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História da

América
PROFESSORA
Dra. Verônica Karina Ipólito

ACESSE AQUI O SEU


LIVRO NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Roney de Carvalho Luiz Núcleo de Educação a Distância. IPÓLITO, Verônica Karina.
Projeto Gráfico e Capa História da América. Verônica Karina Ipólito. Maringá -
André Morais, Arthur Cantareli e PR: Unicesumar, 2022.
Matheus Silva
240 p.
Editoração
ISBN 978-85-459-2323-7
Caroline Casarotto Andujar
Design Educacional “Graduação - EaD”.
Rodrigo Cabrini Dall Ago 1. História 2. América 3. Civilização. 4. EaD. I. Título.
Curadoria
Cléber Rafael Lopes Lisboa CDD - 22 ed. 972

Revisão Textual
Raissa Jesuino
Ilustração
Wellington Vainer Impresso por:
Fotos
Shutterstock Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
02511325
Verônica Karina Ipólito

Lembro-me bem de quando, em uma das aulas de Histó-


ria ministradas por mim, para um 2° ano do Ensino Médio,
gerei alvoroço ao falar sobre a “nau dos insensatos” e em
como a sociedade dita normas e, por vezes, cria mecanis-
mos de exclusão. Para vocês terem uma ideia, durante a
Idade Média, era comum os “dementes”, ou seja, pessoas
consideradas loucas, serem enclausurados na chamada
“nau dos insensatos”, navios sem rumo largados à deriva
em rios e mares, levando consigo pessoas consideradas
loucas. Foi justamente nessas peculiaridades que a dis-
cussão se enveredou para a questão: até onde pode se
considerar algo ou alguém “normal”?
História é assim: discussão, pontos de vista diferentes,
curiosidades e, o que mais amo: estes relatos que nos
fazem ficar em dúvida até que ponto é história ou não.
A paixão movida pelo fato de conhecer realidades dis-
tintas e a ânsia pelo conhecimento com essa pitada literá-
ria me fizeram partir para a formação na área de História.
E fui: primeiro com a graduação – na qual, até teatro ao
som de O Fortuna (da ópera Carmina Burana) retratando
uma procissão em plena peste negra e orando em latim,
me propus a fazer –, mestrado, doutorado e outras espe-
cializações no caminho.
Quer me conhecer melhor? Saber os meus hobbies,
as minhas preferências? Então, leia o QR-Code com o seu
celular para conferir o meu vídeo de apresentação.

http://lattes.cnpq.br/2223597676883158
HISTÓRIA DA AMÉRICA

Quero fazer um convite a você: olhe ao seu redor e me diga, quem construiu a casa, a
universidade, o que utilizamos nesses ambientes? Acertou se a sua resposta foi “seres
humanos”! Analise, ainda, o sistema político que rege a nossa sociedade, o conjunto de
normas e condutas aos quais estamos condicionados a ponto de termos parâmetros
sobre o que é certo ou errado, o que é justo ou injusto. Já parou para pensar que tudo
isso foi estabelecido por pessoas ao longo do tempo?
Analisar a História não é apenas conhecer e compreender os caminhos percorridos
pelos seres humanos no passado. É estudando a História que podemos fazer uma
leitura crítica de nosso presente e compreender como e por que nossa sociedade se
encontra, hoje, formada da maneira que a conhecemos.
Afinal, você já parou para pensar como nossos antepassados chegaram a compor
a sociedade em que vivemos hoje? Por que a maioria das pessoas sonham em ir para
os Estados Unidos tentar uma vida melhor? Com que propósito algumas localidades da
América Latina, principalmente o México, cultuam uma imagem sagrada chamada de
Santa Muerte? Convido você a analisar o espaço onde você mora, a sua cidade, enfim,
toda a estrutura política e social do seu país.
A partir de então, você terá subsídios para compreender o quão diferente é a realida-
de do Brasil, por exemplo, da realidade estadunidense. Você já se perguntou sobre isso?
Experimente comparar essas distintas realidades a fim de compreender que o con-
tinente americano é um cenário de tramas e telas diversas e que, portanto, estudá-lo
nas suas especificidades, é algo desafiador. Assim, começamos nosso trabalho com o
estudo das civilizações pré-colombianas da América portuguesa, hispânica e saxônica.
Este tema permite aprofundar os conhecimentos dos povos nativos das Américas com-
preendendo-os como sujeitos históricos e agentes sociais. O estudo desses povos é
relevante, pois a partir deles é que teremos a base para analisar as próximas unidades.
Na sequência, analisaremos o Período Colonial na América hispânica e saxônica, de
forma a conhecer os conflitos culturais entre nativos e colonizadores, a organização
econômica, política e social. Conduziremos nosso estudo de modo a compreender a
crise do sistema colonial que derivou nos processos de independência da América
espanhola e inglesa. Posteriormente, analisaremos a formação e consolidação dos
Estados Nacionais na América Latina e os fatores que transformaram os Estados Uni-
dos em uma potência industrial em fins do século XIX.
Para tornar o estudo mais interessante, abordaremos a internacionalização da
economia e as transformações sociais nas Américas durante o século XX, objetivando
a compreensão de movimentos revolucionários, regimes de exceção e a influência
estadunidense nas relações continentais. Também será discutido o desenvolvimento
da redemocratização, globalização e do neoliberalismo na América Latina.
Como podemos perceber, estudar a história do nosso continente nos permite nos
conhecer, bem como compreender a realidade dos diversos países que o compõem.
Vimos como conhecer a História da América é fundamental, principalmente a partir
da necessidade de aprendermos a interpretar notícias e dados que são, diariamente,
ofertados a nós, vinculando-os aos interesses de quem os divulgou.
A você, acadêmico(a), serão disponibilizadas, em cada unidade, experiências que
poderão ser realizadas nos ambientes profissionais, de forma a relacionar a teoria com
a prática. Serão oportunizadas ideias sobre atividades envolvendo pesquisas, debates,
desafios, bem como a utilização de meios digitais (construção de mapas mentais, Pa-
dlets, Canva etc.) bem como outras ações que visem a auxiliar você, futuro professor(a)
da disciplina de História, a instigar os seus alunos, bem como desenvolver o espírito
crítico. As sugestões são de temas variados, perpassando, por exemplo, os povos pré-
-colombianos, a conquista da América, a exclusão histórica de indígenas e negros e a
censura e repressão nas ditaduras militares da América Latina. O objetivo é auxiliá-lo
no exercício da docência em História, de forma a instigar os alunos para o debate, o
pensamento crítico e, consequentemente, para o exercício da cidadania.
Ficou curioso(a) em relação às particularidades, contextos e histórias, no plural
mesmo, da América? Convido-o(a) a embarcar nesta jornada que analisará os conteú-
dos que compõem esta área do conhecimento de forma harmoniosa e coerente, ver-
sando sobre os temas de seu interesse e que contribua para a formação e informação
no interior do curso ora em desenvolvimento.
Foi realizado um esforço para trazer conteúdos atualizados, inseridos em debates
historiográficos recentes, discutidos pelos principais professores e pesquisadores da
área, de forma a confeccionar um texto moderno e completo. Então, sem mais delon-
gas, apertem os cintos e vamos, juntos, viajar pela História da América?!
RECURSOS DE
IMERSÃO
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
9 2
63
AS CIVILIZAÇÕES O PERÍODO
PRÉ-COLOMBIANAS COLONIAL
DA AMÉRICA NA AMÉRICA
PORTUGUESA, HISPÂNICA E
HISPÂNICA E SAXÔNICA
SAXÔNICA

3
105 4 145
AMÉRICA FRENTE À A FORMAÇÃO E
CRISE DO SISTEMA CONSOLIDAÇÃO
COLONIAL E OS DOS ESTADOS
MOVIMENTOS DE NACIONAIS
INDEPENDÊNCIA

5
185
SÉCULO XX:
INTERNACIONALIZA-
ÇÃO DA ECONOMIA E
TRANSFORMAÇÕES
SOCIAIS
1
As Civilizações
Pré-Colombianas
da América
Portuguesa,
Hispânica e
Saxônica
Dra. Verônica Karina Ipólito

Na Unidade 1, você conhecerá os modos de vida e as distintas formas


culturais existentes no continente americano. Será detalhada a es-
trutura sociocultural dos povos ameríndios da América portuguesa.
Na sequência, analisaremos as chamadas altas culturas da América
hispânica, assim conhecidas por seu grau de complexidade. Com isso,
será possível compreender a singularidade desses povos, bem como
o conjunto de instituições e valores capazes de diferenciá-los dos
demais grupos ameríndios do continente. Por fim, apreciaremos os
povos pré-colombianos da América saxônica, de maneira a conhecer
suas formas de adaptação a diferentes tipos ambientais, muitas vezes
inóspitos à presença humana.
UNIDADE 1

É muito comum encontrarmos textos, vídeos e outros materiais que fazem refe-
rência à Europa como Velho Mundo ou Velho Continente. Você já se perguntou
como essas expressões surgiram? A explicação está lá no passado, quando, em
1492, Cristóvão Colombo veio à América, um continente até então desconhecido
da população europeia. Sobre esse assunto você, aluno(a), pode assistir ao filme
1492: a Conquista do Paraíso. Este filme retrata vinte anos da vida de Colombo,
perpassando as suas pesquisas que constataram que o mundo era redondo, bem
como a sua luta para conseguir convencer a coroa espanhola a financiar a sua
expedição para a América. Além disso, é retratado o encontro de Colombo e seus
acompanhantes com os nativos do Novo Mundo, sua luta pela colonização, até
encerrar com sua decadência e velhice. É um filme imperdível, vale a pena ver!
Quando os europeus começaram a explorar a região, se depararam com mui-
tas coisas que lhes eram desconhecidas: uma população com hábitos, crenças e
costumes próprios, uma fauna e flora diversificadas, com alimentos, árvores, plan-
tas, flores e bichos dos quais nem sonhavam que existiam. Tudo era muito novo e
surreal para os europeus. Diante do incógnito que se apresentava aos olhos, não
demorou muito para os europeus chamarem a América de Novo Mundo, em
oposição à Europa, que ficou conhecida como Velho Mundo. O encontro entre
dois mundos provocou mudanças significativas para ambos os lados.
Algumas dessas práticas ancestrais sobreviveram ao tempo. Um exemplo foi
o drama maia intitulado Rabinal Achi, datado do século XV, escrito na língua
maia achi e considerado, pela Unesco, Patrimônio Oral e Imaterial da Humani-
dade, em 2005. O Rabinal Achi é o único drama maia completo que sobreviveu
ao tempo. Todo dia 25 de janeiro esse drama é encenado em uma festa na Gua-
temala. Se analisarmos, por exemplo, os povos ancestrais da América, podemos
observar que alguns deles eram politeístas, isto é, cultuavam vários deuses. A fim
de homenagearem as divindades foram erigidos templos, santuários e altares,
nos quais rituais e sacrifícios religiosos eram realizados. Hoje, muitas vezes,
vemos o milho como um cereal nutritivo para a nossa alimentação, no entanto,
para os maias, por exemplo, o milho era considerado um alimento sagrado e,
como tal, cultuado como divindade relacionada à agricultura, com a ideia de
abundância, prosperidade e fonte de vida. Entre os maias, a mitologia traz o
milho como o protagonista da vida humana, pois se acreditava que de suas
sementes teriam gerado a vida.

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UNICESUMAR

E você, caro(a) aluno(a), consegue visualizar a importância do milho para


civilizações ancestrais da América e o quanto essa visão, apesar de interessante,
mudou ao longo do tempo? Desafio você a pesquisar sobre isso e também de que
forma práticas e discursos de povos ancestrais na América mudaram ou mesmo
sobreviveram ao longo do tempo ou, ainda, foram ressignificados.
É curioso notar que, ainda hoje, muitas festas, rituais e hábitos ainda são
realizados em vários locais onde viveram esses povos. Com as informações aqui
apresentadas, desejamos a você, aluno(a), um amplo desenvolvimento e aprimo-
ramento da sua capacidade de indagação e a relação entre passado e presente.
Tais recursos, aqui apresentados, oportunizarão a ampliação do senso crítico, da
valorização dos legados culturais e a percepção das permanências e das mudanças
ocorridas historicamente, além dos contextos políticos, econômicos, culturais e
sociais em que se dão as relações humanas.
Para começar a nossa aventura, incentivo você a registrar, no Diário de Bordo,
as suas impressões e o conhecimento adquirido, até aqui, na nossa conversa.

DIÁRIO DE BORDO

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UNIDADE 1

Figura 1- Tupinambás no Brasil, gravura do século XVI / Fonte: Wikimedia Commons (2006, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma gravura em preto e branco, na qual vemos nativos seminus,
muitos portando apenas adornos (cocais, plumas etc.) típicos pertencentes aos Tupinambás, em um
ritual no qual se encontram em círculo, com o corpo levemente abaixado como se estivessem dançando.
No meio do círculo há três pessoas vestindo mantos e coroas de penas, em contraste aos indígenas que
formam o círculo que se apresentam seminus.

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UNICESUMAR

Você sabia que os grupos indígenas, independentemente da conjuntura, foram


de suma importância para a implantação e manutenção do sistema colonial?
Ainda assim, a sua participação não foi legitimamente considerada pela historio-
grafia que versa sobre a América portuguesa. Na maioria dos casos, prevaleceu
a visão circunscrita da presença dos indígenas e o seu primeiro contato com os
lusitanos e, na medida em que a colonização se tornava uma realidade concreta,
explorou-se a interpretação de indígenas vitimados por guerras, doenças varia-
das, excesso de trabalho e miscigenação com outras categorias sociais. Entretanto,
nas últimas décadas, a influência de conceitos teóricos provenientes, sobretudo
da antropologia, sociologia e etno-história, contribuiu para que os pesquisadores
do assunto abandonassem a ótica, até então predominante, da extinção física e
cultural dos nativos, e adotassem um olhar que compreendesse o indígena como
um agente social e sujeito histórico.
Pelo menos, desde a década de 1970, está em vigor o que se convencionou
chamar de “Nova História Indígena”, responsável por dar protagonismo ao
nativo. Antes disso, era comum a literatura especializada tratar o nativo como
uma vítima passiva ou meras pessoas sem ação diante de tudo que os envolvia.
Chamados simplesmente de “índios”, eram vistos de forma homogênea a despeito
das diferenças culturais e étnicas. Essa mudança de percepção se deve, principal-
mente, a dois fatores: primeiro, em virtude da aproximação entre a História e a
Antropologia. As mudanças teórico-metodológicas apresentadas por ambas, na
década de 1970, permitiram uma maior compreensão da cultura, bem como da
identidade étnica como algo histórico. Com isso, foi dada uma maior importância
às vivências e experiências de pessoas comuns, possibilitando aos pesquisadores
olharem para os indígenas como sujeitos ativos na construção da sua própria
história. O segundo fator que motivou o surgimento da “Nova História Indígena”
é a questão do ser indígena na contemporaneidade. A atuação dos nativos em
movimentos, bem como o seu crescimento demográfico registrado na segunda
metade do século XX, foram pontos importantes para serem notados, refletindo,
por exemplo, na conquista de direitos garantidos na Constituição de 1988. Desse
modo, podemos compreender que o lançamento de outro olhar sobre o passado
indígena se fez a partir de inquietações do presente.

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UNIDADE 1

Figura 2 – Indígenas da Amazônia / Fonte: Pixabay (2012, on-line).

Descrição da Imagem: trata-se de uma fotografia de uma aldeia da Amazônia, na qual é possível ver,
embaixo do teto e do lado de fora de uma oca, três mulheres que trajam saias aparentemente de palhas e
com o torso nu e dois homens com folhagens verde cobrindo os quadris, todos eles apresentam desenhos
simbólicos pelo corpo e adornos diversificados feitos com miçangas, penas e palhas.

Algumas obras que se incluem nessa nova tendência merecem ser destacadas, a
exemplo da obra História dos índios no Brasil, organizada por Manuela Carneiro
da Cunha e publicada em 1992. Tal obra propôs a análise do indígena enquanto
agente histórico, clamando pela inclusão do nativo na historiografia, algo que já
vinha sendo esboçado anteriormente, e que rompeu com a visão tradicional que
via, no indígena, um ser passivo, sobretudo durante os processos de conquista
e colonização empreendidos pelos europeus. Essa coletânea é considerada um
marco e propulsora de novos trabalhos que seguiram essa mesma linha.

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UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: História dos Índios no Brasil


Autor: Manuela Carneiro da Cunha (organizadora)
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: a obra reúne 27 pesquisadores que atuam nas mais distin-
tas áreas, como Antropologia, História, Linguística e Arqueologia. Trata-se de
um esforço para divulgar os mais recentes conhecimentos sobre a história
dos indígenas, com ênfase para a população indígena da Amazônia. Ofere-
ce, ainda, informações vinculadas à presença de povos indígenas no Brasil,
a exemplo das novas teorias relacionadas à origem do homem americano.

Outro trabalho de destaque e que contribuiu para essa renovação no âmbito da


Nova História Indígena foi a obra As Muralhas dos Sertões: os Povos Indígenas
no Rio Branco e a Colonização, escrito por Nádia Farage. A originalidade da obra
se deve ao fato de a autora apresentar que a prática do Diretório, conjunto de leis
que equiparou os indígenas aos súditos portugueses, foi realizada por influência
direta dos indígenas. A transferência de comunidades indígenas na região Norte da
América portuguesa foi estratégica para que esses novos núcleos populacionais for-
massem “muralhas dos sertões” no século XVIII, a fim de se aliarem aos lusitanos e
defenderem os territórios portugueses na disputa que travavam com os holandeses
na região da bacia do Rio Branco, localizada atualmente nos territórios de Rorai-
ma e Guiana. Dessa forma, os portugueses fizeram de seus aliados indígenas uma
fronteira viva. No entanto, essa estratégia dependia da negociação dos portugueses
com lideranças indígenas locais, o que, para Farage (1991), indica o protagonismo
indígena, pois a dinâmica não revelou apenas o que as autoridades lusitanas alme-
javam, mas sim ocorreu ao sabor dos interesses dos próprios indígenas.
Na lista de trabalhos inovadores no âmbito da Nova História Indígena, pode-
ríamos acrescentar outras obras/autores, como: Negros da Terra: Índios e Ban-
deirantes nas Origens de São Paulo (John Manuel Monteiro, 1994); A Heresia
dos Índios: Catolicismo e Rebeldia no Brasil Colonial (Ronaldo Vainfas, 1995);
Metamorfoses Indígenas: Identidade e Cultura nas Aldeias Coloniais do Rio

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UNIDADE 1

de Janeiro (Maria Regina Celestino de Almeida,


2003); Religião como Tradução: Missionários,
Tupi e Tapuia no Brasil Colonial (Cristina Pom-
pa, 2003); Quando os Índios eram Vassalos: Co-
lonização e Relações de Poder no Norte do Bra-
sil na Segunda Metade do Século XVIII (Ângela
Domingues, 2000), dentre outros que seguem essa
abordagem voltada para o protagonismo do indí-
gena e desmistificando a visão tradicional que o
via como passivo.
Em 1500, quando os portugueses chegaram
à América, havia uma imensidão de povos nati-
vos, alguns dos quais testemunharam a vinda dos
lusitanos e estabeleceram os primeiros contatos
com eles. De forma especial, o litoral, de onde
hoje se encontra o Brasil, era ocupado por “povos
semissedentários”, os quais sobreviviam da caça,
da coleta, da pesca e da agricultura. Possuíam
aldeias e campos cultiváveis, algo fundamental
para a sua manutenção. No entanto, os locais de
cultivo não permaneciam os mesmos e as aldeias,
consequentemente, mudavam com frequência de
local. Enquanto os indivíduos inclusos em grupos
sedentários, independente do sexo, dedicavam sua
vida à agricultura, entre os povos semissedentários
havia uma divisão: as mulheres eram as principais
responsáveis pela prática agrícola e os homens,
muito embora também pudessem contribuir na
limpeza da terra, se destacavam como caçadores
e guerreiros. Outras características apontadas por
Stuart B. Schwartz e James Lockhart (2010, p. 75)
dão maiores detalhes da organização desses povos
semissedentários:

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UNICESUMAR


Mesmo no nível da aldeia, o pagamento de tributos e o trabalho
comunitário rotativo não eram conhecidos, nem havia um chefe
forte encarregado de exigir impostos; pode ter havido um líder em
alguns casos, mas ele estava mais preocupado com cerimônias ou
com a guerra. Classes sociais especializadas não costumavam existir,
nem nobres, plebeus ou dependentes, embora alguns povos tives-
sem cativos temporários tomados dos inimigos, nem havia altos
sacerdotes e templos especiais. Embora o senso de etnia fosse forte,
a organização da aldeia era frouxa e instável; não só sua localização
mudava de tempos em tempos como, em muitos casos, as linhagens
individuais constituintes iam e vinham à vontade. As confedera-
ções de aldeias eram efêmeras, para fins defensivos ou ofensivos
específicos. Acima de tudo, não havia uma unidade provincial de
bom tamanho com forte coesão, permanência e identificação com
um território nuclear compacto e específico, ou seja, não havia base
potencial para encomendas no sentido usual. Não só havia pouco
excedente de produção como não existiam mecanismos capazes de
entregar produção e mão de obra a um grupo conquistador, nem
intermediários para canalizá-las.

No caso da América portuguesa, sobretudo no que diz respeito ao litoral do que


atualmente é o Brasil, e onde se iniciou o processo de colonização, estava locali-
zado o grupo cuja língua pertencia ao tronco linguístico tupi-guarani. Alguns
estudiosos acreditam que os tupis-guaranis são oriundos da região amazônica.
Inicialmente, os tupis-guaranis abandonaram as terras onde moravam para se
fixar em direção ao litoral. Esse deslocamento ocorreu em função do aumento
populacional e da escassez da caça. Tal processo provocou a divisão em dois
grandes grupos: os tupis e os guaranis.

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OLHAR CONCEITUAL UNIDADE 1

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UNICESUMAR

19
UNIDADE 1

Quando chegaram à América, os portu-


gueses se depararam com os tupis, ocu-
pando quase que integralmente a imensa
costa brasileira, sobretudo a região com-
preendida entre os atuais estados de São
Paulo e do Ceará, ao passo que os gua-
ranis estavam concentrados ao Sul, nas
regiões aproximadamente onde hoje se
localizam os litorais de São Paulo e Rio
Grande do Sul. Além dos tupis e dos
guaranis, haviam outros povos, dentre
os quais podemos destacar os jê, karib,
pano, tukano e aruák, situados mais no
interior da América portuguesa. Todos
esses povos possuíam costumes e cultura
própria. Por se diferenciarem dos tupis,
foram denominados por eles, generi-
camente, de tapuias. Entretanto, como
você já deve ter notado, o primeiro con-
tato dos portugueses ocorreu com povos
que residiam no litoral.
Você já deve ter notado que os habi-
tantes do que se designou como América
portuguesa formavam uma população
heterogênea, que variava entre 3 e 5
milhões de pessoas, distribuídas entre
múltiplos povos, tais como: tupi, guara-
ni, jê, aruak, karib, pano, tukano, char-
rua, dentre outros, conforme podemos
conferir na Figura 3. Apesar de muitas
vezes estarem localizados próximos uns
dos outros, tais povos falavam línguas
diferentes e possuíam hábitos distintos.

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UNICESUMAR

Figura 3 – Mapa de distribuição aproximada dos povos indígenas à época da chegada dos europeus
Fonte: PUCRS (2021, on-line).

Descrição da Imagem: mapa do Brasil onde estão apresentados, em diversas cores, os povos indígenas
do Brasil. Dentre os povos contemplados no mapa estão os tupi-guarani, os jê, aruak, karib, pano, tukano,
charrua e outros grupos.

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UNIDADE 1

Os Tupis acreditavam que os povos que não falavam a sua língua (os tapuias) eram
considerados “bárbaros”. Entre eles, era nutrida a percepção de que possuíam uma
cultura superior aos demais povos. A ideia de um cosmos dividido entre “nós” e
os “outros” estava relacionada ao espírito de guerra, pois os tupis consideravam
os tapuias seus inimigos congênitos. O conflito era algo relativamente natural
para os tupis, tanto que era comum haver desentendimentos entre os membros
da mesma aldeia. Não raro, muitos desses se aliavam em torno de um objetivo
comum, mas, tempos depois, se desuniram e, em alguns casos, lutavam entre si.
As guerras tupis estavam relacionadas a sentimentos como vingança e hon-
ra, não havendo registros de sua manutenção, estritamente por bens materiais.
Depois de capturados, os inimigos eram, geralmente, mortos, esquartejados e
devorados pelos guerreiros. Tal ritual antropofágico era necessário na sua cultura,
pois acreditavam que a intrepidez e bravura do devorado seriam incorporadas
a quem o consumiu.
Dentre os tupis, a família era o centro da vida tribal e as atividades esta-
vam, geralmente, articuladas de acordo com o sexo e laços de parentesco. Desse
modo, os homens de uma mesma família caçavam, pescavam, guerreavam contra
os inimigos e construíam moradias. Às mulheres competia o cultivo da terra, a
preparação dos alimentos, a confecção de utensílios de cerâmica, bem como o
cuidado com as crianças. A produção era de subsistência, sendo dividida para os
membros da aldeia de acordo com as suas necessidades.
As aldeias tupis, conhecidas como tabas, estavam estruturadas de forma a
proteger seus moradores em caso de guerra. Habitualmente eram cercadas por
troncos de árvores e construídas de forma circular, disposição que oferecia maior
segurança a seus membros. As ocas, edificadas por fibras vegetais e apoiadas por
uma armação em madeira, possuíam o chão de terra batido, além de abrigarem
dezenas de pessoas. Seu formato variava muito segundo a tradição e cultura de
um povo. Os tupis, por exemplo, construíam suas ocas em formato cilíndrico.
Em cada uma dessas ocas, havia um líder (principal), os quais se reuniam pe-
riodicamente para tomar decisões conjuntas sobre assuntos pertinentes à aldeia.
Por mais que cada taba tivesse um chefe (morubixaba), podemos dizer que não
havia um poder centralizado, pois os principais (líderes das ocas) se reuniam
para discutir assuntos importantes das aldeias. Para se tornar um morubixaba,
o aspirante à função deveria ser forte, provar valentia e ser fisicamente robusto.

22
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Morubixaba vem do tupi-guarani e significa “grande líder”, ou seja, aquele que exerce a
liderança “política” em uma taba (aldeia tupi).

Figura 4 – Antropofagia no Brasil Segundo a Descrição de Hans Staden, gravura de Théodore de Bry
Fonte: Wikimedia Commons (2011, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma pintura, na qual é possível ver homens e mulheres nativos (nus
e seminus) devorando partes do corpo humano, como braços, pernas e costelas. Há uma fogueira no
centro da imagem, na qual as partes de corpos humanos estão sendo assadas. Atrás das pessoas que
estão devorando partes dos corpos aparece um homem, também nu, com a tonalidade de pele branca,
aparentemente assustado com o que vê.

23
UNIDADE 1

PENSANDO JUNTOS

Os tupis quase sempre se deslocavam em busca de locais que fornecessem caça e pesca
em abundância, além de condições propícias para a prática da agricultura. Entretanto,
também estavam à procura da tão sonhada “terra sem mal”, lugar ausente de sofrimento
e onde os guerreiros que demonstraram bravura seriam automaticamente transportados
após a morte.
Fonte: a autora.

Os europeus souberam da existência desses povos, bem como a forma como vi-
viam, por meio de relatos do século XVI. Missionários, náufragos e viajantes, os
quais tiveram contato com as aldeias litorâneas, sobretudo os tupis, registraram
os traços culturais de forma generalizada, fator que contribuiu para que durante
muito tempo os indígenas fossem considerados todos semelhantes. Entretanto,
sabemos, atualmente, que os povos nativos não poderiam ser configurados como
homogêneos, muito embora compartilhassem várias características entre si.
Residentes em locais hostis
por conta de densas florestas, os
indígenas possuíam o conheci-
mento e domínio da natureza. Não
era rara a utilização de várias plan-
tas para a cura de determinadas
doenças bem como o uso de algu-
mas espécies que tinham o poder
de envenenamento. Era comum a
aplicação dessas plantas nos rios
com o objetivo de intoxicar o pei-
xe e facilitar a sua captura. Alguns
venenos também eram usados na
caça, a exemplo do curare, o qual
era colocado na ponta da flecha e
poderia paralisar e matar por as-
fixia o animal ferido.

24
UNICESUMAR

Figura 5 – Strychnos toxifera, planta da qual se extrai o curare


Fonte: Wikimedia Commons (2007, on-line).

Descrição da Imagem: a figura ilustra uma planta com galhos compostos de folhas e flores da planta
Strychnos toxifera em tons verdes. As folhas são em formato oval nas cores verde e as flores são formadas
por cachos, cada qual com um tubo fino e na cor branca.

25
UNIDADE 1

No âmbito artístico, os diferentes povos indígenas da


América portuguesa confeccionavam, em geral, objetos
de uso cotidiano (como potes e urnas) e enfeites para
acompanhar os rituais (pinturas e plumas etc.). Nas
aldeias, era comum a fabricação de esteiras, redes
e cestos dos mais variados formatos.
Algumas cores, como o preto do pó de car-
vão, o vermelho do urucum, azul-escuro do
jenipapo e o branco do calcário eram uti-
lizadas nas pinturas corporais. As pin-
turas estavam, geralmente, associadas
ao papel social do indivíduo ou ao
ritual a ser praticado. Os desenhos
possuíam formas geométricas,
as quais também eram utiliza-
das em peças de cerâmica.
O conhecimento indí-
gena, bem como a sua fami-
liaridade com a natureza, foram
inclusos na cultura que formou a
difusão portuguesa na América,
principalmente nas primeiras décadas
da colonização.
No que tange às civilizações pré-co-
lombianas da América espanhola, deve-
mos reconhecer a rica variedade de povos,
bem como seus modos distintos de convivência:
costumes, línguas, economias, meio ambiente e sis-
temas sociopolíticos. Entretanto, devemos suprimir
a nossa análise ao momento do contato com os espa-
nhóis de forma a compreender como alguns elementos
que marcaram o encontro entre espanhóis e ameríndios
tiveram desdobramentos em acontecimentos futuros.

26
UNICESUMAR

Certamente, você já ouviu falar das civilizações pré-colombianas, também refe-


renciadas como altas culturas americanas. Dentre essas, as que mais apre-
sentaram uma organização socioeconômica e política invejável foram os incas
e astecas, a ponto de alguns autores, a exemplo de Stuart B. Schwartz e James
Lockhart (2010, p. 59), denominarem essas estruturas de “povos imperiais”. Tal
designação se deve ao fato de que essas civilizações não se caracterizaram so-
mente por sua vida sedentária, mas também por se organizarem em meio a um
conjunto de instituições cujas regras e valores próprios eram indeléveis. Criaram
um rígido sistema tributário e se alimentaram dele, além de suas fronteiras serem
bem delimitadas, fatores que os diferenciavam dos demais povos que se fixaram
na América antes da chegada dos espanhóis.

EXPLORANDO IDEIAS

Altas culturas pré-colombianas: os pesquisadores, de uma forma geral, utilizam esse


termo para se referirem às civilizações americanas localizadas no México atual, na região
Norte da América Central e na faixa que vai da Colômbia até o Chile, acompanhando o
litoral do Oceano Pacífico. Em síntese, tais regiões abarcam o que denominamos, respec-
tivamente de confederação asteca, cidades-estados maias e o império inca. É importante
salientar que o termo “alta” se refere ao grau de complexidade que adquiriram esses gru-
pos, pois, em linhas gerais, já possuíam uma estrutura mais complexa, como um sistema
de cobranças de impostos, sociedade hierarquizada, cargos bem definidos e um sistema
econômico marcado pela sedentarização.

Os astecas ocupavam a região da Mesoamérica entre os séculos XIV e XVI e


se constituíram em uma importante civilização guerreira que consolidou o seu
poderio mediante a submissão de diversos povos confederados vizinhos. No
século XIV, fundaram Tenochtitlán, atual Cidade do México (capital do México),
em uma área pantanosa, próxima ao lago Texcoco.
Desde princípios do século XV, a área do México Central apresentava-se
reunida por uma confederação de cidades-estados. Entre elas, destacava-se Te-
nochtitlán, território pertencente aos astecas, povo de língua nahuatl. Os astecas,

27
UNIDADE 1

também conhecidos como mexicas, estabeleceram a hegemonia na região por


volta de 1425, momento em que submeteram a cidade de Atzcapotzalco sob o seu
domínio. A rígida hierarquização social entre os astecas é uma herança prove-
niente dos séculos I a VIII, período em que a região era controlada por Teotihua-
cán, outra cidade-estado e berço das grandes civilizações que se desenvolveram
no México pré-colombiano.
De forma geral, pode-se dizer que “o tributo é o elemento central para a
compreensão do império asteca, bem como o sustentáculo de todo o aparato
socioeconômico empregado na Mesoamérica” (BARTRA, 1975, p. 214). Em cada
uma das cidades-estados havia uma elite composta por burocratas, sacerdotes e
guerreiros, os quais sobreviviam em função do sobretrabalho aldeão. Conforme
Vainfas (1984, p. 24), “a civilização asteca organizou-se por meio de uma rede de
cidades-estados dominadas por Tenochtitlán”. Para essa última, eram canalizados
os impostos cobrados de camponeses e demais contribuições de outras cidades
que estavam sob o seu poder. Em consonância com Schwartz e Lockhart (2010),
havia um sistema de trabalho rotativo denominado de coatequitl (veremos que,
entre os incas, havia uma prática similar chamada de mita). Essa obrigação “pas-
sava de distrito a distrito e de aldeia a aldeia, e os plebeus trabalhavam em suas
unidades familiares sob a supervisão conjunta de seus próprios líderes e dos
homens do governo” (SCHWART; LOCKHART, 2010, p. 61).
A região do México Central era uma das mais povoadas da América pré-co-
lombiana. Por meio da análise de fontes diversificadas, sobretudo de listagens
relacionadas às cobranças de tributo, é possível estimar que a concentração de-
mográfica dessa região fosse de 25 milhões de pessoas em 1519, momento em que
o conquistador espanhol Hernán Cortez organizou a primeira expedição rumo a
essa área. De forma significativa, Tenochtitlán concentrava 300 mil habitantes nes-
se mesmo ano, se configurando como uma cidade maior do que muitas da Europa.
Incas e astecas estavam representados não somente por governantes como
também por uma nobreza, a qual pode ser definida como uma linhagem em
que seus membros estavam acima da plebe. Dentre seus privilégios, podemos
destacar a vestimenta diferenciada, os deveres mais amenos, o desfrute de altos
cargos governamentais e religiosos, bem como o controle de terras e seguidores.
No caso específico do México pré-colombiano, onde o centro sociopolítico
estava concentrado em Tenochtitlán, havia uma monarquia eletiva liderada por
um soberano (Tlatoani) proveniente dos mais destacados guerreiros de origem

28
UNICESUMAR

asteca. O Tlatoani era auxiliado por um conselho tribal, denominado de Tlatocán,


o qual era composto por chefes das aldeias e que formava a base para a escolha
e sucessão do soberano. A partir do século XV, com o crescimento da influência
de Tenochtitlán, o Tlatoacán foi paulatinamente deixado para segundo plano.
A burocracia de Estado que cingia, ou seja, que rodeava o imperador, sofreu um
aumento significativo nesse momento e assumiu as funções de assessoria até en-
tão designadas ao Tlatocán. De acordo com Vainfas (1984, p. 25), “tal processo
estimulou o afastamento entre os dirigentes e a população aldeã”.
Uma das fontes para compreender as divisões sociais da sociedade asteca
é a obra Historia General de las Cosas de Nueva España, escrita pelo frei Ber-
nadino de Sahagún. Nela, o clérigo afirma que os membros da nobreza estavam
dispensados de trabalho, além de exibirem distintivos e vestuários que indica-
vam a sua posição social. Estavam incluídos nesse
grupo os cobradores de impostos, os che-
fes administrativos, os sacerdotes do
Sol e da chuva, além de algumas
agremiações militares de elite,
como os guerreiros jaguar e
guerreiros águia.

Figura 6 – Guerreiro jaguar as-


teca / Fonte: Wikimedia Com-
mons (2010, on-line).

Descrição da Imagem:
ilustração colorida de um
homem guerreiro trajan-
do a vestimenta de um
jaguar. Ele está de perfil,
voltado para a esquerda.
Traz, ainda, em sua cabe-
ça, uma coroa com plumas
e com um escudo em sua
mão direita, enquanto, na
mão esquerda, ostenta
uma espada de obsidiana,
uma espécie de rocha.

29
UNIDADE 1

Figura 7 – Totem de um guerreiro águia


Fonte: Wikimedia Commons (2007, on-line).

Descrição da Imagem: a figura ilustra


um desenho de uma cabeça de águia re-
vestida com plumas douradas. A cabeça
da águia está voltada para a esquerda,
o bico dela está aberto e é possível ver
a sua língua.

PENSANDO JUNTOS

Ficou curioso a respeito de Bernadino de Sahagún? Saiba que ele era pertencente à or-
dem dos franciscanos, chegou à região asteca em 1529 e permaneceu na América até
falecer, no ano de 1590. Sahagún escreveu um manual no qual pretendia descrever o
universo cultural pré-hispânico na Mesoamérica, no intuito de que os demais missioná-
rios pudessem investigar a permanência de resquícios da antiga religião, podendo pregar
contra ela, quando fosse necessário.

Em sua Breve y Sumaria Relación de los Señores y Maneras y Diferencias que


Había de Ellos em la Nueva España (1993), Alonso de Zurita, advogado e escri-
tor que se destacou pelas crônicas que produziu sobre o Novo Mundo, explica

30
UNICESUMAR

que a elite asteca era sustentada pelos camponeses que trabalhavam em certas
propriedades diante dos olhos fiscalizadores do império. Eram terras do palácio,
do templo, da guerra e do próprio soberano. Havia casos em que o imperador
concedia terras, em caráter vitalício ou hereditário, a funcionários ou guerrei-
ros que se destacavam em suas funções. Nos casos de concessões hereditárias, o
trabalho era, geralmente, executado por camponeses que não possuíam direito
à terra de subsistência, denominados de mayeques. Entretanto, em épocas de
carestia, o império realizava a redistribuição de alimentos excedentes às popu-
lações camponesas.
Havia, ainda, os camponeses (macehualtin) que estavam organizados em
comunidades conhecidas como calpullis. Considerado por alguns autores (CAR-
DOSO, 1981; VAINFAS, 1984; SCHWARTZ; LOCKHART, 2010) como a unidade
social básica dos astecas, o calpulli pode ser definido como um território compar-
tilhado com direitos comuns sobre a terra, além de contar com uma organização
administrativa, militar, judiciária e fiscal própria. Em cada calpulli havia um chefe
(calpullec), normalmente eleito pelos membros da comunidade, mas que nutria
estreitos laços com o soberano asteca.
O calpulli era formado por terras repartidas entre as famílias para o usufru-
to hereditário. Tais propriedades eram coletivas e utilizadas para a subsistência
aldeã. Nelas, cultivavam os mais diversos produtos alimentícios, como o milho,
o feijão e legumes. Entre as técnicas rudimentares de cultivo desses alimentos,
estão a coivara, a irrigação por canais e as ilhas flutuantes (chinampas), as quais
eram muito comuns no lago Texcoco. Além de darem conta de suas funções, os
camponeses deveriam trabalhar nas terras do Estado e executar serviços públicos,
como o recrutamento militar (cuatéquil) realizado periodicamente.

31
UNIDADE 1

A sociedade asteca dos primeiros anos do século XVI não se reduzia a uma divisão
entre camponeses e burocratas. No circuito das elites governantes, havia privilégios
significativos, enquanto, entre os camponeses, surgiam novas categorias sociais,
contribuindo para tornar ainda mais complexa a compreensão dos desníveis carac-
terísticos dos trabalhadores dessa natureza. Como já demonstrado anteriormente,
os mayeques se distinguiam dos demais camponeses por não possuírem terras e,
para sobreviver, deveriam trabalhar nas propriedades dos burocratas astecas. Em
Tenochtitlán, havia ainda os trabalhadores urbanos vinculados quase sempre a tra-
balhos artesanais, como tecelões, oleiros e ourives. Como se tratava de uma função
exercida no interior da cidade, esses trabalhadores estavam, geralmente, desvincu-
lados de suas comunidades de origem e se organizavam em corporações.

Na configuração social asteca, os escravos (tlacoili) eram utilizados como ser-


vos de altos funcionários e eram tratados como criados, não sendo incumbida
a missão de lavorar nas propriedades agrícolas. Uma sociedade multifacetada e
uma hierarquia rígida. Essas eram as características sociais dos astecas às vésperas
da conquista hispânica. A presença espanhola não apenas causou forte impacto
na estrutura social dos mesoamericanos como aproveitou essa estrutura para
estabelecer as bases do processo colonizador, um assunto que trataremos adiante.

Você já ouviu falar em códices? Sabia que eles são fontes


primárias para conhecermos algumas civilizações pré-co-
lombianas, a exemplo dos Astecas? Ficou curioso(a)? Então,
não deixe de ver a nossa pílula de aprendizagem, que está
superespecial!

32
UNICESUMAR

No âmbito religioso, os astecas adoravam vários deuses oriundos de tradições


mesoamericanas ancestrais, veneravam as forças naturais e dos astros, além de
praticarem cultos familiares. Acreditavam que a origem do universo se baseava
em um casal proveniente de uma força sobrenatural, sendo ambos os respon-
sáveis pela criação de todos os seres vivos e inclusive dos deuses. Esses, por sua
vez, teriam realizado uma de suas mais importantes atitudes ao terem criado o
Sol, o qual, conforme reza a lenda, foi formado por uma casualidade dos deuses.
Nanauatzin, um deles, teria se lançado em uma fogueira durante uma reunião de
divindades realizada em Teotihuacán, ação que lhe rendeu a sua transformação
em Sol. Criou-se a ideia de que tal astro deveria se alimentar de sangue a fim de
manter o seu fluxo contínuo. Diante dessa concepção, os próprios deuses teriam
se sacrificado e ofertado o seu coração ao astro recém-nascido. A partir desse
mito, “os astecas acreditavam na necessidade de uma oferta sequencial de sacri-
fícios envolvendo sangue” (VAINFAS, 1984, p. 27).

Figura 8 – Pirâmide do Sol Asteca vista ao fundo / Fonte: Pixabay (2016, on-line).

Descrição da Imagem: fotografia na qual se vê um templo asteca maior no formato de pirâmide. Em seu
redor, é possível ver templos no mesmo formato, mas em tamanhos menores com escadas. Ao fundo,
podemos observar montes com vegetação e o céu azul com poucas nuvens.

33
UNIDADE 1

No panteão asteca, se destacava Huitzilopochtli, o deus Sol, também consi-


derado a divindade dos guerreiros. Para estender seu manto protetor sobre
a agricultura e, sequencialmente, sobre a fertilidade e os camponeses, os as-
tecas renderam culto a Tláloc, o deus da chuva. Havia, ainda, o culto a Quet-
zalcóatl, serpente emplumada dos toltecas,
povo ancestral dos astecas. Essa di-
vindade era considerada o “he-
rói civilizador”, a quem se
atribuíam os costumes,
a arte e a criação do
calendário. Os aste-
cas acreditavam no
mito de que Quet-
zalcóatl retornaria
pelo Oeste e traria
o fim dos tempos
e o encerramento
do império do Sol.
Tal lenda coinci-
diu com a vinda
dos conquistado-
res, os quais vieram
pelo Oeste, fator que,
como veremos adiante,
acelerou as instabilidades
da civilização asteca e pro-
vocou o seu declínio.

Figura 9 – Quetzalcóatl / Fonte: Wikimedia Commons (2011, on-line).

Descrição da Imagem: ilustração colorida em que vemos a figura de um deus asteca com aparência
humana, mas que, na região dos olhos, possui mãos e está segurando uma serpente. A figura está de
perfil voltado para à direita, levemente abaixada e traz vários adornos, nas cores vermelha, azul e amarela,
muitos dos quais feitos de plumas.

34
UNICESUMAR

Diferente dos astecas que estavam concentrados na Me-


soamérica, os incas localizavam-se na região andina
e, embora não dispomos de estudos confiáveis sobre a
concentração demográfica em seu império, é possível, de
acordo com Vainfas (1984, p. 28), que a população estives-
se estimada nos “20 milhões de habitantes, dispersa pelas
regiões que hoje compreendem o Equador, Bolívia, Peru,
Sul da Colômbia, parte do Chile e da Argentina”. Em 1530,
essas áreas estavam dominadas pelo Tahuantinsuyo, de-
nominação também utilizada para se referir ao império
inca, um dos mais centralizados da América hispânica.
Os incas falavam a língua quíchua e se expandiram
significativamente por volta de 1438, portanto, antes da
conquista espanhola, ocorrida na transição dos séculos
XV ao XVI. Apesar disso, os incas não apresentavam
uma organização urbana e estatal de base sólida, como
pudemos observar com os astecas na Mesoamérica. Tais
condições facilitaram a unificação, promovida por Cusco
(ou Cuzco), a qual se destacou pela absorção de reinos,
como o Tiahuanaco, Huari e Chimus. Entretanto, é ine-
gável que a ampliação territorial, bem como a significativa
centralização política e administrativa, rendeu ao império
incaico uma singularidade especial na história andina.
O representante supremo e também responsável pelo
governo do império era o Inca. De acordo com a tradi-
ção, o Inca era o governante máximo das quatro regiões
do império, denominadas suyos, além de ser considerado
o filho do Sol. Normalmente, as alianças políticas eram
construídas por meio do casamento de soberanos incas
com filhas de confederações vizinhas (FAVRE, 1987).
Apesar disso, a sucessão do poder entre os incas não es-
tava bem determinada. Por isso, eram comuns as disputas
entre os supostos herdeiros dos tronos (filhos, irmãos,
sobrinhos etc.).

35
UNIDADE 1

Figura 10- Manco Cápac, o primeiro inca. Óleo sobre tela, provavelmente do século XVIII
Fonte: Wikimedia Commons (2010, on-line).

Descrição da Imagem: pintura em que vemos uma figura humana que está de perfil voltado para a direita
e veste um manto predominantemente preto e com listras amarelas e vermelhas na gola e nas mangas,
além de possuir um adorno dourado na cabeça no qual há, na parte central, a imagem esculpida de um
animal que se assemelha a um boi. Na lateral direita desse adorno, visível na imagem uma vez que a figura
humana está de perfil, há um tapa-ouvido esculpido em formato espiral e cujo tamanho toma conta das
orelha direita. A figura humana está segurando, com a mão direita, o que parece ser uma tocha e, com
a mão esquerda, um pombo. Atrás dele há um animal similar a um cão. Essas imagens estão dentro de
um círculo, no qual, na parte superior, é possível observar a seguinte escrita: “Aiarmanoo Capac Primer
Rey Del Cuzco”.

36
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: 1492: a Conquista do Paraíso


Ano: 1992
Sinopse: o filme retrata vinte anos da vida de Colombo, perpassando
as suas pesquisas que constataram que o mundo era redondo bem
como a sua luta para conseguir convencer a Coroa Espanhola a financiar a
sua expedição para a América. Além disso, é retratado o encontro de Co-
lombo e seus acompanhantes com os nativos do Novo Mundo, sua luta pela
colonização, até encerrar com sua decadência e velhice.

O império Inca (Tahuantinsuyo) estava subdividido em quatro regiões, quais


sejam: Chinchaysuyo (terra do norte), Antisuyo (terra do leste), Contisuyo (terra
do oeste), Collasuyu (terra do Sol), como podemos observar no mapa a seguir.

Figura 11- Mapa das quatro regiões


do Tahuantinsuyo (Império Inca)
Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: mapa


da América do Sul indicando,
em diferentes cores, as regiões
que compunham as quatro
regiões do Império Inca. A re-
gião do Império Inca chamada
Chinchaysuio engloba partes
dos atuais países da Colôm-
bia, Equador e Peru. A região
denominada Antisuyo cor-
responde a partes dos atuais
TAHUANTINSUYO países da Colômbia, Equador,

Chinchaysuyo Peru e Bolívia. A região de


Antisuyo nome Contisuyo abarca parte
Contisuyo do atual Peru. Por fim, a região
Collasuyo denominada Collasuyo englo-
ba países como o Peru, Bolívia,
Chile e Argentina.

37
UNIDADE 1

Segundo alguns pesquisadores (VAINFAS, 1984; FAVRE, 1987), essas regiões


eram governadas por parentes próximos ao Inca, os quais residiam em Cusco.
A expansão de cada uma dessas regiões dependia da quantidade de reinos ou
confederações anexadas. Tais territórios tinham como base da administração
os ayllus, os quais podem, de forma geral, ser definidos como aldeias campo-
nesas compostas por famílias ligadas por laços de parentesco e gerenciadas
pelos Kuracas. Em consonância com Schwartz e Lockhart (2010, p. 60), essas
comunidades eram consideradas entre os incas como o “microcosmo da vida
social”, ou seja, a representação de uma unidade local mínima que nos permite
falar em sedentarização do povo incaico.
Tal organização foi de suma importância no momento da conquista espanho-
la. A distribuição de vários ayllus, e a forma como estavam dispostos em aldeias
locais em um imenso império facilitou a manutenção da integridade territorial
mesmo após a conquista. Os hispânicos fizeram uso da estrutura do ayllu pelo
fato deste manter a unidade e se apropriaram de sua composição para implantar
os dispositivos que permitiram a concentração da influência e presença europeia.
As diferenças sociais do império podem ser mais bem compreendidas por
meio da obra Comentarios Reales acerca de los Incas, escrita pelo cronista Gar-
cilaso de la Vega e publicada em 1609. As funções próximas ao Inca, como os
burocratas, sacerdotes e guerreiros especiais, eram sustentadas pelo sobretraba-
lho aldeão e formavam o topo da hierarquia. Durante o século XV, os Kuracas
(governantes dos ayllus) tiveram um reconhecimento diferenciado dos demais
aldeões e foram realocados para o grupo dos dirigentes do império (kapa). A
partir desse momento, foi atribuída aos Kuracas a função de administradores do
Inca na esfera local e regional. Semelhante aos astecas, essa camada social não
estava baseada na propriedade privada. Suas benesses, enquanto uma categoria
prestigiada socialmente, eram oriundas da coerção militar que intermediava: o
império concedia proteção aos aldeões e, em troca, realizava a redistribuição de
excedentes agrícolas em momentos de escassez de alimentos.

38
UNICESUMAR

PENSANDO JUNTOS

Garcilaso de la Vega era um escritor de origem inca. Nasceu em 1539, na região do atual
Peru e faleceu na Espanha, em 1616. Era filho do conquistador espanhol Sebastián Gar-
cilaso de la Vega e da princesa inca Chimpo Ocllo, por isso recebeu a alcunha de “O Inca”.
No século XVII, lançou um projeto historiográfico ambicioso que se baseava no passado
americano, sobretudo na região andina. Entre os seus trabalhos mais relevantes está Co-
mentarios Reales acerca de los Incas, cuja primeira parte foi publicada em Lisboa, no ano
de 1609, e a segunda, definida como História Geral do Peru, foi publicada postumamente
na Espanha (1617).
Fonte: a autora.

A sustentação social do império era formada pelos ayllus. Considerada a organiza-


ção comunitária aldeã nos Andes, os ayllus eram formados por meio da distribuição
periódica de terras entre as famílias. Essa repartição era organizada pelo kuraca, o
qual concedia áreas para o plantio de culturas de subsistência, bem como terras
para o uso comum. Na produção, destacavam-se principalmente o milho e a batata,
dentre outras variedades de tubérculos. Mesmo utilizando técnicas rudimentares
no trato com a terra e com a presença de terrenos montanhosos, que dificultavam
ainda mais a prática agrícola, os incas desenvolveram habilidades para o cultivo de
produtos agrícolas em terrenos extremamente inclinados. Uma dessas práticas foi
a implantação de canais de irrigação, construídos por meio da colaboração aldeã.

No pastoreio, os incas se destacaram na criação da lhama, importante meio de


transporte, além de abastecer a população andina com sua carne, couro e lã. Os
camponeses trabalhavam nas terras que lhe foram distribuídas e, além disso,
deveriam fornecer sua mão de obra ao Estado, seja prestando serviços nas terras
pertencentes aos chefes reais ou aos Incas, bem como contribuindo com a cons-
trução de obras de uso coletivo. A essa oferta de serviços periódicos dava-se o

39
UNIDADE 1

nome de mita. Conforme ressaltou Ciro F. Cardoso (1981), a vida agrícola dos
incas estava fundamentada na ajuda mútua, não havendo outras formas de pa-
gamentos de impostos in natura além do trabalho.
O kuraka concentrava mais riqueza do que qualquer outro integrante do ayl-
lu por meio desses trabalhos forçados (mita). Em períodos de apuros, ele deveria
fazer uma repartição de seus bens. No entanto, essa redistribuição era limitada,
fator que confirmava a existência de um fosso social entre os homens comuns
daqueles poderosos ou que ocupavam uma posição de destaque.
Em consonância com Vainfas (1984), apesar de sua divisão em quatro grandes
províncias (Chinchaysuyo, Antisuyo, Contisuyo, Collasuyu), os incas consoli-
daram um império integrado e coerente, características as quais os astecas não
conseguiram implementar. Construíram um sistema de estradas que unia todo
o território (VAINFAS, 1984). Havia o fornecimento de alguns serviços públi-
cos, como correios, depósitos de alimentos e armas. Implantaram um sistema
de contabilidade registrado pelos quipos (cálculos com nós feitos em cordas),
por meio do qual controlavam o pagamento de tributos e a população de cada
aldeia. No âmbito governamental, contavam com a chefia do Inca, filho do Sol
e símbolo máximo da burocracia
imperial, mas essa era dependente
da burocracia local, representada
pelos Kurakas regionais ou das al-
deias (CARDOSO, 1981).
Figura 12- Gravura do século XVI retratan-
do um chasqui, mensageiro inca, com qui-
pos na mão esquerda
Fonte: Wikimedia Commons (2021, on-line).

Descrição da Imagem: ilustração colo-


rida na qual se vê um homem trajando
uma bata em tom vermelho escuro e
com uma trouxa amarrada em seu cor-
po na cor vermelha mais clara. Ele está
com o corpo voltado para a direita, com
uma perna um pouco atrás à esquerda
e a outra mais à frente à direita. O ho-
mem tem uma espécie de chapéu na
cabeça e aparece andando com uma es-
pécie de flauta na boca segurada pela
mão direita e quipos na mão esquerda.

40
UNICESUMAR

É importante enfatizar que os incas não se limitaram a cobrar o sobretrabalho do


aldeão. Investiram no aplainamento de terrenos inclinados, típicos das regiões
montanhosas, contribuindo para a ampliação da área cultivável bem como para
a divulgação de certos produtos alimentícios em áreas onde eram pouco conhe-
cidos, a exemplo do milho nas regiões mais altas e da batata na costa peruana.
Esse sistema agrícola funcionava por meio da mitmaq, ou seja, da mudança de
aldeias inteiras de uma região para a outra, muito embora alguns autores defen-
dam que essa transmigração “ocorria como punição para as comunidades aldeãs
que resistissem ao poder do Inca” (VAINFAS, 1984, p. 30).
Ao que parece, na região andina, o objetivo era que cada ayllu tivesse um
conjunto de terras distribuídas em diversos microclimas. Em algumas áreas dos
Andes, as variações de altitudes possibilitavam a existência de áreas diferentes,
mas próximas umas das outras, cada qual com um clima propício para o cultivo
de determinados alimentos necessários para a subsistência da civilização incaica.
Como nos diz Schwartz e Lockhart (2010, p. 70), um grupo se fixava em
terras baixas, próximas ao Pacífico, “para plantar algodão, terras de altitude me-
diana para o milho, terras ainda mais altas para batatas e produtos semelhantes,
planaltos desolados para criar lhamas e alpacas e a terra úmida de encosta dos
Andes para plantar coca”. Tal sistema de integração configurou-se no que John V.
Murra (1978) denominou de “andares ecológicos” e fazia parte da tradição andina
de rotatividade e colonização. Mesmo com a sedentarização dos povos andinos e
com a confirmação de sua territorialidade, as migrações não deixaram de ser uma
prática usual diante do enorme desafio ambiental que assumiram e da aplicação
de práticas agrícolas em áreas tão íngremes.
Segundo Vainfas (1984, p. 30-31), “em princípios do século XVI, às vésperas
da conquista espanhola, a composição da sociedade incaica se tornou ainda mais
complexa”. Isso porque surgiram grupos ligados por relações pessoais de servi-
dão, nos quais se incluíam indivíduos desligados das relações entre a burocracia
incaica (Kuraka, Inca etc.) e camponeses aldeãos, além de artesãos. Entre esses
grupos, estavam, por exemplo, os yanacona, reduzidos a “servos hereditários” da
nobreza inca e, ainda, as “virgens do Sol” (aclla) formadas por tecelagens ligadas
aos nobres e ao Inca. Não obstante, a essência da estrutura da civilização incai-
ca continuava fundamentada nos tributos firmados entre o Estado e os ayllus,
baseada no uso coletivo da terra e no aproveitamento de seus recursos naturais.

41
UNIDADE 1

As regiões dominadas pelos incas tiveram de deixar


de cultuar deuses locais para render culto ao Sol
(Inti), considerado o deus soberano. En-
quanto os astecas buscavam expandir o
poder de atuação de Teotihuacán e se
consideravam legítimos herdeiros
dele e, consequentemente, das
áreas dominadas, os incas, de
modo distinto, eram vistos
pelos povos subordinados
como organizadores
do caos mundano. No
testemunho de Garci-
laso de la Vega (1609,
p. 50, tradução nossa,
grifo do original), há
indícios dessa “mis-
são” supostamente
designada aos incas:
“Nosso pai, Inti, orde-
na-nos que fiquemos
neste vale e aqui nos
estabeleçamos e reine-
mos”. Neste trecho, o cro-
nista transmite as palavras
de Manco Capac, o primeiro
inca, simbolizando a tarefa do
chefe Inca, filho do Sol, em levar
a civilização para áreas distantes de
seus domínios. Como relata Vainfas
(1984, p. 31), “alguns estudiosos acredi-
tam que Viracocha seria a divindade incaica de
maior projeção e lhe concediam a função de criar os
elementos da natureza, como a terra, o céu e, inclusive, o Sol”.

42
UNICESUMAR

Figura 13- Viracocha, detalhe da Porta do Sol


Fonte: Wikimedia Commons (2006, on-line).

Descrição da Imagem: deus inca esculpido em


pedra. A figura aparece com o corpo humano,
com as mãos levantadas e levemente inclinadas
na lateral. Seu rosto lembra o Sol.

A sobreposição do culto ao Sol em relação às divindades locais não eliminou o


antigo hábito de cultuá-las. Os wakas ou huacas eram considerados uma força
sobrenatural capaz de encarnar em um determinado objeto ou local. Sua adora-
ção continuou frequente e era, normalmente, realizada em locais considerados
sagrados, como grutas, riachos, pedras, dentre outros. Os incas não viam essas
divindades como concorrentes ao culto solar, muito pelo contrário, de forma
geral, aceitaram a continuação dessas práticas em relação aos wakas a ponto de
levarem objetos que representassem essas crenças ancestrais para Cuzco, cen-
tro do império. Tal prática era compreendida como uma submissão dessas di-
vindades locais ao deus Sol. Toda essa organização fez com que as crenças dos
antepassados, cultivadas desde antes da dominação incaica, não se perdessem
no tempo, de modo que a sua força marcasse presença mesmo após a conquista
hispânica, a ponto de se constituir como uma das formas de resistência cultural
à colonização espanhola.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Aguirre, a Cólera dos Deuses


Ano: 1972
Sinopse: o filme relata a busca desenfreada de ouro por uma expe-
dição espanhola no século XVI. A história se passa na região andina e
mostra as dificuldades em enfrentar a floresta e como os europeus eram vulneráveis a ela.
Comentário: trata-se de um filme importante para compreender a saga dos primeiros
conquistadores espanhóis desejosos por encontrar ouro em terras americanas.

43
UNIDADE 1

Os maias, por sua vez, era um povo pré-colombiano que habitou as regiões do
atual Sul do México, Guatemala, leste de Honduras, El Salvador, Belize e Nordes-
te da Nicarágua. Algumas partes do território pertencente a esse povo viveram
seu período áureo no século VII até aproximadamente o ano 1000. Alguns auto-
res, como Paul Gendrop (2005), por exemplo, defendem a ideia de que quando
os espanhóis vieram para a América encontraram apenas vestí-
gios dessa grande civilização, a qual teria finalizado o seu
apogeu no século IX. Muitos arqueólogos corroboram
com essa ideia, pois acreditam que, no século XVI,
momento da vinda de espanhóis para a Amé-
rica, os resquícios dos maias eram repre-
sentados por singelos agricultores
ligados por rituais religiosos
ancestrais. Enquanto os
maias entravam em
decadência, por
volta do século
XII, os astecas,
localizados mais
ao norte do atual
México (conferir a
Figura 14), começavam
a despontar como uma
rica e promissora civilização.

Figura 14 – Mapa da localização aproxi-


mada das altas civilizações pré-colom-
bianas da América hispânica Fonte: a
autora.

Descrição da Imagem: mapa da América Central e da América do Sul indicando a localização dos incas,
maias e astecas em diversos tons de azul. A civilização asteca abrangeu o território que vai, atualmente,
do centro do México até a Guatemala. Os maias ocuparam a região que corresponde hoje à planície de
Iucatã, no México, e aos territórios da Guatemala, de Belize e de Honduras. Os incas se estendiam por
toda a região andina, do Norte da Argentina e do Chile até o território da atual Colômbia.

44
UNICESUMAR

A unidade entre os maias nem sempre foi a sua característica principal. Eles,
por exemplo, não estavam unidos por um único idioma, tanto que os atuais
remanescentes dos maias são identificados por falarem seis dialetos principais,
os quais, às vezes, são similares entre si, mas, em muitos casos, apresentam va-
riações significativas. Entre os seus registros, merecem destaque as inscrições
estampadas nas paredes de templos e palácios. Boa parte de tais textos já foi
decifrada e destacam, geralmente, a história das dinastias maias, as guerras e
incursões contra as cidades rivais, bem como o sacrifício de inimigos como
forma de agradecimento aos deuses.
As cidades maias eram consideravelmente grandes para a época, com algumas
abrigando até 50 mil habitantes. Mesmo sendo consideradas independentes, algu-
mas delas lideravam federações que tinham poder sobre vastos territórios. Dentre
as cidades de maior destaque, estavam Palenque, Tikal e Copán. Apesar disso, havia
diferenças sociais: os mais abastados residiam em palácios e templos construídos
com pedras, enquanto os menos favorecidos moravam em cabanas de madeira.
A base da economia maia era a agricultura, principalmente o milho, que era
considerado um alimento sagrado. Na prática agrícola, utilizavam instrumentos
rústicos, sobretudo a queimada para limpar o terreno e torná-lo próprio para
o cultivo.
Grande parte da população era composta de trabalhadores agrícolas, de-
nominados de mazehualob. Em termos políticos, a sociedade maia era repre-
sentada por um monarca, o qual contava com vários auxiliares nas funções
administrativas, militares e religiosas. Tal monarquia tinha caráter hereditário
e possuía forte apelo religioso.
Os maias acreditavam que a vida era gerida por deuses, os quais eram cultua-
dos em templos suntuosos. O pouco que se sabe sobre a religião maia é que esse
povo acreditava que a maior parte dos deuses estava representada por elementos
naturais, a exemplo do vento, da chuva ou do sol. Apesar disso, rendiam culto a
Hunab, considerado o deus criador do mundo.
De forma geral, os maias se destacaram ao desenvolverem avanços signi-
ficativos em cálculos matemáticos e observações astronômicas. Já sabiam, por
exemplo, o conceito do número zero, compreendido pelos europeus apenas
mais tarde. Além disso, organizaram o tempo por meio de um calendário com-
posto por 260 dias, orquestrados segundo os complexos movimentos de astros.
Na arquitetura, construíram obras monumentais e elaboradas, a exemplo de

45
UNIDADE 1

cerca de 600 pirâmides edificadas na cidade de Teotihuacán. Em Tikal, outra


cidade maia, foi erigido um templo de mais de 70 metros, considerado o maior
da América pré-colombiana.

NOVAS DESCOBERTAS

O Museu Britânico, em parceria com o Instituto Nacional de Antro-


pologia e História do México (INAH), lançou a exposição virtual “Ex-
plorando o mundo maia: uma jornada ao passado com arte an-
tiga e tecnologia digital”. A coleção traz a digitalização em 3D dos
moldes de gesso que formam a Escada Hieroglífica de Palenque, atualmente no Museu
Britânico, além de exposições de vídeos e recriação digital de mais de 660 peças maias.

Figura 15 – Construções maias localizadas em Tikal, na atual Guatemala / Fonte: Pixabay (2020, on-line).

Descrição da Imagem: foto colorida na qual há vários templos em pedra feitos no formato escalonado,
incluindo uma pirâmide, pelos maias. Além dos templos é possível ver várias construções, como colunas,
bem como turistas visitando essa região.

46
UNICESUMAR

Por meio do que foi analisado até aqui, você deve ter
notado que astecas e incas protagonizaram as cenas dos
mais significativos e sólidos impérios pré-colombianos.
Em ambos, a centralização político-administrativa é sur-
preendente. Entretanto, dentre os astecas, havia uma maior
autonomia das cidades pertencentes à confederação, fator
que impossibilitou a unificação total da Mesoamérica. A
preocupação principal residia em cobrar tributos em gê-
neros das cidades, além de fomentar o comércio a longas
distâncias, fatores que deram certo prestígio à proprieda-
de privada e atenderam aos anseios dos grupos dirigentes.
Muito provavelmente, as exigências em relação ao trabalho
foram menos intensas do que no caso inca, o que facilitou
a relativa liberdade das cidades que formavam a confede-
ração asteca. De modo distinto, o império inca vivenciou
a intensa presença governamental a partir de Cuzco. Essa
característica facilitou ao poder central expandir o traba-
lho coletivo sobre as comunidades aldeãs existentes em
seu território de atuação, além de restringir o comércio em
prol das práticas de redistribuição e, consequentemente,
obstruir a formação de propriedades particulares.
O culto ao Sol era algo recorrente em ambas as civili-
zações e era representado por divindades, o que realçava
ainda mais o poder atribuído a esse astro. Dentre os aste-
cas, Huitzilopochtli alimentava a sede pela guerra em nome
de novas conquistas e do triunfo desse povo em relação às
demais cidades da confederação. No império inca, Inti era
a sustentação do poder e base da autoridade e integração
política. Ainda assim, é possível verificar a presença de tradi-
ções ancestrais entre as duas civilizações. Na Mesoamérica,
havia a lenda de Quetzalcóatl, enquanto, nos Andes, reinava
a figura mitológica de Viracocha. Em ambos, havia a relação
profunda do homem em sintonia com a natureza, algo dis-
tante da pregação corpo/alma implantada pelo cristianismo
no período da conquista.

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NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Conquista da América Latina Vista Pelos Índios: Relatos Astecas,


Maias e Incas
Autor: Miguel León-Portilla
Editora: Vozes
Sinopse: Trata-se de um clássico da historiografia sobre o assunto. A
obra privilegia o ponto de vista dos povos pré-colombianos da América
hispânica, que foram conquistados e dizimados pelos europeus.

Diante de um cenário em que a pandemia do Covid-19 é


um dos temas mais recorrentes, que tal saber mais sobre a
varíola, doença mortal para os nativos da América e que foi
responsável por ceifar muitas vidas dentre os indígenas?!
Convido você a ouvir o podcast para saber do que estamos
falando. Aperta o play!

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UNICESUMAR

OLHAR CONCEITUAL
onquista
Antes da c
espanhola

Mesoamerica
nos (Maias e
e América do Astecas)
Sul (Incas)

• Localização:
• Politeístas
sul do atual México
• Sistema de escrita
e América Central
hieroglífico
• Cultura sobreviveu
• Sociedade
mais de 3 mil anos
hierarquizada
(até o século XV)
• Avanços científicos

• Politeístas
• Sistemas de escrita
pictográfica e hieroglífica
• Cobrança de tributos • Localização: grande parte
dos povos dominados do México atual
• Sociedade hierarquizada, • Império formado
comandada por um monarca no século XV

tas ações e
• Politeís istro de inform
reg berano
• Quipo: e contabilidade r um so
sistema
d
d o, li d e rado po or atuais
io interli
ga Equad
• Impér Chile e
z a ç ã o : área do ulo XII
• Locali do no s
éc
io forma
• Impér

49
UNIDADE 1

Os povos ameríndios da América saxônica (região compreendida onde, hoje,


se localizam o Canadá e os Estados Unidos) também se destacaram por sua imen-
sa diversidade cultural. Tal variedade se sobressai no âmbito da arte, da confecção
de instrumentos e utensílios, da religiosidade e dos padrões de alimentação. Essa
multiplicidade ganhou conotação em períodos consideravelmente adjacentes,
pois, de acordo com Cardoso (1981), durante os anos de 8.000 e 5.000 a.C., mo-
mento em que as geleiras retrocederam para o extremo Norte da América, a
região era ocupada tão somente por esquimós. Tais grupos residiam em uma área
que se estendia do Alasca à Groenlândia. A sua subsistência era feita por meio
da caça e pesca. Utilizavam como vestimenta materiais como o couro e a pele, os
quais ajudavam a suportar as baixas temperaturas a que eram expostos. Residiam
em habitações chamadas iglus e, no campo religioso, eram adeptos do animismo.

EXPLORANDO IDEIAS

De forma geral, considera-se animismo toda a manifestação religiosa que atribui aos
elementos dos cosmos (Sol, Lua, estrelas), a determinados seres vivos (como os animais,
as árvores e as plantas) e aos fenômenos naturais (a exemplo da chuva, do dia e da noite)
uma causa primária de característica vital e pessoal, chamada de “anima”. Esta, por sua
vez, simboliza a energia que movimenta o cosmos, o qual, em uma visão antropológica,
significa espírito e, na teocêntrica, é associado à alma.

Durante os séculos XVI e XVII, momento em que os europeus colonizaram, de


forma mais sistemática, a América, houve ampla utilização do cavalo e de armas
de fogo, fator esse que contribuiu para a modificação das formas de subsistência
dos indígenas que habitavam a região das pradarias localizadas na Grande Planí-
cie da América do Norte. Alguns povos nativos, a exemplo dos sioux, consumiam
a carne do búfalo, capturado geralmente por meio da caça, além de cultivarem
alguns alimentos, como o feijão, o milho e a abóbora.

50
UNICESUMAR

Figura 16 – Pássaro Vermelho, um componente dos Sioux


Fonte: Wikimedia Commons (2007, on-line).

Descrição da Imagem: imagem em preto e branco de um indígena com vestimentas típicas. Ele está
sentado, olhando levemente de perfil para a direita e traz consigo uma espécie de flauta, um cinto na
diagonal e um colar. Ele encontra-se sentado e destaca-se pela sua vasta coroa de penas.

51
UNIDADE 1

A vegetação também sofreu alterações consideráveis. Em alguns locais, os campos


deram lugar às florestas, ao passo que certas regiões bem irrigadas deram lugar a
terrenos semidesérticos. O processo de sedentarização ganhou força com a explo-
ração de moluscos no litoral e o recolhimento de sementes em locais semiáridos,
atividades essas que se somaram com as já existentes (caça e coletas primitivas). O
trabalho mais cuidadoso na confecção de instrumentos de pedra permitiu o aper-
feiçoamento dessas ferramentas, bem como a adoção do método de polimento.
Nas regiões cobertas por florestas, predominava a caça e a coleta. Era comum
o consumo de carne de animais silvestres, a exemplo do veado e do coelho. O
recolhimento da abóbora, do milho selvagem, dentre outros, era uma prática ado-
tada na alimentação de povos nativos que habitavam essas áreas. Residentes nas
florestas orientais da América do Norte (atual Península do Labrador e Rio São
Francisco), os iroqueses eram um desses grupos da floresta. Suas vestimentas eram
confeccionadas com tecidos à base de lã, moravam em casas de madeira localiza-
das em aldeias fortificadas, viviam da agricultura, da caça e da pesca e, no âmbito
religioso, combinavam o animismo com práticas politeístas. Migraram para os
Apalaches até chegarem ao litoral, onde praticavam a caça, a pesca e a horticultura.

52
UNICESUMAR

Figura 17- Mulheres iroquesas trabalhando, gravura do século XVII


Fonte: Wikimedia Commons (2005, on-line).

Descrição da Imagem: ilustração na cor sépia, na qual há duas mulheres embaixo de árvores, trabalhando
no que parece ser polvilho ou farinha. A que está à direita aparece em pé socando algo em uma espécie
de pilão. A mulher à esquerda aparece sentada, aparentemente trabalhando com uma espécie de farinha.

53
UNIDADE 1

A irrigação, por sua vez, foi o elemento primordial para a difusão da agricultura e
indicou um perfilhamento mais complexo da organização social, como dos pue-
blos, grupo que habitava a região dos rios Colorado e Grande. Residiam em caver-
nas rochosas e em habitações semissubterrâneas, apoiadas por adobe ou pedra. De
forma geral, tais abrigos possuíam um formato semicircular, em cujo centro havia
uma praça na qual eram realizadas as cerimônias religiosas. Utilizavam técnicas
de irrigação no cultivo do milho, além de confeccionarem a cerâmica e o tecido de
algodão. Os navarros, assim como os pueblos, se fixaram nas regiões desérticas do
Texas e da Califórnia. Praticavam a caça e a agricultura, além de confeccionarem
vestimentas de couro e tecido de lã. Os navarros construíam suas cabanas com
barro e, no âmbito religioso, comungavam do animismo e do politeísmo.
Em consonância com Betty J. Meggers (1985), havia pelo menos três modelos
diferentes de habitat na América saxônica, quais sejam: a floresta, o deserto e as
grandes planícies. Apesar da distinção da oferta de recursos para a sobrevivência
nesses ambientes, é imperativo reconhecer que em todos eles existe uma multipli-
cidade notável de alimentos, compostos por animais selvagens e plantas, além de
proporcionar condições para o desenvolvimento da agricultura intensiva. Segundo
Meggers (1985), nos três tipos de habitats existem pressões adaptativas que conver-
gem no surgimento de configurações culturais, nas quais o desenvolvimento histó-
rico e atributos gerais são especialmente similares. A exploração da potencialidade
de cada um dos tipos ambientais está relacionada aos vínculos estabelecidos com
as áreas centrais, locais de onde vieram plantas que se adaptaram aos mais diversos
climas. Também são provenientes dessas regiões algumas práticas e fundamentos
religiosos bem como os mais diversos traços culturais adotados.
As regiões de floresta na América saxônica, localizadas no leste dos Estados
Unidos e Canadá, abrigavam dois dos principais sistemas fluviais do hemisfério.
Em tais zonas florestais, era comum a ocorrência de enchentes, as quais alagavam
as terras mais baixas. Quando a inundação recuava, deixava para trás lagos rasos,
algo que facilitou o encalhamento de peixes e a formação de pântanos.
Havia a predominância do clima temperado, caracterizado por invernos frios
e verões quentes. Nesse ambiente, o solo era drenado e produtivo, não sendo ne-
cessária a utilização da irrigação. Nas florestas orientais, houve uma adaptação
significativa à alimentação selvagem, fator que reforçou a segurança de grupos na-
tivos dependentes do cultivo agrícola. Há cerca de 10 mil a.C., a sobrevivência era
garantida, sobretudo, com o cultivo do milho, da abóbora e do feijão. Além disso,

54
UNICESUMAR

as populações nativas já faziam uso de uma estrutura urbanizada embrionária


e de uma política centralizada, fatores que evidenciavam uma clara organização
social, muito provavelmente com a execução de práticas religiosas. Exemplo disso
são os funerais: em cadáveres supostamente pertencentes a grupos abastados
foram encontrados ornamentos de luxo, ao passo que, em outros, provavelmente
pertencentes a grupos comuns, não há indícios de objetos dessa natureza.
Nesse universo, a difusão da cultura mississipiana representava o desbarata-
mento de um grupo cujas técnicas agrícolas eram consideradas superiores à de
outras populações que habitavam as zonas florestais. De forma geral, nas florestas,
a caça e a coleta eram práticas dominantes, principalmente com o consumo de
carne de veado e coelho, a fartura de milho e abóboras selvagens. Dentre os grupos
florestais, podemos destacar os iroqueses, os quais se fixaram nos Apalaches e
região litorânea após se deslocarem de sua região de origem, ao oeste do Mississipi.
Em suas terras, cultivavam práticas rudimentares de horticultura, pesca e caça.
As regiões de desertos da América saxônica apresentavam uma variedade
considerável de áreas ecológicas, o que motivou o surgimento de uma multipli-
cidade de culturas. Os mongollon, por exemplo, residiam nas encostas e vales
localizados a mais de 2.000 metros de altura. Onde, atualmente, se encontram
os estados de Utah, Arizona, Novo México e Colorado era o habitat natural dos
anasazi. Os honokam, por sua vez, ocuparam o deserto do sul do Arizona e Novo
México. É notável que o processo de sedentarização tenha ocorrido por volta de
500 a.C., por meio do cultivo agrícola, mediante a irrigação.
As concentrações populacionais somente se sedimentaram em razão desses
avanços na tecnologia agrícola. Outras inovações incrementaram esse refina-
mento tecnológico, tais como a edificação de barragens de retenção, as quais
canalizavam a água da chuva e dos rios para serem aproveitadas no processo de
irrigação. Segundo alguns arqueólogos, esses indícios simbolizam a existência
de uma organização sócio-política estratificada. Apesar da influência das altas
culturas mesoamericanas, pode-se dizer que os grupos que habitavam as regiões
dos rios Colorado e Grande desenvolveram uma sociedade e cultura próprias.
Residiam em locais apoiados sobre rochas e em abrigos semissubterrâneos sus-
tentados por construções de adobe e pedra. Era comum a existência de uma praça
central, local onde se realizavam os cultos religiosos. Além de cultivarem o milho
de forma intensiva, tais populações também confeccionavam tecidos, algodão e
utilizavam o sistema de irrigação.

55
UNIDADE 1

Sobre o tipo ambiental das Grandes Planícies, o pouco que se sabe é que, nesse
período, o padrão de vida foi nômade, dada a existência de grupos caçadores
e coletores. Com a introdução da cerâmica nas florestas do leste, aumentou
consideravelmente a quantidade de registros, fator que permitiu detalhar as
formas como esses grupos viviam. Dessa forma, os pesquisadores concluíram
que a caça e a pesca enriqueceram a alimentação desses povos, aliados à coleta
de raízes, sementes, amoras e frutos silvestres.
Por volta de mil anos atrás, houve uma mudança significativa, o que prova-
velmente resultou na formação da cultura mississipiana. Aldeias compostas por
cabanas de terra multiplicaram-se, indicando traços de uma comunidade mais
sedentária, alicerçada no cultivo de feijão, milho e abóbora em vales próximos.
A concentração populacional em áreas específicas ficou mais evidente há 15 mil
anos atrás, quando algumas aldeias, visivelmente maiores, cresceram, enquan-
to as aldeias menores desapareceram. Muito provavelmente, a intensificação da
agricultura foi fator pujante para esse fenômeno. Antes de conhecerem o cavalo,
as caças eram realizadas em regiões circunvizinhas e limitadas. Por esse motivo,
os acampamentos eram mudados com certa frequência, no intuito de manter o
acesso à caça.
Anteriormente à vinda dos colonizadores, as caças eram realizadas com ins-
trumentos rústicos, a exemplo das pontas de projétil. Entretanto, nos séculos
XVI e XVII, os europeus introduziram as armas de fogo e os cavalos, fatores
que facilitaram a subsistência dos indígenas. Além de caçarem animais como

56
UNICESUMAR

os búfalos, esses grupos nativos se dedicavam ao plantio de abóbora, do milho e


feijão. No século XIX, doenças europeias atingiram fatalmente essas populações
e devastaram comunidades inteiras do Oeste e Norte da América saxônica.
Devido ao que você aprendeu anteriormente, pode notar que os diversos po-
vos que habitavam a América saxônica eram semelhantes em seus modos de vida,
apesar de se localizarem, muitas vezes, em tipos ambientais distintos (florestas,
desertos e grandes planícies). As atividades mais recorrentes e executadas pela
maioria dos grupos que habitavam essa região eram a agricultura, com o cultivo
de milho principalmente, além da utilização da caça e pesca bem como a coleta
de sementes para a manutenção das aldeias.
Muito embora tais grupos não tenham se estruturado de forma tão complexa
quanto às altas culturas que se desenvolveram na Mesoamérica e região andina,
compartilhavam entre si uma organização sociopolítica e religiosa parecida. Par-
tilharam mudanças significativas, como a assimilação de técnicas, a exemplo do
uso de irrigação, que favoreceram e aperfeiçoaram a agricultura.
Com o que você conheceu até aqui, pode-se afirmar que cada cultura viven-
ciou momentos de adaptação a um meio ambiente específico e com um pensa-
mento próprio. De todas essas transformações, podemos compreender que as
trocas culturais resultantes do contato entre os grupos sejam por meios amistosos
ou das conquistas de um povo por outro, significam que tradições sociais distintas
podem se desdobrar em uma cultura mista, na qual, possivelmente, coexistam
princípios das antigas e novas sociedades.

57
UNIDADE 1

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Enterrem Meu Coração na Curva do Rio


Autor: Dee Brown
Editora: L&PM Editores
Sinopse: trata-se de um clássico dos anos de 1970 que chocou a
opinião pública nos Estados Unidos. A obra relata, de forma siste-
mática, a destruição dos indígenas na América do Norte. O autor
fez uma pesquisa minuciosa e utilizou autobiografias, depoimentos,
documentos oficiais e descrições para fundamentar a sua pesquisa.

Para a sua prática enquanto futuro(a) professor(a) da disciplina de História, suge-


rimos que realize algumas atividades que façam com que o aluno compreenda um
determinado conteúdo. Para essa ação, então, selecionamos os maias. O objetivo
dessa atividade é trabalhar em grupos de alunos. Em um primeiro momento ha-
verá a sua explicação sobre o conteúdo proposto. Posteriormente, os alunos farão
a pesquisa para, por fim, dividir a sala em equipes e orientar esses grupos a pes-
quisarem os calendários maias (formas, funções e conhecimentos utilizados na
construção. Enquanto professor de História da turma, explique que a concepção
de tempo para os maias era circular, por exemplo, para os maias, um evento do
passado se repetiria, como os ciclos da natureza. Em relação ao trabalho, os alu-
nos podem pesquisar, em material anteriormente selecionado ou na internet. A
fim de que compreendam as diferentes concepções de tempo, solicite aos alunos
que selecionem um dos calendários pesquisados e realizem ilustrações dele, bem
como a construção de um mapa mental que explique o calendário selecionado
e ilustrado previamente. A ilustração e o mapa mental podem ser registrados
em cartazes ou no papel craft. Na sequência, o professor poderá organizar as
apresentações dos calendários dos grupos para o restante da classe, estimulando
o respeito mútuo e a autoavaliação.

58
1. Em 1500, quando os portugueses chegaram à América, havia uma imensidão de po-
vos nativos, alguns dos quais testemunharam a vinda dos lusitanos e estabeleceram
os primeiros contatos com eles. De forma especial, o litoral de onde, hoje, se encontra
o Brasil era ocupado por “povos semissedentários”, os quais sobreviviam da caça, da
coleta, da pesca e da agricultura. Considerando as informações sobre os povos pré-
-colombianos que habitavam a América portuguesa, analise as afirmações a seguir:

I - Os únicos povos indígenas à época da chegada dos europeus eram os tupis-


-guaranis.
II - Quando chegaram à América, os portugueses se depararam com os tupis, ocu-
pando quase que integralmente a região próxima à Linha do Equador, sobretudo
a área compreendida entre os atuais estados de Amazonas, Roraima, Pará e
Amapá.
III - Além dos tupis e dos guaranis, havia outros povos, dentre os quais podemos
destacar, os jê, karib, pano, tukano e aruák, situados no interior da América por-
tuguesa.
IV - Os tapuias acreditavam que os povos que não falavam sua língua (os tupis) eram
considerados “bárbaros”.

É correto o que se afirma em:

a) I apenas.
b) II apenas.
c) III apenas.
d) I e III, apenas.
e) III e IV, apenas.

59
2. Os maias estavam organizados de forma descentralizada, dividindo o poder político
entre várias cidades-estados. Além disso, são lembrados por diversas inovações
consideradas avançadas para a época. Considerando as informações sobre os maias,
analise as afirmações a seguir.

I - Era um povo pré-colombiano que habitou as regiões desérticas da América saxô-


nica. Assim como os astecas e os incas, a unidade foi a característica principal
dos maias.
II - Segundo informações recentes, fornecidas por arqueólogos, o topo da hierarquia
da sociedade maia era ocupado por grupos de sacerdotes pacifistas e observa-
dores de astros, sustentados por camponeses.
III - A organização militar era feita de acordo com a necessidade e por meio de recru-
tamentos. Os armamentos utilizados eram sofisticados para a época, compostos
por canhões e armas de fogo.
IV - Destacaram-se nos cálculos matemáticos e em observações astronômicas. Além
disso, já sabiam o conceito do número zero, organizaram o tempo por meio de
um calendário e construíram obras monumentais e elaboradas.

É correto o que se afirma em:

a) II apenas.
b) III apenas.
c) IV apenas.
d) I e III, apenas.
e) III e IV, apenas.

60
3. Os povos pré-colombianos da América saxônica (região compreendida onde, hoje, se
localizam o Canadá e os Estados Unidos) se destacaram por sua imensa diversidade
cultural. Tal variedade se sobressai no âmbito da arte, da confecção de instrumen-
tos e utensílios, da religiosidade e dos padrões de alimentação. Considerando as
informações sobre os povos que ocupavam o que foi chamado posteriormente de
América saxônica, analise as afirmações a seguir.

I - Grande parte desses povos eram adeptos do animismo. Nas regiões cobertas por
florestas, predominava a caça e a coleta. A irrigação, entretanto, foi o elemento
principal para a difusão da agricultura.
II - Dentre os principais povos nativos que ocupavam a América saxônica, podemos
destacar: os sioux, os iroqueses, os navarros, os pueblos, os mongollon, os incas,
os anasazi e os honokam.
III - A pesquisadora Betty J. Maggers classificou os povos pré-colombianos da América
saxônica de acordo com os seus habitats, quais sejam: a floresta, o deserto e as
grandes planícies.
IV - As atividades mais recorrentes entre esses grupos eram a agricultura, a caça, a
pesca e a coleta de sementes para a manutenção das aldeias.

É correto o que se afirma em:

a) II apenas.
b) III apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e IV apenas.
e) I, III e IV apenas.

61
2
O Período Colonial
na América
Hispânica e
Saxônica
Dra. Verônica Karina Ipólito

Nesta unidade, você estudará o conflito de culturas entre Espanha e


América durante o período colonial. Além disso, saberá como funcio-
navam a economia, o governo e a sociedade durante o período de
colonização da América hispânica. Por fim, terá a oportunidade de
conhecer a economia, o governo e a sociedade em meio ao processo
de colonização da América inglesa.
UNIDADE 2

Considerada uma santa católica, a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe traz


elementos da cultura originária mesoamericana mesclados com simbologias per-
tencentes ao catolicismo: a mulher da imagem aparece com cabelos soltos, o que
na tradição ancestral significaria virgindade. O cinto, sustentado em sua cintura,
simboliza que está grávida. O curioso é que antes da vinda dos espanhóis para a
América, uma deusa chamada Tonantzin e que seria algo equivalente a “mãe de
todos os deuses” era adorada no mesmo lugar
da aparição da Virgem de Guadalupe. Nes-
se local está, atualmente, a basílica
da Virgem de Guadalupe. Você,
estudante, consegue perceber
nuances da tradição asteca
com aspectos do catolicismo
nesse breve relato?
Como você sabe,
temos uma ima-
gem que a Igreja
Católica diz ser
uma santa, mas
com joias aste-
cas que, segundo
a narrativa, falava
o nahuatl, língua na-
tiva, no momento da
aparição ao indígena Juan
Diego, e usava um lenço típico das astecas quando estavam grávidas. Além disso,
outras elementos da imagem nos remetem ao mundo ancestral mesoamericano,
como o fato de a imagem ter ficado estampada em uma tilma, tecido frágil e
comum entre os nativos, bem como as mãos postas em sinal de recolhimento e
adoração que podemos ver na imagem da Virgem de Guadalupe. Apresenta tons
distintos: à direita aparenta ser mais branca, enquanto à esquerda é mais morena.

64
UNICESUMAR

A América está repleta de sincretismos religiosos, a exemplo da Virgem de


Guadalupe. Desafio você a pesquisar outros sincretismos nos quais coexistem os
esforços do catolicismo e sua perpetuação, mas, simultaneamente, uma forma dos
nativos conservarem as suas tradições e símbolos.
Muitas vezes, casos como esse, da Virgem de Guadalupe, não representam
somente uma mescla da tradição ancestral com a católica, mas, podem dar a
entender, ainda, uma contestação dos indígenas frente à Igreja pelo seu espaço
de afirmação cultural. Você conhece outros sincretismos como esse? Registre no
Diário de Bordo o que você conhece por sincretismo religioso e, se possível, men-
cione exemplos. E aí, preparado para mais uma viagem rumo ao conhecimento?
Então aperte os cintos e venha a bordo de mais essa aventura!

DIÁRIO DE BORDO

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UNIDADE 2

Figura 1 – Quetzalcoatl, divindade das


culturas mesoamericanas
Fonte: Wikimedia Commons ([2022],
on-line).

Descrição da Imagem: na ilustra-


ção, é possível observar uma figura
humanoide na cor cinza com uma
boca que aparenta ser de jacaré, na
cor vermelha, chapéu pontiagudo
e asas, os dois listrados nas cores
branco, preto e vermelho. A pessoa
carrega um escudo com adornos nas
cores amarelo, branco, preto e ver-
melho na mão esquerda e, na mão
direita, levantada, há uma espécie
de espada com a ponta em espiral.
O sujeito está em pé com o corpo
voltado para a direita sobre um chão
esverdeado e amarronzado.

Você sabia que antes de ini-


ciarmos o período colonial na
América hispânica e saxônica
tivemos, na maior parte dos ca-
sos, um processo de conquista
de determinados povos? En-
tretanto é importante lembrar que os colonizadores europeus traziam em sua
bagagem anseios que faziam parte do contexto de expansão territorial vigente
na Europa dos séculos XIV, XV e XVI. Em suma, podemos dizer que conquista
e colonização eram fenômenos que se completavam, pois, na medida em que
os europeus iam conquistando determinada região, já eram implantadas ou rea-
proveitadas as bases para a materialização do sistema colonizador.
Para compreendermos o processo de conquista e colonização da América
hispânica, devemos refletir, inicialmente, sobre o que John H. Elliot (1998, p. 135)
chamou de “antecedentes”. O sentido da colonização e conquista da América Es-
panhola em fins do século XV pode ser visto como sinônimo de expansão da fé,
tal como ressaltou Francisco López de Gómara (apud ELLIOT, 1998, p. 135), um
dos primeiros relatores da conquista, ao afirmar que “sem colonização não há uma
boa conquista e se a terra não é conquistada, as pessoas não serão convertidas.
Portanto, o lema do colonizador deve ser colonizar”.

66
UNICESUMAR

Figura 2 – Imagem de Nos-


sa Senhora de Guadalupe
para os católicos e Tonantzin
(“mãe de todos os deuses”)
para os povos nativos da
América Central
Fonte: Pixabay ([2022], on-
-line).

Descrição da Imagem:
ilustração de uma mu-
lher com as mãos postas
em oração e trajando
uma túnica até os pés na
cor rosa claro com leves
ilustrações em dourado,
além de ter um manto
que a cobre na cor azul
com poás (bolinhas) e
borda em dourado. De
todo o seu corpo, irradia
luz. Aos seus pés, em ta-
manho proporcionalmen-
te menor, há a imagem
do torso de um homem
que, aparentemente, a
segura. O homem está
vestindo uma espécie de
camisa rosa.

O sentido da colonização também pode estar vinculado à obtenção de riquezas


materiais, como deixou claro Hernán Cortés, conquistador dos astecas, quando
canonizou sua ambição revelada na frase: “nós, espanhóis, sofremos de uma doen-
ça do coração cujo remédio específico consiste no ouro” (ELLIOT, 1998). Diante
dessa multiplicidade de fatores que motivaram o estabelecimento de espanhóis
no Novo Mundo, podemos afirmar que a conquista não foi um hiato antes da
colonização, mas parte integrante e vital dela. Conquista e colonização foram
processos simultâneos e dependentes entre si.
Nesse sentido, Elliot (1998) afirma que os sentidos da conquista e colo-
nização espanhola priorizavam a ocupação, exploração da terra, concediam
poder e riqueza (ouro, pilhagem de objetos fáceis de transportar...), além de ser
um prato cheio para as possibilidades de elevação social, como o desejo de con-
quistar honras (títulos de fidalguia, nobreza...) e de “valer más” em uma sociedade
fortemente ligada a uma hierarquia de posições e atenta à ideia de reputação. Tais

67
UNIDADE 2

anseios eram rapidamente conquistados com a espada, já que toda a honraria e


valor se originavam de atos e serviços ao rei.
No entanto, os sentidos de conquistar e colonizar se incluem em um contex-
to muito mais amplo e complexo, que remonta ao processo de Reconquista da
Península Ibérica empreendida pelos cristãos contra os muçulmanos durante
os séculos VIII a XV. Foi nesse último século, marcado por importantes avanços
dos espanhóis na expansão ultramarina, que houve a consolidação do que Elliot
(1998, p. 135) chamou de “Estado feudal renovado”, figurado na união entre Isabel
de Castela e Fernando de Aragão, em 1469. Essa junção entre reinos representou
não somente o esboço de formação do estado espanhol como fomentou as ex-
pedições de exploração marítima em uma época em que acumular ouro e prata
consistia em um dos principais objetivos dos estadistas.
Em consonância com Elliot (1998), no caso específico da Espanha, essa ques-
tão vai ainda mais além quando consideramos que a reconquista dos Reinos
Cristãos para o sul foi uma guerra que ampliou os limites da fé e eliminou, du-
rante séculos, a fronteira que dividia o cristianismo do Islã. É isso que justifica, em
parte, a caracterização da Espanha como uma sociedade agressiva, sequiosa em
expandir os limites de sua influência. Nesses moldes, à medida que a expansão
interna se consolidou, as forças dinâmicas da sociedade ibérica medieval come-
çaram a buscar novas fronteiras no além-mar, dentre as quais figurava a América.

De que forma as Guerras de Reconquista da Penínsu-


la Ibérica instigaram os navegadores a arriscar suas
vidas para se aventurarem em “mares nunca dantes
navegados”? É o que vamos abordar na nossa pílula de
aprendizagem! Está curioso(a)? Então não perca tempo!

68
UNICESUMAR

Perry Anderson (1985) também considera que o absolutismo espanhol, às vés-


peras da conquista e colonização da América, teve sua origem na união de Castela
e Aragão, efetivada pelo casamento de Isabel I e Fernando II. O Estado tomou
para si o controle dos benefícios eclesiásticos, separando o aparelho local da
Igreja da competência do papado. O suprimento de imensas quantidades de prata
das Américas tornou-se um importante meio para o enriquecimento do Estado
espanhol em ambos os sentidos do termo, pois provia o absolutismo hispânico
com um rendimento extraordinário e abundante que se situava totalmente fora
do âmbito convencional das receitas estatais na Europa.
Ao tratar especificamente da concentração de poder espanhol entre os séculos
XIV e XV, Perry Anderson afirma que a monarquia hispânica se tornou poderosa
principalmente com a apropriação de metais preciosos retirados das colônias
conquistadas. A pilhagem das Américas foi, para o autor, um dos atos mais espe-
taculares de acumulação de capital primitivo durante a Renascença. Assim, para
Perry Anderson (1985), o absolutismo espanhol buscou forças tanto no legado
interno do engrandecimento com a aquisição de territórios e influências pela
dinastia dos Habsburgos, a qual governou a Espanha entre 1516 e 1700 – que
acarretou um artefato supremo dos mecanismos feudais para a expansão política
– como no saque ultramarino de capital extrativo.

EXPLORANDO IDEIAS

A dinastia dos Habsburgos governou a Espanha de 1516 a 1700, porém sua origem é
alemã e comandou a Áustria em fins do século XIII, até 1918. O poderio dos Habsburgos
teve o seu momento áureo no século XVI, com Carlos V, então imperador do Sacro Impé-
rio Romano-Germânico e rei da Espanha. Suas terras incluíam toda a Europa, exceto a
Inglaterra, a França e a Rússia. Os soldados de Carlos V conquistaram ricos impérios na
América (Inca e Asteca). Antes de falecer, Carlos repartiu seus domínios entre o irmão e
o filho, criando dois ramos dos Habsburgos. Um deles governou a Espanha até 1700, o
outro comandou o restante do império. Em 1804, os domínios comandados pelos Habs-
burgos ficaram conhecidos como Império Austríaco.

69
UNIDADE 2

Em sintonia com as práticas mercantilistas, a monarquia espanhola tinha in-


teresse em concentrar tesouro em seu território (metalismo) e incentivar o co-
mércio nacional, por meio do investimento nas manufaturas como uma forma de
competir com outras nações. Assim, a concentração econômica, o protecionismo
e a expansão comercial engrandeceram o Estado feudal tardio, ao mesmo tempo
em que beneficiaram a burguesia emergente. Por isso, Perry Anderson (1985)
afirma que, a partir de 1560, o Novo Mundo passou, cada vez mais, a determinar
o futuro do absolutismo espanhol. Mas, apesar dessa circunstância, o caráter
irredutivelmente feudal do absolutismo permanecia.
Em resumo, para Perry Anderson (1985), a Espanha era um estado funda-
mentado na supremacia social da aristocracia e que buscava todas as formas para
garantir os privilégios das classes tradicionais. Portanto, o absolutismo espanhol
na época da conquista (fins do século XV a início do XVI) era, segundo Perry
Anderson (1985), um estado feudal “reformado”, “recolocado”, pois teria surgido
em substituição ao feudalismo com o objetivo de continuar garantindo que a
aristocracia permanecesse no poder e submetesse aos seus interesses tanto cam-
poneses quanto a recém emergente burguesia. Foi esse “estado feudal renovado”,
segundo Elliot, ou “reformulado”, na visão de Perry Anderson, que impôs con-
ceitos medievais à nova terra, como a afirmação da soberania, o estabelecimento
da fé e pretensões de domínio amplo da terra e do povo.
A caracterização da sociedade hispânica como “feudal renovada” pode ser
muito bem exemplificada na literatura da época, com destaque especial
para as novelas de cavalarias, prosas típicas da Idade Média e presen-
tes da Península Ibérica desde o século XI. As narrativas lendárias
e de aventura expressas nesse estilo literário motivaram muitos
homens no século XV e XVI a se lançarem na navegação marítima.
Na Espanha, Miguel de Cervantes (2013) fez uma sátira bem-hu-
morada das novelas de cavalaria e criou o personagem Dom Quixote
e seu escudeiro, Sancho Pança, na famosa obra Dom Quixote de La
Mancha. Embora tenha sido escrita em princípios do século XVII,
Cervantes denuncia o continuísmo social pautado nas honrarias e no
enriquecimento fácil, não dispensando uma leitura irônica
do contexto espanhol dos séculos anteriores e apontan-
do diversos comportamentos, figuras representativas e
relatos históricos, como a guerra da Reconquista.

70
UNICESUMAR

Na obra supracitada, o personagem Dom Quixote era um fidalgo, filho de


pais ricos. No entanto, durante sua vida, perdeu toda a riqueza pagando dívidas
e comprando livros. Por isso, mergulha na literatura em busca da solução dessa
dificuldade. Além de perder sua riqueza, Dom Quixote começa a agir como um
cavaleiro em busca de uma mudança, uma nova vida. Ele já tinha uma idade
relativamente avançada e vivia muito só. Por isso, deixa-se levar pela imagina-
ção e passa a viver em um mundo ilusório. Todas essas atribulações vivenciadas
pelo personagem mostram que ele próprio é um retrato da época representado,
muitas vezes, pela nobreza decadente que vê na expansão ultramarina possibili-
dades de enriquecimento fácil e sonha em encontrar um “eldorado” por influência
das frequentes leituras das novelas de cavalaria. A ilusão está presente em Dom
Quixote, pois vê o mesmo mundo que todos, mas sob uma perspectiva muito
própria e marcada pela medievalidade que se imprime nos contos de cavalaria
que, de tão lidos, teriam o levado
à loucura (tanto que seus livros
foram queimados pelo padre,
com apoio de sua família). Tais
contos retratam de forma fan-
tasiosa heróis épicos e míticos
medievais. Assim, Dom Quixote
pode ser considerado uma sátira à no-
vela de cavalaria. Esse gênero literário foi
mais desenvolvido na Idade Média e não
existia mais na época de Cervantes, mas
estaria marcado na subconsciência da
sociedade, que não permitia avanços
no pensamento crítico e “atrasava”
a mentalidade espanhola. Na ver-
dade, Quixote vive entre o delírio
e sensatez e encarna em seus dis-
cursos a voz crítica de Cervantes
e sua ironia, como, ao inventar
nomes espetaculosos, ridicula-
rizando muitos sobrenomes da
fidalguia.

71
UNIDADE 2

PENSANDO JUNTOS

“À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder
distinguir em que dimensão vivo” (Cervantes, D. Quixote).

Sancho Pança, fiel escudeiro de Dom Quixote, era um trabalhador honesto que,
às vezes, tentava lhe mostrar outra visão que fugisse da fantasia, contudo acaba
acreditando em Quixote, que o convenceu a ser o governador de uma ilha ima-
ginária. A mentalidade frágil, porém honesta, representada na figura de Sancho
Pança, e o desejo de ascensão social a partir de títulos de nobreza proveniente do
domínio de terras, assim como a fama trazida por isso, também são, simbolica-
mente, aspirações essenciais do inconsciente coletivo do reino. Cervantes explora
muito esses aspectos para criticar também os costumes reais.
Esses “delírios quixotescos” eram comuns na época da conquista. Colombo, por
exemplo, teve grande êxito em suas navegações pelo fato de haver encontrado um
novo continente, mesmo que inconscientemente, pois morre sem saber do acha-
do, acreditando apenas que tinha conseguido um novo caminho para as Índias.
Quando chegou à região caribenha, interpretava à sua maneira todos os costumes
e línguas dos indígenas, vendo só o que desejava ver e escutando apenas o que
queria, chegava até a achar que os indígenas falavam certas palavras em sua língua.

72
UNICESUMAR

Indo para além da crítica social, Sérgio Buarque de Holanda (1995) afirma que a
América, como um todo, é produto de uma conquista do “aventureiro”, cabendo
ao “trabalhador” papel muito limitado, “quase nulo”. Em se tratando da diferença
da colonização portuguesa na América espanhola, o autor escreve o capítulo “O
semeador e o ladrilhador”. Nessa parte do ensaio, Holanda critica o desleixo dos
portugueses para com a colônia, pois estes, tal como um semeador, realizavam
suas tarefas sem uma organização necessária. Somente após encontrarem ouro no
Brasil é que decidiram efetivar a colonização e explorar ao máximo as matérias
primas e mão de obra, o que acabou gerando diversas revoltas por exploração,
fosse por poder e/ou por reconhecimento social. Ainda assim, segundo Holanda,
as construções das vilas e cidades não seguem um projeto colonizador, sendo
formadas de acordo com a conveniência e, desprovidas de planejamento, seguem
o curso dos rios e das minas. Mesmo com essa maior presença do Estado, os co-
lonizadores buscavam lucros imediatos sem uma maior organização.

Como você deve ter notado até aqui, Holanda (1995) defende a tese de que o
processo de conquista e colonização na América orquestrada pela Espanha foi
mais organizado se comparado com Portugal. Tal como “ladrilhadores”, os es-
panhóis costuraram a conquista e a colonização apoiando-se nas cidades como
centro administrativo sistemático. No Novo Mundo, os espanhóis tiveram como
meta transplantar e consolidar as estruturas que compunham a organização
social na Espanha para a América, desenvolvendo uma espécie de “nova Es-
panha”. Organizaram-se em cidades, construíram universidades e o ensino era
basicamente cristão.
Holanda (1995) argumenta, ainda, sobre a diferença da postura colonizadora
dos países ibéricos na América. O autor cita que os espanhóis adotaram um mé-
todo mais severo, possivelmente pelo fato de encontrarem rapidamente muita
prata e terem que organizar um sistema de controle mais rigoroso na extração.
Depararam-se também com sociedades portadoras de estruturas mais comple-
xas, que exigiram um maior controle e “mão forte” da Igreja com a Inquisição. Já
os portugueses eram conservadores e prezavam pelo desleixo, pelo ócio, não
pelo trabalho. Eram desprovidos de planejamento e não arquitetavam o futuro.
Holanda faz essa distinção tratando com certo desprezo a colonização lusitana,
pois, segundo ele, o que a sociedade brasileira tem de malefícios é devido às
raízes portuguesas perpetradas no país.

73
UNIDADE 2

Em relação
às altas cultu-
ras e o processo
de conquista, pode-
mos dizer que as regiões do
México e do Peru eram estratégicas,
pois eram formadas por povos centrais
e completamente sedentários. Além do mais,
essas áreas também abrigavam grandes depó-
sitos de metais preciosos, mercadoria ameri-
cana que tinha maior demanda na Europa
da época. Dessa forma, essas duas regiões
receberam a maior parte da imigração eu-
ropeia do século XVI, seguidas da criação
rápida de redes sociais, econômicas e insti-
tucionais de estilo europeu, enquanto a imi-
gração, para todas as outras áreas, era pequena,
e a mudança, mais lenta, até um período posterior.
Por isso, para Schwartz e Lockhart (2002, p. 155), os
espanhóis foram “os primeiros a levar a América a sério
e, por isso, foram eles que ocuparam o México e o Peru
e que construíram estruturas complexas e de grande esca-
la que atingiram a maturidade precoce bem antes do final do
século XVI”. Nesse sentido, os autores concordam com Sérgio
Buarque de Holanda, para quem os espanhóis teriam instalado
toda uma estrutura colonial eficaz e produtiva. No entanto Sch-
wartz e Lockhart (2002) vão ainda mais longe ao destacar que os
espanhóis se empenharam no processo de conquista e coloniza-
ção em lugares onde havia indígenas sedentários e riqueza mineral;
todo o resto de seu território permaneceu abandonado, ainda mais
que a América portuguesa.

74
UNICESUMAR

Em consonância com Schwartz e Lockhart (2002), por mais que a conquista


fosse um episódio espetacular, ela também contou com alguns componentes
importantes, como o estímulo ao capitalismo comercial e de colonização
permanente. Os grupos de conquistadores transmitiram os costumes de sua
área de base para a nova área, onde se tornaram encomenderos mais antigos e
poderosos, tendo o poder de impor sua vontade aos recém-chegados da Espanha.
Ações como a fundação de grandes cidades e a instalação de jurisdições foram
realizadas pelos conquistadores no curso normal de suas atividades. Por isso,
para Schwartz e Lockhart (2002, p. 156), “a conquista não foi um hiato antes da
colonização, mas parte integrante e vital da colonização”, pois, ao mesmo tempo
em que se descobriam e dominavam novos povos e terras, estabelecia-se toda
uma estrutura colonial, baseada no reconhecimento da soberania espanhola.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Colonização do Imaginário: Sociedades Indígenas e Ocidentaliza-


ção do México Espanhol (séculos XVI-XVIII) Autor: Serge Gruzinski
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: a proposta do livro não se concentra em relatar a destrui-
ção, nem resistência, mas apreender os variados processos de transforma-
ção cultural que caracterizam o mundo colonial. O autor buscou, portan-
to, ressaltar o México colonial no que considera como “aspectos positivos”.
Gruzinski parte do princípio de que, no momento histórico de mudanças
espetaculares e violentas, a conquista da América hispânica não pode ser
sintetizada apenas como ruína de ricas culturas pré-colombianas, nem como
o embrião de sociedades europeias muito menos decadentes e de difícil lo-
calização. Pelo contrário, o mundo colonial mexicano aparece como “mescla-
do” ou “mestiço”, palavra usualmente empregada pelo autor.

Na obra intitulada Os Mecanismos da Conquista Colonial: os Conquistadores


(1973), o historiador Ruggiero Romano trabalha com as formas, a evolução e a
herança da conquista hispano-americana, se preocupando em demonstrar as
estruturas segundo as quais tais acontecimentos se desenvolveram, se interrela-
cionam e que choques provocaram. Sem querer abraçar a “lenda negra”, o autor
afirma com precisão que as formas, os métodos, as maneiras da conquista “não
continham em si nenhum germe de desenvolvimento positivo, pois estavam des-

75
UNIDADE 2

tinados à mais completa involução” (ROMANO, 1973, p. 12), cujas consequências


teriam afetado tanto vencidos quanto vencedores. Nesse sentido, para Romano,
a conquista não deve ser vista como uma luta entre “perdedores” e “vencedores”,
mas como um processo de “trocas culturais”, em que houve contribuição e parti-
cipação tanto de indígenas quanto de espanhóis.

EXPLORANDO IDEIAS

A “leyenda negra” (lenda negra) da conquista da América hispânica foi inaugurada pelo Frei
Bartolomé de Las Casas, que, na primeira metade do século XVI, lutou contra o modo pelo
qual os indígenas estavam sendo tratados pela administração colonial. Os escritos de Las
Casas denunciavam as atrocidades dos conquistadores contra os índios e encontraram
grande eco entre os opositores do colonialismo praticado pela Espanha no continente
americano.

Figura 3: Ilustração na obra


Brevisima Relación de la
Destrucción de las Indias,
escrita por Las Casas
Fonte: Bry ([1552], on-line).

Descrição da Imagem:
desenho em preto e
branco em que apare-
cem vários corpos de
indígenas enforcados
em uma estrutura
montada com tronco
de árvores. Embaixo
desses corpos há uma
fogueira e um homem
que a ajeita. Do lado
esquerdo, há um ho-
mem com roupas espa-
nholas, arremessando
uma criança. Ao fundo,
é possível observar
pessoas correndo e
outras sendo atacadas.

76
UNICESUMAR

Para Romano (1973, p. 79), a vitória dos espanhóis em relação aos indígenas vai
além de explicações psicológicas, de superioridade bélica e até mesmo do uso de
cães especialmente treinados para eliminar o inimigo. Segundo o autor, esque-
ce-se muito facilmente o fato de que os espanhóis, ao se baterem contra grandes
exércitos, puderam contar com a ajuda de numerosos “colaboradores”. Assim, por
exemplo, a vitória de Cortés sobre Montezuma (e o “império” mexica – como
também eram chamados os astecas – só pode ser compreendida se lembrarmos
da aliança do conquistador com o chefe dos Tlaxtaltecas, inimigos tradicionais
dos mexicanos.

Figura 4 – O encontro entre Cortés e Montezuma (Artista Desconhecido − século XVIII)


Fonte: Wikimedia Commons ([2022] on-line).

Descrição da Imagem: pintura onde é possível observar, do lado direito, homens armados com espadas,
lanças, armaduras e cavalos. À frente está o que aparenta ser o líder, vestindo armaduras, ao lado de uma
mulher e um cavalo branco. À esquerda, vemos nativos americanos seminus. Sua vestimenta se baseia
em penas na parte dos quadris e cabeça. A frente desse último grupo aparece um homem com penas nos
quadris e uma espécie de manto vermelho nas costas, aparentemente conversando com o líder do grupo
da direita, já descrito.

77
UNIDADE 2

Romano (1973) pondera que a falência da religião indígena ajudou na disse-


minação do cristianismo. Alega, ainda, que a descrença da religião indígena se
tornou um fato consumado e foi facilitada na medida em que, para os nativos, a
autoridade religiosa e a autoridade política estavam frequentemente confundidas
em uma mesma pessoa física, acarretando a queda do poder leigo, o desmorona-
mento do poder religioso e dos valores que este representava, muito embora o
autor reconheça que a penetração da nova religião tenha ocorrido de “maneira
formal e superficial”. Muitas vezes, como apregoa ele, a religião resultou em fra-
casso, pois, em vários casos, utilizou-se a violência na evangelização. Portanto, na
visão de Romano (1973), o que constituiu o quadro dos elementos perturbadores
da conquista foram a carga tributária, a desordem e a injustiça.
Concordando com Alonso de Zorita (pequeno colonizador fracassado de fins
do século XVI), esse autor diz que, para uma melhor exploração dos indígenas,
teria sido preciso não quebrar a sua ordem: não os tirar de seu meio natural, de
seu ritmo de trabalho e de seus critérios de alimentação. Para o autor, não pode-
mos conceber aculturação como algo que fez parte da conquista, pois, nesse caso,
não houve um encontro, mas um choque entre dois mundos muito diferentes.
Quando as diferenças são grandes demais, ao nível da organização política, social
e econômica, no plano da “cultura material, ao nível cosmogônico etc., não se dá
aculturação, mas somente a predominância de uma cultura sobre a outra” (RO-
MANO, 1973, p. 22). Nesse sentido, para Romano, a conquista é na realidade um
mecanismo extremamente complexo, no qual, em proporções distintas, entraram
em combinação alguns elementos (psicológicos, proféticos, superioridade bélica,
epidemias, sobrecarga de trabalho ao nativo etc.).
O autor supracitado destaca também a herança negativa deixada pela con-
quista. Citando acontecimentos envolvendo brancos e índios no século XX –
quando, em 1969, três antropólogos escandinavos denunciavam inutilmente às
Nações Unidas a exterminação de indígenas do Peru, da Venezuela e da Colômbia
– ele quer mostrar que certas constantes que existem na América do século XVI
persistem até o momento em que ele escreve (década de 1970), inclusive de ma-
neira até mais enriquecida. Não se trata, segundo o autor, de identificar os brancos
como “malvados” e os indígenas como os “bons”. O problema para Romano (1973)
não é o da bondade ou da maldade, mas do contraste entre forças de dois tipos
de economia e, portanto, de sociedades estruturalmente distintas.

78
UNICESUMAR

A primeira falha no sistema de conquista, segundo o autor, foi forçar ru-


demente os indígenas ao trabalho. Como consequência, o nativo se recusa
a trabalhar mais porque acha que não tem necessidade de produzir um esforço
superior ao que está habituado a produzir “no quadro de sua civilização ances-
tral” (ROMANO, 1973, p. 24). O Estado, por sua vez, com o desejo exclusivo de
satisfazer os interesses privados, oferece a possibilidade de reequilibrar a situação,
obrigando-os a trabalhar. Outro mecanismo particular, portanto, o do endivi-
damento, foi posto em ação. Primeiro, para obrigar os indígenas a continuar a
trabalhar, e depois, a labutar praticamente sem salário, uma vez que as dívidas, em
sua maioria, senão em sua totalidade, jamais são contraídas em dinheiro, mas em
gêneros alimentícios. O endividamento se torna, assim, um instrumento de fixa-
ção à terra para uma importante massa de homens. Não era permitido afastar-se
de uma zona determinada e nem mesmo prestar serviços a outro proprietário da
mesma zona enquanto o índio estivesse endividado. O endividamento acabou
por representar o caráter verdadeiro da economia imposta pelos descendentes
dos conquistadores. Em suma, para o autor, a conquista lançou premissas de
um sistema econômico do qual todos os defeitos, inconsistências e contradições
ainda são sentidas atualmente.

Em consonância com Marianne Mahn-Lot (1990, p. 11), três fatores favoreceram a


conquista da América espanhola: 1) os “traumas biológicos” (em função das doen-
ças que os invasores trouxeram) e “mentais” (algumas civilizações, como os astecas
e incas, apreenderam inicialmente os “brancos” como mensageiros de divindades,
o que não tardou a ser desmistificado de modo violento); 2) a superioridade das
armas (já que os espanhóis contavam com “espadas, lanças, balestras, arcabuzes
e cavalos”, e os nativos, por outro lado, não dispunham de montaria e combatiam
com “flechas e frondas”); 3) as “cumplicidades indígenas com o invasor”.

79
UNIDADE 2

Indo mais além nessa questão, Héctor Bruit (1992), em seu capítulo intitulado “O
Visível e o Invisível na Conquista Hispânica da América”, publicado em 1992, por
ocasião dos quinhentos anos da “descoberta” da América, afirma que a conquista,
no seu sentido mais amplo de dominação total, de substituição de uma cultura
por outra, de aculturação, de eliminação dos vencidos, não chegou a realizar-se.
Esse fracasso do vencedor, o qual Bruit chama de “o processo invisível da con-
quista”, é representado pela questão da miscigenação, que permitiu o nascimento
de uma nova sociedade, o que significa repensar que a conquista hispânica se
concretizou plenamente. Dentre os objetivos dos colonizadores do século XVI,
como civilizar os índios de acordo com os padrões peninsulares; evangelizá-los a
fim de extinguir as religiões americanas; transformá-los em verdadeiros vassalos
do rei e conseguir todo o metal precioso possível. De acordo com Bruit (1992),
na prática, só o último objetivo foi alcançado, pois os outros se realizaram de
forma precária. Esse relativo fracasso não pode ser visto apenas como obra dos
conquistadores, segundo a ideia muito difundida de que só se preocuparam em
extrair o ouro e explorar os indígenas. Muito se deve também à ação dos nativos,
que opuseram diversas formas de resistência, como a militar e até mesmo no
boicote em relação à comunicação verbal.
Divergindo de Ruggiero Romano (1973), para Héctor Bruit (1992), o fator
mais importante não é discutir se a conquista foi positiva ou negativa, se o co-
lonialismo, em função da superioridade técnica, cultural, religiosa e política – o
que pode ser questionado – foi uma forma de integração e comunicação entre
os povos. É mais relevante, para o autor, mostrar que mesmo conquistados e
colonizados, os índios não perderam sua condição de agentes sociais ativos, ca-
pazes de inibir os valores impostos pelos vencedores. Desse modo, retira-se da
análise a visão negativa projetada sobre o indígena pela maior parte dos cronistas,
a começar por Bartolomé de Las Casas (1984). Assim, o eclesiástico espanhol
Francisco López de Gómara dizia que os índios eram preguiçosos e bêbados,
visto que eles estavam também revelando uma forma de resistência à conquista.
Em contrapartida, quando Las Casas (1984) afirmava que eram muito humildes
e obedientes, querendo impedir o massacre, no fundo, sugere que essa postura
não era mais que um disfarce. Os índios, segundo Las Casas (1984), mentiam
ao conquistador para defenderem-se; para confundi-lo, simulavam obediência,
ingenuidade e passividade. Isso ilustra, de acordo com Bruit (1992), o processo

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UNICESUMAR

invisível na história da conquista, ou, parafraseando o autor, a “dialética do visível


e do invisível” praticada pelos indígenas.
Para Bruit (1992), os índios não foram tão pacíficos e obedientes tal como
retratados por Las Casas (1984). Na verdade, a destruição e a mortandade foram
resultado, dentre outras causas, de uma relação de guerra que se desenvolveu
porque existiam combatentes de um lado e de outro. Porém, após essa fase de con-
frontos, os indígenas praticaram o que Bruit denominou “resistência camuflada”.
A primeira arma dessa resistência foi o silêncio. Desde a época do governa-
dor Bobadilla, na Hispaniola, os índios se negavam a falar com os espanhóis. A
rainha Isabel ordenou ao governador que obrigasse os índios a conversar com
os espanhóis. Por seu lado, Las Casas (1984, p. 157) se mostrou partidário do
silêncio, alegando que “para viverem, serem cristãos e de bons costumes, convi-
nha que não conversassem com os espanhóis, primeiro pelos vexames, roubos e
danos que sempre lhes fizeram [...]; segundo, por suas obras más e desordeiras”.
Portanto, a conquista em seu sentido mais amplo, de dominação total, de acul-
turação e de uma eliminação dos vencidos, de acordo com Bruit (1992), não
chegou a se realizar. Mesmo derrotados, explorados, usurpados de suas terras,
os nativos tornaram, até certo ponto, o processo de colonização instável. Para o
autor, apesar da destruição e do genocídio, os indígenas ainda sobrevivem física
e culturalmente, e a sua presença é, de algum modo, marcante em quase todas as
sociedades do continente americano.
Partindo para as análises de documentos de época, representados inicial-
mente pelas cartas e relatos do navegador genovês Cristóvão Colombo (1998),
principalmente os diários da segunda viagem (1493-1496), e pelos relatos do
chefe de expedição que dominou os astecas, Hernan Cortés (1985), escritos na
primeira metade do século XVI, podemos observar que ambos possuíam um
objetivo de conquista das terras do novo mundo e da difusão da fé cristã, no
entanto diferenciam-se no modo, na escolha de prioridades e na competência
de execução de seus respectivos objetivos. Em Colombo (1998), evidencia-se o
deslumbramento diante das terras que encontrou e, desse modo, é compreensível
certo sentido de preservação dos lugares, como quando afirma que os reis cató-
licos não consentiram que àquelas terras viessem estrangeiros, salvo católicos
cristãos, com o objetivo de preservar a natureza, e o indígena, inserindo este
último, contudo, no projeto de cristianização.

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UNIDADE 2

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Conquista da América: a Questão do Outro


Autor: Tzvetan Todorov
Editora: WMF Martins Fontes
Sinopse: o autor toma como exemplo o encontro entre os europeus
e os nativos americanos desde 1492, procurando analisar a influência cultural
entre as duas sociedades, e minimizar a ideia de que somente os nativos foram
aculturados. Todorov retrata momentos históricos vivenciados por essas so-
ciedades, como as dificuldades encontradas por Colombo durante a viagem (a
partir da análise do seu diário de bordo) e o primeiro contato com os nativos,
a visão que cada um constrói do outro etc. O choque do exótico com o conven-
cionalmente determinado padrão tradicional do viver, ver e conviver.

Colombo, ao contrário de Cortés, não lucrou em efetivar os seus objetivos. Pre-


judicou-se, talvez, pelo pioneirismo e pelas inúmeras possibilidades que as terras
americanas pareciam dispor (considerando-as um “paraíso terrestre”), tornando
sua administração um tanto sobrecarregada. Tudo somado, não manteve o pres-
tígio adquirido na primeira viagem. Isso também pode ser compreendido pelo
fato de Colombo ser genovês. Tendo em vista que a aversão ao estrangeiro na
sociedade espanhola era uma marca profunda (como na perseguição aos judeus
e muçulmanos) e que ia além da questão religiosa, é compreensível que, em um
segundo momento, Colombo tenha sido desprezado pela Coroa.
Já Cortés pôde ser mais efetivo que Colombo, embora tenha se beneficia-
do das descobertas anteriores. Dirigiu-se à América Espanhola determinado
a sobreviver pela conquista e descoberta de ouro, metas ocultadas por uma
suposta evangelização daqueles povos, circunstâncias que nunca foram de seu
interesse. Nota-se que sua tentativa mais evidente de fazer prevalecer a fé cristã
é questionável: narrou, em sua segunda carta (de 30 de outubro de 1520), que,
na visita à grande mesquita, derrubou os ídolos astecas dos seus assentos e os
fez descer por escada abaixo, limpando o lugar do sangue dos sacrifícios e man-
dando colocar imagens de Nossa Senhora e de outros santos (CORTÉS, 1985).
Na verdade, pelo relato de Bernal Dias Del Castillo (1998, p. 46), conquistador
e cronista espanhol que o acompanhou durante a conquista dos astecas, Cortés
apenas insinuou a Montezuma que os deuses ali expostos eram “cosas malas

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UNICESUMAR

que se llaman diablos...” e sugeriu fixar uma cruz e a imagem de Nossa Senho-
ra em um oratório do templo. Tais sugestões, aliás, foram logo rebatidas por
Montezuma, que afirmou que seus deuses eram bons e lhe davam saúde e boas
colheitas. Todo o episódio, a mentira relatada ao rei Carlos V (que governou a
Espanha de 1516 a 1556) é representativa da determinação de Cortés em vencer
e convencer a qualquer custo, pois o suposto ato de derrubar ídolos, limpar o
sangue dos sacrifícios humanos e cristianizar “bárbaros” demonstraria ao rei o
quanto era válida a sua empreitada por aquelas terras e o fato de ele ser o chefe
militar adequado para consumá-las.

PENSANDO JUNTOS

“Primeiro, porque estávamos lutando contra um povo bárbaro para espalhar nossa fé; se-
gundo, para servir a Vossa Majestade; terceiro, nós tínhamos que proteger nossas vidas;
e por último, muitos dos nativos eram nossos aliados e nos auxiliaram” (CORTÉS, 1985).

Se observarmos a descrição feita de Tenochtitlán, antiga cidade asteca, por Cortés


(1985), veremos que sua visão de mundo traz, em essência, uma mentalidade de
poder, ligada à então recente formação da Espanha como país representante da
fé cristã e baseada na expulsão dos mouros do território espanhol, que deixam
evidentes dois objetivos principais, os quais estão presentes em todas as suas car-
tas: a conquista das terras americanas e a legalização desse feito pelo rei espanhol.
É explícita em seus relatos a descrição das conquistas das terras, visando
o convencimento e, sobretudo, o apoio do rei nessa empreitada. Isso pode ser
exemplificado quando Cortés (1985) fala dos templos astecas, chegando mesmo
a compará-los às mesquitas muçulmanas e os deuses daqueles povos, aos ídolos
desencadeadores da barbárie e sacrifícios humanos. No pensamento de Cortés,
as descrições de templos e ídolos, deslocadas para o universo das guerras santas
medievais, promoveriam uma reação, um impulso, por uma nova expansão da
fé cristã empreitada pela Espanha.
O convencimento do rei pode ser captado também nas comparações que
Cortés (1985) fez da cidade asteca com cidades espanholas: Tenochtilán era tão
grande como Sevilha e Córdoba; a mesquita principal possuía uma torre maior
que a torre da igreja principal de Sevilha. Essas comparações provocariam talvez

83
UNIDADE 2

um medo pelo estranho, uma ameaça contra a grandeza da Espanha e a qual o rei
Carlos V certamente deveria combater. Ainda havia ouro, a disponibilidade do
metal e joias, prata e cobre também tinha a intenção de firmar o convencimento
do rei pela facilidade e abundância de riquezas.
Por fim, havia o convencimento pela beleza da cidade, e Cortés não deixou de
sugerir que a suntuosidade dos lugares era digna da realeza. Porém o aspecto da
beleza da cidade foi o menos considerado e não evitou a sua destruição, embora
Cortés (1985, p. 67), em alguns momentos, lamente a destruição, como quando,
na terceira carta, afirma que, para assustar os nativos, “mandei pôr fogo nas suas
casas e templos, embora isto me causasse grande pesar, pois em algumas dessas
casas Montezuma cultivava todas as espécies de aves”. Cortés (1985) caracteriza
a capital dos astecas como uma rica cidade dominada por bárbaros. Uma cidade
com características idênticas àquelas dos idólatras muçulmanos e, como estes
últimos, deveria ser submetida à grandeza da Espanha e à fé cristã, representadas
na figura do rei espanhol que manifestava o seu poder mediante o seu maior
enviado, ou seja, o próprio Cortés.

NOVAS DESCOBERTAS

No documentário Hernan Cortés: a crônica de uma conquista, é re-


tratada a conquista dos astecas pelos espanhóis, com destaque para a
vida pessoal de Hernan Cortés e Montezuma. O trabalho foi baseado
nas cartas escritas por Cortés e enviadas à Coroa espanhola. Vale a
pena conferir!

A descrição apresentada por Cortés (1985) confirma, dentre outras coisas, a in-
tenção da conquista pela desqualificação do nativo. A cultura asteca também
é vista sobre a ótica da dominação a ser praticada e, dentro desse aspecto, tornou-
-se objeto de trama e questionamento. Um exemplo que ilustra essa questão foi o
uso da profecia que previa a volta do Deus Quetzalcóatl, um dos quatro criadores
do mundo. Cortés (1985), que foi confundido com o Deus, soube da perspectiva
criada e usou essa agitação em seu benefício. Por fim, a própria cidade Tenochti-
lán foi pensada como uma forma de, mais do que legitimar, coroar o projeto da
conquista, que se efetivaria na derrubada da cidade.

84
UNICESUMAR

A obra Historia Verdadera de la Conquista de la Nueva España, concluída


provavelmente em 1568, de Bernal Díaz Del Castillo (1998), testemunha os acon-
tecimentos e exalta a figura dos soldados de Hernan Cortés, que conquistaram o
México. Bernal Diaz Del Castillo escreveu seu livro como forma de reparar par-
cialidades publicadas na Historia General de las Indias y Conquista de México,
do eclesiástico espanhol Francisco López de Gómara, em 1552. A obra de Gómara
enaltecia Cortés e deixava de lado os soldados que o ajudaram na empreitada.
Díaz Del Castillo deu seu testemunho, desmentindo afirmações de Gómara, que
classificava de exageradas.
É importante ressaltar que tanto Cortés quanto Bernal Diaz Del Castillo
(1998) – que o serviu e relatou a conquista espanhola no México liderada por
Cortés – acreditavam na predestinação para a conquista da região asteca, sem
descartar o sentimento de heroísmo nesse empreendimento. Mesmo servindo
Cortés, Del Castillo (1998) diverge em vários pontos em relação às descrições
feitas pelo chefe da expedição que dominou os astecas.
Del Castillo (1998) apresenta a lógica das reações humanas diante de situa-
ções-limites, expondo que a ação dos espanhóis não foi tomada sem perplexidade.
Essa reação, aliás, foi sentida até mesmo por Cortés (1985), como no episódio da
decisão sobre a prisão de Montezuma, momento em que percebeu o tamanho do
atrevimento ao aprisionar o imperador asteca. Na realidade, segundo Del Castillo
(1998), Cortés teria sido convencido da necessidade do enclausuramento do líder
asteca por pressão de outros capitães que o acompanhavam.
O relato de Bernal Diaz Del Castillo (1998) demonstra que Cortés não deter-
minou sozinho o rumo da guerra e que algumas passagens, narradas nas cartas
do conquistador, foram inventadas, como a derrubada dos ídolos astecas na mes-
quita maior. Aborda ainda que os espanhóis, inclusive Cortés, tinham simpatia
por Montezuma, como descrito no trecho “esto digo que em aquel tiempo todos
nosotros e aun el mismo Cortés, cuando parábamos delante del gran Montezuma
le hacíamos reverencia com los bonestes de armas” (CASTILLO, 1998, p. 134), o
que torna mais incompreensível a destruição da cidade de Tenochtilán, ocorri-
da nos meses seguintes. Na verdade, o relato de Bernal Dias Del Castillo (1998)
termina por comprovar que o caminho da história não é feito, muitas vezes, por
atos conscientes. A história se manifesta pelo imprevisível (como a varíola, que
eliminou grande parte dos astecas), sendo questionável atribuir a alguém o papel
de protagonista de qualquer acontecimento.

85
UNIDADE 2

PENSANDO JUNTOS

“Essa doença era desconhecida [...] e quando as varíolas atingiram os índios, foi tamanha
a moléstia e tal a pestilência em toda a terra que, na maioria das províncias, metade da
população morreu [...]” (MOTOLÍNIA, 1540).

Vamos falar sobre doenças durante o período de conquista


e colonização das Américas?

Em contrapartida com Bernal Diaz Del Castillo (1998) e Hernan Cortés (1985),
podemos notar em Bartolomé de Las Casas (1984), um frade dominicano que
relatou em várias obras o processo de conquista, uma visão bastante diferenciada
entre indígenas e espanhóis. Brevisima Relación de la Destruición de las Índias foi
escrita por Las Casas, em 1542, provavelmente como reação ao fato de que nesse
mesmo ano foram publicadas as “Leis Novas”, as quais, embora determinassem as
restrições das encomiendas e a escravidão de índios, não agradaram plenamente o
frade dominicano. Nessa obra, Las Casas (1984) descreve os espanhóis como cruéis
e ambiciosos, e os indígenas como seres simples e sem maldades. As conquistas do
Novo Mundo são relatadas praticamente por um único prisma: o da destruição.
O religioso buscou, por meio disso, afastar qualquer relação entre os indígenas dos
bárbaros e escravos naturais, associando-os a exemplos expressivos da perfeição
divina. Essa crença permitiu que Las Casas (1984) relacionasse o novo continente
ao paraíso terrestre, os indígenas aos inocentes que habitavam as terras agradáveis
e prazerosas e os espanhóis aos terríveis destruidores do paraíso descrito.

86
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

A encomienda era, em síntese, uma forma de trabalho obrigatório indígena, realizado nas
zonas rurais, no qual a força de trabalho era trocada pela evangelização. Devemos lem-
brar que, naquela época, a forma de trabalho escravo era proibida pela Igreja (para os
não-negros). Ao receberem ensinamentos religiosos, a Igreja se contentava e dizia que
eles estariam ganhando cristianização em troca de seu trabalho.

Nos relatos da Brevíssima Relação da Destruição das Índias, frei Bartolomé de


Las Casas (1984) imprime certa homogeneidade nas descrições das novas terras,
dos indígenas, com destaque aos astecas e seus conquistadores. Os indígenas,
independentemente da região em que vivem, apresentam sempre as mesmas
características: não conhecem a guerra, recebem os espanhóis com muita felici-
dade, vivem em grande pobreza e não dão valor ao ouro nem aos bens materiais.
As descrições paradisíacas das novas terras repetem-se ao longo da narrativa,
estas sempre são descritas como férteis, com abundância de frutas, sempre muito
prósperas, além de clima ameno. Já os conquistadores são apresentados como
cruéis, sem piedade e gananciosos pelo ouro.
Diferentemente do objetivo de Las Casas (1984) de exaltar os nativos ameri-
canos, Cortés (1985) pretendia convencer o rei Carlos V a validar a sua investida
militar no México, convencendo-o ainda de que ele, Cortés, era o homem adequa-
do para completá-la. Assim, para que seu objetivo fosse aceito pelo rei, os relatos
precisavam esconder a crueldade dos atos do conquistador (muito embora, em
alguns momentos, ela tenha sido exposta) e ressaltar não o lado guerreiro, mas
a possível glória da coroa espanhola em sua tentativa de expandir a fé cristã.
Las Casas (1984), embora deixe claro nos relatos de horror e desumanidade em
seus escritos, ao denunciar o extermínio dos indígenas, também acreditava na
possibilidade de cristianização daqueles nativos como uma saída possível para
a salvação daquelas almas.

PENSANDO JUNTOS

“Os espanhóis, esquecendo que eles eram homens, trataram essas inocentes criaturas
com crueldade digna de lobos, de tigres e de leões famintos” (LAS CASAS, 1984).

87
UNIDADE 2

Se compararmos Las Casas (1984) com Colombo (1998) notaremos que, para
ambos, o nativo americano possuía uma docilidade para a fé, uma alma pura, sem
violência − nem armas conheciam, afirmou Colombo, logo que os encontrou. No
entanto, para Colombo (1998), o nativo poderia ser inserido como escravo em um
projeto de exploração econômica das Índias, embora a hipótese devesse ser apli-
cada apenas a supostos canibais (como os caraíbas). Essa possibilidade, sugerida
aos reis espanhóis em sua segunda viagem para a América, seria inadmissível para
Las Casas, não só pelo preceito cristão de respeito ao próximo, mas também por
julgar que a natureza do índio era outra: algo delicado, não destinado ao trabalho.

Figura 5: “De espanhol e índia produz-se mestiço” / Fonte: Wikiwand ([2022], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma pintura onde vemos, à direita, uma mulher nativa sentada e com
um bebê em pé no seu colo. Perto dela, há um homem branco, vestindo roupas típicas de europeus da
época colonial. O homem está com o dedo da mão direita levantado, como se estivesse ordenando algo. À
sua frente, vemos outro homem, aparentemente mestiço, ajeitando frutas no chão. No meio da imagem,
há uma legenda escrita em espanhol, mas cuja tradução para o português seria: “De espanhol e índia
produz-se mestiço. espanhol 1.índia 2. mestiço 3 “.

88
UNICESUMAR

Historiografia sobre a conquista da América Espanhola

OLHAR CONCEITUAL
HISTORIADOR IDEIA PRINCIPAL

“Estado feudal reformulado”: surgiu em


Perry substituição ao feudalismo com o objetivo
Anderson de continuar garantindo que a aristocracia
permanecesse no poder.

Sérgio A diferença da colonização portuguesa


Buarque (“semeador”) com a América espanhola
de Holanda (“ladrilhador”).

Ruggiero Não houve um encontro, mas um choque


Romano entre dois mundos muito diferentes.

Héctor “O processo invisível da conquista”:


Hernán
“resistência camuflada”.
Bruit

Três fatores favoreceram a conquista


da América espanhola:
Marianne • Os “traumas biológicos” e mentais.
Mahn-Lott • A superioridade das armas.
• As “cumplicidades indígenas com o
invasor”.

89
UNIDADE 2

O sistema colonial implantado na América espanhola estava vinculado a


uma economia de exportação. Os principais produtos comercializados estavam
restritos à produção de gêneros tropicais ou metais preciosos, mercadorias de
procura intensa no mercado europeu.
Cada região da América Hispânica destacava-se por fornecer produtos tro-
picais diversos. O México, por exemplo, fornecia a cochonilha e o açúcar a partir
do século XVI. A América Central, sobretudo a região de El Salvador, disponi-
bilizou o anil. Desde fins do século XVI, o algodão passou a ser cultivado na
costa peruana e em algumas áreas do continente. No século XVIII, as Antilhas,
principalmente Cuba, especializaram-se na produção açucareira. Durante esse
mesmo período, aumentaram as exportações do cacau da Venezuela e do tabaco
da Colômbia para os portos espanhóis.
Um fator de peso durante o período colonial foram os metais preciosos
oriundos de diversas regiões da América hispânica. O ouro foi extraído das An-
tilhas até 1530, em partes da Venezuela, no Peru, no Chile e em algumas minas
da Colômbia. Muito embora o ouro tivesse um valor de mercado maior, o metal
mais produzido na América Hispânica, desde meados do século XVI, foi a prata.
Os dois polos principais de extração foram o México e o Peru, regiões que se
tornaram essenciais na manutenção do sistema colonial hispano-americano.
É importante ressaltar que a economia colonial da América Hispânica não
ficou restrita à produção exportadora. Havia, internamente, a necessidade de ma-
nutenção da população local. Nesse sentido, existiam núcleos subsidiários ligados
à produção de mantimentos e criação de gado. No caso da América espanhola,
tal produção era facilmente encontrada em comunidades indígenas localizadas
na região andina e no México. Esses povoados se destacaram como núcleos de
abastecimento, sobretudo durante o século XVI.
O emprego da mão de obra perpassava diferentes modalidades, quais se-
jam: servidão pessoal, escravidão plena e, em menor medida, o trabalho livre. As
diferentes formas de trabalho compulsório (servidão pessoal, escravidão plena,
dentre outras) foram as mais utilizadas por conta da própria logística do sistema
colonial. Assim, uma das principais atitudes dos espanhóis, ao submeter as po-
pulações autóctones aos seus interesses, foi explorar o trabalho desses nativos.
Nas Antilhas e em outras áreas cujos habitantes pertenciam a grupos nômades
ou seminômades, a providência tomada foi a escravização dos índios. Nas regiões

90
UNICESUMAR

centrais (Andes e Mesoamérica), houve a adaptação à economia de mercado


de tributos praticados até então, já que, nessas áreas, o nível de organização das
comunidades agrícolas se apresentava de forma mais elaborada. Nos locais onde
a população nativa foi praticamente dizimada ou a densidade demográfica era
menor antes da conquista, os colonizadores espanhóis implantaram a escravidão
africana, caso a região apresentasse atributos comerciais.
Você deve ter notado, conforme exposto anteriormente, que a organização
socioeconômica da América Hispânica variou de acordo com os recursos naturais
disponíveis em cada região, e em consonância com os grupos populacionais que
foram acometidos pela conquista. Em razão dessa diversidade, iremos nos con-
centrar nas áreas mais complexas e que se configuraram como centros do império
colonial espanhol: a Mesoamérica e os Andes centrais. Dentre as estruturas so-
cioeconômicas que se desenvolveram na América hispânica, é inegável que a mais
relevante e, portanto, lucrativa, foi a mineração, principalmente a extração da prata.
Tal atividade impulsionou a colonização de forma a expandi-la no espaço, fosse
por meio da construção de cidades ou da diversificação da economia colonial.
Pode-se dizer que, a princípio, a economia mineradora da América Espanhola
não estava baseada integralmente na propriedade privada, pois todo o território
era considerado domínio da Coroa hispânica. O sistema de ocupação para fins
produtivos dessas terras estava baseado em concessões perpétuas realizadas pelo
poder régio a investidores mineiros. Estes, por sua vez, se localizavam em diversos
setores sociais, podendo ser o rei e funcionários do primeiro escalão até grupos
de colonos compostos por homens simples e indígenas. A partir de fins do século
XVI, a exploração mineradora exigiu uma tecnologia capaz de concentrar e apro-
fundar as escavações. Dentre os mecanismos que mais lograram êxito no processo
de extração da prata, está a introdução do amálgama de mercúrio. Esse sistema,
porém, resultou na hierarquização entre os mineradores, ou seja, os pequenos e
médios produtores de metais vendiam o minério explorado de suas minas para os
empresários de grande porte, os quais monopolizavam o processo do amálgama.
A extração da prata era controlada de forma mais intensa pelo capital co-
mercial, isso significa que sua produção era, geralmente, direcionada para a Euro-
pa, sobretudo Espanha e, posteriormente, drenada para outros centros financeiros
europeus. Além disso, a Coroa hispânica cobrava, na forma de imposto, 20% de
toda a produção de prata (o quinto).

91
UNIDADE 2

Apesar de a extração da prata ser um dos vetores da economia colonial hispa-


no-americana, é importante ressaltar que não foi o único. No setor agrícola, por
exemplo, predominaram dois sistemas diferenciados: a hacienda e a comunidade
indígena. Apesar de coexistirem durante todo o período colonial, houve a predo-
minância da primeira em relação à segunda, sobretudo para manter o abasteci-
mento na medida em que as comunidades indígenas declinaram. A agricultura
nativa carregou o quanto pôde a dupla tarefa da economia colonial, que exigia os
mantimentos para o abastecimento interno. Sem trabalhadores, a agricultura aldeã
sucumbiu e se deslocou do mercado, mantendo-se apenas para a subsistência.
Em meio a esse processo, a hacienda assumiu a função de abastecedora, mono-
polizando a unidade de produção da colônia. De forma geral, pode-se dizer que
a hacienda abrigava diversos tipos de produção, desde uma agricultura de sub-
sistência até um subsistema de agricultura/criação vinculados a mercados locais.
Em síntese, podemos dizer que a hacienda foi uma unidade produtiva que
atendia aos interesses do mercado. Dessa forma, era responsável pela produção
de mercadorias para o consumo local. Algumas vezes, sua produção destinava-se
a produtos exportáveis, como o açúcar. Em consonância com Vainfas (1984, p.
60), a hacienda foi uma importante ferramenta de “monopolização fundiária” e
simbolizou “uma solução socioeconômica para o desequilíbrio entre a oferta de
terras (abundante) e a oferta de trabalho (escassa) capaz de garantir a disponibili-
dade de mão de obra para o conjunto da economia colonial”. Além disso, convém
frisar que a mineração foi responsável pelo surgimento de relevantes núcleos de
produção artesanal e manufatureira.
A economia colonial hispano-americana era composta por várias formas
de trabalho, dentre as quais: o trabalho compulsório na maioria dos casos e, de
forma reduzida, o trabalho livre e assalariado, caso aplicado a alguns setores espe-
cializados (a exemplo dos mestres do açúcar e técnicos do amálgama), e a certos
núcleos artesanais urbanos, e a atribuições intermediárias de administrador ou
feitor (mayordomo).
No que se refere ao trabalho escravo, é importante frisar que essa modalida-
de não foi utilizada por longos períodos, sendo adotada apenas durante o “ensaio
antilhano”, em princípios do século XVI. A escravidão indígena foi um recurso
utilizado em regiões habitadas por “índios bravos” (a exemplo dos araucanos e
chichimecas) que eram reduzidos à escravidão quando eram capturados.

92
UNICESUMAR

Em outro caso, a escravização do gentio era utilizada quando este revelava um


comportamento rebelde, não aceitando, por exemplo, a doutrina cristã imposta
pelos colonizadores. Nesse caso, o índio era submetido à escravidão por meio da
“guerra justa”, uma das únicas maneiras de legitimar a escravidão indígena, já que
desde cedo a Coroa e a Igreja optaram pela condenação de tal modalidade de
trabalho aplicada aos nativos. Entretanto é importante ressaltar que tal política
obteve êxito pelo fato de já existirem sistemas de extração do sobretrabalho al-
deão sem recurso a escravidão nos núcleos centrais (região do México, América
Central e Andes). A escravidão africana, por sua vez, se manteve presente em
diversas áreas, sobretudo em partes do Peru, Venezuela, Cuba, Colômbia, dentre
outras regiões. De acordo com Ciro F. Cardoso (1981, p. 79), durante todo o pe-
ríodo em que vigorou o trabalho africano, a América Espanhola recebeu apenas
1/15 dos escravos enviados para as colônias.

PENSANDO JUNTOS

“Ensaio antilhano” é um termo que se refere ao modelo espanhol implantado por Cristó-
vão Colombo, em 1492.

Um dos sistemas de trabalho adotado pelos colonizadores espanhóis foi a en-


comienda. Criada no período da Reconquista Ibérica, a encomienda é genui-
namente uma instituição hispânica que sofreu mudanças ao ser implantada nas
colônias. No caso da América Espanhola, tal prática foi regulamentada no século
XVI entre os povos sedentários. De forma geral, a encomienda consistia no pro-
cesso de divisão das aldeias entre os conquistadores, os quais passaram a explorar
o sobretrabalho dos nativos sem, entretanto, condicioná-los à escravidão. Nor-
malmente, os encomendeiros exigiam impostos em gêneros ou em prestações de
trabalho, mas, na maioria dos casos, não tinham direito à terra dos índios. Essa
relação entre os encomendeiros e as aldeias era estabelecida graças à intermedia-
ção das chefias comunitárias. Todavia, durante o século XVI, a Igreja e a Coroa
se posicionaram contra a encomienda, impedindo as prestações de trabalho e
submetendo as aldeias ao controle da administração colonial.

93
UNIDADE 2

A decadência da encomienda, na segunda metade do século XVI, foi acom-


panhada pela alteração das aldeias indígenas, colocando-as na condição de “cor-
regimientos de índios”, situados próximos às minas e cidades. Tais comunidades
passaram a ofertar mão de obra por meio de outro sistema, denominado reparti-
miento. De acordo com essa metodologia de trabalho, cada comunidade iria ofer-
tar, de tempos em tempos, uma quantidade de trabalhadores para se dedicarem
a atividades coloniais. Em consonância com Vainfas (1984, p. 62), “pelo trabalho
no repartimiento, cujo tempo variava de semanas a meses, os índios deveriam
receber um salário, parte do qual obrigatoriamente em moeda (ou metal) a fim
de que pudessem pagar o tributo régio” (VAINFAS, 1984, p. 62-63).
Embora variasse de uma região a outra, pode-se afirmar que o repartimiento
transformou-se na forma de trabalho predominante na América Hispânica até
meados do século XVII, principalmente na mineração.
Outra prática utilizada, sobretudo na hacienda, foi a peonaje, sistema pelo
qual os trabalhadores criavam uma dívida no armazém da propriedade a fim
de retê-los nela. As contas eram controladas de forma a torná-las iliquidáveis,
ficando o trabalhador obrigado a pagar com o seu trabalho.
Assim, as relações de trabalho atuantes na América hispânica eram múltiplas
e complexas, agregando formas tributárias, práticas frágeis de assalariamento
no sentido de sujeitar pessoalmente os trabalhadores, criando, em alguns casos,
vínculos que mais se aproximavam da “servidão”.

Figura 6 – Bandeira com 13 es-


trelas e 13 faixas, representan-
do as Treze Colônias
Fonte: Ross ([1776], on-line).

Descrição da Imagem: a ima-


gem é um desenho de uma
bandeira em que são predo-
minantes listras na horizontal
intercalando as cores branco
e vermelho. Do lado direito,
na parte superior, há um qua-
drado em azul escuro, no qual
aparecem 13 estrelas brancas
organizadas em círculo.

94
UNICESUMAR

A América Inglesa, composta pelo Canadá e Estados Unidos, foi colonizada pe-
los ingleses em princípios do século XVII, muito provavelmente com a fundação
da colônia de Virgínia. Com essa informação, você pode refletir sobre a premissa
de que os ingleses não foram os pioneiros na América. Além disso, de modo dis-
tinto da colonização portuguesa e espanhola no Novo Mundo, a Coroa não foi
responsável pela colonização, pois esse trabalho foi articulado por particulares e
pelas Companhias de Comércio. Por isso, para Leandro Karnal, Sean Purdy, Luiz
Estevam Fernandes e Marcos Vinícius de Morais (KARNAL et al., 2007, p. 35),
ao contrário da América Ibérica, houve na América Inglesa “uma colonização de
empresa, não de Estado”.
Mas o que levou os ingleses a aceitarem abandonar sua terra de origem e se
aventurarem a ocupar regiões que mal conheciam? É importante destacar que,
nesse momento, a Inglaterra passava por crises conjunturais: por um lado, as
perseguições políticas e religiosas e, de outro, as implicações da expropriação dos
camponeses, um processo que ficou conhecido como “cercamentos”.
Diante da intensificação das perseguições religiosas do século XVI e os en-
calços políticos do século XVII, momento em que figuraram conflitos entre o
Parlamento e os reis Stuart, os ingleses viram o fato de migrarem para a América
como uma das alternativas. A prática dos cercamentos e a situação de miséria
instalada em razão desse processo apenas agravou o cenário caótico da Ingla-
terra seiscentista. Tal fenômeno resultou na expulsão e confisco de terras do
campesinato inglês, fator que os levou a migrarem forçosamente para a América
em busca de melhores condições de vida. O processo de migração de ingleses
para o Novo Mundo serviu de combustível para fomentar a colonização na
região setentrional do continente. Quanto à organização do sistema colonial
na América Inglesa, existem divergências na literatura especializada sobre o
assunto. Alguns historiadores falam na organização de três áreas principais (as
colônias do norte, centro e sul), ao passo que outros insistem na existência de
duas regiões colonizadas de forma distinta (as colônias do norte e sul). Vamos
aqui optar pela segunda interpretação.

95
UNIDADE 2

Figura 7 – Distribuição geográfica das treze colônias inglesas na América em 1775


Fonte: Wikimedia Commons ([2022] on-line).

Descrição da Imagem: mapa onde vemos as trezes colônias da América Inglesa destacadas em um tom de
laranja mais forte. Essas colônias estão banhadas pelo Oceano Atlântico. No mapa, ainda é possível obser-
var, na parte central e à esquerda, os territórios que ainda pertenciam aos indígenas e à América espanhola.

As colônias do norte são: Pensilvânia, Nova Jersey, Nova York, Delaware, Connec-
ticut, Rhode Island, Massachussets e Nova Hampshire. As colônias do sul, por sua
vez, são classificadas na seguinte ordem: Maryland, Virgínia, Carolina do Norte,
Carolina do Sul e Geórgia.
As colônias do norte foram destinadas ao povoamento de refugiados
enquadrados nos casos citados anteriormente. Essa região, banhada pelo
Oceano Atlântico, apresenta o clima temperado, similar ao europeu. Tais carac-
terísticas facilitaram o desenvolvimento de um núcleo de povoamento baseado
na policultura de subsistência e no mercado interno, já que não foram encontra-
dos metais preciosos e nem produtos agrícolas em abundância para o mercado
europeu.

96
UNICESUMAR

O trabalho familiar, concentrado em pequenas propriedades, foi predomi-


nante. Alguns cereais, como o milho, foram cultivados por esses grupos. Além
disso, na região setentrional dessas colônias, mais conhecida como Nova Ingla-
terra, desenvolveu-se uma produção de navios significativa. Esses estaleiros foram
bem-sucedidos em razão da abundância de madeiras existentes na região e tais
grupos familiares confeccionavam embarcações destinadas aos mais diferentes
fins, bem como para o comércio triangular (KARNAL, 2007, p. 47).

PENSANDO JUNTOS

Ficou curioso para saber o que foi o comércio triangular? Saiba que esse tipo de comér-
cio interligava três pontos que envolviam um conjunto de interesses e negociações entre
África, América e Europa.

No caso das colônias do norte, o comércio triangular era muito utilizado na com-
pra de cana e melado das Antilhas, os quais seriam transformados em rum.
Tal bebida era transportada para a África por meio de embarcações provenientes
da Nova Inglaterra. Nesse continente, era usualmente trocada por escravos. Esses
cativos eram comercializados pelos proprietários de terras das Antilhas e Colô-
nias do Sul. Seguido desse processo de venda de mão de obra escrava, novamente
os navios retornavam para a Nova Inglaterra carregados de melado e cana para
a produção de rum. Tal comércio envolvia, geralmente, a Europa, para onde ru-
mavam os navios com açúcar das Antilhas, os quais retornavam com produtos
manufaturados para serem comercializados nas colônias inglesas na América
(KARNAL et al., 2007, p. 47).
Além dessas atividades, as Colônias do norte adotaram a pesca para comple-
mentar a economia local. Localizadas próximas a um dos maiores pesqueiros do
mundo (Terra Nova), tais colônias tiveram condições de explorar fartamente as
atividades pesqueiras, bem como a venda de peles, as quais eram adornos funda-
mentais nos vestuários da época, além de proteger do rigoroso inverno europeu.
Em termos políticos, a região da Nova Inglaterra se mostrou bastante orga-
nizada, apresentando governos com larga participação popular. Mesmo com as
proibições da população, cada colônia possuía relativa autonomia e chegaram

97
UNIDADE 2

a construir pequenas manufaturas, além de realizarem o comércio entre outras


regiões que não fossem a metrópole e não possuíam o seu aval.
De forma distinta, as colônias do sul desenvolveram uma economia mais
condizente com os interesses europeus. Desde cedo, cultivaram o tabaco e o fumo,
sendo que o primeiro exigia uma expansão agrícola contínua, tamanha a sua
capacidade de esgotamento do solo. Muito embora a mão de obra servil branca
fosse muito utilizada no século XVII, é fato que o aumento da área de tabaco
exigiu um número significativo de mão de obra escrava (KARNAL et al., 2007,
p. 49). Como consequência, a sociedade ficou marcada por ampla desigualdade
e resistiu mais ao pensamento de independência por estar vinculada a interesses
externos, isso porque os latifundiários meridionais temiam que uma ruptura com
a Inglaterra significasse um corte com a sua estrutura econômica.
Era comum algumas pessoas reafirmarem a dependência das colônias do
sul com a Inglaterra, como no fato de que quase todas as roupas eram prove-
nientes de lá, mesmo o Sul sendo o grande responsável por produzir linho e
algodão. Outras, por sua vez, não escondiam o espanto de que mesmo a região
sendo rica em madeira houvesse a importação de cadeiras, bancos e cômodas
(KARNAL et al., 2007, p. 49).
As colônias centrais estariam mais vinculadas à agricultura, com enfoque na
produção de cereais e, assim como no Norte, desenvolveram pequenas proprie-
dades e manufaturas. Essas colônias surgiram posteriormente, já que, a princípio,
esse território era utilizado para separar as colônias do norte e do sul. Dentre
essas, podemos destacar a Pensilvânia, fundada pelos quakers, um grupo que
surgiu após a Reforma e que se baseava na igualdade entre homens e eram con-
trários a toda e qualquer forma de violência, sobretudo as guerras. Em função
dessa plêiade de ideias, os quackers sofreram perseguições diversas na Inglaterra
e viram na América uma forma de fugir da violência. Como um dos grupos que
surgiram após a Reforma, suas ideias estavam voltadas para a igualdade entre
os homens, se opondo a qualquer tipo de tratamento coercitivo, fator que lhe
renderam inúmeras perseguições na Inglaterra.
De forma distinta dos ingleses, a colonização francesa na América ocorreu
de forma tardia, ficando restrita, em um primeiro momento, a viagens e conquis-
tas. Apesar de os franceses se fazerem presentes na América ao longo do século
XVI, tal ação não significou uma atitude sistemática e precisa desenvolvida pela
Coroa. A sua atuação no Novo Mundo estava mais restrita à participação de

98
UNICESUMAR

corsários e aventureiros, como em incursões na América do Norte e em outras


regiões ao sul da América, a exemplo de ocupações de parte do litoral brasilei-
ro no intuito de encontrar pau-brasil e em algumas visitas mais ousadas, como
quando tentaram fundar a chamada França Antártica, no Rio de Janeiro, em 1555.
Outra tentativa de inaugurar uma colônia francesa na América do Sul ocor-
reu no século XVII, quando implantaram a França Equinocial ou Equatorial, no
Maranhão, de onde foram expulsos. Foi somente nesse mesmo século, durante
o reinado de Luís XIII e de seu primeiro-ministro Richelieu, que a colonização
da América pelos franceses assume um caráter mais incisivo. A ocupação do
Canadá e de algumas ilhas da América Central, a exemplo de Guadalupe, Haiti e
Martinica, sinaliza a fase decisiva da colonização francesa no Novo Mundo. No
Canadá, os franceses se dedicaram à prática de uma agricultura de subsistência
e ao comércio de peles, com ampla procura no mercado europeu. Nas Antilhas,
por sua vez, a produção açucareira se tornou a base da economia de exploração
e gerou uma substancial acumulação de capitais, principalmente por utilizarem
a mão de obra escrava africana.
Tais conquistas, porém, não permaneceram por muito tempo nas mãos dos
franceses. A rivalidade com os ingleses aumentou de forma significativa e esse
fator conduziu os franceses a perderem Martinica, Guadalupe e o Canadá, em
função da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), para os britânicos.
Das colônias francesas na América, restaram somente o Haiti, a Guiana Fran-
cesa e a Luisiana (parte central da América do Norte, mas que foi vendida aos
norte-americanos no século XIX).

PENSANDO JUNTOS

Você sabia que a Guerra dos Sete Anos foi uma série de conflitos internacionais ocorridos
entre 1756 e 1763? Esses confrontos envolveram diversos reinos europeus e se estende-
ram para as colônias da Ásia, África e América do Norte. O atrito que resultou nesse even-
to bélico foi liderado por dois blocos: de um lado, os franceses e seus aliados (Reino da
Suécia, Reino da Saxônia, Reino da Espanha, Reino de Nápoles, Ducado de Württemberg,
Império Austríaco e Império Russo); por outro lado, liderados pela Inglaterra, estavam o
Reino da Prússia, Reino de Portugal, Reino de Hanôner, Ducado de Brunsvique e Estado
de Hesse-Cassel.

99
UNIDADE 2

Pelo que você viu até aqui, pôde notar que a colonização inglesa na América se
desenvolveu à parte da Coroa britânica. As treze colônias gozavam de um grau
de independência considerável entre si, estando cada uma delas, também, autô-
nomas, em certa medida, da metrópole. Conforme salientamos, a colonização
ocorreu a partir da iniciativa privada, o que explica o desenvolvimento de um
elevado grau administrativo, econômico e político, caracterizado, sobretudo, pela
ideia do autogoverno.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Conquista do Oeste


Ano: 1962
Sinopse: o filme descreve os perigos e aventuras vividos pelos des-
bravadores pioneiros do Oeste americano. Esta saga é contada por
intermédio da história de três gerações da família Prescott.
Comentário: um filme relevante para compreendermos os anos de expan-
são americana em direção ao Oeste, entre 1830 e 1880, a corrida pelo ouro,
a guerra civil americana e a construção de ferrovias.

100
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Letra Escarlate


Ano: 1995
Sinopse: o filme descreve a busca pela liberdade das pessoas que
fugiam da perseguição religiosa na Inglaterra durante o domínio do
rei Carlos II. Mostra principalmente os detalhes da situação da mulher na
sociedade vigente.
Comentário: um material importante para auxiliar na compreensão da per-
seguição religiosa ocorrida na Inglaterra durante o século XVII.

Vamos realizar uma “mão na massa” com os nossos alunos? O objetivo é levar
metodologias ativas para os estudantes da Educação Básica, uma vez que eles
produzirão um painel on-line com fotos. Como uma das temáticas dessa unidade
foi a conquista e colonização da América, sugerimos que, nessa proposta, você, en-
quanto professor de História, monte uma atividade utilizando o site do Padlet. A
proposta da sua atividade pode ser solicitar aos alunos que insiram uma imagem
sobre a conquista da América e, em seguida, expliquem o porquê dessa imagem
estar relacionada a esse assunto. Essa proposta permite, além de aprender novas
habilidades utilizando ferramentas on-line, fazer com que o aluno interprete uma
imagem e faça pesquisas voltadas ao tema solicitado.

101
1. As nações que formam, nos dias de hoje, as regiões conquistadas e colonizadas
pelos espanhóis e ingleses na América possuem uma singularidade própria, mas
que encontra raízes no passado. Tal fato nos permite compreender por que existem
diferenças culturais, sociais, econômicas e políticas tão gritantes no continente ame-
ricano. Durante o texto, você deve ter notado que existem múltiplas interpretações
sobre a conquista da América espanhola. Estabeleça uma comparação do olhar da
conquista feita por Hernan Cortés, Bartolomé de Las Casas e Cristóvão Colombo.

2. Dentre as estruturas socioeconômicas que se desenvolveram na América hispânica, é


inegável que a mais relevante e, portanto, lucrativa, foi a mineração, principalmente a
extração da prata. Tal atividade impulsionou a colonização de forma a expandi-la no
espaço, fosse por meio da construção de cidades ou da diversificação da economia
colonial. Uma das principais estruturas socioeconômicas que se desenvolveram na
América Hispânica foi a mineração, principalmente a extração da prata. A partir dessa
assertiva, descreva a economia mineradora na América Espanhola.

3. Diante da intensificação das perseguições religiosas do século XVI e os encalços


políticos do século XVII, momento em que figuraram conflitos entre o Parlamento e
os reis Stuart, os ingleses viram o fato de migrarem para a América como uma das
alternativas. A prática dos cercamentos e a situação de miséria instalada em razão
desse processo apenas agravou o cenário caótico da Inglaterra seiscentista. Tal fenô-
meno resultou na expulsão e confisco de terras do campesinato inglês, fator que os
levou a migrarem forçosamente para a América em busca de melhores condições de
vida. O processo de migração de ingleses para o Novo Mundo serviu de combustível
para fomentar a colonização na região setentrional do continente. A organização do
sistema colonial da América inglesa estava baseada na existência de duas regiões
colonizadas de forma distinta (as colônias do norte e sul). Com base na leitura desta
unidade, analise a estrutura socioeconômica de cada uma dessas áreas.

102
3
América Frente à
Crise do Sistema
Colonial e os
Movimentos de
Independência
Dra. Verônica Karina Ipólito

Nesta unidade, você estudará como a crise do sistema colonial irá


resultar nos processos de independência da América Espanhola. Além
disso, serão analisados os acontecimentos que resultaram na eman-
cipação política da América portuguesa, bem como os fatores que
aceleraram a independência da América Inglesa.
UNIDADE 3

Certamente, você já ouviu falar da Copa Libertadores da América, o mais tradi-


cional e importante torneio de clubes da América do Sul. Mas o que esse campeo-
nato tem a ver com o tema da nossa unidade? Qual a relação dessa competição
com os processos de independência da América?
Em 1960, houve a primeira edição desse torneio, muito embora ele se cha-
masse, à época, de Copa dos Campeões da América. Posteriormente, o nome da
competição foi alterado a fim de homenagear alguns líderes da independência
dos países da América do Sul, a exemplo de Simón Bolívar, José de San Martín,
José Artigas, Bernardo O’Higgins, dentre outros. Essa competição permite ao
campeão uma vaga para disputar a Copa do Mundo de Clubes da Fifa. No ano
de 2009, foi realizada a primeira edição feminina do torneio, consagrando-se
campeãs as jogadoras do Santos Futebol Clube.
Os dados apresentados até aqui possuem o objetivo de promover uma discus-
são inicial sobre o conceito de independência por meio desse torneio de futebol,
cujo nome homenageia os líderes dos movimentos de independência na América
espanhola, bem como promove a reflexão sobre o porquê de as mulheres terem
sido esquecidas nesse processo, além de fazer uma relação com o presente, no
caso do futebol. Nesse caso, convido você, aluno(a), a realizar uma pesquisa so-
bre a história da Copa Libertadores da América, a fim de conhecer melhor esse
campeonato, bem como as relações dele com a História.
Assim, esperamos fazê-lo(a) refletir que a compreensão do termo “indepen-
dência” pode assumir significados distintos, dependendo do contexto em que for
utilizado. No caso de um país, por exemplo, a independência está relacionada à
autonomia política, o que pode não corresponder à independência econômica.
Vale lembrar, ainda, que para os escravizados, o desejo de independência corres-
pondia ao fim do cativeiro, enquanto para a elite colonial, a independência seria
o fim das intervenções da metrópole em seus negócios. Nesse sentido, a surpresa
talvez causada com o lançamento do torneio feminino da Copa Libertadores da
América apenas em 2009 poderia ser utilizada como reflexão sobre o esqueci-
mento intencional da participação feminina nos movimentos de independência
latino-americanos e a falta de divulgação e reconhecimento do futebol feminino
fazem parte desse processo de exclusão das mulheres. E para você, aluno(a), qual
o significado do termo independência? Registre no Diário de Bordo o que você
entende desse conceito antes de viajarmos por mais esse conteúdo de História
da América!

106
UNICESUMAR

DIÁRIO DE BORDO

Figura 1 – Campeãs da Primeira Copa Feminina da Libertadores da América de 2009


Fonte: Santos F.C. (2015, on-line).

Descrição da Imagem: há vinte e duas pessoas na foto, umas ao lado das outras, sendo que onze delas
estão levemente abaixadas à frente. Dezoito delas são mulheres e quatro são homens. As mulheres são as
jogadoras de futebol, e a maioria veste camisetas e shorts na cor branca, com os nomes de patrocinadores
e emblema do time do Santos. Duas mulheres estão com camisetas na cor azul, indicando uma posição
diferenciada das jogadores, provavelmente goleiras. Os homens que aparecem na imagem trajam roupas
nas cores preto e branco, cores típicas do time que representam. Na fila de trás também há onze pessoas
que estão em pé. Todas estão fazendo pose para a foto. Ao fundo, vemos um estádio de futebol com a
torcida e, na frente, há uma placa com os dizeres Copa Santander Libertadores de Futebol Feminino 2009.

107
UNIDADE 3

Ficou curioso(a) para saber mais sobre a atuação das mul-


heres nos processos de independência da América? Então,
não perca o podcast pra lá de especial que preparamos
sobre esse assunto! Aperte o play e descubra!

Figura 2 – Colônias europeias


na América (séculos XVI-XVII)
Fonte: Wikimedia Commons
(2006, on-line).

Descrição da Imagem:
a imagem é um mapa no
qual estão assinaladas,
de acordo com a legenda,
as colônias europeias na
América entre os séculos
XVI e XVII. Grande parte da
região da América Central,
México e América do Sul
estão marcadas em ama-
relo como pertencentes à
Espanha. A faixa litorânea
de onde hoje é o Brasil está
assinalada em verde como
pertencente a Portugal.
Porções menores de terras
da América do Norte e nor-
te da América do Sul per-
tenciam à Grã-Bretanha,
França e Holanda, mar-
cadas com as cores azul,
vermelho e preto, respec-
tivamente. O restante do
mapa aparece assinalado
em cinza, pois estava sob
o domínio dos povos ori-
ginários da América pelo
menos até o século XVII,
sem domínio de nenhuma
outra nação.

108
UNICESUMAR

Durante os séculos XVII e XVIII, a Europa sofreu mudanças significativas que


resultaram em transformações nas mais distintas áreas e influências substanciais
em todo o mundo ocidental.
Ao abordar as causas das emancipações na América Espanhola, John Lynch
(2001) afirma que as Reformas Bourbônicas e as suas consequências aceleraram
esse processo. Para tanto, iremos nos ater a esse assunto a partir de agora.
As Reformas Bourbônicas consistiram em uma série de reformulações
executadas pela Coroa Espanhola durante a segunda metade do século XVIII.
Aliás, reformular as estruturas já existentes ao invés de criar outras novas foi uma
escolha dos próprios reis da dinastia dos Bourbons. John Lynch (2001) defende
a ideia de que colônia (América Espanhola) e metrópole (Espanha) quase não
possuíam diferenças entre si, exceto pelo fato de nas colônias haver a extração de
metais preciosos. Com isso, o autor chama a atenção para o não desenvolvimento
da Espanha e como ela impedia o desenvolvimento da sua colônia americana. O
grande crescimento populacional vivenciado no século XVIII aumentou a de-
manda por produtos agrícolas e por terras nas colônias. Essa demanda era forte
principalmente na Espanha e no mercado internacional. Diante dessa conjuntura,
era fundamental aprimorar as técnicas, intensificar a comercialização dos pro-
dutos e impedir travas ao desenvolvimento. Algumas medidas foram tomadas
visando atingir esses objetivos, muito embora não faltassem críticas em relação
a elas. Foi feita, por exemplo, a Lei do Milho de 1765, por meio da qual houve
a distribuição de terras, mas de forma bastante limitada. Outra medida tomada
visando o crescimento econômico foi a regulamentação do comercio libre. Sobre
esse último, houve várias críticas sobre a sua efetividade para as colônias, uma
vez que, por esse sistema, questionava-se quais benefícios eram trazidos para as
colônias, uma vez que mantinham os monopólios, bem como impedia as colônias
de comercializarem diretamente com outros países.
Se estabelecermos um paralelo da Espanha com a Inglaterra nesse período,
veremos como a Espanha mantinha uma economia essencialmente agrária, ao
passo que a economia inglesa passava por mudanças drásticas devido à Revolu-
ção Industrial. A busca por mercados externos era intensa e, consequentemente,
o comércio inglês com as colônias aumentou muito. As relações comerciais entre
a Inglaterra e a América Espanhola eram importantes e mereciam ser expandidas
sempre que possível, porém não eram tão essenciais a ponto de serem incorpo-
radas ao Império Britânico. De qualquer forma, as visíveis contradições entre a

109
UNIDADE 3

Inglaterra e Espanha, representadas pelas antíteses de crescimento e estagnação,


tiveram um efeito poderoso na cabeça dos colonos. Ainda assim, eles não eram
consultados sobre a política exterior espanhola, tendo que pagar na forma de
taxas os custos da guerra contra a Inglaterra. A partir de 1765, a resistência à
taxação imperial se tornou constante e, às vezes, violenta.

No campo político, o império espanhol na América se baseava em uma balança


de poder entre grupos poderosos divididos na administração, igreja e elite local.
Os Bourbons centralizaram os mecanismos de controle e modernizaram a bu-
rocracia, criando vice-reinos e outras unidades de administração, como as inten-
dências, por exemplo. O que a metrópole achava que era um desenvolvimento
racional, as elites coloniais interpretavam como um ataque aos interesses locais.
A alteração dos intendentes foi um instrumento básico de reforma bourbônica,
ocasionando mudanças estruturais e uma nova legislação. Mesmo havendo essa
reforma administrativa, isso não necessariamente funcionou na América Espa-
nhola. Os colonos acharam essa nova política inibidora e, na medida do possível,
resistiram à intervenção da metrópole (HALE, 1991).
A mudança de intendentes, a permanência de travas do comércio da Amé-
rica Espanhola com o mercado mundial, dentre outras medidas, deixou claro
que a metrópole somente se preocupava consigo mesma e com o seu próprio
crescimento. O papel da América permaneceu o mesmo, consumindo exporta-
ções espanholas, produzindo minerais e alguns produtos tropicais. Diante desse
cenário, o comercio libre era a conexão de dependência entre a metrópole e a

110
UNICESUMAR

colônia. Todos esses fatores juntos, adicionados à profunda crise de 1808, cria-
ram na América uma crise de legitimidade de poder e de política. Somando-se a
isso tudo, houve a ausência do monarca espanhol durante determinado período,
agravando ainda mais a crise política. O progresso feito pela reforma bourbônica
na Espanha regrediu devido à Revolução Francesa, dando às colônias mais um
motivo concreto para se tornarem independentes.

EXPLORANDO IDEIAS

A crise de 1808 advém da invasão das tropas napoleônicas a alguns países europeus,
como Portugal e Espanha, em virtude da guerra que ocorria naquele continente, durante
a qual a França aprovou o Bloqueio Continental contra a Inglaterra. As tropas de Napoleão
Bonaparte ocuparam o território espanhol e favoreceram o movimento de independência
das colônias da América porque enfraqueceu o poder da metrópole. Especificamente em
1808, Napoleão invadiu Madri, na Espanha, retirou o rei espanhol Fernando VII do seu tro-
no e coroou, no lugar do então rei legítimo, o seu irmão José Bonaparte. Com a usurpação
do poder de Fernando VII, os hispano-americanos experienciaram uma nova fase política
sem precedentes e que deu margem para os movimentos de independência na América
Espanhola. Também em 1808, a família real portuguesa precisou fugir da Europa em vir-
tude das ameaças de invasão das forças napoleônicas. Os lusitanos não poderiam aderir
ao Bloqueio por causa de suas relações econômicas com o reino britânico.

111
UNIDADE 3

Na opinião de Lynch (2001), era claro o subdesenvolvimento da Espanha em uma


Europa cada vez mais ciente da Revolução Industrial. Além disso, novas ideias
mercantilistas e político-filosóficas fermentavam na Europa, fazendo com que os
Bourbons resolvessem revitalizar suas colônias na América a partir de meados
do século XVIII, seguindo seus próprios preceitos, ou seja, invocando as ideias
dos fisiocratas para reafirmar o papel do Estado e garantir a agricultura como
base econômica, recorrendo-se ao mercantilismo para justificar uma exploração
mais eficiente dos recursos coloniais e buscando no liberalismo econômico uma
base para eliminar as restrições ao comércio e à indústria.
Em consonância com Lynch (2001), o alto crescimento demográfico na
Espanha gerou uma nova procura por terras. As taxas de arrendamento da terra
na Espanha subiram muito mais que o preço dos produtos, em razão da alta
taxa de natalidade. A resolução bourbônica criou as regras do comercio libre y
protegido, em 1778, em Buenos Aires, Chile e Peru e, em 1789, na Venezuela e
México, acabando com muitas das restrições do comércio da própria Espanha
com a América hispânica em favorecimento dos primeiros. Isto é, para Lynch
(2001), o principal intuito do comercio libre era o de desenvolver a Espanha e
não a América. Gaspar de Jovellanos (apud LYNCH, 2001, p. 33), um economis-
ta liberal espanhol, por exemplo, elogiou o
decreto de 1778, por dar maiores
oportunidades à agricultura
e à indústria espanholas, em
um mercado que justificava sua
existência, mediante o consumo de
produtos espanhóis, ao dizer que “as
colônias são úteis na medida em que
oferecem um mercado seguro para
a produção excedente da
metrópole”.

112
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Ficou curioso para saber o que foi a fisiocracia? Saiba que os fisiocratas afirmavam que
toda a riqueza era proveniente da terra, da agricultura. São considerados membros da pri-
meira escola de economia científica, que surgiu antes mesmo da teoria clássica de Adam
Smith. Foi criada no século XVIII, o seu idealizador foi François Quesnay, médico da corte
do rei francês Luís XV. Trata-se, portanto, de uma teoria econômica criada para fazer opo-
sição ao mercantilismo.

Conforme Lynch (2001), foram feitas muitas restrições e exigências à América


espanhola, muitas impossíveis de serem realizadas. Contudo, inicialmente, não
geraram qualquer tipo de insatisfação. Isso porque, na visão de Lynch (2001),
a América hispânica era semelhante à sua metrópole. Assim, os produtos ex-
portados pela Espanha, muitas vezes, já competiam com os próprios produtos
existentes na América, por serem, em sua maioria, de procedência agrícola. Em
outras palavras, os dois mercados já competiam entre si e a influência do comercio
libre tardou a ser percebida.

113
UNIDADE 3

Embora encontremos o desenvolvimento de manufaturas em Barcelona, a pro-


dução espanhola era essencialmente agrícola. Por isso, para Lynch, as diferenças
entre a Espanha e suas colônias eram poucas ou praticamente nulas. Se, em um
primeiro momento, esse fator não causou insatisfações, posteriormente, foi sendo
um motivador para tensões coloniais que começam a insurgir. O novo impulso
dado ao comércio espanhol logo saturou esses mercados, de modo que as colô-
nias se defrontaram com um problema frequente: lucrar o suficiente para pagar
as crescentes importações. No entanto as falências no Novo Mundo se repetiam:
a indústria local declinou; mesmo os produtos agrícolas, como o vinho e o co-
nhaque, estavam sujeitos à concorrência das importações, e os metais preciosos
se escoaram nessa luta desigual.
Nesse sentido, segundo Lynch (2001), o comercio libre era favorável à Espa-
nha em todos os sentidos, em detrimento de uma América abandonada e cada
vez mais ciente da necessidade de ser independente. Essa autonomia pretendida
se via invadida pela ação espanhola contra, até mesmo, o desenvolvimento de in-
dústrias na América. Havia manufaturas já em Puebla, Quito e Querétaro, obrajes
em Cuzco e Tucumán. Todas entraram em decadência em razão das imposições
da metrópole que, não bastando, era incapaz de abastecer a América de produtos
industriais próprios.
A Espanha, mesmo adotando uma política de reexportação de produtos in-
dustriais, enfrentava alguns dilemas. Um exemplo seria o caso das oficinas têxteis
do México e de Puebla, que produziam o suficiente para pôr em alerta os manu-
fatureiros de Barcelona, os quais, frequentemente, se queixavam dos efeitos da
concorrência local sobre suas exportações e tentavam, junto à Coroa, ordens mais
rigorosas para a imediata destruição das fábricas têxteis instaladas nessas colônias.
Cedendo às pressões, foram lançados os decretos reais de novembro de 1800 e
outubro de 1801, que proibiam a constituição de fábricas na América espanhola.
Para a Espanha, era muito mais importante que a colônia se voltasse à pro-
dução agrícola e extração de minérios do que para o desenvolvimento de uma
indústria ou aperfeiçoamento do mercado. A guerra da Espanha com a Inglater-
ra entre 1796 e 1802 favoreceu os têxteis americanos, já que isolou as colônias
hispano-americanas da Espanha. O retorno das atividades dos manufatureiros
americanos se deu a partir de 1804, enfrentando a oposição dos manufatureiros
localizados na Espanha.

114
UNICESUMAR

Os embates entre a Espanha e a Inglaterra de-


monstraram a superioridade no comércio maríti-
mo britânico, superando a Espanha no momento de seu
embate (a partir de 1796) no comércio com a América.
O comércio da América Espanhola com estrangeiros era
impossível de ser evitado, já que a Marinha espanhola se
encontrava completamente debilitada. Novos mercados
se abriam para a América espanhola no momento dos
embates: Estados Unidos e outros países neutros aprovei-
taram-se dessa oportunidade, reexportando até mesmo
produtos manufaturados na Inglaterra. A Paz de Amiens,
em 1802, ofereceu uma oportunidade de recuperação das
exportações espanholas, mas 54% dos produtos enviados
à América eram de procedência estrangeira.
Para Lynch (2001), a situação se complicou ainda
mais em 1804, quando houve uma nova declaração de
guerra por parte da Inglaterra contra a Espanha. De
acordo com o autor, a Grã-Bretanha estava sedenta pelo
mercado americano, principalmente após o fechamen-
to dos portos europeus e o impedimento da entrada de
produtos britânicos ao mercado europeu por Napoleão.
É nesse ponto que, segundo Lynch (2001), o controle po-
lítico espanhol entrava em crise.
Os dados demográficos eram favoráveis aos criollos,
em detrimento dos peninsulares. Lynch (2001) suscita
dúvidas com relação à igualdade legal entre esses dois
grupos, mas é certo que, nas colônias, a Espanha des-
confiava dos americanos enquanto seus administradores.
Em razão disso, os excluiu dos postos de responsabilida-
de, da ocupação dos mais altos cargos ou do comércio
transatlântico na América. O objetivo espanhol era o
de desamericanizar a América, com medo de perdê-la
e, ao mesmo tempo, garantir lucro aos cofres reais. Daí
a nomeação dos peninsulares para todos os cargos de
confiança em que se exigia liderança.

115
UNIDADE 3

OLHAR CONCEITUAL

Falamos tanto de criollos, peninsulares… Mas você sabe o que significam essas termi-
nologias? Tais conceitos estão relacionados à sociedade da América Espanhola durante
o processo de colonização. Quer compreender um pouco mais sobre essa sociedade?
Então, veja o infográfico no qual estão os principais grupos sociais da América hispânica.

CHAPETONES OU PENINSULARES
Eram os espanhóis. Exemplos: vice-reis, governadores,
presidentes e ouvidores das Audiências, arcebispos, bispos,
padres das paróquias mais importantes e superiores de
comunidades religiosas. Funcionários e comerciantes da Coroa.

CRIOLLOS
Descendentes de espanhóis nascidos na América.
Exemplos: encomenderos e fazendeiros com acesso a
cargos nos cabildos. Podiam ingressar nas comunidades
religiosas e estavam a frente das paróquias.

MESTIÇOS
Eram os peões que trabalhavam na
agricultura, artesãos, carpinteiros,
pedreiros etc. Podiam entrar no clero.

ÍNDIOS
Encomendados dos espanhóis e criollos
ou fornecedores de trabalhadores para
as minas e haciendas (fazendas).

NEGROS
Escravos, trabalhavam em
minas e plantações.

116
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Criollos eram descendentes de espanhóis nascidos na América. Peninsulares, por sua vez,
eram espanhóis nascidos na metrópole e viviam temporariamente nas colônias. Também
eram conhecidos como chapetones.

Os peninsulares se consideravam superiores aos brancos (descendentes de eu-


ropeus) nascidos na América, como podemos observar na análise de Alexander
von Humboldt (apud LYNCH, 2001, p. 46): “o europeu mais baixo e com menos
educação e cultura acredita ser superior ao branco nascido no Novo Mundo.”
Mas, de certa forma, a moderna historiografia, em muitos momentos, encontra
alianças entre peninsulares e criollos em torno de interesses, funções e parentesco,
diminuindo em certos aspectos a dicotomia apontada por Humboldt.
Os problemas enfrentados pela Espanha eram muitos. Não havia uma estru-
turação com relação ao desenvolvimento industrial tardio, nem mesmo motiva-
ção. Não havia interesse em acumular capital para se implantar na indústria. O
objetivo maior era o de adquirir mais terras e artigos luxuosos importados. Não
havia um mercado nacional para a indústria: o sistema de transportes em fins
do século XVII na Espanha não comportava a demanda populacional nem tam-
pouco a transferência de produtos de um lado a outro do país. Por mar, era muito
mais simples adquirir um produto (ultramarino) do que por terra, como nas
cidades do interior da Espanha. Isso deixava cidades litorâneas, como Barcelona
e Cádiz, mais estruturadas e receptivas ao comércio do que Castela, localizada
no interior da Espanha.
Com isso, a Espanha perdia inúmeras oportunidades comerciais de exporta-
ção em razão dessa limitação estrutural. Apesar de o interior espanhol ser autossu-
ficiente no gênero alimentício, muitas das cidades do litoral tinham que importar
seus cereais e alimentos em geral. Cuba é um exemplo de colônia que se volta aos
EUA em razão da deficiência espanhola em abastecê-los com farinha de trigo.
Carlos III (que governou de 1759 a 1788) é o primeiro dos Bourbons a se
encarregar das políticas de modernização comercial e colonial da Espanha. O
comércio marítimo seria um essencial exportador do excedente agrícola da Es-
panha (embora encontremos uma estruturação das manufaturas de Barcelona).
No governo de Carlos IV (1788-1808), a Revolução Francesa foi responsável por
gerar temor na Monarquia espanhola, ocasionando uma reação sem precedentes

117
UNIDADE 3

na Espanha e, consequentemente, nas colônias americanas. A nomeação do Pri-


meiro-Secretário, Manuel Godoy, por Carlos IV, é um sintoma do retorno à velha
Casa dos Habsburgos: Godoy considerava a América Latina uma mera fonte de
metais preciosos e de pagamento de tributos. A prata da América hispânica, é
importante dizer, também interessava à Inglaterra, que vivia o auge da Revolução
Industrial (com exportação de 1/3 de sua produção).
A partir da receptividade dos colonos, nota-se quanto a Espanha era frágil
perante a Inglaterra e seus produtos, além dos britânicos encontrarem um campo
propício para a disseminação de seus ideais de liberalismo econômico.

No período anterior às reformas bourbônicas, havia um equilíbrio de poder na


América entre a administração (que detinha o poder político, mas não o poder
militar), a Igreja (que possuía uma hegemonia econômica e jurídica) e a elite local
(formada de uma minoria de peninsulares e de uma maioria de criollos). Porém
essa organização não foi bem recebida pelos Bourbons, a quem era comum a
compra e troca de cargos. Sua política de reformas administrativas pôs em xeque
toda a estrutura oficial até então. O afastamento da classe governante local fora
uma das primeiras ações de Carlos III. Criaram-se Vice-Reinados e novas ordena-
ções administrativas, pois uma vigilância mais rigorosa sobre os hispano-ameri-
canos era fundamental nessa nova política. A partir de tal modificação, os inten-
dentes substituíram os corregidores. Os corregidores se viram prejudicados, pois,
apesar de se dedicarem por anos a conciliar diversos setores na América, se viram
alijados, de uma hora para a outra, de todo o processo administrativo.

Por meio do repartimiento de comercio, pretendia-se atender diversos grupos


de interesse na América Latina, principalmente a comerciantes e governadores
locais. Os índios foram libertos, mas incentivados a pegarem dinheiro empres-
tado com tais repartimientos, no intuito de plantar para exportação (ou apenas
consumir). Esse fato, bem como a intervenção da metrópole, tal como veremos
na sequência, motivou a rebelião indígena de 1780, no Peru. Em 1784, no Peru,
e em 1786, no México, a Ordenação dos Intendentes põe fim aos repartimentos,
substituindo os corregidores por intendentes.

118
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

O repartimiento de comercio, também conhecido como o reparto de mercancías, foi uma


das práticas mais abusivas do colonialismo espanhol nos Andes. Governadores provin-
ciais (corregedores) forçavam os índios a comprar bens de qualidade duvidosa a preços
abusivos.

Conforme dito anteriormente, a intervenção direta da metrópole na administra-


ção colonial, por meio das reformas bourbônicas, gerou grandiosa insatisfação
entre muitos criollos e peninsulares na América Latina. Breves períodos de agi-
tação na América geraram sabotagens à política dos Bourbons em suas colônias.
Emergiram insatisfações de todos os setores sociais.
Após quase duzentos anos de restrições espanholas sob a dinastia dos Habs-
burgos (que governou a Espanha de 1516 a 1700), as colônias americanas aden-
traram o século XVIII em um novo período da sua história, que viria se estruturar
a partir do “absolutismo ilustrado” implantado com a ascensão da dinastia dos
Bourbons ao trono espanhol. Por isso, os Bourbons realizaram uma série de re-
formas, dentre as quais podemos destacar: criação de companhias de comércio
para monopolizarem certos produtos coloniais, intervenção maior da metrópole
nos assuntos coloniais, criação das intendências para tornar a administração
colonial eficiente, expulsão dos jesuítas para tornar o Estado e a educação laicas,
aumento de impostos e das forças militares (BRADING, 1997).
Diante da reforma adotada pelos Bourbons, a qual se revestia de cunho re-
formador e iluminista, novas medidas foram tomadas em relação ao clero, com
táticas de enfrentamento. Manifestando interesse pelos bens da Igreja, a Coroa Es-
panhola iniciou um processo de confisco das riquezas dessa instituição, que havia
sido acumulada com as doações dos fiéis e das autoridades. Durante o reinado de
Carlos III, entre 1759 e 1788, os jesuítas tiveram os seus direitos extintos na Espa-
nha e, em 1767, foram expulsos da América espanhola. A dinastia dos Bourbons,
de forma geral, acreditava que a Igreja possuía uma força paralela e concorrente
ao poder imperial e isso, automaticamente, representava um perigo constante no
pensamento da Coroa e a qual ela precisava controlar (PEREIRA, 2007).

119
UNIDADE 3

Muitos jesuítas nascidos na América e exilados na Europa tornaram-se pro-


pagandistas da América espanhola, divagando em suas obras sobre as riquezas
de sua terra de origem. A posse de haciendas no Paraguai e diversas posses na
América conferiam aos jesuítas certa independência econômica. Suas vastas e
ricas terras, além de outras propriedades, foram vendidas (ou leiloadas) para os
grupos sociais mais ricos da colônia, como os criollos. Ainda assim, a expulsão
dos jesuítas foi vista por muitos hispano-americanos como a expulsão de com-
patriotas de seus próprios países.
Aos reformadores Bourbons, não interessava uma reformulação da doutrina
católica, mas a diminuição de seu poder econômico como fator essencial para
a sua política de centralização econômica. Esperavam pôr as mãos nos bens da
Igreja após seu enfraquecimento. Houve reações, pois muitos súditos “opuseram-
-se à política da Coroa e, em muitos casos, receberam o apoio de leigos devotos”
(LYNCH, 2001, p. 27).
O Exército era outro exemplo de desarticulação espanhola na América. As
milícias coloniais eram formadas por americanos, sendo reforçadas por penin-
sulares. A partir de 1760, com a instituição do fuero militar, muitos criollos e
mesmo mestiços que estavam à procura dos benefícios fornecidos a militares
tornaram-se a maioria entre a milícia e geraram futuros problemas à Espanha.
Em janeiro de 1780, quando eclodiu a rebelião indígena no Peru, a milícia não
ofereceu nenhum tipo de resistência, gerando críticas à sua ação. A Espanha no-
tou, a partir desse episódio, o risco que representava incluir entre os combatentes
grupos insatisfeitos de criollos e mestiços. Para arrefecer os rebeldes índios, foi
enviada ao litoral uma tropa real formada por peninsulares, índios leais, negros
e mulatos fiéis aos Bourbons. A partir de então, formou-se um Exército regular
na América, barrando os criollos de promoções militares (a cargo dos fiéis pe-
ninsulares), evitando-se rebeliões.

EXPLORANDO IDEIAS

Fuero militar eram privilégios corporativos, com tribunais especiais, adquiridos pelos mi-
litares.

120
UNICESUMAR

Os séculos XV e XVI foram marcados pela conquista e colonização de nações


europeias em solo americano. A Espanha, principalmente, foi responsável por
essas ações na maior parte da América, seguida por Portugal. A França, Inglaterra
e Holanda chegaram anos mais tarde, ocupando áreas da América do Norte ou
disputando pontos de ações táticas na região do Caribe.
Os acontecimentos na Espanha da segunda metade do século XVIII e pri-
meiros anos do século XIX influenciaram diretamente a situação na América
hispânica. A ocupação do território espanhol pelas tropas de Napoleão Bonaparte
favoreceu o movimento de independência das colônias da América porque
enfraqueceu o poder da metrópole. Em 1808, Napoleão ocupou Madri, destronou
o rei espanhol Fernando VII e colocou em seu lugar o irmão José Bonaparte. Todo
esse contexto provocou reações não somente na Espanha como também em sua
colônia americana. Com a deposição de Fernando VII, os hispano-americanos
experimentaram uma nova fase política, que abriu caminhos para a construção
de novos conceitos, palavras e projetos.
Os movimentos de independência na América espanhola se manifestaram
rapidamente e simultaneamente no ano de 1810, dois anos após a invasão fran-
cesa ao território espanhol. Esses movimentos se propagaram do México (vice-
-reino da Nova Espanha) a Buenos Aires (vice-reino do Rio da Prata), apesar das
distâncias geográficas e das anêmicas condições de comunicação. Essa dinâmica
não foi somente influenciada por acontecimentos internos e revelou o surgimen-
to de vários posicionamentos no interior da elite colonial que buscava colocar
em prática seus respectivos projetos políticos, visando administrar o território
espanhol na América.
Em fins do período colonial, a sociedade da América hispânica contemplava
uma divisão estamental: dos 18 milhões de habitantes em 1810, cerca de oito
milhões eram indígenas, um milhão de negros e cinco milhões de mestiços. Em
menor parte, estavam os brancos, que contabilizavam cerca de quatro milhões
e se subdividiam em peninsulares e criollos. Ao contrário dos peninsulares, os
criollos estavam excluídos de plena participação no poder político e ocupavam
o escalão inferior no governo e na Igreja.
Após vivenciar um período considerável de gestação de um projeto político,
ilustrado durante a segunda metade do século XVIII e os primeiros anos do
século XIX, como a liberdade de pensamento, igualdade e representação consti-
tucional, o que se via na colônia era justamente o contrário. A prática de mono-

121
UNIDADE 3

pólios, controle econômico e restrições administrativas e sociais exercidas pelos


espanhóis representava as fontes de queixas, principalmente dos criollos. Estes
ainda estavam descontentes com a ausência de mobilidade social e reivindicavam
a abolição da diferença existente entre eles e os peninsulares.
A abdicação forçada de Fernando VII fez com que americanos e peninsulares
assumissem o poder, dando oportunidade a esses de discutirem conceitos como
soberania, concepção de nação, representatividade e a possibilidade de redação a
uma nova constituição de punho liberal. Logo, esses homens redefiniram o ideá-
rio monárquico ao darem corpo a uma nova modernidade política que resultaria
em ideias e ações empregadas em uma nova prática política nas colônias. Dentre
os processos de emancipação política que ocorreram na América durante os sé-
culos XVII e XIX, um, particularmente, chamou a atenção: o Haiti, um pequeno
país do Caribe. Inicialmente, a região foi colonizada pelos espanhóis e, posterior-
mente, pelos franceses, os quais fundaram na área a Colônia de São Domingos.
O Haiti contou com a influência do Iluminismo e dos ideais da Revolução
Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) para ser o primeiro país latino-a-
mericano a se tornar independente. No final do século XVIII, a região abrigava
cerca de 80% de negros, os quais, em sua maioria, trabalhavam como escravos.
Muitos desses lideraram a rebelião que pôs fim ao jugo francês na ilha.
A insurreição iniciou em São Domingos, no ano de 1791, no mesmo momen-
to em que a França debatia a possibilidade de abolição da escravidão em suas
colônias. O ex-escravo Toussaint Louverture comandou os rebeldes e liderou
várias ações arquitetadas pelos revoltosos, como a destruição de plantações, os
saques a engenhos e assassinatos de colonos. O conflito se pulverizou em outras
partes da ilha, principalmente após a decisão de abolir a escravidão das colônias
francesas, por meio de uma resolução decretada pelo governo jacobino durante
o episódio conhecido como Terror da Revolução Francesa.

EXPLORANDO IDEIAS

O Terror da Revolução Francesa ou, simplesmente, “O Terror”, foi uma fase compreen-
dida entre os anos de 1792 e 1794. Durante esse período, o governo revolucionário dos
jacobinos suspendeu as garantias civis, além de perseguir e assassinar muitos de seus
opositores. Apesar da imprecisão dos números, estima-se que foram guilhotinadas entre
16 e 40 mil pessoas.

122
UNICESUMAR

A liberdade conquistada pelos haitianos foi ameaçada quando Napoleão Bo-


naparte tomou o poder na França. Como consequência, o exército napoleônico
invadiu a ilha em 1802 e capturou Toussaint, o qual foi levado como prisioneiro
para a França, onde faleceu em 1803. A declaração de independência veio apenas
em 1 de janeiro de 1804, sob a liderança do ex-escravo Jean-Jacques Dessalines, o
qual, após o processo de emancipação, tornou-se o primeiro chefe de Estado do
país. A França reconheceu a independência haitiana somente em 1825, mediante
o pagamento de uma alta indenização.
Os processos revolucionários que conduziram os processos de independência
na América hispânica se organizaram entre fins do século XVIII e início do século
XIX, em sua maioria influenciados pelos ideais oriundos da Revolução Francesa e
das emancipações políticas do Haiti e Estados Unidos. Geralmente, tais processos
foram comandados por setores dominantes, aborrecidos pela impossibilidade de
conseguirem desfrutar das regras do sistema colonial.

Figura 3 – Independências dos


países latino-americanos
Fonte: Wikimedia Commons
(2019, on-line).

Descrição da Imagem:
mapa colorido no qual
está assinalado, de acordo
com a legenda, o período
em que os atuais países
da América Latina obtive-
ram a sua independência
política. Grande parte da
região da América Central,
México e América do Sul
conseguiu a sua indepen-
dência entre 1800 e 1820.
Os territórios que com-
preendem, atualmente, os
territórios da Bolívia e do
Brasil aparecem sinaliza-
dos que conseguiram sua
independência entre os
anos de 1822 e 1829.

123
UNIDADE 3

No caso da América espanhola, a figura protagonista dos processos de inde-


pendência foi a elite criolla, influenciada pelo pensamento liberal importado da
Europa. Entretanto, de forma distinta do Velho Mundo, o projeto adotado pela
elite criolla não previa alterações profundas na sociedade. Salvo alguns casos
raros, o intuito era conseguir a autonomia em relação à metrópole e solidificar o
poder da elite política e econômica nos países recém-libertos.

EXPLORANDO IDEIAS

“O Haiti saiu do mercado mundial do açúcar. [...] De colônia mais produtiva das Américas
passou a país independente pauperizado e fora de um intercâmbio favorável na econo-
mia internacional” (GORENDER, 2004, p. 300). A revolução de escravos ocorrida no Haiti
em 1804 e que culminou com a independência desse do jugo francês parecia sorrir aos
haitianos. Entretanto as nações do mundo todo boicotaram a nova república, alegando
não concordar com esse modelo revolucionário. O país ficou impedido de importar e ex-
portar. De 1915 a 1938, o Haiti ficou sob o domínio do Estados Unidos, os quais, mesmo
tendo abandonado o território na década de 1930, financiaram governos violentos e cor-
ruptos. Esses estavam mais preocupados em reprimir do que em investir em indicadores
sociais. Isso contribuiu para que o Haiti nutrisse índices alarmantes de pobreza e educa-
ção. De “joia das Antilhas” durante o período colonial, o Haiti aparece hoje como o país
mais pobre da América Latina.

Como você já deve ter notado, nesse ponto, os liberais e conservadores comunga-
vam de um mesmo objetivo: a continuidade da subordinação e dependência das
camadas mais pobres aos setores dominantes. Os grupos majoritários, compostos
pelos mais humildes, lutavam muitas vezes pela emancipação, pois acreditavam
que, por meio de sua consolidação, iriam conquistar o direito à terra e o término
do trabalho forçado. Para estes, o que importava era conseguir mudanças subs-
tanciais em sua vida, mais do que implantar um projeto político que separasse
as colônias da metrópole.
A elite criolla, composta em sua maioria por grandes proprietários rurais,
ansiava por uma maior liberdade em relação ao comércio exterior, eliminando
a interferência das companhias de comércio metropolitanas. Entretanto, apesar
de empunharem a bandeira do liberalismo e incorporarem muitos dos ideais
iluministas, ignoravam as reivindicações dos setores mais humildes.
Desde fins do século XVIII a princípios do século XIX, os criollos organiza-
ram várias manifestações contrárias ao regime colonial e, para isso, contavam

124
UNICESUMAR

com o apoio irrestrito da Inglaterra. Interessados em ampliar o comércio com


a América para escoar as mercadorias produzidas durante a era industrial, os
britânicos não mediram esforços para incentivar movimentos de caráter eman-
cipacionista.
A resistência da Coroa espanhola à proliferação dos ideais de liberdade in-
dividual e política nas colônias sofreu um golpe em 1808, quando Napoleão Bo-
naparte confiscou o trono espanhol, até então pertencente à dinastia dos Bour-
bons, e entregou-o aos cuidados de seu irmão, José Bonaparte. Como forma de
resistir a essa usurpação de poder, as autoridades hispano-americanas se negaram
a acatar as ordens provenientes do governo espanhol. Tal cenário foi utilizado
pelos criollos como justificativa para se rebelarem contra a metrópole. Por isso,
os processos de emancipação da América Espanhola ocorreram quase ao mesmo
tempo e contaram com ampla participação dos cabildos, unidades administrati-
vas similares às câmaras municipais de hoje.
Na região que compreende o atual México, o movimento de independência
assumiu, a princípio, um caráter popular, fato que o diferenciou dos processos de
emancipação das demais colônias espanholas na América (ANNA, 2001).
A independência foi liderada pelos padres Miguel Hidalgo e José Maria Mo-
relos, a partir de 1810. Inicialmente, Hidalgo formou um Exército de rebeldes,
composto por homens livres, pobres, mestiços e indígenas. Entretanto os revol-
tosos foram derrotados por tropas a serviço da Coroa e o seu líder (Hidalgo) foi
preso e executado.
Assumindo a liderança do movimento, o padre Morelos declarou a indepen-
dência do México e implantou um governo popular. Meses mais tarde, forças
em nome da Coroa e de colonos abastados retiraram Morelos do poder e deter-
minaram sua execução. Por isso, alguns historiadores classificam essa fase mais
como revolução social do que uma luta anticolonial.
A luta contra o domínio espanhol foi retomada uma década mais tarde e
passou a ser liderada pela elite colonial. O militar Augustín de Iturbide assumiu
a liderança do movimento quando, em 1821, apresentou o Plano de Iguala aos
setores mais ricos da sociedade mexicana. O projeto propôs a criação de uma
monarquia católica independente, fator que agradou tanto à Igreja quanto à elite
criolla. Nesse mesmo ano, o México conseguiu sua independência e Iturbide foi
nomeado imperador, permanecendo nesse cargo por dois anos, momento em
que foi deposto por uma república proclamada no país.

125
UNIDADE 3

As independências na América do Sul, por sua vez, contaram com o protago-


nismo de duas lideranças militares: José de San Martín (1778-1850) e Simón Bolí-
var (1783-1830) (GAGGERO; GARRO; MANTIÑANO, 2004). O primeiro, apesar
de prestar serviços à Coroa espanhola, foi responsável pelos processos emanci-
pacionistas dos territórios que hoje compreendem a Argentina, o Chile e o Peru.
A independência do que se convencionou chamar de Províncias Unidas do
Rio da Prata foi decretada em 9 de julho de 1816, por um Congresso reunido
em Tucumán (Argentina). Aproveitando a ocasião, San Martín arrebanhou apoio
para a independência do Chile, ocorrida em abril de 1818, após a Batalha de Mai-
pú. Dois anos mais tarde, San Martín se retirou do Chile para liberar o território
peruano do jugo espanhol. No Peru, conseguiu apoio popular e proclamou a
independência em 28 de julho de 1821.

EXPLORANDO IDEIAS

A denominação Províncias Unidas do Rio da Prata foi utilizada até 1826, ano em que a
Argentina adotou o nome de República Argentina.

Simón Bolívar, como representante da elite criolla, concentrou suas ações na re-
gião setentrional da América do Sul. Em dezembro de 1819, conseguiu proclamar
a independência da República da Colômbia (Grã-Colômbia) após a vitória de
suas tropas na fronteira da atual Colômbia com a Venezuela. A Grã-Colômbia
permaneceu coesa até 1830, quando houve o desmembramento em três países:
a Venezuela, o Equador e a Colômbia.
Bolívar e seu exército ainda lutaram no Peru, em 1824, a fim de assegurar a
independência peruana, e se dirigiram para a Bolívia, contribuindo para o seu pro-
cesso de emancipação que ocorreu em 1825. Como reconhecimento de suas ações,
Bolívar se tornou o líder político das repúblicas da Grã-Colômbia e do Peru, além
de ser considerado, após a sua morte, um símbolo nacional da emancipação polí-
tica, sobretudo na Venezuela, onde até hoje é tratado pela alcunha de “libertador”.
Seu legado inclui a defesa de uma América livre e unificada em uma confederação
que compreendia os atuais territórios que se estendem da Bolívia ao Panamá.
A independência cubana, por sua vez, pode ser considerada mais traumá-
tica, pois se iniciou efetivamente em 1868 e somente se concretizou após duas
guerras estabelecidas contra a Espanha. A primeira durou dez anos e encontrou

126
UNICESUMAR

forte resistência da metrópole, disposta a lutar para evitar a emancipação de sua


última colônia americana. Com o triunfo espanhol nesse primeiro momento, a
retomada pela independência ocorreu somente na década de 1890 e contou com
o apoio de José Martí. Enrijecidos pelas ideias de autonomia, amplos setores da
sociedade cubana (negros libertos, profissionais liberais e trabalhadores rurais)
saíram às ruas em prol da independência. O confronto com as forças hispânicas
contou com várias baixas, dentre as quais temos a de José Martí, morto em com-
bate, em 19 de maio de 1895.
O movimento pela emancipação política ganhou novo fôlego com a interfe-
rência estadunidense a partir de 1898. O motivo para essa ação seria o naufrágio,
por forças hispânicas, de um navio de guerra norte-americano ancorado no porto
de Havana, em Cuba. Após um curto período de conflitos, as forças beligerantes
assinaram um tratado de paz em Paris, por meio do qual os espanhóis reconhe-
ceram a independência de Cuba ao mesmo tempo em que cederam algumas
possessões aos Estados Unidos.

EXPLORANDO IDEIAS

No acordo assinado em Paris, os espanhóis cederam Porto Rico (América Central) e Guam
(Micronésia), além do controle das Filipinas aos Estados Unidos.

A maioria dos países recém-independentes da América Espanhola adotou o re-


gime republicano, com exceção do México, que conviveu com um curto período
de regime monárquico (1821-1823).
De forma geral, o domínio metropolitano foi substituído pelo jugo da elite
criolla, aliada ao capital estrangeiro e principal responsável pelo fornecimento
de matérias-primas ao mercado mundial e consumidora dos produtos manufa-
turados oriundos da Inglaterra.
Em síntese, os processos de independência da América Espanhola não trou-
xeram, no seu bojo, mudanças profundas na esfera social, política e econômica,
pois houve um continuísmo do modelo colonial pactuado no abastecimento do
mercado externo com matérias-primas provenientes dessas regiões.
O século XVIII pode ser caracterizado como um período de grandes di-
ficuldades econômicas para Portugal. A descoberta de ouro e diamantes não
foi suficiente para contornar essa situação, uma vez que parte substancial desse

127
UNIDADE 3

produto era destinada a quitar dívidas que a Coroa lusitana havia contraído com
a Inglaterra. O ouro restante era gasto na manutenção do luxo e opulência da
nobreza ou era guardado em cofres particulares. Assim, o ouro escorria pelas
mãos da Coroa portuguesa sem ao menos ser investido na metrópole, fato que
caracterizava o quanto o reino lusitano era muito dependente de suas colônias.
O quadro caótico da economia portuguesa pode ser mais bem compreen-
dido quando, no século XVII, os portugueses perderam o monopólio comercial
das Índias e várias possessões coloniais no Oriente. Como se isso não bastasse,
o preço do açúcar sofreu quedas drásticas no mercado internacional em função
da concorrência com o açúcar produzido nas Antilhas.
A fim de engordar seus cofres, a Coroa portuguesa adotou, na segunda me-
tade do século XVIII, uma série de medidas, dentre as quais estavam incluídas
a ampliação da fiscalização e controle de sua colônia na América. Para isso, foi
estipulado um conjunto de medidas que visavam combater o contrabando, am-
pliar os lucros por meio do comércio e mineração e conseguir aumentar a receita
do governo português.
Em 1750, o rei D. José I nomeou Sebastião José de Carvalho e Melo, histori-
camente conhecido como Marquês de Pombal, ao cargo de Ministro dos Negó-
cios Estrangeiros e da Guerra. Tal nomeação veio reforçar, de forma rigorosa, o
controle da política colonial portuguesa. As reformas de Pombal tiveram como
pressuposto a modernização da economia portuguesa. Dentre as medidas toma-
das, estavam a criação das companhias de comércio, a execução de mudanças
educacionais a fim de retirar o ensino do controle do clero, o estímulo à implanta-
ção de fábricas no reino bem como a articulação de uma classe
manufatureira e mercantil por todo o Império Português.
A queda na produção de ouro na América portugue-
sa ocorreu em meio à administração pombalina. Em
função disso, Pombal dedicou total atenção à região
mineira. A maioria de suas medidas desagradou os co-
lonos portugueses, tais como a derrama e a cobrança
de 100 arrobas anuais de ouro em 1750. Além disso,
em 1759, o ministro expulsou os jesuítas de todo
o Império Português e optou, em 1763, por
transferir a capital da América Portuguesa
de Salvador para o Rio de Janeiro.

128
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

A derrama foi um imposto colonial criado em meados do século XVIII. Cada região deveria
pagar 100 arrobas de ouro por ano para a corte portuguesa. No caso de alguma região
não conseguir arrecadar essa quantidade, soldados entravam nas casas das pessoas que
moravam na região e retiravam, a força, objetos de valor até completar o imposto devido.

PENSANDO JUNTOS

A expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses em 1759 garantiu, de fato, a laicização
do Estado tal como almejavam as reformas pombalinas?

Pombal administrou os domínios lusitanos até 1777, ano em que D. José I faleceu.
Mesmo com essas reformas, a economia portuguesa continuou frágil. A crise na
produção aurífera desacelerou a arrecadação das 100 arrobas anuais estipulada
pelo governo português. Além disso, a Coroa portuguesa decretou uma série de
medidas restritivas na colônia.
A crise se tornou ainda mais caótica em 1788, momento em que Luís Antônio
Furtado Mendonça, o Visconde de Barbacena, ocupou o cargo de governador
da capitania de Minas Gerais com a missão de ampliar a receita e aumentar
o controle da Coroa portuguesa na colônia. Competiria ao governador, ainda,
aplicar a derrama e a cobrança do quinto em atraso. Tais medidas soaram de
forma negativa entre os habitantes da capitania, gerando um clima propício para
um movimento insurgente, que ficou conhecido como Conjuração Mineira ou
Inconfidência Mineira.
Em grande parte, os conjurados eram membros da elite colonial. Dentre os
rebeldes, havia mineradores, funcionários públicos, padres, fazendeiros, militares
de alta patente e advogados. Dentre os conjurados, podemos destacar os poetas
Inácio José de Alvarenga Peixoto, o jurista Claudio Manuel da Costa, os padres
José da Silva de Oliveira Rolim e Luís Vieira da Silva, o advogado José Alvares
Maciel, os contratadores João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis e
o alferes Joaquim José da Silva Xavier, popularmente conhecido como Tiradentes.
Tais revoltosos estavam influenciados pelos ideais iluministas e pretendiam tirar
a vida do governador e proclamar uma república na capitania de Minas Gerais.
No entanto, Joaquim Silvério dos Reis delatou os seus companheiros em troca

129
UNIDADE 3

do cancelamento de sua dívida com a Coroa e uma premiação por sua lealdade.
Denunciados por Silvério, os insurgentes foram presos e transferidos para a ca-
pital da colônia (Rio de Janeiro), onde aguardaram seus julgamentos.
Em 1790, o processo contra os conspiradores foi aberto. Os acusados foram
considerados culpados pelo crime de lesa-majestade e onze dos réus foram sen-
tenciados à morte. Somente Tiradentes foi executado e esquartejado. Partes do
seu corpo ficaram expostas pela região como uma forma de intimidação. Os
outros condenados obtiveram a conversão de pena para o exílio perpétuo para
o continente africano, além do confisco temporário dos bens.
Além da Inconfidência Mineira, destacaram-se outros movimentos separatis-
tas, como a Conjuração Baiana, também conhecida por Conjuração dos Alfaiates
(1798), e a Insurreição Pernambucana (1817).
Apesar dessas agitações, costuma-se atribuir o início do processo de inde-
pendência do Brasil à chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em
1808. Essa mudança atribuiu ao Brasil uma transferência de papéis, de simples
colônia, ao principal centro de decisões da Coroa portuguesa.
Embora preparada, a vinda da família real portuguesa para o Brasil foi ante-
cipada em função da invasão do exército napoleônico no território português.
D. João não aceitou o bloqueio continental à Inglaterra, proposto por Napoleão,
o qual, como forma de se vingar, ordenou a invasão do território lusitano.
Protegido pela marinha britânica, o príncipe regente D. João, a corte portu-
guesa e a família real deixaram Lisboa em novembro de 1807 e chegaram ao Rio
de Janeiro em 1808, após uma escala em Salvador.
No Brasil, D. João adotou algumas medidas que mudaram radicalmente a
política e a economia de colônia. Dias depois, ao chegar à Bahia, D. João decretou
a abertura dos portos às nações amigas, pondo fim ao pacto colonial. Posterior-
mente, já no Rio de Janeiro, o príncipe cancelou o Alvará de 1785, o qual impedia
a instalação de manufaturas na colônia e, em 1810, aprovou dois acordos com
a Grã-Bretanha: o de Aliança de Amizade e o de Comércio e Navegação. Esses
tratados davam aos comerciantes ingleses tarifas alfandegárias em condições
especiais. Dessa forma, a taxa de importação aos produtos ingleses seria de 15%,
16% para os produtos portugueses e 24% de mercadorias de outras nações. Além
disso, a Coroa portuguesa se comprometia a extinguir paulatinamente o tráfico de
escravos para o Brasil, em conformidade com as exigências feitas pelos britânicos.

130
UNICESUMAR

Com a estadia da família real no Rio de Janeiro, uma série de medidas foram
tomadas no intuito de substituir a máquina administrativa colonial por um ver-
dadeiro aparelho de Estado, uma vez que a sede da monarquia portuguesa havia
se estabelecido naquela cidade. Foi instalada, por exemplo, a Biblioteca Real, com
o material oriundo da Real Biblioteca de Lisboa. Implantou-se uma gráfica e
demais serviços até então inexistentes. Além disso, foi fundado o primeiro jornal
editado no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro.
Tais transformações não resolveram os problemas da cidade carioca. A au-
sência de um planejamento urbano contribuía para o aumento do mau cheiro e a
proliferação de doenças, em razão da inexistência de um sistema de esgoto. Para
complicar ainda mais a situação, a falta de água e alimentos era recorrente, fator
que pode ser compreendido graças ao intenso aumento populacional.
A mudança da família real portuguesa para o Brasil e, consequentemen-
te, a transferência da sede administrativa do Império Lusitano de Lisboa para o
Rio de Janeiro, trouxe insatisfações para os portugueses. Após a derrota do Exér-
cito napoleônico pelas tropas luso-brasileiras, Portugal passou a ser administrado
por uma junta de governo britânico que prestava satisfações a D. João. A maior
parte dos portugueses não escondia o seu descontentamento, principalmente
pelo fato de eles terem sido relegados a um papel secundário quando o Brasil foi
elevado, durante o Congresso de Viena (1814-1815), à categoria de Reino Unido
de Portugal e Algarves.

131
UNIDADE 3

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Viagem Marítima da Família Real: a transferência da corte por-


tuguesa para o Brasil
Autor: Kenneth Light
Editora: Zahar
Sinopse: resultado de dez anos de pesquisa, a obra retrata a transferência
da corte portuguesa para o Brasil, detalhando os fatos corriqueiros, embar-
cações, os alimentos e o cotidiano da viagem.

Diante desse clima, foi iniciado um movimento revolucionário na cidade do


Porto, por meio do qual se exigia a volta imediata do príncipe regente D. João
para a Europa e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, res-
ponsável por elaborar uma nova Constituição para Portugal e decretar o fim do
absolutismo monárquico.
Tal movimento ganhou forte apoio da sociedade lusitana a ponto de formar
um Governo Provisório disposto a convocar as Cortes para dar início à redação
da Carta Magna. Conhecido como a Revolução Liberal do Porto, essa insurreição
possibilitou, de forma contraditória, a emancipação política do Brasil, isso porque,
ao dar início ao processo de redução do Brasil à categoria de colônia, as Cortes
iniciaram um projeto que pôs fim a dominação lusitana na América. Mediante
tanta pressão das Cortes e dos portugueses, D. João VI voltou para Portugal em 25
de abril de 1821, deixando o seu filho D. Pedro como príncipe regente do Brasil.
Contudo, assim que chegou a Portugal, D. João foi cada vez mais pressionado
pelas Cortes para tomar providências enérgicas em relação ao Brasil. Dentre ou-
tras coisas, determinou-se o encerramento das atividades de importantes órgãos
públicos, além do retorno imediato de D. Pedro a Portugal. Temerosa de perder
muitos dos privilégios conquistados em 1808, a aristocracia brasileira manifestou
a sua opinião, sendo contrária às ordens provenientes de Lisboa. Nesse cenário,
formaram-se, no Brasil, dois grupos com ideários distintos, os quais não podem
ser considerados partidos políticos da forma como entendemos uma organização
como essa nos dias de hoje.
Por um lado, havia o Partido Português, formado por comerciantes lusitanos
e demais pessoas interessadas nos privilégios garantidos pela manutenção da

132
UNICESUMAR

estrutura colonial. Dentre os adeptos dessa vertente, havia aqueles que defendiam
a volta de D. Pedro a Portugal e a reimplantação de práticas colonizadoras. Por
outro lado, organizou-se o Partido Brasileiro, o qual reunia comerciantes proprie-
tários de terras, investidores urbanos, advogados e burocratas nascidos no Brasil
ou em Portugal. Tal grupo era composto, no geral, por pessoas que usufruíam de
privilégios com a vinda da família real portuguesa ao Brasil. Além da redução
de impostos e liberdade de comércio, os adeptos a essa tendência lutavam pela
manutenção da igualdade jurídica e política, conquistada em 1815, por ocasião
da elevação do Brasil a Reino Unido. Posteriormente, alguns aderentes a esse
grupo fundaram o Partido Liberal Radical, defensor da ruptura com Portugal e
a implantação de uma república em terras tupiniquins.
Os interesses dos liberais brasileiros confrontariam com a intenção das Cortes
portuguesas. No início, os primeiros tinham considerado a Revolução do Porto
como um movimento em defesa de maior liberdade econômica e política.

Figura 4 – Independência ou morte (óleo sobre tela) / Fonte: Américo ([1888], on-line).

Descrição da Imagem: o quadro é uma pintura, na qual vemos um homem sob um cavalo levantando
uma espada, como se estivesse dizendo algo. Em seu redor, há dezenas de pessoas, com seus respectivos
cavalos, que parecem ouvi-lo atentamente. Essas pessoas estão com vestimentas de soldados e levantan-
do espadas em sinal de apoio ao homem que aparece no centro. O homem que aparece empunhando
uma espada está numa espécie de morro e, ao fundo, é possível ver uma casa simples de madeira com
algumas árvores. No ambiente, predomina uma vegetação rasteira com uma espécie de estrada.

133
UNIDADE 3

Diante desse quadro de interesses conflitantes, D. Pe-


dro recebeu, em 9 de janeiro de 1822, uma petição
pública composta por oito mil assinaturas. O objetivo
do documento era pedir para que o príncipe regente
permanecesse no Brasil e fizesse parte do projeto de
independência. Firmando um compromisso com os
brasileiros, D. Pedro determinou que nenhuma or-
dem proveniente das Cortes lusitanas fosse cumprida
sem a sua autorização. Mediante a agitação crescente
no Rio de Janeiro, D. Pedro finalmente oficializou a
emancipação política do Brasil em 7 de setembro de
1822, sendo coroado em dezembro desse mesmo ano
como imperador do país recém-independente.
Na segunda metade do século XVIII, as treze
colônias inglesas iniciaram um movimento que re-
sultou na sua emancipação em relação à Coroa britâ-
nica. Tal processo se multiplicou por toda a América,
segundo as especificidades de cada local. A crise nas
treze colônias começou, principalmente, por con-
ta de medidas coercitivas adotadas pela Inglaterra.
Os colonos gozavam de certa autonomia, todavia as
ações da Coroa britânica para tentar controlar a sua
possessão americana causaram discórdia, a exem-
plo do controle metropolitano sobre o comércio
colonial. Tal iniciativa foi adotada para subsidiar a
Revolução Industrial inglesa, a qual implantou um
modelo de desenvolvimento capitalista cujo obje-
tivo principal era expandir o mercado consumidor.
Diante desse cenário, as colônias representavam um
importante celeiro de venda de mercadorias manu-
faturadas. Além do mencionado desgaste oriundo do
controle comercial metropolitano, a Guerra dos Sete
Anos (1756-1763), responsável por envolver diversas

134
UNICESUMAR

metrópoles europeias e suas colônias, também contribuiu para os processos de


emancipação ocorridos no Novo Mundo.
Na América, o reflexo substancial da Guerra dos Sete Anos ocorreu por meio
da concorrência entre os colonos franceses residentes no Canadá e os colonos
ingleses das treze colônias, ambos dependentes do mercado de peles e pesca. O
conflito cessou com a vitória dos britânicos. Entretanto, mesmo tendo sido be-
neficiada pelo resultado do confronto, sobretudo com a anexação de territórios
franceses, a Inglaterra saiu desse episódio enfraquecida financeiramente. Em razão
dos gastos com a guerra, os cofres ingleses se esvaziaram e a recuperação das fi-
nanças dependia do aumento da arrecadação tributária, medida tomada na época.
De forma geral, as treze colônias foram das que mais se beneficiaram com a
Guerra dos Sete Anos, pois, além de anexarem o Canadá, até então pertencente
aos franceses, conseguiram se armar, adquirir munição e experiência bélica. A
assinatura do Tratado de Paris, em 1763, entre os britânicos e os franceses, trans-
formou esses últimos em aliados na causa separatista norte-americana, fator que
foi visto como uma revanche contra os britânicos.
A fim de repor os gastos com a Guerra dos Sete Anos, o governo inglês impôs
uma série de tributos para ampliar sua receita. Dentre os mais conhecidos estão:
a Lei do Açúcar (Sugar Act) – destinada a aumentar a taxa em relação ao café,
açúcar e outros produtos; e a Lei do Selo (Stamp Act) – a qual estabelecia que as
correspondências, sobretudo os documentos legais e oficiais, fossem obrigadas a
ser seladas. Tal cobrança gerou tensão entre os colonos, que alegavam ser cidadãos
ingleses, mas sem representatividade.
Em 1767, a carga tributária inglesa aumentou significativamente com o lan-
çamento dos Atos Townshend, um conjunto de leis que objetivava aumentar as
taxas de importação do vidro, papel, chumbo e chá. Essa medida não tardou para
se tornar impopular, a ponto de a Coroa ter de invalidar a aplicação desses novos
tributos, com exceção dos impostos destinados ao chá. Para complicar ainda
mais a situação, o governo inglês concedeu à Companhia das Índias Orientais o
monopólio da venda de chá para as colônias, em 1773. Ao fim desse mesmo ano,
um grupo de colonos, disfarçados de indígenas despejou no mar cargas de chá
trazidas pela Companhia das Índias Orientais, um episódio que passou para a
história como a Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party).

135
UNIDADE 3

Figura 5 – Sabotagem do chá no porto de Boston / Fonte: Currier ([1846], on-line).

Descrição da Imagem: é uma pintura na qual vemos homens vestidos de nativos americanos ocupando
um navio e atirando cargas ao mar. O navio, que está ancorado em um porto, está próximo da área de
embarque na qual se encontram dezenas de pessoas levantando os seus chapéus em manifestação aos
que os homens estavam fazendo no navio. As pessoas nessa região de embarque e desembarque usam
casacos que variam dos tons pastéis ao azul e preto. O céu se apresenta acinzentado, com nuvens e, num
segundo plano, é possível ver outro navio, aparentemente tomado por homens trajando vestimentas de
indígenas, também jogando cargas ao mar. Na lateral esquerda do quadro, também há um prédio no qual
as pessoas parecem acenar pelas janelas, demonstrando apoio ao movimento.

Como reação, a metrópole optou por decretar as Leis Intoleráveis. Dentre essas,
destacavam-se o fechamento do Porto de Boston até o pagamento total do chá
lançado ao mar e a obrigação das autoridades de abrigarem os soldados ingleses.
Essa plêiade de medidas fez com que as treze colônias da América inglesa se
unissem contra o poderio colonial britânico, por mais que não compartilhas-
sem do mesmo modelo socioeconômico e nem defendessem o mesmo projeto
político.

136
UNICESUMAR

A primeira iniciativa dos colonos ocorreu em 1774, quando foi organizado o


Primeiro Congresso Continental da Filadélfia. Tal evento solicitou o término das
medidas que impediam o desenvolvimento das treze colônias. Nesse primeiro
momento, os colonos almejavam a ruptura com o Império Britânico, mas tencio-
navam fazer um acordo para diminuir a exploração dos colonos ingleses. Contra-
riando as visões mais otimistas, a metrópole aumentou a repressão e, como forma
de reagir a tal medida, os setores conservadores do Sul, composto geralmente de
latifundiários e escravocratas, concordaram que a única saída era apoiar a inde-
pendência. Após esse ato de resistência da Coroa Britânica, ocorreu o Segundo
Congresso Continental da Filadélfia, ocasião em que foi redigida a Declaração de
Independência. Sob a liderança de Thomas Jefferson, tal documento foi inspirado
nos ideais iluministas de John Locke e foi finalizado em 4 de julho de 1776, data
que simboliza historicamente a independência estadunidense do jugo britânico.
George Washington foi designado ao cargo de comandante das tropas insur-
gentes. Para não perder as treze colônias, a re-
sistência britânica resultou em lutas que se
estenderam até 1783, momento em que
a Coroa reconheceu a independência
dos Estados Unidos da América por
meio do Tratado de Paris.
Mesmo com a emancipação, as
lutas continuaram, mas, dessa vez,
estavam restritas a projetos políti-
cos a serem implantados pelo Estado
recém-fundado. As propostas estavam
divididas basicamente em duas: a
federalista e a antifederalista.
Os federalistas defendiam um
executivo forte e centralizado,
capaz de representar diplomatica-
mente os anseios do povo e respon-
sável pela criação e a prática de leis. Em
oposição, os antifederalistas defendiam a
atuação do governo somente como administrador, sem interferir na criação de
leis ou nas relações comerciais de cada região.

137
UNIDADE 3

O dilema sobre essas duas propostas foi encerrado em 1787, por meio da
aprovação da Constituição dos Estados Unidos, ocasião em que o projeto fede-
ralista foi eleito como a melhor opção, permanecendo até hoje na organização
política dos Estados Unidos. Além disso, a Carta Magna de 1787 garantia a divi-
são do Estado em três poderes (legislativo, judiciário e executivo) e estabeleceu
a república presidencialista como regime governamental, além de primar pelas
liberdades individuais. Porém, apesar de incluir o ideário iluminista na organi-
zação do Estado, optou-se pela continuidade do trabalho escravo no país, o qual
somente foi abolido em 1º de janeiro de 1863, apesar de ter sido oficialmente
proibido por meio da 13ª Emenda Constitucional, de dezembro de 1865.

138
UNICESUMAR

PENSANDO JUNTOS

“Não haverá [...] sossego na América enquanto o negro não


tiver garantidos os seus direitos de cidadão. A luta dos ne-
gros [...] ainda está longe do fim.” (Martin Luther King Jr.,
1963).

EXPLORANDO IDEIAS

Você sabia que surgiram grupos especializados em exterminar


os negros? Saiba que o Ku Klux Klan foi uma dessas organiza-
ções. Criado em 1866, no Tennessee (EUA), tal grupo se carac-
terizou por seu caráter racista e secreto. Seus primeiros inte-
grantes eram soldados que lutavam ao lado do Sul na chamada
Guerra Civil Americana (1861-1865), justamente o lado derrota-
do do conflito. O KKK, como ficou conhecido, empunhou uma
bandeira de resistência à política liberal, levada a cabo pelos
representantes do Norte após a Guerra Civil, a qual defendia,
dentre outras coisas, o cumprimento da abolição da escravatura.
O grupo visava manter a supremacia branca no país e, para isso,
seus membros promoviam atos de violência, dentre os quais se
destacavam a perseguição e intimidação de negros libertos. A
fim de atingir esse objetivo, adotaram trajes fantasmagóricos,
no intuito de esconder sua identidade e amedrontar as vítimas.

Você sabia que existem vários trabalhos feitos por histori-


adores que versam sobre os processos de independência
na América espanhola? Quer saber mais sobre o assunto?
Então não deixe de assistir ao vídeo! Vamos lá!?

139
UNIDADE 3

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Estados Unidos: a formação da nação. Da colônia à independên-


cia
Autor: Leandro Karnal
Editora: Contexto
Sinopse: trata-se de uma obra com linguagem acessível que aborda desde a
formação dos Estados Unidos durante o período colonial até o processo de
independência.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A formação das nações latino-americanas


Autor: Maria Lígia Prado
Editora: Atual
Sinopse: a obra aborda a formação dos Estados nacionais da Améri-
ca Latina, englobando o seu processo de independência.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: O Patriota
Ano: 2000
Sinopse: o filme retrata que, depois de muito sofrimento e batalhas,
os colonos recebem ajuda do exército francês impondo a derrota aos
ingleses. O conflito entre ingleses e colonos, liderados por Benjamin Martin,
ocorre dentro do contexto da guerra pela independência das Treze Colônias,
mostrando a participação da região da Carolina do Sul na guerra de indepen-
dência. O resultado de todo esse fato histórico no qual está inserido o filme
é o surgimento dos Estados Unidos da América.
Comentário: esse filme apresenta, de forma clara, um conflito entre ingle-
ses e os colonos que resultou no processo de emancipação que deu origem
aos Estados Unidos.

140
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Independência ou Morte


Ano: 1972
Sinopse: o filme tem início com a fuga da corte portuguesa para o
Brasil provocada pela invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, de-
pois que Portugal aliou-se à Inglaterra. O povo, não satisfeito com tudo o que
Portugal estava fazendo, pediu a independência. Esse filme traz uma visão
heroica do processo de emancipação política do Brasil.
Comentário: apesar de importante para a compreensão de mudanças que
ocorreram durante o século XIX, o filme atribui a apenas um homem (D. Pe-
dro I) o feito da independência do Brasil. Ainda assim, é um clássico relacio-
nado ao tema da emancipação brasileira.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Carlota Joaquina, princesa do Brasil


Ano: 1995
Sinopse: retrata, de forma irônica e humorada, os acontecimentos
que resultaram na vinda da família real portuguesa ao Brasil, enfa-
tizando o comportamento e costumes da princesa e de seu marido D. João
durante sua estadia na América.
Comentário: apesar dos exageros relacionados aos hábitos da família real
portuguesa, esse filme é importante para compreender o processo que re-
sultou na vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808.

NOVAS DESCOBERTAS

Memorial da América Latina


Neste portal, há várias informações culturais sobre a América Latina.
O internauta possui acesso às publicações do site, como a Revista Nos-
sa América, que traz uma coletânea de artigos sobre arte, economia,
política e história dos países latino-americanos. Venha conferir você
também!

141
UNIDADE 3

Pensando que você, aluno(a), será um professor de História e abordará a temá-


tica das independências na América, poderá lançar um desafio aos alunos. Peça
para que reflitam sobre as seguintes questões: pode-se afirmar que, com a in-
dependência das colônias americanas, desenvolveu-se uma identidade comum
nas diferentes sociedades americanas ou há elementos que separam os povos
americanos do que os aproximam, constituindo identidades próprias e distintas
entre si? Peça para que reflitam em grupo sobre essa temática e organizem uma
apresentação visual (pode ser apresentação em PowerPoint ou Canva ou um
vídeo, por exemplo) com informações que justifiquem a posição do grupo. Após
a conclusão do material, peça para que o exponham aos colegas, em sala de aula.
A proposta da atividade é fazer com que os alunos reflitam sobre a identidade
americana e discutam se é possível encontrar elementos que configuram uma
identidade comum no continente. Assim sendo, é possível abordar a temática
de diversas formas. Por um lado, pode-se, por exemplo, apontar os elementos
comuns que aproximam as sociedades latino-americanas, a exemplo da língua,
das tradições, hábitos culturais, produção artística etc. Por outro lado, pode-se
pensar nas diferenças existentes nas diversas regiões da América, como os ter-
ritórios de colonização espanhola, de colonização portuguesa e de colonização
inglesa e francesa. Dessa forma, é necessário que os alunos levantem informações
para fundamentar as suas ideias, apresentando elementos que caracterizam as
identidades latino-americanas. Durante as apresentações dos grupos, poderá ser
discutida a temática da identidade ou das identidades da América, permitindo
que todos apresentem os seus pontos de vista e suas ideias sobre o tema.

142
1. A conjuntura espanhola da segunda metade do século XVIII para os primeiros anos
do século XIX influenciou os processos de emancipação política na América hispânica.
A partir dessa informação, produza um texto dissertativo apontando as mudanças
desse contexto e relacionando-as com os processos de emancipação política na
América Espanhola.

2. Alguns historiadores costumam atribuir o início do processo de independência do


Brasil à chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Diante dessa
constatação, explique a conjuntura que resultou na elevação do Brasil de simples
colônia para o centro de decisões da Coroa portuguesa.

3. Mesmo com a emancipação das Treze Colônias inglesas, as lutas não cessaram, mas,
dessa vez, estavam restritas a projetos políticos divergentes que disputavam a pre-
ferência como alternativa a ser adotada pelo Estado recém-fundado. Com base na
leitura desta unidade, apresente e explique as duas propostas políticas que surgiram
após a independência das colônias britânicas na América.

143
4
A Formação e
Consolidação dos
Estados Nacionais
Dra. Verônica Karina Ipólito

Nesta unidade, você estudará a formação dos Estados Nacionais na


América Latina entre os anos de 1825 e 1860. Além disso, analisará a
consolidação dos Estados Nacionais entre as décadas de 1860 e 1890,
bem como conhecerá os fatores que transformaram os Estados Uni-
dos em uma potência industrial em fins do século XIX.
UNIDADE 4

Analisar a formação e consolidação dos Estados Nacionais na


América Latina, bem como o crescimento dos Estados Unidos
na segunda metade do século XIX, nos faz compreender por que
este último é um dos destinos mais almejados não somente para
turismo, mas, também, para muitos, inclusive latino-americanos, o
local ideal para ser bem-sucedido financeiramente. Você já se per-
guntou por que os Estados Unidos são um destino tão disputado
pelos imigrantes? Sabe quando isso começou? Conhece alguém
que foi tentar a vida nessa parte da América?
A partir dos meandros do século XIX, os Estados Unidos se
transformaram em um dos principais destinos de europeus e
asiáticos que procuravam uma vida mais digna. Nas décadas de
1850 a 1870, cerca de 5 milhões de estrangeiros migraram para
esse país. Entre os anos de 1870 e 1920, o número de pessoas que
entraram nos Estados Unidos alcançou o nível de 20 milhões. Na
década de 1920, os estrangeiros somavam um terço de todos os
trabalhadores das fábricas e mais da metade dos empregados nas
minas. Até os dias atuais, os Estados Unidos são um importante
destino de pessoas do mundo todo.
Antes de continuarmos, convido você a pesquisar na internet
as leis de controle de imigração adotadas pelos Estados Unidos ao
longo da sua história, bem como a pensar sobre a forma pela qual
o governo dos Estados Unidos procura restringir, atualmente, a
entrada e a permanência de estrangeiros em seu território.
Em 2014, um número aproximado de 11 milhões de pessoas
viviam nos Estados Unidos de forma clandestina, sem garantias e
direitos, sob os olhos de pessoas desonestas e ameaças de deporta-
ção para os seus países de origem. Grande parte desses trabalham
de forma ilegal, recebendo salários bem abaixo da média paga aos
imigrantes legais e aos estadunidenses. Em consonância com da-
dos do governo estadunidense, a renda média anual de uma famí-
lia em 2014 era de US$ 50 mil, ao passo que a renda média anual
de uma família de imigrantes ilegais era de US$ 36 mil. Tendo isso
em vista, registre, no Diário de Bordo, os resultados da sua pesqui-
sa, assim como suas reflexões sobre o que foi analisado até aqui.

146
UNICESUMAR
UNIDADE 4

DIÁRIO DE BORDO

Quer saber mais sobre as diferentes leis de controle de


imigração adotadas pelos Estados Unidos ao longo da sua
história? Então não deixe de assistir ao vídeo, pois nele
iremos explicar a legislação adotada! Vamos lá?!

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UNIDADE 4

Figura 1 – Famílias paraguaias sem teto em meio à Guerra do Paraguai


Fonte: Wikimedia Commons ([1867], on-line).

Descrição da Imagem: trata-se de uma fotografia em sépia. Nela, há mulheres e crianças, a maioria
sentadas, posicionadas para serem fotografados. Há quatro homens em meio às mulheres que estão
em pé. Os meninos, sobretudo, encontram-se seminus, enquanto as meninas, mulheres e três homens
vestem roupas claras. Um dos homens veste roupa escura.

A formação estrutural dos Estados nacionais na América Latina foi um pro-


cesso espinhoso e violento. A derrota empenhada aos países metropolitanos
na primeira metade do século XIX não foi suficiente para limitar as fronteiras
dos territórios recém-independentes, muito menos foi capaz de estabelecer e
legitimar regimes políticos duradouros. Muitos escritores de caráter nacionalis-
ta espalhados pelo continente buscaram ignorar tais problemas e reforçaram o
pensamento de que a identificação das nacionalidades já era consistente no final
do período colonial. Essas interpretações representam um olhar dos processos
de independência, vinculando-o à sua realidade.
A visão de união pintada por essa historiografia pode ser mais bem exempli-
ficada pelo escritor argentino Ricardo Rojas, o qual, em sua obra Blasón de Plata
(1910), dissertou que “índios, negros, gaúchos e mulatos, todos marcharam com

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UNICESUMAR
UNIDADE 4

o criollo burguês contra a oligarquia exótica – fundidos em multidão, fundidos


em exército, fundidos em povo, fundidos em nação, pelo fogo sagrado do india-
nismo” (ROJAS, 1946, p. 119). Os autores desse período consagraram a ideia de
“nação” como um dos elementos em construção no momento de confecção e
execução do projeto autonomista. Entretanto, a noção de identidade embutida
no ideário emancipacionista deve ser vista de forma múltipla e diversa, muito
distinta, portanto, da unanimidade pregada por Rojas e em conformidade com
a citação supracitada.
A pluralidade da América hispânica era visível desde a sua organização
política. A colônia americana deveria, teoricamente, obedecer à Coroa espanhola.
Tal confiança foi abalada por meio da crise gerada com a prisão de Fernando VII
pelas tropas napoleônicas. Diante desse cenário, os governos locais da Améri-
ca argumentaram que mediante a ausência de uma soberania política legítima,
como no caso do governo monárquico, o poder retroagia aos súditos, no caso,
aos representantes municipais da América hispânica. A reclusão de Fernando VII
pode ser considerada, portanto, uma primeira ação que resultou nas declarações
de autonomia. No entanto a ausência de um governo centralizado, ainda que
sediado na metrópole, resultou em outro problema: a fragmentação sem fim da
legitimidade política, pois cada cidade tinha autorização, na falta de um poder
legal, de se declarar como um organismo político soberano, uma vez que o pacto
estabelecido com a coroa espanhola havia se rompido mediante a captura do
rei. Cidades menores e algumas províncias não concordavam com a autoridade
delegada às antigas capitais vice-reinais (cabeceras) quando da ausência do poder
imperial e, como consequência, esses fatores abriram espaço para a pulverização
da guerra entre cidades e províncias durante processos de independência e mes-
mo após o seu encerramento.
Esse ambiente de conflitos generalizados perdurou durante quase todo o
século XIX, trazendo à tona diversas limitações durante o processo de cons-
trução dos Estados nacionais, como: a ausência de tropas regulares na América
hispânica; a formação de rivalidades regionais; a persistência de velhas práticas
e estruturas corporativas; a falta de organização fiscal dos Estados ainda em fase
de formação; dificuldades de acesso aos locais mais isolados; relutância quanto
à institucionalização de práticas políticas, mesmo com a elaboração de consti-
tuições em muitos casos; isolamento de comunidades indígenas de participação
política e a ausência de uma aceitação de autoridade política.

149
UNIDADE 4

Apesar de caótico, esse quadro estimulou debates a respeito de uma organiza-


ção formal no pós-independência. A princípio, defendeu-se um regime político
que pregava pela autonomia local (confederação). Tal modelo foi proposto nos
primeiros anos de pós-independência, atendendo, principalmente, às cidades e
províncias menores como forma de se defenderem do poderio das cidades maio-
res, a exemplo de Buenos Aires e Caracas. Em algumas regiões, como no Rio da
Prata, os delegados provinciais eram enviados mais como representantes de um
Estado do que propriamente como membro de uma nação. Essa “nação” em si era
um termo muito difícil de ser definido. Essa conjuntura explica a fragilidade das
tentativas de construção dos Estados nacionais sob os auspícios de um governo
central. As tentativas de organização de projetos federalistas encontravam grande
resistência provincial, pois tais planos eram associados a conspirações voltadas
para o domínio de cidades maiores.
Se o quadro era instável politicamente, o que dizer, então, da cultura naciona-
lista? Encontrar práticas e representações que se aproximassem do que se pode
chamar de “nacional” era uma tarefa árdua, baseada, geralmente, em histórias
compartilhadas. Por outro lado, encontrar esse elemento na trajetória histórica
de muitos desses países tornou-se uma tarefa complexa, sobretudo por parte das
elites culturais e políticas, principais interessados em desenvolver um movimento
dessa natureza.
Dentre os países recém-emancipados na América hispânica, podemos con-
siderar que o México tenha tido uma tarefa bem-sucedida sobre esse assunto,
quando houve um resgate do passado indianista como forma de criar uma cul-
tura identitária singular, muito embora estivesse atrelada à retomada do passado
pré-colombiano para reforçar os valores do cristianismo em terras mexicanas.
Talvez, com exceção do México, os outros países não possuíam lideranças locais
que se sentissem atraídas pela utilização da memória indígena como forma de
embasar um projeto de nação. Muitos desses líderes estavam alinhados ao pen-
samento iluminista e, como tal, defendiam um projeto de nação em sintonia com
os ditames do progresso e da modernidade, enxergando o passado americano
como obsoleto e turbulento.
Um dos líderes com maior participação nas lutas emancipacionistas, Simón
Bolívar, por exemplo, condenava o passado pré-colombiano e não conseguia
filtrar lições positivas dele para as futuras nações, opinião que contribuiu para

150
UNICESUMAR
UNIDADE 4

semear dúvidas sobre o papel das populações mestiças nos novos regimes políti-
cos. Em sua visão, era mais proveitoso inspirar-se no sistema republicano europeu
do que se espelhar no passado de opressão e colonização. O fosso gerado com as
tentativas de praticar algumas teorias importadas, muitas delas incoerentes com a
realidade social americana, dificultou ainda mais a construção de um imaginário
nacionalista que se popularizasse.

Figura 2 – Simón Bolívar


Fonte: Wikimedia Commons ([1895], on-line).

Descrição da Imagem: óleo sobre tela em que vemos um homem magro, em pé e com a mão direita em
cima de uma mesa. Na mão esquerda, levemente levantada, há um pedaço de papel. O homem está olhan-
do para a frente e o seu pé direito está um pouco de lado. Ele está numa espécie de escritório, pois, além
da mesa, há, do seu lado esquerdo, uma poltrona. O homem está com botas de cano longo, calça branca,
cinto vermelho com dourado e camisa azul marinho com vários detalhes dourados, inclusive ombreiras.

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UNIDADE 4

O exemplo clássico da dificuldade de construir um ideário voltado para o sentido


de nação foi a Argentina. Os conflitos emancipacionistas foram mais acirrados
nessa região em virtude de disputas localizadas pela soberania, além da população
mestiça e dos índios nômades serem alijados de qualquer decisão, prevalecendo a
vontade das elites modernizadoras em primeiro plano. Alguns autores revelam a
frustração sobre a possibilidade de gaúchos e índios argentinos construírem uma
nação republicana. Dois dos mais conhecidos que compartilhavam esse pensa-
mento foram os escritores Domingo Sarmiento, cuja principal obra foi Facundo,
e Juan Bautista Alberdi. Ambos são considerados autores clássicos do liberalismo
platino e afirmavam, apesar de suas peculiaridades, o homem interiorano (gaúcho),
geralmente nômade, como incapaz de conviver com regras e instituições, por ser
classificado por tais escritores como individualista e ameaçador da estabilidade de
um projeto de nação. Para essa visão, o gaúcho não tinha condições de assumir um
papel representativo da nação, pois não atendia às características idealizadas por
essa perspectiva romântica de se transformar em um típico personagem nacional.
Apesar de atualmente associarmos o homem dos pampas com a representa-
ção nacional argentina, torna-se relevante compreender como foi árdua a decisão
de sua aceitação como componente simbólico da paisagem portenha. A produção
cultural platina do século XIX, dentre as quais se incluem Facundo e diversas
obras de arte de pintores itinerantes, censura a figura do gaúcho, retratando-o,
muitas vezes, como um nômade das planícies árabes, de forma a transmitir a
ideia de que ele não era integrante do que consideravam como modelo irrefu-
tável de nação. O fato de ignorarem o gaúcho levou a solução imigratória como
um requisito para edificarem uma nação nos moldes europeus. Os adeptos des-
sa perspectiva acreditavam que populações transplantadas de países modernos
trariam energia e civilidade necessárias para a formação de uma nação saudável.
É importante ressaltar que os processos de independência tinham como
principal objetivo a libertação dos americanos, e não de nações previamente
constituídas. Diante dessa constatação, podemos considerar natural o processo
árduo de formação das nações com seus símbolos, práticas e representações. A
propagação de elementos que constituíram o imaginário social (hinos, bandeiras
etc.) somente foi empregada após décadas de lutas contra a hegemonia espanhola.
Mesmo com a rápida delimitação fronteiriça, é fato que o reconhecimento
dos governos centralizados se configurou em um longo processo de aceitação, o
qual foi alcançado apenas no fim do século XIX em alguns casos. Buenos Aires,

152
UNICESUMAR
UNIDADE 4

por exemplo, somente foi definida como capital argentina em 1880. Durante anos
após as lutas emancipacionistas, muitos argentinos faziam referência ao local
onde nasceram em vez de relacionar o seu nascimento com a “nação” argentina.
Tal exemplo ilustra como a elite política nacionalista, de forma contraditória,
estruturou uma nação com base no projeto imigratório, em vez de valorizar as
particularidades da história local. Nesse cenário, o critério de nacionalidade pre-
valeceu como um requisito forte na inclusão ou não de pessoas no projeto polí-
tico. Esses fatores devem ser levados em conta para melhor compreendermos o
significado de Estado nacional após as lutas emancipacionistas.

PENSANDO JUNTOS

O processo de formação dos Estados nacionais na América Latina, salvo suas peculiari-
dades, é acompanhado pela aparição do sentimento de pertencimento a uma “nação”?

Os movimentos de independência trouxeram a necessidade de reconhecimento.


Em alguns casos, foram enviados representantes à Europa no intuito de pressio-
nar a Espanha a reconhecer a emancipação de suas colônias americanas. Além
disso, fazia-se necessário conseguir ajuda econômica e reestruturar as relações
produtivas e comerciais que foram abaladas com a guerra. No plano interno, os
novos países tiveram que escolher seus sistemas de governo, estabilizar a produ-
ção, restabelecer o comércio local e externo, bem como resolver conflitos para
definir suas fronteiras.
O período caracterizado pela formação dos Estados nacionais (1825-1860)
foi marcado por constantes lutas civis, resultado de distintos projetos políticos
que não lograram êxito. O cenário que se desnudou nos recém-formados Estados
nacionais americanos estava ilustrado por uma série de instabilidades políticas.
Uma dessas posições políticas antagônicas foi o chamado projeto bolivariano.
Após a independência da Bolívia e do Peru, Simón Bolívar se preocupou em
concretizar um sonho que nutria desde 1821: o de formar uma aliança defen-
siva. Em 1824, convocou todas as nações para um congresso com o objetivo de
unir os territórios em confederações. A Grã-Bretanha foi convidada, pois dela
dependia a sustentabilidade política e econômica desses países. Tal evento, conhe-
cido como o Congresso do Panamá (1826), contou com a ausência da maioria
dos países latino-americanos, como Argentina, Chile, o Paraguai, a Bolívia, o

153
UNIDADE 4

Brasil e o Uruguai. Compareceram a esse evento a Grã-Colômbia, Peru, México


e outros países da América Central.
Menos de quinze dias após o início do congresso, foi emitido um Tratado
de União, Liga e Confederação Perpétua, por meio do qual os países assinantes
se comprometeram a oferecer ajuda mútua. No entanto, o Congresso teve mais
efeito simbólico do que prático, tendo em vista a difícil e quase impossível missão
de unir esses países em um momento em que nem eles próprios conseguiam
manter a unidade interna de seus territórios. Contudo o projeto de defesa de
seus interesses econômicos se mantém até os dias de hoje e considerou o ano de
1810 como referência do reconhecimento das independências.
O processo de formação dos Estados nacionais no Rio da Prata, por
sua vez, contou com uma disputa acirrada e conflituosa de distintas posições
políticas. Nessa área, os primeiros países a se libertarem do jugo metropolitano
foram o Paraguai e o Rio da Prata. Tal região contava com rios navegáveis e boa
comunicação, todavia esses rios desembocavam no Prata, onde estava localizada
Buenos Aires. Em função de sua localização, Buenos Aires controlava todo o
comércio exterior, gerando alguns conflitos.
No atual Paraguai, por exemplo, José Gaspar Rodriguez de Francia
foi designado ditador perpétuo em 1814, optando pelo isola-
mento, implantação de uma economia de subsistência e por
uma política exterior direcionada apenas para entrada e
saída de estrangeiros.
Francia se dizia liberal, mas aplicava como método
de governo o catecismo pátrio. Nesse sistema, Francia
aparecia como ditador, justificando seu poder abso-
luto, pois acreditava que os paraguaios ainda não
estavam prontos para um governo participativo.
Em consequência, a economia estava sob
controle quase exclusivo do Estado: mo-
nopólio com propriedade de terra e dos
escravos, quase inexistência de co-
mércio exterior, predominân-
cia do comércio regional
de venda de erva-mate e
maiores gastos militares.

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UNICESUMAR
UNIDADE 4

Províncias rio-pratenses, próximas aos rios Paraná e Uruguai, reclamavam


pela abertura do comércio exterior, mas adotavam, ao mesmo tempo, práticas
protecionistas. No entanto, a existência de chefes locais (caudilhos) acabaria
com as divergências de opinião existentes entre uma região e outra, tanto que,
entre 1820 e 1862, a região da atual Argentina, formada por estados paralelos,
se uniu a partir de 1862.
No Uruguai, ao contrário, os caudilhos marcaram disputas que dividiram histo-
ricamente o país entre dois partidos: Branco e Colorado.
De forma geral, após as lutas de independência, os países da América Latina
buscaram incentivar a produção de matérias-primas para a exploração, sobretudo
para a Inglaterra. O Brasil, por exemplo, continuou a tradicional aliança com os
britânicos e a monarquia se viu diante de diversas manifestações de desconten-
tamento. Surgiram vários movimentos separatistas, dos quais o mais intenso foi
a Revolução Farroupilha (1835-1845).
Na região andina, além das instabilidades políticas, o período entre os anos
de 1825 e 1860 foi marcado pela tentativa de reuniões de diferentes Estados, os
quais visavam se unir para se tornarem mais fortes no âmbito político e econômi-
co. Diante desse quadro, o Peru, logo após a independência, em 1824, destacou-
-se por brigas sucessivas, evidenciando a instabilidade existente (conservadores
versus liberais/ monarquistas versus republicanos). Após a sua independência
em 1825, a Bolívia, por sua vez, se declarou autônoma tanto do Peru quanto do
Rio da Prata, adotando, um ano mais tarde, o sistema republicano como regime
político. Entre os anos de 1836 e 1839, foi firmada a Confederação Peruano-Bo-
liviana, uma iniciativa de Santa Cruz, então presidente da Bolívia. O objetivo era
concretizar a unidade política de uma grande região andina, que compreendia
os atuais Estados do Peru, Bolívia e Norte do Chile. Apesar da existência efême-
ra, a Confederação fundou bases administrativas e jurídicas de seus territórios,
superando, em parte, a anarquia administrativa consequente da guerra da inde-
pendência e substituindo a legislação espanhola por novos códigos.
O Chile, por sua vez, via a união entre a Bolívia e o Peru como uma forte ameaça
a seus interesses econômicos e políticos. Por esse motivo, declarou guerra, em 1836,
alegando incidentes fronteiriços e acusações de interferências, mas acabou sendo
derrotado. Três anos antes desse incidente, o Chile promulgou sua Constituição, o
que lhe garantiu estabilidade capaz de solidificar as bases políticas, econômicas e
militares que transformaram o Chile no país mais forte da região andina.

155
UNIDADE 4

Situação contrária estava ocorrendo na Grã-Colômbia, Venezuela e Nova


Granada, onde houve, em 1830, um período de desintegração definitiva. Os mo-
tivos para essa fragmentação foram as guerras de independência e desencontros
entre as propostas centralistas e federalistas.
Em 1847, o governo peruano convocou vários países sul-americanos para o
Congresso de Lima. Na ocasião, apenas Brasil, Argentina e Venezuela não compa-
receram. Os países andinos assinaram um Tratado de Confederação e Navegação,
com o propósito de formar uma liga defensivo-ofensiva dos países do Pacífico,
mas a proposta não passou de lei morta.
A América Central, por sua vez, sofreu um processo de fragmentação após a
independência, em 1821. No ano seguinte, uniu-se ao México, mas optou pela se-
paração em 1823. Em 1824, foi iniciada a Constituição Federal da Confederação
Centro-Americana, porém a inexistência de comunicações internas dificultava
uma verdadeira união dos interesses das elites regionais. Todo esse contexto foi
palco de disputas internas, marcadas, principalmente, pela oposição entre os dois
grupos: conservadores centralistas versus liberais federalistas.
Em 1839, houve a desintegração, em definitivo, da Confederação Centro-
-americana em vários países: El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Costa Rica e
Honduras. Com a pulverização da América Central, a presença inglesa tornou-se
constante, o que não foi visto com bons olhos pelos Estados Unidos.
Durante o século XIX e início do XX, imperava nos Estados Unidos duas no-
ções básicas: primeiro, o Destino Manifesto, voltado para a expansão territorial;
segundo, a Doutrina Monroe, pautada na defesa dos Estados latino-americanos
contra a intromissão de forças extracontinentais.

EXPLORANDO IDEIAS

A Doutrina Monroe foi promovida pelo presidente James Monroe (1817-1825) por meio de
uma mensagem enviada ao Congresso, no dia 2 de dezembro de 1823. A síntese do do-
cumento está baseada na famosa frase “A América para os americanos”. Seu pensamento
estava fundamentado em três aspectos principais: primeiro, o impedimento de criação de
novas colônias nas Américas; segundo, a não intervenção em assuntos internos dos paí-
ses americanos e, por fim, a proibição da interferência dos Estados Unidos em confrontos
relacionados aos países europeus, como guerras entre suas colônias e países.

156
UNICESUMAR
UNIDADE 4

Figura 3 – Progresso Americano / Fonte: Ghast ([1872], on-line).

Descrição da Imagem: é uma pintura que retrata, ao centro, uma mulher maior que outros elementos
que compõem a tela. Essa mulher aparece vestida de branco, com traços angelicais, voando em direção
à esquerda da imagem, e leva consigo fios de telégrafo e um livro. A sua frente, a tela se apresenta mais
escura, e é possível ver povos nativos e animais fugindo. Atrás da mulher, está a parte mais clara da tela,
na qual é possível ver navios, um trem, fazendeiros e colonos vindo povoar aquela região.

A Figura 3 retrata alegoricamente o Destino Manifesto. O progresso representado


pela mulher angelical (identificada por alguns como “Colúmbia”, uma referência
aos Estados Unidos do século XIX) segura um livro e supostamente conduz a
“civilização” até o Oeste, acompanhada de colonos americanos e instalando fios
telegráficos. Em contraste, animais e indígenas fogem, como se estivessem sendo
expulsos de um lugar que era deles.
As interferências internacionais e disputas por territórios da América Central
entre Estados Unidos e Inglaterra resultaram no Tratado Clayton-Bulwer. Assi-

157
UNIDADE 4

nado em 1850 entre os dois países, esse documento firmou o comprometimento


e a convivência com o equilíbrio de forças na região.
A América Central, em meados do século XIX, encontrava-se dividida em
vários Estados disputados pela Inglaterra e os Estados Unidos para a construção
de uma passagem que comunicasse os oceanos com o comércio de ultramar. De
modo semelhante, o Caribe também sofreu disputas pelas potências mundiais.
Cuba era um dos alvos perfeitos para esses países por ser uma região de posição
estratégica e, também, pelo fato de se tornar um importante centro de produção
açucareira. Alguns expansionistas estadunidenses viam no Caribe uma extensão
natural dos Estados Unidos, tanto que, em duas oportunidades (1848 e 1854), os
norte-americanos ofereceram à Espanha a compra da ilha. Os sulistas estaduni-
denses visavam incorporar Cuba como reduto escravista, ao passo que os nortistas
norte-americanos preferiram manter as negociações diplomáticas com a Espanha.

A presença constante dos Estados Unidos na formação dos Estados nacionais


também atingiu o México. Esse país tornou-se independente em 1821, momento
em que os Estados Unidos atravessavam um período de estabilidade político-e-
conômica. Aproveitando a inexperiência das autoridades mexicanas, os estaduni-
denses reconheceram a independência do México em 1822, mas com o intuito de
expandir os seus territórios. Foi realizada uma política de migração de cidadãos
norte-americanos para o estado mexicano do Texas.
O México ratificou esse acordo no qual eram dadas terras aos colonos e, em troca,
estes deveriam respeitar as leis mexicanas, como a proibição da escravidão, por
exemplo. Contrariando a proposta, os colonos entraram no território mexicano
em grande número, estabeleceram suas leis e implantaram o sistema escravista.

Em 1830, o novo presidente do México, Anastásio Bustamante, quis impor uma


política nacionalista na economia e na sociedade. Para fazer isso, Bustamante li-
mitou a imigração dos estadunidenses. Essa medida foi tomada porque os colonos
estrangeiros predominavam e seus hábitos estavam se sobrepondo aos costumes
dos nativos mexicanos. Entretanto, já em 1831, os colonos americanos nutriam
uma consciência separatista, arquitetando estratégias para a emancipação do Texas.
Como reação à imposição dos estadunidenses, o governo mexicano decretou a
abolição da escravidão, em 1835. Um ano depois, os mexicanos protestaram con-
tra a medida do governo e proclamaram a independência. Para a manutenção da

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UNICESUMAR
UNIDADE 4

emancipação, os colonos texanos contaram com o apoio dos Estados Unidos, o qual
anexou o território do Texas. Como ônus da incorporação do Texas pelos Estados
Unidos, o México resolveu romper as relações diplomáticas com esse país, o que
resultou em uma declaração de guerra por parte dos norte-americanos.
Em 1848, o México reconheceu a perda do Texas e sua anexação aos Estados
Unidos. Como consequência da derrota, o México foi obrigado a vender parte do
seu território (do oeste do Texas até o Pacífico) para os estadunidenses, além de
ter que aceitar a proposta americana de estabelecimento das fronteiras, resultando
na perda de metade de seu território.

Figura 4 – Mapa mostrando a per-


da do Texas para os Estados Uni-
dos / Fonte: Wikimedia Commons
(2022, on-line).

Descrição da Imagem: é um
mapa que retrata o território do
Texas que foi perdido para os
Estados Unidos pelo México. Na
parte abaixo do mapa, ao sul do
Rio Grande e na cor laranja, está
sendo mostrado o território do
México. Acima do Rio Grande,
vemos o território do Texas, co-
lorido em verde claro, e com os
dizeres “claimed territory” (terra
reclamada). Logo acima, em um
tom creme, é possível observar
o território dos Estados Unidos.
As marcas de outros rios são
mostradas também no mapa,
dentro do território do Texas,
como o Rio Nueces River, Rio
Arkansas e Rio San Antonio. Os
rios mencionados estão identi-
ficados por linhas azuis.

Conforme você pôde notar, durante a primeira metade do século XIX e logo após
os processos de emancipação política, a América Latina estava formando os seus
Estados nacionais, fator que trouxe uma série de instabilidades e indefinições
territoriais, bem como a precariedade nas relações econômicas e políticas com o
resto do mundo. Em contraste, na segunda metade do século XIX, a estabilidade

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UNIDADE 4

se instala aos poucos, ao passo que o controle das finanças vai sendo retomado e
as administrações vão se restabelecendo.
Como você deve ter aprendido até aqui, as guerras pelas independências se
caracterizaram por serem longas e árduas. Além disso, as consequências para os
novos Estados foram lastimáveis e marcadas por grandes prejuízos, tais como:
economia instável, endividamento e desarticulação da produção agrícola. Vários
estudiosos sobre o assunto relataram as dificuldades da América Latina durante
o período de formação de seus Estados nacionais.
Uma leitura, sem dúvida, considerada indispensável sobre o assunto são os
escritos de Maria Lígia Prado (1999), nos quais estão retratadas as desilusões do
período pós-emancipação.


Na concepção dos letrados liberais, a liberdade, a justiça, o progresso
e a riqueza deveriam florescer na América. Entretanto, a guerra nas
colônias espanholas foi longa e cruel, e o sofrimento e empobre-
cimento visíveis. Assistia-se ao espetáculo da ruína econômica e
da devastação geral. Muitas das riquezas produzidas tinham sido
destruídas: plantações, criação de gado, minas. Os tesouros públicos
encontravam-se esgotados, os líderes políticos disputavam o poder,
divididos em facções. De repente, tudo parecia ter sido em vão, es-
pecialmente para aqueles que haviam se empenhado tanto nas lutas
(PRADO, 1999, p. 68-69).

Além disso, a militarização da sociedade e do poder político constituiu-se como


uma herança das guerras de emancipação. Túlio Halperin Donghi (1975) afirma
que essa militarização não é resultado de poder e prestígios oriundos de líderes
militares, mas das elites civis que não dispensaram o apoio dos militares para a
preservação da ordem que era mais conveniente e atendia aos ditames desse grupo.


O peso das forças das armas [...] é inicialmente um aspecto do
processo de democratização, mas, bem cedo, transforma-se numa
garantia contra uma extensão excessiva desse processo. Por isso
(e não porque pareça inevitável) é que mesmo os que deploram
algumas de suas manifestações fazem pouco para acabar com eles
(DONGHI, 1975, p. 99).

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UNICESUMAR
UNIDADE 4

Muitos daqueles que se diziam liberais e que estavam encabeçando o movimento


pela emancipação política foram designados como líderes das recém-criadas
repúblicas da América Latina. A exclusão das massas no processo econômico
social de seus governos contribuiu para a instalação da desordem infraestrutural,
sobretudo após séculos de colonização e do destrutivo período das guerras de
independência. Na visão de John Charles Chasteen (2001), a herança colonial
inviabilizou a implantação de governos liberais.


Os sonhos liberais de novos países prósperos e progressivos logo
se dissolveram em frustração e fracasso econômico. Esperanças de
verdadeira democracia foram esmagadas pelos velhos hábitos da
hierarquia conservadora. Padrões recorrentes de violência política
e corrupção alienaram a maioria do povo dos governos que supos-
tamente o representavam. A política tornou-se, acima de tudo, uma
busca dos benefícios pessoais dos cargos públicos. Em suma, a pri-
meira geração pós-colonial (1825-1850) não viu a América Latina
progredir em nenhuma direção (CHASTEEN, 2001, p. 101-102).

De forma geral, os liberais, normalmente compostos por membros das elites


crioulas, vinculados ao comércio exterior, foram golpeados por caudilhos mili-
tares. Esses caudilhos eram, grosso modo, proprietários rurais que haviam posto
à disposição suas corporações privadas para engrossarem as fileiras dos exércitos
de libertação. Por essa atitude, foram designados a assumir os altos cargos da
hierarquia militar. No período da pós-independência, adotaram medidas que
tornaram evidentes suas manobras para permanecerem no poder. Em alguns
casos, optaram pela usurpação do trono de governos eleitos e a revogação de
constituições liberais, quando não tiravam vantagens da fragilidade institucional
que os novos regimes republicanos possuíam, utilizando, para isso, o “voto de
cabresto” para se eleger. Tais ações demonstram como o personalismo foi (e ainda
é) uma das marcas centrais da cultura dessas sociedades.

161
UNIDADE 4

EXPLORANDO IDEIAS

Ficou curioso para saber o que foi o voto de cabresto? Saiba que essa modalidade de
voto recebeu esse nome por se tratar de um sistema no qual há forte controle de poder
político, seja por meio da compra de votos, do abuso de autoridade ou utilização do poder
público para favorecimento pessoal ou de simpatizantes.

De forma semelhante, multiplicaram-se as guerras ao longo do século XIX


e no início do século XX. A região do Rio da Prata é um exemplo de conflitos
dessa natureza. Em 1825, os portenhos entraram em confronto com o Império
brasileiro disputando o controle sobre o Uruguai (mais conhecido como Pro-
víncia Cisplatina ou Banda Oriental), em um episódio conhecido como Guerra
Cisplatina (1825-1828), o qual resultou na independência do Uruguai do poder
imperial brasileiro, em 1827.
Entre os anos de 1851 e 1852, novamente, portenhos e brasileiros lutaram pelo
domínio na região. O fim do confronto coroou a vitória brasileira, a qual acabou
com os planos do caudilho Juan Manoel de Rosas de unir os países da área, com
o objetivo de reintegrar o antigo vice-reinado sob o controle de Buenos Aires.
Anos mais tarde, entre 1865 e 1870, ocorreu a Guerra da Tríplice Aliança,
na qual estiveram envolvidos três países (Brasil, Argentina e Uruguai) contra
o Paraguai. Tal acontecimento marcou a Guerra do Paraguai, responsável por
aniquilar a população paraguaia e arrasar a economia do país, destinando-o ao
subdesenvolvimento.

162
UNICESUMAR
UNIDADE 4

EXPLORANDO IDEIAS

Portenhas são pessoas nascidas ou originárias de Buenos Aires, capital da Argentina.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai


Autor: Francisco Doratioto
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: trata-se de uma obra que desvenda muitos mitos da Guerra
do Paraguai, além de defender que a guerra seria essencialmente produto
da formação e definição do caráter dos Estados nacionais.

Além desses, outros confrontos agitaram a região sul-americana, a exemplo da


Guerra da Confederação Peruano-Boliviana (1836-1839), marcada pelo fato
de o Chile não aceitar a união do Peru com a Bolívia, os quais voltaram a se se-
parar após o episódio; e a Guerra do Pacífico (1879-1883), por meio da qual o
Chile derrotou o Peru e a Bolívia, que disputavam uma área ao Norte do Chile,
resultando na vitória deste último; por fim, a Guerra do Chaco (1932-1935), a
qual envolveu o Paraguai e a Bolívia, sendo este último país derrotado e forçado
a ceder a região do Chaco.

163
UNIDADE 4

Figura 5 – Conflitos ocorridos na América Latina durante os séculos XIX e XX


Fonte: Chasteen (2001, p. 145-146).

Descrição da Imagem: dois mapas mostram, respectivamente, a Guerra do Pacífico, a Guerra do Chaco
e a Guerra da Tríplice Aliança. No primeiro mapa, vemos os territórios ganhos pelo Chile na Guerra do
Pacífico. Esses territórios foram perdidos por Bolívia e Peru, representados na cor azul clara no mapa.
Em um tom de azul mais forte e com linhas na vertical, é possível ver os territórios incorporados ao Chile
nesse conflito: Tacna, Arica, Tarapaca (antigo território peruano) e Antofagasta (antigo território boliviano).
No segundo mapa, é possível observar as áreas de lutas nas Guerras do Chaco e da Tríplice Aliança. Na
cor azul escuro, estão os territórios perdidos pelo Paraguai nas duas guerras. Os territórios paraguaios
assinalados pela cor azul escuro foram perdidos, respectivamente, para o Brasil e Argentina. No mapa
há, ainda, em tons de azul escuro e branco e no formato de explosão, marcações sinalizando as áreas de
luta da Guerra da Tríplice Aliança e da Guerra do Chaco.

Passado o período de instabilidade do pós-independência, houve algumas trans-


formações nos países latino-americanos. Os sonhos que apregoavam o pensa-
mento liberal não pareciam estar mais tão distantes. De forma geral, os governos
conservadores não encontravam mais argumentos convincentes que os manti-
vessem no poder. A esfera social caracterizou-se pela ascensão dos mestiços aos
setores médios, quase sempre atraídos pelas promessas dos liberais. No âmbito
econômico, constatou-se certo crescimento em razão da reorganização das ativi-
dades econômicas, bem como de oportunidades que surgiram por meio de laços

164
UNICESUMAR
UNIDADE 4

comerciais abertos pelos investidores estrangeiros. A Inglaterra estava disposta a


investir na América Latina em função de capitais excedentes adquiridos por meio
da indústria. Diante desse cenário, os liberais se tornaram a opção mais aceitável,
fator que proporcionou avanços econômicos durante a segunda metade do século
XIX e a primeira do século XX.

EXPLORANDO IDEIAS

Podemos afirmar que, em fins do século XIX a início do século XX, houve na América Lati-
na o predomínio dos liberais, que haviam derrotado as forças conservadoras (Igreja). Os
liberais defendiam, dentre outras questões, a legitimação da propriedade privada como
direito do indivíduo.

Em conformidade com Rubim Aquino (2000, p. 296-297), “houve a persistência


da herança colonial no sentido econômico”, ou seja, manteve-se na América La-
tina uma economia produtora de gêneros alimentícios e matérias-primas para
o mercado externo. A divisão de mercados mundiais entre os países capitalistas
desenvolvidos (Estados Unidos, França e Inglaterra) resultou na formação de eco-
nomias periféricas e/ou dependentes na América Latina. Esse quadro estimulou a
criação de grupos capitalistas, responsáveis por instigar a agricultura de exporta-
ção e a exploração de recursos minerais, fator que ativou o comércio de exportação
e importação, criação de companhias de seguros, redes ferroviárias, bancos etc.
Paralelo a isso, alguns países haviam sido reduzidos a uma economia de sub-
sistência, o que gerou um quadro de empobrecimento. Tal desigualdade econômi-
ca, em consonância com Aquino (2000, p. 296-297),“era uma estratégia necessária
do capitalismo internacional, ao qual não interessava que os países latino-ame-
ricanos tivessem condições de um desenvolvimento capitalista autossustentado”.
Essas características impediram a modernização e, consequentemente, o surgi-
mento de uma burguesia nacional nesses países. Os poucos grupos capitalistas
que surgiram eram muito frágeis e, por isso, não conseguiram impor domínio
político à região. De acordo com Aquino:

165
UNIDADE 4


A massa da população, majoritariamente camponesa e analfabeta,
vivia sob um sistema de relações pré-capitalistas, uma espécie de
semisservidão, e não constituía mercado consumidor apreciável
para artigos industrializados. As classes dominantes eram forma-
das pelas oligarquias agroexportadoras cada vez mais dependentes
da aliança com o imperialismo – e pela burguesia mercantil – esta
localizada em centros bem definidos, como as cidades portuárias
de Montevidéu, Buenos Aires, Valparaíso (AQUINO, 2000, p. 297).

As contradições do liberalismo latino-americano eram moldadas e estavam des-


tinadas a alimentar o capitalismo central. A concentração de terras era evidente.
O século XIX evidenciou avanços sobre as terras da Igreja e das comunidades
agrícolas. A princípio, os liberais viam nas comunidades um símbolo de atraso, o
que os levou a dividir as terras comunais em pequenas propriedades familiares,
as quais foram incorporadas pelos latifúndios, fator que levava o indígena a um
quadro de servidão por dívidas. Os latifúndios que exploravam essa mão de obra
estavam vinculados a uma produção para o mercado externo. Por essas caracte-
rísticas, podemos dizer que o neocolonialismo encontrou, na América Latina, um
campo propício para o seu desenvolvimento. O período de consolidação dos Es-
tados nacionais, também conhecido como neocolonialismo latino-americano,
foi marcado pela incorporação da região ao capitalismo mundial. Caracterizou-se
ainda por transformações que, de forma mais intensa ou não, modernizaram a
infraestrutura e inauguraram os pilares da industrialização na primeira metade
do século XX. Algumas dessas mudanças foram retratadas por Chasteen:


Ocorreram mudanças verdadeiras e maciças, que afetaram a vida de
todos, ricos e pobres, urbanos e rurais. As grandes cidades latino-a-
mericanas perderam as pedras de cantaria coloniais, as paredes do
emboço branco e os telhados de telhas vermelhas, tornando-se me-
trópoles modernas, comparáveis aos gigantes urbanos de qualquer
parte [...]. As ferrovias multiplicaram-se fabulosamente, assim como
as exportações de açúcar, café, cobre, cereais, nitrato, estanho, cacau,
borracha, bananas, carne, lã e tabaco. As instalações portuárias to-
talmente inadequadas de Buenos Aires e outras partes foram substi-
tuídas. Os proprietários rurais e a classe média urbana prosperaram,
mas a vida da maioria rural latino-americana melhorou pouco, se

166
UNICESUMAR
UNIDADE 4

é que melhorou. Pelo contrário, o capitalismo agrário devastou o


interior e destruiu modos de vidas tradicionais, empobrecendo a
população rural espiritual e materialmente. E o progresso trouxe
uma nova espécie de imperialismo da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos. Os mesmos países que serviriam de modelo para o Progres-
so da América Latina ajudaram a estabelecê-lo ali e, às vezes, foram
seus praticantes diretos. A influência estrangeira foi tão disseminada
e poderosa que os historiadores latino-americanos chamam os anos
de 1880 a 1930 de seu período neocolonial (CHASTEEN, 2001, p.
149, grifo do autor).

Dessa forma, grandes centros, como Rio de Janeiro, Salvador, Buenos Aires, Lima,
Caracas, Cidade do México, Havana, para não citar outras, se desenvolveram, e
muitos deles adotaram traçados semelhantes aos das grandes cidades europeias.
Tal mudança urbana acompanhou os anseios das elites liberais, que buscavam
imitar a arquitetura europeia e norte-americana. Em contraste, o interior não
se desenvolveu, mesmo com a capitalização do campo, a qual, na realidade, so-
mente foi aplicada em áreas exportadoras. As linhas férreas ligavam as regiões
produtoras aos portos e não eram construídas para ligar uma cidade a outra. Por
isso, não houve integração nacional, já que a modernidade ficou restrita apenas
a alguns núcleos centrais.


Se antes espanhóis e portugueses peninsulares desembarcavam com
seus ares irritantes de superioridade e suas nomeações reais firme-
mente na mão, agora era um mister de língua inglesa que chegava
com ares semelhantes de superioridade e somas vultosas para em-
prestar ou investir em bancos, ferrovias, ou instalações portuárias
[...]. Em última instância, o próprio status e prosperidade das pes-
soas respeitáveis estavam associados aos forasteiros e eles sabiam
disso. Noventa por cento de sua riqueza advinha do que vendiam
nos mercados europeus e norte-americanos, e suas próprias preten-
sões sociais, seu próprio ar de superioridade em casa advinham da
tez portuguesa, dos cristais austríacos, da familiaridade dos filhos
com Paris. O neocolonialismo, além de uma relação entre países,
também era um fenômeno interno e familiar na América Latina
(CHASTEEN, 2001, p. 150).

167
UNIDADE 4

A imigração de europeus empobrecidos para o novo mundo tornou-se uma


prática recorrente. Como afirma Chaunu (1983), tal movimento acontecia porque
esses imigrantes tinham esperanças de construir uma vida próspera no conti-
nente americano.


A América Latina foi profundamente modificada na sua estrutura
humana. Era um continente índio e negro até o meio do século
XIX. Depois, o fluxo da imigração branca submergiu a sua zona
temperada: a Argentina, o Uruguai e o Brasil receberam uma massa
de imigrantes que modificou a natureza das suas populações. O
fluxo de imigrantes que deixou a Europa a partir de 1850 dirigiu-se
sobretudo para os Estados Unidos (26.180.000 fixam-se aí entre
1820 e 1930) e depois para a América Latina (cerca de 6.000.000).
Diferentemente da ida para os Estados Unidos, esta imigração é
essencialmente proveniente dos países latinos do sul da Europa,
menos da Espanha e Portugal que da Itália, a qual forneceu os maio-
res batalhões. Esta segunda conquista humana da América Latina
pela Europa afeta em cheio os países temperados: a Argentina, o
Uruguai, o Sul do Brasil e, em menor escala, o Chile, precisamente
a fração do Continente que a conquista ibérica, ávida de metais e
de especulações agrícolas, negligenciara (CHAUNU, 1983, p. 101).

168
UNICESUMAR
UNIDADE 4

Figura 6 – Mapa da imigração na


América Latina
Fonte: Chaunu (1983, p. 102).

Descrição da Imagem: um
mapa em preto e branco da 26.000.000
América mostra as fronteiras
entre os países da América

M
ÉX
Latina, as fronteiras existen-

IC
tes antes de mil oitocentos e

O
Cidade do México
trinta e seis, bem como outros
dados, como os territórios
com maior predominância
de migração de população
negra, europeus, amarelos
(asiáticos) e a América pre- B R ASIL
dominantemente indígena e
mestiça. Na região da América
Latina, os países estão preen- o
e ir
Jan 0
chidos com riscos na vertical, R io de 0. 00
lo 2.50

au
indicando, segundo a legen- 0

S. P
.0 0

es
da, que são territórios cha- 0

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3. 0

os Air
Valparaíso URU
mados de América mestiça e 50.000 GUAI

Buen
indígena. Há uma seta branca NT 00
3. 0 0 0 . 0
GE

apontando para a América do


CHILE

Montevidéu
Norte com o número vinte e
AR

seis milhões escrito, indican-


200.000
do que foi esse o número de
imigrantes europeus que en-
traram nesse território. Mais
dados são indicados na Amé-
rica do Sul: no Sul do Brasil, Fronteiras entre Estados
a informação é de que vieram Fronteiras A. L. (América Latina) antes de 1836
dois milhões e quinhentos mil
Fronteiras A. L. (América Latina) atual
europeus e duzentos mil ama-
relos (japoneses). No Uruguai,
o indicativo é que entraram Amarelos 300.000 Ganho líquido
trezentos mil europeus. Na (japoneses no Brasil)
Argentina, a informação é o Europeus Conquista europeia
ingresso de três milhões de
europeus, ao passo que no Negros América mestiça e índia
Chile foram cinquenta mil.

169
UNIDADE 4

Os regimes liberais, em sua maioria, comemoram essas ondas migratórias de fins


do século XIX, pois acreditavam que esse movimento teria forças suficientes para
“embranquecer” os países. Aliás, os discursos pregados pelo liberalismo político
se esvaíram, mantendo apenas o seu conteúdo econômico por intermédio da
implantação de governos corruptos e ditatoriais. Tais elites usavam a estrutura
estatal no intuito de defender os seus interesses, já que o patrimonialismo foi
uma das marcas deixadas pela herança colonial ibérica.

EXPLORANDO IDEIAS

O liberalismo político teve como base o discurso liberal clássico, mas foi acrescido por
debates entre o pensamento radical e reformista durante o século XIX. As críticas resul-
tantes dessas discussões destacavam a necessidade de contemplar com direitos políticos
todos os grupos sociais, rompendo, assim, com o elitismo defendido pela tradição liberal
clássica. O resultado desse processo foi a formação da liberal-democracia, sistema po-
lítico que fundamentou os Estados democráticos ao longo do século XX. O liberalismo
econômico, por sua vez, visa à liberdade na aquisição de bens, garantindo o direito à
propriedade privada.

A exportação de matérias-primas realizadas por grande parte das economias


latino-americanas propiciou a ampliação da burocracia e do setor de serviços:
funcionários públicos bem como profissionais liberais (médicos, advogados,
engenheiros etc.) se resguardavam para usufruir de parte da riqueza oriunda
do solo de seus países.
A grande demanda de exportações de fins do século XIX e primeiras déca-
das do século XX fez com que os países se dedicassem a produtos específicos:
no Brasil, principalmente o café, a borracha e o cacau; no México, prata, açúcar,
café e petróleo; no Peru, o guano; em Cuba, o açúcar; na Bolívia, o estanho; no
Chile, o nitrato, o cobre e o ferro; na Bolívia, o estanho; na Argentina, trigo,
carne e couros; na América Central, as bananas e o café, e assim por diante. Sem
exceção, todos os países experimentaram, cada qual com o seu sabor, o grande
fluxo de exportações do período.
O crescimento das exportações levou cada vez mais os grandes proprietários a
adquirirem novos lotes, geralmente oriundos de camponeses, indígenas ou peque-
nos proprietários, os quais se sentiam pressionados em razão da supervalorização

170
UNICESUMAR
UNIDADE 4

das terras, ou sendo expulsos legal


ou ilegalmente de suas proprieda-
des. Portanto, podemos afirmar que
parte significativa dos latifúndios
estava nas mãos de estrangeiros ou
de grandes companhias.
Não raro, os trabalhadores de
monoculturas ou mineração ga-
nhavam salários baixos, sem di-
reitos e em péssimas condições.
Não havia mais como viverem in-
dependentes desse sistema, pois a
concentração de terras nas mãos
de poucos impedia o acesso ao
solo que antes era responsável por
garantir-lhes a subsistência. A as-
sociação das elites governamentais
a fraudes ou por interesses fazia
com que as autoridades fechassem
os olhos diante desse quadro de ex-
ploração estrangeira.
Um exemplo foi a United Fruit
Company, considerada a maior
exportadora latino-americana de
bananas, concentrando suas ati-
vidades principalmente na Amé-
rica Central. Sua grande projeção
econômica deu margem para que
atuasse incisivamente na política,
depondo ou nomeando governan-
tes em consonância com os seus
próprios interesses. Agia subor-
nando opositores para que derru-
bassem presidentes julgados incon-
venientes pela exportadora.

171
UNIDADE 4
E S TA DO S
U NIDO S
Guggenheim
(Mineração)

Standard Oil Tabaco


Petróleo TRÓPICO DE CÂNCER
(Petróleo)
MÉXICO
M ÉXICO Açúcar
Petróleo
J. P.Morgan C U BA
(Ferrovias)
Petróleo OCEANO
Westman Pearson Café
(Petróleo)
Tabaco Cacau AT L Â N T I CO
Gado
Café
United Fruit Company
(Plantações) VENEZUELA

COLÔMBIA
EQUADOR
0° B
Bananas
Cacau Borracha
OCEANO EQUADOR Algodão
PA C Í F I CO Açúcar
Açúcar

Corporação Peruana
(Ferrovias)
PERU BRASIL
Cobre
Guano
BOLÍVIA
Prata
PA Café
Estanho
Nitratos RA
TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO GU
John Thomas North AI
(Nitratos) Cobre Gado Investimentos
britânicos em
Antony Gibbs and Sons títulos do
(Finanças/Comércio) ARGENTINA
N URUGUAI governo
Trigo
L E

Williamson Balfour n
Carne Peles
(Finanças/Comércio) Carne
C H I


N

Liebigs
1.000 km (Produtos de carne)

Mercadorias exportadas
Ferrovias, empresas de
Principais empresas norte-americanas utilidade pública,
Principais empresas britânicas navegação e terras inglesas

Figura 7 – Economia de exportação e investimentos estrangeiros na América Latina (início do século XX)
Fonte: Atlas da História do Mundo (1995, p. 222).

Descrição da Imagem: mapa em amarelo com destaques para as principais matérias-primas produzidas na
América Latina. É possível observar, por exemplo, empresas atuantes no México (Guggenheim (mineração),
Standard Oil (petróleo), J. P. Morgan (ferrovias) e Westman Pearson (petróleo)), bem como o destaque para
o petróleo produzido nesse país. Na América Central, é possível observar a atuação da empresa United
Fruit Company (plantações). Em Cuba, os principais produtos exportados eram o tabaco e o açúcar. Na
Venezuela, os destaques eram o café, cacau e o gado. Na Colômbia, o tabaco e o café. No Equador, predo-
minava a produção de bananas e cacau. No Peru, a exportação era de açúcar, cobre e guano, destacando-se
a empresa Corporação Peruana (ferrovias). Na Bolívia, a prata e o estanho eram os produtos exportados.
No Chile, extraíam-se nitratos e cobre, predominando as empresas John Thomas North (nitratos), Antony
Gibbs and Sons (finanças/comércio) e Williamson Balfour (finanças/comércio). Na Argentina, os produtos
exportados eram trigo, carne e lã. No Uruguai, extraíam-se peles, carne e lã, com destaque para a empresa
Liebigs (produtos de carne). Do Brasil, eram exportadas borracha, algodão, açúcar, café e gado.

172
UNICESUMAR
UNIDADE 4

Apesar disso, podemos dizer que a política latino-americana na transição do


século XIX para o século XX caracterizou-se por momentos estáveis que con-
trastavam com um conjunto de golpes e mandonismos locais. Alimentados pelo
comércio exterior, muitos países equiparam forças armadas que mantiveram os
opositores afastados do cenário de disputas políticas.
Um exemplo foi a ditadura de Porfírio Diaz (1876-1911), no México. Seu
governo, mais conhecido como Porfiriato, sustentava um conselho técnico res-
ponsável por administrar e estimular a economia exportadora. As classes médias
foram inclusas no projeto socioeconômico do Estado, uma vez que o governo
contava com generosos recursos para mantê-las em uma zona de conforto. Al-
gumas concessões foram feitas para grupos estrangeiros, como o consentimento
dado à empresa norte-americana Standard Oil de explorar o petróleo que abas-
tecia a industrialização nos EUA.
Os camponeses foram alijados desse processo. Estavam proibidos de par-
ticipar da política, pois havia restrições censitárias e a exigência de serem alfa-
betizados, requisitos que a maioria esmagadora do campesinato não conseguia
cumprir. A corrupção e manipulação dos votos concedia ao Porfiriato uma ima-
gem “democrática” e simultaneamente auxiliava na sua perpetuação no poder.
Mesmo com essa estrutura, Porfirio Diaz não conseguiu industrializar o Mé-
xico, o qual permaneceu atrelado aos laços de dependência característicos da he-
rança colonial e a reboque de uma economia dependente do exterior, sobretudo
dos grandes centros europeus e dos Estados Unidos.
Em alguns países, como o México, Argentina e o Brasil, o sistema embrionário
da industrialização ocorreu no início do século XX, principalmente pela impossi-
bilidade de grandes economias oferecerem seus produtos na época da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918) pelo fato de esses países estarem envolvidos no
conflito. Tal contexto propiciou o surgimento da chamada industrialização por
substituições de importações, todavia esse processo já anunciava o desmoro-
namento do sistema nacional ou, pelo menos, a criação de certa autonomia das
economias latino-americanas. Como nos diz Stein (1976, p. 106), “não será assim,
surpreendente constatar que a América Latina não logrou iniciar a modernização
de sua economia via industrialização um século após a independência”.

173
UNIDADE 4

A formação, bem como a consolidação dos Estados nacionais latino-a-


mericanos durante os séculos XIX e XX, trouxeram, no seu bojo, traços de
exclusão e dependência em meio a um cenário que prometia o oposto dessas
características. Esse quadro de contradições deu suporte para a eclosão de in-
surreições nacionalistas e anti-imperialistas que sacudiram a América Latina
durante todo o século XX.
A primeira metade do século XIX marcou para os Estados Unidos um mo-
mento de prosperidade econômica, expansão territorial e crescimento popu-
lacional, em razão dos fluxos migratórios ao longo do século XIX e das taxas
crescentes de natalidade. Todos esses aspectos contribuíram para formar uma
cultura estadunidense diversa, vista como símbolo do progresso, da expansão
de oportunidades e do local onde o espírito capitalista protestante conseguiu
transformar a sociedade agrária do século XVIII em uma potência industrial
durante o século XIX.
O período posterior à Guerra de Secessão (1861-1865) foi marcado por
amplo desenvolvimento econômico. O término do conflito acelerou a industria-
lização e estimulou a necessidade de interligar as novas terras ao oeste por meio

174
UNICESUMAR
UNIDADE 4

de linhas férreas. Para se ter uma ideia, durante a década de 1860, foi construída
uma imensa ferrovia que ia da costa do Atlântico à do Pacífico. Tal fator era de
suma importância para o escoamento da produção, bem como para a expansão
fabril, sobretudo nos setores de metalurgia e siderurgia.

EXPLORANDO IDEIAS

A Guerra de Secessão (1861-1865) foi um confronto entre os estados do Norte e do Sul


dos Estados Unidos. Conforme analisamos anteriormente, ambas as regiões possuíam ca-
racterísticas socioeconômicas distintas. De um lado, os sulistas defendiam a permanência
do latifúndio como unidade de produção e a continuidade da mão de obra escrava. Por
outro, os habitantes do Norte, cuja principal função econômica era o desenvolvimento
industrial, descartavam a escravidão como caminho para o crescimento econômico. A di-
vergência de projetos para orientar o progresso econômico no país foi fundamental para
a eclosão do conflito. O término da guerra civil foi marcado pela vitória do Norte, garan-
tindo a emancipação dos escravos e a hegemonização econômica da “União”, seguindo o
modelo socioeconômico e político da burguesia industrializante do Norte.

175
UNIDADE 4

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Guerra de Secessão (1861-1865)


Autor: Farid Ameur
Editora: Farid Ameur
Sinopse: retrata a guerra civil norte-americana, destacando a forma-
ção da nação americana na segunda metade do século XIX, bem como as
divergências existentes entre nortistas e sulistas.

Você sabia que em 1865, justamente no ano que marcou


o fim da Guerra de Secessão, foi fundada a Ku Klux Klan,
uma sociedade secreta formada por brancos racistas que
objetivavam manter os negros socialmente segregados
utilizando-se, para isso, de crimes e violência? Quer saber
mais sobre esse assunto? Então aperte o play e venha
aprender sobre esse tema imperdível!

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Mississipi em Chamas


Ano: 1988
Sinopse: o filme é considerado um dos relatos mais realistas sobre
os conflitos raciais no Sul dos Estados Unidos. O desaparecimento
de três ativistas defensores de direitos civis leva a uma das mais dramáticas
investigações de assassinato da história estadunidense.

176
UNICESUMAR
UNIDADE 4

O fim da Guerra de Secessão incentivou a mecanização fabril, fator que bene-


ficiou economicamente os industriais que dispunham de capitais. Também se
tornou recorrente a fusão de empresas, elemento que fortaleceu a expansão de
grandes grupos industriais, dispostos a reconstruírem as áreas destruídas pela
guerra e a adquirirem pequenas empresas, estimulando investimentos em tec-
nologia e a procura por mercados externos.


Do quinto lugar como potência industrial, em 1840, os EUA, que
até a Guerra de Secessão foram um país de pequenos negócios, sal-
taram para o quarto em 1860 e para o segundo em 1870, quando
o processo de concentração e centralização da economia, impul-
sionado pelo crack de 1873, começou a produzir novas formas de
associação empresarial – pools, trustes, cartéis e sindicatos – com
o objetivo de monopolizar mercados e fontes de matérias-primas,
bem como controlar preços e exportar capitais. Em tais circuns-
tâncias, com as forças produtivas do capitalismo desbordando os
limites do estado nacional, a América Latina, agrícola e atrasada, se
configurava como a continuidade natural do seu espaço econômico
(BANDEIRA, 1998, p. 24).

NOVAS DESCOBERTAS

Você sabia que é possível visualizar fotos feitas durante a Guerra


de Secessão? Isso mesmo! Essas fotos foram disponibilizadas pela
Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e podem ser consulta-
das pelo link: <https://www.flickr.com/photos/library_of_congress/
sets/72157626323776739>. Acesso em: 12 maio 2022.

177
UNIDADE 4

OLHAR CONCEITUAL
O primeiro infográfico sintetiza as ideias sobre os períodos de formação e consolidação
dos Estados Nacionais ocorridos, respectivamente, entre os anos de 1825 e 1860 e 1860
a 1890. O segundo, por sua vez, traz os principais aspectos para pensarmos sobre os Es-
tados Unidos na segunda metade do século XIX.

Série de instabilidades e Precariedade nas relações


indefinições territoriais econômicas e políticas

Formação dos Estados Nacionais (1825-1860)

AMÉRICA

Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)

Estabilidade se Controle das finanças vai sendo


instala aos poucos retomado e as administrações
vão se reestabelecendo

Doutrina Monroe: pautada na defesa


Destino Manifesto: dos Estados latino-americanos
voltado para a contra a intromissão de forças
expansão territorial extracontinentais

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ESTADOS UNIDOS
UNICESUMAR
UNIDADE 4

Consolidação dos Estados Nacionais (1860-1890)

Estabilidade se Controle das finanças vai sendo


instala aos poucos retomado e as administrações
vão se reestabelecendo

Doutrina Monroe: pautada na defesa


Destino Manifesto: dos Estados latino-americanos
voltado para a contra a intromissão de forças
expansão territorial extracontinentais

ESTADOS UNIDOS

Guerra de Secessão
(1861-1865): A ampliação do capitalismo
incentivou a mecanização nacional estava vinculada
fabril e a fusão de empresas à expansão territorial

Superpotência industrial
em fins do século XIX

179
UNIDADE 4

PENSANDO JUNTOS

“Ao eclodir a Guerra de Secessão, o crescimento econômico dos Estados Unidos havia
sido estimulado [...]. A Guerra de Secessão abrirá o caminho para a industrialização nor-
te-americana” (STEIN, 1976, p. 101).

Desse modo, a ampliação do capitalismo nacional estadunidense estava intima-


mente vinculada à expansão territorial. Quanto mais terras fossem incorporadas,
mais matérias-primas iriam abastecer o setor industrial norte-americano, mais
empregos seriam gerados e mais imigrantes seriam atraídos para fornecerem sua
mão de obra e, assim, contribuir com o crescimento desse segmento.
Conscientes de seu desenvolvimento, os estadunidenses assistiram a uma con-
juntura favorável ao seu crescimento durante o século XIX. Por isso, iniciaram o
século XX como uma das superpotências mundiais e utilizaram esse rótulo para
exercer hegemonia política e econômica em grande parte do continente americano.

NOVAS DESCOBERTAS

O Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana é um mu-


seu que busca entender a história americana através das lentes da
experiência afro-americana. Reúne mais de 37 mil itens que traçam a
presença dos negros nos Estados Unidos, passando por marcos como
a Guerra de Secessão. No site a seguir, há uma série de exposições
disponíveis no Museu para consulta e visitação.
Web: <https://artsandculture.google.com/partner/national-museum-
-of-african-american-history-and-culture>. Acesso em: 12 maio 2022.

180
UNICESUMAR
UNIDADE 4

No decorrer do século XIX, o processo de expansão dos Estados Unidos foi mar-
cado por duas grandes exclusões: a das populações indígenas e a das populações
negras: os primeiros foram expulsos e eliminados de seus territórios durante
a expansão territorial estadunidense; ao passo que os segundos enfrentaram a
violência das relações escravistas e a falta de direitos sociais e de cidadania ple-
na após o fim da escravidão. Diante desse cenário, podemos observar situações
semelhantes na história de diversos outros países americanos.
Enquanto professor de História, você poderá pedir aos alunos do 8° ano
do Ensino Fundamental ou 2° ano do Ensino Médio, quanto estiver abordan-
do o conteúdo sobre os Estados Unidos no século XIX, para que pesquisem
a exclusão histórica de indígenas e negros. Após realizada a pesquisa, você
poderá orientar os seus alunos para que, em grupos,
escrevam cinco possíveis regras (ou leis) para aju-
dar nessa situação. Sob a orientação do professor,
os alunos irão debater os resultados dos grupos
e, posteriormente, irão formular um único
documento sobre o tema em tela.
A proposta da atividade é fazer
com que os alunos reflitam sobre o
tema da participação política como
forma de fortalecer a democracia.
Nesse caso, além de se envolver mais
diretamente nos espaços políticos
existentes, é importante que os
alunos observem que o fortale-
cimento da democracia passa
pelo diálogo, pela reflexão
sobre temas políticos, pelo
respeito diante das opi-
niões alheias, dentre ou-
tros aspectos.

181
1. Leia o trecho a seguir:

“O primeiro presidente, Dr. José Gaspar Rodríguez de Francia, ele próprio eleito ‘Su-
premo Ditador da República’ por um Congresso convocado [...] em 1816, introduziu
esse tipo de ‘manual’ político para a escola, embora não tenha sido o primeiro a
usá-lo na região. [...] O catecismo do Dr. Francia pertence à categoria dos republica-
nos cujo objetivo era legitimar a mudança de governo e explicar os novos princípios
políticos aos cidadãos paraguaios. Para isso, mandou imprimir o Catecismo Nacional
Reformado, que foi usado nas escolas e no exército para difundir as novas doutrinas
do Estado. Na forma de perguntas e respostas, memorizadas por crianças e adultos
em idade escolar, o catecismo político de Francia trata dos deveres dos cidadãos, da
autoridade pública, bem como da independência e soberania como os bens mais
importantes da República.”

POTTHAST, Barbara. Súbditos, ciudadanos y conciudadanas: ciudadanía y género en


Paraguay, 1810-1870. KLA Working Paper Series, n. 5, 2013, p. 9, tradução nossa.
Disponível em: <https://kompetenzla.uni-koeln.de/sites/kompetenzla/home/salbiez/
Working_Paper/WP_einzelneTexte/WP-5-2013_PotthastBarbara.pdf>. Acesso em: 12
maio 2022.

Sobre o “catecismo pátrio”, método utilizado pelo ditador paraguaio José Gaspar
Rodriguez de Francia, é correto afirmar que:

a) Era um misto de poder divino com nuances de sentimentos de amor à pátria.


b) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder absoluto, já que acreditava que
os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
c) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder republicano, já que acreditava
que os paraguaios ainda estavam prontos para exercerem a democracia.
d) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder monárquico, já que acreditava
que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.
e) Era uma forma de o ditador justificar o seu poder teocrático, já que acreditava
que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.

182
2. No período pós-independência, vários confrontos sacudiram a região sul-americana.
Tais conflitos ocorreram, geralmente, por questões territoriais. Assinale a alternativa
que contenha os confrontos dessa conjuntura:

a) Revolta dos Cravos, Guerra do Ópio e Revolução Cultural.


b) Revolução Mexicana, Guerra de Secessão e Guerra de Fronteiras.
c) Guerras Púnicas, Guerra do Peloponeso e Guerra dos Trinta Anos.
d) Revolução Mexicana, Guerra de Secessão e Revolução Chilena.
e) Guerra da Confederação Peruano-Boliviana, Guerra do Pacífico e Guerra do Cha-
co.

3. A Guerra de Secessão (1861-1865) foi um confronto entre os estados do Norte e os


do Sul dos Estados Unidos. Sobre esse conflito, é corretor afirmar que:

a) Os sulistas defendiam a permanência do latifúndio como unidade de produção


e a continuidade da mão de obra escrava.
b) Os nortistas defendiam a permanência do latifúndio como unidade de produção
e a continuidade da mão de obra escrava.
c) Os sulistas, cuja principal função econômica era o desenvolvimento industrial,
descartavam a escravidão como caminho para o crescimento econômico.
d) Os nortistas, cuja principal função econômica era agroexportadora, apoiavam a
escravidão como caminho para o crescimento econômico.
e) Os nortistas, cuja principal função econômica era alimentar os mercados de es-
cravos, apoiavam a escravidão como caminho para o crescimento econômico.

183
5
Século XX:
Internacionalização
da Economia e
Transformações
Sociais
Dra. Verônica Karina Ipólito

Nesta unidade, você conhecerá as mudanças que ocorreram nas


nações americanas em princípios do século XX, além de analisar as
transformações ocorridas entre o período conhecido como Grande
Depressão até a Segunda Guerra Mundial. Na sequência, estudará os
movimentos revolucionários de primórdios da Guerra Fria na América
Latina a fim de compreender a instalação de ditaduras militares na
América Latina. Analisará, ainda, o poder de influência estaduniden-
se e as relações continentais, aprofundando os seus conhecimentos
sobre o período de redemocratização, globalização e o neoliberalismo
na América Latina.
UNIDADE 5

Nos últimos anos, em virtude da crise que assola a América Latina, especialmente
o Brasil, vemos várias manifestações, sobretudo de brasileiros, desejando a inter-
venção militar e o retorno da ditadura no Brasil. Mas, afinal, o que é uma ditadura
militar? O que podemos tirar de lição da ditadura civil-militar ocorrida no Brasil
entre os anos de 1964 e 1985?
Tivemos vários exemplos que demonstram esse interesse, quando, por exem-
plo, em 2013, um grupo de manifestantes realizou, em São Paulo, algo parecido
com uma nova “Marcha da família com Deus, em defesa da vida, da liberdade,
da pátria e da democracia, contra o comunismo”. Essa marcha ocorreu, original-
mente, em 1964, como reação de grupos conservadores e militares às ações do
então Presidente da República João Goulart, bem como às atitudes de grupos
considerados radicais sobre a suposta ameaça de comunismo. No intervalo de
tempo entre 2014 e 2016, em várias cidades brasileiras, novas manifestações pe-
diram o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e a intervenção mili-
tar no governo. Dois anos mais tarde, em 2018, a greve dos caminhoneiros, que
paralisaram suas atividades por alguns dias em virtude de um grande aumento
no valor do combustível, trouxe à tona, novamente, protestos e manifestações a
favor da intervenção militar no governo.
Em meio a essas informações, desafio você, aluno(a), a refletir sobre o que
você sabe a respeito da ditadura civil-militar no Brasil e se, na sua opinião, um
regime político violento e repressor poderia resolver os problemas do país.
Vários grupos pedem a volta da ditadura no Brasil, pois acreditam que essa
modalidade de regime político seja capaz de aniquilar a corrupção no país, bem
como equilibrar a crise econômica e política. Diante desse cenário, há muitos
pesquisadores do tema, sobretudo historiadores, políticos, jornalistas, artistas,
para não citar outros, que experienciaram a violência da ditadura militar e que
compartilharam relatos sobre como uma ditadura pode violar os direitos huma-
nos e suprimir as liberdades democráticas. Registre no Diário de Bordo o que
você conhece sobre a Ditadura Militar e, se possível, mencione exemplos. E aí,
preparado para mais uma viagem rumo ao conhecimento? Então, aperte os cintos
e venha a bordo de mais essa aventura!

186
UNICESUMAR

DIÁRIO DE BORDO

187
UNIDADE 5

Figura 1 – Greve geral realizada em 1969 como forma de protesto contra as decisões políticas e
econômicas da ditadura militar em Córdoba, na Argentina
Fonte: Wikimedia Commons ([1969], on-line).

Descrição da Imagem: fotografia em preto e branco na qual há, predominantemente, homens, dezenas
deles, em meio a entulhos e fumaça de explosivos ao fundo da imagem. Podemos notar que estão em
pé em uma via pública interditada e participam de um protesto.

O regime de exceção na Argentina foi implantado em 1966 e permaneceu até


1973, se configurando em um dos mais violentos da América Latina, com a esti-
mativa de 30 mil civis mortos.
Conforme analisamos na unidade anterior, os recém-formados Estados la-
tino-americanos foram marcados por duas características: a permanência das
relações de trabalho herdadas do período colonial e o ajustamento das econo-
mias desses países aos interesses e determinações da lógica de circulação de
produtos do capitalismo no final do século XIX. Nesse contexto, novos vínculos
de dependência se formaram, sobretudo com os Estados Unidos, e em menor
medida com a Inglaterra.
Pelo fato de não haver mais a intervenção da Espanha, as elites locais se mo-
bilizaram de forma a buscarem mais espaço no mercado mundial. As condições
eram propícias para atingir esse objetivo: mão de obra abundante e barata, fartas
terras próprias para o cultivo, produtos agrícolas de grande aceitação e institui-

188
UNICESUMAR

ções políticas anêmicas. Nessas condições, as novas economias atendiam às ne-


cessidades dos principais centros do Ocidente: a Inglaterra e os Estados Unidos.
Empresas das duas potências instalaram-se na América Latina, a qual fornecia
matérias-primas e consumia os produtos industrializados, porém esse conjunto
de regras e princípios não impediu que alguns países conhecessem um robusto
crescimento econômico no período.
Um dos casos mais extremos de expansão econômica, entre fins do século
XIX até as primeiras décadas do século XX, ocorreu na Argentina. Composta
de comerciantes e criadores de gado, a elite de Buenos Aires desejava ampliar as
exportações, expandir o mercado interno e a oferta de mão de obra. Empregou,
com esse objetivo, uma prática econômica de incentivo à produção e firmou
acordos internacionais que ampliavam a sua participação no mercado de grãos e
no fornecimento de carne dos pampas argentinos para o mercado internacional.
Tal política econômica foi bem-sucedida. Assegurou o fortalecimento da pro-
dução nacional de cereais (trigo e milho, principalmente) e o aprimoramento da
pecuária (ovinos e bovinos), ainda entre as décadas de 1870 e 1880. Ao mesmo
tempo, a Argentina acolhia um fluxo significativo de imigrantes, especialmente
italianos, os quais aumentaram em quatro vezes a população entre os anos de
1869 e 1914. Esse cenário possibilitou à Argentina tornar-se uma das maiores
economias do mundo, no início do século XX, a ponto de ser considerada como
uma das fortes candidatas ao cargo de futura potência internacional.
O processamento de matérias-primas e a mecanização da agricultura fez
progredir a capacidade de produção e estimular a entrada de recursos e tecnolo-
gia estrangeira no país. A intensificação e disponibilidade de capitais tornaram
possível a criação de fábricas e um avanço significativo no setor industrial na
primeira década do século XX.
Mudanças foram sentidas também no âmbito social. A modernização eco-
nômica deu condições para o crescimento do operariado, o qual se organizou
em federações e sindicatos que contavam com influência anarquista, socialista e
sindicalista revolucionária. Tais instituições lutavam basicamente pela ampliação
de salários e melhores condições de trabalho.
A modernização, contudo, era limitada, uma vez que se concentrava na in-
tensificação da produção e movimentação de mercadorias, as quais não eram
acompanhadas por renovação tecnológica ou melhorias sociais. A legislação

189
UNIDADE 5

trabalhista criada nesse período não foi suficiente para garantir estabilidade aos
trabalhadores, o que demonstrou a pouca vontade das elites em dividir os lucros
obtidos com a expansão econômica.
Esse crescimento, no entanto, era dependente de países ricos, uma vez que a
economia argentina tinha como base de sustentação a agropecuária exportadora.
A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, ocorrida em 1929, desencadeou
uma crise financeira sem precedentes, o que impediu de forma brusca o crescimen-
to da maioria dos
países condicio-
nados aos Estados
Unidos. A redução
do mercado inter-
nacional, por sua
vez, afetou direta-
mente a Argentina,
que sofreu com as
bruscas quedas na
exportação, fator
que abalou profun-
damente sua eco-
nomia (GAGGE-
RO; MANTIÑAN;
GARRO, 2004).

Figura 2 – Multidão re-


unida em frente à Bolsa
de Valores de Nova York
após a crise no mercado
de ações
Fonte: Wikimedia Com-
mons ([1929], on-line).

Descrição da Imagem: fotografia em preto e branco. Nela, tem-se uma visão de uma avenida tomada por
centenas de pessoas e dezenas de carros. Podemos notar que a maioria dos transeuntes são homens e
se concentram próximos à entrada do prédio da Bolsa de Nova York.

190
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

A queda da Bolsa de Valores de Nova York é parte integrante da Crise de 1929 ou Grande
Depressão e causou muitos prejuízos tanto para investidores como para pessoas que de-
pendiam direta ou indiretamente da economia. Durante a década de 1920, os americanos
compraram muitas ações de empresas. Repentinamente, essas ações começaram a de-
clinar, gerando desespero nos investidores que queriam vendê-las, sem, no entanto, en-
contrarem alguém para comprá-las. Esse cenário caótico desembocou na chamada “Quin-
ta-feira negra” (24/10/1929), momento em que a bolsa sofreu a maior baixa da história.

O México, por sua vez, sofreu com as disputas políticas entre liberais e conserva-
dores durante quase todo o século XIX. Por um lado, os conservadores, formados
por grandes proprietários rurais, representavam os interesses da Igreja. De outro
lado, estavam os liberais, defensores de um projeto que incluía a liberdade de
comércio, de expressão e igualdade jurídica. Além disso, se opunham aos lati-
fúndios, declarando-se favoráveis a uma extensa reforma agrária, bem como à
modernização no trabalho e na produção.
Tanto os liberais quanto os conservadores lutaram contra os Estados Unidos e
amargaram uma derrota que resultou na perda de 40% do México em 1848. Dois
anos mais tarde, os liberais chegaram ao poder e aprovaram uma Constituição em
1857, que legitimava a laicidade do Estado mexicano, além de expropriar as terras
indígenas e da Igreja. O intuito era criar um grupo de pequenos proprietários,
objetivando inovar a agricultura e, desse modo, implantar o capitalismo moderno.
Mesmo com essa iniciativa, a crise política de anos posteriores anulou a Carta
Magna e fez com que a Igreja preservasse a sua força e suas propriedades. Em
contraste, as aldeias indígenas foram paulatinamente eliminadas, e suas terras,
incorporadas aos latifúndios, ampliando o poderio político e econômico dos
grandes proprietários rurais.
No ano de 1876, Porfírio Diaz tornou-se presidente, cargo que ocupou por 35
anos seguidos, em um período que ficou conhecido como Porfiriato. Tal regime
destacou-se pela intensa concentração de terras, entrada de capitais estrangeiros
e renovação dos meios de transportes e comunicação, além da inauguração de
ferrovias em grande parte do território.

191
UNIDADE 5

O México de Porfírio integrava o quadro de


divisão internacional do trabalho, processo pelo
qual o país oferecia matérias-primas e comprava
produtos industrializados, conservando um mode-
lo baseado na concentração agrária, na articulação
entre Igreja Católica e latifundiários, além da vio-
lência exercida contra os movimentos camponeses.
A abertura ao capital estadunidense, a amplia-
ção do setor industrial e o estímulo das atividades
mineradoras concederam ao México setentrional
características que o distinguiram do restante do
país, principalmente da região central, onde os cam-
poneses se mostraram mais ativos, e do sul, área
composta por aldeias indígenas que ainda manti-
nham as propriedades coletivas como base de sua
subsistência.
Trabalhadores, indígenas e camponeses não
eram muito receptivos às medidas de controle so-
cial e repressões adotadas por Porfírio Díaz. De
forma geral, os movimentos trabalhistas ao norte
do país eram contidos por tropas federais. No res-
tante do país, explodiram insurreições camponesas
e indígenas duramente reprimidas pelos rurales,
grupos que agiam nos campos de forma truculenta.
O sistema eleitoral fraudulento mexicano ga-
rantia a perpetuação de Porfírio Diaz na presidên-
cia. Em 1910, Porfirio Díaz, então com 80 anos,
se candidatou novamente às eleições. Francisco
Madero, seu opositor político, conquistou grande
apoio popular, fato que o levou à prisão, pois foi
acusado pelas forças do Porfiriato de incitar à re-
belião. A prisão do opositor e um sistema eleitoral
fraudulento deram a vitória a Porfírio.

192
UNICESUMAR

Figura 3 – José de la
Cruz Porfirio Díaz Mori
(Oaxaca, 15 set. 1830 −
Paris, 2 jul. 1915), que
governou o México de
1876 a 1911
Fonte: Wikimedia
Commons ([2022],
on-line].

Descrição da Imagem: óleo sobre tela no qual há um senhor de cabelos e bigodes brancos, que está em
pé. É possível notar que ele está com um traje predominante em preto, mas com detalhes em dourado,
vermelho e branco na gola e nos punhos. Em seu traje, há uma série de medalhas e outras honrarias
fixadas em um dos lados. O homem está ao lado de uma mesa com toalha vermelha e ostenta, em uma
de suas mãos, um par de luvas.

Após a eleição, Madero foi libertado e decidiu exilar-se nos Estados Unidos, local
em que escreveu o Plano de San Luis Potosí, documento em que conclamava os
mexicanos a se rebelarem contra o governo porfirista. Em 1910, uma série de
levantes estourou por todo o país. Ao norte, uniram-se à causa madeirista o líder
camponês Pancho Villa e o general Pascual Orozco.

193
UNIDADE 5

Villa se tornou um dos principais líderes da Revolução e se manteve ao lado


de Madero durante toda a luta. Seu exército, organizado ao norte do país, resistiu
bravamente até 1915.

Figura 4 – Os chefes da Divisão do Norte (Pancho Villa) e do Exército do Sul (Emiliano Zapata), acom-
panhados do general Urbina, Rodolfo Fierro, Rafael Buelna e outros, em 6 de dezembro de 1914, na
Cidade do México / Fonte: Wikimedia Commons ([1914], on-line)

Descrição da Imagem: fotografia em preto e branco. Nela, há predominantemente homens, dezenas


deles a cavalo, andando pelas ruas sem pavimentação de uma cidade. Todos os homens estão com cha-
péu, sendo que parte significativa deles traz o sombrero, tradicional chapéu mexicano que se destaca
por conta das suas abas largas.

194
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

“O grande Pancho Villa foi recrutado pelos homens de Madero durante a Revolução Mexi-
cana, tornando-se um temido general dos exércitos revolucionários [...]. Quando os emis-
sários de Madero o visitaram, ele se deixou persuadir prontamente, principalmente porque
era o único bandido local que desejavam recrutar para a causa [...]. Sendo o próprio Pancho
Villa um homem do povo, um homem honrado, e cuja posição no banditismo era exaltada
com aquele convite, como poderia hesitar em colocar seus homens e suas armas a serviço
da revolução? Bandidos menos eminentes podem ter aderido à causa da revolução por
motivos muito semelhantes. Não porque compreendessem as complexidades da teoria de-
mocrática, socialista ou mesmo anarquista [...], mas porque a causa do povo e dos pobres
era obviamente justa e porque os revolucionários demonstravam ser dignos de confiança
através [...] do sacrifício e da devoção” (HOBSBAWM, 1982 apud LÖWY, 2010, p. 137).

No sul do país, outra frente insurrecional foi


montada. Comandada por Emiliano Zapa-
ta, um líder indígena, tal frente somou-se
às forças oposicionistas da ditadura de
Porfírio Diaz com o objetivo de retomar
as terras indígenas que haviam sido expro-
priadas. Essa questão trouxe para o núcleo
da revolução um debate sobre a terra e a im-
portância de reorganizar as propriedades
rurais no México, algo que não aparecia
como ponto relevante no Plano de San
Luis Potosí. A multiplicação dos levantes
em todo o país impossibilitou a ação das
tropas porfiristas, levando-o à renúncia
e, posteriormente, ao exílio, em 1911.

195
UNIDADE 5

Na sequência, foi instalado um governo provisório até a realização de nova


eleição. Madero saiu vitorioso no pleito, entretanto divergências conflitantes so-
bre a terra não agradavam a massa camponesa. O então presidente mostrava-se
favorável à reforma agrária, mas não estava disposto a realizá-la de forma tão
ampla como almejavam os setores insurgentes camponeses e indígenas.
Alguns desentendimentos entre Zapata e Madero ficaram evidentes. Em 1911,
Zapata difundiu o Plano Ayala, no qual afirmava que Madero não se importava
com a reforma agrária e fomentava o prolongamento da luta. No norte do país,
alguns anarquistas e grupos camponeses se reorganizaram e entraram em con-
fronto com as tropas federais.
Apesar desse cenário, os levantes não contribuíram para a deposição de Ma-
dero. O então presidente do México foi destituído e fuzilado por porfiristas em
1913, os quais contavam com o apoio dos Estados Unidos. O retorno dos repre-
sentantes de Porfírio ao poder marcou a existência de duas revoluções simul-
tâneas: de um lado, a Revolução dos Liberais, comandada, nesse momento,
por Venustiano Carranza, defendia a diversificação econômica e a aceleração do
capitalismo no México; por outro, havia a Revolução Popular, sob a liderança
de Villa e Zapata, a qual ambicionava a reforma agrária, a reorganização de al-
deamentos indígenas e a reelaboração nas relações trabalhistas.
Em 1914, o novo porfirismo foi desbaratado, ou seja, dissipado, pela forte
participação das massas trabalhadoras, tanto camponesas quanto operárias, des-
contentes com o regime político de então. Carranza passou a comandar as forças
federais e deu início a um processo de constitucionalização do país. Com essa
atitude, objetivava finalizar as lutas armadas e delegar à Assembleia Constituinte
a responsabilidade pelos rumos que o país tomaria. Villa e Zapata entenderam
que essa manobra iria derrotar as suas propostas, por isso, recusaram e perma-
neceram na luta.
Um ano depois, as forças de Carranza derrotaram as tropas do norte e des-
falcaram as forças de Villa. Outras derrotas aconteceram nos meses posteriores,
culminando com a rendição de Villa, em 1920. No sul, as tropas zapatistas resis-
tiram até 1919, momento em que Zapata foi assassinado.
Dois anos antes, uma Constituição havia sido implantada. Era o resultado das
demandas das revoluções populares de Villa e Zapata. Dentre as suas principais
propostas, havia a expropriação de terras da Igreja e a restrição de seu exército.
Além disso, a Carta Magna de 1917 determinava que a utilização da terra devesse

196
UNICESUMAR

considerar o interesse público e permitia a distribuição de terras às comunidades


e cidadãos. Tal Constituição garantiu ainda alguns direitos trabalhistas, como
o descanso semanal remunerado, a jornada máxima de trabalho, o direito de
greve, o salário-mínimo e a regulamentação do trabalho feminino e infantil. Tais
características demonstram que esse documento foi a concretização dos anseios
de setores populares em luta na Revolução Mexicana (CORREA, 1983).
Além das mudanças ocorridas no início do século XX, surgiu entre os lati-
no-americanos um sentimento de pertencimento à nação. Esse pensamento deu
lugar às ideias que defendiam os elementos europeus como superiores. Desde
princípios do século XX, houve uma valorização do mestiço como parte inte-
grante da estrutura étnica regional. Esse discurso atraiu a maioria da população
como nunca o neocolonialismo havia feito.
A apreciação do nacionalismo incentivou a formação de um discurso an-
ti-imperialista, o qual tinha a capacidade de emocionar os latino-americanos
diante do ressentimento à dominação estrangeira, sobretudo em relação às inter-
venções militares, às dívidas contraídas e à exploração trabalhista realizada por
proprietários ou empresas estrangeiras. A luta em comum contra o imperialismo
resultou em um senso de unidade, de integração a uma comunidade, ou seja, a
uma nação. Tal identidade foi gestada como reação a invasões, humilhações e
agressões empregadas por forças externas.
Conforme analisamos anteriormente, a Revolução Mexicana adotou um viés
nacionalista, já que a força exercida pelos Estados Unidos forçou os mexicanos a
adotarem a postura da luta armada, uma vez que os interesses do povo somente
poderiam ser atendidos se os estrangeiros fossem contrariados, o que acabou
ocorrendo. No entanto esse não foi o único caso:


No final da década de 1920, fuzileiros navais norte-americanos tra-
varam uma guerra quente contra os guerrilheiros patriotas nicara-
guenses. O líder dos guerrilheiros, César Augusto Sandino, acusou
os Estados Unidos de “imperialismo”. Ele se tornou um herói para
muitos latino-americanos (como Fidel Castro, mais tarde) precisa-
mente por resistir aos Estados Unidos. Várias intervenções norte-a-
mericanas instalaram líderes que se tornaram ditadores por longos
períodos, tiranetes corruptos, famosos pela cobiça e obediência à
política norte-americana (CHASSTEEN, 2001, p. 69).

197
UNIDADE 5

Muitas vezes, tal como na Nicarágua, as forças estadunidenses interpunham


sua autoridade de forma direta. Entretanto essa intervenção militar ianque não
podia ser levada a cabo em países maiores ou distantes, a
exemplo do Brasil, Argentina e Uruguai, os quais expe-
rimentaram movimentos de cunho nacionalista que
pregavam a autodeterminação dos povos, como foi
o caso do Getulismo (1930-1945) no Brasil. Esses
movimentos eram encabeçados, geralmente, por
setores urbanos, os quais passaram a quebrar a he-
gemonia neocolonial das oligarquias. Nesse sentido,
a Grande Depressão de 1929 colaborou para a ruína
do liberalismo neocolonial na América Latina. Os anos
de 1930 sofreram um desaparelhamento dos setores
exportadores em consequência da queda dos pre-
ços e da demanda por produtos latino-americanos
no mercado mundial. Esse quadro enfraqueceu
as oligarquias que dependiam das exportações ao
mesmo tempo em que contribuíram para elevar
o índice de desempregados. Por outro lado, essa
crise contribuiu para a implantação de sistemas
industriais próprios, uma vez que os latino-a-
mericanos não possuíam condições financeiras
confortáveis para ficarem importando produtos industrializados.
Nessas condições, podemos dizer que a década de 1930 já foi um período
relevante para a consolidação da industrialização na América Latina. A in-
dustrialização deu origem a dois processos que ajudaram a eliminar os vestígios
neocoloniais ainda existentes: a ascensão política de setores da burguesia na-
cional e a urbanização. Além disso, a onda nacionalista favoreceu a extensão de
direitos políticos e trabalhistas a outros setores. Entre as décadas de 1930 e 1940
(e, em alguns locais, nos anos de 1950) foram inseridas cada vez mais pessoas
na cena política, principalmente com a inclusão do voto feminino. Tal processo
ampliou a quantidade de eleitores e trouxe vantagens aos nacionalistas e, poste-
riormente, aos populistas, os quais tinham nas populações citadinas suas áreas
de influência. O fim da Segunda Guerra Mundial (1930-1945) coroou, por sua
vez, uma mudança substancial. Os nacionalistas caíram na preferência das massas

198
UNICESUMAR

populares diante do triunfo do liberalismo incorporado na vitória dos aliados.


Além disso, um novo fluxo de pressão estadunidense abalou a região. Segundo o
presidente estadunidense George Washington, os movimentos de viés naciona-
lista na América Latina eram ameaçadores, pois necessitavam garantir para si a
veiculação das políticas externas da região, assegurada como área de influência.
Dessa forma, as transformações ocorridas entre a Grande Depressão (1929)
até o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na América Latina im-
pulsionaram a industrialização e o nacionalismo. Contudo este último sofreu
uma crise a partir de meados dos anos de 1940, fator que dará margem a nova
onda de pressão e intervenções estadunidenses, conforme analisaremos em pro-
fundidade a seguir.
As ingerências dos Estados Unidos na América Latina impossibilitaram,
muitas vezes, que movimentos nacionalistas continuassem na liderança política
de muitos países no momento posterior a 1945. Em alguns casos, os nacionalis-
tas abraçaram o socialismo como forma de implantar a nacionalização de sua
economia. Tal guinada visava avançar na luta anti-imperialista, bem como
garantir igualdades sociais, buscando superar séculos de exploração, bem como
combater as desigualdades herdadas desse processo. Durante os anos marcados
pela Guerra Fria, muitos líderes buscavam fugir das investidas estadunidenses
a fim de encontrar alguma alternativa que estivesse em concordância com seus
anseios e os mantivessem livres do imperialismo ianque. Diante desse quadro,
os latino-americanos tornaram-se cada vez mais atraídos por outra potência: a
União Soviética.

199
UNIDADE 5

A presença marcante das propostas soviéticas na América Latina visava não so-
mente combater o imperialismo ianque, mas seguir o modelo de desenvolvimen-
to levado a cabo pelos soviéticos. A rápida industrialização da União Soviética, a
qual saiu de um quadro de declínio socioeconômico nos anos 1920 para uma
potência industrial vinte anos mais tarde, impressionou muitos latino-americanos
inspirados pelo modelo soviético. Alguns partidos comunistas foram fundados a
partir da década de 1920 (como o Partido Comunista do Brasil, criado em 1922),
mas sua composição e representatividade eram pequenas. Divulgar os ideais do
comunismo em área cuja maioria da população era católica, residentes no cam-
po e analfabetos, era um desafio nem sempre muito bem-sucedido. Cultivar o
nacionalismo não era sinônimo de ser esquerdista, tal como evidenciou muitos
movimentos reacionários dos anos de 1960 e 1970. A fim de manter o ideal na-
cionalista, muitos grupos políticos utilizaram duas táticas distintas: o populismo
e o socialismo (ou algo semelhante a este, já que nem todas as coisas que o De-
partamento de Estado estadunidense enxergava como comunista o era de fato).

Um exemplo claro de suspeitas de adoção às medidas socializantes ocorreu na


Guatemala. Entre os anos de 1944 e 1954, o país vivenciou um período demo-
crático em que os governantes José Arévalo e Jacobo Arbenz adotaram trans-
formações de cunho social, como a melhoria salarial para os trabalhadores e
assistência social. Para as autoridades estadunidenses, um dos eleitos (Arbenz)
tomou medidas exageradas, tais como a reforma agrária, contato com comunistas,

200
UNICESUMAR

expropriações de ferrovias e compra de armamentos da Tchecoslováquia. Para


os Estados Unidos, essas atitudes eram inaceitáveis, uma vez que a United Fruit
Company possuía muitas plantações de bananas no país. Como consequência,
forças estadunidenses invadiram a Guatemala e orquestraram um golpe militar
que culminou na deposição de Arbenz do cargo de presidente. No caso boli-
viano, a ingerência estadunidense foi mais flexível. O programa adotado pelo
Movimento Nacional Revolucionário (MNR), que assumiu o poder de 1952 a
1964, não se inspirou efetivamente nos Estados Unidos, os quais continuaram
envolvidos com a política desenvolvida no país. Como o estanho era a principal
riqueza, tornou-se mais proveitoso aos Estados Unidos uma aproximação do que
uma intervenção direta (GAGGERO; MANTIÑAN; GARRO, 2004). O caso mais
emblemático ocorreu em Cuba. É fato que a vitória da Revolução Cubana, em
1959, foi um divisor de águas. O exemplo cubano motivou os revolucionários
nacionalistas dissidentes do marxismo a organizarem movimentos insurrecionais
nos moldes da guerrilha vitoriosa em Cuba. Contudo, na direção oposta, o triunfo
de Fidel Castro e seus companheiros marcou um avanço substancial do apoio
estadunidense a forças conservadoras de países da região, objetivando podar a
ação de grupos guerrilheiros.
O ideário que servia de combustível para grupos dessa natureza ficou restrito
a um público geralmente jovem e universitário, que fomentou grupos revolucio-
nários por toda a América Latina.
Um exemplo foram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) na Colômbia. As atividades
desses dois movimentos começaram nos anos 1960, quando ambos inauguraram
suas ações guerrilheiras pelo interior ao definir territórios, porém sem sucesso. É
comum, hoje em dia, ouvir nos noticiários o enfrentamento entre guerrilhei- ros
e paramilitares de direita na Colômbia.
Outro caso de movimento revolucionário foi a Frente Sandinista de Liber-
tação Nacional (FSLN), ocorrida na Nicarágua, em 1961. Formado em Havana,
tal grupo objetivou derrotar os ditadores nicaraguenses, oriundos, em sua maio-
ria, da família Somoza, aliada dos Estados Unidos. Por duas décadas, os sandi-
nistas combateram os Somoza, mas foi somente em 1978, diante da comoção
gerada com o assassinato do jornalista Joaquim Chamorro, que direita e esquerda
se uniram contra a ditadura e, um ano depois, derrubaram os Somoza, em 1979.

201
UNIDADE 5

É fato que a ampliação da presença estadunidense no combate a movimentos


ou governos divergentes intensificou a repressão a grupos armados com temor
de que mais países latino-americanos seguissem o exemplo de Cuba.
Antes de 1959, Cuba vivia uma excessiva exploração das camadas mais
pobres, comandada pelas elites nacionais em conjunto com o capital estrangeiro. O
fatídico período dos anos de 1920 e a década de 1950 representou, para a maioria
dos cubanos, um período de retrocesso que culminou com a revolução de 1959. A
ditadura do General Gerardo Machado (1925-1933) foi marcada pela intensifica-
ção de ações populares, como greves e a ampliação dos grupos de esquerda. Todo
esse cenário preocupou os Estados Unidos, que decidiram intervir. Machado foi
derrubado e Fulgêncio Batista tornou-se uma figura de destaque no novo governo.
O movimento de cunho popular e de resistência à ditadura e ao capital ame-
ricano cresceu nos anos de 1950 com a articulação de três notórios líderes guer-
rilheiros: Fidel Castro, Ernesto Guevara (Che Guevara) e Camilo Cienfuegos. Tais
lideranças se reuniram na luta armada para depor Fulgêncio Batista.

Figura 5 – Líderes revolucioná-


rios: Che Guevara (à esquerda)
e Fidel Castro (à direita)
Fonte: Wikimedia Commons
([1961], on-line).

Descrição da Imagem:
fotografia em preto e
branco. Nela, é possível
ver dois homens com tra-
jes militares. O primeiro
encontra-se sentado e
segura, na mão direita le-
vemente elevada, um cha-
ruto. O segundo faz um
movimento como se esti-
vesse levantando. Levanta
a mão direita e está com
os lábios em movimento,
como se estivesse conver-
sando. Ambos possuem
barba e utilizam boina.

202
UNICESUMAR

O processo de luta armada foi de 1953 até 1959, iniciando-se com a iniciativa de
doze guerrilheiros, os quais, escondendo-se na selva, na região de Sierra Maes-
tra, se organizaram em um grupo armado conhecido como Exército Rebelde.
Ajudados pela população local composta, em sua maioria, por camponeses, os
rebeldes infundiram várias derrotas às forças governamentais, as quais tentaram
enfraquecer a coalizão revolucionária.
Batista renunciou ao governo em 1958 e Cuba vivenciou, a partir de então, um
período de reorganização do Estado, o qual não se definiu como comunista nos
primeiros meses. A princípio, reformas julgadas emergenciais foram aprovadas
pelos revolucionários, muito embora, em um primeiro momento, não fosse defi-
nido quem ficaria no poder. Dentre as leis aprovadas pelo governo revolucionário,
estava a criação de empregos, a prisão de civis e militares que apoiaram a ditadura
de Batista, a diminuição dos preços de serviços básicos (aluguéis, energia elétrica
etc.) e o aumento dos salários.
Contudo, a situação ficou crítica quando, em maio de 1959, mediante aprova-
ção da lei da reforma agrária, as elites estadunidenses e cubanas decidiram reagir.
Diante desse cenário, os Estados Unidos optaram por cancelar a importação de
açúcar cubano, o principal sustentáculo da economia nacional. Isso tudo ocorreu
em meio à Guerra Fria. Naturalmente, após os estadunidenses suspenderem a
compra do açúcar cubano, os soviéticos se ofereceram como novos compradores
do produto.
Assustados com a ousadia soviética em influenciar um país tão próximo do
seu território, os Estados Unidos decidiram romper as relações diplomáticas com
Cuba, em 1961. Em abril desse mesmo ano, uma força militar composta por sol-
dados estadunidenses e contrarrevolucionários cubanos desembarcou na Baía
dos Porcos, no intuito de ocupar a Ilha e depor Fidel Castro. Os Estados Unidos
afirmavam que a União Soviética estava instalando, em Cuba, mísseis voltados
para o solo estadunidense.
A ingerência americana não foi bem-sucedida a ponto de a população local
apoiar o seu governo. Esse fracasso coroou a Revolução Cubana e consolidou o
prestígio de Fidel Castro como governante de Cuba.

203
UNIDADE 5

EXPLORANDO IDEIAS

“Os mexicanos e os argentinos que saem de seus países são chamados de imigrantes.
Todos os que saem de Cuba são exilados” (Fidel Castro, 2004).

Desafiando ainda mais os estadunidenses, o governo de Havana promoveu uma


ampla nacionalização da economia e concretizou a reforma agrária. Em 1962,
Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) e os Estados
Unidos decretaram o bloqueio econômico ao governo de Fidel. Após esses acon-
tecimentos, Cuba declarou-se socialista e aliada dos soviéticos. Aos poucos, a
conjuntura da América Latina começava a mudar.

204
UNICESUMAR

Figura 6 – Mobilização contra a ditadura argentina / Fonte: Wikimedia Commons ([1982], on-line).

Descrição da Imagem: fotografia em preto e branco. Nela, é possível ver centenas de pessoas em forma
de protesto, com faixas, cartazes e balões que trazem, em seu conteúdo, palavras de ordem e nomes
de grupos (partidos políticos, associações e federações) que se manifestam contra a ditadura militar.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Brasil: nunca mais


Autor: Paulo Evaristo Arns e Jaime Wright
Editora: Vozes
Sinopse: é uma das principais obras que fala sobre a Ditadura Militar
no Brasil. Nela são abordadas as formas de atuação do sistema repressor
durante esse período, bem como são apresentados os nomes dos principais
torturadores dos porões da ditadura.

205
UNIDADE 5

As décadas de 1960 e
1970 foram marcadas
por mudanças radicais
na estrutura política
da América Latina. Os
chamados regimes po-
pulistas entraram em
crise e foram sucedidos
por sistemas articulados
por forças reacionárias
e conservadoras, multi-
plicando os governos de
exceção por toda a Amé-
rica Latina. Observe a
série de golpes militares
executados a partir de
1964 em solo latino-a-
mericano no infográfico
a seguir:

206
UNICESUMAR

OLHAR CONCEITUAL

ALGUNS GOLPES MILITARES


A PARTIR DE 1964
NA AMÉRICA LATINA

Panamá

1964 Militares depõem


BRASIL João Goulart

1968 O General Juan Jorres


BOLÍVIA assume a liderança
Brasil
1968 Os militares Peru
PERU usurpam o poder Bolívia

1968 Assume o poder o General Paraguai

PANAMÁ Omar Herrera Torrijos

1973 O General Augusto Pinochet


Chile
CHILE comanda o Golpe Militar Argentina Uruguai
sobre o governo eleito de
Salvador Allende

1976 O General Rafael Videla


ARGENTINA comandou o grupo militar
que depôs a então
presidente Isabelita Perón

1976 Militares ocupam o cargo do


URUGUAI presidente Juan Bordaberry,
o qual mantinha um regime
ditatorial no País desde 1973

207
UNIDADE 5

Até então, a região nunca havia sofrido qualquer tentativa de resistência à in-
fluência estadunidense. Porém, conforme analisamos anteriormente, a Revolução
Cubana de 1959 demonstrou o quanto essa área de influência norte-americana
poderia se tornar frágil. Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos fortale-
ceram a capacidade de união das camadas populares historicamente desprezadas
da esfera do poder e, com essa atitude, ganharam aliados importantes na luta
contra o imperialismo estadunidense.

Você já ouviu falar das Mães e Avós da Praça de Maio?


Conhece os motivos pelos quais houve cerca de 500 bebês
roubados na Argentina? Sabia que esse movimento, bem
como o sequestro de bebês, tem tudo a ver com a última
ditadura militar ocorrida na Argentina? Então, não deixe de
assistir ao vídeo, pois nele iremos explicar o que foi, e é,
esse grupo e qual a sua importância para a compreensão
da história da ditadura militar argentina! Vamos lá?!

A fim de demonstrar o poderio estadunidense, o presidente John Kennedy tornou


público, em 1961, a Aliança para o Progresso. No entanto, a morte do presidente
e a ruína da Aliança deram margem para o início de uma série de ditaduras e
repressões na América Latina.

EXPLORANDO IDEIAS

A Aliança para o Progresso foi um projeto político elaborado pelos Estados Unidos duran-
te o governo de John F. Kennedy (1961-1963). O intuito era integrar os países da América
Latina nos aspectos político, econômico, cultural e social contra a ameaça soviética no
continente.

208
UNICESUMAR

Figura 7 – Antigo centro de detenção e tortura durante a ditadura chilena localizado em Santiago,
no Chile / Fonte: iStock ([2022a], on-line).

Descrição da Imagem: fotografia colorida em que vemos um prédio histórico. Parte do prédio, à direita,
aparenta ter seis andares, enquanto outra parte, na esquerda, apenas duas. As portas e detalhes das
janelas que emolduram os vidros foram feitos de madeira. Há detalhes arquitetônicos em alto relevo
próximo às portas maiores e na parte que sustenta as sacadas. O pátio em frente à construção é feito de
paralelepípedos. No prédio, há várias pichações, dentre as quais é possível identificar uma em que se lê
a palavra “muerte”, em espanhol, que, em português, significa “morte”.

Se você, leitor(a), olhar para a história da América Latina, certamente não en-
contrará um modelo de continuidade democrática. As emancipações políticas,
ocorridas no século XIX, fomentaram o surgimento dos caudilhos (conforme
analisamos na unidade IV), protagonistas políticos aliados ao poder militar.

PENSANDO JUNTOS

“O governo Kennedy preparou o caminho para o golpe militar no Brasil em 1964, ajudan-
do a derrubar a democracia brasileira, que se estava tornando independente demais”
(CHOMSKY, 1999, p. 14).

209
UNIDADE 5

Seguindo a tradição militar, o Pentágono criou a escola das Américas em 1949, na


região do Canal do Panamá. O propósito dessa iniciativa era treinar e doutrinar
militares latino-americanos no pensamento favorável aos Estados Unidos. Den-
tre as táticas usadas no treinamento estavam: a guerra psicológica, a repressão
antiguerrilha e o combate à subversão.
Com objetivos similares, surgiu, no início dos anos de 1960, a Doutrina de
Segurança Nacional (DSN). Em consonância com essa teoria, a luta em opo-
sição ao comunismo era extremamente necessária e deveria englobar todas as
esferas sociais. Dessa forma, o período em que golpes militares se multiplicaram
foi acompanhado da perpetuação de ditaduras e marcado por tentativas de con-
tenção da União Soviética pelos Estados Unidos, além de eleger novos alvos: os
inimigos internos (subversivos, estudantes, líderes camponeses e sindicais).

EXPLORANDO IDEIAS

A Doutrina de Segurança Nacional foi confeccionada nos Estados Unidos durante o pós-
-Segunda Guerra Mundial, momento em que a União Soviética passou a ser considerada
como rival irreconciliável. Seus teóricos afirmavam que o marxismo partia de dogmas
messiânicos e objetivava dominar todos os povos da terra. Essa concepção fundamentou
várias intervenções militares na América Latina como forma de frear os movimentos de
esquerda, acusados de propagandear o socialismo.

NOVAS DESCOBERTAS

Você sabia que é possível visualizar, em detalhes, as características


adotadas pelas ditaduras militares que se desenvolveram na América
Latina durante os anos de 1960 e 1970? Tudo isso pode ser obser-
vado em um mapa esquematizado pela Fundação Getúlio Vargas e
que pode ser acessado pelo link: <https://atlas.fgv.br/marcos/revo-
lucao-de-1964/mapas/ditaduras-militares-na-america-latina-dos-a-
nos-1960-70>. Acesso em: 12 maio 2022.

210
UNICESUMAR

Os países que sofreram processos ditatoriais considerados mais truculentos (tais


como Chile, Argentina, Uruguai e Brasil) tiveram prejuízos irreparáveis: um
número elevado de pessoas presas, torturadas, mortas ou desaparecidas pelo
Estado. O argumento mais usual para justificar tamanha violência era a de uma
ação de combate aos guerrilheiros. Bastava uma suspeita, muitas vezes infun-
dada, para confirmar a ligação ou participação com órgãos opositores ao Regi-
me Militar, fator suficiente para que um suspeito fosse condenado (MOREIRA;
QUINTEIROS, 2010).

Figura 8 – Detalhes da parede do Parque de la Memoria, em Buenos Aires, na Argentina, monumento


memorial às vítimas da ditadura militar / Fonte: iStock ([2022b], on-line).

Descrição da Imagem: fotografia colorida em um ângulo diagonal em que há um monumento em que se


vê pedras em formatos retangulares, sobrepostas umas sobre as outras, além das laterais uma das outras
também. Em cada uma dessas pedras retangulares há nomes grafados em alto relevo, simbolizando, cada
qual, as vítimas da ditadura militar argentina.

211
UNIDADE 5

NOVAS DESCOBERTAS

O portal indicado oferece um acervo riquíssimo (depoimentos, do-


cumentos etc.) sobre as descobertas recentes relacionadas à Ditadu-
ra Militar no Brasil (1964-1985). A Comissão Nacional da Verdade
(CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro
de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a
entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida
pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.
Faça uma visita!
Disponível em: <http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/todos-volu-
me-1.html>. Acesso em: 12 jun. 2022.

Conforme analisamos anteriormente, as intervenções da cultura imperialista


estadunidense empregada em solo latino-americano levam a crer que os Estados
Unidos consideravam sua investida como natural e objetivavam ampliar sua
presença nos vários países que compunham a América Latina.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Manhã Cinzenta


Ano: 1968
Sinopse: o filme foi lançado no ano em que vigorava o Ato Institu-
cional nº 5 (AI-5). O longa-metragem mostra de forma clara o que se
passava em uma fictícia ditadura latino-americana. Um casal de estudantes
que participou de uma passeata é preso, torturado e interrogado por um
robô. O filme chegou a sair de circulação por determinação do regime di-
tatorial então em vigor no Brasil, porém uma cópia foi salva e permaneceu
escondida por 25 anos.

Podemos identificar várias formas de intervenção estadunidense ao longo da his-


tória. Desde antes da doutrina Monroe (1823), posteriormente pela Doutrina do
Destino Manifesto, no século XIX, até chegar ao término do século, os Estados
Unidos cristalizaram uma imagem não muito amistosa dos latino-americanos:

212
UNICESUMAR


A crença na inferioridade latino-americana é o núcleo essencial da
política dos Estados Unidos em relação à América Latina, porque
ele determina os passos precisos que os Estados Unidos assumem
para proteger seus interesses na região. Uma vez que existiu, desde
o início, uma maneira de entender a política atual e suas supo-
sições subjacentes é voltar ao século XVIII e examinar como o
pensamento hegemônico de hoje começou a evoluir como coro-
lário lógico de crenças sobre o caráter dos latino-americanos [...]
procurando provas de um sutil, mas poderoso mindset [estrutura
mental que guia o olhar estadunidense, a forma como pensar a
América Latina e compreender a cultura latino-americana] que
impediu uma política baseada no respeito mútuo [...]. Despido
de nuanças, o processo é razoavelmente simples. Por exemplo,
quando um funcionário do Departamento de Estado abre uma
reunião com o comentário ‘temos um problema com o governo do
Peru’, em menos de um segundo é evocada uma imagem mental
de um Estado estrangeiro que é completamente diferente daque-
la que teria sido lembrada se o funcionário em questão tivesse
dito, em contraste, ‘temos um problema com o governo da França’
(SCHOULTZ, 2000, p. 13-14).

EXPLORANDO IDEIAS

Criada no século XIX, a Doutrina do Destino Manifesto parte do pressuposto de que os


estadunidenses foram eleitos por Deus para civilizar a América. Nesse sentido, o expan-
sionismo americano seria o resultado de uma vontade divina.

É com esse pensamento carregado de “pré-conceitos” que os estadunidenses vão


atuar na América Latina. Essa estrutura mental (mindset) político-cultural vai
assumindo tonalidades econômicas à medida que a intervenção para fins mate-
riais vai se concretizando na região. Para se ter uma ideia, somente em 1929, em
torno de 40% dos investimentos estadunidenses no exterior se concentravam na
América Latina.

213
UNIDADE 5

Para Octávio Ianni (1988), há um conjunto de interesses políticos e econômi-


cos nas táticas estadunidenses e na forma de exercitar a sua hegemonia, fatores
que resultam em uma “diplomacia total” (IANNI, 1988, p. 23). Conforme vimos,
intervenções militares localizadas, bem como as manifestações de apoio para
quem defendesse os negócios neocoloniais estadunidenses, foram recorrentes
nas primeiras décadas do século XX. Porém, no período entre guerras, a proba-
bilidade de um grande confronto motivou o Presidente Franklin D. Roosevelt
a anunciar, em 1933, durante o seu discurso de posse, uma “Política de Boa Vi-
zinhança”, por meio do qual os Estados Unidos se comprometiam em não mais
intervir militarmente nos demais países latino-americanos.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética
triunfaram como superpotências, fator que balizou as relações internacionais a
partir de então. A emersão da Guerra Fria exigiu uma nova abordagem chamada
de “Doutrina da Segurança Hemisférica”. Ianni (1988) listou uma série de
relações exteriores americanas no pós-Segunda Guerra Mundial, são elas:


Ata de Chapultepec, sobre a agressão externa e problemas de pós-
-guerra das repúblicas americanas, México, março de 1945; Dis-
curso de Winston Churchill, em Fulton de 1946, sobre as tarefas
mundiais dos Estados Unidos; Doutrina Truman, Washington,
março de 1947, sobre as responsabilidades políticas econômicas
e militares dos Estados Unidos para com os povos que esse país
considerasse ameaçados pelo comunismo; Tratado Interamericano
de Assistência Recíproca, ou Defesa Hemisférica, Rio de Janeiro,
setembro de 1947; Carta da Organização dos Estados Americanos
(OEA), Bogotá, maio de 1848; Tratados Americanos de Soluções
Pacíficas (Pacto de Bogotá), Bogotá, maio de 1948; Ponto IV, para
assistência aos povos das áreas subdesenvolvidas, Washington, ja-
neiro de 1949; Declaração de Solidariedade pela Preservação da
Integridade Política das Américas, contra a Intervenção do Co-
munismo Internacional, Caracas, março de 1954; Deposição do
governo Jacobo Arbenz Guzmán, Guatemala, 1954; Deposição do
governo de Perón, Argentina, 1955; Vitória da Revolução liderada
por Fidel Castro, Cuba, 1959; Criação do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), 1959; Criação da Associação Latino-
-Americana de Livre Comércio (ALALC), 1960; Criação do Mer-

214
UNICESUMAR

cado Comum Centro Americano (MCCA), 1960; Invasão da Baía


dos Porcos, Cuba, abril de 1961; Carta de Punta Del Este, agosto
de 1961; Expulsão de Cuba socialista da Organização dos Estados
Americanos (OEA), janeiro de 1962; Deposição do presidente João
Goulart, Brasil, 1964; Deposição do presidente Víctor Paz Estens-
soro, Bolívia, 1946; Intervenção Militar na República Dominicana,
liderada pelo governo dos Estados Unidos, 1965; Declaração dos
Presidentes da América, Punta Del Este, abril de 1967; Deposição
do presidente Balaúnde e início do governo de Velasco Alvarado,
Peru, 1968; Consenso Latino-Americano de Viña del Mar, Chile,
maio de 1969; Relatório Rockefeller sobre “A qualidade de vida nas
Américas”, agosto de 1969; O presidente Nixon anuncia a política
de seu governo para o hemisfério, Washington, outubro de 1969;
Vitória de Salvador Allende, candidato socialista da Unidade Popu-
lar nas eleições presidenciais chilenas de setembro de 1970; Golpe
de Estado contra o governo Allende, 1973; invasão de Granada em
1983; e a contrarrevolução [sic] em marcha na América Central, em
1906 (IANNI, 1988, p. 28-29).

Essa citação retrata os episódios que marcaram as relações interamericanas e cuja


maioria ocorreu por intervenção dos Estados Unidos em oposição à soberania
dos povos latino-americanos.
Os Estados Unidos atuaram interferindo nas questões internas dos países
latino-americanos na chamada Doutrina de Segurança Hemisférica, por meio
da qual também conseguiram institucionalizar órgãos que possibilitassem o seu
domínio. Dentre esses, a Organização dos Estados Americanos (1948) foi a
que ganhou maior notoriedade, pois sua missão era organizar o anticomunismo.


Um coro de ditadores objetos como Rafael Trujillo na República
Dominicana, “Papa Doc” Duvalier no Haiti e Anastásio Somoza na
Nicarágua seguiam a linha norte-americana na OEA, sobrepujando
qualquer oposição (em um sistema de cada país, um voto) de nações
maiores como o México, Brasil e Argentina. Em 1954, a OEA emitiu
a Declaração de Caracas, sustentando que toda ideologia revolucio-
nária marxista era necessariamente “antiamericana” (CHASTEEN,
2001, p. 211).

215
UNIDADE 5

A vitória da Revolução Cubana evidenciou a fragilidade das políticas estaduni-


denses. Por esse motivo, o governo de Washington implantou o plano de ajuda
aos países latino-americanos, com o objetivo de barrar o avanço de revoluções
de cunho socialista no continente por meio de concessão financeira aos países
adeptos da política anticomunista.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: O segredo dos seus olhos


Ano: 2009
Sinopse: o filme tem como objetivo mostrar a ditadura militar na Ar-
gentina e seus métodos cruéis e fraudulentos, como o de conceder
liberdade a brutais assassinos e condenados por crimes altamente violentos
em troca de que torturassem os presos políticos.
Comentário: esse filme apresenta a intolerância da ditadura argentina e os
métodos duvidosos e bárbaros utilizados pelos militares para se manterem
no poder.

As diversas frentes contrarrevolucionárias, bem como a instalação de regimes


autoritários na América Latina durante as décadas de 1960 a 1980, receberam,
em grande parte, o apoio dos norte-americanos interessados em manter sua área
de influência e extirpar do solo americano qualquer ideologia exótica, tal como
o comunismo. Além disso, o desenvolvimento industrial estadunidense nesse
período era dependente, em parte, das matérias-primas latino-americanas, mais
um motivo para os Estados Unidos desejarem manter uma presença constante
nessa área. Por isso, quando falamos ou ouvimos dizer algo a respeito da onda de
instauração de regimes militares, é necessário compreender o contexto interna-
cional em conjunto com os interesses internos das elites dominantes, afinadas não
apenas com o anticomunismo, mas contra, também, a aplicação do liberalismo
político, ou seja, o aumento da participação política nas eleições democráticas,
condições que ameaçavam os seus monopólios na condução das nações.
A redemocratização dos países latino-americanos pode ser compreendida
como um conjunto de “aberturas políticas” que ocorreu entre os fins dos anos

216
UNICESUMAR

1970 até o início da década de 1990. Nesse período, o temor ao comunismo, bem
como as ameaças provenientes da “anarquia trabalhista” deixaram de existir. Tais
elementos se consagraram como os principais fatores que justificaram a insta-
lação de regimes autoritários por toda a América Latina. Com a extinção dessas
ameaças e sem o apoio popular, os militares optaram, na maioria das vezes, por
devolver o poder aos civis.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Desaparecido: um grande mistério


Ano: 1982
Sinopse: retrata a história de um jovem idealista que desaparece de
sua casa em Santiago após o golpe de estado de Augusto Pinochet.
Sua família, que se mudou dos Estados Unidos para o Chile, tenta descobrir
seu paradeiro e vive uma verdadeira odisseia, visitando instituições e se de-
parando com burocracias incontroláveis.
Comentário: o filme retrata a ditadura chilena de Augusto Pinochet (1973-
1990) e revela como esse regime de exceção ocultava informações sobre
mortos e desaparecidos.

No Brasil, um “milagre econômico” de fins dos anos de 1970 deu apoio aos mili-
tares. Todavia a ausência do “perigo comunista” motivou os militares a iniciarem o
processo de abertura em 1979, sendo este concretizado, em definitivo, no ano de
1985. De forma geral, o movimento popular insistia em eleições diretas, por meio
da mobilização conhecida como “Diretas Já”, porém os militares e autoridades
conservadoras optaram por eleições indiretas nesse primeiro momento. No caso
brasileiro, é importante ressaltar o papel fundamental dos movimentos sociais no
processo de redemocratização. O movimento das “Diretas Já” teve início em 1983,
durante o governo de João Batista Figueiredo. O movimento ganhou amplitude e
adesão da maioria da população ao propor eleições diretas para o cargo de pre-
sidente da República. Apesar da resistência de militares e setores conservadores,
a mobilização de cunho social ganhou força, contribuindo, de forma ímpar, para
o fim da Ditadura Militar.

217
UNIDADE 5

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Pra frente Brasil


Ano: 1982
Sinopse: o filme mostra um homem comum que, ao voltar para casa,
é confundido com um “subversivo” e submetido a sessões de tortura
para confessar seus supostos crimes.
Comentário: esse filme retrata as torturas a que presos políticos eram submetidos. Em
razão desse tratamento, muitos confessavam crimes que não haviam cometido.

Na Argentina, os militares abandonaram o poder no mesmo ano em que amar-


garam a derrota contra os ingleses na guerra das Malvinas (1983). Além disso,
o movimento “Mães da Praça de Maio” já denunciava as atrocidades cometidas
pelo regime, contribuindo para torná-lo impopular.

A Copa do Mundo ocorrida em 1978 na Argentina é conhe-


cida até hoje como a “Copa da ditadura”. Foi nesse evento
que a seleção argentina conquistou o seu primeiro título
de vencedor mundial. Seria uma copa qualquer, não fosse
o fato de a Argentina estar vivendo uma ditadura concom-
itante ao evento. Quer saber mais sobre o que aconteceu
na “Copa da ditadura”? Então, aperte o play e venha apren-
der sobre esse tema imperdível!

No Paraguai, o ditador Alfredo Stroessner, há mais de 35 anos no poder, renun-


ciou ao governo em 1989 e exilou-se no Brasil.
O Chile, um dos países que vivenciou uma das mais fortes tendências auto-
ritárias da América Latina, assistiu uma abertura política lenta durante os anos
1990, acompanhada por reformas liberais no âmbito econômico.
Entre os anos de 1980 e 1990, vários regimes militares latino-america-
nos foram perdendo legitimidade e passaram a ser substituídos por sis-
temas democráticos, com a possibilidade de participação dos civis no poder.
Contudo o retorno à democracia decepcionou a muitos que haviam lutado por
ela. Marcadas pela imaturidade democrática, muitas nações padeceram com
presidentes corruptos ou que sofriam forte pressão por parte de seus opositores.

218
UNICESUMAR

No Brasil, por exemplo, a eleição para presidente de Fernando Collor de Mello


foi sucedida pelo impedimento de continuar no governo, em 1992, em razão da
corrupção empreendida por ele e seus comparsas. Já no Peru, a eleição de Alberto
Fujimori marcou o equilíbrio inflacionário, alegando, entretanto, a existência de
forças oposicionistas sufocantes, Fujimori dissolveu o Congresso em abril de 1992
e instaurou uma ditadura até o ano 2000.
Apesar desses desequilíbrios, naturais em países inexperientes democrati-
camente, a América Latina deveria se preparar para a pressão do capitalismo
neoliberal.
A década de 1980, mais conhecida como “década perdida”, ficou marcada por
uma crise generalizada, resultante, basicamente, do endividamento externo e do
fracasso dos projetos de desenvolvimento independente.
No intuito de salvar suas economias, muitos países latino-americanos recor-
reram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para amenizar seu saldo de-
vedor. Em troca, o FMI estipulou a subordinação das elites econômicas e políticas
às regras do neoliberalismo. Tal intervenção ficou conhecida como Consenso
de Washington (1989) e determinou que os países latino-americanos deveriam
equilibrar suas finanças cortando despesas com políticas sociais e investimentos,
abrir o comércio e liberar a atuação de capitais estrangeiros.
O neoliberalismo prevaleceu na década de 1990, pois o colapso da URSS e
dos regimes socialistas do Leste Europeu abriu margem para a manutenção de
apenas uma superpotência: os Estados Unidos. A fragilidade dos regimes socia-
listas europeus deu a impressão de que a única saída para o desenvolvimento
seria o capitalismo, a ponto de a ideologia neoliberal fundamentar o processo
de globalização.
A modernização dos países latino-americanos dependia de sua inserção, a
qualquer custo, no quadro da nova economia globalizada, ainda que em uma
condição periférica.

219
UNIDADE 5

Seguindo o Consenso de Washington, tais países concordavam em abrir suas


economias ao comércio mundial, principalmente por meio da supressão de suas
barreiras alfandegárias. Como consequência, a abertura dos mercados opor-
tunizou uma miríade de investimentos internacionais na América Latina, ao
sabor das circunstâncias e em consonância com a disponibilidade de capitais
no mercado mundial. Esse processo de abertura da economia latino-america-
na, mais conhecido como liberalismo, coloca fim na participação do Estado em
privatizações de empresas, aumenta os índices de informalidade dos trabalhos,
além de desestabilizar os sindicatos.
Incluídos nas tendências neoliberais, muitos governos assumiram a dire-
ção em países latino-americanos. Na Argentina, Carlos Menem (1989-2001)
abriu a economia e privatizou algumas estatais, como a YPF, responsável pela
exploração de petróleo.
Seguindo os mesmos passos de Menem, no Brasil, o governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002) controlou a inflação mantendo a equivalência
do dólar ou real (moeda nacional) até 1998, manobra que, por pouco, não levou
a economia brasileira à falência. Como forma de salvar o Brasil dessa situação, o
presidente solicitou ajuda financeira ao FMI, o qual, em troca, exigiu a inserção do
país na lógica neoliberal. De forma semelhante ao
caso argentino, o governo brasileiro privatizou a
maior parte das empresas estatais, vendendo-as
a grupos econômicos de outros países.
É importante ressaltar que, em seu discurso
de posse, Fernando Henrique Cardoso anunciou
o “fim da Era Vargas no Brasil”. Em linhas gerais,
o que se pode compreender dessa declaração é
que o Estado não assumiria mais o papel
de interventor e/ou empreendedor, tal
como o fez durante o regime varguista,
mas já era o anúncio de sua proposta
de transferir para a iniciativa privada
a produção de bens e serviços, man-
tendo claros os objetivos de inves-
tir em saúde, educação, segurança
e saneamento.

220
UNICESUMAR

Em seu segundo mandato


como presidente (1999 a
2003) a economia foi afe-
tada por uma série de cri-
ses financeiras no México
(1995), na Ásia (1997) e na
Rússia (1998), instabilida-
des que contribuíram para
a desvalorização do real,
culminando com a queda
da popularidade do gover-
no FHC.
No âmbito do comércio
internacional, formaram-se
blocos comerciais na Amé-
rica, tais como: o Mercosul
(Mercado Livre do Cone
Sul), o Nafta (North Ame-
rica Free Trade Agreement
ou Tratado de Livre Comér-
cio da América do Norte) e
a proposta de criação da
ALCA (Área de Livre Co-
mércio das Américas).
Em razão do aumento
dos índices de desempre-
go, crescimento econômico
pífio e endividamento dos
Estados decorrente da fra-
gilidade das políticas neo-
liberais na América Latina
durante os anos de 1990, os
Estados latino-americanos
vieram buscar novos proje-
tos políticos para amenizar

221
UNIDADE 5

essa crise. Como resposta, elegeram governantes declaradamente oposicio-


nistas do projeto neoliberal, como: Nestor Kirchner, na Argentina (2003); Hugo
Chaves, na Venezuela (1998); Luís Inácio Lula da Silva, no Brasil (2002); Tabaré
Vasquez, no Uruguai (2004) e Evo Morales, na Bolívia (2005). Apesar de suas
particularidades, tais governos deram novos rumos para a região.
Esse período marcou o revigoramento de movimentos sociais, tamanha a
pressão que exerceram por uma luta de igualdade social e desenvolvimento au-
tônomo. Todavia um novo período de instabilidades se instalou nas esferas po-
lítica e econômica da América Latina, contribuindo para o alastramento de uma
onda de insatisfação popular, pondo em risco uma década de avanços sociais e
econômicos (MOREIRA; QUINTEROS, 2010).
Foi aí que surgiram propostas com tendências mais conservadoras, a
exemplo das eleições de Maurício Macri, na Argentina, em 2015; Sebastian Piñera,
no Chile, em 2017, que conseguiu se reeleger para um novo mandato; Ivan Duque,
eleito presidente em 2017 pelo Centro Democrático na Colômbia, partido de
direita criado há pouco tempo e que se posicionou contra o ex-presidente Juan
Manuel Santos e ao acordo de paz consolidado com as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia — Exército do Povo). Lenín Moreno, escolhido
como presidente do Equador no pleito de março de 2017 pelo Alianza Pais, apesar
de se identificar mais com as ideias de centro-esquerda, tem tomado atitudes e
posições cada vez mais em sintonia com a direita. Ainda na linha das tendências
mais conservadoras, tivemos a eleição, no Brasil, de Jair Bolsonaro.
O crescente descontentamento com a crise econômica, proveniente, dentre
outras coisas, da situação pandêmica da Covid-19 e, mais recentemente, da Guer-
ra entre Ucrânia e Rússia, tem intensificado os questionamentos a esses governos.
No entanto, resta-nos acompanhar os próximos desdobramentos da crise que se
arrasta pelos países latino-americanos a fim de fazermos uma avaliação consis-
tente sobre esse período.

222
UNICESUMAR

A censura foi um dos mecanismos mais comuns adotados nas ditaduras milita-
res, principalmente as restrições impostas aos meios de comunicação e artistas
de uma forma geral. Peças de teatro, novelas, filmes, músicas, livros etc. somente
poderiam chegar ao público após passar pelo crivo dos censores. O argumento
utilizado pelo governo ditatorial era de que isso seria necessário para que se pre-
servasse a “moral e os bons costumes”, bem como “a segurança nacional”.
Parte da mídia, entretanto, reagiu: o jornal O Estado de S. Paulo, por exem-
plo, substituía as notícias censuradas por receitas de bolo e trechos do poema
Os Lusíadas, escrito por Camões. No Rio de Janeiro, outro periódico, o Jornal
do Brasil, deixava enormes espaços em branco para explicitar as reportagens
censuradas. Outros veículos de comunicação, como os periódicos O Pasquim e
Opinião, simplesmente não cumpriam as ordens dos censores e publicavam os
artigos considerados “proibidos”. Como forma de punir essa atitude, os policiais
frequentemente retiravam os exemplares à venda nas bancas e, não menos raro,
prendiam os jornalistas.
Muitos filmes somente puderam ser exibidos após cortarem algumas cenas.
Vários compositores foram proibidos de divulgar muitas de suas canções, a exem-
plo de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, dentre ou-
tros. Após falar de censura para os alunos você, acadêmico(a), irá, em sala de aula,
orientar os alunos para que se reúnam em grupos e façam uma pesquisa sobre
um dos artistas ou veículos de comunicação citados nesse texto. Na pesquisa, os
alunos deverão levantar informações com a opinião de cada um dos artistas ou
veículos de comunicação a respeito da Ditadura Militar no Brasil. Posteriormente,
essas informações, bem como as obras dos artistas ou a história dos veículos de
comunicação, serão apresentadas à sala de aula. O objetivo é instigar o debate e
a troca de ideias sobre as pesquisas que cada grupo realizou.

223
1. Leia o excerto de texto a seguir:

“A emergência de uma multiplicidade de lideranças, legítimas ou não, contraditórias,


desencontradas, por vezes, permitiu a hegemonia de um grupo que, investindo-se de
legitimidade, passou a ver como inimigos antigos companheiros de luta. Assumindo
o poder, os vitoriosos passaram a falar em nome dos ‘revolucionários’, cristalizando
sua palavra numa peça institucional, a Constituição de 1917.”

CORRÊA, Anna Maria Martinez. A Revolução Mexicana (1910–1917). São Paulo:


Brasiliense, 1983, p. 8.

Iniciada em 1910, a Revolução Mexicana foi responsável por grandes transformações


no México, caracterizando-se por ser um movimento de cunho popular, anti-imperia-
lista e antilatifundiário. Diante disso, faça uma análise do processo dessa Revolução,
enquadrando-a no contexto nacionalista latino-americano da primeira metade do
século XX.

2. Leia o excerto de texto a seguir:

“Quando um funcionário do Departamento de Estado abre uma reunião com o co-


mentário ‘temos um problema com o governo do Peru’, em menos de um segundo
é evocada uma imagem mental de um Estado estrangeiro que é completamente
diferente daquela que teria sido lembrada se o funcionário em questão tivesse dito,
em contraste, ‘temos um problema com o governo da França’”.

SCHOULTZ, L. Estados Unidos: poder e submissão. Bauru: Edusc, 2000, p. 13-14.

Desde antes da doutrina Monroe (1823), posteriormente, pela Doutrina do Destino


Manifesto, no século XIX, até chegar ao término do século, os Estados Unidos crista-
lizaram uma imagem não muito amistosa dos latino-americanos. A partir dessa in-
formação, analise a mentalidade norte-americana em relação aos latino-americanos.
Registre suas conclusões.

224
3. Leia o excerto de texto a seguir:

“A revolução cubana, assim, produziu profundas consequências na América Latina,


onde a tendência das Forças Armadas para intervir, como instituição, no processo
político, a partir de 1960, não decorreu apenas de fatores endógenos, e constituiu
muito mais um fenômeno de política internacional continental do que de política
nacional, argentina, equatoriana, brasileira etc., uma vez que fora determinada, em
larga medida, pela mutação que os Estados Unidos estavam a promover na estra-
tégia de segurança do hemisfério, redefinindo as ameaças, com prioridade para o
inimigo interno, e difundindo, através, particularmente, da Junta Interamericana de
Defesa, as doutrinas de contrainsurreição e da ação cívica. Tanto isso é certo que a
intervenção das Forças Armadas, a princípio, visou, sobretudo, ditar decisões diplo-
máticas, modificar diretrizes de política exterior, e ocorreu, geralmente, nos países
cujos governos se recusavam a romper relações com Cuba. E daí o surto militarista,
com a propagação dos golpes de Estado, que tinham como principal fonte de ins-
piração a Junta Interamericana de Defesa, visando impedir que outro Fidel Castro
surgisse na América Latina.”

BANDEIRA, L. A. M. Fidel Castro, a Revolução Cubana e a América Latina. Revista


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Após a Revolução Cubana de 1959, várias ditaduras militares surgiram nos países
latino-americanos. Diante dessa constatação, disserte sobre a influência dos Estados
Unidos na ocorrência de regimes militares na América Latina.

225
UNIDADE 1

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234
UNIDADE 1

1. C. Comentário: o Brasil antes da chegada dos portugueses era ocupado por vários
povos nativos. Além dos tupis e dos guaranis, havia outros povos, dentre os quais
podemos destacar, os jê, karib, pano, tukano e aruák, situados no interior da América
portuguesa.

2. C. Comentário: de forma geral, os maias se destacaram ao desenvolverem avanços


significativos em cálculos matemáticos e observações astronômicas. Já sabiam, por
exemplo, o conceito do número zero, compreendido pelos europeus apenas mais
tarde. Além disso, organizaram o tempo por meio de um calendário composto por
260 dias, orquestrados segundo os complexos movimentos de astros. Na arquitetura,
construíram obras monumentais e elaboradas, a exemplo de cerca de 600 pirâmides
edificadas na cidade de Teotihuacán. Em Tikal, outra cidade maia, foi erigido um templo
de mais de 70 metros, considerado o maior da América pré-colombiana.

3. E.

Comentário: de forma geral, considera-se animismo toda a manifestação religiosa


que atribui aos elementos dos cosmos (Sol, Lua, estrelas), a determinados seres vivos
(como os animais, as árvores e as plantas) e aos fenômenos naturais (a exemplo da
chuva, do dia e da noite) uma causa primária de característica vital e pessoal, cha-
mada de “anima”. Esta, por sua vez, simboliza a energia que movimenta o cosmos, o
qual, em uma visão antropológica, significa espírito e, na teocêntrica, é associado à
alma. A pesquisadora Betty J. Maggers (1985) classificou os povos pré-colombianos da
América saxônica de acordo com os seus habitats, quais sejam: a floresta, o deserto
e as grandes planícies. As atividades mais recorrentes entre esses grupos eram a
agricultura, a caça, a pesca e a coleta de sementes para a manutenção das aldeias.

UNIDADE 2

1. O intuito é compreender que Hernán Cortés e Cristóvão Colombo eram homens de sua
época e que ansiavam por enriquecimento fácil. Para ambos, o objetivo da conquista
das terras do novo mundo estava concentrado na obtenção de riquezas e na difusão
da fé cristã. No entanto, diferenciavam-se no modo, na escolha de prioridades e na
competência de execução de seus respectivos objetivos.

Em Colombo, evidencia-se o deslumbramento diante das terras que encontrou e,


desse modo, é compreensível certo sentido de preservação dos lugares, como quando
afirma que os reis católicos não consentissem que àquelas terras viessem estrangei-

235
ros, salvo católicos cristãos. Mesmo no contato com os indígenas, havia um objetivo
de cristianização. Colombo, porém, ao contrário de Cortés, não lucrou em efetivar os
seus objetivos. Prejudicou-se, talvez, pelo pioneirismo e pelas inúmeras possibilidades
que as terras americanas pareciam dispor (considerando-a um “paraíso terrestre”),
tornando sua administração um tanto sobrecarregada. Tudo somado, não manteve o
prestígio adquirido na primeira viagem. Isso também pode ser compreendido pelo fato
de Colombo ser genovês. Tendo em vista que a aversão ao estrangeiro na sociedade
espanhola era uma marca profunda (como na perseguição aos judeus e muçulmanos)
e que ia além da questão religiosa, é compreensível que, em um segundo momento,
Colombo tenha sido desprezado pela Coroa.

Em contrapartida, podemos notar em Bartolomé de Las Casas, um frade dominicano


que relatou em várias obras o processo de conquista, uma distinção bastante diferen-
ciada entre indígenas e espanhóis. Las Casas descreve os espanhóis como cruéis e
ambiciosos e os nativos como seres simples e sem maldades. As conquistas do Novo
Mundo são relatadas por Las Casas praticamente por um único prisma: o da destrui-
ção. O religioso buscou, por meio disso, afastar qualquer relação entre os indígenas
dos bárbaros e escravos naturais, associando-os a exemplos expressivos da perfeição
divina. Essa crença permitiu com que Las Casas relacionasse o novo continente ao
paraíso terrestre, os indígenas aos inocentes que habitavam as terras agradáveis e
prazerosas e os espanhóis aos terríveis destruidores do paraíso descrito.

2. É importante perceber que, a princípio, a economia mineradora da América Espanhola


não estava baseada integralmente na propriedade privada, pois todo o território era
considerado domínio da Coroa hispânica. O sistema de ocupação para fins produ-
tivos dessas terras estava baseado em concessões perpétuas realizadas pelo poder
régio a investidores mineiros. Esses, por sua vez, se localizavam em diversos setores
sociais, podendo ser o rei e funcionários do primeiro escalão até grupos de colonos
compostos por homens simples e indígenas. A partir de fins do século XVI, a exploração
mineratória exigiu uma tecnologia capaz de concentrar e aprofundar as escavações.
Dentre os mecanismos que mais lograram êxito no processo de extração da prata
está a introdução do amálgama de mercúrio. Esse sistema, porém, resultou na hierar-
quização entre os mineradores, ou seja, os pequenos e médios produtores de metais
vendiam o minério explorado de suas minas para os empresários de grande porte, os
quais monopolizavam o processo do amálgama. A extração da prata era controlada
de forma mais intensa pelo capital comercial, isso significa que sua produção era, ge-
ralmente, direcionada para a Europa, sobretudo Espanha, e, posteriormente, drenada
para outros centros financeiros europeus. Além disso, a Coroa Hispânica cobrava, na
forma de imposto, 20% de toda a produção de prata (o quinto). É importante salientar
que a mineração não foi o único vetor da economia hispano-americana, mas foi, sem
dúvida, o mais lucrativo segmento durante a colonização espanhola na América.

3. O objetivo é compreender que as colônias do norte foram destinadas ao povoamento


de refugiados, enquadrados nos casos citados no parágrafo anterior. Essa região, ba-

236
nhada pelo Oceano Atlântico apresenta o clima temperado, similar ao europeu. Tais
características facilitaram o desenvolvimento de um núcleo de povoamento baseado
na policultura de subsistência e no mercado interno, já que não foram encontrados
metais preciosos e nem produtos agrícolas em abundância para o mercado europeu.

O trabalho familiar, concentrado em pequenas propriedades, foi predominante. Al-


guns cereais, como o milho, foram cultivados por esses grupos. Além disso, a região
setentrional dessas colônias, mais conhecida como Nova Inglaterra, desenvolveu-se
com uma produção de navios significativa. Esses estaleiros foram bem-sucedidos em
razão da abundância de madeiras existentes na região e confeccionavam embarcações
destinadas aos mais diferentes fins, bem como para o comércio triangular. No caso
das colônias do norte, o comércio triangular era muito utilizado na compra de cana e
melado das Antilhas, os quais seriam transformados em rum. Tal bebida era transpor-
tada para a África por meio de embarcações provenientes da Nova Inglaterra. Nesse
continente, era usualmente trocada por escravos. Tais cativos eram comercializados
pelos proprietários de terras das Antilhas e Colônias do Sul.

Seguido desse processo de venda de mão de obra escrava, novamente os navios


retornavam para a Nova Inglaterra, carregados de melado e cana para a produção
de rum. Tal comércio envolvia, geralmente, a Europa para onde rumavam os navios
com açúcar das Antilhas, os quais retornavam com produtos manufaturados para
serem comercializados nas colônias inglesas na América. Além dessas atividades, as
Colônias do norte adotaram a pesca para complementar a economia local. Localizadas
próximas a um dos maiores pesqueiros do mundo (Terra Nova), tais colônias tiveram
condições de explorar fartamente as atividades pesqueiras, bem como a venda de
peles, as quais eram adornos fundamentais nos vestuários da época, além de prote-
ger do rigoroso inverno europeu. Em termos políticos, a região da Nova Inglaterra se
mostrou bastante organizada, apresentando governos com larga participação popular.

Mesmo com as proibições da população, cada colônia possuía relativa autonomia, e


chegaram a construir pequenas manufaturas, além de realizarem o comércio entre
outras regiões que não fossem a metrópole e não possuíam o seu aval. De forma
distinta, as colônias do sul desenvolveram uma economia mais condizente com os
interesses europeus. Desde cedo, cultivaram o tabaco e o fumo, sendo que o primeiro
exigia uma expansão agrícola contínua, tamanha a sua capacidade de esgotamento
do solo. Muito embora a mão de obra servil branca fosse muito utilizada no século
XVII, é fato que o aumento da área de tabaco exigiu um número significativo de mão
de obra escrava.

Como consequência, a sociedade ficou marcada por ampla desigualdade e resistiu


mais ao pensamento de independência por estar vinculada a interesses externos,
isso porque os latifundiários meridionais temiam que uma ruptura com a Inglaterra
significasse um corte com a sua estrutura econômica. Era comum algumas pessoas
reafirmarem a dependência das colônias do sul com a Inglaterra, como no fato de
que quase todas as roupas eram provenientes de lá, mesmo o Sul sendo o grande

237
responsável por produzir linho e algodão. Outras, por sua vez, não escondiam o
espanto de que mesmo a região sendo rica em madeira houvesse a importação de
cadeiras, bancos e cômodas. Em suma, é relevante que se perceba essas diferenças
peculiares à colonização da América Inglesa.

UNIDADE 3

1. O objetivo é que você compreenda que os acontecimentos na Espanha da segunda


metade do século XVIII e primeiros anos do século XIX influenciaram diretamente a
situação na América Hispânica. A ocupação do território espanhol pelas tropas de
Napoleão Bonaparte favoreceu o movimento de independência das colônias da Amé-
rica porque enfraqueceu o poder da metrópole. Em 1808, Napoleão ocupou Madri,
destronou o rei espanhol Fernando VII e colocou em seu lugar o irmão José Bonaparte.
Todo esse contexto provocou reações não somente na Espanha como também em sua
colônia americana. Com a deposição de Fernando VII, os hispano-americanos expe-
rimentaram uma nova fase política, que abriu caminhos para a construção de novos
conceitos, palavras e projetos. Os movimentos de independência na América Espanhola
se manifestaram rapidamente e simultaneamente no ano de 1810, dois anos após a
invasão francesa ao território espanhol. Esses movimentos se propagaram do México
(vice-reino da Nova Espanha), a Buenos Aires (vice-reino do Rio da Prata), apesar das
distâncias geográficas e das anêmicas condições de comunicação. Essa dinâmica não
foi somente influenciada por acontecimentos internos e revelou o surgimento de vá-
rios posicionamentos no interior da elite colonial que buscava colocar em prática seus
respectivos projetos políticos, visando administrar o território espanhol na América.

2. É necessário que você retrate a conjuntura que provocou a vinda da Coroa portu-
guesa para o Brasil, bem como os acontecimentos posteriores, que resultaram no
descontentamento dos súditos metropolitanos, nas exigências das Cortes lusitanas,
que resultaram na Revolução do Porto, bem como os demais acontecimentos que se
desdobraram no processo de emancipação da América Portuguesa.

3. O intuito é que você compreenda que as propostas estavam divididas basicamente


em duas: a federalista e a antifederalista. Os federalistas defendiam um executivo
forte e centralizado, capaz de representar diplomaticamente os anseios do povo e
responsável pela criação e a prática de leis. Em oposição, os antifederalistas defen-
diam a atuação do governo somente como administrador, sem interferir na criação de
leis ou nas relações comerciais de cada região. O dilema sobre essas duas propostas
foi encerrado em 1787, por meio da aprovação da Constituição dos Estados Unidos,
ocasião em que o projeto federalista foi eleito como a melhor opção, permanecendo
até hoje na organização política dos Estados Unidos.

238
UNIDADE 4

1. B. O “catecismo pátrio”, método utilizado pelo ditador paraguaio José Gaspar Rodriguez
de Francia, era uma forma de o ditador justificar o seu poder absoluto, já que acredi-
tava que os paraguaios ainda não estavam prontos para um governo participativo.

2. E. No período pós-independência, vários confrontos sacudiram a região sul-americana,


sendo eles: Guerra da Confederação Peruano-Boliviana, Guerra do Pacífico e Guerra
do Chaco.

3. A. Os sulistas defendiam a permanência do latifúndio como unidade de produção e


a continuidade da mão de obra escrava.

UNIDADE 5

1. É importante que você compreenda que, após as lutas de independência na Améri-


ca Latina, instalou-se um ambiente de conflitos generalizados que trouxe à tona as
diversas limitações durante o processo de construção dos Estados nacionais, como:
a ausência de tropas regulares; a formação de rivalidades regionais; a persistência
de velhas práticas e estruturas corporativas; a falta de organização fiscal dos Estados
ainda em fase de formação; dificuldades de acesso aos locais mais isolados; relutân-
cia quanto à institucionalização de práticas políticas, mesmo com a elaboração de
constituições em muitos casos; isolamento de comunidades indígenas de participação
política e a ausência de uma aceitação de autoridade política.

Apesar de caótico, esse quadro estimulou debates a respeito de uma organização


formal no pós-independência. A princípio, defendeu-se um regime político que prega-
va pela autonomia local (confederação). Tal modelo foi proposto nos primeiros anos
de pós-independência, atendendo, principalmente, às cidades e províncias menores
como forma de se defenderem do poderio das cidades maiores, a exemplo de Buenos
Aires e Caracas. Em algumas regiões, como no Rio da Prata, os delegados provinciais
eram enviados mais como representantes de um Estado do que propriamente como
membro de uma “nação”. A “nação” em si era um termo muito difícil de ser defini-
do. Essa conjuntura explica a fragilidade das tentativas de construção dos Estados
nacionais sob os auspícios de um governo central. As tentativas de organização de
projetos federalistas encontravam grande resistência provincial, pois tais planos eram
associados a conspirações voltadas para o domínio de cidades maiores.

239
2. É importante que você explore a visão que Lars Schoultz (2000) tece sobre o mindset.
A crença na inferioridade latino-americana se construiu historicamente e se constituiu
no núcleo essencial da política dos Estados Unidos em relação à América Latina, porque
ele determina os passos precisos que os Estados Unidos assumiram para proteger
seus interesses na região. Desde o século XVIII, os estadunidenses formularam um
mindset (estrutura mental que guia o olhar estadunidense, a forma como pensar a
América Latina e compreender a cultura latino-americana), um pensamento carregado
de “pré-conceitos” e que cultua uma suposta superioridade dos estadunidenses em
relação aos latino-americanos.

3. O objetivo é que você compreenda que a vitória da Revolução Cubana, em 1959, foi
um divisor de águas. O caso cubano motivou os revolucionários nacionalistas dissiden-
tes do marxismo a organizarem movimentos insurrecionais nos moldes da guerrilha
vitoriosa em Cuba. Contudo, o triunfo de Fidel Castro e seus companheiros marcou
um avanço substancial do apoio estadunidense a forças conservadoras de países da
região, objetivando podar a ação de grupos guerrilheiros. A ampliação da presença
estadunidense no combate a movimentos ou governos divergentes intensificou a re-
pressão a grupos armados com temor de que mais países latino-americanos seguissem
o exemplo de Cuba, dando margem para a implantação de regimes ditatoriais.

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