

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Paulo Freire: Uma Arqueologia Bibliográfica (Sandro de Castro Pitano; Cheron Zanini Moretti;
Danilo Romeu Streck (orgs.). Curitiba: Appris Editora, 2019)

O livro analisa e evidencia o conjunto de influências presentes na obra de Freire. Na forma de


uma arqueologia, escava o conjunto de escritos freireanos desde o final dos anos de 1950, até as
obras publicadas postumamente. Elenca e analisa no formato de verbetes 501 presenças
identificadas nos seus livros, incluindo autores e autoras, instituições, pessoas, lugares e fatos
históricos, proporcionando aos leitores e às leitoras um amplo panorama teórico e conceitual do
seu pensamento político e pedagógico.

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BIBLIOGRAFIA:

CARBONARI, Paulo César. Necrofilia: repercussão ética, política e educacional – estudo em


Paulo Freire e Erich Fromm. Espaço Pedagógico, v. 27, n. 3, Passo Fundo, p. 739-743, set./dez. 2020.
Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 12 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 42ª ed., 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido: o manuscrito. (MAFRA, J. F.; ROMÃO, J. E.; GADOTTI, M.
(orgs.). São Paulo: Instituto Paulo Freire/Universidade Nove de Julho/Ministério da Educação
(MEC), 2018.
GADOTTI, Moacir; GOMEZ, Margarita Victoria; MAFRA, Jason et al (orgs.) Paulo Freire
Contribuciones para la pedagogía. , 2008. Disponível em:
http://biblioteca.clacso.edu.ar/gsdl/collect/clacso/index/assoc/D1599.dir/gomez.pdf
hooks, bell. Ensinando a transgredir: educação como prática da liberdade. Trad. Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.
LIMA, Venício A. de. Paulo Freire: a prática da liberdade, para além da alfabetização. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2021. Disponível em:
https://fpabramo.org.br/publicacoes/estante/paulo-freire-a-pratica-da-liberdade-para-alem-da-
alfabetizacao/
OLIVEIRA, Rosiska Darcy de; DOMINICE, Pierre. Pedagogia dos Oprimidos – Opressão da
Pedagogia – O debate pedagógico. In: TORRES, Carlos Alberto. Diálogo e práxis educativa: uma
leitura crítica de Paulo Freire. Trad. Mônica Mattar Oliva. São Paulo: Loyla, 2014.

PITANO, Sandro de Castro; STRECK, Danilo R.; Moretti; Cheron Zanini (orgs.). Paulo Freire: uma
arqueologia bibliográfica. Curitiba: Appris, 2019.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3 ed. rev. Campinas: Aurores
Associados, 2010.

STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
VIEIRA PINTO, Álvaro. Consciência e Realidade Nacional. 2 ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020,
vol II.

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