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História da Educação

Unidade 3
História da Universidade
e a Educação Moderna
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
GLÓRIA FREITAS
AUTORIA
Glória Freitas
Sou formada em Pedagogia, com mestrado e doutorado na área de
educação com uma experiência técnico-profissional na área de Educação,
na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I em organizações não
governamentais (ONGs e OSCIPs) e no ensino superior de mais de 30 anos.
Passei por inúmeras universidades públicas e privadas, em São Paulo,
Paraná, Ceará, Rondônia e Maranhão. Sou apaixonada pelo que faço e
adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando
em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a
integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder
ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Constituição da Universidade................................................................. 10
Descrevendo o cenário da chegada da idade moderna e sua oposição
aos tempos medievais.................................................................................................................10

Descrevendo a construção da universidade, da Idade Medieval e da


Idade Moderna................................................................................................................................... 13

Marcos Históricos da Educação Moderna ........................................ 17


Definindo os marcos históricos da educação moderna: a Renascença e o
humanismo pedagógico............................................................................................................. 17

Definindo a reforma protestante e contrarreforma educacional .................27

Definindo a Companhia de Jesus e o “ratio Studio-rum”, a Pedagogia


Jesuítica.................................................................................................................................................. 36

Definindo o papel dos colégios modernos................................................................... 41

Pedagogia moderna................................................................................... 47
Explicando a Pedagogia moderna: a trajetória histórica da infância.........47

Explicando a nova concepção de infância na modernidade........................... 51

Pedagogização dos conhecimentos e o disciplinamento dos


sujeitos.............................................................................................................58
Identificar a pedagogização dos conhecimentos................................................... 58

Identificar a Pedagogização dos conhecimentos e o Disciplinamento dos


sujeitos.................................................................................................................................................... 64
História da Educação 7

03
UNIDADE
8 História da Educação

INTRODUÇÃO
Você vai conhecer fatos significativos da educação na Idade
Moderna, momento marcado pela existência da cultura impressa que
mobilizou a homogeneização, a coerência, a lógica e a clareza. Será
possível acompanhar a constituição da universidade moderna. Percorrer
os marcos históricos da educação moderna, percebendo a importância
da Renascença e do Humanismo pedagógico. Saber sobre a reforma
protestante e a contrarreforma católica e suas repercussões Educacionais.
Conhecer o papel educacional da Companhia de Jesus e do "Ratio Studio-
rum". Ainda, saber sobre a pedagogia jesuítica e os colégios modernos.
Além das discussões sobre a pedagogia moderna e a trajetória histórica da
infância, vamos conhecer a nova concepção de infância na modernidade,
bem como as discussões sobre a pedagogização dos conhecimentos e
o disciplinamento dos sujeitos na Idade Moderna. Entendeu? Ao longo
desta unidade letiva você vai mergulhar nesse universo!
História da Educação 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo a nossa Unidade 3, e o nosso objetivo
é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências
profissionais até o término desta etapa de estudos:

1. Compreender a constituição da universidade.

2. Definir os Marcos Históricos da Educação Moderna: a Renascença e


o Humanismo pedagógico; Reforma e Contrarreforma Educacional
Protestante; a Companhia de Jesus e o "Ratio Studio-rum"; A Pedagogia
Jesuítica; Os Colégios Modernos.

3. Entender a Pedagogia moderna: a trajetória histórica da infância; A


nova concepção de infância na modernidade.

4. Avaliar a Pedagogização dos conhecimentos E O Disciplinamento


dos sujeitos.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Ao trabalho!
10 História da Educação

Constituição da Universidade
OBJETIVO:

Ao término do capítulo você será capaz de descrever a


constituição da universidade. Iremos tratar da educação na
Idade Moderna com o entendimento do que caracterizou esse
momento histórico ímpar, assinalado pela racionalização,
secularização, emancipação, disciplinarização, civilização
dos costumes e institucionalização. Eram tempos de
mentes emancipadas, sob corpos vigiados, os costumes
foram civilizados e as buscas aceleraram, procurando
viver em uma realidade letrada. E então? Motivado para
desenvolver este desafio? Então vamos lá?

Descrevendo o cenário da chegada da


idade moderna e sua oposição aos tempos
medievais
Esse momento da história, tão distinto da Idade média, é marcado por
profundas mudanças na cultura, sociedade, política, economia, ciências,
artes, literatura, religião e filosofia e tantas descobertas e invenções, entre
elas a Imprensa de Gutenberg e a até a pólvora, modificando até as guerras.

O processo de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna


ocorreu nos séculos XV e XVI e teve como características
fundamentais o surgimento do movimento renascentista, a
reforma religiosa e a consolidação da economia burguesa.
A Europa passou por um período de organização política
dos estados e deu início à época das Grandes Navegações,
que buscavam novas relações comerciais e terras a serem
conquistadas e exploradas. (JÉLVEZ, 2012, p.40)

A chamada Idade Moderna é considerada o período entre 1453 até 1789,


quando ocorreu a eclosão da Revolução Francesa. Compreende o período
da invenção da Imprensa, os descobrimentos marítimos e o Renascimento.
Caracteriza-se pelo nascimento do modo de produção capitalista.
História da Educação 11

Figura 1: Gutenberg, o inventor da Imprensa

Fonte:Wikimedia Commons

As grandes navegações ampliaram o mundo conhecido, por meio


dos oceanos, chegando às Índias e às Américas. Se na Idade Média,
a mesopotâmia era um caminho comercial tão importante, a idade
Moderna caminha para o Atlântico. Os inimigos dos europeus, os mouros
já tinham deixado a Península Ibérica (século XV). É notável, a contribuição
de Copérnico, que a psicanálise de Freud denomina como um dos
mais graves golpes no narcisismo humano, descentralizando a certeza
de que habitamos o centro do universo. A Idade Moderna foi marcada
pela construção dos modernos estados nacionais, fatos significativos e
incomuns aos tempos medievais, entre tantos outros fatos singulares
da Idade Moderna. A educação moderna foi privilegiada, a partir do
século XV, com uma tipografia, capaz de oferecer os livros impressos em
quantidades significativas, aposentando os copistas.

Esse fato é tão significativo aos homens da modernidade quanto


aos momentos de digitalização das publicações que as tecnologias
contemporâneas trouxeram à editoração. O fato é que no começo do
século XVI já existia uma circulação de aproximadamente 20 milhões
de livros impressos. Um fato de consenso é que a Idade Média não foi
12 História da Educação

além do século XV. Se nos tempos medievais a vida era no campo e


começou a se deslocar para os burgos, a lógica da idade moderna é a
da urbanidade em tais burgos, regulados por controles e estratégias de
poder distanciados dos modos feudais, que carregavam as proteções e
obediências aos senhores do feudo. Os grandes comerciantes passam a
ter bastante dinheiro e poder.

É natural, perceber, que os grupos que queriam inovações rivalizaram


com os que pretendiam a manutenção da ordem estabelecida, nos
tempos medievais. Esse período significativo da história da humanidade,
vai exigir mais rigor nas observações (tanto faz se for para navegar por
mares nunca antes navegados ou para fazer leituras). O que Copérnico
fez foi extraordinário, revolucionou o mundo conhecido, até nas teorias
aceitas. Os protestantes deram sua contribuição na hegemonia católica
cristã, com a Reforma. O certo é que esse momento da história está muito
vinculado à leitura. Ler implica em modificações nos leitores, seja a bíblia
traduzida para o alemão, por Lutero ou livros sobre etiqueta social.

A Idade Moderna inicia durante a instalação do capitalismo


comercial. Os comerciantes ganham fama e notoriedade no mundo até
então conhecido. Isso aliado ao movimento intenso de descoberta de
novas terras, o grande impulso às navegações, amparados pela invenção
da bússola, o que impedia que navegantes ficassem desorientados
em alto mar, saindo da Europa e indo para o Oriente e para a América,
resultando em uma inusitada circulação de moedas e mercadorias de
caráter transnacional. Havia intensa circulação de capital. Os homens
passaram a controlar o tempo, muito mais que os sinos das catedrais, da
Igreja e do que Deus, como visto na Idade Média. Isso é o que se entende
por secularização da temporalidade humana. Os tempos humanos dos
profissionais, possíveis de serem medidos, não são os mesmos dos
padres e outras autoridades da Igreja Católica.

Assim, esse período da história foi marcado pela inventividade,


novidades culturais e diversificados conflitos. Copérnico, astrônomo
e matemático polonês (viveu entre os anos 1473 até 1543) vai inverter a
ideia medieval de que a terra era o centro do universo e lançar a teoria
heliocêntrica do Sistema Solar, desenvolvendo a ideia de que a Terra não
História da Educação 13

está fixa no centro do universo, mas sim, girando em uma órbita circular
e ao redor do Sol, de modo idêntico aos outros planetas. Esse fato, por
si só, revolucionou a cosmovisão moderna. Assim, certezas medievais
inabaláveis chegavam à exaustão. Uma vez que a Terra já não era mais
o centro do universo, até a visão do homem foi mudando, juntamente
com a visão de mundo na modernidade. As pessoas, na Idade moderna,
começaram a pensar na individualidade e na liberdade, movidos por essa
nova imagem do mundo.
Figura 2: Carta náutica de Fernão Vaz Dourado da África ocidental, atlas náutico de 1571

Fonte: Wikimedia commons

SAIBA MAIS:

Veja o vídeo sobre Idade Moderna, Mercantilismo e


Expansão Marítima, de Carecas de Saber Video-aulas,
Publicado em 23 de novembro de 2016. Clique aqui.

Descrevendo a construção da universidade,


da Idade Medieval e da Idade Moderna
As Universidades, já no século XIV, antes da idade Moderna, eram
lugares dedicados a conseguir um título para ser poderoso, como se
o mundo dos práticos e dos sábios fossem distintos. Até a chegada do
século XV, as universidades foram sendo transformadas em espaços
aristocráticos europeus. A Idade Média é o palco dos poderes do Clero
e da Nobreza nos espaços universitários, isso era fator para atrelamento
dos ditames deles, no cotidiano universitário. Não havia liberdade para
14 História da Educação

a escolha de professores ou chamamento de alunos. Assim, devagar, as


primeiras agremiações universitárias em Paris e Bolonha foram tomando
lugares distintos na Idade Média. A universidade Renascentista era um
espaço para um ensino ortodoxo, voltado às elites, dando sua contribuição
para a ordem social e política instituída no Renascimento (BOTO, 2017).

Esse é o motivo do afastamento e rejeição dos humanistas às


universidades. Mas serão contaminadas pelas ideias opostas aos tempos
da Era Cristã Medieval. A universidade Média foi atingida pelos movimentos
da Reforma, sofrendo uma diminuição drástica no número de alunos, já
nos primeiros anos do século XVI. É que os humanistas defenderam que
a universidade é o desdobramento da escolástica, com práticas próprias
do autoritarismo medieval. Então, os humanistas preferiam aprender
fora da universidade e essa nova instituição que criaram foi chamada de
academia. Entre 1500 a 1790, foram criadas novas universidades, saltando
e 60 para 1790. Só que as instituições cosmopolitas medievais foram
dando espaço para as universidades renascentistas diferenciadas, se
eram católicas, luteranas, anglicanas ou calvinistas. Aquelas universidades
medievais, controladas pelos bispos e nobres serviriam como modelos
para os colégios (BOTO, 2007).

A partir do século XVI os redutos universitários sofreram


transformações, mas não o suficiente para ampliar os estudos
científicos. Luteranas, calvinistas, jesuíticas ou vinculadas ao
Estado, novas universidades surgiram na Alemanha, Espanha,
Itália e França. Nos Estados Unidos foram criados os colégios
que depois dariam origem a duas conhecidas universidades:
Harvard (1636) e Yale (1701). Contudo, a fundação de
academias e sociedades científicas, ainda que frequentadas
por professores universitários, indicou a necessidade de
profundas reformas nas universidades para dotá-las de uma
característica científica, o que somente ocorreria no final do
século XVIII em diante”. (VEIGA, 2007, p. 42)

A Idade Moderna dará uma dignidade e ascensão social aos


mestres universitários, compondo títulos, parecidos aos títulos de nobres.
Nessa transição da Idade Média à Moderna, o mestre (Magister) se torna
História da Educação 15

senhor (dominus). Na tradicional Universidade de Bolonha são chamados


nos documentos escritos de nobres homens e cidadãos principais, e no
cotidiano são chamados de senhores juristas. Alunos chamam os seus
adorados mestres por dominus meus (meu senhor), aproximando-os aos
títulos comuns na vassalagem (BOTO, 2017).

Esses tempos da Idade Moderna civilizaram os costumes,


racionalizando e institucionalizando as ações, os afetos e as pulsões das
pessoas, promovendo uma pretensa superioridade dos povos europeus.
Isso colocou outro papel para a educação, a escola, os colégios e os
mestres, chamados a um papel civilizador de regulação das existências
e dos modos de conviver e se comportar socialmente. As pessoas,
nos tempos modernos precisavam umas das outras. Nas cidades,
isso foi mudando as instituições, da Igreja à escola, como também as
comunidades e as famílias.

A educação aos comportamentos desejados já revelaria o


pertencimento à aristocracia. Assim se pensava naqueles tempos. Viver
no mundo urbano exigia a modelação dos costumes, saber lidar com os
outros, ter bom comportamento social. Foi assim que os nobres guerreiros
viraram nobres da corte. As crianças não podiam ser desprezadas nesse
projeto político moderno, precisavam receber a educação adequada das
condutas, serem vigiados e controlados para aprenderem a conviver
socialmente, terem posturas adequadas e civilizadas.
Figura 3: Estátua de John Harvard, no Campus da Universidade Harvard, criada em 1636

Fonte: Wikimedia commons


16 História da Educação

SAIBA MAIS:

Recomendamos a leitura do artigo sobre a inserção sócio


histórica e política da Universidade nos vários contextos
históricos que marcaram a vida dessa instituição. Clique aqui.

RESUMINDO:

Nesse tópico, vimos o processo de transição da Idade Média


para a Idade Moderna, com o surgimento do movimento
renascentista, a reforma religiosa e a consolidação da
economia burguesa. Com isso, a Idade Moderna trouxe
a dignidade e ascensão social aos mestres universitários,
com a modificação dos costumes, radicalização e
institucionalização das ações e até mesmo da educação.
Você aprendeu, também, que as mudanças ocorreram
porque, nos tempos modernos, as pessoas precisavam
uma das outras, contribuindo para as transformações nas
instituições, igreja, escola, comunidades e famílias.
História da Educação 17

Marcos Históricos da Educação Moderna


OBJETIVO:

Ao término do capítulo você será capaz de definir os


Marcos Históricos da Educação Moderna: a Renascença
e o Humanismo pedagógico, Reforma e Contrarreforma
Educacional Protestante, a Companhia de Jesus e o “Ratio
Studio-rum”, A Pedagogia Jesuítica e Os Colégios Modernos.
O Renascimento marcou os séculos XV e XVI, apesar de
já existirem traços renascentistas no século XIV ou ainda
presentes até o século XVII. Mas não há discordância sobre
fatos importantes. No ano de 1443 houve a invenção da
imprensa, a Tomada de Constantinopla pelos turcos em
1453, a descoberta da América, a contribuição de Lutero
com a sua Reforma em 1517, além do Concílio de Trento em
1545. Definindo os marcos históricos da Educação Moderna,
será importante saber sobre o Renascimento, o Humanismo,
a Reforma Protestante e sua contestação católica, a
Contrarreforma, que trouxe uma participação importante
dos jesuítas com a sua Pedagogia e sua contribuição na
construção dos Colégios Modernos. E então? Motivado
para desenvolver este desafio? Então vamos lá?

Definindo os marcos históricos da


educação moderna: a Renascença e o
humanismo pedagógico.
O Renascimento foi uma vanguarda cultural, partindo da Itália.
As cidades-estados italianas floresceram muito nesse período. O
Renascimento mudou os focos sobre os homens, as artes, o mundo e
influenciou a educação.

A preparação do Renascimento, feita pelos humanistas


italianos, estudiosos dos modelos da Antiguidade, propagou
ideias que modificaram o modo de pensar de sua época e
desenvolveram o espírito crítico da sociedade. Apontam-se
como causas desse movimento a descoberta de manuscritos
18 História da Educação

antigos esquecidos, a invenção da imprensa, que auxiliou


na divulgação dessas novas ideias, o desenvolvimento das
riquezas e a influência dos sábios gregos que fugiam de
Constantinopla, tomada pelos turcos. (JÉLVEZ, 2012, p.40)

O Renascimento foi uma importante expressão cultural e artística


europeia, no decorrer dos séculos XV e XVI, marcado por intenso
aprimoramento técnico e novos modos estéticos, trazendo novas formas
de arte e produções culturais. O Renascimento implicou em uma nova
época, com o apogeu do movimento humanista, mudando a educação. A
humanidade no renascimento passou a ser o centro, como não havia sido
em nenhum momento anterior e os homens passam a ter a capacidade
de serem o centro do universo. A humanidade, sua filosofia, sua formação
e sua educação passam a ser primordiais, surgindo uma nova pedagogia
que traz preocupações políticas.

O Renascimento é um tempo diversificado, em que coexistem


uma realidade tipicamente medieval (rural, cristã aos modos de visão
medieval, dependentes do movimento do sol e dos anúncios dos sinos
da Igreja marcando o tempo) e o tempo produtivo, mercantil e moderno,
baseado no relógio. Havia um conceito organizador composto de
muitas realidades distintas, preservando formas clássicas herdadas da
Antiguidade, enquanto gritava contra tudo e todos e revelava algo dos
movimentos antecessores à Idade Moderna (BURKE, 1997). O homem
colocou a mão no legado grego–romano, se autoproclamando herdeiro
de tal legado da Antiguidade, ao mesmo tempo em que contestava os
tempos imediatamente anteriores, os tempos medievais. Os poderosos
ricos das cidades queriam erudição e estavam prontos a oferecer a
proteção burguesa às novas produções nas artes e nas letras.

Boto (2017) afirma que o Renascimento é uma espécie de


pedagogia da cultura. Essa vanguarda cultural surgiu na Itália (Século XV),
oferecendo novos focos impensáveis em tempos medievais. Vai agir na
Europa, entre os séculos XV e XVI, oferecendo uma movimentação ampla,
com técnicas renovadas e novos modos de pensar e produzir na arte e na
produção cultural. Foi uma época de intensas renovações. Isso resultou
no movimento humanista, carregando inovações nos modos de pensar
História da Educação 19

a educação. Além dos florescimentos das cidades italianas, o que se deu


foi a elevação do homem do Renascimento a um lugar de destaque. O
homem ocupa um lugar central, o centro do universo (não mais Deus,
como se viu na Idade Média).

É o desenvolvimento de uma filosofia do homem, que implica


em uma teoria da sua formação, da sua educação. É o esboço
de uma nova pedagogia, não isenta de preocupações políticas.
(GARIN, 1990, p. 11)

A individualidade humana está sendo apoiada na sua existência


máxima, não vista nos tempos medievais. Com tantos estudos sobre o
universo, o mundo passou a ser mais dinâmico do que se apresentava na
idade Média. O Renascimento, lança a civilização capitalista, dinamizando
e evidenciando um novo conceito de homem, capaz de compreender
a si mesmo e aos seus semelhantes. Vai superando aquelas visões de
relações sociais voltadas às suas comunidades de origem e familiares,
em uma nova organização das classes sociais. Esse tempo de mudanças
contorna a rigidez das fronteiras e facilita os intercâmbios.

A ação do renascimento é de um fato social amplo, é de pesquisa


pela identidade do homem e pelo mundo nos mais amplos espaços
da vida cotidiana, modos de pensar a existência, estabelecimento de
novas práticas morais e princípios éticos para a vida social, religiosa
e dos modos de produção, artes e ciências. Esses aspectos estão
interligados no desabrochar do Renascimento, diante da nova estrutura
social e econômica da Idade Moderna. Ao mesmo tempo em que se
sonha em voltar aos clássicos da antiguidade, a imprensa é inventada e
a mecanização do tempo surge com os relógios, como o fato de que a
pólvora modifica os modos de guerrear, enquanto avançam os formatos
econômicos de empréstimos a juros, com letras de câmbio, em feiras
bancárias, não vistas na Idade Média. Tudo isso se dá com as promessas
econômicas representadas pelas descobertas de novas terras, no além-
mar europeu. A Arte, por exemplo, é vista como um ofício intelectual,
contando com alguns cientistas como famosos artistas, é o caso de
Leonardo da Vinci (BOTO, 2017).
20 História da Educação

O Renascimento é o tempo primordial dos domínios das técnicas,


pelos homens. Isso possibilitou viagens pelos oceanos, descobrir e se
apossar de outras terras, da fabricação de ferro, aprimoramento de armas
de fogo, a contagem mecânica do tempo (relógio), a impressão de livros
e o dinheiro emprestado para fazer novos empreendimentos e enriquecer
sem ter nascido rico, como acontecia na Idade Média. Era um momento
de muita curiosidade intelectual.
Figura 4: Leonardo da Vinci, um suposto Autorretrato, hoje sob contestação

Fonte: Wikimedia commons

Era intensa a busca por conhecimentos e fontes impressas, com


uma capacidade extraordinária, menos onerosa e mais acessível de
produção editorial totalmente nova, em uma escala maior de números de
livros na história da humanidade, ampliando os números dos que liam e
dos que queriam aprender a ler e aprendiam (a imprensa foi inventada no
século XV). Surgiam novos livros, no que se refere aos conteúdos, formas
e formatos renovados, em oposição à oralidade da educação medieval.
Além das escolas de mosteiros e bispados (algumas já existiam na Idade
Média), a novidade nos burgos foi a extrema demanda por estudar e as
escolas municipais livres tentavam dar conta disso, ensinando a ler e
calcular e em casos especiais, ensinando artes liberais.

Ser letrado era um fato favorável no Renascimento. Esse desejo


de aprender a ler era o motor que fazia com que as pessoas buscassem
essa técnica até mesmo fora da escola. Isso explica o fato dos humanistas
serem contrários à institucionalização da escola, defendendo a educação
História da Educação 21

doméstica, visualizada em um preceptor que vai à casa de seu discípulo


para ensiná-lo, aprendendo com liberdade, longe da influência da Igreja e
de outras visões medievais.

A Itália ficou notabilizada nas artes, assim como alguns países do


norte europeu no campo das letras, aparecendo uma elite cultural com
bastante respeito na sociedade. Os artistas são protagonistas em um
mundo que valoriza a cultura. Esse momento histórico é marcado por
um grande avanço nas formas de pintar, desenhar e fazer esculturas.
A arquitetura também mudou. Era preciso sujar as mãos para produzir
saberes, não bastavam só os saberes contemplativos. Unir ação e
pensamento era um ideal, bem como a verificação de conceitos visíveis
nas obras feitas, como acreditava Leonardo da Vinci (GARIN, 1996). Foram
intensas as novidades na cultura erudita e no campo das artes, entre
os séculos XV e XVI. A busca pela cultura escrita foi herdada da Igreja
medieval, que tanta dedicação apresentou ao ler e escrever e haviam as
necessidades mercantis que exigiam o domínio da escrita e do cálculo,
pelo bem das ações comerciais nos burgos.

A vida no Renascimento é examinada e interessa. Isso é o que se


denomina secularização da vida. Se na Idade Média era interessante
pensar no além-vida, aqui no Renascimento, a vida é necessariamente
pensada, mais do que a vida celestial. O que interessa ao contemporâneo
desse momento histórico é buscar a compreensão e os saberes sobre a
sua própria humanidade. Os humanistas estavam preocupados até com
a infância, passando a interessar em seus modos de viver. Tudo o que
alargasse a compreensão da condição humana era muito salutar aos
pensadores renascentistas.

Os séculos XV e XVI trouxeram novas formas de ver o mundo ao redor,


lendo as suas imagens. As pessoas transitavam advindas de uma sociedade
medieval, movida pela oralidade e ainda muitos não sabiam ler os livros,
mas sabiam olhar as novas imagens modernas. E qual seria a expressão
pedagógica do processo criativo da Renascença? A educação humanista
não era somente erudita. “Os jovens recebiam educação cristã, mas também,
a educação humanista por meio do ensino da educação física, da educação
estética e da educação intelectual” (SANTOS, 2013, p. 20).
22 História da Educação

Segundo Boto (2017) seria o refinamento do gosto, possibilitando a


convivência elegante com condutas e hábitos das elites. Os cultos eram
elegantes, isso era uma meta para os ricos! A intenção era adentrar os
modos de ser e agir das elites, oferecendo a educação dos costumes.
A arte renascentista serve aos que pretendem atingir esse refinamento,
agindo corretamente e com as condutas sociais exigidas pelas elites
perfeitamente interiorizadas. Quase uma lição de etiqueta social? Aulas de
civilidade? Agir bem na civilização? O certo é que a estética renascentista
tinha um formato pedagógico, queria educar as pessoas a serem nobres
na Idade Moderna. Embora nem todos fossem príncipes, um cortesão
precisava ser “capaz de lutar e dançar, pintar e cantar, escrever poemas
e aconselhar seu príncipe” (BURKE, 1999, p.78). Há uma cultura a ser
imposta, há um interesse em revelações científicas.

Os humanistas eram professores ou estudantes de gramática,


poesia, retórica, história ou filosofia moral nas universidades italianas. Já
foi visto que a Itália foi palco primordial do Renascimento. Mas usar essa
palavra Humanismo só será usual no século XIX. E o que significa, nesse
momento, “humanismo”? É um programa específico de ensino que quer
tomar um distanciamento das ciências naturais e das necessidades práticas
(HELFERICH, 2004). Representou uma nova visão do mundo, associada
a um estilo. Era expressa na cultura geral, dos enciclopedistas, sem fins
utilitários, marcadas pela busca de refinamento e pelas boas maneiras,
reveladoras dos que vivem em abundância econômica. Então era muito
importante aprender a falar bem, para saber viver adequadamente na
corte, por isso a busca intensa por cursos de retórica. Podia até não ser de
elite, mas precisava saber interagir com os nobres.

Boto (2017) e Veiga (2007) lembram que o modelo de educação


humanista estava interessado nas crianças nobres e nos burgueses ricos.
Era necessário ensiná-los o comportamento socialmente esperado aos
ricos. Esses pensadores humanistas estavam preocupados em falar o latim
elegante e o estudo de textos literários e registros escritos. Segundo Veiga
(2007, p.38), a unanimidade entre os pedagogos humanistas foi a ampliação
dos currículos. O ensino das línguas pretendia incluir a língua materna e o
ensino das belas-letras. A proposta era ir além do rigor gramatical e buscar
nas línguas o estilo literário dos clássicos gregos e latinos.
História da Educação 23

Na Pedagogia Renascentista, a palavra educação era entendida


tanto como prática quanto como reflexão sistemática sobre a prática.
Essas reflexões sobre como educar produziram famosas escritas (Europa
no fim do século XV) e as principais críticas eram de mimos das famílias,
do sadismo nas escolas e do descaso com os mais jovens. Aconselhavam
a não ameaçar os alunos, não bater, já que bater não iria ajudar na melhoria
da educação e para evitar a vinculação entre medo e educação. Assim
deveria ser a educação dos homens de bem, das elites. Os pedagogos
deviam ter cuidado com a formação do caráter infantil e juvenil, com
uma seleção adequada de conteúdos, com práticas de raciocínio, com o
corpo e o espírito dos alunos. Na educação humanista não deveria haver
compromissos com formações profissionais e sobretudo privilegiar a
cultura geral, a formação do caráter nobre de futuros homens livres, com
o apoio dos clássicos da Antiguidade.

Os humanistas eram a expressão letrada da Renascença, opostos


à Escolástica dos tempos medievais. Reclamavam dos maus modos
dos escolásticos, mais preocupados com argumentos do que em
tratar bem, agradar e atrair os alunos. Havia uma reclamação de que os
escolásticos seriam muito autoritários, com gestos muito rudes. Isso levou
os humanistas a buscar inspiração na Antiguidade. O padrão de beleza
grega agradava os pintores e escritores renascentistas. Afastam-se de
Aristóteles, aproximam-se de Platão, na ideia de que textos são verdades
reveladas, sendo possível ter autonomia para ler e interpretar os clássicos.

O modelo erudito incluía o gosto pela declamação em público, pela


leitura, interesse em ler sobre a Antiguidade clássica, como ferramentas
para serem sujeitos afáveis, atingindo assim aqueles que gostariam de
influenciar, com bom gosto, gentileza e graciosidade os poderosos da corte.
Saber conversar, com boas maneiras e ser educado nos padrões esperados
pelos renascentistas, era promover nos aprendizes, o padrão cultural e
intelectual clássico ou erudito. Educar para a polidez, ensinando os padrões
de comportamento social, bons costumes, elegância, civilidade, gestos
civilizatórios essenciais na vida social na corte era o que demandavam os
tempos da Renascença. O humanismo tem conteúdo aristocrático, mas
universalista também. Apresentou uma reflexão sobre a necessidade da
24 História da Educação

educação, no campo intelectual, mas estaria longe do que será visto nos
ideários republicanos de educação para todos (BOTO, 2017).

Os renascentistas criaram maneiras de pensar a educação para


crianças e jovens ricos e que necessitavam de formação primorosa, para
a vida nas cortes, podendo acontecer nas casas de tais ricos, oferecidas
por preceptores. Então, se os escolásticos são autoritários, não é menos
verdade, que os renascentistas estavam interessados em educar os bens
favorecidos economicamente, não os pobres. O conhecido humanista
Erasmo de Rotterdam (1466-1536) não deixou de lançar as ideias sobre as
crianças, sobre uma necessária civilidade pueril. Ele esclarece, nos seus
celebres escritos e na sua obra (1530) denominada De Pueris, os cuidados
necessários para domar as crianças, formar e impor hábitos culturais.

A educabilidade infantil evitaria a rudez, se perfeitamente


modelados, retirando-lhes qualquer semelhança com os instintos típicos
dos animais. Os humanistas não defendiam que os adultos olhassem as
crianças como se elas fossem inocentes. Agindo assim, evitariam que
seus filhos virassem monstros (isso até os reformadores protestantes e
os adeptos da contrarreforma católicos concordavam). Na famosa obra,
Elogio da loucura, julga-se que os professores da época, os conhecidos
gramáticos eram pedantes e julgavam que eram eruditos, mas não
passavam de ilustres para si próprios, ensinando palavras insignificantes,
ameaçando os alunos constantemente e espancando aos gritos (tão
comum à essa época nas escolas). Erasmo de Rotterdam confere aos
filhos dos homens uma fragilidade, diante da forma que já nascem quase
prontos muitos filhotes de animais. Mas as crianças humanas nascem
com a capacidade de aprender, desde que seja estimulado. A Pedagogia
humanista defendia o afeto como fonte para favorecer o aprendizado.
Isso em um tempo em que os severos castigos e o gosto de tratar os
alunos com gestos humilhantes eram práticas comuns, trazidas da Idade
Medieval. Ainda, com esse quadro terrível de desrespeito aos alunos, o
humanista Erasmo de Rotterdam vai defender a ida dos meninos da elite
à escola pública, não com o intuito de tratá-los como gado a ser domado,
mas para educá-los para serem livres (BOTO, 2017).
História da Educação 25

Figura 5: Erasmo de Rotterdam

Fonte: Wikimedia commons

Os humanistas ensinavam com a imitação de bons exemplos, com


modelos, que deviam ser recitados aos filhos da elite. Esses jovens ricos
deveriam ser preparados a raciocinar, ter argumentos, saber convencer e
ter a cultura geral para vida ser mais adornada. Quanto mais enfeite, mas
fácil perceber a diferença entre o que recebeu a educação nos moldes
humanistas. Assim, as metodologias de ensino humanista previam a
aprendizagem, a recitação, a revisão e a recapitulação das lições dadas
pelo preceptor. Erasmo de Rotterdam, na obra De Pueris, recomendava que
os pais (ricos da sua época) procurassem homens de bons costumes, com
caráter afetuoso, cultos para educar os filhos, comparando ao que é feito
com os cavalinhos adestrados, enquanto são flexíveis ao adestramento
(BOTO, 2017). Ainda que os filhotes dos cavalos tinham suas destinações
naturais e as crianças não tinham nascido prontas. Daí a necessidade de
modelar as crianças, já que os humanos possuem a razão. Modelar era
uma tarefa importante aos professores. Repetindo que se manuseia a cera
enquanto está mole e modela a argila enquanto não secar, dizia Erasmo.
Deveria se encher o vaso de excelentes licores enquanto novo. A educação
26 História da Educação

deveria agir de forma intencional em prol dessa modelagem. Humanistas


julgavam que os adultos eram rudes para receber conhecimentos, nada
comparáveis à capacidade de aprendizagem das crianças.

Caberia aos ricos falar o latim elegante e ser educado, ter boas
maneiras, adornando a mente, enfeitando os modos de agir, pensar e
sentir. Esses modos humanistas de pensar a educação influenciaram
as universidades e escolas. Estavam, na sua nascença, vinculados aos
chamados reitores medievais, ligados à retórica medieval, muito menos
do que queriam os humanistas modernos.

O professor medieval seria aquele que vive cercado de alunos,


diante dos bancos onde estão seus alunos, onde profere suas aulas,
diante de tantos olhares na agitação das escolas, das salas empoeiradas
e simples. Já o professor humanista é um erudito solitário, sozinho no seu
gabinete, na sua casa rica, pensando livremente, cercado de riqueza,
beleza e tranquilidade (LE GOFF, 1973).

Uma contribuição significativa do humanismo foi tornar insignificante


a influência da escolástica e a importância das universidades. Assim, os
colégios prosperaram, os métodos de pesquisa mudaram, livros traziam
textos antigos, não mais os textos recitados, não mais a grande importância
dos mestres recitadores de textos antigos, já que era possível ler sozinho,
ter métodos suficientes para estudar e para observar a realidade, podendo
ser um pesquisador. As obras do passado ainda interessavam aos
humanistas da Antiguidade. Desde a infância, era necessário apresentar
o estudo das humanidades para as crianças, tarefa que deveria ser feita
por um bom preceptor, de cabeça bem-feita e não cheia como defendia
Montaigne. Ele defendia que era melhor do que martelar nos ouvidos dos
aprendizes, como quem despeja em um funil, fazendo-os de repetidores
do que ouviam, ao invés de favorecer a experimentação, a capacidade de
discernir sozinho, sem nem mesmo ouvir as crianças.

REFLITA:

Será que já superamos nas escolas, pelo vasto território


brasileiro, essa mania medieval criticada por Montaigne?
História da Educação 27

Evidente que interessava na crítica de Montaigne a educação das


elites. Mas já conseguimos, nos tempos republicanos, a universalizar tais
direitos para uma aprendizagem significativa? Tal preceptor, na Idade
Moderna, deveria primar pelos bons costumes (BOTO, 2017).
Figura 6: Florença, século XV

Fonte: Wikimedia commons

SAIBA MAIS:

Leia mais sobre o Humanismo Pedagógico. Recomendamos


assistir o vídeo: Humanismo na Idade Média. Clique aqui.

Definindo a reforma protestante e


contrarreforma educacional
Boto (2017) comenta que a Reforma protestante iria modificar a
consciência do imaginário cristão. Os protestantes costumavam ler a bíblia,
sem mediadores, dialogando com os textos sagrados, sem intermediários,
com liberdade e individualidade. Isso vai influenciar a educação na Era
Moderna. O Século XVI propagou as escolas urbanas, conduzidas por
mestres livres, para ler, escrever e contar, atividades necessárias à vida,
no seio de uma cultura mercantil.
28 História da Educação

A Reforma Protestante trouxe um elemento novo: a catequese.


Livros existiam, graças ao desenvolvimento tipográfico, para instruir
as pessoas, por mais diferentes que fossem as classes sociais. Eram
necessários os tratados das boas maneiras, um mínimo de etiqueta
social. Incluindo as crianças, que precisavam ter civilidade e agir
com comportamentos aceitáveis socialmente. Os livros tratavam de
catecismos e outros eram manuais de civilidade. Assim, na escola era
possível aprender como agir corretamente, na vida social. Já a Reforma,
o que trouxe esse importante movimento de contestação a mais, ao
campo da educação?

Reforma Protestante trouxe novas ideias e valores, que


orientaram a organização de alguns sistemas de ensino,
como o dos estados alemães. Com isso, a escola, de modo
geral, institucionalizou-se de forma mais elaborada, visto que,
nessa época, surgiram os currículos, as graduações e séries
e a separação por idade. A superação da escola medieval
também pode ser observada quando o ensino deixa de ser
ligado a temáticas contemplativas e passa a ter um teor mais
realista, vinculado à sociedade moderna em desenvolvimento.
(JÉLVEZ, 2012, p.44)

O foco trazido pela Reforma protestante era aprender a ler para


conseguir ler a bíblia, sem nenhum mediador, espalhando bíblias nas
mãos da população, graças à invenção da imprensa. Mas os reformadores
foram além disso! Começaram a pensar na vida civil, defendendo que
a educação poderia colaborar na prosperidade das pessoas na Idade
Moderna. Escolas para as instâncias foram pensadas.

“Os alunos foram divididos em classes estabelecidas


conforme o nível de seu saber. Um pedagogo luterano da
época, Philipp Melanchthon (1497 -1560), propôs a divisão em
três classes: uma para os alunos que estavam aprendendo a
ler e a escrever, outra para os que estudavam gramática latina
e uma terceira para os que e dedicavam a estudar retórica e
lógica”. (VEIGA, 2007, p. 31)
História da Educação 29

Lutero (que viveu entre 1483 e 1546) falava que o “coração do


homem é como um moinho que trabalha sem parar. Se não há nada para
moer, corre o risco de triturar a si mesmo” (PILETTI, p. 65). Lutero entendia
que o “cristão é um livre senhor de todas as coisas e não está submetido
a ninguém. O cristão é em todas as coisas um servidor e está submetido
a todo mundo” (PILETTI, 2012, p. 65).

Lutero defendia que era preciso indagar às mães, às crianças e


ao homem do povo, no mercado como traduz um texto em latim para
a língua materna, nacional, como o alemão falado nas ruas, nos Séculos
XV e XVI. Piletti (2012, p. 62) comenta que por discordar dos costumes da
Igreja de seu tempo, o monge alemão Martinho Lutero liderou a Reforma
Protestante, responsável pela divisão do cristianismo e o surgimento de
novas igrejas”. A Reforma protestante vai trazer consequências políticas,
sociais, econômicas e educacionais.

O grande Lutero lança, em 1524, um conhecido manifesto intitulado


Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e
mantenham escolas. A ordem e a disciplina de inspiração de colégios
calvinistas, só poderiam trazer o preparo dos jovens para as suas profissões
futuras, era assim que se pensava. Então, era necessário ensinar de forma
racional. O que a Reforma traz é uma necessária mudança na reflexão
pedagógica da época, e o desejo de promover uma escola secularizada,
civilizadora, institucionalizada e racionalizada, ou seja, bem diferente da
escola medieval, gerida pela Igreja católica.

Somente ler e escrever não bastava, como era ensinado na Idade


Medieval e suas escolas católicas. Precisava ser inovado com saberes
necessários ao mundo mercantil, urbano e comercial dos burgos, com
suas práticas materiais de troca, o modo de agir ético do burguês,
do protestante, do capitalismo e a civilização social dos costumes,
saber se comportar bem socialmente deveria ser um fator buscado
incessantemente. Isso levou à criação de códigos de conduta moral
aceitáveis, capaz de fazer o aprendiz saber se autocontrolar, autoconter
e autodominar, ter pudores e vergonhas, saber lidar bem com paixões e
afetos, além de saber ser cortês e civilizado. Então, esse lugar da escola,
como espaço de aprender civilidade e para alguns, civilização, muda o
cenário dos estabelecimentos de ensino, na Idade Moderna.
30 História da Educação

Lutero foi um dos responsáveis pela reformulação do sistema


de ensino público que serviu de modelo para a nossa escola
atual. É dele a ideia da escola pública para todos organizada
em três ciclos: fundamental, médio e superior. E, coerente
com essa ideia, condenou a educação dada pelas escolas
monásticas e eclesiásticas de sua época. Para ele, a educação,
não devia ser dominada pela Igreja. (PILETTI, 2012, p. 62)

A Reforma Protestante prestou seus serviços à escolarização na


Idade Moderna. Na Renascença, os textos eram resumidos, copiados,
com as suas anotações nos cadernos e até nos cantinhos os livros. A
Reforma protestante vai favorecer a pedagogia, refletindo sobre a própria
história da educação. Com a possibilidade de ter uma bíblia e lê-la, foi
ampliado o número de leitores, bem como a valorização social da leitura.
É interessante lembrar que a Reforma Protestante existiu motivada pela
aversão à venda de indulgências, para trazer dinheiro à Igreja, com os
pecados perdoados e assim sustentar a riqueza dos dirigentes da Igreja,
pagar as cruzadas e construir novas igrejas.

As indulgências católicas oferecidas no tempo de Lutero, eram


absurdamente oferecidas para redimir pecados que poderiam ser
impostos por Deus no mundo espiritual, sem nem passar no purgatório.
Lutero vai sugerir, em 1524, que as autoridades municipais criem e
mantenham escolas e procurem promover uma consistente política
escolar para que as crianças consigam ler a bíblia. Ainda, caberia oferecer
aos meninos, a possibilidade de aprender a ser capaz de administrar
o funcionamento dos ofícios e das cidades, e às meninas saber cuidar
bem do lar. Educação era ferramenta importante enquanto estratégia
para firmar a nova concepção nascente religiosa. A escolarização, para
Lutero, é fato político também, não apenas algo relativo à educação.
Era necessário aumentar o número de escolas e formar os jovens para
cuidar das cidades, assim pensava Lutero. Segundo Piletti (2012, p. 62), a
educação não podia ser responsabilidade só da escola. A família também
devia participar nessa tarefa. Por isso, ele defendia que as escolas fossem
mais amplas e abertas do que eram em sua época.
História da Educação 31

Figura 7: Martin Lutero

Fonte: Wikimedia commons

Lutero criticava o clero católico, por sua suprema arrogância, além


do pagamento que recebiam dos fiéis para ter seus pecados perdoados,
inconvenientemente colocados como intermediários entre Deus e os
fiéis católicos. Lutero condena a confissão auricular a um sacerdote, não
admite que somente o sacerdote leia as palavras contidas na bíblia, faça
seu sermão, sem que os fiéis possam ler as escrituras, continuando a
fazer suas obras boas e justas. Lutero entendia que a fé é confiança em
Deus, com alegria, e não com coação, fazendo o bem voluntariamente
e ajudando uns aos outros, obra e fé não podem ser separadas. Os
chamados de Deus seriam feitos a cada um dos seres viventes.

Mas nem todos serão chamados ao sacerdócio, alguns trabalharam


ativamente na sociedade (chamado trabalho secular), aproximando
muito os postulados da Reforma Protestante com os do capitalismo. O
trabalho secular dignifica o homem. Os Reformistas defendiam que a
profissionalização, perseverança e êxito nas tarefas trariam prosperidade
para todos. Os chamados de Deus deviam ser seguidos, não recusados.
Os calvinistas defendiam que ao aceitar esse chamado de Deus, esse
trabalho vai favorecer o sujeito, pois enseja o atendimento do que pediu
Deus, o homem é dignificado no trabalho, afastado dos vícios.
32 História da Educação

Calvino compreendia que nem as obras e nem a fé eram alicerces


da salvação. Não é possível aos homens conhecerem a graça divina.
É somente Deus quem faz suas escolhas. Os seres humanos são
predestinados, unicamente por Deus. Segundo Gadotti (2003, p. 68)
entre os reformadores cristãos o francês João Calvino que viveu entre
1509 a 1564, deu ao protestantismo suíço e ao francês sua doutrina de
organização. Suas ideias se espalharam pela Holanda, Bélgica, Inglaterra,
Escócia e atingiram as colônias inglesas da América do Norte.
Figura 8: João Calvino

Fonte: Wikimedia commons.

O que cabia aos humanos, segundo Calvino, era considerar-se


eleito por Deus, repudiar as forças malignas, seguir convicto, com fé e
agir firmemente para conseguir a graça divina, cuidando de sua família,
tratando bem sua comunidade, trabalhando com afinco, zelando por suas
mulheres e filhas (os filhos precisariam respeitar os Pais, mesmos aqueles
maus pais), respeitando os superiores, não permanecendo preocupados
com o cumprimento dos deveres dos outros, mas apenas dos seus
próprios deveres.

A doutrina de Calvino declara que é preciso aceitar as


predestinações, que devem ser vividas com racionalidade e futuros lucros
serão benvindos, que não são reprováveis moralmente. Acumular capital
História da Educação 33

seria legítimo, enquanto lógica subjetivamente reguladora da organização


capitalista, que se sustenta com a produção e venda de matérias, e
alguns lucram disto, enquanto outros trabalham, sem cessar, cumprem
seus chamados divinos, e recebem seus salários predestinados. Calvino
entendia que a vocação era uma lei da natureza.

A proposta dos Reformadores Protestantes para a educação seria


renovar padrões ultrapassados, escolásticos (Idade Medieval) e dos
mestres livres (que educavam em suas casas). Isso exigira um cuidado
para selecionar livros. Lutero declarou que havia muitas publicações
duvidosas. Outros saberes além de gramática, grego e latim (relacionados
ao trivium), era necessário aprender a língua nacional e valorizá-la.

Quando ao currículo, o Latim e o Grego deveriam constituir a


parte mais importante. E o Hebraico também precisaria estar
ao alcance de todos. Para além do aspecto linguístico, ele
incluía a Lógica, as Matemáticas, a Ciência, a Gramática e a
música. Aliás, a música, por influência de Lutero, tornou-se
obrigatória na educação e todos. (PILETTI, 2012, p. 62)

Aprender história ajudaria a entender melhor o curso do mundo,


segundo Lutero. Ele defendia que a educação universal era importante
para a própria Reforma Protestante e deveria ser oferecida educação
para todos, ricos e pobres, plebeus ou nobres. “E contrariando o que se
pensava e fazia na época, a educação deveria beneficiar tanto os meninos
quanto as meninas. Caberia ao Estado, finalmente, decretar a frequência
obrigatória à escola” (PILETTI, 2012, p. 62).

Lutero, posteriormente, passou a defender a alfabetização para


aproximar o leitor do texto bíblico, mas repensou algumas de suas metas,
motivado pela irrupção da Guerra dos Camponeses que haviam lido
a Bíblia e resolveram invadir terras, já que tinham direito à terra e pela
proliferação do movimento anabatista, reunidos em crenças, inspiradas
em Lutero e no Livro do Apocalipse, criando indisposições com os
poderes civis, apelando para a possibilidade de retorno de Cristo até a
defesa de partilha de bens.
34 História da Educação

Lutero criou um catecismo para as escolas, com roteiro de uma


interpretação da Bíblia, organizado com perguntas e respostas, para ensinar
preceito por preceito. Linha por linha, sem liberdade de interpretação.
Deixou de defender a entrega de Bíblias nas mãos de pessoas comuns,
por ser perigoso, já que acabou por concluir que as massas populares não
conseguiam atingir a verdade pela luz das escrituras. Traduziu as Fábulas
de Esopo, escreveu uma obra chamada Pequeno catecismo e o Catecismo
maior. Trazendo às escolas uma possibilidade de interpretação certa do
texto bíblico. Popularizou o formato de que para cada questão há somente
uma resposta correta, todas as demais serão erradas, decididas pelo
professor. Lutero foi um pioneiro na defesa da necessidade de promover
o caráter das crianças, já nas escolas de primeiras letras. Seus Cânticos
foram usados na Reforma da escola. Manteve o latim como base de seus
estudos. Batalhando muito pelas línguas maternas, e por catecismos e
cânticos escritos nas línguas maternas. Teria feito um silabário (cartilha)
em 1525, com alfabeto, os dez mandamentos, o credo, a oração dominical,
preces e passagens bíblicas em numeração de 1 a 100 (BOTO,2017).

O resultado da Reforma protestante foi uma interiorização da


religiosidade cristã, que ficou mais íntima e de responsabilidade pessoal
maior. E com relação às escolas, um “resultado prático foi o surgimento
de sistemas de escolas controladas e parcialmente mantidas pelo Estado.
Tais sistemas são considerados os primeiros de tipo moderno” (PILETTI,
2012, p. 62). Cidades e vilas passaram a ter escolas elementares de latim.
As escolas superiores de Latim, foram posteriormente incorporadas
ao ginásio, com as escolas elementares. “E, acima de tudo, estava a
universidade, cuja história foi determinada pelo progresso da religião
protestante e pelo desenvolvimento da teologia protestante” (PILETTI,
2012, p. 64).

SAIBA MAIS:

Quer saber mais sobre a Reforma Protestante e sobre


Calvino? Recomendamos assistir o Vídeo Reforma
Protestante: Lutero – Brasil Escola. Clique aqui.
História da Educação 35

A Contrarreforma foi a reação pensada pela Igreja Católica à


Reforma Protestante. Isso foi configurado, em 1534, com o surgimento da
Companhia de Jesus e até no Brasil Colonial os jesuítas deixaram suas
marcas. Seu fundador foi Inácio de Loyola (1491-1556),

um militar espanhol ferido em batalha e que, não podendo


retornar à carreira, colocou-se a serviço da Igreja. Ele organizou
a Companhia de Jesus em moldes militares, obrigando seus
membros a uma rigorosa disciplina e a uma total obediência
ao papa. (PILETTI, 2012, p. 65)

Esses jesuítas “graças ao seu rigoroso preparo intelectual,


alcançaram grande êxito educativo. Entre eles, os que se destacavam
intelectualmente eram escolhidos para exercer permanentemente a
função” (PILETTI, 2012, p. 65). Vão ter grande destaque na educação
católica, na Idade Moderna.

“O conteúdo de ensino das escolas jesuítas tinha um caráter


essencialmente humanista. As matérias eram as mesmas das
outras escolas. O que as diferenciava era o rigor do método
de ensino, que caracterizava revisões frequentes da matéria.
Cada dia, cada semana, cada mês e ano, terminavam com
uma revisão”. (PILETTI, p. 65)

A Contrarreforma revelou um desejo maior de ler os salmos, por


parte dos católicos. Parecia que ninguém queria ficar fora desses tempos
repletos de leitores. Era necessário ensinar a ler, ao mesmo tempo que
as autoridades eclesiásticas entendiam que também nem tudo deveria
ser lido. O Concílio de Trento não mudou esse temor pelo potencial da
leitura na religião católica. A pregação era valorizada, como a confissão foi
mantida para que o clero exercesse o poder. Era necessário permanecer
fortalecendo o poder do papa (BOTO, 2017).
36 História da Educação

Figura 9: Concílio de Trento

Fonte: Wikimedia commons

SAIBA MAIS:

Para saber mais sobre Contrarreforma, Concílio de Trento


e Companhia De Jesus, recomendamos assistir ao vídeo,
Clique aqui.

Definindo a Companhia de Jesus e o “ratio


Studio-rum”, a Pedagogia Jesuítica
A Companhia de Jesus ou Sociedade de Jesus foi criada por Inácio
de Loyola, em 1534, oficializada em 1540, pelo papa Paulo II, como uma
resposta católica contra a Reforma Protestante. Pretendia combater as
heresias e o protestantismo. Um importante fato da Idade Moderna e
grande marco nas sociedades católicas na Europa e América Latina foram
os colégios jesuítas (VEIGA, 2007). Os colégios

estiveram no centro da Igreja Contrarreformada e estimularam


a cultura geral erudita, integrando a pedagogia humanista ao
espírito da cristandade, enquanto favoreciam distinções sócias
e formavam na moral cristã. Esses colégios se afirmaram como
propedêuticos aos estudos superiores de teologia, medicina e
direito. (VEIGA, 2007, p. 41)
História da Educação 37

Os dirigentes católicos julgavam que era necessário conter o


grande avanço protestante. A meta era atingir tal objetivo por meio da
educação de novas gerações e ao mesmo tempo, com as missões, “por
meio da ação missionária, procurando converter à fé católica os povos
das regiões que estavam sendo colonizadas” (PILETTI, 2012, p. 69). Com
atividades múltiplas, “destacando-se as ações missionárias desenvolvidas
nas colônias em favor da conversão do gentio à fé cristã por meio da
pregação do evangelho” (VEIGA, 2007, p. 41). Foram fundando colégios, a
depender da condição social dos estudantes.

Haviam tanto escolas para burgueses e nobres quanto escolas


exclusivas para filhos dos pobres. Todas elas, porém, eram
regidas por um mesmo regulamento: Ratio atque Institutio
Studiorum Societatis Jesus, de 1599, mais conhecido como
Ratio Studiorum”. (VEIGA, 2007, p. 41)

O Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu, foi um Plano e


uma Organização de Estudos estabelecidos pela Companhia de Jesus.
Abreviada como Ratio Studiorum, tal coletânea, balizada em experiências
ocorridas no Colégio Romano, faz observações pedagógicas de distintos
colégios, que desejava instruir velozmente os jesuítas docentes sobre a
real natureza, a verdadeira extensão e as esperadas obrigações do seu
cargo. O Ratio Studiorum aparece como resposta à precisão de unificação
de procedimentos pedagógicos dos jesuítas, já que muito colégios
surgiram para serem administrados pelos jesuítas, no exato momento
histórico em que resolvem oferecer as suas ações missionárias, na Europa
e nos países colonizados.

Desse plano de estudos constavam desde a regulamentação


dos estudos e da vida no colégio até a disciplina, mas a
ênfase estava no método de ensino. A emulação e a entrega
de prêmios eram incentivadas, evitando-se castigos físicos.
(VEIGA, 2007, p. 41)

Ratio Studiorum é a sistematização da pedagogia jesuítica,


composta de 467 regras capazes de abranger a totalidade das atividades
dos agentes relacionados diretamente ao ensino. Era sugerido que o
professor jamais se afastasse do estilo filosófico de Aristóteles e da
38 História da Educação

teologia de Santo Tomás de Aquino, que na Idade Medieval tinha instituído


a escolástica. Estas observações feitas em Roma e outros colégios, em
1584, são codificadas por uma comissão, que foi encarregada de produzir
a escrita do documento apresentado no fim do século XVI (1591), assim
o Ratio Studiorum foi promulgado em 1599. Pretendiam instruir (civilizar)
os povos originários das colônias e a elite colonial, tendo como modelo
o estudante europeu. Respaldando a instrução moral para a elite das
colônias e a catequese aos indígenas. Eram previstas provas orais.

As escolas jesuítas permitiram uma certa homogeneização


cultural das elites por meio da unidade entre a gramática latina,
as belas-letras (humanidades) e a retórica, base fundamental
da educação dos jovens. Além da formação de turmas com
média etária aproximada e da designação de um professor
específico para cada turma, outras materialidades ajudaram
a unificar os processos de formação, o uso recorrente da
escrita, a composição de textos, o uso de livros impressos e
a promoção anual dos alunos, com a distribuição de prêmios.
(VEIGA, 2007, p. 42)

O método Pedagógico Jesuítico, previsto na Ratio Studiorum,


apresentava as 467 regras apropriadas, que deveriam ser respeitadas
pelos professores, pelo bem das suas funções pedagógicas:

Que o professor ensine os jovens confiados à educação da


Companhia de modo que aprendam com as letras, também
os costumes dignos de um cristão.

Antes do começo da aula recite para alguém uma oração


breve e apropriada, que o professor e todos os alunos ouvirão
atentamente de cabeça descoberta e de joelhos.

Assistam todos a missa e a pregação; a missa diariamente, a


pregação nos dias de festa.

Nas classes de Gramática principalmente e, se for mister,


também nas outras, aprenda-se e recite-se de cor a doutrina
cristã, às sextas-feiras e aos sábados. (PILETTI, 2012, p. 72 e p. 73)
História da Educação 39

E, ainda, determinam que sejam conservadas as aulas no seu nível,


que os alunos recitem as lições decoradas, memorizadas. Bem como, nas
classes de gramática deveriam todos os dias, menos no sábado, apresentar
trabalhos escritos. As correções de trabalhos deveriam ser feitas com voz
baixa, diante de cada aluno, enquanto os outros alunos exercitam a escrita.
Levando em conta que ao início e fim das aulas devia-se ler e comentar
algumas tarefas escolhidas, tendo como critério de escolha as melhores ou
as piores, decisão a ser feita pelo professor a cada dia.

Diferentemente do que ocorria antes, o novo método fazia largo


uso da escrita. A lectio incluía leitura e comentário do texto e
também aconteciam debates (sabbatinae disputattiones), mas
toda aula tinha uma parte destinada aos exercícios escritos e
à redação. Outra ênfase era a retórica, o desenvolvimento de
uma expressão oral que produzisse no “como falar” efeito de
verdade para os ouvintes. (VEIGA, 2007, p. 41)

O professor deveria tomar os pontos estudados pelos alunos para


verificar se tinham fixado muito bem as lições, memorizado bem o que
deveriam estudar, seguindo a seguinte escolha, primeiro os mais adiantados,
depois os demais alunos. Era essencial fazer uma sabatina, todos os sábados,
para verificar se os alunos aprenderam as lições da semana.

A gramática latina continuou sendo a base fundamental dos


estudos, que eram divididos em dois conjuntos de disciplinas:
o studia inferiora e o studia superiora. O primeiro compreendia
seis anos de estudos linguísticos e literários – três anos de
gramática latina, dois anos de humanidades ou belas-artes e um
ano de retórica e destinava-se à maioria dos alunos. Os estudos
superiores visavam preparar os estudantes para as carreiras
liberais (com estudos de filosofia e matemática) e para o curso
de teologia, que incluía teologia moral (casos de consciência,
vícios e virtudes) e teologia dogmática. (VEIGA, 2007, p. 40)

Vieira afirma que inicialmente não existiam internatos para os


que não fossem entrar para o sacerdócio, na Companhia de Jesus. Os
demais alunos ficavam em pensionatos, anexos aos colégios, com rígidas
determinações disciplinares dos colégios.
40 História da Educação

Figura 10: Ratio studio-rum

Fonte:Wikimedia commons

As preleções (discursos) feitas para os alunos não podiam ser feitas


baseadas em autores modernos, somente baseados nos clássicos, como
Aristóteles e São Tomás de Aquino.

As preleções precisariam seguir a seguinte ordem:

1. Ler, sem parar, todo o trecho.

2. Argumentar com poucas palavras o texto lido.

3. Ler cada pequeno trecho, explicar em Latim, clarificando as ideias


mais obscuras, ligando as ideias, explanando pensamentos.

4. Retome o texto inicialmente lido e faça as observações cabíveis


àquela classe onde está lecionando.

5. Com um mês completo de estudos, dias antes dos exames


(excetuando os estudos de Retórica), seria necessário fazer uma
boa quantidade de exercícios. E ficar atento aos alunos que
alcançaram bons resultados, devendo ser comunicados tais fatos
aos superiores para ocorrer exames privados, para a posterior
História da Educação 41

mudança de classe. A disciplina de cada aluno será alcançada,


se as 467 regras forem observadas. Quanto aos castigos, seria
necessário ter cautela e evitar ser exagerado ao investigar. No
lugar de castigar, seria interessante acrescentar um trabalho
literário, além das tarefas que todos deveriam fazer naquele dia.
Não deveriam castigar fisicamente (só o corretor poderia fazer
isso). Não cometer injúrias (ofensas) com palavras e atos. Sempre
chamar os alunos pelos seus nomes (PILETTI, 2012).

Definindo o papel dos colégios modernos


A Idade Moderna é marcada pela ritualização da pedagogia para
fins civilizatórios. Era necessário educar as elites, dar-lhes boas maneiras.
“Criado no final da Idade Média, uma instituição de muita relevância foi o
colégio, que aos poucos substituiu os estudos dos mestres das faculdades
de artes” (VEIGA, 2007, p. 29).

Espalhar pelas cidades os hábitos de cortesia, forçar uma sociabilidade


urbana, as pessoas precisavam ter bons modos na vida social, aprender os
códigos adequados de comportamento social, contendo os impulsos, as
paixões, tornando-se cortesãos, urbanizados, palacianos e civilizados. Com
esse objetivo foram sendo criados rituais de como proceder, quais práticas
buscar, quais os gestos aceitos e como tornar-se pessoa letrada. Uma
pessoa com cultura era alguém que tinha recebido lições de linguagem
erudita, cristã, lia bastante, aprendeu a conversar, sabia conter seus
comportamentos e se expressava bem (BOTO, 2017).

Esse conjunto de saberes usados para viver socialmente, de modo


adequado, com comportamentos codificados e normalizados seriam
fortemente buscados na educação, tanto na doméstica quanto na
instrução oferecida nos colégios. Os colégios agiam com a dupla meta
de racionalizar e civilizar os povos na idade moderna. Entre os séculos
XVI a XVII surgiram muitos colégios na Europa e até nas colônias graças
às ações jesuíticas. As famílias pareciam entender que era necessário
qualificar a educação de seus filhos e enviá-los aos colégios
42 História da Educação

Os colégios religiosos cumpriam suas funções, já desde o século


XVI. Entre os séculos XIII e XIV, da Idade Medieval, os colégios atendiam
aos estudantes pobres, agindo como asilos ou alojamentos dos que
vinham às universidades, sob a direção de ordens religiosas e das
paróquias, ainda não sendo instituições de ensino, mas comunidades
organizadas. Foi no começo do século XV, na Idade Moderna, que viraram
instituições formativas, com rígidos sistemas disciplinares, com um duplo
foco, instruir e moralizar.

É importante levar em conta que

quando os estudos das universitas tiveram início, jovens


oriundos das mais diversas localidades procuraram a
orientação de um mestre, o que exigia que buscassem um
alojamento (hospitia). Os de melhor condição financeira
moravam em casas particulares ou em estalagens, enquanto
os mais pobres residiam em instalações criadas para acolhê-
los, as hospitias de caridade (collegiuns), anexas às casas
religiosas. Esses alunos realizavam serviços domésticos,
pediam esmolas ou recebiam ajuda da igreja, na forma de
bolsas, para se manter. (VEIGA, 2007, p. 30)

Já estava provado que as escolas medievais, nas casas dos mestres,


reunindo diversas faixas etárias e para distintos níveis de aprendizagem,
indiferentes às diversas etapas da vida, com currículos sem graduações,
com um só professor para todos e indiferente à ideia de idades eram muito
insuficientes. A Idade Moderna oferece um modo menos comunitário
de viver e mais próxima da ideia de família nuclear (pai, mãe e filhos já
bastam). Então essas escolas com todos os alunos juntos e misturados
deixaram de interessar estas famílias que liam livros sobre a educação
humanista. Segundo Veiga (2007, p.30) a partir do século XVI, devido
ao prestígio acumulado, os colégios deixam de servir de abrigo para
estudantes pobres e as funções se invertem: eles se especializam como
locais de ensino e em suas proximidades surgem pensões especializadas
para moradia dos estudantes.

O programa escolar moderno passava pela valorização os bons


costumes, hábitos apropriados de conduta, higiene e civilidade no trato
História da Educação 43

com os outros. Foi com esse objetivo que os ricos modernos começaram
a enviar seus filhos aos colégios. Segundo Veiga (2007, p.30) a mudança de
mentalidade à época foi que os colégios também se fixam como estágio
para ingresso nos estudos superiores da maioria das universidades, além
de contar com alunos procedentes das classes abastardas (a pequena
nobreza e a burguesia).

Os filhos dos ricos eram frágeis e era necessário que o mestre, no


colégio, tivesse responsabilidade moral com seus alunos, dentro e fora
do colégio. Segundo Veiga (2007, p.30), ocorreu que os colégios rompem
com o modelo corporativo presente na Idade Média, seja da corporação
de mestres, seja de alunos (nações), e se apresentam como instituições
burocráticas que ordenam a vida de ambas as categorias”.

Assim, ia mudando o sentimento de infância, nos lares, nas


instituições escolares e nas ruas. Começou uma investida para qualificar a
profissão docente, separando-a da vida privadas dos professores. Já não
era certo enviar crianças para estudar nas casas dos professores. Assim,
a meta era construir uma sociedade letrada. Já o acesso de compêndios
sobre a infância, que os pensadores escreviam e os pais liam, já faziam
considerável papel civilizatório, difundindo as certezas dos ideólogos
modernos (BOTO, 2017).

SAIBA MAIS:

Conheça mais sobre o pensamento da autora Carlota Boto


sobre a Liturgia Escolar da Idade Moderna, Clique aqui.

Os colégios, na Idade Moderna, foram potencializados como


espaços para obter informações novas, adquirir atitudes e habilidades
socialmente esperadas. Tornar-se um ser com a consciência de sua
própria individualidade, capaz de pensar, um sujeito intelectualizado, que
acreditava nos princípios modernos contidos nos livros, afinal, aprender
a ler para ter acesso aos mais novos conhecimentos e aprimorar sua
capacidade de ver o mundo com clareza, racionalidade e ficaram para
trás os aprendizados orais medievais como já foi mencionado.
44 História da Educação

Torna-se evidente a preocupação com o controle da aquisição


dos conhecimentos, mas também com o trabalho do professor.
Em outras palavras, novas estruturas e relações de poder se
delinearam, expressas na concentração dos estudos num só
local, na instituição educacional, na centralização do controle
dos estudos, na reordenação do uso de tempo e espaço e
no estabelecimento do ensino compulsório, seriado e de
conteúdo hierarquizado. (VEIGA, 2007, p. 31)
Figura 11: Madonna e o menino Jesus

Fonte: Wikimedia commons

Não era possível deixar as crianças fora dos aprendizados modernos,


novos leitores precisariam ser formados e a escola, na Idade Moderna, vai
produzir tais futuros leitores. Estudar em um colégio é ir a uma instância
intermediária entre a sua família e a sociabilidade esperada, para viver
em sociedade. Nos modernos colégios, introduzindo nova forma escolar,
relacionada aos processos de racionalização da Idade Moderna, surgiram
quatro inovações básicas: “espaço, tempo, novas estruturas de poder
e seleção de elementos socioculturais. Esse novo modelo supunha a
existência de uma nova organização espacial, traduzida em prédios
próprios com dependências especializadas de acordo com as funções”
(VEIGA, 2007, p. 31).
História da Educação 45

O extenso processo de civilização ocidental (do começo da Idade


Média ao fim do século XIX) reformulou os códigos de comportamento.
Era necessário saber se vestir, ter bons modos, boas maneiras, cabendo
aos professores serem os promotores do que a literatura moderna
chamava de saber viver (savoir-vivre) e saber fazer (savoir-faire), destinado
às elites, além do aprender a ler para continuar sendo um leitor e escritor,
pelo resto da existência. Assim, foi possível dar conta das existências dos
ricos, na Idade Moderna, lendo os seus diários, suas autobiografias, com
exaustivos relatos da vida cotidiana (BOTO, 2017).

Eram muitos os colégios, alguns católicos (jesuítas, oratorianos ou


jansenistas) e outros protestantes (luteranos, anglicanos e calvinistas).

O ajustamento de um conjunto de procedimentos e de


técnicas para esquadrilhar, controlar, medir, corrigir os
indivíduos, para os tornar ao mesmo tempo “dóceis e úteis”.
É a inauguração da ‘sociedade disciplinar’, onde a criança
é mais individualizada que ao adulto, o doente é antes do
homem são, e o louco e o delinquente antes que o normal e
o não delinquente. O momento histórico das disciplinas é o
tempo do corpo que se manipula, que se corrige; é também
o tempo de encerramento da infância nos lugares que lhe
são destinados. (NÓVOA, 1991, p. 13)

SAIBA MAIS:

Um assunto que voltou a ser discutido e que era muito


comum na transição entre as Idades Medieval e Moderna
são as escolas dos mestres livres, que atualmente é
fruto de discussões em relação à educação domiciliar,
contemporaneamente é chamado “homeschooling”. A Prof.
da USP Carlota Boto é entrevistada. Disponível aqui e aqui.
46 História da Educação

RESUMINDO:

Nesse tópico, vimos que o Renascimento trouxe


aprimoramento e novos modelos estéticos, que trouxeram
modificação nas formas de artes e produções culturais,
caracterizando uma espécie de pedagogia da cultura. Você
aprendeu que a Reforma Protestante apresentou mudanças
com novas ideias e valores contribuindo para a organização
de alguns sistemas de ensino, com renovação dos padrões
ultrapassados. Vimos, também, a importância das escolas
jesuítas, que permitiram uma certa homogeneização
cultural. Por fim, falamos das escolas dos mestres livres, em
suas casas, no século XVII, abertas também aos filhos dos
mercadores (querendo aprender a ler, escrever e contar) e
que era necessário avançar para uma escolaridade urbana,
dos bons leitores e dos que aprendiam boas maneiras e
formas adequadas de civilidade, nada mais apropriado que
os colégios.
História da Educação 47

Pedagogia moderna
OBJETIVO:

Ao término do capítulo você será capaz de explicar a


Pedagogia moderna: a trajetória histórica da infância e a
nova concepção de infância na modernidade. A Pedagogia
Moderna vai ser expressa por meio de uma mudança
gigantesca com que escritores, pais e professores pensaram
a infância, de um modo tão distinto, que não poderia ser
comparado com outros momentos anteriores da história
humana. Assim, é necessário percorrer a trajetória moderna
da infância, para explicar a nova concepção de infância na
modernidade. E então? Motivado para desenvolver este
desafio? Então vamos lá?

Explicando a Pedagogia moderna: a


trajetória histórica da infância
Como foi possível estudar os costumes modernos e entender as
mudanças no pensar sobre a infância na Idade Média é bom lembrar que
na Idade Moderna ainda não havia a propulsão das câmeras fotográfica
e muito menos os modernos smartphones que possibilitam que os pais
façam registros inúmeros de seus filhos. As pessoas ricas, os nobres,
as classes mais abastardas contratavam um pintor para registar suas
imagens. Assim, se registrou esse tempo.

O historiador Ariès (1981) sugere uma possível relação entre a


especialização infantil dos brinquedos e a importância sugerida pela
iconografia (quadros pintados por famosos pintores renascentistas, por
exemplo), à primeira infância, a partir do fim da Idade Média. Esse autor
contemporâneo francês aponta que a criança medieval virou o repositório
dos costumes abandonados pelos adultos, até bonecas que antes eram
usadas para vestir modelos de roupas para as mulheres, abandonadas e
já sem função, viravam brinquedos. Em 1600, apenas a primeira infância
tinha especialização em suas brincadeiras.
48 História da Educação

Depois dos três ou quatro anos, ela se atenuava e desaparecia.


A partir dessa idade a criança jogava os mesmos jogos e
participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre
crianças, quer misturada aos adultos. (ARIÈS, 1981, p. 77)

Isso vai mudar, no decorrer da idade Moderna. Ariès (1981) lembra


que a representação de cenas de jogos é farta na iconografia, da Idade
Média até o século XVIII, já durante a idade Moderna. Isso possibilitou que
tivéssemos provas de que Luís XIII, um rei francês

desde seus primeiros anos, ao mesmo tempo que brincava


com bonecas, jogava malha, jogos que hoje nos parecem ser
muito mais jogos de adolescentes e de adultos. Numa gravura
de Arnoult do século XVII, vemos crianças jogando boliche.
(ARIÈS, 1981, p.77)

Figura 12: Retrato de Louis XIII em 1611 por Frans Pourbus filho

Fonte: Wikimedia Commons


História da Educação 49

Ariès (1981) comenta não eram somente crianças que usavam


bonecas e réplicas de objetos adultos. Na Idade Moderna serão as crianças
proprietárias desse monopólio, compartilharam na Antiguidade, pelo
menos com os mortos. Na Idade Média segue a ambiguidade da boneca
e das réplicas. A boneca podia ser um ameaçador instrumento do bruxo e
de feiticeiro. Ariès (1981, p. 75) comenta que a vontade em representar de
forma reduzida as coisas e as pessoas da vida quotidiana, hoje reservado às
criancinhas, resultou em uma arte e em um artesanato popular destinado
tanto à satisfação dos adultos como à distração das crianças.

A infância mudará na Idade Moderna. Kishimoto (1998) chama o


Renascimento de período de compulsão lúdica. O Renascimento viu a
brincadeira como uma conduta livre e favorecedora do desenvolvimento
da inteligência e aprendizagem escolar. A autora analisa a obra Gargântua
e Pantagruel, revelando que o autor Rabelais critica o jogo como futilidade
e inutilidade, apreciando “como instrumento de educação para ensinar
conteúdos, gerar conversas, ilustrar valores e práticas do passado ou, até,
para recuperar brincadeiras dos tempos passados” (KISHIMOTO, 1998, p.
29). Isso vai mostrando a mudança na mentalidade pedagógica dedicada
às crianças.

Mikhail Bakhtin, estudou esta obra renascentista e comenta que


aquilo que expressava o livro de Rabelais foi mal interpretado. Bakhtin faz
uma análise da estrutura social da Renascença com o intuito de encontrar
um equilíbrio entre a linguagem não permitida e permitida à época
moderna e desvela o carnaval entre pontos muito importantes ao longo
do texto. A cultura do carnaval tão associado à coletividade, desafiadora
da organização sócio, política e econômica da época e marcada, pela
ampla liberdade comunitária.

Rabelais criou uma nomenclatura de 216 jogos aos quais se dedica


em Gargântua, correspondente ao volume 2, publicado em 1534. Bakhtin
(1993, p.204) analisando o livro de Rabelais comenta que o jogo está
estreitamente ligado ao tempo e ao futuro. Não é à toa que os instrumentos
do jogo, cartas e dados, servem igualmente para predizer a sorte, isto é
para conhecer o futuro. Era o homem moderno controlando o tempo.
50 História da Educação

Os contemporâneos de Rabelais eram bem conscientes do


universalismo das imagens dos jogos, da sua relação com o

tempo e o futuro, o destino, o poder do Estado, o seu valor de


concepção do mundo. Era assim que interpretavam as figuras
do jogo de xadrez, as figuras e cores das cartas de baralho e
os dados. [...] O jogo tinha a capacidade de fazer o homem sair
dos trilhos da vida comum, liberava-o das suas leis e regras,
substituía às convenções correntes outras convenções mais
densas, alegres e ligeiras. (BAKHTIN, 1993, p. 204)

Bakhtin lembra que tal estado de liberdade não vale unicamente


para as cartas, dados e xadrez, mas além disso, para todos os demais
jogos, até mesmo os esportivos (pelota e boliche) e os infantis.

Bakhtin analisa os aparecimentos de jogos no decorrer do livro de


Rabelais e recomenda levar em consideração a concepção de jogo que
perpassa dessas passagens. O jogo “não se tornara um simples fato da
vida cotidiana, carregado de um matiz pejorativo. Conservava ainda o
seu valor de concepção do mundo” (BAKHTIN, 1993, p. 205). Ele sugere
que Rabelais conhecia as ideias vinculadas à antiguidade sobre o jogo,
enquanto algo além de um simples passatempo.

Bakhtin (1993) lembra que as literaturas paródicas medievais são


literaturas recreativas, criadas durante os lazeres das festas com uma
atmosfera de licença e liberdade. Comenta que as recreações escolares
e universitárias foram impulsoras por tais paródias, ocorridas nas festas
com ampla liberdade de rir e brincar. Longe dos regulamentos escolares
aos quais usavam como inspiração para criar suas brincadeiras jocosas. A
paródia medieval converte em jogo alegre e totalmente desregrado tudo
o que era considerado como sagrado e importante aos olhos da ideologia
oficial. E isso vai mudar drasticamente no decorrer da Idade Moderna.

Tal literatura renascentista aglutina as imagens do jogo, das


profecias paródicas, dos enigmas e imagens das festas populares, do
carnaval e juntos contribuem para modificar a sombria idade média,
em festiva escrita, até que surjam os colégios para colocar regras aos
jovens. É a ousadia de humanizar o processo histórico, produzindo um
História da Educação 51

conhecimento lúcido e ousado dele, que vai marcar esse período. Mas
com o avanço da Idade Moderna e tantas influências dos jesuítas ficará
menos alegre e carnavalesco ser jovem nos colégios.
Figura 13 – Gargântua e Pantagruel, ilustração de Gustave Doré, 1873

Fonte:Wikimedia commons

Explicando a nova concepção de infância


na modernidade
A palavra Infans significa sem voz. Era necessário ensiná-la a falar e
assim acabava a infância. O que deveria ser concluído até o 7.º ano de vida,
a conhecida idade da razão, ou ainda a idade da puerilidade. A literatura
moderna vai trazer novos entendimentos, não bastará aprender a falar,
serão necessárias as habilidades da lecto-escrita (ler e escrever). Com
menoridade a ser encerrada aos 18 anos, com a saída da escola. Infantil
passa a ser tudo relacionado ao iletrado. Esse era o público dos colégios.

Segundo um calendário das idades do século XVI, aos 24 anos


é criança forte e virtuosa, assim acontece com as crianças
quando elas têm 18 anos. A longa duração da infância tal
como aparecia na língua comum, provinha da indiferença que
se sentia então pelos fenômenos propriamente biológicos:
ninguém teria a ideia de limitar a infância pela puberdade. A
ideia de infância estava ligada à ideia de dependência. (ARIÈS,
1981, p. 35)
52 História da Educação

A História Moderna confirma que somos historicamente


determinados. Uma criança medieval era vista com o sentimento de
linhagem, pertencente a um clã e não dissociado dele. O que ela é por
si própria, sua singularidade, suas diferenças, peculiares modos de agir e
ser não interessavam em nada. Do fim da Idade Média até o século XIX,
atravessando a Idade Moderna e indo além dela, surgem novos modos
de sentir, perceber e conceituar a infância como uma categoria, os pais
já não aparecem como indiferentes aos filhos. A criança, na Modernidade,
será fruto de uma intenção e contenção de más condutas. O caminho
percorrido foi sair dos excessivos castigos e intimidações para uma busca,
tão menos invasiva, de controlar internamente às mentes infantis.

A partir do século XVII desenvolve-se uma preocupação com


as distinções para a educação das crianças, ou pelo menos
dos filhos dos burgueses e Aristocratas. A ótica individualista
e a constituição de novas sociabilidades favorecem o afeto
e o cuidado com a infância, que se expressa, por exemplo,
num maior empenho em planejar o futuro profissional dos
filhos seja para assumir cargos administrativos, para seguir
uma profissão autônoma ou continuar os negócios da família”.
(VEIGA, 2007, p. 38)

A escola foi uma instituição relevante na modernidade, com fortes


poderes na subjetividade do aluno, moldando mentes e corações,
produzindo novas formas de ser infantil. A defesa da escola como um
lugar público, distanciado dos modelos familiares, como se falasse com
um adulto que a criança ainda não era capaz de ser (adulto em miniatura),
levou a infância a um lugar público (longe da vida privada, das mamães e
das pajens).

Essa visão moderna de escola e educação vão deixar legados na


educação nos próximos tempos, por tratar tão especificamente da infância,
o que ainda não havia precedentes na história da humanidade. Foram
tocadas por ideias sobre infâncias, advindas das grandes concepções
sobre infância, presentes na Idade Moderna, no Ocidente. Algo vem das
concepções de Descartes e algo da contribuição de Rousseau. Esses
dois pensadores vão representar as concepções sobre infância, cada
História da Educação 53

um a seu tempo. Nesse sentido, “A infância para Santo Agostinho e


para Descartes era um momento para ser superado para o bem e para
a verdade e, portanto, para o bem da filosofia, que afinal, é a busca da
verdade“(GHIRALDELLI JUNIOR, 2000, p. 180).

O pensamento de Descartes, sobre a infância, indicava que esse


era um tempo em que o entendimento e a vontade racional ficavam em
posições de inferioridade, diante das paixões e desejos que reinavam nas
mentes infantis e em seus modos de agir. Educar, segundo esse pensador,
é esquecer a imaginação, o corpo e a memória, em prol da inteligência,
preparando futuros homens livres e racionais, conscientes e responsáveis
por seus próprios pensamentos, para viver no século XVII. Isso vai mudar
com Rousseau, pensador do século XVIII, escritor da conhecida obra
Emilio ou da educação. Para Rousseau, toda boa educação é negativa, e

deve funcionar para preservar o “bom selvagem” que há na


criança, que é metaforicamente posto como o ser de coração
sincero e, portanto, o único que ainda pode julgar o certo e o
errado e não só o verdadeiro e o falso, como seria o sujeito
cartesiano. (GHIRALDELLI, 2000, p. 180).

Sendo assim, Descartes e Rousseau, junto com todo o pensamento


desde a saída da Idade Medieval e seguindo para a Idade Moderna,
passam a enxergar a criança. Mas não somente isso, segundo Ghiraldelli
(2000), esse conjunto de ideias e certezas dos que pensaram a infância,
em um período tão longo e com situações históricas diversificadas,
estariam ainda hoje, na cabeça dos pais e professores, em nossos
tempos contemporâneos, a partir dessa potente dupla concepção de
infância da modernidade, ainda que de modo confuso e cruzado. “Em
certos momentos pais e mestres elogiam a inocência de seus filhos e
alunos, apontando-os como modelo contra o adulto reificado, em outros
momentos eles punem qualquer sinal de infantilidade, em nome do ideal
cartesiano de vida adulta (GHIRALDELLI, 2000, p. 181).

Já na Modernidade europeia vivenciou tempos de decrescente


mortalidade infantil. Os pais ficaram mais próximos dos filhos, percebendo
as suas diferenças. Isso trouxe uma contestação, de lá para cá não
superada: as crianças europeias eram diferentes dos adultos. É aqui
54 História da Educação

que o historiador contemporâneo Ariès (1981) vai chamar de sentimento


moderno de infância (Entre os séculos XV e XVI). Nesse sentido, foram
vistas diferentes dos adultos, adultos incompletos, a quem deveriam ser
oferecidos mimos ou paparicação (BOTO, 2017).

Olhando de forma mais cuidadosa, o que os adultos sentiam vontade


de fazer era acarinhar seus filhinhos. Isso ainda era conhecer muito pouco
as crianças e suas condições humanas infantis com que foram vistos
em todo o período medieval, permanecendo a indiferença dos adultos
diante das crianças segundo Àries (1981). Foram submetidos ao discurso
pedagógico dos humanistas e passaram a ser teorizados como seres de
pureza original, inocentes, configurando o segundo sentimento moderno
sobre as crianças (Do século XVII a XVIII). Foram escritos muitos tratados
de civilidade, já que o homem moderno e rico precisava ter boas maneiras,
além de muito dinheiro, preparando bem seus filhos.

Surge e se multiplica uma literatura específica para instruir os


pais sobre como cuidar dos filhos, evitando ao mesmo tempo
práticas violentas e atitudes de excessiva condescendência. A
ênfase recai na formação moral, na cultura geral, nas regras
de comportamento e nos comedimentos necessários para a
vida em sociedade. Entre outras obras podemos citar a arte
de criar bem os filhos na idade da puerícia (1685), do jesuíta
português Alexandre de Gusmão, o Tratado sobre a educação
das meninas, de Fénelon (1687) e alguns pensamentos sobre
educação de John Locke (1708). (VEIGA, 2007, p. 38)

Veiga (2007) lembra que estas publicações possuem em comum


um sentimento de que a criança é maleável, com natureza rebelde e
precisava ser domada, demandando educação o mais cedo possível.

Essa literatura humanística (no século XVI) será muito lida e está
repleta de dicas para diminuir a paparicação com as crianças (vinculado
ao 1.º sentimento de infância), surgindo um consistente conjunto de
normas e padrões que os adultos deveriam seguir para ter filhos bem-
educados. Um caso destas dicas é o livro de Erasmo de Rotterdam, o
De Pueris que expressa como os humanistas não poupavam críticas
aos excessivos afagos, em detrimento de poucos esforços para educá-
História da Educação 55

los. Esse autor tratando de oferecer dicas de como educar os filhos dos
nobres, em uma perspectiva de educação aristocrática, os esforços dos
humanistas eram dirigidos à elite, refletia sobre tantos mimos maternos,
tratando uma criança de sete anos como se fosse uma bonequinha ou
um animal de estimação, esclarecendo que os filhos eram crianças, que
procurassem se divertir com cadelinhas ou macaquinhos e que parassem
de subestimar o momento tão essencial para formar ou modelar as
mentes das crianças, enquanto estivessem capazes de aprender com os
seus preceptores (BOTO, 2017).

Ainda, compara esses atos maternos com maus-tratos.


Compreendendo que o que tais mamães fazem é trucidar o espírito dos
filhos. Os que não aprendiam eram seres inferiores, aqueles desprovidos
das culturas letradas teriam dificuldades de desviar de instintos e impulsos,
além de representar um distintivo diante dos que não aprenderam. Os que
aprendiam eram considerados os verdadeiros homens. Os educadores,
baseados nas ideias humanistas, não deviam transformar os alunos
em adultos, antes da hora certa, não antecipando a maturidade, nunca
deveriam pensar que os alunos eram adultos, e prosseguir nas suas
obras de modelagem do futuro adulto, como um hábil escultor, dirigida
às crianças, seres capazes de receber as mais diversificadas formas de
instrução, já que eram vistos como ágeis mentalmente, com capacidade
de captar informações diversas, em detrimento dos adultos que perdiam,
com o tempo, tais capacidades. Então, era urgente educá-los!

Surge o novo sentimento de infância, que pulou de dentro dos livros


dos pedagogos moralistas e dos humanistas, para tratar bem as crianças
inocentes, com preocupação em disciplinar e racionalizar os costumes.
Amar os filhos é ter a preocupação psicológica e moral com eles,
desprezando as suas brincadeiras, primando pela sua educação, parando
com as manias de vê-los como divertidos, mimando-os demasiadamente,
salvando-os do desamparo, da fragilidade, orientá-los, não descuidando
e fazê-los se tornar adultos racionais e éticos.

Nada seria mais indesejado do que uma criança mal-educada,


a mercê de seus próprios instintos, voluntariosos. As crianças da Idade
Moderna precisavam ser educadas, habilmente. Isso diferenciaria as
56 História da Educação

crianças pobres, os filhos do povo, malcriados e impulsivos, daqueles


meninos ricos controlados e bem-educados, aproveitando a crença
humanista de que ninguém nasce homem, já expressa nos compêndios
sobre como educar os filhos.

E os filhos precisavam ser modelados, os filhos dos ricos, é bom


lembrar! Isso tudo vai afastar as crianças dos jogos coletivos com os
adultos, dos jogos de salão, tão comuns à Idade Média. “Por fim o que
ocorre é uma distinção entre os jogos dos adultos e dos fidalgos e os
jogos das crianças e dos vilões no século XVII” (ARIÈS, 1981, p.116).

REFLITA:

E aquelas roupas que os deixavam parecer com adultos em


miniatura deveriam ser trocadas por roupas específicas de
crianças. De onde viria a ideia de criança como um adulto
em miniatura?

Evoluindo para uma nova visão, retratada por Ariès,

no século XVII, entretanto, a criança, ou ao menos a criança de


boa família quer fosse nobre ou burguesa, não era mais vestida
como os adultos. Ela agora tinha um traje reservado à sua
idade que a distinguia dos adultos. Esse fato essencial aparece
logo ao primeiro olhar lançado às numerosas representações
de crianças do início do século XVII. (ÁRIES, 1981, p. 70)

Com tantas mudanças, as crianças não deverão participar de


conversas dos adultos referentes a sexo e violência. Assim, os bons locais
para educar eram as instituições educacionais, ampliando as práticas de
escolarização, como os modernos colégios. O século XVII será o palco
dessa nova civilidade escolar.

Como a escola e o colégio que, na idade média, eram


reservados a um pequeno número de clérigos e misturavam
as diferentes idades dentro de um espírito de liberdade de
costumes, se tornaram no início dos tempos modernos um
meio de isolar cada vez as crianças durante um período de
História da Educação 57

formação tanto moral quanto intelectual de adestra-las da


sociedade dos adultos. (ARIÈS, 1981, p. 165)

As crianças foram os primeiros a tomar um jeito moderno de ser,


antes mesmo dos adultos das camadas populares. Quanto mais educado
socialmente mais os ricos, na Idade Moderna, iam se diferenciando dos
pobres. “A antiga turbulência medieval foi abandonada primeiro pelas
crianças e finalmente pelas classes populares: ela é a marca dos moleques
dos desordeiros, últimos herdeiros dos antigos vagabundos” (ARIÈS, 1981
p.185). Aos poucos, com a ajuda dos manuais escritos pelos humanistas
e renascentistas, serão as mães e o resto da família que mudaram. “A
iconografia nos permite acompanhar a ascensão de um sentimento novo:
o sentimento da família, [...] o sentimento era novo, mas não a família.
(ARIÈS, 1981, p. 222).

SAIBA MAIS:

Conheça a concepção de Ariès sobre A Descoberta da


Infância. Clique aqui.

RESUMINDO:

Neste tópico, vimos que a Pedagogia Moderna trouxe


mudanças na história infantil, com a utilização dos
brinquedos, de jogos e participavam das mesmas
brincadeiras dos adultos. Você aprendeu que a escola foi
uma instituição relevante na modernidade, baseado na
subjetividade dos estudantes, produzindo novas formas de
ser criança.
58 História da Educação

Pedagogização dos conhecimentos e o


disciplinamento dos sujeitos
OBJETIVO:

Ao término do capítulo você será capaz de identificar a


Pedagogização dos conhecimentos e o Disciplinamento
dos sujeitos. Os Colégios jesuítas serão considerados
modelos na Idade Moderna e as famílias ricas estavam
convencidas da relevância de colocar seus filhos nos
colégios para ter um futuro promissor. Se os tempos
medievais eram momentos de suplícios do corpo para a
salvação da alma, os tempos modernos serão ainda mais
cruéis, com as mentes, a pedagogização do cotidiano
que trará uma eterna vigilância sobre os sujeitos e seus
consequentes e constantes disciplinamentos. Ninguém
escapará do vigiar e punir nos colégios, além das prisões
e outros espaços. E então? Motivado para desenvolver este
desafio? Então vamos lá?

Identificar a pedagogização dos


conhecimentos
Para saber sobre o estatuto dos saberes pedagógicos é preciso
voltar os olhos para a Idade Moderna. O Renascimento carrega profundas
responsabilidades, com as gigantescas mudanças.

Essas mudanças, ainda que se refiram especialmente à


reorganização que afetou desde então o campo dos saberes,
têm também a ver com as relações que se estabeleceram
entre saberes e poderes específicos, assim como entre esses
e os modos de subjetivação ou, se preferível, os diferentes
tipos de identidades sociais que se instituíram. (VARELA, 1994,
p. 87)

Sendo assim, o exame apurado das instituições escolares, na


Idade Média, revela a pedagogização do conhecimento, orquestrada por
profissionais da educação moderna de dentro dos colégios.
História da Educação 59

A Pedagogização do conhecimento, segundo Varela (1994), um


Estatuto dos Saber Pedagógico da modernidade, está associada às
remodelações educacionais pós-renascimento, que trouxeram uma nova
visão de infância e a necessidade de procurar oferecer uma educação
moderna e adequada aos filhos dos burgueses, no lugar de ficar
paparicando em casa.

A criação das novas instituições educacionais jesuíticas, os


colégios jesuítas, não só os novos prédios, não unicamente o que os
olhos conseguem ver na arquitetura, das fardas dos estudantes, mas
com tamanha relevância nas mentalidades dos agentes que agiam
dentro desses colégios, tomando tanta fama que as demais instituições
educacionais passaram a mirar nesses modelos para imitando-os, criar
suas pedagogias. Então, as novas instituições educacionais, como os
colégios jesuíticos, inauguram

um processo que com remodelações sucessivas, tem se


intensificado até chegar a nossos dias e que denominarei, de
forma provisória, da “pedagogização dos conhecimentos”. Que
significa tal processo? Em função de uma nova concepção de
infância (que então começava a ser aceita especialmente por
alguns grupos sociais ligados à camada média) vai produzir
uma separação cada vez mais marcada entre o mundo dos
adultos e o das crianças e vai urgir a necessidade de delinear,
de pôr em ação, novas formas específicas de educação.
Foi nesse quadro que teve lugar o surgimento de novas
instituições educacionais. (VARELA, 1994, p. 87)

Varela (1994, p.88) comenta que tais instituições são nos países
católicos, aqueles colégios das nova ordens, os jesuítas e a Companhia
de Jesus são apontados como estabelecimentos educacionais da Idade
Moderna e que romperam com os formatos medievais de ensino e com
as formas dominantes de socialização das novas gerações, tanto com as
estabelecidas tradicionalmente para a nobreza (aprendizagem e ofício
das armas), como as instituídas para as classes populares (aprendizagem
de ofícios).
60 História da Educação

Figura 14: Inácio de Loyola

Fonte: Wikimedia commons

Ninguém escaparia do novo modelo de pedagogização, nem os


saberes, nem professores (os agentes de tal projeto que foram bem
preparados). Os jesuítas retomaram

a definição que moralistas e humanistas fizeram de infância


e puseram em ação uma maquinaria escolar que não apenas
contribuiu para dotar as crianças de um estatuto especial, mas
que também converteu seu sistema de ensino, nos países
católicos, num sistema modelo para as demais instituições
escolares, incluindo, após lutas e sucessivos reajustes as
universidades. (VARELA, 1994, p. 88)

A ideia que era defendida é que nada era mais apropriado para as
crianças do que estas instituições fechadas. Foram aliados os saberes
e a moral, o cotidiano escolar deveria ser pensado em uma escala de
dificuldade crescente. A preocupação com a formação moral e o caráter
deveria estar sempre presente, mantendo todos bem vigiados, para que
só fizessem boas práticas morais. Tudo o que não poderia ser deixado
acontecer eram atitudes de afronta moral que pudessem entrar pelas
mentes das crianças. Se os tempos medievais serviram para controlar
os corpos, agora seria a hora de vigiar a mente infantil. Assim, a tutela
da moral da criança estava sendo entregue aos membros dos colégios e
esses não poderiam falhar. Os jesuítas resolveram
História da Educação 61

controlar os saberes que iam transmitir e organizar esses


saberes de tal forma que se adequassem às supostas
capacidades infantis. Os saberes, tanto da cultura clássica
como da cristã, foram desse modo selecionados e organizados
em diferentes níveis e programas de dificuldade crescente, ao
mesmo tempo em que se viram submetidos a censuras, em
função, portanto, de seu caráter moral. (VARELA, 1994, p. 88)

Os grandes mestres jesuítas deveriam ser e agir como autoridades


morais ilibadas, o que os diferenciavam dos antigos mestres das
universidades medievais. Nesse modelo, não é prevista autonomia aos
alunos, que passam a ser sinônimo de escolares, confiados por suas famílias
para receber tal educação moral e prepará-los para um futuro exemplar e
próspero. Varela afirma que pedagogização dos conhecimentos é perceptível
no desdobramento que causa, diferenciando as ações de um mestre
jesuítas em comparação aos antigos mestres universitários medievais. Os
mestres jesuítas eram as autoridades morais, capazes de deter poderes dos
estudantes, resultando “que os estudantes perderam sua autonomia, suas
prerrogativas ou, se quisermos seus ‘privilégios’; transformando–se, assim,
em colegiais, em escolares” (VARELA, 1994, p. 88).

A Companhia de Jesus tinha o intuito de reformar a vida e


consequentemente os costumes para batalhar contra os vícios, naquilo
que não deveria ser deixado de realizar, a educação dos jovens, que
deveriam aprender a ser cristãos desde pequenos. Santos considera que
os conceitos como piedade e virtude estavam presentes no ensino dos
Jesuítas. (SANTOS, 2017).

SAIBA MAIS:

Leia o artigo de Fernanda Santos sobre o Colégio Jesuíta


no contexto do Século XVI: Formação de um Novo Homem,
publicado em 2017, na Revista Esboços. Clique aqui.

A ordem de jesuítas foi criada com o objetivo de consagrar-se a


educação da juventude católica. “Seguia os princípios cristãos e insurgia-
se contra a pregação religiosa protestante. O criador da Companhia
62 História da Educação

de Jesus imprimiu rígida disciplina e o culto da obediência a todos os


componentes da ordem” (GADOTTI, 2003, p.73). Encarregada da formação
dos filhos dos burgueses, seu próprio fundador Inácio de Loyola era da
burguesia. Os jesuítas apareceram como uma solução para a formação
das futuras gerações, entre os ricos da Europa.

Os jesuítas exerceram grande poder pedagógico e influenciaram a


vida social e a política.

Contrários ao espírito crítico, eles privilegiaram o dogma,


a conservação da tradição, a educação mais científica e
moral que humanista. Quando liam os clássicos, procuravam
expurgá-los previamente das partes nocivas à fé e aos bons
costumes. (GADOTTI, 2003, p. 68).

Segundo Gadotti (2003, p. 68), nada era espontâneo, não havia


espaço para imprevistos, incluindo a posição das mãos e o modo de
levantar os olhos, para evitar qualquer forma de independência pessoal.
Seu lema: “obediência ao papa até a morte”. Para isso, diziam era preciso
“enfaixar-se à vontade”, como são enfaixados os membros dos bebês.

Estar em um colégio representava aprender não só receber as boas-


letras e virtudes, Varela (1994, p. 89) comenta que era estar submetidos
a uma série de procedimentos e técnicas que foram gradualmente
aperfeiçoando, com a finalidade de conferir, tanto aos colegiais, como aos
saberes, uma natureza moralizada e moralizante. O uso de tais técnicas
e procedimentos pedagógicos viraram instrumentos hábeis de extração
de “saberes dos próprios escolares, assim como fonte de exercício de
poderes que tornaram possível o surgimento da ‘ciência pedagógica’,
do saber pedagógico” (VARELA, 1994. P. 89). Seguiu assim a pedagogia
moderna dando conta de vigiar a todos.

Varela (1994) indaga quais teriam sidos os efeitos dessa


pedagogização dos conhecimentos, partindo dos colégios jesuíticos e
se disseminando em muitas outras instituições. Em primeiro lugar, Varela
comenta que adquirir esses saberes moralizados não provocou uma
cooperação entre mestres e aprendizes. Os mestres passaram a se sentir
e a exigir que fossem tratados como os únicos detentores do saber e os
História da Educação 63

estudantes deviam ficar subordinados e “converterem-se em sujeitos


destinados a adquirir os ensinamentos dosificados, transmitidos por seus
professores para convertê-los em seres virtuosos” (VARELA, 1994, p. 89).

Ainda, precisavam aceitar que seus mestres jesuítas transmitiam


saberes realmente verdadeiros, esses pedaços de saberes, sempre
censurados, não expostos como estavam nos clássicos gregos e romanos,
para servir à manutenção da ordem social e política vigente, nem
neutros e nem imparciais eram, por mais que desejassem passar esses
sentimentos, saberes cortados e não integrais, incapazes de questionar
o mundo moderno, incapazes de dar conta da realidade do trabalho, das
lutas sociais e da realidade por trás das classes sociais, ficando

marcados pelo estigma do erro e da ignorância e viram-


se desterrados do recinto sagrado da cultura culta, uma
cultura que, com o passar do tempo, converteu-se na cultura
dominante e reclamou para si o monopólio da verdade e da
neutralidade. (VARELA, 1994, p. 89)

E se já não bastassem esses elementos, por último, Varela (1994)


aponta que tal processo de pedagogização dos saberes resultou na
instauração, progressivamente aperfeiçoada de um

aparato disciplinar de penalização e de moralização dos


colegiais, que ligou a aquisição da verdade e da virtude
à ascese e à renúncia de si mesmo. Foi desse modo que a
disciplina e a manutenção da ordem nas salas de aulas
passaram a ocupar um papel central no interior do sistema
de ensino até chegar praticamente a eclipsar a própria
transmissão de conhecimentos. (VARELA, 1994, p. 89)

Assim será necessário desenvolver a ideia de disciplinamento


interno dos saberes, apoiado em Varela (1994), retratando os fins do
século XVIII, marcados por uma forte conexão do disciplinamento interno
dos saberes com a pedagogização dos mesmos.
64 História da Educação

Figura 15: Michel Foucault

Fonte: Wikimedia commons

SAIBA MAIS:

Para saber mais sobre o pensamento de Julia Varela,


recomendamos a leitura do artigo A maquinaria escolar.
Clique aqui.

Identificar a Pedagogização dos


conhecimentos e o Disciplinamento dos
sujeitos
Tal conjunto potente de intenções pedagógicas foram encontrando
cenários nos colégios da Idade Moderna, tendo como atores ativos os
professores e demais participantes de tal projeto vitorioso, estabelecendo
como atores, passivos, os estudantes. Isso acontecia, milimetricamente
planejado, por meio da pedagogização dos saberes, com o intuito de não
falhar no objetivo de disciplinar os sujeitos.

Os saberes pedagógicos são o resultado, em boa parte, da


articulação dos processos que levaram à pedagogização dos
conhecimentos e à disciplinarização interna dos saberes. Estas
classificações e hierarquias de sujeitos e saberes costumam,
em geral, ser aceitas como algo dado, como naturais, razão
História da Educação 65

pela qual seu reconhecimento contribui para aprofundar sua


lógica de funcionamento. A pedagogia racionaliza, em geral,
uma certa organização escolar e certas formas de transmissão
sem questionar nunca a arbitrariedade dessa organização,
nem tampouco o estatuto dos saberes que são objeto da
transmissão. (VARELA, 1994, p. 93)

Michel Foucault (1981), estudioso contemporâneo que viveu entre


1926 e 1984, examinou à exaustão a realidade educacional moderna,
encontrando elementos interessantes nesse destino dos colégios em
prol do disciplinamento e da vigilância constante, bem planejado. Tais
instituições escolares modernas foram formadoras da subjetivação
moderna, a formação do sujeito moderno burguês e cristão, temente e fiel
ao papa e rico. Esses pedagogos modernos deveriam zelar pela formação
dos estudantes, que não nasciam prontos e podiam ser moldados. Assim,
os colégios, na Idade Moderna ou a partir dela, terão funções de definir qual
o sujeito adequado à época, condicionando-os por meio de mecanismos
de poder e disciplinamento, escolhidos pelos professores ou seguidos
pelos mesmos, e direcionados aos meninos, nos colégios, com o aval das
famílias, que pensavam estar fazendo o melhor pelo futuro de seus filhos.
Esse disciplinamento moderno inquestionável, naturalizado como o certo
e racional, formando sujeitos racionais, sem que ninguém deixasse de
ser controlado, sendo dependente de tais adultos-professores, passaram
a deixar de ser crianças e viraram estudantes. Foucault, em tempos
contemporâneos, começou a indagar sobre a história das construções
sociais e seus efeitos sobre os sujeitos-estudantes, perguntava sobre os
saberes e poderes, podres poderes que criaram, forçadamente, o homem
moderno, não um homem livre, mas disciplinado em seus colégios.
Foucault vai defender que o sujeito construído nesse modelo pedagógico,
é o resultado de um poder próprio das instituições da Idade moderna, o
nome de tal poder, é poder disciplinar:

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se


apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem
dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor.
[...] A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica
de um poder que torna os indivíduos ao mesmo tempo como
66 História da Educação

objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um


poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se
fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado,
que funciona a modo de uma economia calculada, mas
permanente. (FOUCAULT, 1981, p. 153)

Isso foi sendo construído de modo pensado, elaborando saberes


pedagógicos, convencendo os pais, dominando as cabeças dos
professores, já na formação deles, na França, como descreve Foucault. A
Racionalidade expressa nas inúmeras técnicas de disciplinamento, dentro
das instituições escolares necessitavam de seus condutores perfeitos.
Dos modelos de normatização usados na Medicina (Ortopedização usada
pelos médicos para alinhar o corpo, por exemplo e porque não inspirar
o disciplinamento das almas, das mentes estudantis modernas?) e nas
guerras foram servindo para a pedagogização do conhecimento e o
disciplinamento de corpos e mentes dos estudantes.

Normatizou-se primeiro a produção dos canhões e dos fuzis,


em meados do século XVIII, a fim de assegurar a utilização
por qualquer soldado de qualquer oficina etc. depois de
ter normatizado os canhões, a França normatizou seus
professores. As primeiras Escolas Normais, destinadas a dar
a todos os professores o mesmo tipo de formação e, por
conseguinte, o mesmo nível de qualificação, apareceram em
torno de 1775, antes de sua institucionalização em 1790 ou
1791. A França normatizou seus canhões e seus professores, a
Alemanha normatizou seus médicos. (FOUCAULT, 1982, p. 83)

Os professores foram normalizados (as antigas escolas de


formação e professores primários coincidentemente são chamadas por
escolas normais), mas os prédios dos colégios também necessitariam
de uma arquitetura capaz de normalizar perfeitamente e em harmonia
com o projeto pedagógico de disciplinamento dos saberes. Afinal, foi
nesses espaços coletivos que os alunos foram conviver longos anos de
suas vidas. O espaço foi normatizado, com arquitetura semelhante às das
prisões, as salas estavam lado a lado, impossibilitando fácil comunicação,
haviam grades nas janelas, todos se encontravam na hora das refeições,
História da Educação 67

mas as regras de disciplinamento eram rígidas para tais momentos, nada


de algazarra, barulhos, o tempo todo estavam sendo vigiados, difícil ousar
passar pela portas também vigiadas, todos primavam pela farda escolar,
que deveria estar em bom estado e a obediência aos mestres deveria
ser total. O ideal moderno da individualização, nem comparável com
o viver coletivo medieval, legava a cada aluno ocupar os seu lugar na
cadeira, calado, com postura irrepreensível, já que sabiam que estavam
sendo observados ao estudar, pois já viriam os terríveis exames. Como
desobedecer diante de tão rígida disciplina que era

uma técnica de poder que implica uma vigilância perpétua


e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou
ver se o que fizeram é conforme à regra. É preciso vigiá-los
durante todo o tempo da atividade e submetê-los a uma
perpétua pirâmide de olhares. (FOUCAULT, 2002, p. 106)

Ninguém é soberano, filho do pai burguês, paparicado pela mamãe,


escolhendo o que quer fazer nesse cotidiano escolar na Idade Moderna.
Todos estavam submetidos às mesmas relações de disciplinamento. E
para isso acontecer de forma primorosa, a vigilância era humana (não
a magnífica vida social cercada de câmeras, mas conduzida por olhos
adultos hábeis).

Aqueles pavorosos momentos de demonstração do poder da


Igreja e dos reis europeus, em que na frente de uma catedral medieval
todos assistiam a um supliciamento de alguém que teria sido julgado
pela Santa Inquisição, com dores impostas no corpo para alcançar o
perdão dos pecados na vida eterna, cruelmente queimados em fogueiras,
logo após de ter sua chance de pedir perdão por seu pecados na terra,
conduzidos por um sacerdote católico, são segundo Foucault, na sua
interessante obra Vigiar e Punir (1981), foram sendo, da Idade Moderna
para frente guiados por uma vigilância e disciplinamento constantes, que
já não deveriam arder tanto no corpo (as fogueiras foram esquecidas), já
que passou a interessar aos médicos, aos responsáveis pelas prisões e
aos dirigentes dos colégios controlar psicologicamente e moralmente as
pessoas. Sendo que as correções, verdadeiras ortopedizações da alma,
não eram superficiais.
68 História da Educação

Figura 16: O Panóptico, metáfora e pesadelo da escuta-vigilância

Fonte:Wikimedia commons

A figura acima é o Panóptico, espécie de penitenciária ideal


moderna, imaginada pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham (1785),
onde era possível a um único vigilante observar todos os que estivessem,
presos, em uma concepção tão perfeita que estes nem saberiam se
eram observados ou não, por isso era necessário sempre ficar sob bom
comportamento. Foucault descreve tal projeto tão representativo da ideia
de disciplinamento e de vigilância, modo de pensar a arquitetura para
tempos em que controle e disciplina chegaram aos colégios.

Um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio


com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas
que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em
cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo
da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um
operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco
atualizando sua loucura etc. na torre central havia um vigilante.
Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para
o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela;
não havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte,
tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um
História da Educação 69

vigilante que observava através de venezianas de postigos


semicerrados de modo a poder ver sem que ninguém ao
contrário pudesse vê-lo. (FOUCAULT, 1996, p. 87)

Como é que esse poder disciplinar era exercido? Foucault vai


esclarecer que de modo invisível, eram deixados os vigiados submetidos
encerrados à visibilidade obrigatória.

Na disciplina, são os súditos que têm que ser vistos. Sua


iluminação assegura a garra do poder que se exerce sobre
eles. É o fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto,
que mantém sujeitado o indivíduo disciplinar. (FOUCAULT,
1981, p. 167)

Isso foi mudando o cenário educacional, sendo impregnado nas


práticas pedagógicas que nos tornaram os herdeiros de tal Estatuto do
saber Pedagógico, dessa Pedagogização do conhecimento, de modos
insípidos, com poderoso disciplinamento interno dos saberes, não teve
como ninguém fugir com facilidade. Dentro dessa lógica é que Foucault
propõe: “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou
modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e poderes que
eles trazem consigo” (FOUCAULT, 2002, p. 44).

SAIBA MAIS:

Conheça a obra de Foucault na íntegra, Vigiar e Punir.


Clique aqui.
70 História da Educação

RESUMINDO:

Nesse tópico, vimos que a Pedagogização dos


conhecimentos trouxe remodelações educacionais pós-
renascimento, com nova visão de infância e a necessidade
de oferecer uma educação moderna. Você aprendeu que
a intencionalidade pedagógica desse período, era trazer
a disciplina dos sujeitos, por meio da internalização dos
saberes. Assim, é possível afirmar que a Idade Moderna
marcou de forma consistente a educação, com essa
Pedagogização do conhecimento e com o disciplinamento
dos saberes, dos corpos e das mentes dos estudantes,
com longas repercussões ao longo da história da
educação ocidental.
História da Educação 71

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