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2 Inundação da informação
Uma das causas da perda de auto-estima decorre da falta de aventura que tomou
conta da universidade. A instituição, que nasceu para aventurar-se na criação de
um novo saber, caiu na armadilha do saber consolidado. Ainda mais, caiu na
armadilha da falta de recursos e não se aventurou no crescimento e na produção
com a desculpa desta falta.
São comuns as confissões nostálgicas dentro da universidade quanto ao passado de
luta contra a ditadura nos anos 40 e dos anos 60 a 70. Mas não parece haver
consciência de que se tem nostalgia da aventura daqueles tempos. Além disso, não
se entende que a aventura de uma universidade não deve estar limitada às
manifestações da luta política, mas também, e sobretudo, à aventura da construção
do próprio saber.
Muitos professores, depois de conquistarem seus doutorados, se transformam em
bem-comportados burocratas do saber. Os alunos, que antes enfrentavam os
professores, agora enfrentam apenas o tempo de espera para se formarem.
A universidade deixou de ser um local de aventurar-se no saber, no debate, na
dificuldade das provas, na produção de idéias ousadas, na contestação dos
conhecimentos consolidados.
No caso do Brasil, perdeu-se a vontade de se arriscar em temas radicalmente
novos, como os abordados no exterior; ou amarrou-se a produção local às idéias,
sugestões e métodos que vêm do exterior, através dos orientadores estrangeiros
de nossos professores.
Fala-se que a universidade perdeu a qualidade, mas todos esquecem que, muito
mais grave, a universidade burocratizou-se, perdeu o gosto pela aventura.
Se não recuperar o gosto pela aventura, em todos os aspectos, mas sobretudo se
não retomar a aventura de criar novos pensamentos e usá-los para criar um mundo
novo, mais belo e mais eficiente, a universidade não justifica sua existência.
Talvez este seja o grande desafio da universidade nos próximos anos: retomar,
como no seu início, há mil anos, o gosto pela aventura. Com prazer, ser capaz de
resistir heroicamente às ameaças externas e internas e usar o seu tempo para
contestar o pensamento estabelecido e criar novos pensamentos.
BUARQUE, C. A aventura da universidade. São Paulo: Editora da Universidade
Estadual Paulista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 167-168.
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É com esse intuito que, nas páginas seguintes, vamos nos ater à
natureza do conhecimento que prevalece na academia, salientando as suas
características e os modos padronizados de sua produção. Acredito que isso
seja fundamental a fim de que a reflexão didático-pedagógica seja
conduzida de forma adequada, recriando-se num espírito de aventura.
Por outro lado, como você já deve ter lido antes, em outro
módulo, a prática profissional cotidiana, em qualquer área, bem como a
simples experiência de vida ampliam nosso conhecimento acerca do mundo
que nos envolve. Os desafios que enfrentamos, bem como os diversos
problemas que aparecem nas atividades em que estamos envolvidos, fazem
crescer, sim, o conjunto de saberes que temos acerca da realidade
envolvente.
Nossa cultura, por sua vez, configurou-se de tal maneira que foi o
conhecimento científico, esse mesmo conhecimento que se produz e se
compartilha no ambiente acadêmico, que ganhou primazia no reservatório
de saberes que compartilhamos, como ilustra a figura a seguir:
actividades de lazer e dos lugares públicos. Mas tal diversidade é muito recente. Nos
anos 20, dois casamentos em três eram concluídos na sequência de um encontro no
baile, no quadro do trabalho, na vizinhança ou por ocasião de uma visita a um
particular. Cinquenta anos mais tarde, estas quatro circunstâncias representam
apenas um terço dos encontros. O facto marcante é o declínio regular dos encontros
de vizinhança. Era o mais importante modo de encontro dos anos 20: quase
desapareceu nos nossos dias. Na longa duração, a instituição produtiva por
excelência é o baile. O seu contributo para a formação dos casais atinge o seu
máximo histórico nos anos 60 (não menos que um encontro em cinco), para depois
cair para metade. A medida que o baile declina, o seu público é cada vez mais rural.
O êxito matrimonial dos bailes afirmou-se nos campos com o aumento do êxodo rural
e o declínio do interconhecimento. O desenvolvimento considerável dos encontros em
lugares públicos (rua, cidade, bairro, café, centro comercial, hospital, etc.) nos anos
60 traz ao declínio dos encontros entre vizinhos uma compensação mais estável que
o baile. No espaço privado, o encontro proporcionado por um membro ou um amigo
mais velho da família cede o lugar ao serão dançante autogerido pela jovem geração.
Do olhar vigilante da família e da vizinhança, passou-se à intervenção mais maleável
dos grupos de pares. Não se escolhe um lugar qualquer para encontrar o seu
cônjuge. As classes populares descobrem o seu cônjuge nos lugares públicos abertos
a todos: festas públicas, feiras, bailes, rua, cafés, centros comerciais, passeios,
cinema, meios de transporte, etc. As classes superiores, por seu turno, travam
conhecimento com o seu cônjuge nos lugares reservados onde não entra qualquer
um (associação, lugar de trabalho, restaurante, boîte, concerto, etc.), cujo acesso é
regulado por um numerus clausus obtido formalmente, por selecção ou cooptação ou,
de modo igualmente seguro, pelo efeito dissuasor que exercem certas regras de
comportamento próprias da instituição. Por detrás da multiplicidade dos cenários de
encontro patenteia-se uma lógica social da homogamia. A oposição fundamental do
fechado e do aberto tende a segmentar o mercado matrimonial sem que seja preciso
necessariamente ver nisso o efeito de estratégias específicas: uma parte considerável
do trabalho de selecção realiza-se já a montante, através de práticas de
sociabilidade. O "mercado matrimonial" poderia funcionar se tivesse de contar
unicamente com as estratégias dos interessados?
BOUDON, R. (Org.). Dicionário de Sociologia. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1990, p. 32-33.
por meio de encadeamentos entre conceitos. Paulo Freire (1996) fala disso
em Pedagogia da autonomia, quando discute a necessidade de passar da
curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica. Voltaremos a isso nas
aulas seguintes.