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O REBOOT DO SÉCULO 21

Cyntia Beatriz de Almeida Grahl Borges


Fonoaudiologia

Rio de Janeiro/RJ
2020
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Estamos diante de uma pandemia. O mundo parou. E nossas vidas


continuam com as mesmas demandas de antes. Os mecanismos que movem as
engrenagens da máquina não podem parar. Mas nós realmente continuamos os
mesmos? Ou nunca fomos tão diferentes como agora? Como é possível se adaptar,
tamanha as exigências? Teremos aprendido com as valiosas lições do passado? Eu
creio que de uma forma mais abrangente, sim, aprendemos lições preciosas de
como o homem se torna autor de sua história apesar de tudo o que acontece ao
nosso redor.

A luz mais forte é a da resistência organizada e persistente de quem deseja


escapar das trevas e não quer fazê-lo sozinha, nem excluir pessoas e muito
menos admitir que impere o malévolo princípio de “cada um por si e Deus
para todos”. Seria praticando cotidianamente o “um por todos e todos por
um”. Afinal, como dizia Mahatma Gandhi, “olho por olho, uma hora
acabamos todos cegos”. (Cortella, DW Brasil, 2017).

É 2020, um ano de grandes mudanças. Um ano do qual jamais nos


esqueceremos – não só pelas imensuráveis perdas advindas da pandemia – mas
porque também, de algum modo, como sociedade fomos obrigados a nos reinventar.
A nossa conexão virtual é uma questão de vida, já que pessoalmente corríamos
literalmente risco de morte. Não é a primeira vez que a sociedade passa por isso,
mas sem dúvida, é a crise mais violenta das últimas décadas. Não tanto pela taxa de
mortalidade que é cerca de 1,4% (Lee e Duchene, 2020, Revista Galileu) mas por ir
na contramão de tudo o que vínhamos buscando: um mundo sem fronteiras. Parece
absurdo pensar que o distanciamento social nos afetaria tanto, afinal, o mundo já
cabia em nossas mãos desde a invenção dos smartphones. Acontece que as
restrições nos afetaram emocionalmente e fisicamente. A tão sonhada e buscada
liberdade, o direito de ir e vir está confiscado de nós. O mundo que era tão grande
graças à internet, agora ficou restrito às paredes de nossa casa. Não adianta mais
planejar viagens maravilhosas, idas ao interior, a parques e museus, cinemas ou
shoppings. Até o aprendizado foi 100% transferido para os ambientes virtuais.
Somos vítimas da nossa própria ganância, de sempre querermos mais, com
inúmeras campanhas publicitárias anunciando que o paraíso era logo ali, ao alcance
das mãos. Hoje não é mais.
Faço parte de uma geração que foi pega de surpresa pelas mudanças
abruptas do nosso modo de se comunicar e socializar via internet. E se me
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perguntassem como me sinto a respeito disso, minha resposta seria ambígua.


Porque de um lado, acho maravilhoso todo o alcance e potencial disso tudo. Por
outro lado, com os rumos negativos se intensificando, perfis falsos, ideologias cegas,
ignorâncias verbais, tudo “protegido” pelo anonimato, foi gerando uma repulsa da
capacidade vil do ser humano de destilar maldade sem ser reconhecido. Some-se a
isso a crescente banalização de qualquer assunto, a perda de qualquer senso de
empatia, a busca pela “imagem perfeita”, que o caldeirão das inutilidades fica cheio
para mim. Não tenho paciência. Nem para a burrice disfarçada de opinião. E há
quem já tenha dito que opinião sem argumento não é nada. Não é coisa alguma.
Quando pensei que poderia viver fazendo uso minimamente do que a
internet tem a oferecer, nosso mundo ficou de cabeça para baixo. Para que se possa
entender o choque do ano que estamos vivendo não precisamos olhar muito atrás.
Quando o mundo inteiro irrompeu em guerras, nós nos adaptamos. Quando as
guerras findaram, nos reerguermos. Quando a Revolução Industrial nos apresentou
as maravilhas da tecnologia, desconfiamos, mas logo estávamos lá, aprendendo a
aprender. Todos esses marcos da humanidade têm em comum, como
consequência, uma nova forma de vivermos e olharmos, não só para o futuro, mas
para as lições aprendidas. E da nossa maneira simples de viver – dos almoços de
domingo com a família, as idas semanais à missa, os encontros políticos, às
passeatas pelo impeachment – fosse como fosse, as pessoas estavam juntas.
Confraternizando, dividindo não só as alegrias, mas também suas dificuldades.
Havia essencialmente um senso comum de bem ao próximo e de solidariedade que
era latente. Então, acho que nós não percebemos quando esse senso começou a
ficar dormente. Quando ser gentil ou solidário passaram a ser vistos como
características de gente chata. Perdemos nossa empatia. Ficamos egoístas. O
mundo agora é outro. O engraçado é que hoje é muito mais fácil de se comunicar do
que era a 20 ou 30 anos atrás. E apesar de toda essa facilidade, nos distanciamos
muito uns dos outros. Quando surgiu a primeira rede social, o Orkut, foi uma febre.
Todos queriam ser convidados e invejávamos o vizinho que estava lá. Logo o Orkut
foi substituído pelo Facebook, apareceram o Instagram, o WhatsApp, o Twitter, o
Linkedin, o Telegran, o Youtube. Todas essas redes sociais criaram um novo
conceito de status, quanto mais amigos ou seguidores, quanto mais likes e curtidas
um indivíduo tem, mais bem-sucedido ele é. Namoros online, amizades
intercontinentais, videoconferências, são tantas as possibilidades. Mas nós sabemos
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que não é bem assim. Os criadores de conteúdo são comuns. A diferença básica é
que eles escondem seus fracassos do mundo inteiro. A Internet virou uma espécie
de campo das ilusões. Os cliques felizes, seja com a família na viagem dos sonhos,
seja da caneca de café ao lado do livro, escondem uma verdade obscura: a geração
internet é a mais deprimida de todos os tempos. Não há parâmetros comparativos
simplesmente porque ela atinge todas as idades. Dos pequeninos que são
influenciados pelas condutas superficiais de seus pais e youtubers da moda, aos
idosos deixados de lado, ou porque não se interessam ou porque quando se
interessam não entendem a dinâmica. Aliás, para mim o choque não é sermos
forçados a levar todo o nosso modo de vida e socialização, do mercado à farmácia,
para a internet. Choque para mim é ver o quanto as pessoas não sabiam que já
estavam imersas nesse mundo, ignorando o valor do contato caloroso do presencial
pelos números irreais das conquistas virtuais. Olhar o desespero por serem
obrigados a manter um distanciamento social imposto quando já se praticava isso,
por escolha, seria cômico, se não fosse trágico.
Fato é, que em nenhum momento nós vimos ou sequer suspeitamos do
que estava por vir. Mas o coronavírus expôs uma verdade vergonhosa: não somos
reais. Somos uma criação da nossa própria vaidade. E agora que não podemos
mais fingir ou mentir, ficam as perguntas: “Como vou aparecer para o mundo como
eu sou de verdade? E se eu não bastar? ”. Só há um meio de responder essas
perguntas, vivendo, um dia após o outro. Porque o mundo mudou e teremos que
mudar também. O real consolo é saber que isso tudo vai passar. E a única certeza
de que temos agora, devido ao nosso histórico, é saber que vamos sobreviver, que
aprenderemos com nossos erros e que lidaremos com as consequências. Ademais,
espera-se que, em algum momento as coisas melhorem, as angústias se dissipem e
que achemos nosso novo lugar. Se isso vai ser bom ou ruim, não importa muito
agora. Será o que tiver que ser.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORTELLA, Mario Sergio. Mídias sociais favorecem a imbecilidade. DW Brasil,


2017. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/m%C3%ADdias-sociais-
favoreceram-a-imbecilidade/a-41567902. Acesso em 18 de maio de 2020.

CORTELLA, Mario Sergio. Família: urgências e turbulências (eBook). São Paulo:


Cortez, 2017.

CORTELLA, Mario Sergio. Vídeo (1:22 min). Cortella fala sobre relação entre alegria
e redes sociais. Programa Roda Viva, TV Cultura, 2019. Disponível em:
https://www.msn.com/pt-br/noticias/noticias/cortella-fala-sobre-rela
%C3%A7%C3%A3o-entre-alegria-e-redes-sociais/vi-BBY601k.
Acesso em 18 de maio de 2020.

DUCHENE, Sebastian e LEE, Mike. Covid-19 é menos mortal do que se pensava,


mas não é “somente uma gripe”. Revista Galileu, 2020. Disponível em:
https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/covid-19-e-menos-
mortal-do-que-se-pensava-mas-nao-e-so-uma-gripe.html.
Acesso em 18 de maio de 2020.

MAGRANI, Eduardo. A Internet das Coisas (eBook), 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV
Editora, 2018.

RAMOS, Patrícia Edí. Vivendo uma nova era: a tecnologia e o homem, ambos
integrantes de uma sociedade que progride rumo ao desenvolvimento. SEDUC:
Governo do Mato Grosso. Disponível em:
http://www2.seduc.mt.gov.br/-/vivendo-uma-nova-era-a-tecnologia-e-o-homem-
ambos-integrantes-de-uma-sociedade-que-progride-rumo-ao-desenvolvimen-1.
Acesso em 18 de maio de 2020.

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