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História

da África
PROFESSORA
Me. Karla Katherine de Souza Seule

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LIVRO NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia
Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de
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Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia
Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Priscilla Campiolo Manesco Paixão Núcleo de Educação a Distância. SEULE, KARLA KATHERINE
DE SOUZA.
Projeto Gráfico e Capa
André Morais, Arthur Cantareli e História da África. Karla Katherine de Souza Seule.
Maringá - PR: Unicesumar, 2022.
Matheus Silva
Editoração 200 p.
Flávia Thaís Pedroso ISBN 978-65-5615-885-3
Design Educacional
“Graduação - EaD”.
Ivana Cunha Martins
1. História 2. África 3. Ciências Humanas. 4. EaD. I. Título.
Curadoria
CDD - 22 ed. 967
Cleber Rafael Lopes Lisboa
Revisão Textual
Anna Clara Gobbi dos Santos
Ilustração
André Azevedo Impresso por:
Fotos
Shutterstock Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história
avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria-
mente para que nossa educação à distância continue
Tudo isso para honrarmos a
nossa missão, que é promover
como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre
a educação de qualidade nas
quatro pilares que consolidam a visão abrangente
diferentes áreas do conhecimento,
do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o
formando profissionais
profissional, o emocional e o espiritual.
cidadãos que contribuam para
A nossa missão é a de “Promover a educação de o desenvolvimento de uma
qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- sociedade justa e solidária.
mando profissionais cidadãos que contribuam para o
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá, o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
Karla Katherine de Souza Seule

Olá! Eu sou a professora Karla e gostaria de me apresen-


tar a você. Minha formação é em História, fiz a minha
graduação e o Mestrado na Universidade Estadual de Ma-
ringá voltados para os estudos históricos. Também pos-
suo Especialização na área de Gestão Escolar e trabalho
há mais de dez anos tanto no Ensino Superior, quanto na
Educação Básica me dedicando a História e a Educação.
O trabalho com História da África tem sido um de-
safio que a vida me disponibilizou e sobre o qual tenho
me dedicado com muito prazer. Pois, diferente de você,
quando da minha formação inicial os currículos ou gra-
des de disciplinas nos cursos de Licenciatura em História,
em sua grande maioria, não possuíam estudos voltados
para a História africana e desse modo, não pude inicial-
mente obter nenhuma formação, ao menos previa, que
me levasse a uma compreensão da História da África. Foi
então que as minhas pesquisas, tanto na iniciação cientí-
fica quanto no Mestrado, que perpassavam pelo espaço
territorial africano, me levaram a uma proximidade com
essa área que ainda tem muito a ser explorada nos estu-
dos históricos feitos no Brasil.
Ao começar a unir o trabalho com pesquisa ao da
docência os caminhos me aproximaram ainda mais aos
estudos sobre a História da África e venho aqui dividir e
trocar conhecimentos a esse respeito com você.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7747313264755696
HISTÓRIA DA ÁFRICA

Era uma vez um planeta em formação, este por acaso é o planeta no qual vivemos, a
Terra. Nele a primeira porção de terra a emergir das águas foi a que corresponde ao
continente africano. No espaço então da África os primeiros humanos deram os passos
sobre a Terra e começaram a História da humanidade.
Ao longo de diferentes eras esse continente esteve envolto a dinâmicas que foram pró-
prias das diferentes realidades presentes em seu território extenso, assim como tiveram
relações com as dos demais espaços e populações espalhadas por todo o planeta. Por-
tanto, as suas “histórias” são muitas e abrangem um extenso cabedal de conhecimento.
A História Africana é um objeto de conhecimento que infelizmente faz parte da rea-
lidade de poucos. Esse desconhecimento é fruto de várias situações que fazem parte
da história humana e africana. Por isso, convido você a experimentarmos juntos uma
jornada por sobre a História da África, do seu início até o presente, rumo a sanar essa
defasagem em torno dessa que é uma área importante da História. Venha descobrir
A História africana está diretamente ligada à História da humanidade, já que foi
nesse continente que o ser humano iniciou seu percurso no planeta, conforme dados
arqueológicos e antropológicos nos apontam. Da mesma forma, temos uma ligação
enquanto brasileiros, muito forte com a História de povos africanos, já que, conforme
levantamentos feitos sobre a composição de nossa população, o nosso país tem o
maior número de afrodescendentes fora da África. Daí a importância em estudarmos
a História da África, bem como as suas relações com o Brasil.
Desta maneira, convido você, caro(a) estudante, a verificar como começou o percurso
humano na Terra, pesquisando de que modo os primeiros humanos surgiram na África.
Ou seja, em qual região e período datam os achados arqueológicos sobre os primeiros hu-
manos? Que condições são apontadas para ter tido início a vida humana nesse continente?
Por que será que sabemos tão pouco sobre a história africana? É preciso observar
os pré-conceitos que temos a respeito das populações africanas, bem como a sua his-
tória e cultura levaram a esse desconhecimento e até mesmo distorção a seu respeito.
Verifique que conhecimentos e traços culturais nasceram na África e fazem parte
do nosso cotidiano, seja em áreas científicas específicas ou nas artes, bem como na
religiosidade e em hábitos cotidianos que estão presentes em nossa sociedade. Você
poderá verificar que eles são inúmeros e por isso, é importante que busquemos co-
nhecê-los e identificá-los.
Conhecimento, artes, religião, costumes, etc., fazem parte do ser e do fazer humano
e são construídos ao longo da sua História. Por isso, construa um mapa mental em que
você observe, onde esses aspectos em nosso cotidiano possuem heranças africanas.
Palavras-chave: Conhecimento, ciência, arte, religiosidade, cultura popular.
RECURSOS DE
IMERSÃO
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
11 2
57
ÁFRICA – DE POVOS E REINOS
“BERÇO DA AFRICANOS –
HUMANIDADE” DO FINAL DA
A PALCO DE ANTIGUIDADE AO
ANTIGAS TRANSCORRER DA
CIVILIZAÇÕES ERA MODERNA

3
93 4 127
A ÁFRICA ENTRE A IMAGINÁRIO
MODERNIDADE E A SOBRE A ÁFRICA E
CONTEMPORANEIDADE HISTORIOGRAFIA
AFRICANA

5
157
RELAÇÕES
ÁFRICA-BRASIL
1
África – de “Berço
da Humanidade”
a Palco de Antigas
Civilizações
Me. Karla Katherine de Souza Seule

Olá, caro(a) aluno(a). Eu convido você a começarmos a explorar um ro-


teiro sobre a História da África, com o itinerário inicial na compreensão
da formação geológica desse continente. Afinal de contas, a história
humana teve início nesse espaço e partiu dele para os demais pon-
tos do planeta. Por isso, eu quero lhe convidar a seguir comigo pelo
princípio disso tudo, ou seja, pelas características e peculiaridades
que fizeram da África o palco para o nascimento da espécie humana
e sua evolução. Em seguida, partiremos rumo à história de algumas
das civilizações mais antigas das quais temos registro e que também
encenaram suas trajetórias no continente africano, o que nos permiti-
rá compreender mais sobre o início da nossa história enquanto seres
humanos. Comecemos o nosso trajeto.
UNIDADE 1

Gosto muito da célebre definição do historiador francês Marc Bloch para a ciência
histórica, em sua obra Apologia da História ou o Ofício do Historiador, quando ele
a apresenta como a ciência que estuda a ação humana ao longo do tempo. Pois bem,
você sabia que as primeiras ações humanas tiveram início no continente africano?
O desconhecimento em torno do início de nossa história, ou seja, da história da
humanidade, é algo comum e faz parte de toda uma série de conceitos e pré-con-
ceitos que envolvem o olhar em torno da África e das populações africanas. Mas,
conforme a observação a seguir presente no primeiro volume da Coleção História
Geral da África, organizada pela UNESCO junto com estudiosos da História afri-
cana, “apesar das diferenças aparentes, o homem constitui hoje uma única espécie,
e todos os homens partilham a mesma origem e a mesma história na sua evolução
primitiva” (MEC, 2010, p. 496). E o palco dessa origem foi a África.
Portanto, é preciso conhecer melhor a História da África para que saibamos
como a própria história da humanidade teve início. Além disso, muitas civiliza-
ções da Antiguidade na África se desenvolveram e mantiveram relações com
populações ali e em outros espaços, contribuindo para a trajetória histórica do
ser humano dentro e fora desse continente. Assim, a importância de entendermos
tudo isso, está diretamente relacionada ao nosso papel de estudantes da História
enquanto uma ciência, historiadores e professores.
Comecemos então, por analisar informações a respeito do espaço geográfico
que compõe o continente africano. Para tanto, é importante pontuarmos que o
continente africano, conforme observou o historiador José Rivair de Macedo em
sua obra História da África, possui um território extenso, com 30.343.511 km². Isso
significa que esse continente abarca 22% da superfície da Terra, constituindo-se no
terceiro maior do planeta. Esse continente contém cerca de um sétimo da popu-
lação mundial e é aquele que detém o maior número de países, 55 até o momento.
Que noções essas informações iniciais a respeito do tamanho do continente
africano podem nos indicar sobre a sua dimensão? Suas proporções em relação
aos demais continentes do planeta são de um espaço geográfico extenso ou di-
minuto? Sua divisão política em número de países indica uma África enquanto
unificada ou diversa?
Reflita a respeito dessas informações listadas acima e os questionamentos em
torno delas. Compare-as com o que você sabia a respeito do continente africano
até então e, em seguida, anote no seu Diário de Bordo as percepções que você
obteve por meio desse confronto com os dados relacionados a respeito da África.

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UNICESUMAR

DIÁRIO DE BORDO

Eu e você daremos vários passos em nosso caminho e para o início dele, eu te


convido a partir justamente dessas e de outras características geográficas da Áfri-
ca. Vamos então focar na compreensão de como esse continente é constituído
e desse modo, se tornou o “berço” em que a espécie humana inaugurou os seus
dias no planeta Terra. Vamos lá?!
A África – um continente e não um país - Diferente do que muitos imagi-
nam, a África é um continente e não um país. E antes que você possa questionar,
“mas quem não saberia isso?”, eu respondo a você que esse “equívoco” sobre o
continente africano é mais comum do que se imagina.
Muitos falam do continente como se fosse uma região homogênea habitada
por um único povo (GENTILE, 2018). Diferente do que essa noção vulgar nos
sugere, ao designar a África como um espaço limitado em tamanho, população
e suas culturas, a realidade caro(a) aluno(a), é de um continente africano gran-
dioso, algo que já podemos perceber nos dados a respeito de suas dimensões
geográficas que eu apresentei há pouco a você. E é dada essa sua imensidão, que
o território da África acaba por ser dividido em cinco macro-regiões: a África do
Norte ou Setentrional, a África do Sul ou Meridional, a África Ocidental,
a África Oriental e a África Central. Cada uma dessas macrorregiões podem
ser observadas no mapa a seguir.

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UNIDADE 1

Figura 1 - O continente africano e suas 5 macro-regiões


Fonte: CC BY-SA 3.0, Subdivisão da África pelas Nações Unidas em sub-regiões. 2018. 1 fotografia.
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=546265. Acesso em 21 mar. 2022.

Descrição da Imagem: As cinco macro-regiões do continente africano – Na imagem vemos um mapa do


continente africano, subdividido em cinco macro regiões COM CORES DIFERENTES, sendo que a África
do Norte ou Setentrional NA COR AZUL está localizada na parte superior do mapa, a África Ocidental NA
COR VERDE logo abaixo no canto esquerdo, a África Central NA COR ROSA no centro do continente no
canto esquerdo, a África do Sul NA COR VERMELHA na parte inferior do mapa e a África Oriental NA COR
AMARELA no centro a direita no mapa.

A necessidade de subdivisão do continente nessas microrregiões, baseia-se nessa


sua grandiosidade, o que se traduz em uma diversidade de climas, relevos, vegeta-
ção e fauna presentes em cada uma delas. Essa diversidade se revela logo que eu
e você começarmos a observar algumas das suas paisagens. Pois, se ao norte nos
deparamos com o grandioso deserto do Saara, nas demais regiões encontraremos
de florestas tropicais e equatoriais as famosas savanas da África.

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UNICESUMAR

OLHAR CONCEITUAL
O infográfico mostra um mapa da África em seu centro, dividido por cores re-
presentando as cinco macro-regiões africanas, bem como fotos de diferentes
paisagens presentes nas mesmas: na África do Norte ou Setentrional em ama-
relo, as flechas apontam para uma fotografia do pôr do Sol no deserto do Saara,
e uma terceira imagem que mostra as margens do rio Nilo; Na África Ocidental
destacada na cor azul, há a foto de uma embarcação atravessando o Níger; Da
África Central destacada em laranja, a flecha aponta para uma foto das curvas
em “S” do rio Congo em meio a floresta tropical, bem como outra fotografia em
que aparece uma aldeia no meio da floresta tropical no Congo atual; Na África do
Sul demarcada em lilás, a foto é do rio Zambeze demarcando a fronteira entre
Botswana, Namíbia, Zâmbia e Zaire.
E foi nessa África grandiosa e diversa em natureza que “teve origem o lento pro-
cesso de evolução da espécie humana, há cerca de 4,5 milhões de anos” (MACE-
DO, 2013, p. 12). É sobre as causas e as condições em que o surgimento do ser
humano se deu no continente africano, que convido você a voltarmos a direção
do nosso trajeto a partir de agora.

A DIVERSIDADE DO CONTINENTE AFRICANO

Margem Ocidental
Rio Níger, Mali Deserto do Saara do rio Nilo

Reserva Nacional
Floresta tropical Masai Mara,
do Congo savana no Quênia

Rio Zambeze fazendo a fronteira entre


Pequena aldeia nas colinas verdes no Botswana, Namíbia, Zâmbia e Zimbabwe
Rio Congo, República Democrática
do Congo, África

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UNIDADE 1

O continente africano como palco do surgimento


do homem no planeta Terra

De acordo com Macedo (2013), as causas para a África ter sido o cenário da
evolução humana podem ser encontradas na sua geomorfologia, ou seja, nas
características que compõem a sua superfície. Sobre isso, ele explica que ela foi
a primeira plataforma continental a emergir na superfície do planeta e a se des-
prender da Pangeia, o continente primordial que reunia todas as plataformas
terrestres do nosso planeta em uma só.

Figura 2 - Mapa da Pangeia


Fonte: Kieff. Pangaea continents. 2009. 1 fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=8161694. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: O mapa é um desenho na cor verde, em que estão indicados os diferentes con-
tinentes, do planeta Terra - a Europa, a Ásia, América (do Norte e do Sul), Antártida e Oceania. A África
no centro está unida aos demais formando o continente primordial que recebe o nome de “Pangeia”.

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UNICESUMAR

A África também foi a plataforma continental menos afetada pelo desprendimen-


to daquelas que deram origem ao continente europeu e à América. Além disso,
como o continente pioneiro, a África foi a primeira área continental a obter as
condições para o desenvolvimento de formas de vida em seu território.
Como partes da fauna africana surgiram os primeiros mamíferos há cerca de
70 milhões de anos. Entre eles “estavam os prossímios, e depois os primatas, que
integram a vasta ‘família’ de onde sairiam os macacos atuais e os hominídeos, os
antepassados mais remotos da espécie humana” (MACEDO, 2013, p 13).
O primeiro hominídeo de que se tem registro foi encontrado em Afar, Etiópia,
no ano de 1974. Cerca de 40% dos seus ossos estavam disponíveis, para o deleite
dos pesquisadores estadunidenses Donald Johanson e Tom Gray, que ao som
dos Beatles, mais precisamente da música “Lucy in the Sky”, a nomearam “Lucy”,
pois se tratava de um exemplar feminino da espécie Australopithecus afarensis.
A espécie de Lucy possui algumas características marcantes enquanto o nosso
primeiro ancestral, como: “pés e mãos modernas, cérebro com nítido aumento de
volume, caninos pequenos e face reduzida” (UNESCO, 2010, p. 448).

Figura 3 - Foto do fóssil de Lucy


Fonte: DANRHA. Lucy Mexico. 2006. 1 fotogra-
fia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=443799. Acesso em 22
mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem traz uma


foto em que no centro temos um suporte me-
tálico em que foram distribuídos os ossos de
Lucy, de forma a reconstruir seu esqueleto,
contendo: pedaços do seu crânio, partes do
braço e ombros, bem como algumas costelas,
partes da coluna vertebral, o cóccix aparente-
mente inteiro, assim como o osso coxal e o fê-
mur esquerdo, enquanto na perna direita está
apenas a tíbia.

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UNIDADE 1

Os restos mortais de Lucy remontam a um ser bem frágil:


Pelas proporções dos ossos, devia medir pouco mais de um metro.
Sabe-se que era do sexo feminino e que tinha aproximadamente 20
anos, como testemunham os seus dentes do siso, já nascidos, mas
ainda não gastos. Pelo tamanho minúsculo de sua caixa craniana,
pode-se supor que não se distinguisse de outros animais irracionais.
É muito provável, contudo, que, diferentemente dos demais, Lucy
não fosse quadrúpede. Os australopitecos adquiriram a capacida-
de de se locomover usando apenas as patas traseiras, tornando-se
bípedes. (MACEDO, 2013, p. 14).

O bipedismo, conforme Macedo (2013) salientou, foi um fator evolutivo de


extrema importância na evolução humana, já que com as suas mãos livres, essa
espécie podia manusear e desenvolver objetos.

Figura 4 - Imagem de uma reconstituição facial de


Lucy, presente no Museu da Evolução da Acade-
mia Polonesa de Ciências de Varsóvia na Polônia
Fonte: SHALON. Lucy Warsaw. 2015. 1 fotogra-
fia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=46245815. Acesso em
22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na imagem vemos a


fotografia da parte superior de uma estátua
que traz uma reconstituição facial do rosto de
Lucy a partir de seus ossos. Ela tem a pele es-
cura, a cabeça menor que a de um ser humano
moderno, a testa é pequena, a boca grande, o
nariz pequeno cujas narinas são bem expostas,
os olhos são castanhos, as orelhas parecidas
com a de um humano moderno e o seu cabelo
é curto e preto. Atrás de Lucy há uma imagem
desfocada de algumas árvores.

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UNICESUMAR

Sua localização, junto a de outros exemplares de Australopithecus encontrados


em uma série de escavações realizadas entre as décadas de 1920 e de 1970, pode
trazer para essa etapa inicial de nosso percurso com enfoque no início da vida
humana, informações sobre a distribuição dessa espécie. De acordo com seus
achados, esse espécime viveu em torno das regiões oriental e meridional do con-
tinente africano, que abarcam o chamado Rift Valey. Esse, que se traduz em “vale
da grande fenda”, é um território na África Oriental em que está ocorrendo uma
lenta e gradual rachadura, que provavelmente levará a separação desse território
do restante do continente africano.

Figura 5 - Mapa com a localização do Rift Valey, na África oriental.


Fonte: USGS. East Africa. 1999. 1 Fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/in-
dex.php?curid=37695246. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na imagem têm dois mapas da África na cor bege e o oceano na cor azul, um
mapa completo menor na parte esquerda, com o nome África, e Ocean Atlantic na parte azul, com um
retângulo preto no contorno na horizontal delimitando um território no continente, e outro à direita é um
zoom mostrando a localização do Rift Valley. Essa localização está com quatro linhas pontilhadas, sendo
que a maior vai desde o "Gulf of Aden" passando pelo vulcão Ol Doinyo Lengai, por Lago Vitória (Lake
Victoria no mapa), e indo até perto do Oceano Índico. Uma linha pontilhada sai do Lago Vitória e vai até
o Mar Vermelho (Red Sea), outra sai também do Lago Vitória até o Oceano Índico e a última formando
um arco à esquerda do Lago Vitória.

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UNIDADE 1

Quando por volta de 2,5 milhões de anos, após a Terra transpor um ciclo de
aquecimento que aumentou as suas áreas florestais, fez subir o nível do mar em
30 metros em relação ao nível atual, e desse modo, reduziu as áreas de deserto, foi
então o momento em que surgiu o gênero Homo entre as espécies de hominídeos
do nosso planeta. Esse gênero, do qual a nossa espécie – Homo Sapiens – faz
parte, alçou, segundo Souza (2014), um novo e importante grau para o processo
evolutivo da humanidade.
Entre as características inovadoras que o gênero Homo trouxe, estão:


Aumento da estatura, melhoria na postura ereta, crescimento
do volume do cérebro, que, a partir da espécie mais antiga, pode
atingir 800 cm³, e transformação da dentição com maior desen-
volvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais, em con-
sequência da mudança do regime alimentar, de vegetariano para
onívoro. (UNESCO, 2010, p. 448).

E a primeira espécie de tal gênero foi o Homo Habilis.

Figura 6 - Fotografia de um crânio de Homo Habilis.


Fonte: Luna04~commonswiki. Homo Habilis.
2005. 1 fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=390509. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na imagem vemos a


fotografia de um crânio fossilizado, com seus
contornos e alguns dentes faltando.

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UNICESUMAR

Figura 7 - Reconstituição facial de um exemplar


de Homo Habilis.
Fonte: MORAES, C. Homo habilis - forensic facial
reconstruction. 1 fotografia. 2013. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?-
curid=25058163. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Imagem computado-


rizada de uma reconstituição facial com base
em fósseis de Homo Habilis, mostra seu dorso
e rosto.

Essa espécie inovou ao “fazer uso de fragmentos de osso ou lascas de pedra para
abater outros animais, agindo como predador, como caçador”. Além disso, de-
senvolveu atividades em grupo, o que contribuiu para o posterior uso da lingua-
gem verbal. Linguagem essa que tornou possível o repasse dos conhecimentos
adquiridos às gerações subseqüentes, trazendo à tona “as primeiras bases de uma
tradição social” entre os humanos (MACEDO, 2013, p. 14).
O Homo Erectus, o primeiro hominídeo a andar completamente em pé, foi outra
espécie surgida em solo africano e que deu continuidade importante ao processo
evolutivo do ser humano. Contudo, alguns de seus exemplares romperam as frontei-
ras da África e marcaram presença também em território asiático e europeu. Entre
os traços inovadores dessa espécie na escala evolutiva da humanidade, encontramos:


O aumento da estatura, a maior capacidade craniana, a compleição mais
robusta e o progresso tecnológico na fabricação de ferramentas com o
lascamento bifacial da pedra, conhecida como indústria acheulense,
são característicos dessa etapa evolutiva humana.(SOUZA, 2014, p. 75).

21
UNIDADE 1

Figura 8 - Réplica de crânio de Homo Erectus


Fonte: LI, Y. Peking Man Skull (replica) presented
at Paleozoological Museum of China. 1 fotogra-
fia. 2009. Disponível em https://commons.wiki-
media.org/w/index.php?curid=6075280. Acesso
em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Trata-se de uma foto-


grafia em que vemos em cima de uma mesa
uma réplica de um crânio, provavelmente em
gesso, com partes mais claras e outras mais
escuras, com todos os ossos e a mandíbula
perfeita com base nos fósseis de Homo Erectus,
presente no Museu de Paleozoologia da China.

Mas somente entre 400 mil e 100 mil anos atrás que eu e você encontraremos
exemplares mais antigos do homem moderno, ou seja, da nossa espécie o Homo
Sapiens. O seu berço também foi a África e segundo as evidências, a sua existência
foi concluída a partir de “homens arcaicos” que permaneceram no continente
africano, enquanto uma parte se aventurou por outros territórios:


Os novos viajantes, agora H. sapiens, ou homens modernos, refize-
ram muitos passos de seus ancestrais, foram expostos a ambientes
semelhantes e desafiaram diferentes condições de saúde-doença.
Dotados de tecnologias mais sofisticadas, também tiveram maior
vantagem na superação adaptativa dos desafios colocados diante da
colonização do planeta Terra. (SOUZA, 2014, p. 76).

Essa espécie foi a única entre as demais espécies humanas a alcançar todos os
pontos do planeta, se adaptar aos mesmos, sobreviver e assim, se perpetuar.

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UNICESUMAR

Figura 9 - Exposição do Museu de Zurique (Suíça) do busto de um exemplar de Homo Erectus


Fonte: MONTO, T. Homo erectus, Kulturama. 2020. 1 fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=94077897. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia mostra o busto que traz a reconstituição facial de um exemplar de Homo
Erectus, com vários ossos de animais, artefatos utilizados por essa espécie e crânios de diferentes espécies,
que ao que tudo indica, são espécies de hominídeos. Os mesmo estão em uma plataforma marrom, com
um painel na parte detrás em um tom de marrom mais escuro, com o título da apresentação sublinhado
em verde, com os dizeres “Acheuléen” (do francês, acheulense), com descrições dos ossos e artefatos, bem
como imagens de ferramentas da cultura acheulense que eram produzidas por essa espécie de hominídeo.

De acordo com as pesquisas, tais capacidades de adaptação e sobrevivência


do ser humano moderno, foram desenvolvidas ainda durante a história inicial
no planeta, ou seja, enquanto esteve presente apenas no continente africano.
Já que a África, em sua imensidão e diversidade, serviu para um árduo trei-
namento da espécie humana.
Isso caro(a) aluno(a), se deve a riqueza vegetal e animal africana. Essa riqueza
garantiu os recursos necessários à sobrevivência desses primeiros humanos,“com
abundantes reservas de caça e peixes e outros animais à disposição” (PACHECO,
2008, p. 12). Contudo, também obrigou o ser humano a lidar com intempéries
climáticas em uma diversidade de ambientes.
Todas essas experiências e os indícios que você observou junto a mim, apon-
tam para a África enquanto o berço da espécie humana. Do mais antigo ancestral
do gênero Homo ao Homo Sapiens, diferentes seres humanos tiveram a sua his-
tória desenrolada no continente africano ou a partir dele. Por isso convido você
a avançarmos em nosso roteiro com vistas a observar como foi o início dessa

23
UNIDADE 1

história humana na África, no que se refere ao cotidiano dos primeiros homens


e mulheres que habitaram o nosso planeta. Prossigamos!

A África “pré-histórica”: a vida humana ao longo


do paleolítico e neolítico em solo africano

Se você já estudou a respeito do nascimento da História enquanto ciência, sabe


que o momento em que isso ocorreu foi durante o século XIX na Europa. A
época era de otimismo diante do progresso tecnológico e científico trazidos pela
Revolução Industrial. Diante desse cenário, a crença no cientificismo como ga-
rantia do progresso humano, levou as áreas dedicadas ao estudo de nossa espécie
e tudo o que ela produz, das quais a ciência histórica faz parte, a uma busca nos
métodos utilizados até então, apenas pelas ciências da natureza, como um meio
de alcançarem o status de ciências humanas.
Nesse contexto, discussões sobre a cientificidade dos estudos históricos e os
métodos mais aceitos para tanto, fizeram não só com que se estabelecessem os
recortes dos diferentes períodos em que a história humana estaria dividida, como
também determinaram quais as fontes deveriam ser acatadas por uma metodo-
logia da História digna de ser considerada científica.
Bom, foi nesse ínterim que se consagrou uma divisão quadripartite da his-
tória da humanidade, em quatro grandes períodos: Idade Antiga, Idade Média,
Idade Moderna e Idade Contemporânea. Mas eu estou relembrando isso tudo
com você, justamente para que juntos observemos que essa divisão além de ter
sido baseada em acontecimentos históricos que partiam da Europa, cenário em
que fora desenvolvida, também só considerava como fonte histórica, aquilo que
o ser humano havia registrado por escrito. Ou seja, antes da invenção da escrita,
ou no tocante a populações ágrafas (que não possuem escrita), o entendimento
imposto pela primeira metodologia histórica dita científica, era de que esses ca-
sos tratavam de períodos ou de povos tidos como sem história. E desse modo,
o recorte temporal que abarca do surgimento do ser humano até a invenção da

24
UNICESUMAR

escrita, recebeu o título de período “pré-histórico”, o que equivalia a dizer que era
um período antes da história humana propriamente dita.
Contudo, se você conhece o restante da saga da ciência histórica, bem como
os seus diferentes métodos e fontes de análise, que foram posteriormente formu-
ladas, já sabe que essas primeiras concepções foram modificadas. Porque se no
século XIX essa ciência estudada por mim e por você, detinha o seu olhar por so-
bre a história das nações, fundamentada em um viés político, focado nos feitos de
heróis nacionais ou principais lideranças políticas de países, império, etc., fazendo
para tanto, somente o uso de fontes escritas, especialmente aquelas consideradas
oficiais, ou seja, documentos emitidos pelo Estado, tudo isso mudou na passagem
para o século XX. Novas e diferentes vertentes historiográficas definiram que a
História enquanto uma ciência era muito mais do que havia sido até então.
Foi a partir dessas mudanças que a concepção a qual relembrei no comeci-
nho do nosso trajeto, atribuída ao historiador Marc Bloch (2001) se concretizou
e estabeleceu que a História estudasse a ação humana ao longo do tempo.
E que a história humana não começava só com a invenção da escrita, mas sim, a
partir do momento em que o ser humano passou a existir e agir sobre o mundo.
A partir de então, é que para os estudos históricos, passou-se a ser consideradas
enquanto fontes tudo o que o ser humano produz e que pode trazer indícios sobre
a sua vida e o período em que ele viveu.
Novos olhares foram voltados para a chamada pré-história e trouxeram à
tona o fato de que esse não foi um período anterior à história humana, mas sim,
um contexto de muitas histórias. Feitas essas importantes considerações, para
que possamos pensar e repensar os conceitos que norteiam o meu e o seu tra-
balho enquanto estudiosos da História e aqui, da História africana, poderemos
prosseguir com o nosso itinerário, ainda que utilizemos essa nomenclatura para
o período em questão. Entretanto, percorreremos juntos a pré-história africana
sob essas perspectivas mais atuais.
Desse modo, convido você a partir de agora, a analisar junto comigo esse iní-
cio da vida humana na África ao longo das duas fases que subdividem o período
pré-histórico: o Paleolítico e o Neolítico.

25
UNIDADE 1

O Paleolítico

A primeira fase da Pré-História é o Paleolítico, que também é conhecido enquan-


to a Idade da Pedra Lascada e se estende de cerca de 2,5 milhões de anos atrás
até cerca de 12.000 anos a.C. (DALAL, 2016). Nesse período temos o desenrolar
do processo de hominização ou a evolução da espécie humana, sobre o qual
conversávamos há pouco e cujo cenário inicial foi a África.
Em geral, essa fase possui características marcantes no que se refere ao modo
de vida dos primeiros humanos em seu transcorrer. E é sobre elas que eu e você
iremos traçar as nossas rotas agora.
Foi durante o Paleolítico, após o surgimento das primeiras espécies de ho-
minídeos, principalmente com os integrantes do gênero Homo, que as primeiras
ferramentas foram desenvolvidas pelo ser humano. Essa capacidade criadora
ganhou fôlego quando, há cerca de 2 milhões de anos, a espécie Homo Habilis
passou a existir, cujo nome se traduz como "homem habilidoso” e não foi, por-
tanto, uma escolhida de forma aleatória.
Por onde passou, o Homo Habilis deixou seus rastros em ossos e artefatos
ao longo do único habitat em que temos registro de sua existência, o continente
africano. E esses artefatos eram uma série de “ferramentas rudimentares de pedra
lascada, como choppers e chopping-tools", com “marcas sugestivas de cortes ou
quebras intencionais”, que confirmam suas habilidades na fabricação e no uso de
tais objetos (SOUZA, 2014, p. 74).
A partir desses achados e dos estudos feitos em diferentes locais em que esse
“homem habilidoso” viveu, as suposições, segundo Souza (2014), apontam para a
permanência de indivíduos do gênero Homo no território africano por cerca de 1
milhão de anos. E ao longo de todo esse tempo os vestígios arqueológicos, como ar-
tefatos de pedra lascada de tradição olduvaiense, demonstram que esses indivíduos
ocuparam uma área que se estendeu da África subsaariana até o norte da África.

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UNICESUMAR

Figura 10 - Seixo talhado de tradição olduvaiense


Fonte: Álvarez, J. E. B. Oldowan tradition cho-
pper. 2007. 1 fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=1707288. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Foto de um seixo ta-


lhado da tradição Olduvaiense, com a demar-
cação de uma escala milimétrica de tamanho
indicando que sua base possui 3 centímetros
de altura.

EXPLORANDO IDEIAS

A cultura olduvaiense recebeu esse nome com base nas características de ar-
tefatos líticos encontrados na Garganta do Olduvai, na década de 1950 pelo
casal de estudiosos britânicos, Louis e Mary Leakey. Localizado no norte da
Tanzânia, nas proximidades do Parque Nacional do Serengueti, o Olduvai con-
tém artefatos em pedra datados de cerca de 2 milhões de anos atrás, sendo este um tipo de
indústria primitiva das mais antigas já registradas.
Para acessar, use seu leitor de QR Code.

27
UNIDADE 1

Figura 11 - Garganta do Olduvai.


Fonte: Ingvar. Oldupai gorge. 2006. 1 fotogra-
fia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=930871. Acesso em 22
mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia do alto da


Garganta do Olduvai, mostrando as monta-
nhas que cercam e compõem esse território,
bem como a vegetação rasteira que as cobre.

Mas foi graças ao Homo Erectus, que detinha uma estatura e uma força física
maior que o Homo Habilis, espécime com a qual conviveu e se relacionou, é que
foram desenvolvidas indústrias líticas mais aperfeiçoadas. O Homo Erectus foi,
desse modo, o responsável por introduzir no convívio humano ferramentas de
pedra com lascamento bifacial que pertencem à cultura mais desenvolvida que
a do Olduvai, intitulada de acheulense (SOUZA, 2014).

EXPLORANDO IDEIAS

A cultura acheulense na fabricação de utensílios líticos como machados, cuitelos e pica-


retas, data de 1,5 milhões de anos atrás. Os indícios sugerem que foi desenvolvida pelo
Homo Erectus, pois esse espécie de hominídeo apresentou pela primeira vez uma projeção
óssea fina no terceiro metacarpo, o que lhe possibilitava agarrar os objetos com mais
força e precisão e assim, elaborar ferramentas mais complexas que aquelas da cultura
olduvaiense, que é anterior e já praticada pelo Homo Habilis.
Fonte: MATOS, Sandro C. de. A Evolução Humana na Perspectiva da Ontologia Materia-
lista Histórica e Dialética: Uma Descrição Concisa. Revista Eletrônica Arma da Crítica, Nº
13, Maio de 2020. Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/2-%20
a%20evoluo%20humana%20na%20perspectiva%20da%20ontologia%20materialista%20
histrica%20e%20dialtica.docx.pdf. Acesso em 05/05/2021.

28
UNICESUMAR

Figura 12 - Seixo com lascamento bifacial perten-


cente à cultura acheulense.
Fonte: Álvarez, J. E. B. Protobifaz paleolítico
procedente de la región del Sáhara atlántico
Guelmim-Es Semara (Museo Arqueológico Nacio-
nal de Madrid). 2007. 1 fotografia. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=1892118. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia de um


fragmento de rocha com lascamento bifacial
característico da cultura nomeada acheulense.

As inovações trazidas pelo Homo Erectus caro(a) aluno(a), não se reduziram a


novas ferramentas líticas e se fizeram ainda mais revolucionárias com a habili-
dade desse espécime em conseguir produzir e controlar o fogo. Os indícios em
solo africano apontam para o uso de fogueiras por esse hominídeo em cavernas
na África do Sul há cerca de 1 milhão de anos. Um feito revolucionário, pois a
partir da “posse e o controle do fogo” era possível “o aquecimento do corpo contra
o frio e a proteção noturna contra animais perigosos” (MACEDO, 2013, p. 15) o
que tornava a sobrevivência humana, sem dúvidas, muito mais fácil do que já fora.
O uso do fogo para cozinhar alimentos demorou milhares de anos para acon-
tecer, contudo, a partir disso:


Estabelecia-se, assim, uma distinção ainda mais acentuada entre os
alimentos naturais, crus, e os alimentos produzidos, assados, mais
moles e fáceis de serem digeridos. Ao mesmo tempo, ampliava-se
a distância entre a natureza animal e a cultura, que apenas os seres
humanos são capazes de criar e reproduzir. (MACEDO, 2013, p. 15).

Essa parte importante do nosso “processo adaptativo” segundo Souza (2014, p.


78), é fruto de nossas primeiras “experiências culturais”, experiências essas que
foram obtidas em território africano.

29
UNIDADE 1

O homem moderno, ou Homo Sapiens, ao que tudo indica evoluiu desses ho-
minídeos arcaicos que permaneceram na África como eu e você conversamos há
pouco. Mas, mesmo aqueles que saíram desse continente para outros territórios “re-
fizeram muitos passos de seus ancestrais, foram expostos a ambientes semelhantes
e desafiaram diferentes condições de saúde-doença” (SOUZA, 2014, p. 76). E para
tanto, estiveram dotados das experiências adquiridas ao longo de sua vida na pró-
pria África, como você já pôde observar ao longo do nosso percurso até o momento.
Entre essas experiências, esteve o uso do fogo citado há pouco, que conduziu o
ser humano a novas possibilidades de vida e sobrevivência. Pois, o cozimento dos
alimentos ampliou a nossa alimentação já que permitiu o consumo de vegetais
que apenas cozidos são comestíveis, eliminou parasitas em carnes que passaram
a ser consumidas sem problemas posteriores e ainda nos ajudou a conservar os
alimentos, reduzindo os riscos de contaminação dos mesmos por fungos e bac-
térias nocivos à saúde humana.
Uma melhor comunicação permitiu novos avanços na fabricação de instru-
mentos e utensílios de pedra lascada, os micrólitos, ao longo do período Mesolíti-
co entre 15 mil e 12 mil anos a.C. Nessa fase final do Paleolítico, nossos ancestrais
desenvolveram lâminas mais afiadas junto a “cabos de lança e em machados,
foices, serras, enxós” que podem ser localizados de acordo com Macedo (2013,
p. 17), nas regiões africanas da Zâmbia, Namíbia e Angola atuais.

Figura 13 - Micrólitos do período Mesolítico.


Fonte: Vaneiles. Mesolithic artefacts (most
Wommersom quartzite) found during excavation
in Stevoort. 2008. 1 fotografia. Disponível em
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=14893932. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Foto de dezenas de


ferramentas produzidas em pedra, do perío-
do Mesolítico, principalmente setas, maiores
e menores, cujas maiores estão na parte su-
perior e as menores abaixo.

30
UNICESUMAR

Nesse mesmo contexto, o arco e a flecha foram adotados como arma de caça. Tal
feito significou a fabricação inédita de um objeto “artificial” e engenhoso, que não se
constituía em uma mera adaptação do que estava disponível na natureza, e assim:


Com essa arma, a energia humana empregada para lançar a flecha
passou a ser acumulada na madeira dobrada do arco, podendo ser
concentrada num ponto e lançada de uma só vez, aumentando o
alcance do projétil e a exatidão de sua pontaria. Portanto, da junção
de dois elementos da natureza (a corda ou fio de couro e a madei-
ra), era fabricado um terceiro elemento muito mais preciso e eficaz.
(MACEDO, 2013, p. 17).

Todos esses fatores integraram as experiências culturais que serviram para uma
melhor capacidade de adaptação e sobrevivência do ser humano enquanto es-
pécie. E eles são relevantes para o estudo do início da história humana no palco
inaugural da África. Mas essa história não termina por aqui. Por isso, eu convido
você para continuar junto comigo rumo a análise da segunda fase da pré-história,
no cenário do território africano.

O Neolítico

A segunda fase do período pré-histórico é chamada de Neolítico ou “Idade da


Pedra Polida”. Ela ocorreu por volta de 12.000 anos até 2.500 a.C. e foi marcada
por novas transformações na vida de nossos ancestrais, com importantes des-
dobramentos a partir do território africano. E é por esse caminho que eu e você
prosseguiremos a partir de agora.
Mudanças climáticas significativas ocorreram na passagem para o Neolítico,
cujo destaque maior se deve a última Era Glacial. Com o fim dessa era do gelo,
o aumento das temperaturas acarretou na ampliação de áreas desérticas. Foi nes-
se período que o longo e lento processo de desertificação do Saara começou a
acontecer. Mas o que isso trouxe para a vida prática de homens e mulheres nesse
período de tempo e no espaço do território africano?

31
UNIDADE 1

Figura 14 - Pinturas rupestres na Líbia.


Fonte: Galuzzi, L. Rock paintings in Tadrart Acacus
region of Libya dated from 12,000 BC to 100 AD.
2007. 1 fotografia. Disponível em: https://com-
mons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2147283.
Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A fotografia apresenta


desenhos na cor vermelha no interior de uma
caverna, em suas paredes, com cenas que
apresentam homens caçando e lançando suas
flechas no que parece ser um boi.

Macedo (2013, p. 19) nos explica que no Saara, onde hoje existem oásis, dunas e
um colossal mar de areia, houve lagos, vegetação rica e vida animal diversificada”.
Indícios desta antiga realidade da região estão presentes em fósseis, inscrições e
artes rupestres que retratam um cotidiano em torno da caça, da pesca e da coleta
das pessoas que ali viviam.
Até então, a vida das pessoas se resumia a dependência “dos recursos da na-
tureza e organizados em pequenos grupos, os indivíduos tendiam a ser essencial-
mente nômades” (MACEDO, 2013, p. 18). Mas essas transformações climáticas
alteraram o cenário ainda que lentamente e, além de na prática isso ter levado as
populações a migrarem do interior do Saara mais para o norte ou para o sul, o
desenvolvimento da agricultura e da pecuária a serviço da sobrevivência passou
a ser uma realidade entre alguns grupos humanos.
O Neolítico foi, portanto, o período da chamada “Revolução Agrícola”, que
acarretou em mudanças profundas na vida humana, pois:


Com a adoção da agricultura e da pecuária, a natureza passa a ser
transformada, com o cultivo de determinados alimentos e a criação
contínua de certos animais que poderiam servir de fonte de alimen-
to, de energia e de transporte. (MACEDO, 2013, p. 18).

32
UNICESUMAR

Se antes era preciso mudar de um lado para o outro sempre que as fontes de ali-
mento cerceavam, com o desenvolvimento da agricultura e a domesticação e cria-
ção de animais pelo homem, essas fontes ficavam agora a seu dispor. E embora,
nem todos os grupos humanos desenvolveram tais práticas, até mesmo por não
haver a necessidade delas em todos os ambientes da vasta África, nos grupos onde
elas passaram a existir foi possível também a existência de uma vida sedentária.
Enquanto o lento processo de desertificação do Saara acontecia, entre 12.000
e 8.000 a.C. comunidades neolíticas se multiplicavam nos vales dos rios Níger e
Nilo. Nessas comunidades, como explicou Macedo (2013), foram encontrados
artefatos de pedra polida que indicam a criação de bovinos, equinos e caprinos,
além de já serem cultivados grãos como o sorgo e também um tipo de milho.
Todas essas mudanças que o estilo de vida sedentário trouxe abriram cami-
nho para mais inovações técnicas, como o desenvolvimento da cerâmica e da
metalurgia. As descobertas arqueológicas, segundo Macedo (2013), apontam para
o desenvolvimento da cerâmica por volta de 9.300 a.C. no Saara central, em 8.350
a.C. no vale do Nilo e em 8.200 a.C. na África Oriental. Enquanto a metalurgia
do cobre passou a ser realizada por volta de 3.300 a. C. na Tunísia e se difundiu
em comunidades do Níger e do Nilo.

Figura 15 - Vaso de cerâmica egípcio.


Fonte: Blanchard, G. Tonnelet. 2004. 1 fotogra-
fia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=165753. Acesso em 22
mar. 2022.

Descrição da Imagem: Foto de um vaso de


argila redondo com duas alças pequenas, en-
contrado em escavações no Egito.

33
UNIDADE 1

Ao longo do Neolítico o ser humano desenvolveu novos modos de vida e isso


abriu caminho para o surgimento das primeiras sociedades humanas. Como
isso aconteceu? Convido você a analisar esse processo comigo, quando homens
e mulheres ao se fixarem em determinados territórios e formarem comunida-
des nesses espaços, que progrediram e aumentaram em número de integrantes,
acabaram por se deparar com a necessidade de desenvolver uma estrutura que
abarcasse e organizasse tudo isso.

Figura 16 - Desenho encontrado em funerais egípcios.


Fonte: Borg, L. Egyptian metal workers. 2006. 1 fotografia. Disponível em: https://commons.wiki-
media.org/w/index.php?curid=1365887. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Trata-se de um desenho, em preto e branco, composto por quatro cenas em que
homens trabalham na fundição do cobre. O desenho é feito no estilo egípcio antigo, onde as pessoas são
desenhadas de lado. Na primeira cena, no canto superior esquerdo, há três homens colocando lenha no
fogo para o aquecimento do forno. Abaixo dela, no canto inferior esquerdo, na segunda cena, há dois
homens aquecendo o recipiente no fogo para a fundição do metal. Na terceira cena, no canto superior
direito, há três homens de cada um dos dois lados do forno, moldando o metal. E na quarta cena, no
canto inferior direito, há dois homens derramando o metal derretido em formas.

Foi assim que foram formadas as primeiras civilizações. E é sobre as civilizações


estabelecidas em território africano, algumas das mais antigas das quais temos
registro, é que convido você a me acompanhar na etapa final dessa primeira parte
do nosso percurso em torno da história africana.

34
UNICESUMAR

Antigas civilizações na África: Egito antigo e o


Reino de Kush

Em uma região classificada enquanto Crescente Fértil é que floresceram as ci-


vilizações humanas mais antigas. Essa região tem o formato de uma meia Lua
e se estende da bifurcação dos rios Tigre e Eufrates em território asiático, até o
vale do Nilo na África. A presença desses rios permitiu que núcleos humanos se
estabelecessem ao seu redor e o surgimento dessas primeiras civilizações.

Figura 17 - Mapa da região do Crescente Fértil.


Fonte: Einstein, N. Mapa do Crecente Fertil.
2013. 1 fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=26169754. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A figura é um mapa


colorido, onde os territórios estão em amarelo
e o mar em azul, com destaque em vermelho
estão demarcadas as regiões da Mesopotâmia,
cortada pelos rios Tigre e Eufrates, junto com
o vale do Nilo na África, no formato de uma
Lua crescente.

No vale do Nilo floresceram duas grandes civilizações da Antiguidade: o Egito no


norte e mais ao sul, na Núbia, o Reino de Kush. Enquanto o Egito fora o primeiro
reino unificado do qual temos registro, Kush também foi um reino de grande es-
plendor, muito embora sua existência e importância sejam do conhecimento de
poucos. E por se constituírem em algumas das primeiras formas complexas de
organização sócio-políticas desenvolvidas pelo ser humano, além de terem mantido
relações políticas, econômicas e culturais entre si, é que as escolhi para que eu e você
possamos explorar um pouco mais o contexto da Antiguidade na África. Vamos lá?!

35
UNIDADE 1

O Egito antigo

Convido você a começarmos pelo Egi- uma ilustração da atriz Elizabeth Taylor,
to, sobre o qual obtemos mais dados e que protagonizou a obra ao representar
pesquisas disponíveis. Além disso, esse a rainha egípcia, em cuja vida o referi-
reino se constitui na experiência políti- do filme se inspirou. Essa atriz era uma
ca e cultural mais longa que já existiu, mulher branca de olhos claros.
embora a sua história tenha se iniciado
bem antes de sua unificação. Parto en-
tão, junto a você para a observação dos
precedentes que levaram ao estabele-
cimento do Estado egípcio, bem como
para a análise do funcionamento des-
se reino no decorrer de sua existência.
Começaremos essa etapa do nosso ca-
minho verificando quais as origens da
população do Egito antigo, o que é um
assunto bem controverso. Isso porque
durante muito tempo essas origens fo-
ram atribuídas a ramos populacionais
Figura 18 - Cartaz do filme Cleopatra (1963).
externos à África, de origem caucasiana Fonte: Terpning, H. Cleopatra poster. 1963. 1 fo-
tografia. Disponível em: https://commons.wikime-
ou branca. Algo que ainda hoje é refor- dia.org/w/index.php?curid=25628726. Acesso em
çado pela mídia, na TV ou no cinema, 22 mar. 2022.

quando esses meios de comunicação


Descrição da Imagem: A imagem é um cartaz
e entretenimento tomam como cená- de divulgação do filme Cleopatra lançado no
rio o Egito antigo e na maior parte dos ano de 1963. No alto, um retrato colorizado
em tamanho maior contém os protagonistas,
casos eles trazem de atores aos traços do lado esquerdo Rex Harrison (Júlio Cézar),
culturais dessa civilização, como se eles Elizabeth Taylor (Cleópatra) no centro e Richard
Burthon (Marco Antônio) do lado direito. E
tivessem sido brancos.
abaixo dele há quatro fotografias de cenas do
Trago a seguir o cartaz do filme filme (duas sombreadas em roxo e outras duas

Cleópatra que foi produzido em Holly- em petro e branco). Entre essas quatro fotos
estão inscritos os nomes dos atores principais
wood no ano de 1963, como um céle- em azul: Elizabeth Taylor, Richard Burton e Rex
bre exemplo do “branqueamento” da Harrison. Além do nome do diretor “Joseph L.
Mankiewicz” em preto, acima do nome do filme
população egípcia que volta e meia é que está em letras garrafais.
feito pela mídia. No centro do cartaz há

36
UNICESUMAR

Apesar dessas representações de seguinte modo: durante o período de


grande repercussão terem normaliza- cheias do Nilo, que no calendário lu-
do em muitos momentos uma noção nar egípcio corresponde aos meses de
de que os egípcios e sua civilização não julho e setembro do nosso calendário,
fossem de origem africana e além disso as águas do rio penetravam com seus
enquanto branca, as pesquisas atuais nutrientes o solo em seu redor; no pe-
têm evidenciado esse erro. Essas pes- ríodo subsequente, o trabalho agrícola
quisas apontam que a proveniência da então era feito, com o plantio dos grãos
população egípcia é muito mais africana nas pequenas poças que ficavam após
do que a princípio possa se presumir. o recuo das águas do Nilo.
De acordo com Dobertein (2010), Mas você deve estar se pergun-
dados obtidos em escavações feitas em tando: como era feito esse trabalho?
décadas recentes apontaram para uma Segundo Cardoso (1995), antes o tra-
relação direta do Egito antigo como um balho era realizado de modo coletivo,
Estado que floresceu a partir da união mas à medida que a população dessas
de comunidades agrícolas no vale do comunidades crescia e as atividades de
Nilo em torno de uma única liderança produção precisaram ser reorganiza-
política única. E que essas comunida- das. Inovações técnicas como o desen-
des foram resultado da migração de volvimento de sistemas de irrigação e
populações do interior africano para plantio adequados para a região foram
a região desse grandioso rio, ao longo desenvolvidos e adotados ao longo das
do processo de desertificação do Saara. aldeias. E para que a população ago-
Além disso, elas demonstraram que es- ra maior pudesse utilizar ou produzir
ses migrantes eram não só populações todos os recursos necessários à sua
da própria África, como também se sobrevivência, o trabalho passou a ser
tratavam de populações negras. ordenado por meio de lideranças re-
Essas populações se fixaram no en- gionais que foram estabelecidas.
torno do rio Nilo durante o Neolítico Desse modo, caro(a) aluno(a), como
e passaram a realizar nesse território você já pode ter concluído, o Egito an-
atividades agrícolas em prol de sua so- tigo não só o foi composto por popula-
brevivência. A agricultura praticada ções com origens na África, como tam-
por esses grupos de pessoas precisou bém o contexto de sua formação esteve
ser organizada com base em um ca- relacionado a situações e realidades
lendário com enfoque nos períodos próprias do continente africano.
de cheia desse rio, o que funcionava do

37
UNIDADE 1

Mas o que eu quero ainda advertir você, é para o fato de a unificação dessas popu-
lações e das aldeias compostas por elas também ter se desenrolado em situações e
contextos próprios das relações que elas mantiveram e enfrentaram no ambiente
em que viviam na África. Essa unificação do Egito ocorreu por volta de 3.000 a.C.
e ao que tudo indica, foi quando o chefe de alguma confederação tribal conseguiu
reunir sob o seu poder o território sul e norte da região do que viria a ser o Egito
antigo. Esse chefe se tornou o “rei das duas terras” – do Alto e do Baixo Egito – o
faraó. Já as primeiras dinastias de faraós, segundo Doberstein (2010), só foram
estabelecidas depois, entre os anos de 2.920 a 2.575 a. C.
Mais do que uma autoridade civil, o faraó era uma autoridade religiosa, um
deus na Terra, o filho de Rá (deus Sol), o Hórus vivo. Todos esses títulos do go-
vernante do Egito antigo tiveram fundamento na religião elaborada e praticada
por sua população, que partia de uma ordem, em que segundo Cardoso (1986, p.
31) era “necessária, legítima e desejável no mundo e na sociedade”.

Convido você a dar uma olhada comigo no panteão egípcio.


Nós vamos conhecer alguns dos principais deuses deste
panteão e os seus respectivos papéis, para que possamos
compreender como a crença em torno deles fez parte de
um estilo de vida voltado ao preparo para o pós morte,
que resultou inclusive em processos de mumificação a esse
serviço. Vamos lá?!

Essa ordem norteava todos os aspectos da vida em sociedade, dos afazeres do


rei ao de seus súditos, e por isso permitia a esses homens e mulheres viver nesse
mundo e ainda os preparava segundo suas crenças, para uma “vida após a morte”,
mais importante do que a própria vida terrena:


o mundo poderia - na visão desse povo - ser destruído não fossem
as preces e os ritos religiosos, a felicidade nesta vida e a sobrevi-
vência depois da morte eram asseguradas pelas práticas rituais, e
até mesmo "o ritmo das enchentes, a fertilidade do solo e a própria

38
UNICESUMAR

disposição racional dos canais de irrigação dependiam diretamente


da ação divina do faraó". (SANTOS, 2003, p. 17).

A serviço dessas crenças, palácios e verdadeiros templos foram erigidos e ador-


nados com estátuas e inscrições, tanto para a morada dos deuses de carne e osso
que governavam diretamente no mundo terreno, os faraós, quanto para a adora-
ção dos deuses que agiriam a partir de outro plano. A vida material e imaterial,
o trabalho e a arte, tudo no reino egípcio esteve marcado pela sua religiosidade.

Figura 19 - Arquitetura e arte egípcias


Fontes: MykReeve. Máscara funerária de Tutancâmon. 2004. 1 fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=34321. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Nas imagens que são fotografias, temos do lado esquerdo a entrada de uma
construção egípcia em uma rocha, o Templo de Hator em Abu Simbel, rodeada por estátuas de divindades
e autoridades egípcias, com hieróglifos nas colunas e na parede do templo, com uma porta na parte de
baixo da imagem. Enquanto à direita temos a máscara funerária do faraó Tutancâmon, de ouro com
decorações em lápis lazuli e pedras preciosas. Nela pode-se ver o toucado Nemés, uma espécie de lenço
às riscas, com as deusas Nekhbet e Uadjet representadas na forma de abutre à esquerda e de cobra à
direita, sendo que logo acima dos olhos a barba postiça trançada.

39
UNIDADE 1

Na arquitetura, uma visão de arte para os mortos, fez os egípcios produzirem


monumentos para a “outra vida”, ou seja, que durassem eternamente. Desse modo,
as sepulturas eram construídas em formato de mastaba:
Um túmulo de forma trapezoidal recoberto de tijolos ou pedra, acima de uma
câmara mortuária que ficava bem abaixo do solo e ligava-se à mastaba por meio
de um poço. No interior da mastaba há uma capela para as oferendas ao ka e um
cubículo secreto para a estátua do morto. As mastabas reais chegaram a alcançar
um tamanho admirável e logo transformaram-se em pirâmides. [...]


[...] As pirâmides não eram estruturas isoladas, mas ligavam-se a
imensos distritos funerários, com templos e outras edificações que
eram o cenário de grandes celebrações religiosas, tanto durante
quanto após a vida do faraó. (JANSON & JANSON, 1988, p. 26).

Essas pirâmides passaram a expressar em sua grandiosidade a majestade do


poder do faraó.

Figura 20 - Pirâmides e esfinges egípcias

Descrição da Imagem: A imagem mostra uma fotografia com três pirâmides no deserto egípcio ao fun-
do, cujos lados são retos, enquanto a frente delas temos outras três pirâmides menores, que possuem
degraus que dá base para o topo vão diminuindo de tamanho, formando o formato piramidal, enquanto
no plano da frente há à direita uma esfinge, cujo formato temos o corpo de leão e sua cabeça humana,
onde seu corpo e rosto estão voltados para a esquerda da imagem.

40
UNICESUMAR

E devo ainda salientar, com base nas informações que analisamos até o presente
momento a respeito do Egito antigo, o quanto o conjunto das crenças de sua popu-
lação era intrínseco a sua unificação enquanto um reino sob o poder central de um
faraó, que nada mais era do que um “rei-deus” (CARDOSO, 1986, p. 31) legítimo
e herdeiro de toda essa ordem que para os egípcios faria o seu mundo funcionar.

NOVAS DESCOBERTAS

O jogo Assassin’s Creed Origins se passa no cenário do Egito antigo, no pe-


ríodo da dinastia Ptolomaica, cujo personagem principal, o ex-camponês
Bayek, entrou para um clã de assassinos em busca de vingar a morte de
sua esposa. No gameplay do jogo eletrônico no canal do YouTube "Zanar
Aesthetics" é possível assistir ao vídeo o personagem controlável do jogo
sobre umas das pirâmides de Gizé, onde no topo é possível ver todo o Egito
do período reconstruído virtualmente.
Para saber mais acesse o QRcode a seguir:

Figura 21 - Cartaz do jogo Assassin’s Creed Origins.


Fonte: UBISOFT. Assassins Creed Origins capa. 2020. 1 Fotogra-
fia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?cu-
rid=6266116. 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem se trata de um cartaz de divul-


gação do jogo Assassin’s Creed em que estão presentes ambientes
e construções do Egito antigo, espaço onde o game é ambientado.
A frente do cartaz está o personagem principal de costas, Bayek
o “assassino” que os jogadores movimentam durante a trama do
jogo. A personagem aparece descalço com calças brancas e sem
camisa, com uma espécie de capuz branco. Em seus braços há
pulseiras, sendo que no esquerdo ele segura um arco, nas costas
carrega um escudo em formato de círculo, cujas bordas são cinza
e no centro dourado, com um símbolo de seu clã de assassinos,
enquanto abaixo do mesmo há um suporte com flechas. Ele cami-
nha sobre a areia do deserto, em direção ao rio Nilo, que contém
algumas embarcações à vela e um hipopótamo nas suas margens
abrindo a boca. Ainda na areia, no plano da frente da imagem, do
lado direito, há alguns coqueiros e ruínas de construções. E no
plano de fundo uma escadaria de um templo, com duas estátuas
abaixo dos degraus e quatro em frente ao templo. Do lado esquer-
do uma esfinge e do direito duas estelas. Sendo que atrás de tudo
isso está uma pirâmide gigante com o título do jogo em seu centro.

41
UNIDADE 1

Foi justamente para uma melhor organização das forças coletivas, em prol do
aproveitamento dos recursos existentes em seu território, que a população entre-
gou a autoridade sobre si nas mãos daquele que seria o seu governante. E assim
um Estado egípcio, unificado e centralizado sob o poder faraônico foi estabele-
cido. Estado que tinha razão de existir em prol da garantia da sobrevivência e o
progresso do seu povo.
Junto ao faraó, uma hierarquia governamental de sacerdotes e chefias mi-
litares fortalecia o seu poder no topo da esfera política, religiosa e jurídica. E
conforme o reino egípcio se expandiu, uma série de funcionários aparelhou esse
governo estatal que começava no tjati, espécie de primeiro-ministro, e se estendia
até os escribas e chefes de nomos (províncias egípcias).
A economia do Egito antigo era baseada na agricultura e na pecuária. Na
agricultura, a produção principal era de trigo para fabricação do pão, base da
alimentação da população. Contudo, conforme enfatizou Cardoso (1995), os
egípcios produziam também a cevada para a cerveja e o linho para o vestuário.
Na pecuária, as principais criações foram de gado bovino, caprino, suíno, assim
como comboios de mulas, carneiros e diversas aves.
A pesca, de acordo com o mesmo autor, também era praticada tanto no Nilo
ou em canais que partiam dele. Para essa atividade, eram utilizados anzóis, redes,
a nassa (cesto para a pesca) e arpões. O consumo de peixe era grande, sobretudo,
peixe seco que assim o era para a sua conservação. E a caça também era praticada
como um esporte a serviço do abastecimento da mesa das famílias, ou como um
modo de aquisição de aves para as coleções da elite egípcia.
Outras atividades econômicas também eram realizadas no Egito antigo. Entre
elas, Cardoso (1995) destacou o trabalho de extração de barro nas margens do
Nilo para a fabricação de cerâmica e tijolos. Também no entorno do Nilo era co-
lhido o papiro, que servia para a produção de uma espécie de papel para escrita,
além de juncos e caniços para a confecção de cestos e móveis. A coleta da madeira
de sicômoros, palmeiras e acácias presentes na região, eram outras das atividades
extrativistas realizadas pelos habitantes desse reino.
O artesanato era feito em dois níveis:


Nas aldeias, os camponeses fabricavam seus implementos e objetos
grosseiros de uso corrente, não tendo em geral acesso aos produ-

42
UNICESUMAR

tos do artesanato de alta qualidade. Este último concentrava-se em


oficinas, às vezes grandes, instaladas nos palácios do rei, templos e
grandes domínios rurais. (CARDOSO, 1995, p. 67).

Sendo que, sob o poder faraônico estavam as minas e pedreiras, dos quais se
retirava materiais para a produção de joias e adornos finos, assim como para a
construção de grandes obras públicas, como os templos e as pirâmides.

Figura 22 - Templo de Filas, em Assuão.


Fonte: Blueshade. Philae, First Pylon and Columnade, Aswan, Egypt. 2004. 1 fotografia. Disponível
em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=48509. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na fotografia vemos a entrada do templo de Filas, com duas espécies de torres
e uma fileira de colunas do lado direito, em direção ao portal central, enquanto mais à esquerda temos
outra porta.

O comércio era baseado no escambo, na troca de produtos têxteis, vinhos e de-


rivados bovinos da região do delta do Nilo, por produtos de outras regiões. A
distribuição desses produtos era realizada via embarcações e para tanto havia
um sistema sob controle estatal. Para grandes transações econômicas, era usual
o pagamento em pesos de metais como cobre e prata.

43
UNIDADE 1

Os egípcios desenvolveram um forte comércio exterior. Ao norte desse reino,


via Mediterrâneo, faziam comércio com os cretenses, com populações do Chipre,
da Fenícia e contornavam o litoral africano até a atual Somália. No leste, via Mar
Vermelho, os egípcios importavam artigos de luxo, especialmente para a produ-
ção de artigos religiosos, cujo pagamento era feito com ouro da Arábia e da Núbia.
Em sua maior parte, os frutos dessa economia ficavam para o faraó e sua corte,
depois eram distribuídos para os demais centros regionais de poder. Tais caracte-
rísticas fizeram do antigo Egito um Estado com um poder central muito forte, cujo
controle sobre todas as esferas econômicas se fazia por meio de tributos e produtos,
além da prestação de serviços de camponeses e artesãos. E isso só foi possível graças
às esferas do poder faraônico, já por aqui visitadas em nosso percurso.
Esse poder central sofreu ameaças, internas e externas, mas na maior parte do
tempo elas não tiveram sucesso. Somente no século I a. C. o Estado egípcio ruiu
em meio à deterioração do poder interno e a investidas externas de potências
rivais como os antigos romanos.
Com a sua longevidade, o Egito antigo se fixou na história humana como a
unidade central com maior duração de que temos notícia. No entanto, mais ao sul
do território egípcio, uma outra importante civilização africana se desenvolveu
na Antiguidade, o reino núbio de Kush. Convido você a seguirmos o nosso rumo
a partir de agora ao seu encontro. Vamos lá?!

O reino núbio de Kush

Os dados de que dispomos, sugerem que Kush emergiu por volta do século IX a.
C. e teve seu fim no século IV d. C. Ficava localizado na Núbia, uma região afri-
cana entre o sul do Egito e Sudão atuais, conhecida desde a Antiguidade como
a “terra do ouro”. Tal região era um importante empório fornecedor de peles de
animais, temperos, pedras e minerais preciosos tanto para o reino egípcio, quanto
para outras partes da África, ou ainda do Oriente Médio.

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UNICESUMAR

Figura 23 - Mapa da Núbia na


atualidade.
Fonte: Alfanje. Mapa da
Núbia. 2019. Disponível em:
https://commons.wikime-
dia.org/w/index.php?cu-
rid=77070883. Acesso em 22
mar. 2022.

Descrição da Imagem: No
mapa vemos a localização
do vale do Nilo, com o Egi-
to ao norte, e assinaladas
cidades importantes des-
se reino em suas margens
do norte até o sul: Luxor,
Assuã, Abul-Simbel e Uádi
Haifa. Da mesma forma,
estão assinaladas outras
importantes cidades do rei-
no de Kush, na localização
do atual Sudão: Dongola,
Napata, Méroe e Cartum.

45
UNIDADE 1

O seu povoamento, assim como do Egito antigo, teve início graças a presença do
rio Nilo, que garantia a sobrevivência em meio a desertificação do Saara. Comu-
nidades agrícolas se desenvolveram “Na larga faixa que vai da Núbia ao Senegal,
domesticaram-se numerosas espécies vegetais, numa escala tão grande, que se
pode dizer ter sido ali a agricultura reinventada” (SILVA, 2011, p. 92).
Graças a união e organização dessas comunidades agrícolas em aldeias, pois o
rio Nilo por si só não fornecia condições plenas de sobrevivência, é que lideranças
começaram a emergir:


Era preciso controlar suas cheias [do Nilo], por meio de diques e
sistemas de irrigação, permitindo que a produção para a subsis-
tência ao longo do ano fosse possível e para tanto, foi impres-
cindível que essas comunidades se organizassem politicamente.
(BRISSAUD, 1978, p. 31).

As fontes decifradas sobre a Núbia são mais escassas que as egípcias. Contudo, as
estudadas até o momento sugerem que desde sempre essa região foi um ponto de
encontro que reuniu povos do interior africano até o Mediterrâneo:


Um breve exame do mapa físico da África basta para mostrar a im-
portância da Núbia como elo entre a África central – a dos Grandes
Lagos e da bacia do Congo – e o mundo mediterrânico. O vale do
Nilo, que em sua maior parte corre paralelo ao mar Vermelho, em
direção ao “corredor” núbio, entre o Saara, a oeste, e o deserto arábi-
co ou núbio, a leste, permitiu um contato direto entre as antigas civi-
lizações do Mediterrâneo e as da África negra. (MEC, 2010, p. 213).

Embora muitos tenham tratado a região como uma mera periferia egípcia, as pes-
quisas mais recentes têm demonstrado que a Núbia era bem mais do que isso. Em
um primeiro momento, os núbios foram dominados por outros povos, como os
egípcios. Enquanto em um segundo momento, formaram reinos independentes
como o de Kush, cujas ruínas e outros vestígios arqueológicos têm nos fornecido
informações preciosas a seu respeito.

46
UNICESUMAR

A XXV dinastia do Egito antigo (750 a 660 a.C.) era de faraós núbios e fi-
cou conhecida como “dinastia etíope”. Eles governavam partes da Etiópia atual,
atravessando a Núbia e todo o território egípcio até as margens do Mediterrâneo.
Uma dinastia que começou quando o rei núbio Pianki ou Piye foi ao socorro dos
egípcios e mobilizou tropas para combater invasores assírios na região. Esse envio
de soldados era comum, além das trocas comerciais, segundo Silva (2011), pois
os núbios eram exímios arqueiros.
Contudo, instabilidades no Egito graças a outros invasores asiáticos, os hicsos,
permitiram que na região mais ao sul uma unidade se firmasse por volta de 1070
a.C. e levasse ao estabelecimento de um reino independente, Kush. Esse reino é
comumente chamado como o reino dos faraós negros e das candaces.
Ao faraó Taharqa é atribuída a formação de Kush enquanto um reino autô-
nomo. Escavações nos levam a ruínas de grandiosas construções realizadas ao
longo do seu reinado por todo o reino e atestam a sua imponência e poder.

Figura 24 - Esfinge de Taharqa em pedra.

Descrição da Imagem: Fotografia de uma


esfinge, com corpo de leão e cabeça huma-
na, esculpida em pedra, atribuída ao faraó
núbio Taharqa.

Após sucessivas investidas assírias, Kush sobreviveu com formas e características


cada vez mais africanas. E a partir de então, as fontes a seu respeito ficam mais
escassas. Porém, convido você a junto comigo conhecer um pouco mais a seu
respeito por meio dos dados que dispomos até o presente momento.

47
UNIDADE 1

Sabemos que entre os séculos IX e VI a. C. sua capital era Napata, mas no pe-
ríodo subseqüente foi transferida para Méroe, bem mais ao sul, como é possível
verificar no mapa da Núbia que demonstrei há pouco e desse modo, distante do
seu vizinho e muitas vezes rival, o Egito antigo.
A cidade de Méroe era um centro caravaneiro e produtor de ferro. Ela fica
na margem direita do Nilo e nela restam imponentes ruínas do reino da qual
era sede. Contudo, Napata não foi esquecida, permanecendo enquanto centro
religioso e tendo até o século IV a. C., na necrópole de Nuri, o lugar da “morada
eterna” dos reis cuxitas.

Figura 25 - Fotografia da Necrópole de Nuri


Fonte: Bertramz. Nuri pyramids from northeast. Near Jebel Barkal, Sudan. 1 fotografia. 2008. Dispo-
nível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5593590. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na foto vemos em meio ao deserto em Nuri quatro pirâmides em ruínas, de
tamanho pequeno.

Ao que tudo indica, Méroe era uma região com condições climáticas mais propícias
à prática agrícola do que Napata. Além disso, um “entreposto ideal para as rotas de
caravanas entre o mar Vermelho, o Alto Nilo e o Chade” (MEC, 2010, p. 283) já que
permitia um fluxo mais acelerado das trocas comerciais dada a sua localização às
margens do rio Nilo e entre Napata e os demais entrepostos de comércio da região.
Méroe também era um centro produtor de artigos em metal, incluindo o ferro,
que por ser mais denso era difícil quem na época tivesse o domínio das técnicas
de sua fundição. O historiador Davidson, observa que:

48
UNICESUMAR


Em volta das ruínas de Meroe ainda se podem ver montes de es-
cória nos sítios onde trabalharam os fundidores do ferro. Alguns
historiadores pensam que foi de Meroe que as técnicas do trabalho
do ferro primeiramente se estenderam até o resto da África interior,
talvez pelas rotas comerciais que ligavam Meroe às terras do Níger
e mais além. (DAVIDSON, 1981, p. 27).

A cerâmica meroíta também foi um dos produtos de destaque advindos do reino


de Kush durante a Antiguidade. Era uma cerâmica delicada, produzida à mão,
torneada fina e muito polida, avermelhada com a boca enegrecida. Os vasos eram
com frequência desenhados com a flora e animais da fauna local, como anfíbios,
crocodilos, girafas e cobras, ou ainda cenas cotidianas.

Figura 26 - Cerâmica meroíta


Fontes: The Trustees of the British Museum. Kerma pottery from British Museum. 2006. 1 fotogra-
fia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=104408713. Acesso em 22
mar. 2022. / Daderot. Jar with seated frogs. 2014. 1 fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=41360422. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: As imagens são fotografias. À esquerda vemos dois vasos ao fundo com um jarro
ao centro, de cerâmica fina com as pontas enegrecidas. Enquanto o resto está na cor laranja. À direita
vemos um jarro também em cerâmica, decorado com imagens do que parecem ser um sapo e vegetações
aquáticas na cor branca.

49
UNIDADE 1

Também produziram artigos de madeira decorados com motivos incrustados em


marfim, figuras de mica, costurados sobre gorros de couro. Além de estátuas em
bronze, que demonstram seu domínio no manuseio desse metal (MEC, 2010).

Figura 27 - Estátua de Bronze do faraó Taharqa.


Fonte: Department of Egyptian Antiquities of the
Louvre.Taharqa presenting god Hemen with wine.
2005. 1 fotografia. Disponível em: https://com-
mons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3516554.
Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos uma fotografia


do perfil de uma estátua de bronze do faraó
Taharqa segurando dois objetos esféricos.

Entre os anos de 170 e 160 na era atual, um matriarcado foi estabelecido em


Méroe, por meio do governo de rainhas, as candaces, cujo título deriva da lingua-
gem meroíta ktwe, ktke ou kdkel, que significa “rainha-mãe” (OLIVEIRA, 2020, p.
91). A figura da “rainha-mãe” já existia em Kush por meio da influência que essas
mulheres exerciam fosse nomeando um novo rei, que poderia ser seu filho ou
seu esposo, ou auxiliando os mesmos no exercício do poder político. Contudo,
no período acima assinalado, essas rainhas assumiram o poder de verdadeiras
soberanas em Kush.

50
UNICESUMAR

Duas candaces tiveram destaque na história de Kush: Amanirenas e Ama-


nishaketo. O período em que elas governaram foi de grande prosperidade nesse
reino, que ficou registrada em joias e nos sepulcros da época.

Figura 28 - Bracelete de Amanishaketo


Fonte: Arndt, S. Schulterkragen der Amanisha-
kheto aus Meroe. 2008. 1 fotografia. Disponível
em: https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=3768519. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: a imagem é uma fo-


tografia, que demonstra uma joia em ouro,
com vários detalhes em lápis-lazúli, sendo
que a mesma foi encontrada em sua pirâ-
mide, na Núbia.

Devido as suas riquezas e a rivalidade com os egípcios, muitas fortificações


foram construídas nas fronteiras entre Kush e o reino vizinho. Mas isso não
impediu que esses reinos mantivessem relações comerciais, já que esse co-
mércio era benéfico para ambos.
Tal comércio manteve a Núbia enquanto um centro de circulação de pessoas
pela África, que além das trocas econômicas proporcionou muitas trocas culturais
na região. A religiosidade kushita e egípcia mantiveram ligações profundas, devido
às ligações políticas e culturais mantidas entre os dois reinos desde suas fundações.
Um exemplo dessas trocas culturais entre o Egito e Kush, sobretudo religio-
sas, se revela nos túmulos dos governantes kushitas, cujas estruturas de alvenaria
eram do tipo mastaba, ou piramidal, assim como o de governantes egípcios.

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UNIDADE 1

Figura 25 - Fotografia da Necrópole de Nuri


Fonte: Bertramz. Nuri pyramids from northeast. Near Jebel Barkal, Sudan. 1 fotografia. 2008. Dispo-
nível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5593590. Acesso em 22 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na foto vemos em meio ao deserto em Nuri quatro pirâmides em ruínas, de
tamanho pequeno.

Em comparação com as pirâmides egípcias, as pirâmides de Kush são mais pon-


tiagudas, porém pequenas:


A maior delas, a de Tararca, em outro cemitério, o de Nuri, tem na
base apenas 29m de lado, enquanto a de Quéops [Egito] apresenta
228 metros. As do campo-santo de Kurru, ainda menores, mostram
lados que poucas vezes ultrapassam os nove metros. São pirâmides
pontiagudas: bastante altas em proporção à base do que as do An-
tigo Império. (SILVA, 2011, p. 111).

Além disso, o arenito de que foram feitas era mais macio e de fácil erosão, daí o
fato de muitas delas restarem apenas ruínas na atualidade.

52
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

NÚBIA: O REINO ESQUECIDO


Trata-se de um documentário do canal Discovery Channel que explora o florescimento do
poderoso Reino de Kush, na Núbia. Viaja pelas suas ruínas presentes no Sudão atual, as-
sim como pelos escritos ainda não traduzidos e os achados arqueológicos das escavações
ali realizadas. E desse modo, o programa recria cenários dessa civilização que permanece
para muitos cercada de mistérios.

Figura 30 - Reino núbio de Kush

Descrição da Imagem: Temos a fotografia de três homens atravessando a região desértica montados
em camelos, enquanto ao fundo temos as ruínas de pirâmides kushitas.

O Reino de Kush entrou em decadência por volta do século II da era atual. Os


indícios são de que outro reino mais ao sul, conhecido como Axum, por volta
do ano 300 da era atual conquistou seus territórios. Porém, a terra das candaces,
de um rico comércio e da disseminação da metalurgia do ferro, não pode ser
esquecida, ainda que muitos dos registros que dela dispomos permanecem in-
decifrados até agora.
A importância de Kush, assim como a do seu vizinho ao norte, o Egito, se fez
presente na história africana, bem como dentre as civilizações da Antiguidade.
Por isso, encerramos o nosso percurso sobre essas histórias, na torcida de que
você possa ter reconhecido o protagonismo desses reinos, nos contextos por onde
percorremos. Espero que tenha apreciado o nosso roteiro e anseie por novos
trajetos ao longo de outros períodos da história africana.

53
UNIDADE 1

Esses períodos históricos que eu e você caminhamos sobre a História da


África, que se estendem do surgimento do ser humano até algumas das civiliza-
ções mais antigas que no continente africano se desenvolveram, são conteúdos
importantes trabalhados nos anos finais do Ensino Fundamental, que também
são retomados na primeira série do Ensino Médio.
Como você, caro(a) aluno(a), poderá abordar o surgimento do ser humano
na África e o seu modo de vida nas primeiras fases de sua História? E como você
pensa em demonstrar aos estudantes da Educação Básica, que além do Egito an-
tigo, também tivemos outras civilizações importantes que nasceram na África?
Essas reflexões são necessárias e um exercício constante que precisamos fazer
enquanto docentes.
É preciso que observemos junto aos alunos o espaço geográfico africano em
que tais processos históricos ocorreram, bem como a importância desses con-
textos para que reconheçamos a necessidade de estudarmos a História da África
e das civilizações africanas existentes desde a Antiguidade.
E para tanto, é importante que tenhamos uma base a respeito desses contextos
iniciais da história da humanidade e também compreendamos o protagonismo
que o continente africano possui como espaço de muitas histórias que precisam
ser analisadas quando nos propomos a estudar História.
Não foi possível que eu e você nos aprofundássemos em todos os aspectos
em torno desses contextos da história africana. Por isso, é necessário que esse
percurso que fizemos juntos seja visto por você como apenas o pontapé inicial
para a busca de novas fontes e informações a seu respeito. Afinal, o estudante de
História, assim como o estudioso de qualquer outra ciência, deve manter-se no
constante aperfeiçoamento do seu conhecimento.

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Para que você possa exercitar os conhecimentos adquiridos até aqui, realize as ativi-
dades a seguir:

1. Vimos que a África foi o berço da espécie humana. Com base nas informações obtidas
a esse respeito, produza um texto dissertativo, de no mínimo 20 linhas, em que você
caracterize como era a vida de homens e mulheres durante as principais fases da
Pré-história, o Paleolítico e o Neolítico, inseridos em território africano.

2. A partir do que estudamos a respeito do Egito antigo, explique a frase a seguir: “o


faraó era uma autoridade política, religiosa e jurídica”. Utilize argumentos plausíveis
para sua explicação.

3. Leia o trecho a seguir sobre o papel das candaces no reino de Kush:

“Candace foi o nome conferido a mulheres que compunham a família do soberano


no Reino Kush, localizado na região da África subsaariana, entre os séculos II AEC e IV
EC 15 , sendo suas mães, esposas e irmãs, assumindo importantes papéis sociais e
políticos, atuando como conselheiras de seus maridos, irmãos ou filhos, e chegando a
assumir o governo de forma autônoma e independente neste período. Essas mulhe-
res se apresentam como figuras de destaque nos estudos africanos da antiguidade,
representando a força da mulher como indivíduo ativo.”

Fonte: OLIVEIRA, Fernanda Chamarelli de. Formas de Representação das Candaces na


Cultura Material em Kush (I AEC e I EC). NEARCO: Revista Eletrônica de Antiguidade,
RJ: UERJ, 2020, Volume XII, nº 2, p. 90.

Com base no excerto de texto que você acabou de ler e no que estudou até aqui a
respeito de Kush, responda:

a) Quem eram as candaces?


b) Como essas mulheres eram representadas? E por quê?
c) Por quais motivos o estudo em torno dessas figuras femininas na sociedade kushi-
ta tem importância nas pesquisas a respeito da história africana na Antiguidade

55
2
Povos e Reinos
Africanos – do Final
da Antiguidade ao
Transcorrer da Era
Moderna
Me. Karla Katherine de Souza Seule

Nesta etapa de nosso itinerário, convido você caro(a) aluno(a), a tra-


çarmos uma rota por sobre populações e alguns dos reinos da África
entre os períodos que convencionamos chamar de Antiguidade e o
limiar do Período Moderno. Embora essa convenção histórica tenha
sido criada na Europa, utilizando como marcos de passagem aconte-
cimentos importantes do contexto europeu e Ocidental, aqui só fare-
mos menção às épocas, como um meio de nos localizar nos períodos
históricos a que tradicionalmente estamos acostumados a nomear.
Esse será um meio de eu e você verificarmos que ao longo desses
tempos históricos o continente africano teve e manteve as suas pró-
prias dinâmicas.
UNIDADE 2

Muito do modo como enxergamos a África vem de repetidas ideias que foram
ditas a respeito desse continente ao longo da história. Em boa parte dos casos
foram ideias errôneas e equivocadas, que fizeram com que inclusive deixássemos
de estudar o continente e acabássemos por reproduzir preconceitos sobre o
mesmo. Para fugir de preconceitos, nada melhor do que o conhecimento não é
mesmo? Por isso, observe o mapa a seguir, em que estão demarcados os grupos
etno-linguísticos presentes na África:

Hamitas

Kanuri

Banto
Hausas Nilóticos

Banto

Songhai
Malaio-polinésio

Khoisan

Figura 1 - Mapa etnolinguístico da África.


Fonte: Central Intelligence Agency. Africa ethnic groups. 1996. 1 fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=78180812. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A figura é um mapa do continente africano onde estão em destaque os diferentes
grupos étnicos presentes no continente africano, bem como o tronco linguístico do qual fazem parte: no
norte temos a predominância, destacada em amarelo mais claro das populações hamitas; na mesma
região uma faixa central marrom demarcando os territórios de populações kanuri; no centro há territó-
rios destacados em amarelo mais escuro, enquanto os territórios dos hausas; também em laranja estão
destacados os territórios no centro das populações songhai; ainda no centro e para o sul, em roxo e verde
há os grupos bantos; no sul da África em laranja escuro estão os territórios das populações khoisan; em
bordô populações nilóticas; e em lilás populações malaio-polinésias.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Agora eu quero convidar você a que comece a refletir junto a mim sobre o quanto
sabe ou até mesmo se já ouviu falar de algumas dessas populações africanas cujos
territórios que habitam em África foram indicados no mapa acima. Feito isso,
pondere se você já ouviu falar de algum reino ou unidades políticas desenvolvi-
das por essas populações em território africano. Populações como os mandingas,
bantos e iorubás estão entre esses grupos étnicos e as unidades políticas que elas
criaram fizeram parte de relações internas e externas à África no transcorrer do
final da Antiguidade e no início da Era Moderna. Contudo, muito disso pode
ainda ser pouco conhecido e estudado, apesar de suas contribuições inclusive
para a formação do Brasil. Pois, durante o tráfico Atlântico de escravos da África
para as Américas, pessoas provenientes dessas populações e reinos que aborda-
remos aqui, tiveram como destino o Brasil, e seus descendentes integram hoje
a maioria da população brasileira, já que somos o país com o maior número de
afrodescendentes fora da África. E é sobre elas que voltaremos a nossa atenção
nesta etapa do nosso percurso.
Para tanto, é preciso que retiremos a ideia enganosa de que a África este-
ve isolada de grandes fluxos migratórios internacionais entre a Antiguidade e
a Era Moderna. Pois, como advertiu o historiador José Rivair Macedo (2013),
inúmeras migrações internas de leste para oeste do continente, bem como para
a região sul fizeram e fazem parte da história africana desde há muito. Além
disso, as regiões norte e leste mantiveram contatos frequentes com a Europa e a
Ásia. Essas migrações foram responsáveis por reunir populações e desenvolver
agrupamentos a partir delas, trazendo a este continente uma infinidade de gru-
pos etnolinguísticos. Desse modo caro(a) aluno(a), sugiro a você que faça um
levantamento em sites, como o Worldatlas ou outras páginas da web que tragam
de mapas a dados estatísticos dos diferentes grupos étnicos que compõem todos
os territórios africanos.
A partir da sua pesquisa, bem como do mapa da figura 1, você poderá ter
uma base inicial da variedade de etnias e culturas africanas. Por isso, registre no
diário de bordo a seguir, os dados relevantes levantados por você por meio desses
recursos, em que demonstre toda essa diversidade: indique o número de etnias
africanas e os grupos que estas compõem; os idiomas falados por elas; além dos
espaços que ocupam ao longo do território africano, bem como as suas carac-
terísticas geográficas. Feito isso, poderemos buscar as raízes dessa diversidade.

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UNIDADE 2

DIÁRIO DE BORDO

O ser humano deu seus primeiros passos no continente africano e as migrações


humanas foram responsáveis desde o início da Antiguidade por organizar grupos e
a partir deles a gerar inclusive algumas das civilizações mais antigas entre a huma-
nidade. Esse movimento não se encerrou em eras mais remotas da história, muito
pelo contrário, esteve e está presente ao longo de toda a história desse continente.
A desertificação do Saara que começou na última Era Glacial foi lenta e
levou a agrupamentos em torno do rio Nilo que deram origem às civilizações
egípcias e kushita na Antiguidade. Ainda no norte do continente africano, al-
guns desses migrantes esbarraram com os berberes e se miscigenaram. Outros
se dirigiram mais ao sul, no entorno dos rios Níger e Senegal, multiplicando ali
grupos agrícolas e assim:


Pouco a pouco, os homens que viviam nas savanas ao sul do Saara
foram acrescentando a bagagem trazida das culturas aquática e pas-
toril. Aperfeiçoaram o cultivo da terra e domesticaram novos vegetais.
Melhoraram os utensílios de trabalho. Tornaram mais sólidas as casas.
A cerâmica evoluiu e se enriqueceu até chegar à escultura em barro
cozido. E, uns cinco ou seis séculos antes de nossa era, o ferro começou
a incorporar-se aos materiais com que lidavam. (SILVA, 2011, p. 166).

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Figura 2 - Rio Níger.


Fonte: Schweiß, M. Niger Fluss. 2004. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=1624028. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Mapa com a localização do rio Níger na África Ocidental, com destaque para os
territórios que abarcam esse rio. O rio nasce perto da fronteira entre Guinea (Guiné) e a Sierra Leone
(Serra Leoa) na esquerda do mapa, ele segue na diagonal acima para a direita, passando por Bamako
(Bamaco), capital do Mali, por Timbuktu (Tombuctu), também no Mali. O rio continua mais um pouco
quase em linha reta no Mali, depois faz uma curva para baixo na diagonal direita, passando por Niamey
(Niamei), a capital do Níger. O rio passa por Benin e vai até a Nigéria, desaguando no sul desse país, no
Oceano Atlântico. Enquanto no canto superior direito da imagem, está o mapa de todo o continente em
miniatura, com um quadrante vermelho destacando o espaço geográfico da África, que está em verde,
onde de um modo geral a região da África Ocidental se encontra.

Os garamantes da região do Fezzan (pertencente na atualidade à Líbia) ajudaram


a introduzir o camelo como meio de locomoção, durante os primeiros séculos de
nossa era. Essa inovação ajudou a mobilidade de pessoas e também dos produtos
fabricados entre essas populações ou trazidos de lugares mais distantes com que elas
realizavam suas trocas comerciais, em meio a região desértica no norte da África.

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UNIDADE 2

Figura 3 - Viajantes no deserto.


Fonte: Backer, A. Caravan in the Sahara north
of Agadez, Niger. 1991. 1 fotografia. Disponível
em: https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=18598650. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na fotografia temos


dois homens e nove camelos cruzando o deser-
to. Da esquerda para a direita, o primeiro ho-
mem está vestido com uma roupa longa, que
cobre o corpo todo, de cores claras. O segundo
homem, próximo ao primeiro camelo, segue
logo atrás, vestido com roupas escuras, cami-
sa longa e calças. Os homens caminham em
direção à esquerda, e são seguidos por uma
frota de nove camelos, que estão carregados
com malas e fardos.

Junto ao uso do camelo, o disseminar de tecnologias citadas há pouco – agricul-


tura, pecuária e a produção de cerâmica – além do domínio da metalurgia do
ferro, alterou de modo considerável a vida de populações africanas:


Tornou-se mais fácil, com machados de ferro, derrubar as matas;
com enxadas de ferro, revolver o solo; com a foice de ferro, ceifar o
sorgo. Os instrumentos de caça e pesca fizeram-se melhores. Esfola-
vam-se com maior facilidade os animais. Abriam-se nos troncos das
árvores as grandes canoas. E, com as armas de ferro, aumentaram
o poder de destruição dos guerreiros e o poder de centralização de
seus chefes (SILVA, 2011, p. 177).

A centralização do poder caro(a) aluno(a) junto a modos de organização social e


econômica mais complexas trouxe à tona, por todo o continente, a formação de
infinitos grupos etnolinguísticos, bem como seus reinos e outras unidades políticas
que se proliferaram da Antiguidade até a Era Moderna. E é sobre algumas dessas
populações e as organizações políticas, sobretudo, alguns dos reinos que elas for-
maram que convido você a voltarmos a nossa atenção e caminho a partir de agora.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Diante do fato de o espaço que temos não nos permitir atingir a toda a diver-
sidade de povos e unidades sócio-políticas africanas nos ditos períodos, tive que
fazer a seleção de apenas alguns deles. Quanto às populações, entre as selecionadas
estão alguns grupos entre os mandingas, iorubás e bantos. E quanto aos reinos que
conheceremos e que foram estabelecidos por alguns desses grupos abordaremos
Axum, Gana, Império do Mali, o antigo Reino do Congo e o Império Monomotapa.
Embora o percurso seja breve, espero que possamos abarcar um pouco da
imensidão africana e suas dinâmicas a partir dessas que formam algumas de
suas populações e daquelas que foram durante os contextos da Antiguidade até
o limiar da Era Moderna, algumas das sociedades africanas mais proeminentes.
Para tanto, eu convido você a seguir comigo por uma ordem cronológica
linear, começando entre as sociedades ou reinos africanos selecionados dentro
desse recorte histórico mais antigo, para então finalizarmos com os reinos ou
organizações políticas que se desenvolveram por último. Vamos lá?!

O reino de Axum - Na região em que hoje está localizada a Etiópia, por volta
do século V a. C. emergiu o reino Axum. Esse reino foi criado a partir da cidade
homônima, cuja população de pastores e agricultores, que ainda manufaturavam
produtos em couro, tecido, madeira, cobre e bronze, mantinha importantes
relações com os iemenitas na outra margem do Mar Vermelho, além de popu-
lações do interior africano.

Figura 4 - Império Axumita


Fonte: Yom~commonswiki. Império Axumita em
sua maior extensão. 2006. 1 fotografia. Disponí-
vel em: https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=50756360. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa vemos um


recorte da região africana próxima ao Mar
Vermelho. No canto superior direito, em um
retângulo cinza, está escrito “Império Axumita
em sua maior extensão”. No centro do mapa,
em verde, do lado africano, temos “Axum”, e do
lado do Oriente Médio, “Iêmen”. Ao redor do
território de Axum, temos: “Blêmios”, no lado
esquerdo superior; “Alódia”, à esquerda; e “So-
malis”, abaixo. No mar, está escrito, “Périplo do
Mar da Entreia”.

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UNIDADE 2

Mas a partir do séc. III a. C. a cultura Axumita foi progressivamente se afastando


dessas influências externas ao território africano e se aproximou cada vez mais do
Egito ptolomaico e de Kush. O reino kushita inclusive foi incorporado aos seus do-
mínios no século II. A aproximação com a cultura meroíta de Kush e egípcia se deu
ou por meio da língua e da escrita, mas também através da disseminação de técnicas
de produção de cerâmica vindas dos reinos nilóticos, como a produção de vasos “de
argila negra ou rubra, com superfícies vidradas e incisões ornamentais preenchidas
com uma pasta branca ou, em alguns casos, vermelha” (SILVA, 2011, p. 185).
Nesse contexto, a formação de um império/reino Axumita se deu quando den-
tre as cidades da região, que eram importantes centros de comércio e de artesanato,
Axum passou a dominar seus territórios. E desse modo, a sua localização privi-
legiada no planalto do Tigrê, área de solos bem regados e de fácil acesso ao mar
Vermelho e ao Nilo, tornou o reino Axum “um importante empório do marfim e de
outros artigos africanos” garantindo o controle sobre o tráfico do interior africano
para o Mar Vermelho e que intermediava os rios Nilo e Adúlis (SILVA, 2011, 187).
Essa região foi de intenso trânsito de africanos e povos do exterior do seu
continente, sendo com frequência visitada por sírios, persas e também judeus.
Tais migrações trouxeram a presença do judaísmo e do cristianismo aos seus
territórios e legou as suas histórias até mesmo o mito da união de Salomão e da
Rainha de Sabá, enquanto uma rainha proveniente de Axum e cujo resultado
dessa união seria o nascimento do rei Menelique I, considerado o primeiro im-
perador da Etiópia. Uma história que posteriormente serviu para manter uma
monarquia etíope até o século XX.

NOVAS DESCOBERTAS

O Kebre Negast é um livro que reúne escritos antigos, textos bíblicos, egípcios, árabes e
etíopes e faz um relato detalhado do encontro entre a Rainha de Sabá, chamada pelos
relatos etíopes de Makeda, e o rei de Israel, Salomão. Segundo os relatos desse livro, Sa-
lomão convenceu Makeda de sua sabedoria e desse modo, passou a noite com ela, o que
levou ao nascimento do rei Menelik I, fundador da dinastia de Salomão na Etiópia, que
perdurou até a destituição do imperador Haile Selassie em 1974.
Fonte: https://www.dw.com/pt-002/rainha-de-sab%C3%A1-uma-viagem-em-busca-do-co-
nhecimento/a-44487846. Acesso em 05/08/2021.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Figura 5 - Igreja em Axum

Descrição da Imagem: Na fotografia temos


a parede de uma igreja, com três janelas. As
janelas estão adornadas com ilustrações de
histórias sagradas, anjos e flores em seu redor,
de cores vivas e fortes em amarelo, verde, azul
e vermelho. As janelas possuem grades com
cruzes coloridas em vermelho, amarelo, verde
e azul, bem como a janela central possui um
peitoril com flores naturais, de cores amarelas,
verdes e roxas.

A conversão de habitantes do reino ao Cristianismo também é antiga e legou a


ele o que Costa e Silva (2011, p. 198) denominou enquanto “um sincretismo de
crenças pagãs com um monoteísmo indefinido”. Essa conversão, de acordo com
os registros históricos, datam do século IV quando do governo do rei Ezana, o
que terminou de se estender ao restante de sua população entre os séculos V e
VI, sobretudo, por interferência de missionários sírios.

Figura 6 - Parque das estelas de Axum.


Fonte: Gao, J. Axum northern stelea park.
2002. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=543948. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia que mostra


as estelas em homenagem aos reis de Axum,
cuja estela do rei Ezana é a mais alta e segue
no centro, enquanto ao fundo vemos casas e
árvores ao redor.

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UNIDADE 2

Axum esteve em constante movimento de pessoas e com relações importantes


com potências políticas e econômicas da época, no entanto, o foco principal dos
seus governantes manteve-se na tentativa de controlar os portos do Mar Verme-
lho e em conservar entre os seus domínios a rota de ligação do comércio do Mar
Vermelho, por onde recebia produtos do Oriente, com o Mediterrâneo. Com esse
papel, Axum ligava produtos do interior da África até a Índia.
Contudo, envolto por conflitos externos entre persas e bizantinos, somados
ao avanço árabe em sua região, a partir do século VII esse reino de comércio
pleno começou a sofrer sua ruína. Muito embora perdesse seu posto de capital
na região, a cidade de Axum na qual esse reino teve a sua origem, até hoje tem
importância religiosa e cultural, já que integra as cidades sagradas da Igreja Or-
todoxa Etíope e contém inúmeros monumentos que integram os patrimônios
culturais da humanidade tombados pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Figura 7 - Missa de Páscoa na Igreja Ortodoxa


Etíope no centro de Axum.

Descrição da Imagem: A fotografia mostra a


Igreja central de Axum ao fundo, cujas caracte-
rísticas arquitetônicas remetem as igrejas orien-
tais, com uma grandiosa abóbada ao centro. Em
sua frente uma multidão vestida com roupas
brancas e suas cabeças cobertas, se aglomera
para a celebração da missa de Páscoa.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Os mandingas do Sahel – Reino de Gana e Império do Mali - A região sub-


saariana que abrange o Sahel há muito era descrita pelos viajantes árabes como
Sudão – “terra de negros”. Esse território foi o local de formação de alguns dos
grandes reinos da África, graças ao rico comércio transaariano de cereais, ouro,
marfim, pimenta, âmbar e escravos, que eram trocados por sal, conchas, tâmaras
e tecidos árabes. O comércio com os árabes, desde o século VII, levou à islamiza-
ção dessa região. Alguns dos reinos sudaneses mais importantes nesse contexto
foram Gana e Mali.

NOVAS DESCOBERTAS

O vídeo La Gran Muralla Verde del Sahel: 8.000 kms de árboles para frenar el
cambio climático en África, disponível no Youtube, no canal “El Confidencial”,
traz explicações sobre o Sahel, essa muralha verde que contém o avanço do
deserto no centro-sul africano.
Para saber mais acesse o QRcode a seguir:

Figura 8 - Mapa do Sahel.


Fonte: Koenig, F. Map of Africa, with the Sahel highlighted in orange. 2009. 1 fotografia. Disponível
em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5997856. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A figura é um mapa cinza da região central da África em que se estende uma
faixa entre o litoral Atlântico até o Mar Vermelho, destacada em amarelo, que é o território conhecido
como Sahel.

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UNIDADE 2

Nessa região ao longo do primeiro milênio da era cristã, as populações man-


dingas ou mandem estabeleceram sociedades organizadas que deram origem
a verdadeiros Estados. As populações mandingas compreendem “vários gru-
pos e subgrupos, dispersos por toda a zona sudano­‑saheliana, do Atlântico
até o maciço do Air, com projeções bastante profundas nas florestas do golfo
do Benin” (MEC/Vol IV, 2010, p. 155).
No século XI os registros apontam para a seguinte distribuição dos subgrupos
mandingas nesses territórios:


os Soninke ou Sarakolle, fundadores de Gana, ocupavam especial-
mente as províncias de Wagadu (Awker), Baxunu (Bakhunu) e Ka-
niaga; ao sul, aos pés dos montes de Kulikoro, estavam instalados os
Sosoe, ou Sosso, que tinham sua capital na cidade de Sosoe; e, ainda
mais ao sul, viviam os Maninka ou Malinké, do território chamado
Mande ou Manden, situado na bacia do alto Níger, entre Kangaba
e Siguiri. Os Soninke, também conhecidos como Marka ou Wakore
(Wangara) fundaram o Império de Gana, primeira expressão da
expansão manden. (MEC/Vol IV, 2010, p. 155).

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Os soninke foram os fundadores do reino de Gana, nas regiões em que hoje fazem
parte do Mali e da Mauritânia. Esse território esteve do século III ao VII domi-
nado pelos berberes que faziam comércio de ouro e noz de cola com os árabes
vindos do norte em troca de tecidos, cobre, sal, jóias, tâmaras e figos. Mas no
século VII, os Soninke estabeleceram sua soberania sobre Gana e transformaram
seu reino em uma potência militar e econômica. As suas principais cidades eram:
Kumbi-Saleh e Audagoste.

Figura 9 - Mapa do Reino de Gana.


Fonte: Luxo. Mapa do Império de Gana. 2014.
1 fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=36813496.
Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa vemos com


destaque nos territórios da África Ocidental
a localização do Reino de Gana que está em
um círculo verde, próximo ao rio Níger, com
na parte sul sua capital Kumbi-Saleh (Cumbi-
-Salé), bem como outras importantes cidades,
da esquerda para a direita, no entorno do Rio
Níger: Djené, Timbuctu (Tombuctu) e Gao.

Fatores que incluíam o domínio da metalurgia do ferro, garantiu vantagens às


populações sudanesas, pois lhes deu uma superioridade bélica em relação a ou-
tros concorrentes que pretendiam dominar esses territórios. Os soninke também
faziam uso do camelo, animal mais resistente em áreas desérticas. Esses mecanis-
mos lhes permitiram organizar-se em torno de soberanos que impuseram seu
poder construindo Estados fortificados e ricos como Gana.
Segundo Costa e Silva (2011), Gana era o título de “grande chefe” usado pelos
reis nesse Estado sudanês, apresentando-lhe enquanto um soberano para todas
as aldeias da região, a quem interessava receber os impostos dos seus “súditos” em
forma de mão de obra para a lavoura e soldados para seu exército.

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UNIDADE 2

O contato com os árabes muçulmanos levou à islamização desse reino e fa-


cilitou as trocas comerciais com outros povos islamizados do norte do continente
africano. E assim, os impostos cobrados por sobre o comércio que perpassava o
seu território, permitiu que a soberania de Gana terminasse de se estabelecer e flo-
rescer, já que Gana possuía o controle das minas de ouro das regiões de Bambuk
(Bambuque) e Bure, que foram de suma importância ao longo da Idade Média
e início da Modernidade para o comércio de ouro interno e externo à África.

Figura 10 - Mapa do comércio transaariano


entre os séculos XI e XV.
Fonte: Aa77zz. Comércio transaariano entre
os séculos XI-XV. 2014. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=36714760. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa vemos a re-


gião Ocidental da África e sua parte noroes-
te, com o cruzamento de rotas com linhas
pontilhadas no mapa, que ligavam diferentes
cidades importantes entre elas, como Kumbi-
-Saleh (Cumbi-Salé), capital do reino de Gana
no interior e nas proximidades do Níger, até o
extremo norte nas margens do Mediterrâneo,
passando pelas regiões de Bambuque e Buré.

Em 1076 os almorávidas, um grupo muçulmano estabelecido no noroeste da


África, assumiram o controle de Kumbi Saleh. Eles governaram por um curto
período, mas causaram um prejuízo permanente ao império de Gana, pois in-
terromperam as suas rotas comerciais e destruíram lavouras com seus rebanhos
de animais de pastagem.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

Foi então que, no início do século XIII, os vários grupos mandingas que vi-
viam sob o domínio de Gana começaram a se separar. Entre eles estavam os sussus,
que ocuparam Kumbi terminando por levar a decadência de Gana, uma das mais
duradouras unidades políticas subsaarianas. Enquanto isso, um chefe mandinga
chamado Sundiata, em 1240 destruiu a cidade de Kumbi Saleh e dessa forma ele
incorporou o que sobrara do Império de Gana ao novo Império mandinga do Mali.
Sundiata pertencia ao clã mandinga dos Keita. Velhas histórias a seu respeito
foram preservadas pelos Griotz, tradicionais contadores de história, responsáveis
por manter a cultura mandinga viva. Essas histórias tradicionais nos contam
que Sundiata teria fugido de seu povoado, por conta de disputas por sucessão de
poder por sobre as posses de sua família. Essa fuga teria sido durante as invasões
dos sussus na região e por isso, ele escapou ao massacre que acometeu seus fami-
liares durante essas guerras. Contudo, Sundiata retornou a sua região de origem
e conseguiu reunir os vários clãs mandingas contra os sussus. Desse modo, ele
recebeu o título de Mansa, tornando-se o primeiro rei da região a governar dos
“mananciais do ouro, os portos caravaneiros do Sael e os caminhos que levam de
uns aos outros” (SILVA, 2011, p. 318).

Figura 11 - Griot moderno, em Diffa, Níger.


Fonte: Roland.A Griot performs at Diffa, Niger,
West Africa. 2006. 1 fotografia. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?-
curid=2599915. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos na fotografia


um Griot atual, tocando um Ngoni ou Xalam,
instrumento tradicional da região, no plano de
frente da imagem, enquanto ao fundo temos
uma árvore e um muro que cerca o terreno em
que ele se encontra.

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UNIDADE 2

O Império do Mali existiu até o século XV e abrangeu territórios africanos isla-


mizados a partir do século XI em que hoje correspondem a República do Mali, o
Senegal e a Guiné. Estava em meio a antigas rotas subsaarianas que desemboca-
vam no “cotovelo” do rio Níger. Esse império que ligava minas de ouro aos portos
caravaneiros do Sahel foi um entreposto importante de trocas comerciais entre
várias partes da África e fora dela.

Figura 12 - Mapa do Império do Mali.


Fonte: Roke. Mapa do Império de Mali. 2014.
1 fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=36813578.
Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa temos na


costa ocidental africana, em torno de boa par-
te do rio Níger, em destaque na cor verde, te-
mos os territórios que formavam o Império do
Mali, com suas principais cidades com pontos
vermelhos no mapa, Djené ao sul, Gao a leste
e Timbuctu (Tombuctu) mais ao norte e Kum-
bi-Saleh (Cumbi-Salé) a oeste.

Sua organização era parecida com o antigo Reino de Gana, porém, ainda mais
complexa, já que:


Compreendia as mais diversas formas políticas, desde reinos e ci-
dades-estado a aldeias que obedeciam a conselhos de anciãos. A ex-
tensão e a diversidade dos territórios que lhe pagavam tributo e lhe
forneciam tropas, exigiam do rei dos reis uma ampla tolerância para
com as peculiaridades de cada parcela do império e vetavam, por isso
mesmo, uma política de forçada islamização. (SILVA, 2011, p. 328).

O comércio sustentava a corte, enquanto a população vivia do trabalho no campo.


Havia uma estrutura hierárquica que mantinha as chefias no comando para o
controle da tributação destinada ao chefe dos chefes e sua corte.
A parte antiga de sua primeira capital, Djenné, de acordo com as descobertas
arqueológicas feitas nos seus arredores, já era povoada desde o século III a.C. por

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

populações de agricultores e pastores, que nessa época eram os únicos a domi-


nar a metalurgia do ferro na África Ocidental. Posteriormente, no século III da
era cristã, Djenné se tornou uma grande cidade, cercada por aldeias e a rota de
passagem do comércio transaariano:


cedo começaram negros e berberes a transportar para mercados
distantes o ouro, a pimenta-malagueta, o âmbar, o alúmen, o sal, o
cobre, as tâmaras, os tecidos, os artefatos de couro. E cavalos, que
frequentemente se permutavam por escravos. (SILVA, 2011, p. 310).

Marraquexe para Marrocos e Europa


Sijilmassa
Egito Cairo

Zaouila Cufra
Arábia
Império de Gana Gidá

Audagoste Agadèz
Kanem-Bornu Souakim
Timbuctu Bilma
Gao Etiópia
Aden
Djenné Zinder
Zeilá
Império de Mali
para Kano e a costa
(XIII / XV)

Figura 13 - Mapa das rotas internacionais ligadas ao Império do Mali por volta de 1400.
Fonte: Miles, T. L. Niger saharan medieval trade routes. 2008. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3415866. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é um mapa em que aparece o centro-norte do continente africano, com
rotas que ligam as principais cidades do Mali, como Djenné e Timbuctu a mercados que perpassavam
o Marrocos atual, com destino a Europa, o Egito e a Etiópia, com destino a Arábia na Ásia. O Império do
Mali está identificado com contorno azul, enquanto o Oceano Atlântico, o Mar Mediterrâneo e Vermelho
estão em preto.

Além de Djenné, a cidade de Timbuctu foi outro importante centro de comércio


e de conhecimento no Império do Mali. Esse reino que compunha as regiões
islamizadas da África manteve em suas principais cidades mesquitas, bibliotecas
e escolas de estudo do Corão. Os centros de estudos de Djenné e Timbuctu con-
tém ainda hoje textos antigos e raros, sendo considerados por isso patrimônio
da humanidade pela UNESCO.

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UNIDADE 2

Figuras 14 e 15 - Grande Mesquita de Djenné (esquerda) e Mesquita / Universidade de Sankoré


em Timbuctu.
Fontes: Gilham, A. Great Mosque of Djenné. 2003. 1 fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=165257. Acesso em 23 mar. 2022. / Senani, P. Sankore Mosque in
Timbuktu, Mali. 2006.1 fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=1831543. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na fotografia do lado esquerdo temos a grande Mesquita de Djenné e do lado
direito a Mesquita ou Universidade de Sankoré, ambas feitas em adobe (argila misturada à palha e seca
ao sol), um estilo arquitetônico classificado enquanto sudano-saheliano, com detalhes pontiagudos, torres
em ambos os casos e formato piramidal no caso da Mesquita de Sankoré, além da presença de portas e
janelas na imagem da Mesquita de Djenné. No plano da frente de ambas as imagens vemos duas pessoas
em frente à Mesquita de Djenné e três outras em frente a de Sankoré.

O Império do Mali abrangia uma área três vezes maior do que o antigo reino
de Gana e foi o império mais rico de seu tempo. Estima-se que a sua população,
em seu apogeu durante o século XIV, chegou a cerca de 45 milhões de habitantes.
A conversão de Sundiata ao islamismo contribuiu para integrar Mali ao circuito
comercial islâmico. E a riqueza desse império ficou conhecida no mundo oci-
dental pelos relatos deixados por viajantes árabes, especialmente aqueles que se
referem ao Mansa Kanku Mussá, que governou o império de 1312 até 1332, e
que, segundo esses relatos, visitou Meca levando tanto ouro consigo que causou
uma inflação do mesmo na região da Arábia.

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UNIDADE 2

Figura 16 - Mapa Catalão do século XIV, com


uma ilustração atribuída ao Mansa Mussá.
Fonte: Manske, M. Mansa Musa. 1959. 1
fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=3376220.
Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos um trecho do


mapa, cujo foco é no centro do que parecem
ser mesquitas e fortalezas, há também um de-
senho de um homem negro, que está sentado
em seu trono com um cetro dourado no seu
braço esquerdo, veste um túnica verde, usa
uma coroa dourada na cabeça e segura em sua
mão direita uma pepita de ouro, onde sua face
e olhos estão voltados. Há dois textos escritos
na língua catalã, um na esquerda e outro na
direita da imagem.

No final do século XIV, o reino de Mali entrou em declínio por conta de dispu-
tas sucessórias internas que o enfraqueceram, o que resultou em guerras por
independência por parte de suas províncias vassalas. Somou-se a isso a presença
europeia na região durante o século seguinte, feita por meio dos portugueses que
passaram a comerciar ali armas em troca de ouro e escravos. Essa interferência
estrangeira intensificou os conflitos internos da região, pois os portugueses ofe-
reciam vantagens comerciais aos pequenos chefes da costa africana, levando-os
assim, a se emanciparem do domínio do Mansa de Mali. Enfraquecido e frag-
mentado, atacado pelo leste e a oeste, o Império do Mali caiu sob o domínio de
Songai em 1470, outro poderoso reino na África Ocidental, que perdurou até o
início do século XIX.
Os iorubás – Reinos de Ifé e Oyó - Um dos maiores grupos etnolinguísticos do
continente africano são os iorubás. Há séculos os iorubás estão presentes na região
do atual Benin e na Nigéria. Suas cidades, espécie de cidades-Estado, se desenvolve-
ram nessa região por conta das rotas do comércio bérbere que transcorria a mesma.
Os iorubás formaram no decorrer da Era Moderna importantes reinos que parti-
ram dessas cidades-Estado. Contudo, esses reinos nunca estiveram reunidos sob uma
mesma centralização política que abarcasse a todas essas cidades-Estado iorubás,
compondo-se geralmente de uma só cidade e aldeias vizinhas sob o seu domínio.

75
UNIDADE 2

Figura 17 - Mapa de cidades antigas iorubás.


Fonte: Aymatth2. Historical Yoruba Cities. 2010.
1 fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=11537742.
Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa vemos a


distribuição entre Lagos, que hoje faz parte
da Nigéria e a atual Benin, de cidades antigas
iorubanas como Oyó e Ifé. Ao redor e entre
as cidades iorubanas estão, da esquerda para
a direita, outras cidades: Abeokuta, Ijebu, Iba-
dan, Iwo, Ilorin, Ila, Oshogbo, Ado Ekiti, Akure,
Owo, Idoani e Okene.

Segundo Oliva (2005), as principais cidades iorubanas estendem-se entre a


margem oriental do rio Ogum e a margem ocidental do rio Níger. Os vestígios
arqueológicos apontam para sua origem enquanto povo a partir da reunião de
populações na cidade de Ifé:


o mais antigo centro ioruba conhecido, dirigido pelos oni que por
muito tempo exerceram um poder espiritual sobre um vasto terri-
tório. Finalmente, foi a partir de Ife que se disseminaram os funda-
dores de Oyo e cinco outras grandes cidades iorubás, assim como
os sucessores da dinastia reinante no Benin, por volta dos séculos
XIV/XIV­‑XV. (MEC, Vol IV, 2010, p. 594).

A partir dessas considerações, eu e você podemos verificar que, não à toa, as tradi-
ções iorubás apontam Ifé até hoje enquanto o “umbigo’ do mundo” (OLIVA, 2005,
p.150). Afinal, as próprias tradições iorubanas apresentam essa cidade enquanto
uma espécie de capital religiosa entre as demais cidades dos iorubás.
Esse conjunto de populações africanas, segundo o que as pesquisas podem nos
indicar, também detinham vantagens bélicas, como os mandingas mais ao norte,
por conta do domínio do ferro. Desse modo, ao chegarem nos territórios entre o
Níger e o rio Ogum ao longo dos séculos VII e XI conseguiram garantir o domínio

76
UNICESUMAR
UNIDADE 2

dos mesmos. Entretanto, boa parte dos dados a esse respeito foram obtidos por
meio das narrativas orais, sobretudo religiosas, preservadas ao longo dos séculos:


Assim como outros grupos étnicos que habitaram (ou habitam) a
região da atual Nigéria, os iorubás, pelo menos até o final do século
XIX, tiveram uma tradição religiosa marcadamente oral, na qual os
mitos e a memória coletiva desempenharam (ou desempenham)
um papel-chave na explicação e compreensão de suas realidades e
histórias. Esses elementos – a oralidade e a mitologia – acabaram
por permear a construção das relações no âmbito da sociedade e
dos contatos com o sagrado, além de conduzir a interpretação do
mundo e as formas de viver de suas gentes. (OLIVA, 2005, p. 150).

Esses relatos orais, junto a estudos linguísticos e pesquisas arqueológicas feitas


nos territórios iorubanos, apontam para uma segunda migração entre os séculos
XIV e XV, que contribuiu para terminar de dar forma às populações iorubás. Os
dados demonstram que essas populações terminaram de se originar por meio do
encontro de populações antigas do Golfo da Guiné, com outras vindas do leste
africano, provenientes do Alto Nilo.

Convido você a conhecermos o mito iorubá da criação


e, desse modo, entendermos a respeito das crenças e
tradições iorubanas que tanto influenciaram territórios para
onde suas populações migraram na América com o tráfico
Atlântico de escravos, cujo Brasil foi o seu principal destino.
Embora essas influências por sobre a cultura afro-brasileira
sejam objeto de nosso enfoque numa fase posterior do
percurso que estamos realizando por sobre a história
africana, o conhecimento desse mito e das crenças em
torno do mesmo ajudará eu e você na compreensão das
discussões em torno da organização e origem dos iorubás.
Desse modo, também nos auxiliará a entender como essas
populações contribuíram para a construção cultural de
outros povos em outros territórios, como no caso do nosso
país. Vamos lá?!

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UNIDADE 2

Ifé, como vimos, ao que tudo indica foi o primeiro centro urbano iorubá. E ainda
que não se tenha uma definição da data exata de sua origem, o que se sabe é que
essa ocorreu durante a primeira fase de estabelecimento das populações antigas da
Guiné durante os séculos VII e XI. Contudo, essa cidade só estabeleceu sua prima-
zia religiosa e política na segunda fase de concretização das populações iorubanas
nesses territórios, ocorrida entre os séculos XIV e XV, quando foi desenvolvido nessa
cidade um governo monárquico com poder fundamentado em uma “origem divina”:


evidências arqueológicas vindas de Ile Ifé, principalmente suas es-
culturas de terracota e latão, que estão associadas a cerimônias da
realeza divina, nos encorajam a acreditar que Ile Ife foi um centro
antigo dessa forma de monarquia. Sendo assim, é possível que Ile
Ife tenha sido o primeiro lugar entre os iorubás a utilizar essa ins-
tituição de realeza e que de lá ela tenha se espalhado para outros
estados iorubás. (Law, 1973, p. 211).

Figuras 18 e 19 - Cabeça em terracota (esquerda) e cabeça em cobre (direita) provenientes de Ifé.


Fontes: FA2010 Head, possibly a King. 2009. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?crud=12759365. Acesso em 23 mar. 2022. / Ukabia, Ife Kings Head. 2008. 1 fotografia.
Disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4438412. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Do lado esquerdo temos a fotografia de frente da cabeça de um monarca de Ifé
com uma coroa esculpida em terracota, enquanto à direita a fotografia de perfil de outra cabeça com
pescoço de um monarca dessa mesma cidade iorubana produzido em cobre.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

E desse modo, segundo as tradições iorubanas, o primeiro rei de Ifé teria sido
Odudua, uma das divindades primordiais dos iorubás, cujos filhos e netos depois
se tornariam os primeiros monarcas das outras cidades iorubanas. E assim, tanto
a mitologia, como a história dos iorubás, apontam para Ifé como um ponto de
difusão religiosa e de legitimidade política na região” (OLIVA, 2005, p. 158).

Figura 20 - Monumento em homenagem a


Odudua.
Fonte: Ayeni, P. Oduduwa groove where
Oduduwa is believed to have descended. 2017.
1 fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=60788780.
Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Foto do ponto histórico


onde Odudua, em que foi erigida uma estátua
ao lendário progenitor dos iorubás, segurando
uma corrente na sua mão esquerda, que usou
para desembarcar em Ifé, além de um cetro em
sua mão direita e uma galinha d’Angola a sua
frente, que segundo a tradição lhe auxiliou na
criação da Terra. Na base da estátua que está
na cor marrom, está escrito em destaque, na
cor amarela “ODUDUWA”. Atrás da estátua há
galhos com folhas verdes de árvores.

Contudo, entre as cidades-Estado iorubanas foi Oyó quem desenvolveu um im-


pério muito bem sucedido, pois se apresentou enquanto uma força política da
África Ocidental entre os séculos XIII e XIX. Esse império reuniu uma espécie de
federação de cidades iorubás sob a capital Oyó e a partir do século XVI cresceu,
até tornar-se o Estado politicamente mais importante da região do oeste africano,
sob a força militar sobretudo de sua cavalaria.

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UNIDADE 2


ge
r
Nigéria
Borgu ió
-O
Ilú-Oba Oió O ud
Nupés

o mé Oió
Da Ouó
dá Ifé
Gana Ala
Benim (Edo)

Figura 21 - Mapa do Império de Oyó.


Fonte: Rollebon. Oyo Empire and surrounding states. 2008. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4174822. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa encontramos a localização do Império de Oyó na África Ocidental, en-
tre os rios Níger e o Oceano Atlântico, com destaques para cidades iorubanas de Ifé, Owo, ao sul e mais
para o norte Igbohu e Oud-Oyo, entre as regiões da atual Nigéria, Gana e Benin. Na parte superior, do
lado esquerdo há um pequeno mapa da África, com um retângulo vermelho indicando a localização dos
territórios da África Ocidental apontadas e detalhadas no restante da imagem.

A cavalaria de Oyó, segundo Oliveira (2005) era constituída por cavalos impor-
tados das regiões vizinhas pelos seus ricos comerciantes, já que os equinos não
conseguiam ser reproduzidos em seu território, devido a infestações da mos-
ca tsé-tsé. E graças a essa riqueza comercial, que lhes permitia a aquisição de
instrumentos para uma superioridade militar, os Alafins, imperadores de Oyó,
conseguiam manter sua soberania bélica.
A força bélica e política de Oyó é algo que novamente nos remete às ligações
históricas dos iorubás com as suas tradições e crenças religiosas. Isso porque se
o Oni (espécie de sacerdote rei) de Ifé era descendente de Odudua, o Alafin de
Oyó descenderia de Xangô o orixá da justiça, do trovão e do fogo, que por sua
vez descende também de Odudua. Desse modo, essas autoridades religiosas e

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

políticas, das duas mais importantes cidades iorubanas, conseguiram se colocar


enquanto as principais lideranças entre os demais centros urbanos dos iorubás.
Ainda sobre a proeminência política do Império de Oyó, as pesquisas de-
monstram o quanto a sua rica economia contribuiu para tanto, pois:


Além de manter uma agricultura auto suficiente, assim como boa
parte dos outros povos da região, ela se beneficiou de sua posição
geográfica, acima da floresta, com terras melhor agricultáveis. De-
senvolveu também um grupo de artífices de grande qualidade com
relação à tecelagem e à metalurgia, o que possibilitou o fomento de
importante atividade mercantil. (OLIVA, 2005, p. 162).

O que garantia a riqueza dos seus comerciantes, que importavam como citei há
pouco, os proventos necessários para o poderoso exército de Oyó.
Esse Império foi também um importante centro de comércio escravista e por
isso “sentiu a decadência do comércio atlântico de escravos e se desintegrou em
pequenas unidades políticas na primeira metade do século XIX, até cair sobre
o controle britânico” (SILVA, 2008, p. 107). Contudo, merece ser lembrado por
sua influência e destaque entre as organizações políticas da África Ocidental
estabelecidas por populações iorubánas.
Eu e você iremos agora, conhecer o último grupo etnolinguístico africano
que selecionamos para essa etapa de nosso roteiro por sobre a história africana.
Esse grupo povoou boa parte do continente e também estabeleceu importantes
unidades políticas entre a Antiguidade e a Era Moderna. Prossigamos, portanto,
em nosso trajeto ao encontro do mesmo.

Os bantos – Reino do Congo e Império Monomotapa -Tal grupo etnolinguístico


a qual me referi é o dos bantos. Os bantos integram povos falantes de línguas de
mesma origem que se formou há milhares de anos na região da atual República
Democrática do Congo. No século X a. C. essas populações começaram a migrar
para o centro-sul da África. A partir de então, se originaram vários subgrupos ban-
tos, com diversidade cultural e social.

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UNIDADE 2

3
2

4
Bantoid que não são Bantu
outros Benue-Congo orientais
Benue-Congo ocidentais

Gur (linguagens Volta)

Atlântico

outros: Ijoid e Dogon 1 - ÁREA DA ÁFRICA OCIDENTAL


2 - ÁREA BENUE
3 - ÁREA ADAMAWA-UBANGIAN
4 - ÁREA BANTO

Figura 22 - Mapa e distribuição dos grupos etno-linguísticos da África subsaariana.


Fonte: Monsieur Fou. Niger-Congo map with delimitation. 2011. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15148741. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa vemos a distribuição de diferentes grupos étnicos africanos da África
subsaariana: em marrom, está demarcada a maior área, a do grupo etnolinguístico banto – “Bantu area”
– que predomina por todo o centro sul africano; na área demarcada enquanto “West African Area” (área
da África Ocidental), há a presença dos grupos Kwa marcados em verde limão, os Kru em azul petróleo,
os Senufo em azul claro, os Gur em verde claro, os Kordofan em pink, os Mande em rosa mais claro e os
Atlantic em lilás; na região “Benue”, estão em laranja os territórios Bantoid, em amarelo dos Benue-Con-
go do Leste e em verde os Benue-Congo do Oeste; entre a área Banto e a Benue, em verde claro estão
indicados os territórios Adamawa-Ubangian e em azul de outras populações.

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UNIDADE 2

Entre os bantos, no século XIV teve início a formação de um poderoso reino


de populações falantes da língua quicongo, que ocuparam boa parte da África
Centro-Ocidental, reunindo sob seu domínio diversas províncias. Era o reino do
Congo, que abarcava territórios que hoje fazem parte de países como Angola e a
República Democrática do Congo.

Reino de Loango

Reino de Macoco

São Salvador
Reino de
Caçongo
Reino do Congo
Songai

Reino de Matamba

Reino de Ngola-Ndongo

Joga Casangi
Benguela

Figura 23 - Mapa do Reino do Congo (K. of Kongo).


Fonte: KillOrDie. Kongo Kingdom. 2008. 1 fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=4816371. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa temos os territórios que integraram o reino do Congo na África central,
com destaque em vermelho para a São Salvador (M’bamza Congo antes da colonização portuguesa) entre
suas importantes cidades. Ela está no centro do que está demarcado em preto como o Reino do Congo
(K. of Kongo), enquanto a esquerda estão os territórios das cidades do Songai (County of Songo) e o Reino
de Caçongo (K. of Caçongo), bem como no canto superior do mesmo lado está indicado o território do
Reino de Loango (K. of Loango), abaixo o Reino de Ngola-Ndongo (K. of Ngola N-dongo), de Benguela (K.
of Benguela) e as cidades do Joga Casangi (Country of the Jaga Cassangi), enquanto a direita faz fronteira
com os territórios Dembo Ambuila, o Reino de Matamba (K. of Matamba), Dembo Ambulaça e o Reino
de Macoco (K. of Macoco).

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UNIDADE 2

De acordo com Costa e Silva (2011), nessa região africana os rios eram ricos em
peixe, enquanto na savana havia muitos animais para a caça. Também era um
local próximo a minas de sal e de solo fértil que foi utilizado para o cultivo de
banana, dendê, coco, cola, milho, sorgo, inhame e macunde. As populações ali
estabelecidas criavam animais como galináceos, cabras, porcos e cães. Seu platô
foi cortado por várias rotas comerciais que traziam cobre do norte, da outra
margem do rio Zaire, enquanto das praias do oeste eram provenientes o sal e as
conchas e, do vales do rio Inquisi no leste, eram trazidos panos de ráfia. Riqueza
e prosperidade foram então geradas a partir desse comércio realizado ao longo
dessas rotas que percorriam o reino.
Segundo as histórias tradicionais mantidas ao longo do tempo, o reino do
Congo foi estabelecido entre os séculos XIV e XV pelo rei Nimi Luqueni, que
também aparece em alguns escritos como Antino-Uene, cujo termo antino quer
dizer “rei” ou “juiz”. Esse rei que provinha da região:


ao norte do rio Zaire, em plena floresta, [...] [onde] mandava um
rei, pai de muitos filhos. O mais moço deles, de nome Antino-Uene
[...] ao reconhecer que não tinha qualquer possibilidade de chegar
ao poder, o que muito desejava, resolveu emigrar com os seus para
a outra margem do rio e conquistar as terras que ali havia, reparti-
das entre diferentes senhores ou manis. Esse [...] passou as águas,
invadiu Mpemba Kasi e foi fixar-se numa colina, onde se ergueria
Umbanza Congo, a São Salvador dos portugueses. A população local
tinha um líder [...] Antino-Uene logrou o apoio daquele chefe-sa-
cerdote, casou-se com uma das suas filhas e assumiu o título de
manicongo, o senhor do Congo. (SILVA, 2011, p. 515-516).

Em um reino rico pela sua agricultura, produção de ferro e cobre, comércio de


seu artesanato e de sal, cujas rotas interligavam o litoral, a floresta e a savana, a
autoridade do Manicongo era tanto ritual quanto simbólica. Pois, a sua realeza
era eleita por um conselho de 12 membros, os muissicongos, chefes dos clãs locais.
Desses, 4 eram mulheres, que representavam “o clã dos avós do rei” (MEC Vol V,
2010, p. 653) . Para garantir a cooperação desse conselho e toda uma rede cola-
borativa, o Manicongo recebia os tributos das províncias, mas uma parte ficava
para a estrutura de fiscais e governadores a seu serviço.

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

No rico comércio desenvolvido no reino do Congo eram utilizados como


moeda esses panos de ráfia ou os nzimbos, uma “conchas de olivancilaria nana”
que procedia “das pescarias de uma ilha que fazia parte do reino, a de Luanda”
(MEC Vol V, 2010, p. 653). Sendo que a sua administração abarcava outros “reinos
e microrreinos” próximos, que eram submetidos a uma “interdependência ou
subserviência econômica e militar” (CAREGNATO, 2011, p. 3). Por tudo isso, o
controle desse reino despertou interesses estrangeiros, sobretudo de europeus, a
começar pelos portugueses que chegaram na região no século XV.
Esses estrangeiros sabiam que o controle dessa unidade política levaria a um
predomínio sobre o comércio realizado nos vastos territórios sob seu poderio. E esse
rico comércio, incluía o de cativos escravizados entre a sua numerosa população.
Nesse contexto, algo muito comum como uma disputa sucessória pelo poder
aconteceu em 1506, afinal os reis eram poligâmicos e podiam ter vários filhos,
que acabavam muitas vezes por serem apoiados por diferentes membros do seu
conselho. A referida disputa foi pela sucessão do rei Nzinga Nkuwu e aconteceu
entre os seus filhos, Nzinga Mbemba, que fora convertido ao cristianismo por
meio da presença portuguesa na região e Ampanzu Anzinga, que queria manter
a primazia da religiosidade tradicional do reino.

Figura 24 - Crucifixo do século XVI proveniente


do antigo reino do Congo.
Fonte: Brooklyn Museum. Crucifix (Nkangi
Kiditu). 2011. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=22479610. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia de um cru-


cifixo de metal, com uma representação de
Cristo sendo crucificado e o que parecem ser
fiéis em ambos os lados superiores da cruz e
também na parte de baixo, ajoelhados como
se estivessem orando.

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UNIDADE 2

Nzinga Mbemba saiu vitorioso com o auxílio dos portugueses e ele, que, ao se
converter havia adotado um novo nome, foi então coroado Afonso I do Congo:


Cristão desde 1491 e protetor dos raros missionários antes de 1506,
esse chefe de facção, uma vez rei, transformou rapidamente a Igre-
ja católica em religião de Estado. Seu filho Henrique, como bispo
consagrado em Roma, esteve à frente da Igreja do Congo de 1518 a
1536. (MEC, Vol V, 2010, p. 657).

Figura 25 - Afonso I do Congo


Fonte: Affricoll9. Dom Alfonso I du KONGO.
2019. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=85140633. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem se trata de


uma ilustração desgatada com o tempo repre-
sentando um homem negro em pé, com vestes
tradicionais olhando para o lado direito, com
sua mão esquerda na cintura, próxima a uma
espada pendurada em seu quadril, enquanto
empunha um cetro em direção ao solo com a
sua mão direita. Seus pés estão descalços em
um chão de terra, o cetro tem faixas brancas e
vermelhas, e a espada é branca com detalhes
em vermelho e amarelo. A sua vestimenta é
um vestido branco e azul listrado, com deta-
lhes em vermelho na parte de baixo, faixa ver-
melha na cintura, uma espécie de lenço amare-
lo nos ombros, peito e barriga. Sua cabeça está
com um turbante amarelo com detalhes em
vermelho e uma trança rosa que sai do topo do
turbante e vai até o quadril na parte esquerda
da imagem e outra parte da trança no ombro
esquerdo do homem.

O bispado do Congo que havia sido criado com o apoio do rei Afonso I, logo
ficou sob controle dos portugueses e concomitante cresceu o tráfico de escravos
que era de interesse dos mesmos. O rei tentou controlar e até mesmo abolir o
tráfico, mas não conseguiu. Também a sua descendência numerosa criou duas
facções para a sua sucessão e, assim, uma guerra civil a partir de 1665 enfraqueceu
o reino que virou alvo de invasores. Foi então, que a partir de 1575 os territórios

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UNICESUMAR
UNIDADE 2

que pertenciam ao reino do Congo e que hoje fazem parte de Angola, foram
invadidos e passaram a ser colônia de Portugal.
Outro reino banto de destaque fez parte do contexto da Era Moderna, contu-
do, em territórios sul e orientais da África. Estou falando do Império Monomo-
tapa que floresceu ao longo dos séculos XV e XVIII entre as regiões que abarcam
o atual Zimbábue até o litoral do Índico. Sua origem é atribuída aos xona, grupo
banto que anteriormente havia desenvolvido em parte desses territórios um outro
Estado mais antigo, que ficou conhecido por meio de relatos a seu respeito como
o Grande Zimbábue.

Figura 26 - Ruínas das torres do Grande Zimbábue


Fonte: JackyR. Tower, Great Zimbabwe. 2006.
1 fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=634571.
Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia de um tre-


cho de duas torres com tijolos cinzas, em que
vemos o que resta das torres de tijolos ao fun-
do, onde a torre da esquerda está mais baixo
que o da direita, e em frente às mesmas, al-
guns dos tijolos que caíram com o tempo.

EXPLORANDO IDEIAS

O Grande Zimbábue foi um império comercial estabelecido pelos xona em território afri-
cano que está presente hoje no atual Zimbábue, na região sul africana. Ele existiu entre os
séculos XII e XVI, povoado por agricultores, pastores, artesãos que produziam trabalhos
em cerâmica, esculturas e ferramentas de marfim, além de comerciantes de ouro. Esses
comerciantes foram responsáveis por realizar trocas comerciais que ligavam a costa afri-
cana do Índico ao extremo Oriente, como por exemplo, com a troca de seus produtos com
outros advindos da China. Embora tenha tido seus principais territórios abandonados
antes do século XVI, suas construções em pedras e tijolos tem ruínas sobreviventes que
hoje servem para estudos arqueológicos a seu respeito.
Fonte: Adaptado de https://escola.britannica.com.br/artigo/Grande-Zimb%-
C3%A1bue/481414. Acesso em 05/08/2021.

87
UNIDADE 2

Pesquisas arqueológicas sugerem que a exploração das ricas minas de ferro e ouro
da região e o crescimento do comércio levou algumas famílias entre os xona a se so-
bressaírem e a controlarem as rotas comerciais do território. Desse modo, em algum
momento do século XV, uma dessas famílias passou a utilizar o termo “Monomota-
pa” que se tornou um título, cujo significado é “senhor das minas”. Os seus domínios
abarcavam um número considerável de minas de ouro, o que atraiu comerciantes
de vários cantos do continente africano e de fora dele, como árabes e portugueses.

Figura 27 - Mapa de Willem Janszoon Blaeu (1571-1638) do Império Monomotapa.


Fonte: Blaeu, W. J. Monomotapa Map. 2010. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikime-
dia.org/w/index.php?curid=9029799. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem apresenta um mapa, em que temos os contornos da região sul africana,
com a inscrição “Monomotapa” demarcando a maior parte desse território, que está escrito com as silabas
separadas de cima para baixo, além de caravelas em torno dos Oceanos e em seu canto inferior direito o
que sugerem ser dois homens negros segurando um cartaz entre eles com o título “Aethiopia Inferior vel
Exterior”, além de estar o do lado esquerdo com um arco em sua mão direita e o que está do lado direito
da imagem segurando uma lança.

88
UNICESUMAR
UNIDADE 2

A administração desse Império era realizada em três espécies de instâncias, que


se dividiam entre a capital, a província e a aldeia:


Os mutapa [monomotapa] delegavam sua autoridade aos chefes da
aldeia e da província. Entretanto, parece que os detentores desses
cargos variavam de acordo com as circunstâncias políticas. Nos pri-
meiros anos do Império, apenas parentes mais ou menos próximos
dos mutapa eram investidos nas funções de chefe da aldeia ou da
província. [..] Além dos membros da linhagem real, aqueles, que,
embora não aparentados aos mutapa, tinham contribuído com a
conquista, eram promovidos a cargos de grandes responsabilidades.
Com o tempo, os mutapa sentiram­‑se mais confiantes e seguros de
si; por isso, no século XVII, autorizaram as aldeias e as províncias a
elegerem seus próprios chefes. Na capital, eram assistidos por dig-
nitários de alto escalão, os quais recebiam terras em troca de seus
serviços. (MEC, Vol V, 2010, p. 760).

O Monomotapa, para o controle da fidelidade por parte das autoridades locais,


utilizava-se de alguns mecanismos:


como a obrigação, incumbida aos chefes territoriais, de vir a cada
ano reacender os seus fogos reais na chama original, sendo para
eles uma forma de reafirmar a lealdade ao poder central. Uma vez
por ano, os soberanos mutapa davam ordens a esses chefes para
apagarem seus fogos reais e de rumarem imediatamente para o pa-
lácio do Mutapa a fim de reacendê­‑los. Esse ritual de fidelidade era
igualmente repetido na ocasião da entronização de cada novo mo-
narca mutapa. Quando da morte de um soberano mutapa, a ordem
dada aos chefes territoriais era de apagar seus fogos reais até que um
sucessor fosse escolhido, ao lado do qual deveriam vir reacendê­‑los.
(MEC, Vol V, 2010, p. 761).

Além da religiosidade voltada ao culto de ancestrais da monarquia, havia os ri-


tuais para o favorecimento da agricultura, como o “culto da chuva”, realizados
pelos próprios imperadores.

89
UNIDADE 2

Mas a força ou poder imperial estava fundamentado na cobrança de tributos


que podiam ser pagos em produtos ou em trabalhos realizados a serviço do Es-
tado, como por exemplo, na exploração das suas ricas minas de ouro.
Interferências externas, sobretudo, de portugueses para se infiltrar e conso-
lidar-se no comércio da região, aumentaram as intrigas dos inimigos do Mono-
motapa e ajudaram na sua decadência. Durante um bom tempo o imperador per-
maneceu com seu título, mas a soberania sobre o comércio foi decaindo e o seu
fim gradual aconteceu entre os séculos XVII e XVIII, quando antigos territórios
vassalos foram tornando-se reinos independentes. Contudo, esse reino mítico,
presente em relatos de viajantes estrangeiros como os portugueses, não deixou
de ter sido uma importante unidade política presente na África nos contextos
sobre os quais nos debruçamos em nossa rota por sobre a História da África.

POVOS AFRICANOS QUE ESTUDAMOS E ALGUMAS DE SUAS UNIDADES


POLÍTICAS
Algumas das unidades po-
Localização: líticas que estabeleceram/
época de existência:

África oriental, territórios da Reino de Axum (século V a.C.


Axumitas
atual Etiópia – século V)

Reino de Gana (século VII


África Ocidental, territórios do
Mandingas -século XIII) e Império do Mali
Sahel no entorno do rio Níger
(século XIII – século XV)

Cidades-estado como Ifé e


África Ocidental, territórios Oyó (estabelecidas entre os
Iorubás
do Benin atual e Nigéria séculos VII e XIV), Reino de
Oyó (séculos XIII – XIX)

África central, em territórios de Reino do Congo (século XIV


Angola e Congo na atualidade, – século XVI), Grande Zimbá-
Bantos sul e África oriental em territó- bue (século XII – século XVI) e
rios que abrangem o Zimbá- Império Monomotapa (século
bue e partes da África do Sul XV – XVIII)

Tabela 1 - Povos Africanos que estudamos e algumas de suas unidades políticas / Fonte: a autora.

90
UNICESUMAR
UNIDADE 2

Chegamos ao fim de mais uma parte do nosso percurso por sobre a história afri-
cana e foi possível perceber que os preconceitos que apontam a África enquanto
um espaço uno, sem diversidade e riquezas ao longo da História são inverdades.
Afinal, você deve ter percebido a riqueza de histórias, bem como o dinamismo das
diferentes populações que habitaram e que percorreram a África ao longo do tem-
po. Essas percepções são necessárias para que você possa, enquanto professor de
História, trabalhar com esses contextos da História da África e de suas populações.
É preciso que conheçamos essas dinâmicas para compreendermos o quanto
as migrações internas e as relações políticas, culturais e comerciais entre grupos
étnicos e/ou sociedades estabelecidas por eles dentro e fora do continente afri-
cano ocorreram não só no princípio da vida humana que foi na África, mas ao
longo dos demais períodos da nossa história. Além disso, que embora tais situa-
ções possuem suas particularidades, relativas aos cenários e momentos das quais
fizeram parte, elas se inserem também em conexões globais, cujas dimensões
atingiram diferentes partes do mundo, incluindo aquela à qual nós e os nossos
alunos pertencemos.
Por isso, não deixe de tomar esse nosso trajeto, apenas como uma fase inicial
de demais estudos que permitam a você conhecer e compreender ainda mais
essas dinâmicas das quais as populações e reinos africanos fizeram parte. Por
isso você deve estar em constante pesquisa e diálogo com fontes que tragam as
informações mais atuais a respeito das temáticas a que irá trabalhar, incluindo
aquelas sobre a história africana. Desse modo é que informações precisas e de
forma adequada serão inseridas em sua rotina docente, em uma constante prática
de ensino de História, que envolve também um contínuo aprendizado.

91
Os Mapas Mentais ou Conceituais nos auxiliam a retomar os conceitos e conteú-
dos estudados por nós, assim como a elaborar ideias que posteriormente pode-
remos trabalhar enquanto professores com os nossos alunos, de modo eficiente
e significativo. Por isso, aproveite esse espaço para desenvolver o seguinte Mapa
Mental, com palavras-chave que retomam os conhecimentos que adquirimos a
respeito das populações e dos reinos africanos que estudamos ao longo desta
unidade. Para tanto, aborde:
1. suas origens e características culturais;
2. organização política;
3. relações econômicas;
4. e as questões que envolveram seu auge e declínio.

POVOS E REINOS AFRICANOS DA IDADE


MÉDIA E MODERNA

MANDINGAS MALI IORUBÁS


Gana Origem e Localização: Origem e Localização:
Origem e Localização: Organização política: Organização política:
Organização política: Economia: Economia:
Economia: Auge e declínio: Auge e declínio:
Auge e declínio:

BANTOS MONOMOTAPA AXUM


Congo Origem e Localização: Origem e Localização:
Origem e Localização: Organização política: Organização política:
Organização política: Economia: Economia:
Economia: Auge e declínio: Auge e declínio:
Auge e declínio:
3
A África entre a
Modernidade e a
Contemporaneidade
Me. Karla Katherine de Souza Seule

A passagem da Modernidade para a Contemporaneidade foi palco


de vários acontecimentos marcantes, de processos revolucionários
a grandes guerras sem precedentes. O continente africano não saiu
ileso a vários desses processos e esteve permeado por uma ação di-
reta daqueles que se propunham a “dominar o mundo”. Contudo, o
enfoque nesta parte do nosso percurso sobre a história africana será
justamente voltado para as suas populações e algumas das situações
a que essas estiveram envolvidas durante o início do período Con-
temporâneo e parte do seu desenrolar. Nos concentraremos aqui
nas consequências do tráfico Atlântico de escravos e na reação de po-
pulações africanas a ações imperialistas por sobre os seus territórios,
além de como sua resistência serviu de base para posteriores lutas
por suas independências.
UNIDADE 3

De 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885 aconteceu a Conferência


de Berlim na Alemanha. Sob a organização do chanceler alemão Otto Von Bis-
marck o evento contaria com a participação das principais potências políticas
e econômicas europeias. O objetivo tem tudo a ver com nosso trajeto por sobre
a África, já que a reunião entre os representantes desses países europeus tinha
por intuito um acordo entre eles sobre o que ficaria para quem dos territórios
pelos quais essas potências imperialistas vinham ambicionando e empreendendo
invasões entre o período Moderno e o Contemporâneo. Observe na imagem a
seguir, como é feita uma caricatura de Bismarck e dos representantes dos países
europeus, bem como dos seus “interesses” por sobre o continente africano:

Figura 1 - Caricatura sobre a Conferência de


Berlim de 1885
Fonte: Journal L'Illustration. Caricatura animada
sobre conferencia de Berlín. 1885. 1 fotografia.
Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=16285755. Acesso em
24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem traz dese-


nhos ou caricaturas em preto e branco dos
representantes dos países europeus que fize-
ram parte da Conferência de Berlim. Eles estão
sentados em torno de uma mesa, cujo centro
possui a África representada por um bolo que
está sendo fatiado pelo chanceler alemão Otto
Von Bismarck.

Diante de tal cenário, eu pergunto a você, que participação nesse evento as popu-
lações africanas tiveram, mesmo que por meio de seus governantes ou possíveis
representantes? Será que suas condições e anseios foram levados em conta por
aqueles que o realizaram e dele participaram?
Bom, representantes das populações africanas não participaram ou tiveram
qualquer tipo de reivindicação atendida durante o evento. Basta analisarmos a
própria caricatura feita como uma crítica nesse sentido ao Congresso em Ber-

94
UNICESUMAR

lim. A partilha da África, como um bolo que é repartido entre os imperialistas


europeus e que já vinha sendo pretendida desde o início das Grandes Nave-
gações no século XVI, terminou por acontecer nos anos que precederam esse
encontro. E desse modo, a Conferência de Berlim tinha entre suas principais
funções, justamente a de impedir que os países europeus que estavam a impor
seus domínios por sobre territórios, sobretudo, na África, mas também na Ásia
e Oceânia, entrassem em uma grande guerra entre si e não necessariamente a
de respeitar qualquer tipo de anseio ou situação a que as populações africanas
estivessem vivenciando no momento.
Nesses termos, entre o final do século XIX e o início do século XX, o conti-
nente africano sofreu os intensos efeitos da expansão imperialista, conforme nos
apontam os dados a seguir:


Na verdade, as mudanças mais importantes, mais espetaculares – e
também mais trágicas –, ocorreram num lapso de tempo [...] de
1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase todo
o continente africano pelas potências imperialistas e, depois, pela
instauração do sistema colonial. A fase posterior a 1910 caracteri-
zou -se essencialmente pela consolidação e exploração do sistema.
(UNESCO, 2010, p. 1).

Diante desses fatos, sugiro a você que faça uma pesquisa em termos quantitativos,
pode ser em sites ou livros – até mesmo os livros didáticos da Educação Básica –
que abordem essa temática em específico da partilha da África. Nesses materiais
verifique o território total do território africano sobre o qual a ação imperialista
conseguiu se concretizar.
Feito isso, quero agora trazer o nosso percurso para o objeto de estudo que é o
nosso alvo aqui, a história da África e de suas populações. Afinal, devemos refletir
se o nosso enfoque deverá pontuar a ação dos invasores ou dos africanos diante
dessa invasão dos seus territórios? A primeira opção já é bem conhecida entre os
assuntos e processos históricos estudados por nós desde a Educação Básica até
o Ensino Superior. Por isso, quero que você registre as suas percepções sobre os
dados obtidos em sua pesquisa nos materiais didáticos que tratam do imperia-
lismo na África e que foram selecionados e analisados por você, registrando os
detalhes no diário de bordo a seguir:

95
UNIDADE 3

DIÁRIO DE BORDO

A partir de agora, nós prosseguiremos com o foco na segunda opção da reflexão


feita acima, a de voltar o nosso olhar por sobre uma história da África e dos afri-
canos nesse contexto. Pois, não há como falar de África na Modernidade ou no
período Contemporâneo sem mencionarmos a expansão marítima e, com ela o
tráfico Atlântico de escravos, bem como a ação imperialista por sobre este con-
tinente. Porém, o nosso trajeto será voltado para as reações dos africanos a essas
ações e as consequências advindas desses eventos para a África e suas populações.
O espaço que nos cabe é singelo, mas para que eu e você tenhamos uma com-
preensão geral desses processos históricos que fazem parte da história africana,
iremos dividir essa etapa de nosso trajeto em três partes. A primeira delas será
mais curta e nós iremos falar a respeito do tráfico Atlântico de escravos feito entre
os séculos XVI e XIX, bem como as suas consequências para o continente euro-
peu. Em seguida, nós iremos conhecer alguns dos principais movimentos afri-
canos de resistência diante da expansão imperialista europeia por sobre a África.
E por último, essa etapa de nosso trajeto será finalizada com uma análise geral a
respeito dos processos de independência na África e os desafios que as recentes
nações africanas enfrentam na atualidade. Sem mais delongas, comecemos!

96
UNICESUMAR

O tráfico Atlântico de escravos e suas mazelas na África – A presença


estrangeira em territórios africanos é antiga, principalmente no que se refere aos
contatos comerciais com árabes e também europeus. Contudo, uma efetiva invasão
do interior só se concretizou na contemporaneidade, a partir da ação imperialista.
Até então, tínhamos uma ação europeia, a começar dos portugueses, princi-
palmente na costa ou em territórios mais próximos dela. Entre os séculos XV e
XVIII, a presença europeia na África se limitou a entrepostos comerciais litorâ-
neos, sem um conhecimento estrangeiro mais profundo de seu interior.
Tal presença foi se impondo por força do tráfico Atlântico de escravos que
vigorou do século XVI até o XIX e foi responsável pelo desenvolvimento de rotas
para o comércio de pessoas escravizadas que partia da costa Atlântica da África, com
destino às colônias europeias na América. A partir dessas rotas via Atlântico, desen-
volvidas pela ação expansionista europeia, o tráfico negreiro aumentou vertiginosa-
mente e acabou por representar um comércio sistemático de pessoas escravizadas,
o que resultou em profundas consequências nas regiões em que este era realizado.

Figura 2 - Comércio triangular


Fonte: Hogweard. Triangular trade. 2011. 1
fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=17827742.
Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos um mapa que


apresenta o continente africano cuja costa oci-
dental está destacada em vermelho, a Europa
em verde e a América com destaque para sua
costa Atlântica em azul, na América do norte
o destaque em azul fica no sudeste do EUA,
atualmente o Estado da Flórida, na América
Central o destaque em azul é na ilhas caribe-
nhas e na América do Sul o destaque é na costa
brasileira no Oceano Atlântico. Há um traçado
formando um triângulo no oceano Atlântico,
onde suas vértices ligam os continentes ame-
ricano, africano e europeu.

97
UNIDADE 3

Afinal, embora a escravidão já fosse antiga na África, assim como em outros


lugares, a princípio ela era praticada apenas enquanto um modo de aumentar o
número de mão de obra para o trabalho na terra. Desse modo, ela não era prati-
cada de modo a interferir na composição social em que ela acontecia.
Essa realidade começou a variar, com o passar do tempo, de região para região,
já por meio da expansão do Islã em territórios africanos. De acordo com Pacheco
(2008), o contato muçulmano com Estados escravistas como o Bizantino e o
Persa tornou essa prática naturalizada, sobretudo, porque nos textos sagrados
do Corão ela não é defendida, mas tampouco condenada.
E conforme a expansão árabe-muçulmana cresceu, junto a ela também foi
disseminado um modelo de escravização por onde foi sendo criado “um inten-
so tráfico alimentado por rotas dispersas ao longo da costa da África negra e
de localidades próximas a elas” (PACHECO, 2008, p. 20). Essa escravidão era
justificada como parte de uma Jihad, aonde os não convertidos, os “infiéis”, eram
escravizados e podiam ser vendidos como mercadoria.
Nas sociedades islamizadas da África, tais escravos eram empregados de ser-
viços domésticos a atividades administrativas e até mesmo em serviços militares.
Mas ainda que esse modelo de escravidão tenha sido uma prática importante, não
era algo essencial nessas sociedades em que ele fora empregado. No entanto, con-
tribuiu para que aqueles reinos submetidos à expansão árabe que o praticavam, se
tornassem grandes fornecedores de escravos dentro desse “comércio de humanos".
E foi então que o tráfico Atlântico de escravos, desenvolvido pelos eu-
ropeus, com proporções muito maiores que o comércio de escravos praticado
até então em território africano, terminou por associar as populações africanas
submetidas a escravidão com mercadorias que poderiam ser vendidas, trocadas,
alugadas, etc. Ou seja, elas foram objetificadas e um estigma de cor se deu nesse
processo, já que se tratavam de populações negras, sendo que a justificativa para
tais noções, se dava em conjunto com a construção de uma imagem de inferio-
ridade do continente africano e daqueles que o habitavam.

98
UNICESUMAR

Figura 3 - Inspeção e venda de um escravo


africano
Fonte: Mayer, B.The inspection and sale of a
Negro. 2011. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=16082204. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem demonstra


uma gravura em preto e branco, que retrata a
inspeção e a venda de escravos. Em seu canto
esquerdo está o que parece ser um traficante
de pessoas em situação de escravidão advin-
das da África. Trata-se de um homem branco,
sentado em cima de caixotes com um cigarro
em sua mão esquerda, observando outro ho-
mem branco de pé no centro da imagem, que
parece estar inspecionando um rapaz negro
que também em pé, ao que tudo indica, poderá
ser adquirido como escravo. Ao mesmo tempo,
no canto direito da gravura há dois homens
que parecem ser comerciantes nativos, ambos
segurando espingardas, conversando com ou-
tro homem branco, enquanto um homem ne-
gro os observa.

As regiões para o abastecimento desse comércio de escravos via Atlântico eram:


área de Angola e do Congo (até quase o final do século XIX); Costa
dos Escravos (Golfo de Benin, do final do século XVII até Século
XIX); Costa do Ouro (do início do século XVIII até o seu final); baía
de Biafra (centralizado no delta do Níger e do rio Cross). Outras
regiões tiveram menor participação em épocas diversas como: do
rio Bandana; costa perto do planalto de Futa Jalom; portos próximos
onde agora ficam Morávia e Freetown; e a região da Senegâmbia
com conexão com o interior muçulmano. (PACHECO, 2008, p. 27).

99
UNIDADE 3

Figura 4 - Principais zonas de abastecimento de escravos para o comércio Atlântico


Fonte: Gaba, E. Map depicting major slave trading regions of Africa African continent. 1 fotografia. Dis-
ponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=14652878. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem trata-se de um mapa em que temos o continente africano representado
em amarelo e o oceano em azul, com apenas as principais regiões em que o tráfico Atlântico de escravos
partia na costa africana coloridas, sendo elas: a Senegâmbia em marrom, Serra Leoa em mostarda, a
Costa dos escravos (Windward Coast) em azul, Golfo do Benin em vermelho, Golfo de Biafra em verde e a
África Centro-Ocidental em verde musgo. Há uma legenda no canto inferior esquerdo dentro de um box
branco, que segue a ordem das cores e territórios descritos anteriormente. As cores estão em retângulos
pequenos na legenda.

100
UNICESUMAR

Nos locais acima referidos, o principal alvo entre as populações africanas eram
os homens e jovens. Para o fomento desse tráfico humano, cada vez mais aqueles
nele inseridos procuraram meios de escravizar pessoas e com o emprego cada
vez maior de violência.
Conforme explicou Redker, a longa prática desse modelo de escravidão resultou
em números exorbitantes, para essa que foi a maior diáspora humana da história:


O drama épico se desenrolou em inúmeros cenários, num longo
espaço de tempo, tendo como protagonista não um indivíduo, mas
antes um elenco de milhões. No decurso de quase quatrocentos anos
de tráfico de escravos entre o fim do século XV e o fim do XIX, 12,4
milhões de pessoas foram embarcadas em navios negreiros e trans-
portadas pela chamada Passagem do Meio, cruzando o Atlântico
rumo a centenas de pontos de distribuição espalhados ao longo de
milhares de quilômetros. (REDKER, 2011, p. 12).

O referido autor ainda pontua que muitos já morriam pelo caminho, no trajeto
por terra entre os territórios em que foram capturadas até os chamados “navios
negreiros” onde eram transportados para a América. Uma parcela que segundo
Redker (2011), podia variar de um décimo a metade dos cativos. Já nos navios
de transporte também conhecidos, não à toa, enquanto “tumbeiros”, cerca de 1,8
milhões das pessoas que compuseram essa diáspora africana, não chegaram aos
seus destinos finais, pois morreram pelo caminho amontoadas e encarceradas em
seus porões, sem alimentação, água suficiente e higiene adequada, tendo assim
seus corpos jogados ao mar.

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UNIDADE 3

Figura 5 - Cartaz da Regulamentação de Navios Negreiros Britânicos estabelecida em 1788


Fonte: Icke, I. Slave ship poster. 2007. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=2203871. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos no cartaz o desenho de uma embarcação britânica destinada ao tráfico de
escravos. Ao todos há sete desenhos na imagem e textos em inglês. No título acima está escrito "A estiva
do navio negreiro britânico está sujeita ao comércio de escravos regulamentado". Logo abaixo está escrito
"Lei de mil setecentos e oitenta e oito". Acima à direita temos um texto em inglês em tamanho pequeno
onde não é possível a leitura, assim como algumas palavras dentro dos desenhos do navio.
Abaixo do título, temos a figura um, onde é um desenho da lateral do navio onde é possível ver seu
interior e seis pessoas pretas espalhados, alguns sentados e outros agachados. No segundo desenho
temos o título "Planta do convés inferior com o armazenamento de duzentos e noventa e dois escravos
sendo cento e trinta destes sob as prateleiras conforme mostrado nas figuras três e cinco." Logo abaixo
temos a figura dois, com o navio visto de cima com várias pessoas pretas deitadas em várias posições
usando um pano na região do órgão sexual. Abaixo temos escrito "Plano mostrando o armazenamento
de 130 escravos adicionais ao redor das alas ou laterais do convés inferior por meio de plataformas ou
plataformas (à maneira de galerias em uma igreja) os escravos arrumados nas prateleiras e abaixo deles
têm apenas uma altura de dois pés sete polegadas entre travessas e muito menos sob as travessas.
Veja a figura um". Abaixo temos o desenho do navio vista de cima de outros compartimentos do navio.
Nas laterais e do lado direito há várias pessoas pretas deitadas. No centro, há três partes divididas: na
esquerda está escrito "mulher", no centro, em espaço menor está escrito "meninos" e na direita estão
escritos "homens". Abaixo temos quatro desenhos pequenos, as figuras quatro e cinco estão no canto
inferior esquerdo, onde tem um corte transversal do navio, que mostram uma perspectiva de frente no
navio onde é possível observar pessoas pretas deitadas em "andares".
As figuras no canto inferior direito mostram compartimentos pequenos do navio com pessoas pretas
deitadas entre a cabine do capitão à esquerda e o espaço onde fica a tripulação do navio à direita.

102
UNICESUMAR

O resultado dessa tragédia segundo as conclusões de Redker com base nos dados
por ele levantados, é que dentre:


todas as etapas – captura na África, Passagem do Meio, início da
exploração na América –, cerca de 5 milhões de homens, mulheres
e crianças morreram. Outra maneira de considerar a perda de vidas
é afirmar que se escravizaram cerca de 14 milhões de pessoas para
se obter um “rendimento” de 9 milhões de trabalhadores escravos
atlânticos com sobrevida maior. (REDIKER, 2011, p. 13).

Sob a espreita de tal cenário, um imaginário preconceituoso da África e de suas


populações foi sendo consolidado e utilizado para justificar não só a sua escraviza-
ção, mas depois, a ação imperialista por sobre o seu continente. Esse foi pautado até
mesmo por teorias ditas científicas como o racionalismo e nas informações obtidas
pelas fontes ou escritos dos viajantes e missionários europeus que adentravam as
fronteiras africanas para essa primeira exploração dos territórios da África.

O Imaginário Europeu sobre a África


Você já parou para pensar o quanto o imaginário europeu
sobre a África repercutiu para além de ideais compartil-
hados no Ocidente a respeito desse continente, mas que
também foi responsável por impactos diretos por sobre
as populações africanas. Por isso, convido você a seguir
comigo em uma análise em torno desse imaginário a partir
da observação de como a cartografia europeia represen-
tou o continente africano da Antiguidade ao início da Era
Contemporânea. Como no exemplo acima, do mapa do
viajante holandês Guilherme Blaeu que data do século
XVII, verificaremos como os traçados estrangeiros da África
podem remeter a noções preconceituosas construídas ou
até mesmo reforçadas nas produções desses viajantes que
percorreram a costa africana, sobretudo em tempos da
expansão marítima europeia e do início da ação imperialista
no continente.

103
UNIDADE 3

Figura 6 - Mapa da África de Guilherme Blaeu (1644)


Fonte: Blaeu, W. Africæ nova descriptio. 1635. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikimedia.
org/wiki/File:Africa_1635,_Willem_Janszoon_Blaeu_(3805125-sheet1-recto).jpg. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem trata-se de um mapa de do viajante holandês Guilherme Blaeu, datado
do ano de 1644, em que o mesmo fez um traçado do continente africano, representando os contornos do
continente, com a Europa na parte de cima e animais da fauna africana como elefantes em seu centro.
Há desenhos embarcações europeias nos mares em seu entorno - Mediterrâneo, nomeado “Mare Medi-
terraneum”, ao norte entre a África da Europa, o Atlântico a noroeste nomeado “Mare Atlanticum”, ainda
do lado oeste mais abaixo o Atlântico está nomeado de “Oceanus Aethiopicus”, enquanto na parte leste
o Índico aparece com o nome “Oceanis Orientalis”. Ao redor do mapa foram apresentados desenhos em
colunas do lado esquerdo e direito, que representam povos africanos e acima na parte superior do mapa
há uma fileira de desenhos com a vista área de nove cidades africanas que possuíam à época fortalezas
europeias ou entrepostos comerciais, sendo elas: Tanger (Tânger), Cevta (Ceuta), Alger (Argel), Tvnis (Túnis),
Alexandria, Mozambique (Moçambique), S. Georgius della Mina (Castelo de São Jorge) e Canaria (Canárias).
Esses detalhes podemos ver utilizando o zoom no link do wikimedia commons.

Para as regiões africanas inseridas nesses mais de trezentos anos de um tráfico


exorbitante de parte de sua população, o saldo foi extremamente negativo. Entre
os efeitos adversos temos em especial as dificuldades de desenvolvimento, graças
a constantes conflitos gerados entre as suas populações e as organizações sociais e
políticas que elas possuíam – algumas abordadas em uma fase anterior do nosso
trajeto por sobre a história africana – dada a crescente procura por capturar pes-
soas e escravizá-las, já que se tornou uma prática “lucrativa”, sobretudo, porque a
“mercadoria” humana era trocada especialmente por armas de fogo, então:

104
UNICESUMAR


Grupos maiores que adquiriam armas e pólvora muitas vezes se
tornavam Estados fortes, centralizados e militaristas, que usam as
armas de fogo para subjugar seus vizinhos, os quais, naturalmente,
forneciam o próximo comboio de escravos a ser trocado pelo próxi-
mo engradado de mosquetes. Nas áreas onde o tráfico de escravos se
fazia de maneira mais extensa surgiu uma nova divisão do trabalho
em que se especializaram as tarefas de captura, manutenção e trans-
porte de escravos. O número de escravos capturados e a importância
da escravidão como instituição nas sociedades africanas aumenta-
ram com o tráfico de escravos Atlântico. (REDIKER, 2011, p. 87).

Além disso, nesses territórios o desenvolvimento também foi prejudicado por


uma falta de mão de obra disponível, especialmente masculina, que fora subju-
gada a esse tráfico de escravos.
Enquanto isso, tanto para os negros africanos remanescentes quanto para os
seus descendentes aqui na América, um legado de preconceito racial os colocou
de forma equivocada e não por isso, menos odiosa, enquanto pertencentes a uma
população inferior entre as demais civilizações humanas. Isso porque nesse longo
processo abordado aqui, muitos africanos estavam submetidos a servir “senhores”
brancos em trabalhos subalternos e em condições subumanas.
Tais situações seriam então retomadas e reforçadas no início da Era Con-
temporânea com a ação imperialista na África. E é sobre isso que voltaremos
a nossa trajetória a partir de agora. Vamos lá?!
Resistências africanas diante das ações colonizadoras – Como salientei
no início dessa fase de nosso percurso, é impossível falar da África na Era Con-
temporânea sem abordar os efeitos da ação imperialista sobre esse território.
Pois, se o tráfico Atlântico de escravos gerou muitas mazelas a tal continente, o
imperialismo também foi carregado de efeitos nocivos. Comecemos então por
falar dessa ação, para então observarmos as reações a ela.
No século XIX enquanto alguns países europeus passavam por uma intensa
industrialização, e por isso buscavam fontes de matérias-primas e mercado con-
sumidor para os seus produtos, as colônias que alguns deles possuíam aqui na
América estavam alcançando a sua independência. Nesse contexto, o foco de uma
ação neocolonialista foi transferido para o continente africano e especialmente
de 1880 a 1810 as suas populações sofreram os intensos efeitos desse processo
que ficou conhecido enquanto uma expansão imperialista europeia.

105
UNIDADE 3

A busca por produtos africanos ao longo da Era Moderna levou a uma roedu-
ra do continente, mas conforme o comércio de um dos seus principais produtos,
mão de obra escrava, decaía no início da Era Contemporânea, em contrapartida
acontecia um aumento concomitante da expansão europeia no interior da África.

Figura 7 - Comparação da divisão política da África nos anos de 1880 e 1913.


Fonte: Somebody500. Comparison of Africa in the years 1880 and 1913. 2014. 1 fotografia. Disponí-
vel em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37125742. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos o mapa da África com a presença europeia assinalada em mil e oitocentos
e dez do lado esquerdo, com boa parte da costa ocidental e oriental africanas sob ocupação europeia
assinaladas em várias cores, enquanto esta pouco se fazia nos territórios do interior que aparece em um
único tom de cinza, indicando estarem livres da presença de alguma força militar ou política da Europa.
Já no lado direito, temos um mapa de mil novecentos e treze mostrando a ocupação por diferentes paí-
ses europeus de territórios na África, entre eles: Reino Unido, com a maior parte dos territórios, tanto
na África Ocidental, quanto no sul e na região Oriental do continente, assinalados em rosa; seguido de
territórios franceses em azul, principalmente no norte da África e na África Oriental; Na sequência os
territórios de Portugal na África centro-Ocidental e Oriental em verde; Uma pequena porção de território
na África Ocidental marcado em ocre, como pertencentes a Espanha; Outra estreita faixa de terra na
África Oriental destacada em vermelho, como pertencente a Itália; Mais algumas pequenas possessões na
África Ocidental, depois outras maiores na África central, no sul e na região Oriental, em cinza, assinaladas
como territórios alemães; e por último, no centro da África em lilás, uma faixa significativa de territórios
ocupados pela Bélgica. Enfim, estão a Libéria em azul claro na África Ocidental e a Etiópia em amarelo
na África Oriental, enquanto os únicos territórios africanos livres da interferência imperialista europeia.

106
UNICESUMAR

Uma partilha da África foi sendo conduzida por potências imperialistas euro-
peias, como mencionamos acima, entre os anos de 1880 e 1910. Sendo que, nesse
ínterim, para evitar conflitos ou guerras envolvendo-as é que foi convocado pelo
chanceler alemão Otto Von Bismarck em 1884 e 1885, o já também citado Con-
gresso de Berlim, que terminou por os representantes dessas mesmas potências
europeias determinarem os limites das suas ocupações por sobre os territórios
africanos que vinham invadindo.
Tais ações despertaram reações por parte das populações africanas e focos
de resistência ocorreram por todo o continente. E é sobre eles que lhe convido a
tratarmos a partir de agora.
Essa resistência se fez por meio de variadas revoltas:


alguns movimentos populares cresciam na África ainda no século
XIX, lutando contra o domínio colonial. Era uma forma de resposta
a questões como a Conferência de Berlim (1885), onde os países
europeus estabeleceram suas posses territoriais com a partilha do
território africano. [...] desconsiderando sua organização social,
costumes, crenças, enfim, sua cultura e territorialidade. (SUZUKI;
SANTOS; MENEZES; 2015, p. 121).

Podemos verificar vários exemplos nesse sentido, em todas as regiões do con-


tinente. Começarei pelo norte, relembrando junto a você a luta da população
argelina, liderada por Abd-el-Kader entre os anos de 1834 e 1847, que se tratou
de uma longa e contínua reação à dominação francesa na região. Esta, só foi der-
rotada após o enfraquecimento de seus aliados vizinhos (sultanatos do Marrocos
e Tunísia). Contudo, esse movimento de resistência africano é lembrado até hoje,
assim como seu líder enquanto um herói nacional.

107
UNIDADE 3

Figura 8 - Foto de Abd-el-Kader


Fonte: Carjat, E. Abd el Kadir. 1865. 1 fotografia.
Disponível em https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=4430069. Acesso em
24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia em preto e


branco de Abd-el-Kader, líder das revoltas rea-
lizadas pela população argelina contra a pre-
sença francesa em seus territórios, na primeira
parte do século XIX. Ele aparece com uma ves-
timenta branca, com turbante na mesma cor,
possui barba preta, algumas faixas e símbolos
de condecorações em seu peito.

Ainda no norte da África tivemos a Revolta de Urabi, entre 1860 e 1882. Esta
ocorreu na região do Egito, enquanto uma reação de suas populações contra a
dominação francesa e britânica na região. Tais potências imperialistas exerciam
sua dominação por meio da cobrança de dívidas ou empréstimos feitos aos seus
governantes locais. Além disso, colocavam em jogo o apoio a esses líderes polí-
ticos desde que lhes fossem subservientes. Tais imposições geraram esse intenso
movimento nacionalista, que contou entre suas lideranças com o coronel Ahmed
Urabi. E embora derrotada, também foi um prolongado conflito que deixou suas
marcas entre os focos de resistência africana ao imperialismo europeu.
Figura 9 - Revolta de Urabi
Fonte: The Illustrated London News. Anglo-
-Egyptian War. 1882. 1 fotografia. Disponível
em https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=36702105. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Ilustração demonstra o


exército de revoltosos, cujo maior número está
a pé empunhando suas armas, onde homens
estão vestidos com calça e jaqueta branca
militar com fez ou tarbush na cabeça, que é
um chapéu vermelho, com barbantes pretos
fino saindo do topo do fez, enquanto no cen-
tro temos um membro do exército rebelde a
cavalo. Ao fundo, no canto superior esquerdo,
um rebelde parece liderar o movimento empu-
nhando com sua mão direita para o alto uma
espada, enquanto do outro lado há dois solda-
dos, vestidos com roupa militar e chapéu bege,
vindo ao encontro dos rebeldes.

108
UNICESUMAR

Na África Ocidental tivemos, entre as marcantes formas de resistência armada,


duas revoltas feitas pelos madistas sudaneses, a primeira entre os anos de 1881 e
1884, e a segunda entre os anos de 1900 e 1904. Essa região vinha sob o foco do
domínio egípcio, mas com o domínio britânico sobre o território desse inimi-
go conterrâneo, os madistas passaram a reagir também ao imperialismo europeu.

Figura 10 - Revolta Madista


Fonte: Woodville, R. C. Bataille d'Ondurman.
1898. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=8258488. Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Trata-se de uma tela


colorida retratando um conjunto da cavalaria
egípcia e britânica ao lado esquerdo, cujo uni-
forme é bege e chapéu na mesma cor, sendo
que a mesma enfrenta a cavalaria de madistas
sudaneses à direita, que lhes lançam flechas
com seus arcos e estão utilizando armadura,
vestimentas e capacetes metálicos.

Na mesma região houve uma resistência que ficou marcada pela existência de
um exército feminino, que causou forte impressão nos europeus invasores, nesse
caso, franceses. Estou me referindo a resistência dos Fon, um numeroso grupo
etnolinguístico da África Ocidental, que a partir do século XVII estabeleceram
nos territórios do atual Benin, o poderoso Reino do Daomé.
O Reino do Daomé havia sido formado pela junção do povo Aja com po-
pulações locais que deram origem ao grupo étnico dos Fon e possuía antigas
rivalidades com o Reino Iorubá de Oyó, além de tentar se impor as dificuldades
que o tráfico Atlântico de escravos vinha impondo na África Ocidental, desde o
início da Era Moderna. Desse modo, os fundadores do Daomé:


tentaram implementar um novo sistema político capaz de escapar às
tormentas da época. Rejeitaram a concepção tradicional do Estado,
que era considerado como uma versão estendida da família, e a

109
UNIDADE 3

compararam, dê preferência, a um pote perfurado, simbolizado pelo


rei. Para que o pote perfurado pudesse conter a água, cada cidadão
devia estancar um buraco com seu dedo, ou seja, devia fundir-se in-
teiramente em um Estado absoluto. Foi o obstinado desenvolvimen-
to dessa ideia de um Estado forte e centralizado, com um monarca
absoluto, ao qual se devia uma fidelidade igualmente absoluta, que
distinguiu o Daomé dos outros Estados. E foi assim que tal reino
pôde sobreviver ao tráfico, aos ataques do Oyo e, pouco a pouco,
dominar os Estados vizinhos (MEC/Vol V, 2010, p. 525).

Figura 11 - Mapa do Reino Daomé


Fonte: Pymouss. Royaume du Danhomè. 2018.
1 fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=65939139.
Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: O mapa tem enfoque


nos territórios entre o atual Benim em verde
claro, que ficam entre Togo à esquerda e Nigé-
ria á direita representados em verde mais es-
curo, com destaque em vermelho em formato
oval na vertical na parte de baixo e no centro
do mapa, que ficam as regiões que inclui as
cidades de Abomei e Uidá, território do antigo
Reino do Daomé.

110
UNICESUMAR

Tal Reino possuía entre os seus exércitos um composto apenas por mulheres, que
os invasores europeus chamaram “amazonas do Daomé”, em referência às míticas
guerreiras da Grécia Antiga. Estas mulheres guerreiras, entre os Fon eram cha-
madas de as Ahosí “que significava de forma generalizada todas as esposas do rei”,
além de “mino , que também representava as mulheres palacianas” (SUGUIAMA,
2018, p. 14) ou ainda traduzido enquanto “nossas mães”.

Figura 12 - Regimento de Ahosí (1890)


Fonte: Alpern, S. B. Amazons of Black Sparta
: The Women Warriors of Dahomey. 2011. 1
fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=15314931.
Acesso em 24 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é de uma


fotografia em preto e branco, datada de 1890,
em que no plano e fundo temos uma fileira de
mulheres (Ahosís) em pé, em sua frente outras
sentadas com um senhor que parece ser uma
autoridade, observando outras duas Ahosís em
treinamento militar empunhando suas espin-
gardas, enquanto mais a frente uma Ahosí ex-
põe para o alto em sua mão direita uma espada
e na mão esquerda o que parece ser outro tipo
de armamento cortante. As mulheres vestem
roupas típicas que parecem um vestido.

Desse modo, a importância das “amazonas do Daomé” ou Ahosi entre seu povo,
era de destaque e de muito respeito, enquanto para os viajantes europeus as des-
crições são de ferocidade, porém, mantém em geral o reconhecimento de suas
habilidades e bravura. Sendo que, na última década do século XIX, quando o
Daomé entrou em guerra com os franceses e, essas mulheres passaram a integrar
uma das principais forças contra esses invasores, acabaram por deixar as suas
marcantes impressões entre os relatos feitos por eles a seu respeito, que apesar
de por fim terem sofrido a derrota e serem exterminadas, permanecem vivas na
história da resistência africana ao imperialismo europeu.

111
UNIDADE 3

NOVAS DESCOBERTAS

A personagem da atriz Danai Gurira, Okoye, é uma Dora Milaje, ou


seja, integra um exército de guerreiras do reino fictício de Wakanda,
que faz parte de vários filmes da Marvel da série Vingadores, bem
como da saga Pantera Negra. Essas guerreiras foram inspiradas nas
Ahosi, as “amazonas do Reino do Daomé”, algo que demonstra que tais
guerreiras não foram apenas significativas no tempo em que seu reino exis-
tiu, mas que permanecem enquanto símbolo da resistência africana e tam-
bém do empoderamento feminino.
Fonte: AMAZONAS do Daomé: O exército de mulheres que inspirou as guer-
reiras de Pantera Negra. History Channel Brasil, 2021. Disponível em https://
history.uol.com.br/historia-geral/amazonas-do-daome-o-exercito-de-mu-
lheres-que-inspirou-guerreiras-de-pantera-negra. Acesso em 25 mar. 2022.

Ainda na África Ocidental, a Revolta Ashanti, em 1900, aconteceu como reação


à dominação britânica na região de Gana, conhecida como “Costa do Ouro” e o
seu comando também coube a uma figura feminina, Yaa Asantewaa. As causas da
rebelião Ashanti teve como foco a deposição por parte da burocracia colonial dos
britânicos, de um grande número de chefes tradicionais das chefias locais. Essas
ações foram vistas por essa população africana como uma violação do caráter
sagrado da realeza, nos planos religioso e cultural, pois entre as exigência do
governo britânico, esteve a de que seu representante se sentasse no Tamborete
de Ouro, o símbolo principal do poder para a nação Ashanti. Este ato causou
a indignação dos Ashanti e levou praticamente todos os Estados importantes,
povoados por esse grupo étnico africano, a enfrentar os ingleses em inúmeras
batalhas sangrentas, debeladas só depois da prisão e deportação da líder.

NOVAS DESCOBERTAS

A Rainha Guerreira Africana que Enfrentou os Colonialistas Britânicos – e Ven-


ceu, é um vídeo feito pela BBC para uma série histórica sobre personagens
marcantes em que conta em alguns minutos a respeito da história de Yaa
Asantewaa e da Revolta Ashanti que esta liderou.

112
UNICESUMAR

Figura 13 - Escultura em homenagem a Yaa


Asantewaa
Fonte: Noahalorwu. Yaa Asantewaa Museum.
2016. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=51876095. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é uma foto-


grafia que mostra o busto esculpido em pedra
de cor marrom, em homenagem a Yaa Asan-
tewa, com os cabelos curtos, um colar e uma
túnica que envolve seu ombro esquerdo.

Na região do Alto Senegal, entre 1898 e 1901, houve outro movimento de re-
sistência africano, este foi organizado pelos Sonike e ficou conhecido como a
rebelião de Mamadou Lamine. O movimento teve por base a crença de que por
revelação divina os muçulmanos, que para tanto recorreram aos textos sagrados
da Suna, estariam proibidos de viver sob uma autoridade não islâmica, portanto,
não poderiam ser submetidos ao governo da França.
O estopim deste conflito aconteceu quando a população foi submetida a tra-
balhos forçados impostos pelo domínio francês para a construção de uma linha
telegráfica e uma estrada de ferro ligando Kayes ao Níger, cujo objetivo era orien-
tar as economias da região enquanto fontes de matérias-primas para exportação,
de acordo a propósito, com os interesses do governo desse país europeu. Essa
revolta também foi derrotada, mas demonstra uma resistência além de cultural,
ainda religiosa, à dominação europeia.

113
UNIDADE 3

Figura 14 - Mapa da localização da Revolta de Mahmadou Lamine


Fonte: Jolle. Mahmadou Lamine resistence to french colonialism until his death in 1887. 2016. 1 fotografia.
Disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=47805720. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é um mapa colorido cujo título da legenda é: “terceira revolta de
Mahmadou Lamine 1887”. Destacado em laranja estão os territórios do Alto Senegal submetidos ao do-
mínio francês, com indicações das regiões em que ocorreram vitórias francesas demarcadas com estrelas
vermelhas. Os territórios com tonalidade de laranja mais claro e listras escuras, são os derrotados após
a morte de Mahmadou Lamine. Em verde estão demarcados os territórios da Gâmbia britânica. Uma
estreita faixa em amarelo que abrange do interior ao litoral Atlântico indica os protetorados ou zonas de
influência francesa. Em azul estão indicados os Estados Djolof, com sobre eles quadrados pretos assina-
lando as fortalezas de Toubakouta.

Assim como as duas últimas revoltas aqui citadas, a Rebelião Maji-Maji na


África Oriental, territórios da atual Tanzânia, envolveu questões de aspecto além
de cultural, especificamente religioso. Ela aconteceu de julho de 1905 a agosto de
1907 e seu principal líder foi Kinjiki Tile Ngwane. Tal revolta se constituiu dentro
da história do colonialismo na África, no mais grave desafio a este, tido até então.
Suas causas estão ligadas a introdução de um modelo de trabalho na produção do
algodão, em que a comunidade chegava a trabalhar vinte e oito dias por ano rece-

114
UNICESUMAR

bendo um pagamento irrisório por isso, além de o modelo de trabalho empregado


alterar e prejudicar a economia doméstica, até então empreendida na região.
Os maji-maji diante disso reagiram e foram contra todo o tipo de cultura
imposta pelos invasores estrangeiros. Para tanto, reuniram cerca de vinte grupos
étnicos diferentes no combate aos alemães pela liberdade. Como conseguiram
esse feito? Kinjikitile, uma espécie de médium da região, recorreu às suas crenças
religiosas – um altar e uma fonte de “água sagrada” - atrelando-as aos princípios
de unidade e liberdade de todos os africanos em relação à opressão estrangeira.
Após intensa repressão por parte dos alemães, a revolta acabou com um saldo de
mortos que estimativas sugerem ter chegado próximo aos 300 mil.

Revolta Maji Maji


Julho/1905 - Julho/1908

Figura 15 - Mapa da África Oriental Alemã


Fonte: Dörrbecker, M. Area of the Maji Maji rebellion. 2016. 1 fotografia. Disponível em https://com-
mons.wikimedia.org/w/index.php?curid=28988260. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é um mapa colorido dos territórios da África Oriental que aparece em
marrom e em uma tonalidade mais clara, os territórios que entre julho de mil novecentos e cinco e julho
de mil novecentos e oito, compunham o que era a chamada África Oriental Alemã (Deustsch-Ostafrika)
e dentro desse espaço territorial, estão realçadas em vermelho as áreas afetadas pela revolta Maji-Maji,
que estão entre as margens realçadas em vermelho, com rios que perpassam o território e com saída
para o Oceano Índico.

115
UNIDADE 3

Também na África Oriental, O movimento Dervixe-Somali de 1889 a 1920,


lutou contra a dominação britânica na região conhecida como “chifre da África”.
Ele foi liderado por um poeta, Mohammed Abdullah Hassan e entre os rebeldes
estiveram líderes de clãs islâmicos e anciãos daquele território, cuja base de identi-
ficação também se fez por meio de sua religiosidade. O longo processo de revoltas
manteve vivo um Estado Dervixe, ainda que móvel, que era contra-atacado por
clãs rivais, instigados pelos ingleses.

Figura 16 - Mapa das áreas de Controle Dervixe entre Outubro de 1901 e Maio de 1902
Fonte: Floathreenn. 1901 - 1902 Darwiish. 2019. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wiki-
media.org/wiki/index.%E2%80%99php?curid=81165399. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: O mapa do “Chifre da África” está em branco, com destaque em verde no centro
para os territórios Dervixe em seu interior, que estiveram sob o controle de seus clãs entre os anos de mil
novecentos e um e mil novecentos e dois: as regiões de Taleh, Halin, Cagaarweyne, Damot, Buuhoodle, Kirit,
Lassader, Gosaweyne, Geladi e Dannood. Ao lado direito, territórios sob o domínio italiano (Italian Hobyo
e Italian Majeerteen), enquanto do lado esquerdo os territórios britânicos da Somália (British Somaliland).

116
UNICESUMAR

Analisando todos esses exemplos de movimentos de resistência ao domínio im-


perialista europeu na África, Leila L. Hernandes observou quanto aos ingredien-
tes culturais e religiosos que deles fizeram parte:


Importa ressaltar que a reação religiosa foi um forte componente
nos movimentos de resistência na África, em particular entre 1880
e 1914. Melhor explicando: nos momentos em que a colonização
se fez perturbadora, a religião em graus diferenciados, cristalizou
a tomada de consciência, organizou o protesto e se converteu em
instrumento de oposição. A violência sofrida, por um lado, e a im-
potência material, de outro, favoreceram o recurso ao sagrado como
afirmação cultural. (HERNANDES, 1999, p. 144).

E nesse contexto, apesar de algumas elites locais se fixarem na crença de que con-
seguiriam barrar as intenções expansionistas europeias, como vinham fazendo
há séculos, por meio da manutenção de relações comerciais com a Europa, agora
a situação era outra e os objetivos dos invasores também:


em 1880, graças ao desenvolvimento da revolução industrial na Euro-
pa e ao progresso tecnológico que ela acarretara – invenção do navio a
vapor, das estradas de ferro, do telégrafo e sobretudo da primeira me-
tralhadora, a Maxim –, os europeus que eles iam enfrentar tinham no-
vas ambições políticas, novas necessidades econômicas e tecnologia
relativamente avançada. Por outras palavras, os africanos não sabiam
que o tempo do livre-cambismo e do controle político oficioso cedera
lugar, conforme diz Basil Davidson, à “era do novo imperialismo e dos
monopólios capitalistas rivais”. (UNESCO, 2010, p. 7).

Tal expectativa por parte de alguns grupos africanos se embasou no fato de na


África muitos povos estarem submetidos a autoridades políticas que não eram
necessariamente as suas, mas sim, de um povo ou grupo étnico rival. Com isso,
se fiavam no ideal de que uma eventual aliança com os invasores lhes possibili-

117
UNIDADE 3

tasse melhores meios de combater o inimigo em comum. Nesse cenário caro(a)


aluno(a), o uso da política “dividir para dominar” foi muito utilizada pelos im-
perialistas europeus, assim como a elaboração de acordos que mantivessem os
interesses das elites locais em troca de sua cooperação.
Todavia, muitos soberanos africanos preferiram lutar até o fim em campos de
batalha para manter a soberania dos seus territórios. E nesse processo conturbado
de dominação e resistência, embora tenham sido implantadas pelos europeus
em alguns lugares obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária, essas tinham
como objetivos principais a assimilação das populações locais à uma cultura
europeia, bem como o escoamento eficiente dos recursos africanos “fossem ani-
mais, vegetais ou minerais, em benefício exclusivo das potências metropolitanas,
principalmente de suas empresas comerciais, mineiras e financeiras” (UNESCO,
2010, p. 15). Ações que ajudaram a gerar um poderoso sentimento anticolonial
compartilhado por diferentes grupos sociais, em meio às populações da África.
Portanto, de forma alguma podemos acusar de passiva a reação das popu-
lações africanas frente ao domínio e colonização de seus territórios. Sendo que
todos esses movimentos revoltosos citados acima e outros cujo espaço não foi
possível que eu e você abordássemos nesse momento, serviram de base para os
movimentos pela independência no decorrer do século XX. E é sobre esses pro-
cessos e a situação das recentes nações africanas libertas a partir deles, é que eu
e você nos voltaremos nessa que será a última parte dessa etapa do nosso trajeto.
Prossigamos então!
Da independência à realidade contemporânea das nações africanas –
Ao nos debruçarmos por sobre o processo de independência na África é preciso
que observemos as situações tanto no âmbito local, quanto global, que fizeram
parte do mesmo. Comecemos pelo primeiro caso. Sendo assim, precisamos pon-
tuar que na África:


As associações e agrupamentos formados pela articulação das as-
pirações nacionalistas foram efetivamente numerosas, e bastante
variadas as estratégias e táticas elaboradas no decurso do período
para concretizá -las. [...]

[...]clubes de jovens, associações étnicas, sociedades de antigos alu-


nos, partidos políticos, movimentos políticos abrangendo um ou
vários territórios (UNESCO, 2010, p. 16).

118
UNICESUMAR

Mecanismos variados que diferentes grupos sócio-culturais africanos buscaram


para se articularem em torno do objetivo comum de vencer o colonialismo euro-
peu em África. Algo que esteve presente nos próprios movimentos de resistência
que os precederam e sobre os quais eu e você voltamos a nossa atenção há pouco.
Já em um âmbito global, após a Segunda Guerra Mundial, esses movimentos
de resistência africana ganharam ainda mais força, porque:


Os africanos que participaram da guerra, esperaram que as “pro-
messas” de transformações mais significativas nos seus países, como
uma autonomia maior sobre as decisões políticas e econômicas,
fossem cumpridas. Como isso não ocorreu, acabaram por insuflar
as populações, que mesmo com concretização da presença força-
da europeia, não estavam inertes e realizavam uma grande linha
de resistência nas suas regiões, fazendo emergir desse contexto o
discurso mais duro, que reivindicava autonomia, independência e
união africana contra os europeus. (MATOS, 2019, p. 79).

A participação desses africanos na Segunda Guerra foi, portanto, extremamente


significativa, já que não fazia sentido para eles terem lutado contra os domina-
dores nazifascistas, se os seus territórios na África estavam sob o domínio dos
aliados para os quais serviram enquanto soldados na guerra.
Foi então, que o processo de independência na segunda metade do século
XX levou a formação de inúmeros países:


Dos anos 50 até o fim da “presença europeia” no continente africa-
no, a luta independentista foi intensa, com o surgimento de vários
movimentos, conflitos e lutas armadas, contra a exploração e inva-
são que ocorriam há tempos em África, e que sempre encontrou a
resistência pelo caminho. (MATOS, 2019, p. 77).

Embora, seja necessário pontuar que com o fim da Guerra, as antigas potências
imperialistas estavam estagnadas, o que tornava ainda mais difícil conter os con-
flitos e o alcance das independências por parte dos africanos.

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UNIDADE 3

Figura 17 - Independências na África


Fonte: Mehmetaergun. Africa independence dates. 2007. 1 fotografia. Disponível em https://com-
mons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1813972. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é composta por um mapa do continente africano, com sua divisão
política atual, apontando as datas em que cada uma das partes ou países da África conseguiram a sua
independência, sendo as regiões: em verde escuro entre os anos de mil oitocentos e quarenta e mil
novecentos e nove; em verde um pouco mais claro, entre os anos de 1910 e 1919; as regiões em verde-li-
mão entre 1920 e 1939; aquelas em verde-musgo foi durante 1940-1949; as em verde-oliva nos anos de
1950 a 1959; aquelas em amarelo no ano de 1960, que são a maior parte do território, do centro, parte
do norte e África Ocidental; as em laranja entre os anos de 1961 e 1969; seguidas das em vermelho que
foi entre 1980 e 1989; já em marrom claro temos assinaladas aquelas independências entre os anos de
1990-2009; e em marrom escuro as últimas, que ocorreram de 2010 em diante. Sendo que, a maior parte
dos territórios demarcados, alcançaram a sua independência no período posterior a 1950.

Como é possível observarmos por meio das informações obtidas no mapa acima,
a maior parte das independências foi alcançada após 1945, ou seja, depois do
final da Segunda Guerra. Encerrado o conflito mundial as lutas pela indepen-
dência se intensificaram, algumas mais curtas, com tratados de paz para encerrar
o mais rápido possível os confrontos, como foi o caso de boa parte das colônias

120
UNICESUMAR

francesas e inglesas. Enquanto isso, em outros locais, especialmente nas antigas


colônias belgas e portuguesas, os processos de luta se fizeram mais longos e com
guerras sangrentas, mas que por fim terminaram com suas populações nativas
alcançando vitória, ou seja, a sua a independência.
Contudo, não podemos nos esquecer de outro conflito a nível global que
tomou o período subsequente à Segunda Guerra Mundial e teve repercussão
no processo de independência na África. Estamos falando da Guerra Fria, onde
as disputas por zonas de influência entre estadunidenses e soviéticos, levou a
vários conflitos internos na África ou reacendeu as antigas rivalidades entre gru-
pos étnicos, sociais e políticos, alguns apoiadores do capitalismo versus os que
aderiram ao socialismo.
Mas essas lutas pela independência em África permeadas por todas essas
questões, sobre as quais eu e você debruçamos nosso olhar até o presente mo-
mento, não conseguiram apagar os efeitos que o colonialismo causou a várias
nações deste continente.
Nesse sentido, devemos assinalar que a colonização causou um desequilíbrio
nas relações sociais entre diferentes populações africanas, que tiveram os seus sis-
temas de organização sócio-política trocados por aqueles impostos pelas suas me-
trópoles colonizadoras. Somou-se ainda, o fato de que durante o período colonial,
muitas etnias rivais estiveram reunidas em uma mesma unidade política o que,
contudo, não significava que elas tivessem entrado em acordo, algo que permaneceu
após as independências da África, cujos recentes países em liberdade herdaram as
antigas fronteiras coloniais. Todos esses fatores tiveram como resultado muitas
guerras civis que assolaram e assolam ainda, algumas das nações africanas.
Além disso, essas fronteiras herdadas do período colonial resultaram ainda na
existência de vários Estados africanos “minúsculos, sem saída para o mar, ou pau-
pérrimos, e que nunca teriam emergido noutro momento histórico” (OLIVEIRA,
2009, p. 95). Sendo que, esses recém Estados independentes passaram a integrar
um contexto mundial, para o qual também não estavam devidamente preparados.
Pois, nós devemos ainda ressaltar que, com o fim da Guerra Fria, outras si-
tuações político-econômicas se apresentaram às diferentes nações que integram
o planeta. E uma dessas situações foi o fato de não existir mais, necessariamente,
um bloco de apoio em um dos dois pólos que durante essa guerra existiu, em que
essas jovens nações pudessem recorrer para vencer os seus problemas econômicos.
Como resultado, esses países ficaram vulneráveis às crises econômicas interna-

121
UNIDADE 3

cionais, que os afetou em cheio graças ao modo como tiveram as suas economias
organizadas durante a colonização e exploração de seus territórios e populações,
de modo a servirem enquanto Estados “dependentes da exportação de matérias-
-primas e com recursos humanos não especializados” (OLIVEIRA, 2009, p. 96).
E com todos esses problemas relativos a fronteiras, disputas internas e exter-
nas, mais uma desigualdade de recursos como terras férteis a acesso ao litoral que
existe entre as diferentes nações africanas da atualidade, o desenvolvimento delas
também acabou por ser destoante e diverso. E como as antigas formas de governo
nativas foram extintas e substituídas por sistemas de governo implantados pelos
países colonialistas, foi retirada de suas populações a liberdade de, bem ou mal,
dirigirem as suas próprias economias, definirem as suas políticas, assim como as
suas relações culturais.
Portanto, o processo histórico do qual a África fez parte na era Contemporâ-
nea foi intenso e certeiro em movimentar as suas estruturas e em lançar muitos
desafios às suas diversas populações nos seus mais variados ambientes. Tais de-
safios têm sido o ponto de partida na atualidade para as jovens nações africanas
avançarem rumo a um futuro, que possa ser de superação desses e de outros
obstáculos que se apresentarem.

Não Romantizemos a Escravidão


Os discursos que remetem a escravidão na América, cujo
principal alvo entre os séculos XVI e XIX foram pessoas
trazidas da África para o nosso continente, em muitos
momentos trazem uma imagem que romantiza, ou seja,
trata o assunto de forma branda ou por meio de aspectos
que subestimam o quão difícil fora esse processo para
aqueles que eram vítimas dele. Este foi repleto de violências
e consequências para os que eram escravizados e para
os territórios de onde eles provinham. Discutimos alguns
desses aspectos por aqui, mas gostaria de convidar você
a conversarmos um pouco mais a respeito dessa roman-
tização em torno da escravidão e o quanto ela mascara as
sua existência bem como os seus efeitos. Aperte o play!!!

122
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

O livro O Navio Negreiro - Uma história humana do historiador


estadunidense Marcus Rediker é uma ótima pedida para os estudos
daquela que foi a maior diáspora humana, o Tráfico Atlântico de Escra-
vos, pois parte de um estudo em torno do seu principal meio de trans-
porte, os "navios negreiros”. Esses meios de locomoção para o tráfico
de vidas humanas nos ajudam a compreender já no início desse processo a
dimensão da crueldade sob a qual se fez esse modelo de escravidão. O livro
foi lançado em 2011 pela Companhia das Letras e com certeza serve como im-
portante mecanismo de estudos dessa temática e seus contextos históricos.

Verificamos ao longo dos percursos por sobre a África ao longo do período


Moderno e início do período Contemporâneo, que muitos eventos estiveram
relacionados a contextos globais com os quais nós estamos acostumados muitas
vezes a deter informações a seu respeito, mas cujo enfoque em torno delas não
aponta a sua repercussão de modo a compreendemos necessariamente o sentido
que tais acontecimentos tiveram no continente africano e a partir do mesmo.
Contudo, para que possamos compreender essas relações e as suas propor-
ções, um conhecimento desses fatores precisa ser melhor estudado e é o exercício
que eu estava propondo a você durante essa etapa de nosso trajeto. Afinal, você
irá trabalhar com essas dinâmicas enquanto professor em sala de aula e como
fazer isso sem contextualizá-las em toda a sua extensão? Você também precisa
estar preparado(a) para desmistificar ideias equivocadas, tanto no que se refere a
escravidão africana praticada antes e a partir do tráfico Atlântico, quanto a reação
dessas populações a interferência estrangeira em seus territórios e sociedades.
Algo que só será possível a partir da pesquisa em torno desses conhecimentos.

123
1. Considere a imagem a seguir:

Tráfico de escravas africanas.


Fonte: United States Library of Congress's Prints and Photographs division. African woman
slave trade. 1792. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=18487320. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na imagem temos uma gravura em que no centro de um navio negreiro, uma
mulher negra está nua, apenas com um pano branco e vermelho listrado cobrindo a parte íntima
pendurada no mastro por uma corda amarrada ao seu pé direito, enquanto um homem branco, de
calças listradas em branco e azul, com um paletó vermelho e chapéu preto, com os cabelos castanhos,
puxa a corda que a está prendendo. E do lado esquerdo está um homem, com uniforme cujas calças
e camisa são brancas e o blazer azul, com peruca branca e chapéu preto, olha para o observador da
imagem sorrindo e empunhando um chicote na mão direita. No fundo, um pouco à esquerda da mu-
lher pendurada, é possível notar três mulheres negras nuas sentadas. Na direita da imagem, há dois
homens com calças listradas, um com paletó azul e outro com paletó marrom, os dois usam chapéus
pretos, o da direita está de costas para o observador e o da esquerda tem sua cabeça voltada para o
homem da direita. No centro e acima, há uma vela de navio acima do mastro. Na parte direita da vela
e um pouco abaixo, há algumas palavras escritas em inglês.

Ela representa uma gravura do século XVIII em que o capitão britânico John Kimber
açoita uma escrava adolescente até a morte, porque ela se recusou a dançar no navio,
sendo que o mesmo não foi condenado por isso. Com base em tais informações e no
que estudamos ao longo desta unidade, explique de que forma a atitude de Kimber
e as consequências se relacionam com o modelo de escravidão realizado a partir do
tráfico Atlântico de escravos.

124
2. Leia o trecho a seguir, a respeito do exército de mulheres do reino de Daomé na
África, que cita descrições feitas pelo viajante inglês Frederick Forbes:

“As ‘amazonas’ também decepavam a cabeça dos inimigos durante os conflitos, sendo
afirmado pela Forbes que elas eram aconselhadas a adotarem essa prática diante dos
soldados rivais. Ao descrever o ritual, Forbes relatou que as “amazonas” dançavam
enquanto assassinavam os inimigos e degolavam suas cabeças. Essa passagem repre-
sentou as ‘amazonas’ como guerreiras altamente cruéis que se divertiam enquanto
decepava as cabeças inimigas.”

Fonte: SUGUIAMA, Danielle Yumi. O Daomé e suas “amazonas” no século XIX :


leituras a partir de Frederick E. Forbes e Richard F. Burton. Dissertação (Mes-
trado em História) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Guarulhos, 2018, p. 98.

O trecho acima aborda um poderoso exército que também realizou movimentos de


resistência a invasões europeias na África, feitas por intermédio dos franceses. De
que modo podemos classificar essa e outras formas de resistência africana ao im-
perialismo europeu segundo as informações acima e o que estudamos na segunda
parte dessa unidade?

3. Observe o cartaz abaixo:

Fonte: Sambourne, E, L. Punch Rhodes Colos-


sus. 1892. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=1765203. Acesso em 25 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem traz uma


caricatura desenhada em preto e branco, do
empresário inglês Cecil Rhodes em pé, vestin-
do um uniforme que os militares britânicos
utilizavam na época, segurando o seu capa-
cete na mão direita, empunhando uma espin-
garda na cintura, com ambos os os braços e
pernas abertas, enquanto pisa em cima do
mapa do continente africano com o pé direito
sobre a região sul e o esquerdo sobre o norte.

125
Nele temos uma caricatura do empresário inglês Cecil Rhodes pisando por sobre o
mapa do continente africano. Ele foi um dos protagonistas da dominação colonial de
seu país em territórios africanos, sendo responsável pela fundação da Companhia
mineradora De Beers e que tentou implantar a construção de uma ferrovia que ligava
o norte ao sul da África.

Faça um comparativo com a representação de Rhodes no continente africano e os


impactos da ação imperialista sobre a África, bem como quais efeitos eles tiveram
mesmo após os processos de independência.

126
4
Imaginário
sobre a África
e Historiografia
Africana
Me. Karla Katherine de Souza Seule

O continente africano é o berço da humanidade e da História do ser


humano no planeta Terra, mas desde quando essa começou a ser
abordada e estudada? E como os percursos que a historiografia ou as
correntes historiográficas sobre a África percorreram? Esses caminhos
serão o trajeto que eu e você percorreremos nessa etapa por sobre a
história africana. Nós iremos conhecer um pouco sobre os relatos a
respeito da África ao longo da História e como eles foram responsáveis
pelo desenvolvimento de um imaginário a respeito desse continente e
de que modo, as primeiras correntes historiográficas fizeram parte da
construção desse imaginário e como as mais recentes desmistificaram
muitos deles. Vamos lá?!
UNIDADE 4

Os relatos sobre a África são antigos e aparecem com a existência de algumas das
primeiras formas de escrita. Contudo, muitos deles foram feitos por estrangeiros
que passaram por esse continente ou foram feitos por aqueles que ouviram os
relatos desses viajantes e assim, desenvolveram suas teorias sobre esse continente.
O filósofo alemão Friedrich Hegel expôs em seus escritos o território africano
como sendo uma parte do mundo sem História:


Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos históricos
próprios dela. Quer dizer que sua parte setentrional pertence ao mun-
do europeu ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente como
pela África é o espírito a-histórico, o espírito não desenvolvido, ain-
da envolto em condições de natural e que deve ser aqui apresentado
apenas como no limiar da história do mundo. (HEGEL, 1995, p. 174).

Afirmações como as de Hegel tiveram muita influência no pensamento e no


tratamento que outros estudiosos e viajantes europeus, de um modo geral, es-
boçaram acerca do continente africano e de suas populações. Foram tratados
como incapazes de qualquer “evolução” ou desenvolvimento, algo que só teria
sido modificado segundo essa forma de pensamento, por meio da conquista e
colonização europeia dos séculos XIX e XX.
Em nosso percurso até esta presente etapa a respeito da História africana, foi
possível que eu e você visitássemos uma pequena parte das inúmeras histórias
que a humanidade produziu e desenvolveu a partir da África, desde os seus pri-
meiros passos no planeta. Desse modo, eu e você podemos perceber que o que foi
colocado por Hegel na citação apresentada há pouco, trata-se de uma antítese e
não a realidade que abrange o continente africano e de suas populações ao longo
da História humana. A diversidade e historicidade africanas extrapolam o próprio
espaço dedicado a eles, com dinâmicas que têm importância local e global, sobre
as quais alcançamos ainda somente algumas em nosso curto trajeto.
Com a promulgação da Lei 10.639 no ano de 2003, em que o ensino de Histó-
ria da África e da cultura afro-brasileira nas escolas se tornou obrigatória, houve
uma derradeira busca por uma historiografia em torno do continente africano, o
que inclusive estimulou a criação de materiais a respeito desse tema, que incluiu
livros didáticos da Educação Básica.

128
UNICESUMAR

Partindo dessas premissas, faça um levantamento em livros didáticos de His-


tória que são utilizados na Educação Básica, do quanto a História da África e
de suas populações aparecem e as abordagens e perspectivas realizadas em torno
das mesmas. Nesse exercício, você pode separar 5 obras de uma mesma ou mais
séries – do 6º ano do Ensino Fundamental até a 3ª série do Ensino Médio. E ainda,
se possível, compare com uma obra anterior à Lei 10.639/03 ter sido promulgada.
A partir dos dados levantados por você, será possível verificar sob quais pers-
pectivas tem sido tratada a história africana em sala de aula. Aponte no diário
de bordo a seguir, quais reflexões podemos fazer a partir do tratamento dado à
História africana nos materiais didáticos analisados por você:

DIÁRIO DE BORDO

Agora eu lhe convido para observar junto a mim como, de modo geral, tem
sido feito os relatos, bem como os estudos sobre a África e suas populações
ao longo da História. Esse trajeto possibilitará que eu e você conheçamos o
modo como as diferentes correntes historiográficas da História africana foram
desenvolvidas e as diferentes perspectivas e suas contribuições para os estudos
historiográficos a respeito desse continente e das suas populações, inclusive
para o ambiente escolar. Comecemos então!

129
UNIDADE 4

Para tanto, eu e você iniciaremos pela observação das abordagens expostas em


alguns dos relatos ou escritos antigos sobre a África e suas populações, analisando
como eles foram construídos, sobretudo por terem sido feitos por estrangeiros.
Afinal, os mesmos foram responsáveis pelo desenvolvimento de um “imaginário”
em torno do continente africano e de seus habitantes desde a Idade Antiga. Em
seguida, nós iremos explorar as diferentes correntes historiográficas que a partir
da organização da História enquanto uma ciência, se voltaram para os estudos
da História africana, para desse modo analisarmos juntos como cada uma delas
contribuíram para os estudos africanos.
Relatos d’África e o desenvolvimento de um imaginário a seu respeito
– Bom, já citamos quando começamos esta etapa do nosso trajeto, que os relatos
sobre a África são tão antigos quanto a escrita. Abrangem esses escritos os de
estrangeiros, sobretudo, europeus e asiáticos que percorreram esse continente
e deixaram por escrito as suas impressões a respeito dele e de seus moradores.
Mas acontece que esses estrangeiros não detinham um conhecimento de
toda a extensão e imensidão do continente africano no que se refere a seu ta-
manho e diversidade de povos e culturas. Eles escreveram assim, apenas sobre
os lugares em que visitaram e as populações com as quais mantiveram contato.
Além disso, em seus olhares e impressões deixaram as marcas de comparativos
com as realidades das quais eram provenientes e desse modo, carregadas de
preconceitos, onde o “eu” (europeu/asiático) era o parâmetro ideal em relação
ao “outro” (africanos), cujas diferenças se estendiam muito além da aparência
física e dos seus costumes.
E desse modo, os nomes que os territórios africanos em seu todo receberam
da Antiguidade à Contemporaneidade foram sendo derivados dessa descrição
externa e generalizante feita por esses viajantes. Pois, como nos esclareceu Silva
(2010, p. 12), “cabe a ressalva de que os nomes e definições que surgiram ao longo
dos séculos para referenciar o continente e seus habitantes são produtos de fora,
forjados por europeus ou muçulmanos”. Uma identidade africana é algo muito
recente, ou seja, a ideia entre as populações africanas de pertencerem a um lugar
comum – a África – é o resultado da resistência ao imperialismo no século XIX
e XX, enquanto as descrições generalizantes a respeito das populações da África
foram resultado dessa existência de visões externas que as classificaram até então.

130
UNICESUMAR

Os árabes muçulmanos, vindos da Ásia em sua expansão do Islã por sobre


os territórios africanos subsaarianos, descreveram tais localidades com seu termo
Sudão, bem como as suas populações enquanto sudanesas, cuja tradução se faz
enquanto uma “terra de negros”. Havia, portanto, uma tendência geral entre esses
estrangeiros – árabes ou europeus – de observar a África e os africanos a partir
de suas características “diferentes” das suas. No entanto, essa tendência não ficou
isenta, pois levou a diminuição desses povos tido enquanto “diferentes”:


Assim, a pele negra, o cabelo crespo e as feições físicas foram os aspec-
tos que, antes de quaisquer outros elementos, em um primeiro contato,
mais chamaram a atenção dos que passaram pelo continente. E desta
maneira, as terras africanas, foram caracterizadas como o habitat de
homens negros inferiores, sendo que a diferença, a crença na superio-
ridade e a dificuldade de entender o outro representam os significados
implícitos impressos nos referidos termos. (SILVA, 2010, p. 13).

Figura 1 - Mapa da África Subsaariana


Fonte: Maphobbyist. Sub-Saharan Africa with borders. 2011. 1 Fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=822543. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na imagem está disposto o mapa do continente africano, com destaque em verde
para a região subsaariana que abrange do centro ao sul da África.

131
UNIDADE 4

Contudo, os árabes já há muito mais tempo do que os europeus vinham estabe-


lecendo contato com populações africanas tanto no norte (região do Magreb)
apontada no Mapa abaixo, quanto no centro sul apontados no mapa acima e,
portanto, seus relatos em meados da Idade Média são muito mais precisos e nos
ajudam hoje a obter informações a respeito desses territórios e suas populações
no período a que se referem.

Figura 2 - Mapa aponta a região do Magreb, considerada a parte ocidental do “mundo árabe”
Fonte: Maphobbyist. Magrib. 2018. 1 Fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/
index.php?curid=701032. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No mapa temos o norte da África, com destaque em verde para o Magreb, na
região noroeste da África. No restante do mapa está na cor cinza, onde também aparece o sul da Europa
e parte do oriente médio, também na na cor cinza. Os oceanos e mares estão na cor branca.

Os europeus – viajantes, missionários, geógrafos, etc. – no transcorrer da Anti-


guidade até a Era Moderna, geralmente chegavam apenas até partes do norte
da África. Por conta desse desconhecimento do restante do território africano,
em seus relatos era comum o uso do termo Etiópia para descrever os territórios
do centro-sul do continente e etíopes para se referir às suas populações, já que o
termo grego Aethiops, significa “terra dos homens de pele negra”.
Esses termos e outras situações fizeram parte desse “estranhamento” presente
nos relatos de europeus sobre a parte da África subsaariana que mal conheciam.
Quanto à dificuldade europeia desde tempos remotos em compreender o outro

132
UNICESUMAR

africano em suas diferenças. A esse respeito, Silva (2010, p. 13-14) nos traz como
exemplo o caso do grego Heródoto, considerado o “pai da História”.
Tal exemplo se refere a forma como um dos primeiros estudiosos da História,
ao falar da África e dos africanos na Antiguidade, os descreve com “um misto
de estranhamento, admiração e desqualificação, através das várias referencias a
Etiópia e aos etíopes”, afirmando que a cor de sua pele era fruto do calor da região
e que os “negros da Líbia” eram o de “cabelo mais crespo que se tinha”, bem como
essas diferenças seriam por conta de o seu habitat ser considerado por Heródoto
como o “mais remoto do mundo”, o que teria inclusive lhes relegado segundo ele,
a uma inferioridade e ausência de civilização.

EXPLORANDO IDEIAS

Quanto às designações europeias para a África ou alguns de seus territórios,


até se chegar a definir o nome atual deste continente, temos o uso recorren-
te de alguns termos. Como aqueles utilizados na Antiguidade segundo o filó-
logo congolês Valentin Mudimbe, para designar o que seriam três partes do
norte da África: Libya, Egito e Aethiopia. O primeiro estaria entre o oeste do Egito antigo até
o litoral do Mediterrâneo e faixas de areia do Saara. O segundo se referia ao Egito faraôni-
co, antes e após esse ter sido anexo ao Império Romano. E o último seriam os territórios
localizados mais ao sul do Egito, que hoje correspondem aos territórios do atual Sudão.
Entretanto, segundo o historiador burquinense Joseph Ki-Zerbo, além do termo latino
Aprica (ensolarado), utilizado pelos romanos para caracterizar sobretudo seus domínios
no continente africano, a expressão grega Apriké (“isento de frio”) também pode ter ser-
vido como base de origem ao nome atual deste continente, já que era bastante utilizada
por europeus do Mediterrâneo para se referir a seus territórios.
Maiores discussões sobre este tema estão presentes no artigo: OLIVA, Anderson Ribeiro.
Da Aethiopia à África: As idéias de África, do medievo europeu à Idade Moderna. Revis-
ta de História e Estudos Culturais. Uberlândia: MG, Outubro/Novembro/Dezembro de
2008, Ano V, Vol. 5, Nº 4.

Em uma situação parecida ao exemplo citado há pouco por Silva (2010), este
mesmo autor nos lembra de um outro autor grego da Antiguidade que se re-
feriu ou fez descrições do território africano, no caso foi o geógrafo e matemá-
tico Ptolomeu. Ele que viveu no norte, na região da Alexandria, fez um esboço
dos contornos da África em sua obra Geografia partindo da premissa de que o
continente “não passaria da região do Equador”, além disso, possuiria um clima

133
UNIDADE 4

“insuportável e responsável pelas deformações e incapacidades físicas dos povos


que ali viviam” (SILVA, 2010, p. 14).
Uma crença de que “aqueles povos situados em zona climática muito seca e
quente [...] seriam desprovidos de organização, de instituições estáveis, de ciência
e de saber, assemelhando-se aos animais” (MACEDO, 2001, p. 104) era, portanto,
recorrente nos registros desses autores, como podemos ver nos poucos exemplos
que aqui analisamos.

Figura 3 - Mapa de Ptolomeu


Fonte: Chierico, F. Ptolemy World Map. 2014. 1 Fotografia. Disponível em: https://commons.wikime-
dia.org/w/index.php?curid=193697. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: O mapa de Ptolomeu demonstra o “velho mundo”, ou seja, os territórios da


Europa e da Ásia que os europeus conheciam, além do norte da África. Na imagem, é possível observar
uma dobra no meio, sendo que na esquerda temos a Europa e abaixo a África.Ele foi reconstituído da sua
obra Geografia em que indica as nações "Sérica" e "Sinas" (China) à direita, além da ilha Taprobana (Sri
Lanca) e a "Quersoneso Áureo" (península do Sudeste Asiático), sendo que no local em que se refere a
África, o continente aparece com contornos mais próximos do real, apenas na sua região norte, enquanto
o centro-sul africano não estão indicados, como se não existissem. Os mares estão na cor azul e as terras
na cor branca, um pouco amareladas devido a ação do tempo.

O mapa acima de Ptolomeu foi desenhado por ele com base no conhecimento
que os europeus tinham do “velho mundo” na Antiguidade. Por isso, o mapa serve
como exemplo da visão predominante entre os europeus desde meados da Idade
Antiga, de que do centro para o sul do continente africano não existiria nada,
pois teria um clima impossível de o ser humano sobreviver:

134
UNICESUMAR


Ideias como o calor intenso e insuportável, as influências causadas
pelo clima nas características físicas das sociedades e a crença que
abaixo do Equador somente criaturas animalescas poderiam sobre-
viver, teriam uma participação chave nas explicações dos teólogos
e geógrafos medievais e nos viajantes do início da Idade Moderna
sobre o continente localizado ao sul da Europa. (OLIVA, 2008, p. 4).

E a partir de então, o modo como esse geógrafo e outros europeus classificaram


a África e os africanos acabaram por influenciar a construção de um imaginário
que permaneceu até o findar da Idade Média, onde:


O clima, além da cor da pele e as características geográficas, eram usa-
das para demarcar as “fronteiras” entre europeus e africanos e desse
modo, explicar suas diferenças físicas e culturais. (SILVA, 2010, p. 14).

Esse imaginário foi complementado com o desenvolvimento de uma cristandade


europeia, que se utilizou de teorias como a teoria camita.

EXPLORANDO IDEIAS

A teoria camita é uma teoria desenvolvida com base na história bíblica dos
filhos de Noé, em que um deles Cam teria desrespeitado a seu pai e como
castigo um de seus filhos, Canaã, foi condenado a ser escravo de seus ir-
mãos Sem e Jafet. E como nos relatos bíblicos a descendência de Noé, a par-
tir de seus filhos teria povoado o planeta, a teoria camita defende que dos herdeiros de
Cam descendem os africanos e que por isso as populações da África estariam relegadas
a servidão dos descendentes dos seus irmãos que povoaram os outros continentes do
Velho Mundo – Ásia e Europa.
O mapa da figura 4 se refere a um Mapa Múndi em que são demarcados os continentes
de acordo com essa descendência, elaborado pelo arcebispo Isidoro de Sevilha que viveu
entre os séculos V e VII, e foi responsável por ajudar a disseminar a ideia em sua cartogra-
fia de que os filhos de Cam seriam os africanos. Maiores informações presentes no artigo:
OLIVA, Anderson Ribeiro. Da Aethiopia à África: As ideias de África, do medievo europeu
à Idade Moderna. Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia: MG, Outubro/
Novembro/Dezembro de 2008, Ano V, Vol. 5, Nº 4.

Tal teoria serviu para justificar uma crença de que os africanos seriam povos
inferiores e corroborar com outras ideias como:

135
UNIDADE 4


de que a cor negra representaria a escuridão bíblica ou a maldade
em seu estágio demoníaco. Esse conjunto de crenças acabou por
reforçar a posição de desprestígio geográfico e cultural que a tradi-
ção greco romana já havia concedido à África, somando, agora, o
elemento espiritual. (OLIVA, 2008, p. 4).

Nesses moldes, conforme pontuou Macedo (2001), os africanos foram enquadra-


dos pela cristandade medieval europeia – e também islâmica – em uma categoria
de povos que faziam parte de uma determinada concepção de mundo que acabou
difundida em obras de cunho enciclopédico e fazia parte dos debates teológicos.
Como no exemplo da figura a seguir, que se refere ao Mapa T e O de Isidoro de
Sevilha, em que os continentes africano, asiático e europeu são esboçados com
referência aos filhos do personagem bíblico Noé, enquanto sendo provenientes
a descendência de suas populações, conforme o que pressupõe a teoria camita.

Figura 4 - Mapa T e O de Etymologiae, enciclo-


pédia compilada por Isidoro de Sevilha
Fonte: Seville, I. T and O map Guntherus Ziner
1472. 2006. 1 Fotografia. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=164605. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem mostra um


mapa medieval, nos moldes do que seria um
Mapa Mundi no formato de “Mapa T e O”, que
foi apresentado na enciclopédia de Isidoro de
Sevilha, Etymologiae e tornou-se um modelo
popular. Nele está presente um círculo maior
e dentro do mesmo um menor em que foram
indicados os três continentes do Velho Mun-
do: acima a Ásia, no canto inferior esquerdo a
Europa e no inferior direito a África. Para cada
um é indicado o nome de um dos filhos de Noé
(personagem bíblico), indicando que seus habi-
tantes descendem dos mesmos: na Ásia, a des-
cendência de Sem; Na Europa, a descendência
de Iafeth (Iafé); e na África a descendência de
Cham (Cam). No centro do círculo central temos
uma faixa em formato de “T” com os dizeres em
latim “Mare Magnum fine Mediterraneum” em
referência ao Mar Mediterraneo que separa os
três continentes.

136
UNICESUMAR

Esse imaginário fundiu a “cartografia de Ptolomeu” a “cosmologia cristã” conforme


explicou Silva (2010) e é aquele que passou a representar – e representa até hoje,
diga-se de passagem – a Europa ao norte, como se estivesse acima e seus territórios
fossem, portanto, superiores aos africanos. Essas situações unidas ao desconheci-
mento do interior e sul da África por parte dos europeus até o início da Modernida-
de, serviu para gerar um imaginário de “Monstros, terras inóspitas, seres humanos
deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos, são denominações muito
presentes nos relatos e descrições dos viajantes e missionários” (SILVA, 2010, p. 15).
Contudo, embora no início do Período Moderno os europeus contornas-
sem o continente africano e desse modo, conhecessem a sua dimensão real e
a presença de populações do centro para o sul desse continente, isso não foi o
suficiente para superar as visões preconceituosas que detinham e que eu e você
conhecemos um pouco seu respeito até o presente momento.

Figura 5 - Mapa do cartógrafo antuérpio Abraham Ortelius de 1570


Fonte: Ortelius, A. Africae tabula nova. 2005. 1 Fotografia. Disponível em: https://commons.wiki-
media.org/w/index.php?curid=43748. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: O mapa do cartógrafo dos Países Baixos, datado do século XVI, mostra os contor-
nos reais do continente africano, rodeado pelos oceanos Atlântico (oeste) e Índico (leste), e duas ilustrações
de “monstros marinhos” no lado oeste. No canto inferior direito temos uma ilustração de caravelas e ainda
na parte inferior central um brasão com contornos no vermelho e amarelo, está com uma frase transcrita
em seu interior “Africae tabula nova”, que do latim significa “novo mapa da África”.

137
UNIDADE 4

Isso, junto ao fato de nesse período os europeus terem desenvolvido um tráfi-


co Atlântico de escravizados africanos, algo que modificou as dinâmicas internas
até mesmo das modalidades de escravidão já realizadas até então em África e que
levou a maior diáspora humana da história, acabou servindo para justificar
tais ações por parte deles. Algo que foi levado para as colônias europeias que
estavam sendo desenvolvidas na América e marcou então profundamente uma
visão Ocidental em torno da África e dos africanos por todo o Ocidente.

Figura 6 - Negociante de escravos em Gorée,


Senegal, no século XVIII
Fonte: Saint-Sauveur, J. G. Slave traders in
Gorés. 2009. 1 Fotografia. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/w/index.
php?curid=7428521. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A ilustração do sécu-


lo XVI tem um homem branco no centro com
roupas ocidentais (casaco vermelho, calças e
sapatos marrons, usando chapéu), que negocia
com um mercador africano à direita, que veste
uma túnica clara e segura uma lança, ambos
apontando em direção a sua frente, enquanto
ao fundo à esquerda temos dois escravos, acor-
rentados pelos pés observando a negociação.
Abaixo está escrito em francês “Mercado de
Escravos de Gorée.

138
UNICESUMAR

Entre os exemplos dessas justificativas para as ações do tráfico Atlântico de es-


cravos encontramos:


no século XV, duas encíclicas papais [que] deram plenos poderes
ao soberano português de se apoderar das terras e escravizar eter-
namente os povos islâmicos, pagãos e os negros em geral. E essa
condição de cativo dos povos negros, veio a contribuir e poten-
cializar os preconceitos e imagens negativas dos africanos. Sendo
que a maioria dos relatos elaborados nos decorrer dos séculos XVI,
XVII e XVIII, seguiam as abordagens de povos inferiores, mesmo, a
despeitos destes, se elevarem a um posição chave nas relações eco-
nômicas estabelecidas pelos europeus com o Mundo Atlântico. E
isso se verifica facilmente com a análise dos diários, memórias e
crônicas dos viajantes ou nos relatórios oficiais elaborados por di-
versos marinheiros, enviados diplomáticos, comerciantes, militares,
missionários e exploradores que percorreram o interior e a costa do
continente entre os séculos XV e XVIII. (SILVA, 2010, p. 16).

Do mesmo modo, no século XIX, início da Contemporaneidade, a ação im-


perialista europeia recorreu mais uma vez a esses imaginários construídos há
muito em torno da África e de suas populações. Agora, para justificar a invasão,
dominação, colonização deste continente e dessa maneira usurpar suas riquezas.
E para tanto, esses mesmos europeus se valeram de justificativas e teorias ditas
científicas, reunidas a “antigos estigmas sobre os africanos”, (SILVA, 2010, p. 20).
Entre as teorias que buscaram embasamento científico para fundamentar es-
ses inúmeros preconceitos em relação às populações africanas e o seu continente,
estão o Determinismo racial, o Evolucionismo Social e o Darwinismo Social.

139
UNIDADE 4

OLHAR CONCEITUAL
O infográfico a seguir aponta as teorias raciais do século XIX e como elas aborda-
ram a existência de diferentes “raças humanas” e ajudaram a classificá-las dentro
de uma escala evolutiva entre as mesmas e as sociedades em que se formaram.
VEIGA, Larissa C. Clemente; VASCON, Luis F. de Castro. A influência das Teorias
Raciais e Eugênicas na produção científica nacional. Revista de Iniciação Científica da
FFC, Marília, v. 19, Nº 2, Jul-Dez de 2019, p. 27 a 34.

TEORIAS
RACIAIS DO SÉCULO XIX

Aplicava a teoria da evolução biológica


das espécies de Darwin, a uma evolução
das sociedades, difundindo a ideia de
que somente os povos e as nações “mais
fortes” sobreviveriam e dominariam
as “mais fracas”.
DARWINISMO SOCIAL

Teoria que classificou as sociedades


humanas em categorias: 1ª bárbara,
2ª primitiva e 3ª civilizada.

EVOLUCIONISMO
SOCIAL

Teoria defendeu a existência de que


havia diferentes raças humanas - branca, negra,
amarela, etc. - e que além disso,
as características físicas dessas
diferentes raças determinariam o caráter
e o comportamento dos indivíduos, defendendo
uma degeneração das raças não brancas
DETERMINISMO e, sobretudo, dos miscigenados.
RACIAL

140
UNICESUMAR

Essas teorias colocaram os povos da África como povos primitivos dentro de uma
escala evolutiva em relação às demais populações do planeta, mas, sobretudo, em
relação à população europeia que vivia um contexto de industrialização e crença
do progresso e que, portanto, se via enquanto a mais desenvolvida.
Expedições colonizadoras haviam sido antecipadas por expedições científicas
ou o contrário ocorria e, então “essas teorias raciais explicariam e evidenciariam
o fato dos africanos serem prova viva do desenvolvimento evolutivo do homem
até o macaco, sendo dessa maneira, mais próximos dos animais do que dos hu-
manos” (SILVA, 2010, p. 21).
Esse imaginário estrangeiro depreciativo em relação aos africanos e mesmo
as visões mais atuais que ainda mantém parte dele, são baseados em um etno-
centrismo que, como vimos, não se deteve apenas ao olhar europeu por sobre a
África. No entanto, na Europa e nos demais locais por onde a influência Ocidental
europeia se disseminou, como na América por exemplo, acabou por lhe tornar
mais abrangente, assim como as suas seqüelas preconceituosas.

PENSANDO JUNTOS

Segundo Telles (1987), o etnocentrismo pode ser definido enquanto o modo como um
grupo constrói uma imagem do universo a partir de sua identidade cultural favorecendo
a si em relação a outros grupos diferentes. O quanto essa visão etnocêntrica afetou e
afetou as populações africanas e afrodescendentes ao longo da História? Reflita a esse
respeito enquanto realiza o restante de nosso caminho.

141
UNIDADE 4

E é preciso que verifiquemos as heranças desses preconceitos, pois:


Se nos dias atuais parece existir um conjunto mais ou menos comum
de ingredientes imaginários que compõem as leituras ocidentais so-
bre a África, não podemos esquecer que essas percepções estão, na
maioria dos casos, contaminadas pelas imagens depreciativas que
nos chegam do passado – recente e longínquo – e que emergem ao
nosso redor, do próprio tempo presente. Resultantes de estereótipos
e simplificações conceituais construídas ao longo dos séculos e da
repetição sistemática de ideias e fatos que são recorrentemente as-
sociados à África, essas visões representam e sintetizam uma longa
história das relações entre os ocidentais e os outros. As marcas mais
evidentes desses olhares são as interpretações embebidas pelo etno-
centrismo, pelos estranhamentos e, muitas vezes, pelo sentimento
de superioridade. (OLIVA, 2008, p. 1).

Somente reconhecendo essas raízes podemos observar como a História enquanto


ciência foi parte da perpetuação desse imaginário Ocidental sobre a África e os
africanos, assim como o modo em que essas perspectivas, inclusive historiográ-
ficas, tem se mantido ou se modificado ao longo do tempo. Prossigamos então
o nosso trajeto, agora observando como nesse contexto final do início da Con-
temporaneidade, nasceu uma historiografia a respeito da África, bem como esta
se modificou até o presente. Vamos lá?!
Correntes historiográficas e abordagens sobre a História da África no
desenrolar da construção de uma historiografia africana – De acordo com
Belchior Neto (2019), as correntes historiográficas que abordaram especificamen-
te a História da África podem ser divididas em três, sendo que cada uma delas se
remete a um contexto específico da História enquanto ciência e, sobretudo, da
história do continente: a primeira é a corrente da inferioridade africana, que foi
desenvolvida quando da ação imperialista europeia por sobre a África; a segunda
é a da superioridade africana, em um momento de resistência e luta contra os co-
lonizadores estrangeiros; e a última são as perspectivas mais atuais presentes nos
novos estudos em torno da História da África num contexto pós-estruturalista.

142
UNICESUMAR

Convido você a observar como de um modo geral, cada uma dessas correntes
analisou a História africana e as repercussões que tiveram.

EXPLORANDO IDEIAS

O pós-estruturalismo é um termo comumente utilizado para se referir a uma das perspec-


tivas teóricas da chamada “pós-modernidade” que entrou em cena após a década de 1960
a partir dos estudos de Derrida e Foucault, bem como resgatou os trabalhos e as perspec-
tivas de Nietzsche. Tais abordagens vão além do racionalismo tradicional do estruturalis-
mo, apontando a existência de instabilidades estruturais ou aberturas e relativizações do
processo de significação da realidade.
Fonte: MENDES (2015).

Começando pela primeira perspectiva historiográfica sobre a História da


África, a da inferioridade, esta se fundamentou no “paradigma hegeliano” (NETO,
2019, p. 8) que tratava a África e suas populações enquanto marginais em relação a
uma História universal, como é o caso dessa referência ao texto feito pelo filósofo
alemão Friedrich Hegel no início do século XIX:


A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimen-
tos, progressos a mostrar, movimentos históricos próprios dela.
Quer dizer que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu
ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente como pela África
é o espírito a-histórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto
em condições de natural e que deve ser aqui apresentado apenas
como no limiar da história do mundo. (HEGEL, 1995, p. 174).

Tais concepções se pautaram no etnocentrismo eurocêntrico durante a expansão


imperialista por sobre a África durante o século XIX, em que pensadores como
Hegel (1770-1831) e também Kant (1724-1804), por meio de suas análises teóri-
cas, ajudaram a dar esboços ditos científicos nas análises históricas e sociológicas
a respeito da África.

143
UNIDADE 4

Figura 7 e 8 - Friedrich Hegel / Immanuel Kant


Fontes: Schlesinger, J. Hegel portrait. 1831. 1 Fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=615903. Acesso em 26 mar. 2022. / Becker. Kant foto. 1768. 1 Fotografia. Dis-
ponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4371746. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A figura 7 é uma pintura retratando o busto de Hegel, um homem branco, com
cabelos grisalhos e lisos, além de olhos azuis. Enquanto a Figura 8 é uma pintura que retrata o tronco de
Kant, um homem branco, com casaco marrom, peruca e olhos claros.

Para além do pensamento de Hegel sobre a África, os africanos e sua História,


vamos agora analisar caro(a) aluno(a) uma citação de Kant, resgatada por Lemos
(2015), em que o também filósofo alemão diz:


Os negros da África não tem por natureza nenhum sentimento
acima do trivial. O Sr. Hume desafia qualquer um a citar um único
exemplo em que um negro tenha mostrado talentos, e afirma que
entre centenas de milhares de negros que são transportados dos seus
países para outros lugares, embora muitos tenham sido colocados
em liberdade, ainda assim nenhum jamais foi encontrado que apre-
sentasse qualquer coisa de grande em arte ou ciência ou qualquer
outra qualidade digna de elogio, apesar de que entre os brancos
alguns sempre se elevam bem acima das massas mais ínfimas, e por
meio de dotes superiores ganham o respeito do mundo. A diferença

144
UNICESUMAR

entre estas duas raças de homens é tão fundamental quanto parece


ser grande a diferença em matérias de capacidades mentais e de cor.
(KANT LEMOS, 2015, p. 157).

As palavras de Kant inferiorizam, como é possível verificar na citação acima, as


populações negras e africanas em relação às populações brancas.
Não podemos nos esquecer que o contexto vivido por Kant e Hegel era o mo-
mento da constituição de várias ciências humanas, incluindo a História enquanto
uma de suas áreas científicas. E que para alçar tais patamares, a ciência histórica
foi pautada em uma sistematização cujas noções pressupunham uma História
enquanto a história de Estados nacionais, no caso europeus, protagonizada pelos
“heróis da nação”. Além disso, essa ciência também precisava, seguindo esses mes-
mos pressupostos, para que pudesse ser considerada como tal, ser objetiva. E para
tanto, seus primeiros teóricos acreditavam que deveriam ser consideradas fontes
dos estudos históricos, apenas documentos escritos, especialmente os oficiais –
aqueles produzidos por organismos desses Estados-nacionais - cujo trabalho do
“historiador” se faria em apenas narrá-los.
Dentro dessas premissas, a História africana seria inferior por dois motivos:
o primeiro seria porque na África há uma predominância da tradição oral nas
populações subsaarianas, ou seja, negras e não uma tradição escrita; e o segundo,
estaria pautado no fato de as sociedades africanas serem consideradas de um
modo geral enquanto tradicionais, ou seja, cuja preservação de suas tradições
passadas é uma de suas bases fundamentais e que, desse modo seriam conside-
radas pelos europeus enquanto inertes ou ultrapassadas.

O primeiro dos “motivos” listados acima, foi um dos fundamentos utilizados pela
chamada corrente da “inferioridade africana”. Não podemos nos esquecer que
essa primeira perspectiva de estudos históricos sobre a África fez parte do con-
texto descrito há pouco, do estabelecimento da História enquanto uma ciência
onde os historiadores tradicionais entendiam que a História humana teve início
quando da invenção da escrita, já que tudo o que havia antes disso foi considera-
do enquanto “pré-histórico”. Desse modo, esses historiadores dos tempos iniciais
da História científica “desconsideravam qualquer possibilidade de produção
histórica por meio da oralidade”, não enxergando a África, portanto, enquanto
“um continente histórico” (LEMOS, 2015, p. 158-159), dada às populações sem
tradição escrita na sua parte subsaariana.

145
UNIDADE 4

Contudo, tudo isso não significou que não foram realizados estudos a respeito da
África e da sua população, muito pelo contrário, muito conhecimento científico em
torno das línguas, etnias, costumes e religiões do “outro” africano foram produzi-
dos. Ciências-irmãs da História nasciam dessa forma para estudar esses “outros”,
sobretudo, o “outro africano”. Entre essas ciências a de destaque foi a Antropologia.

Figura 9 - Bronislaw Malinowski entre trobriandeses


Fonte: Chierico, F. Ptolemy World Map. 2014. 1 Fotografia. Disponível em: https://commons.wikime-
dia.org/w/index.php?curid=193697. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A figura se refere a uma fotografia em preto e branco em que o antropólogo
polonês Bronislaw Malinowski aparece no canto esquerdo agaixado observando um conjunto de crianças
pretas, enquanto dois homens pretos - um no centro e outro no canto direito – observam a cena.

146
UNICESUMAR

A Antropologia nasceu como a ciência que estuda os difer-


entes grupos humanos e as características que desse modo
os compõem, mas sobretudo, entre os europeus em sua
expansão imperialista, partiu da sua curiosidade em con-
hecer os homens e povos "diferentes" em seus modos de
vida e sociedade. A respeito desse contexto em que a ciên-
cia Antropológica nasceu – passagem do século XIX para o
XX – e as contribuições da mesma para a ciência histórica,
eu convido você para uma conversa em que busquemos
explorar mais essas temáticas. Vamos lá?!

Afinal, estamos falando de um contexto de expansão imperialista europeia so-


bre a África que para ter sucesso fez uso do conhecimento das suas populações
e de seus territórios. Mas também é preciso pontuar aqui o olhar sobre o qual
esses estudos se sustentaram e para o fim ao qual serviram. Pois, conforme eu já
mencionei na parte anterior dessa fase de nosso percurso por sobre a História
africana, para justificar essa dominação colonialista, as nações imperialistas que
invadiam os territórios da África utilizaram a desculpa de que detinham a missão
de “civilizar” este continente, com “construções discursivas sobre a África entre os
séculos XV-XVII e XIX-XX [...] criadas em função dos interesses políticos e eco-
nômicos das potências que a tornaram área de influência” (TELES, 2012, p. 241).
Nesse sentido, as teorias raciais como o Darwinismo Social e outras, citadas
há pouco, foram desenvolvidas por meio de uma troca em que também rece-
beram e/ou providenciaram fundamento a essa produção historiográfica que
inicialmente se referiu à África e aos africanos.
Nesse ínterim, a História fez uso de análises como da Antropometria e outras
áreas antropológicas que ajudaram a desenvolver teorias eugenistas e de “supe-
rioridade racial”. Teorias essas que faziam parte do conjunto de ideias racistas
que acusavam as populações mestiças de serem degeneradas e as negras de estar
fadadas à inferioridade.

147
UNIDADE 4

Figura 10 e 11 - Antropometria / Tratado de Antropometria


Fontes: Laughlin, H. H. Anthropometry exhibit. 1921. 1 fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=135042. Acesso em 26 mar. 2022. / Bertillon, A. Criminal profiles.
1893. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=697289.
Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na Figura 10 está presente uma fotografia em preto e branco de um homem
de perfil voltado à direita, onde aparece seu busto, ele tem cabelo curto e tem bigode e usa um casaco,
e o seu crânio é medido por um outra pessoa de pé através de um paquímetro. A pessoa de pé está à
direita da imagem, onde aparece apenas parte do seu corpo, ela usa um casaco abotoado. Na Figura 11,
há um conjunto de fotografias e preto e branco do rosto de perfil de nove homens de variadas etnias,
sendo uma fotografia de frente do rosto, abaixo no centro, utilizadas para mostrar suas diferentes ca-
racterísticas físicas.

E as análises históricas então se pautaram em:


Produções de obras literárias, jornalísticas e similares foram [...]
sendo utilizadas pelos historiadores. Denominados de ‘historia-
dores modernos’, esses estudiosos se ampararam justamente nos
documentos construídos graças aos viajantes e comerciantes que se
fizeram presentes em regiões da África, incorporando nos seus estu-
dos muito dos preconceitos que esses grupos acabaram registrando,
principalmente a ideia de que a sociedade europeia prevalecia sobre
a africana. (TELES, 2012, p. 241-242).

148
UNICESUMAR

Temos então uma escrita da História da África sob essa perspectiva da inferiorida-
de africana feita de fora, que marginalizava e diminuía qualquer possibilidade de os
povos da África ter influência em seus destinos ou o de outros povos mundo afora.
A Escola dos Annales traria novas perspectivas no início do século XX. Com
o auxílio do conhecimento obtido por ciências como a Antropologia, até mesmo
como meio de compreender os caminhos “diferentes” do europeu ou Ocidental,
essa nova escola historiográfica trouxe novos olhares para a História como um
todo, mas também para uma História africana.
O contexto aqui era diverso do “progresso” industrial e científico vivido pelas
potências econômicas europeias no transcorrer do século XIX. Pois, essa mesma
Europa industrializada, cuja imagem com a qual suas nações se identificavam era
a de “moderna” ou a “sociedade mais desenvolvida”, se viu em meio a duas grandes
guerras, que expuseram com a sua destruição, toda a barbárie a qual o ser huma-
no possa ser capaz de cometer. Desse modo, o Ocidente perdeu sua crença num
progresso humano contínuo e linear, e assim, o seu suposto papel civilizatório
por sobre a África, dando margem ao fortalecimento no continente africano de
um pan-africanismo como reação ao colonialismo europeu.
Inserida nesse processo, na África nasceu a segunda perspectiva historiográ-
fica sobre a sua História, que ficou conhecida como a “corrente da superioridade
africana”. Esta corrente da historiografia africana, se fez ainda sob o contexto em
que os movimentos por independência em relação às metrópoles colonizadoras
europeias ganharam força e levaram a maior parte das independências na África,
na passagem do meio para a segunda metade do século XX:


A partir de 1947, a Société Africaine de Culture e sua revista Pré-
sence Africaine empenharam-se na promoção de uma história – da
África descolonizada. Ao mesmo tempo, uma geração de intelec-
tuais africanos que havia dominado as técnicas europeias de inves-
tigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em relação
ao passado africano e a buscar nele as fontes de uma identidade
cultural negada pelo colonialismo. Esses intelectuais refinaram e
ampliaram as técnicas da metodologia histórica desembaraçando-a,
ao mesmo tempo, de uma série de mitos e preconceitos subjetivos.
(FAGE TELES, 2012, p. 243).

149
UNIDADE 4

Entre os intelectuais africanos que fizeram parte da construção da corrente da


superioridade africana estão: Cheikh Anta Diop, Théophile Obenga, Aboubacry
Moussa Lam e Kapet De Bana. Segundo Macedo (2008, p. 16), essa perspectiva
historiográfica teve como objetivo “recuperar a História dos povos africanos e
refletir sobre a identidade do continente, identificar os motores próprios de sua
história e, em certos casos, inverter a posição de subordinação até então prepon-
derante, localizando na África a matriz civilizacional de outros povos” .
Além do uso de novas fontes, que não apenas as escritas e de métodos de
outras ciências que não a História para a suas análises, esses historiadores sob
a perspectiva da historiografia pan-africana, sofreram além de uma influência
dos Annales, também do materialismo histórico marxista, sobretudo, no que
abrangeu algumas de suas teorias a serviço da construção de sociedades mais
igualitárias em território africano, pós-independências.
Devemos ressaltar o fato de que com um crescimento do interesse sobre o
estudo da História africana, dados os contextos do início do século XX – Grandes
Guerras, busca por novos paradigmas de estudos para a História e nascimen-
to de novas escolas historiográficas como os Annales – que eu mencionei há
pouco, muitos centros de estudos foram abertos em universidade na própria
África. Além da organização de encontros e congressos para a troca de ideias e
conhecimentos. Nesses espaços estudaram muitos pensadores dos movimentos
de independências africanos ou que ajudaram a desenvolver essa nova perspec-
tiva histórica sobre a História africana.
Além disso, o pan-africanismo e a corrente da superioridade africana exer-
ceram influência nos estudos e também na articulação, bem como para o cresci-
mento dos movimentos negros nas Américas:


o continente africano tornava-se assim um centro de irradiação
civilizacional. Seus discípulos tiveram ativa participação na reda-
ção da História Geral da África e na decifração da escrita meroítica
em 1974, atuando junto ao Institut Fondamental de l’Afrique Noire
(IFAN) da Universidade de Dakar, que, na atualidade, recebe o nome
de Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar, em sua homenagem.
(MACEDO, 2008, p. 17).

150
UNICESUMAR

E ainda, a organização de uma grande obra sobre a História africana acabou por
se concretizar. Esta obra foi a coleção organizada pela UNESCO com a partici-
pação de intelectuais estrangeiros intitulada História Geral da África, que como
pontuou Silva (2010, p. 32), “é considerada como um ponto de virada nos estudos
sobre a história africana”. Composta por oito volumes começou a ser elaborada no
final da década de 1960 até 1980, a pedido de intelectuais africanos importantes,
provenientes de países africanos recém independentes, como o historiador e po-
lítico de Burquina Fasso Joseph Ki-Zerbo. Esta coleção é até hoje uma referência
em conteúdos a respeito da História da África.
Figura 12 - Griot moderno, em Diffa, Níger
Fonte: Roland.A Griot performs at Diffa, Niger,
West Africa. 2006. 1 fotografia. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?-
curid=16637883. Acesso em 23 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia do africanis-


ta Joseph Ki-Zerbo, onde aparece parte do seu
busto em que o mesmo aparece vestido com
trajes típicos de sua região, cuja camisa tem
o fundo branco e listras azuis, bem como um
chalé em torno de seu pescoço na cor azul e
uma espécie de turbante branco em sua cabeça.

NOVAS DESCOBERTAS

A coleção História Geral da África é uma excelente fonte de pesquisa


e leituras que organizada de forma rigorosa e objetiva, sob pressu-
postos metodológicos sofisticados e submetida ao exame crítico dos
mais destacados africanistas.
Organizada em oito volumes, a obra conta com a colaboração de 350
estudiosos e é uma ótima opção de leitura para obter um vasto conhecimen-
to em torno da História africana. Seus volumes abordam desde as metodolo-
gias em torno dos estudos da História da África, até os diferentes contextos
e histórias que a humanidade presenciou neste continente desde o seu sur-
gimento até a contemporaneidade.

151
UNIDADE 4

Contudo, não podemos deixar de ponderar que, esta segunda corrente de análise
da História da África foi responsável em muitos casos por repetir erros das abor-
dagens anteriores que tentaram combater. Pois, ao utilizar de um “afrocentrismo”
no lugar do “eurocentrismo” por meio de um “desproporcional enaltecimento
das características histórico-culturais africanas”, ou até mesmo por uma culpa-
bilização total dos estrangeiros por todos os seus problemas, alguns africanistas
terminaram por colocar em seus estudos populações africanas enquanto “meras
vítimas de ações externas, perdendo assim todo o papel de agentes históricos”
(SILVA, 2010, p. 33) por parte delas.

Por último, temos uma terceira corrente ou perspectiva historiográfica da


História da África, que tem se construído desde a última década do século XX.
Essas abordagens mais recentes, segundo Macedo (2008), tem buscado superar
as mazelas do “eurocentrismo” e do “afrocentrismo” ao fazerem uso do pluralis-
mo, assim como a busca da especificidade, da originalidade e diversidade das
realidades históricas africanas. E para tanto, buscaram a atualização das técnicas
e dos métodos de pesquisa.
Um destaque importante no contexto do desenvolvimento dessas novas abor-
dagens da historiografia africana foi a obra de Elikia M’Bokolo, do Centro de Es-
tudos Africanos da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, intitulada
Afrique noire. Histoire et civilisations (África Negra. História e civilizações), onde:


as datas e os eventos cedem lugar aos conceitos e na qual são estabe-
lecidas tipologias das formações estatais e sociais levando em conta a
variedade de povos e culturas, identificando as interferências externas
(muçulmanas, cristãs) e sua africanização. (MACEDO, 2008, p. 19).

Além de outros proeminentes nomes da historiografia:


Isto tanto dentro da África, como B. Barry, A. F. Ajahi, A. Boahen,
B. A. Ogot, V. Mudimbe, I. A. Akinjogbin, T. Falola, M. Diouf, E. J.
Alagoa e outros; quanto fora da África, como J. Vansina, J. Thornton,

152
UNICESUMAR

C. Coquery-Vidrovitch, P. Lovejoy, J. Miller, Y. Kopytoff, A. Costa


e Silva, K. Asante, M. Bernal, Carlos Lopes, D. Birmingham entre
outros. (SILVA, 2010, p. 35).

Figura 13 - Elikia M’Bokolo em 2010


Fonte: Radio Okapi. Prof. Elikia M’bokolo. 2010.
1 fotografia. Disponível em: https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=11144574.
Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Fotografia em que


retrata o historiador congolês Elikia M’Bodolo
aparece sentado em o que parece ser um sofá
preto, de óculos e uma camisa xadrez.

A ênfase dos integrantes dessa vertente não é em uma “identidade africana”, que
tornaria a África una. Ao contrário, o que essa corrente da atualidade tem busca-
do é sim reconhecer a diversidade africana e suas raízes, presente desde grandes
a pequenas organizações políticas e populacionais, bem como as suas culturas.
Algo realizado a partir da análise das individualidades e não por meio de gene-
ralizações que corram inclusive o risco de ser preconceituosas.
Uma historiografia na África ou fora dela, mas com raízes verdadeiramente
fincadas nesse continente e em suas realidades e dinâmicas próprias. Que só foi
possível por ter tido início na própria áfrica, enquanto uma historiografia origi-
nalmente africana, pois conforme advertiu Macedo (2008m, p. 25), Sua posição
está bem formulada na máxima segundo a qual “enquanto os leões não tiverem
seu historiador, as narrativas da caçada glorificarão apenas o caçador”.
Essas abordagens têm, desse modo, contribuído para se chegar a uma História
da África de fato. Uma reconstrução de histórias em que as populações africanas
são devidamente protagonistas em seu “mundo” e dos “outros” e não apenas meras
coadjuvantes para complementar ou satisfazer seus objetivos.

153
UNIDADE 4

Enquanto estudiosos da História devemos com-


preender a importância que os cuidados metodoló-
gicos têm para o ofício do historiador. Algo que tam-
bém faz parte dos estudos da História africana e que,
apesar de por muito tempo ter sido relegado, tem tido
na atualidade finalmente o seu crédito reconhecido.
Daí a importância do percurso feito nesta etapa
do nosso trajeto em torno da História da África. Pois,
se os acontecimentos e conjunturas que fizeram parte
da História desse continente e suas populações são
importantes de serem estudados, a prática e a reali-
zação definitiva desses estudos só foi alcançada após
o desenvolvimento dessas correntes historiográficas
e as suas relações com essas histórias.
Devemos desse modo observar que, a primeira
delas produziu até então uma história dos europeus
no continente africano e não uma História da África.
Realizada por antropólogos, linguistas, administrado-
res, funcionários do governo colonial ou militares que,
durante muito tempo, tinham servido nas colônias e
ali adquirindo experiência e conhecimento, por conse-
guinte estando sob a “crença” de que os africanos “rece-
beram” instituições, costumes e tecnologias da Europa,
a corrente da inferioridade africana fazia da África, dos
africanos e sua História um apêndice do trajeto euro-
peu rumo ao que acreditavam ser o progresso máximo
do ser humano.
Já a corrente da superioridade africana apesar de
tentar “superar” as mazelas dessa submissão até mes-
mo historiográfica da África, imposta pelos ociden-
tais que haviam infligido até o momento da sua orga-

154
UNICESUMAR

nização um colonialismo em seus territórios, acabou


por cair em muitos erros cometidos pelos mesmos
“algozes” que tentavam suplantar. Isso porque além
de estarem sob os impactos desse colonialismo re-
cente e da luta por vencê-lo, vinham até então sob a
influência inclusive intelectual das suas perspectivas
teórico-metodológicas.
E por último, as abordagens atuais acabam por
vencer muitos dos preconceitos da primeira e dos
dilemas da segunda corrente historiográfica sobre a
África, ao buscar fugir dos mesmos. Algo realizado
não só por meio do aproveitamento de metodolo-
gias de escolas historiográficas que utilizavam novos
documentos que não apenas os escritos, bem como
o diálogo com outras ciências e seus métodos para
análise dos mesmos. Mas essas novas abordagens
nasceram no seio do continente africano, trazendo à
tona a necessidade de que as suas dinâmicas fossem
respeitadas e para tanto, pudessem ser analisadas
dentro das suas próprias particularidades e raízes.
O percurso nos permite então ver o quanto uma
historiográfica sobre a África nascida nesse próprio
continente foi fundamental para que os preconceitos
de um imaginário a seu respeito, construído ao longo
da história humana por estrangeiros, pode servir de
antídoto contra a ignorância ou desconhecimento
que gera tudo isso. Proponho que você faça uma
pesquisa que mostre as influências africanas no coti-
diano brasileiro. Levando em consideração palavras,
músicas, comidas e demais setores. Mãos à obra!

155
Ao longo de nosso trajeto vimos o estabelecimento de um imaginário estrangeiro
responsável por caracterizar a África e os africanos até hoje de modo preconcei-
tuoso. Também acompanhamos as diferentes linhas de abordagem desenvolvi-
das em torno dos estudos da História africana. Nesse espaço, elabore um mapa
mental em que aponte de forma prática as características gerais que integram
esse imaginário em torno do continente africano e as três perspectivas historio-
gráficas a respeito da História da África.

Palavras-chave: Imaginário e historiografia sobre a África e os africanos; Imagi-


nário etnocêntrico; Correntes historiográficas que abordam a História africana.

Imaginário e historiografia
Imaginário Origem, contexto
sobre a África e os e consequências:
etnocêntrico
africanos

Correntes
historiográficas que Corrente da Inferioridade
abordam a História africana:
africana.

Corrente da Superioridade Perspectivas


africana: atuais:
5
Relações África-
Brasil
Me. Karla Katherine de Souza Seule

Chegamos à última etapa do nosso trajeto por sobre a História da Áfri-


ca e de suas populações e não poderíamos deixar de falar a respeito
das relações entre o continente africano e muitos dos seus povos para
a formação daquele que é o país com maior número de afrodescen-
dentes fora da África – o Brasil. Por isso, eu lhe convido a nos debruçar-
mos por sobre os contextos em que se deram essas relações. Quero
ainda convidar você caro(a) aluno(a), a conhecer os principais aspectos
da nossa constituição enquanto um povo, verificando assim o quanto
somos repletos de influências africanas. Muitas dessas heranças nós
desconhecemos, mas nesse espaço procuraremos resgatá-las, como
um meio para que ao sabermos mais a seu respeito, possamos com-
preender melhor as nossas próprias raízes e estruturas. Vamos lá?!
UNIDADE 5

O Brasil é o país com o maior número de pessoas afrodescendentes fora da África.


Os dados mais atuais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
indicam que 54% dos brasileiros são negros, ou seja, a população afrodescen-
dente e de pele negra é a maioria no país. Mas você conhece a importância das
populações africanas em toda a sua dimensão para a construção do nosso país,
a começar pela de nossa população?
Além de integrarem a principal força de trabalho que colaborou para a cons-
trução material do país, as populações negras africanas integraram e integram
da cor da pele de boa parte dos brasileiros, aos seus hábitos alimentares, aos seus
costumes e crenças, bem como construíram da sua musicalidade a outros aspec-
tos culturais, como o nosso idioma, bem como muitos de nossos saberes. E sim,
dentre os aspectos culturais principais do Brasil, o português falado por aqui está
entre os mais carregados de influências advindas da África, como a capoeira, o
candomblé, a culinária e tantas outras influências culturais.
E para que comecemos o nosso percurso por nossas heranças africanas, bem
como elas se deram, sugiro caro(a) aluno(a), que você comece por fazer uma
rápida pesquisa justamente por sobre a nossa língua portuguesa e verifique em
materiais como artigos ou obras a respeito da sua constituição, cerca de quantas
palavras e expressões a mesma herdou de idiomas africanos.
A partir do levantamento que você mesmo fez, registre no Diário de Bordo
dessa fase final do nosso trajeto, o que mais lhe chamou a atenção a partir dessas des-
cobertas, sobre um dos aspectos culturais que tanto utilizamos, que é a nossa língua
para comunicação padrão. Registre aqui, suas percepções sobre o quanto a constru-
ção do idioma oficial do Brasil teve a colaboração intrínseca de idiomas africanos.

DIÁRIO DE BORDO

158
UNICESUMAR

Agora vamos adentrar ao modo como as nossas histórias, ou seja, como as histó-
rias de África e Brasil se entrelaçaram e tem até o presente momento se constituí-
do ao longo do tempo. Comecemos pelos contextos em que elas se fizeram, para
partirmos então para os aspectos culturais que detemos e tiveram a fundamental
contribuição de africanos e africanas para a sua elaboração.
Africanos no Brasil: da escravidão até a abolição – Infelizmente o entrelaçar
da História de um Brasil e da África, ou de algumas das populações africanas que
durante boa parte do tempo tiveram aqui o desenrolar dos seus destinos, tiveram
tal desígnio estabelecido por meio da escravidão. Essa prática aconteceu desde o
início da nossa História, ainda enquanto colonizados por Portugal, quando para cá
africanos e africanas foram trazidos – sim, trazidos, já que os mesmos não vieram
por sua própria vontade – com a finalidade de servirem enquanto escravizados
aos colonizadores dos territórios que no presente momento fazem parte do Brasil.
Como observou em sua obra O Povo Brasileiro, o célebre historiador, sociólo-
go e antropólogo Darcy Ribeiro (1995, p. 19), nós brasileiros somos resultado “da
confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios
silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como es-
cravos”. Portanto, as contradições presentes nesses encontros e desencontros entre
nossas matrizes culturais, da qual a africana foi parte substancial, foram feitos
por meio do violento contexto da escravidão estabelecida por meio do tráfico
Atlântico de escravos comercializados do continente africano para a América.
Tal tema, já foi discutido em fases anteriores desse nosso trajeto, mas aqui eu
lhe convido a retomá-lo, com o enfoque no modo como a escravidão se fez no
Brasil, bem como serviu de palco para a chegada das primeiras populações africa-
nas por aqui, ao longo de um espaço de tempo – meados do século XVI a meados
do século XIX – que se tratou da maior parte da nossa História enquanto um país.
A escravidão foi o meio pelo qual os colonizadores portugueses inseriram
africanos na construção de sua colônia que deu origem ao nosso Brasil e isso
aconteceu já no século XVI, mais precisamente em sua primeira metade, de quan-
do datam os primeiros registros da chegada de escravizados africanos por aqui.
Os primeiros africanos foram trazidos para o Brasil segundo Guedes (2016),
em 1538. Eram provenientes de diferentes territórios do seu continente de ori-
gem, bem como eram pertencentes a vários grupos étnicos, com destaque para
sudaneses, culturas islamizadas da costa ocidental africana e populações de lín-
guas bantas do centro sul da África. Uma prática que se estendeu por mais de 350

159
UNIDADE 5

anos, em que cerca de 5,5 milhões de africanos tiveram como destino o Brasil,
sendo que destes, apenas cerca de 4,8 milhões chegaram vivos, já que muitos
morriam no transporte e cujos números desse modo, demonstram que aproxi-
madamente 38% dos africanos trazidos para as Américas tiveram como destino
final o nosso país.

Figura 1 - Rotas da escravidão entre a África e o Brasil


Fonte: ROTAS da escravidão. SÓ história, 2012. Disponível em: https://www.sohistoria.com.br/ef2/
culturaafro/p5.php. Acesso em 27 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Temos um mapa em que aparecem os contornos do continente africano e da


Ámérica do Sul, com traçados coloridos indicando as principais rotas do tráfico de escravos da África
para o Brasil. Temos acima, mais ao norte na costa Atlântica do continente africano em azul as setas que
apontam para o interior daquela região e o porto Ribeira Grande como a principal passagem das pessoas
escravizadas que eram vendidas nessa região e faziam a chamada Rota da Guiné com destino no Brasil
aos portos de Belém e em São Luís. Descendo a costa africana, temos em verde as flechas que apontam
a Rota da Mina que parte de portos como Mina e Lagos, com destino no Brasil nos portos de Belém, São
Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. A penúltima rota, ainda na costa Atlântica, no centro-sul africano,
é a Rota de Angola, demarcada com flechas laranjas, ela partia de portos na África como Cabinda, Luanda
e Benguela, com destino ao Brasil em Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Já a última das rotas do tráfico
Atlântico de escravos para o Brasil era a Rota de Moçambique que está demarcada com flechas na cor
rosa, sendo que o seu início era da Região de Moçambique atual, passando pelo porto africano de Maputo,
com destino final no porto brasileiro do Rio de Janeiro.

160
UNICESUMAR

Enquanto populações americanas nativas eram dizimadas pela colonização, ou


fugiam para o interior inexplorado pelos invasores europeus, a mão de obra afri-
cana – velha conhecida do português – ia se espalhando pelas regiões em que
os primeiros colonizaram. A princípio foram mais requisitados na região nor-
deste, dado o conhecimento prévio que muitos deles tinham nos trabalhos em
plantar a cana ou no fabrico do açúcar. Com o decorrer do período colonial eles
foram sendo introduzidos nas demais regiões brasileiras, nas grandes fazendas,
nos serviços domésticos, na exploração aurífera das Minas Gerais e por fim nas
grandes lavouras de café:


A diáspora negra no Brasil foi numericamente a mais importante
de todas as diásporas africanas nas Américas; de todos os países
do continente americano, foi o país que recebeu o contingente nu-
mericamente mais importante dos escravizados africanos entre os
séculos XVI e XIX. De todos os negros da África deportados para
as Américas, 30% a 40% tiveram o Brasil como destino. Entre os
séculos XVII e XVIII, os negros africanos e seus descendentes mes-
tiços chegaram a representar quase 70% da população, tão grande
o volume do tráfico. Hoje, negros e mestiços representam quase
a metade da população brasileira, ou seja, cerca de 80 milhões de
brasileiros. (MUNANGA, 2018, p. 259).

PENSANDO JUNTOS

Você sabia que a utilização crescente da mão de obra africana se fez também por conta
dos interesses econômicos em torno do tráfico Atlântico de escravos, aos quais os portu-
gueses se empenharam em participar? Pois bem, segundo Marquese (2006), conforme a
mão de obra indígena se escasseava por motivos como as mortes por epidemias, fugas
e pressão jesuíta para proibir a escravização dos nativos que atrapalhava o seu trabalho
catequético para com eles, os portugueses foram se estabelecendo na África, sobretudo,
em Angola e fazendo do tráfico negreiro uma atividade econômica lucrativa, para a qual
era interessante que o foco da escravização na América portuguesa fossem os africanos.

161
UNIDADE 5

Conforme nos explica Ribeiro (1995), esses africanos que possuíam diferentes
origens variadas e que, portanto, falavam diferentes idiomas, eram proposital-
mente misturados do transporte da África ao Brasil até seu destino final em
senzalas. Desse modo, os seus algozes buscavam impedir que se unissem e orga-
nizassem motins ou revoltas como modo de resistir a condição de escravizados
que estavam lhes impondo.

Figura 2 - Navio Negreiro – de Johann Moritz Rugendas (1802–1858)


Fonte: Johann Moritz Rugendas. Navio negreiro. 1830. 1 fotografia. Disponível em https://pt.wiki-
pedia.org/wiki/Ficheiro:Navio_negreiro_-_Rugendas_1830.jpg. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem se constitui em uma tela colorida do pintor francês Johann Moritz
Rugendas , em que seu autor representa o porão de um navio negreiro repleto de homens e mulheres
africanos escravizados amontoados, alguns nus outros semi nus, incluindo uma criança que está sendo
amamentada por um escravizada sentada no chão. No centro da imagem um deles está em pé com os
braços esticados na entrada do porão recebendo água de uma pessoa por meio de uma jarra, enquanto
segura sua caneca na mão esquerda que é completa e apoia a direita na abertura do teto do porão. Em
seu lado direito um homem branco com calças amarelas, camisa branca e colete verde, aponta para os
quatro escravizados que estão no entorno da coluna do mastro central do navio, enquanto outro homem
branco de calça marrom, camisa branca, gravata preta e paletó azul, está erguendo uma lamparina com
sua mão esquerda e um outro que está usando calça azul, camisa branca e cabelos ruivos está segurando
um escravizado.

A violência era uma constante, desde a captura em seu território de origem na


África, a viagem forçada em que eram amontoados em navios. Desse modo, essas
pessoas, como assinalou Jaime Pinsky (2010, p. 13), que não estavam “vindo” para
cá, mas sim, foram “trazidas” contra a sua vontade, sofreram as mais variadas for-
mas de crueldades. As más condições dos navios negreiros já foram pontuadas

162
UNICESUMAR

em outra etapa do nosso percurso, quando falamos da escravidão negra na Amé-


rica, imposta pelo tráfico Atlântico de escravos, cuja mortalidade durante o seu
transporte legou a esses veículos o nome de “tumbeiros” em que muitas pessoas
colocadas em situação de escravidão tiveram as suas vidas neles já encerradas.
Também falamos da situação em que essa escravidão cruel sujeitava esses
indivíduos a uma série de condições cruéis e violentas, fossem em seu trabalho
nas lavouras ou nas casas grandes, ou nas mais diferentes atividades que desem-
penhavam enquanto escravizados e sob os mais repletos castigos físicos para que
tal desempenho fosse de acordo com as expectativas de seus “senhores”, o que
acarretava trabalho pesado ao longo de extensas e exaustivas jornadas. Todas
essas situações levaram a maioria dessas pessoas a não ultrapassar uma média
máxima de 35 anos de idade.

Figura 3 - Escravizado sendo açoitado – Por Jean-Baptiste Debret


Fonte: Por Jean-Baptiste Debret - J.B. Derbet, “Overseers punishing slaves on a rural estate”. (3
vols., Paris, 1834,1835, 1839), Voyage Pittoresque et historique au Brésil. Conrad, Robert. The Des-
truction of Brazilian Slavery 1850-1888. London, England: University of California Press, Ltd, 1972.

Descrição da Imagem: A tela de Debret retrata uma cena em que, enquanto ao fundo vemos montanhas
cobertas pela mata e alguns coqueiros no canto direito e algumas espécies de cabanas no lado esquer-
do, temos ainda ao fundo, mais ao centro, um escravizado preso a uma árvore enquanto outro homem
negro, com calça branca e sem camisa o açoita e outros dois também vestindo roupas brancas, um deles
de chapéu, ambos segurando ferramentas de trabalho agrícola. Ao mesmo tempo, no plano principal da
imagem, na frente temos um escravizado semi nu, com suas mãos e pés amarrados num pau de arara
prostrado ao chão e sendo açoitado por um homem branco de calça azul com um lenço branco e listras
que a amarra, bem como camisa branca e colete amarelo no centro laranja nas laterais, usando um lenço
amarrado na cabeça branco com listras laranja, barba e bigode, nos pés chinelos e o que parecem ser
seus pertences nos pés da escada em lado direito: um chapéu de palha e paletó azul.

163
UNIDADE 5

Além disso, as situações aqui revisitadas por mim e por você pelas quais pessoas
escravizadas eram submetidas na América, também inspiravam as mais diversas
formas de resistência a essas condições de violência. Fosse de forma direta, por
meio de motins e fugas, ou indireta, nas suas práticas cotidianas, como por meio
da busca em manterem vivos os seus costumes de origem - como a religiosidade,
por exemplo -, esses africanos utilizaram diferentes mecanismos para resistir a
escravidão que na América estiveram sujeitas.
Os quilombos ou mocambos foram comunidades ou aldeias que nasceram
em meio a essas fugas e se tornaram importantes formas de resistência cujos
remanescentes permanecem até atualidade:


Ainda em fins do século XVI, o rei de Portugal argumentava que
os colonos estavam ficando pobres, pois não conseguiam impedir
as sucessivas escapadas de seus cativos. Em resposta, as autoridades
coloniais garantiam que havia, de fato, obstáculos — considerados
inimigos — da colonização, sendo o principal deles os “negros de
Guiné” (como eram chamados em geral os africanos escravizados),
fugitivos que viviam em algumas serras e faziam assaltos às fazendas
e engenhos (GOMES, 2015, p. 12).

Desse modo, dos motins e quilombagens ao sincretismo religioso, diversas formas


de resistência fizeram parte da vida dos negros africanos trazidos para o Brasil:


[...] movimento de rebeldia permanente organizado e dirigido pelos
próprios escravos que se identificou durante o escravismo em todo
o território nacional. Movimento de mudança social provocado, ele
foi uma força de desgaste significativa ao sistema escravista, solapou
as suas bases em diversos níveis – econômico, social e militar [...].
(MOURA, 1989, p. 22).

164
UNICESUMAR

Figura 4 - Jogar Capoeira


Fonte: Johann Moritz Rugendas.Jogar Capoëra - Danse de la guerre. 1835. 1 fotografia. Disponível
em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24418. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é uma tela colorida de Rugendas em que é retratada uma roda de
capoeira com dois homens negros, o do lado esquerdo com calça vermelha e camisa amarela, enquanto
o do lado direito está sem camisa e com calça amarela – ambos descalços – jogam capoeira, cercados de
homens e mulheres negros, que assistem a encenação, sendo que ao fundo há mocambos ou cabanas
brancas com telhas de barro.

Essas formas de resistência integraram o corpo de movimentos que culminaram


no século XIX na ação de um movimento abolicionista. Um processo de lutas
que culminou no final do século XIX, na abolição da escravidão no Brasil. Nos
voltemos agora para tais acontecimentos e as suas consequências. Vamos lá?!
A abolição da escravidão no Brasil e as suas sequelas – O Brasil é o país
mais negro fora da África. Os números apontam para uma migração forçada de
africanos para América, com o nosso país entre o início da colonização no século
XVI e o fim do tráfico Atlântico no século XIX, servindo enquanto o principal
destino a essas pessoas. Como vimos anteriormente, houve diversas formas de

165
UNIDADE 5

resistência por parte dos escravizados no combate às condições que lhes foram
impostas: “o fantasma de uma insurreição ampla estava sempre presente nos pe-
sadelos dos senhores e das autoridades” (PINSKY, 2010, p. 49).
Já no século XIX, quando alcançamos a independência, mais precisamente
no ano de 1822, essa emancipação política do nosso país em relação a Portugal
não significou o fim para a escravidão por aqui, que perdurou até 1888. Não à toa,
este acontecimento levou ao culminar no ano seguinte, 1889, da Proclamação da
República. Como se deu esse processo e que consequências ele deteve na situação
da população afro brasileira, são assuntos necessários de serem discutidos e por
isso convido você a voltarmos a nossa atenção até eles no presente momento.
Embora a abolição não tenha sido fruto direto de uma rebelião escrava em
específico, ela “não pode estar reduzida a um ato de brancos” (PINSKY, 2010, p.
49). O movimento abolicionista esteve presente na história brasileira desde o
período colonial, que comprou e alforriou muitos negros. Mas esse movimento
ganhou força quando políticos, como por exemplo Joaquim Nabuco e José Bo-
nifácio, começaram a defender a abolição como algo iminente durante a déca-
da de 1870, subseqüente a proibição do tráfico negreiro por intermédio da Lei
Eusébio de Queiroz em 1850 por aqui, como uma consequência da pressão da
Inglaterra, após a Lei Bill Alberdeen instituída por lá em 1845, por meio da qual
governo inglês autorizava a sua marinha prender navios negreiros encontrados
na travessia do Atlântico.
Além de organizações, jornalistas publicaram textos onde defendiam a abo-
lição, junto a revoltas que fizeram parte do cotidiano no país e fizeram ganhar
fôlego o movimento em prol da abolição, embora uma elite agrária tentasse adiar
esse acontecimento. Neste ínterim, outras leis foram promulgadas, como a Lei
do Ventre Livre de 1871 que libertava os filhos de escravizadas nascidos a partir
desse ano, bem como a Lei dos Sexagenários de 1885, pela qual os escravizados
maiores de 60 anos eram libertos.
Contudo, essas leis não tinham longo alcance, sobretudo a última, já que dada
as suas condições de vida, dificilmente um escravizado ou escravizada chegavam
perto dos 60 anos de idade, quanto mais ultrapassavam tal média de vida. Tudo isso
gerou mais intenso debate, incluindo na Câmara e Senado, fazendo sob tais pres-
sões com que em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel,
no momento a regente do país, culminando na abolição da escravatura no Brasil.

166
UNICESUMAR

Figura 5 - Reprodução da Lei Áurea, de 1888


Fonte: Senado Imperial. Lei Áurea, de 1888.
1888. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=63462882. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é da repro-


dução do documento em que está transcrita a
Lei Áurea de 1888, onde aparece as inscrições
da Lei, com o Brasão colorido do império no
topo do documento, bem como assinatura da
Princesa Isabel no canto inferior.

O movimento abolicionista no Brasil foi de grande importância, embora esse fato


seja de desconhecimento de muitos até bem pouco tempo, pois não era muito di-
vulgado inclusive nos meios acadêmicos. Nomes importantes para além do político,
jurista e historiador Joaquim Nabuco, autor da obra o Abolicionismo, como o do
jornalista e advogado Luís Gama, bem como do jornalista José do Patrocínio e do
engenheiro José Rebouças, ficaram desconhecidos da maioria de nossa população,
em sua importância e luta para a conquista da abolição no Brasil.

NOVAS DESCOBERTAS

O canal do Youtube, Nerdologia traz um vídeo a respeito do Abolicionismo e


o fim da escravidão em que o professor Felipe Figueiredo em pouco mais de
nove minutos faz um resumo da luta do movimento abolicionista no Brasil
e sua contribuição para a conquista da abolição por aqui. Trata-se de um
material importante para conhecermos de forma rápida tal enredo histórico
e também para utilizarmos enquanto material didático em nossas aulas de
História.

167
UNIDADE 5

É importante que façamos esse resgate para que compreendamos assim como de
fato foi o estabelecimento da Lei Áurea. Ou seja, esta não foi uma dádiva e sim o
resultado de anos de luta travada por personagens reais. Porém, ainda que alcan-
çada a abolição, a Lei Áurea não rompeu com os mais de 350 anos de escravidão
no Brasil, sobretudo, com os seus efeitos por sobre a população afrodescendente.
Após o fim da escravidão:


muitos negros foram expulsos das fazendas e ficaram sem ter onde
morar nem como sobreviver. Uma boa parte da elite brasileira não
queria que os negros assumissem os novos postos de trabalho que
estavam surgindo no Brasil, à preocupação da elite era embranque-
cer o país com imigrantes vindos da Europa. Essa política de segre-
gação racial fez com os negros vivessem as margens da sociedade.
(MEDEIROS; NASCIMENTO, 2010, p. 310).

Portanto, com a abolição, o negro não foi inserido no mercado de trabalho as-
salariado ou nas escolas ou outros mecanismos que levassem a mudanças na
sua condição social de marginalizados para cidadãos. Desse modo, a maioria da
população afrodescendente permaneceu não só a margem do restante de nossa
sociedade, como também passou a perecer sob novos modos de discriminação
e marginalização social.
O racismo nesse contexto foi se construindo nas bases estruturais de nossa
sociedade, ainda que sejamos um país miscigenado. Olhemos para o contexto da
abolição e após a mesma. O Brasil além de ser o último país das Américas a abolir
a escravidão, após a mesma ter finalmente sido proibida por lei, não houve uma
política de inserção social das populações no que nos referimos acima – traba-
lho, bem como tudo que o mesmo proporciona para a sobrevivência, bem como
educação – para aqueles que deixaram de estar sob a condição de escravizados
alçarem com equidade melhores condições de trabalho e de vida.
Ao contrário, junto à abolição tivemos o crescimento de uma política de
“branquear” a população brasileira. Teorias racistas desenvolvidas na Europa e
nos EUA vinham defendendo que os não-brancos eram provenientes de “raças
degeneradas”, que precisavam ser eliminadas. A elite e as autoridades governa-
mentais provenientes dela acataram tais discursos e posturas, implantando aqui
políticas de incentivo a imigração europeia para o Brasil. Seu objetivo era claro:

168
UNICESUMAR


“aperfeiçoar a raça” – criar uma “raça brasileira” saudável, cultural-
mente europeia, em boa forma física e nacionalista. As elites brasi-
leiras da primeira metade do século XX tendiam a acreditar que os
pobres e não-brancos eram, em sua grande maioria, degenerados.
(DÁVILA, 2005, p. 21).

Uma tela se tornou um ícone do contexto em que tais políticas de branquea-


mento foram inseridas no Brasil e se desenvolveram. Trata-se da obra do pintor
espanhol Modesto Brocos, intitulada A Redenção de Cam e podemos observar
a mesma a seguir:

Figura 6 - Miscigenação
Fonte: Brocos, M. Ham's Redemption. 1895. 1
fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=3535604.
Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: No quadro de Brocos,


temos em meio a entrada de uma casa simples,
de tijolos amarela, a porta um homem branco,
com camiseta branca, calça cinza e chinelos,
que observa uma mulher negra de pele clara
ao seu lado, sua esposa, de saia longa rosa e
camisa branca, com o filho, um bebê branco
sentado em seu colo com uma laranja em sua
mão. A mãe aponta com o indicador para o
lado direito e olha a criança. Na cena retratada
pelo pintor espanhol, está ainda a presença de
uma outra mulher negra. Trata-se da avó ma-
terna da criança, cuja pele é bem mais escura
que a da mãe. Ela está descalça, vestida com
jaqueta preta e saia longa, bem como um len-
ço branco amarrado em sua cabeça. Na cena
a avó estende as suas mãos aos céus, como
quem agradece a “dádiva” que obteve. Este
seria o fato de seu neto ser ao longo de três
gerações um menino branco.

Em sua tese de mestrado, a historiadora e antropóloga Tatiana Lotierzo fez uma


análise dessa obra e ela observa o quanto ela foi feita com diversas referências. Para
começar está carregada de referências religiosas cristãs, como ela explica dizendo:

169
UNIDADE 5


Essas personagens lembram respectivamente a Madonna que car-
rega o menino Jesus no colo; José, e o anjo que intermedeia, na ico-
nografia religiosa, as relações entre o plano terreno e a divindade,
ao estabelecer algum tipo de conexão gestual mais direta com uma
dimensão ausente na cena. (LOTIERZO, 2013, p. 239).

Lotierzo (2013), complementa seus dizeres pontuando o fato de o próprio título


do quadro, A Redenção de Cam, nos remeter a aspectos ou crenças com fundo
religioso. Isto porque o mesmo faz menção ao mito de que as populações negras
africanas seriam descendentes do filho amaldiçoado do personagem bíblico Noé,
cuja descendência teria que se redimir servindo a dos seus demais irmãos, que
comporiam aqueles que povoaram a Europa e a Ásia. Nesse sentido, no quadro
essa “redenção” está sendo colocada como resultado do branqueamento do des-
cendente dos miscigenados brasileiros com o imigrante europeu.
Uma “redenção” defendida e apregoada até mesmo pelo médico que era di-
retor no Museu Nacional entre os anos de 1895 e 1915, João Batista de Lacerda.
Este foi responsável por várias teses e estudos sobre a população brasileira e as
necessidades de branqueá-la para dirimi-la ou levá-la ao progresso.
Desse modo, na tela de Modesto Brocos tais visões, carregadas de precon-
ceito racial, ficaram expostas. Ou seja, o “ideal” do branqueamento da população
brasileira apregoado na passagem do século XIX para o XX, contexto do fim da
escravidão e início da República no Brasil, era visto como algo extremamente
necessário para o desenvolvimento do país. E sob tal conjuntura, uniu discursos
ditos científicos a um imaginário religioso a serviço de políticas públicas que
definiram um espaço sob o qual as populações afrodescendentes ou negras e
mestiças deveriam ocupar em nossa sociedade. Nesse sentido, a própria imagem
da avó, que aparece como quem agradece aos céus como se por um “Voluntarismo
dos próprios afrodescendentes no projeto branqueador que visava extingui-los”
em uma espécie de “auto-sacrifício” (LOTIERZO, 2013, p. 239) expõe uma função
social imposta em nossa sociedade aos negros que seria de enquanto pessoas
inferiores e subalternas.
Embora, o preconceito e o menosprezo ao negro já fizesse parte da sociedade
brasileira durante a vigência da escravidão, a abolição sob os moldes em que fora
realizada e seguida, acabou por perpetuar tais situações com novas roupagens.
Políticas sanitárias e educacionais implementadas no limiar da abolição, ajuda-

170
UNICESUMAR

ram nesse processo a apregoar um “aperfeiçoamento eugênico da raça” (DÁVILA,


2005, p. 21). Essas políticas, a começar pelas educacionais, levaram a uma visão
da educação no Brasil como um meio de impedimento de que todos, sobretudo
os não-brancos, tivessem acesso equitativo a todos os meios que os fizessem ter
suas necessidades e uma cidadania de fato alcançadas.

Figura 6 - Homem em situação de rua


Fonte: Andrevruas. Homeless at Praça da Sa-
vassi in Belo Horizonte, Brazil. 2011. 1 fotogra-
fia. Disponível em https://commons.wikimedia.
org/w/index.php?curid=15649789. Acesso em
26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem se compõe


enquanto uma fotografia de um homem negro
dormindo na rua. O mesmo está vestindo ca-
miseta com capuz cinza e um shorts azul, dei-
tado de bruços sobre um papelão em um canto
de uma praça, com um copo e alguns sacos
brancos próximos, bem como seus chinelos.

No desenrolar do século XX, governos como os de Getúlio Vargas, começaram a


defender outro ideal que colaborou para que medidas para reverter tais posturas
fossem impedidas de vir à tona. A ideia de que o Brasil seria uma democracia
racial, ou seja, de que independente da cor ou origem, no país altamente miscige-
nado não existiria preconceito racial, ao contrário, todos independente da cor da
pele ou classe social viveriam em harmonia. Como resultado, as distâncias sociais
e econômicas entre as pessoas brancas e negras, bem como os problemas que as
causavam não foram analisados a fundo e, portanto, solucionados.
Ainda que estudiosos como o sociólogo Florestan Fernandes em meados des-
se século já denunciasse tais ideias como errôneas e absurdas, de um modo geral
elas foram inseridas entre os valores de nossa sociedade. Porém, como o próprio
Fernandes já advertia, basta verificarmos os dados de que dispomos quanto às
condições da população no Brasil, segundo classe social e cor da pele, para per-
ceber que em nosso país não há democracia racial.

171
UNIDADE 5

Estudos voltados para o censo de 2010 já demonstravam que a desigualdade


social afeta entre os brasileiros especialmente os afrodescendentes, no que se
refere a distribuição de renda, pois entre:


a distribuição dos rendimentos por décimos de população segundo
a raça/cor, observa-se que no primeiro décimo (10% mais pobres),
estão 14,1% da população negra e 5,3% dos brancos. Outra forma de
verificar a desigualdade por raça/cor é o destaque dos extremos da
distribuição de rendimentos, em que, ao longo do tempo, predomina
a participação dos brancos no 1% com maiores rendimentos (mais ri-
cos) e de pretos ou pardos entre os mais pobres. (BRASIL, 2016, p. 16).

Uma desigualdade que se estende ao acesso à escolarização:


Segundo a PNAD 2013, os jovens brancos de 15 a 17 anos de idade
possuíam uma taxa de frequência escolar líquida 62,9% maior do
que a dos jovens pretos ou pardos da mesma faixa etária, com 47,8%.
Em 2012, entre os estudantes de 18 a 24 anos de idade, do total de
estudantes brancos, 66,6% frequentavam o ensino superior, apenas
37,4% dos jovens estudantes pretos ou pardos cursavam o mesmo
nível. Essa proporção ainda é menor do que o patamar alcançado
pelos jovens brancos 10 anos antes (43,4%). De acordo com os dados
mais recentes, a maior incidência de analfabetismo ocorre entre as
pessoas negras (11,8%). (BRASIL, 2016, p. 16)

E também no que se refere ao trabalho formal, já que segundo:


a PNAD 2013, há maior proporção de negros em trabalhos infor-
mais (49,6%) comparativamente à população de cor branca (36%).
[...]

[...] Uma pesquisa realizada pela Escola Nacional de Administração


Pública (ENAP), em 2014, mostrou que 51,7% dos servidores do poder
executivo são de raça/cor branca, enquanto 22,4% da raça/cor parda e
4% preta. Ainda segundo o mesmo estudo, a distribuição de ocupantes
de cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), segundo raça/

172
UNICESUMAR

cor, por Nível do Cargo, é de 60,6% de raça/cor branca, 21,2% de raça/


cor parda e 3,5% de raça/ cor preta . (BRASIL, 2016, p. 17).

Além disso, os homicídios configuram entre as principais causas de morte entre


a população negra. Informação que dados mais recentes ajudam a corroborar,
pois segundo o Governo Ferderal (GOVERNO DO BRASIL, 2018), “de cada 100
pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras”.
Esses dados são alarmantes e nos remetem a marginalização da população
afrodescendente no país como fruto das condições as quais fora submetida histo-
ricamente, antes por meio da escravidão e depois durante o processo da abolição
bem como após o mesmo que somou as condições herdadas do período escra-
vocrata, as novas formas de discriminação que foram direcionadas a essa que é
a maior parte de nossa população.

NOVAS DESCOBERTAS

Em seu canal no Youtube, a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz tem um


vídeo curto, cerca de pouco mais de 4 minutos, em que ela explica essa falácia
chamada A ladainha da democracia racial. É um material importante para a
nossa reflexão e também para que levemos à sala de aula quando trabalha-
mos os contextos que fazem parte da nossa História com os nossos alunos.

Todas as informações que eu e você percorremos e analisamos até aqui demons-


tram o quanto a luta contra o preconceito ainda é necessária e como o conheci-
mento do nosso passado é importante para que compreendamos as raízes de tais
situações. Só assim caminharemos para revertê-las.
Essas discriminações levaram ainda a um desconhecimento de nossas raízes
africanas, nos mais diversos hábitos que cultivamos em nosso cotidiano. Isto
acontece porque à população afrodescendente/negra ficou atrelada uma imagem
preconceituosa de que estas seriam inferiores e somente “serviriam” a serviços e
espaços subalternos em nosso meio.

173
UNIDADE 5

Para revertermos tudo isso, é preciso que comecemos por acabar com esse
desconhecimento sobre nossas heranças africanas e a sua dimensão. Devemos
trazer à tona não só o conhecimento a respeito delas, mas o quanto elas integram
mesmo o dia a dia de grupos que descendem de outros grupos étnicos. Por isso,
eu quero encerrar os caminhos finais por sobre os estudos da História africana,
percorrendo essas ligações culturais que o Brasil e a África detém. Vamos lá?!
As heranças africanas dos costumes e cultura brasileira, a construção
material e de saberes no país – Tais heranças são inúmeras e, portanto, o espaço
que eu e você detemos aqui não permite que abordemos toda a sua dimensão.
Contudo, não impede que eu e você façamos um rápido traçado em torno dessa
imensidão e da relevância que teve para a constituição do Brasil seja enquanto
país, ou no que se refere ao seu povo.
O historiador e antropólogo congolês Kabengele Munanga explica que temos
no Brasil heranças africanas que são de ordem econômica, democrática, cultural
e política, sendo que:


No plano econômico, os negros serviram como força de trabalho,
fornecendo a mão de obra necessária às lavouras de cana-de-açúcar,
algodão, café e mineração. Uma mão de obra escravizada é tratada
de maneira desumana e com condições de vida muito precárias;
e foi graças a esse trabalho gratuito do negro escravizado que fo-
ram produzidas as riquezas que ajudaram na construção da base
econômica do Brasil colonial. No plano democrático, os africanos
ajudaram no povoamento do país de tão intenso que era o volume
do tráfico negreiro. A título de exemplo, a evolução demográfica,
segundo alguns autores, mostra que até 1830 os negros constituíam
60% da população total, os brancos 16% e os mestiços 21%, ou seja,
negros e mestiços somavam 84% da população total. A partir de
1850, data da abolição do tráfico negreiro, acompanhado da extin-
ção formal da escravatura em 1888, a população negra começou a
decrescer sensivelmente por causa das más condições de vida em
que se encontraram e da mestiçagem com brancos e índios.

174
UNICESUMAR

No plano cultural, destacam-se notáveis contribuições de negros


africanos na língua portuguesa do Brasil, no campo da religiosidade,
na arte visual, na dança, na música e na arquitetura.

[...] No plano da resistência política, destaca-se a formação dos qui-


lombos. De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares,
foram levantadas cerca de 750 comunidades remanescentes dos
quilombos em todo o país. No entanto, o Centro de Cartografia
aplicada à Universidade de Brasília informa ter catalogado 2.228
comunidades quilombolas que abrigam uma população de cerca
de 2,5 milhões. (MUNANGA, 2018, p. 460-461).

Por isso, eu e você vamos viajar por sobre algumas das características culturais
africanas presentes do idioma em que falamos, aos nossos hábitos alimentares,
bem como em nossa cultura popular – crenças, música, etc. – e daqueles conhe-
cimentos que fizeram parte da construção material do nosso país por meio não
só da força de trabalho, mas de saberes e técnicas que muitos africanos trouxeram
para cá consigo. Mergulhemos nesse importante resgate!
Começaremos pelo nosso idioma. Este é um instrumento não apenas de
comunicação, mas ele é fruto de construções sócio-culturais no meio em que se
desenvolveu. Desse modo, quando os portugueses vieram para cá a partir de 1500
e iniciaram aqui o seu processo colonizador, por meio da língua que falavam e
inseriram por aqui tentaram impor o seu poder e modo de projetar o mundo.
Porém, o português falado pelos portugueses não ficou ileso aos contatos man-
tidos entre os povos que aqui viviam e aos que se estabeleceram para além dos
colonizadores. E assim, um jeitinho particular de falar o português no Brasil se
desenvolveu e teve a participação direta dos povos africanos que fizeram parte
de nossa formação enquanto povo.
A língua além de compor a cultura de um povo, é um mecanismo de trans-
missão da mesma (PEAD, 2019). Os portugueses quando aqui chegaram encon-
traram inúmeros povos nativos que já detinham seus próprios idiomas e modos
de comunicação. Para facilitar, se utilizaram da língua geral praticada, sobretudo,
por aqueles que faziam parte do tronco linguístico tupi-guarani.

175
UNIDADE 5

EXPLORANDO IDEIAS

No processo de colonização, a língua Tupinambá, por ser a mais falada ao longo da costa
atlântica, foi incorporada por grande parte dos colonos e missionários, sendo ensinada
aos índios nas missões e reconhecida como Língua Geral ou Nheengatu.
Fonte: https://www.labeurb.unicamp.br/elb/indigenas/lingua_geral.html. Acesso em
10/11/2021

Até o final do século XVIII essa língua geral foi a mais praticada por aqui. Com o
decorrer da colonização e com a vinda cada vez maior de portugueses e africanos
para o Brasil, além de medidas administrativas como decretos que impuseram
o uso da “língua do rei” de Portugal como aquela a ser falada por aqui, esta foi
sendo incutida à população, entretanto, sob novas formas:


Pela história de suas relações com outro espaço de línguas, o por-
tuguês, ao funcionar em novas condições e nelas se relacionar com
línguas indígenas, língua geral, línguas africanas, se modificou de
modo específico (GUIMARÃES, 2005, p. 25).

A partir desses “ajustes” surgiu o português do brasileiro, com um jeitinho próprio


de ser falado por aqui.
Nesse meio tempo, a chegada de africanos para servir como mão de obra
escrava foi acontecendo e, do mesmo modo que o seu trabalho foi se expandindo
pelas diferentes regiões do Brasil, uma modificação nos registros linguísticos da
colônia portuguesa na América também foi realizada por eles. Línguas africanas
Nagô, Quimbundo, Congoesa e Yorubá estão entre aquelas que mais contribuí-
ram para a composição linguística de nosso país (CARVALHO, 2008).
Esses africanos de diferentes origens eram propositalmente misturados para
terem mais dificuldade de comunicação entre si e, desse modo, formarem motins
contra os “seus senhores”. Mas para boa parte deles, a “língua portuguesa não soa-
va tão estranha”, tendo em vista que a maior parte dos escravos africanos no Brasil

176
UNICESUMAR

“procedia de possessões portuguesas na África" (CASTIM, 1998, p. 37). Assim,


eles foram aprendendo essa língua de “intercurso” com a qual os “capatazes lhes
gritavam e que, mais tarde, utilizariam para comunicar-se entre si”, para desse
modo, ajudar a “aportuguesar o Brasil” (RIBEIRO, 1995, p. 115).
Neste contexto, africanos de regiões sudanesas como os yorubás, à grupos que
provinham de regiões onde hoje se encontram Serra Leoa, Gâmbia, Senegâmbia,
Angola e Moçambique se viram em um espaço onde tiveram que se adaptar e,
para começar, utilizaram a língua de seus senhores e à ela deram o que Ribeiro
(1995, p. 116) chamou de seus “dengues”. Nesse ínterim, foram sendo espalhados
enquanto força de trabalho pelo Brasil afora, da intimidade familiar nas casas
grandes, ao trabalho no campo e nas cidades, inserindo assim tais influências
linguísticas por onde passaram e/ou ficaram.
Tudo isso começou por palavras do colonizador que, no português falado por
aqui foram substituídas por palavras de origem africana, formando um “preto-
guês” segundo Lélia Gonzalez, com origem em línguas do tronco banto como o
Kimbundu, Umbundu e o Kikongo, ou dos fom e iorubás:


o termo “benjamin” virou “caçula”, “selo” virou no português bra-
sileiro “carimbo”, “mulambo” substituiu o termo “trapo”, “insultar”
virou “xingar”, as “nádegas” passaram a ser chamadas de “bundas”
e “aguardente” definitivamente passou a ser “cachaça” no Brasil.
Como a língua é viva, algumas palavras mudaram um pouco e
outras adquiriram significados distintos, não muito distantes do
original. Além das palavras, o sotaque, o ritmo da fala, a cadência,
a sonoridade e a vocalização. Como sinaliza Yeda Pessoa de Castro,
grande pesquisadora das línguas africanas no Brasil, no nosso país
se pronunciam as vogais átonas: aqui se fala pneu em lugar de pneu;
advogado em lugar de advogado; submarino no lugar de submarino;
entre outras. (Lima, 2018, p. 172).

A área da lingüística mais afetada da língua portuguesa foram a fonética e a da


morfologia, uma vez que:

177
UNIDADE 5


Nagô e quimbundo são línguas aglutinantes, portanto desprovidas
de sistema flexional. Donde se segue que, na língua portuguesa, tal
influência repercute à medida que os utentes da língua vão reduzin-
do as flexões e corrompendo os fonemas, gerando uma imensidade
de alofones e alomorfes. Caso típico é a tendência que as populações
menos escolarizadas e menos próximas do litoral têm de flexionar
os verbos só em duas pessoas: “Eu gosto, tu gosta, ele gosta, nós gosta,
vocês gostam." (CASTIM, 1998, p. 39).

Sobre essa influência fonética, Mendonça em sua obra A Influência Africana no


Português do Brasil, nos traz alguns exemplos. Como os de assimilação:
O fonema j passa para o sibilante z:
• Jesus ........................................................Zezús
• José ..........................................................Zozé
Antes de e e i, o g transforma-se esporadicamente em z no dialeto carioca, o que
pode ser um vestígio do africano:
• genebra ........................................ zinébra
• registro ......................................... rezisto. (MENDONÇA, 2012, p. 82).
Ou casos de dissimilação, como aqueles que:
Ocorre nos grupos consonânticos de elocução difícil:
• negro ............................................ nego
• alegre ............................................ alegue. (MENDONÇA, 2012, p. 82).
Verificou ainda exemplos de aféreze:
• tá ...........................................= estar
• ocê .........................................= você
• cabá .......................................= acabar
• Bastião ...................................= Sebastião. (MENDONÇA, 2012, p. 82).
E de acópope, que aparecem em L e R finais:
• general ...........................................generá
• cafezal ............................................cafezá
• mel .................................................mé
• esquecer ........................................esquecê
• Artur ..............................................Artú
Há ainda aquelas influências de metástase, onde foram observadas pelos estudi-
osos da área que, de um modo geral, os africanos fizeram uma transposição do
eprostético da sílaba "es" para "se", como nos casos a seguir:
• escuta ........ secuta,
• escola ................ secula.
• É comum entre eles a frase “Secuta aqui!” correspondente a “Escuta aqui”.
(MENDONÇA, 2012, p. 83).

178
UNICESUMAR

Ou ainda, os casos de redução, em que os ditongos “ei” e “ou” por exemplo,


devido a influências africanas reduziram-se na língua popular falada no Brasil da
seguinte forma:
• ei ............... ê
• cheiro ........ chêro
• peixe ......... pêxe
• beijo .......... bêjo. (MENDONÇA, 2012, p. 84).

Os exemplos aqui citados, segundo Mendonça (2012), são fruto das diferenças
profundas entre as línguas africanas e indo-europeias, bem como seus vestígios
são particularmente notados em nosso dialeto “caipira”.

Figura 6 - O caipira
Fonte: Costa, A. T. Retrato de negro. 1906. 1
fotografia. Disponível em https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=39660754.
Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A tela de Artur Timó-


teo da Costa apresenta um homem negro de
chapéu preto e camisa amarela olhando para
o lado, com um cigarro de palha na boca, além
de ter um bigode.

Apesar de em menor número, as influências africanas no português falado no Brasil


também se fizeram em nossos verbos, com a inserção de exemplos, como: man-
dingar, zangar, bongar, carimbar, catingar, banzar, sambar, curiar, maxixar, cochilar,
candongar, enquizilar, aquilombar. Ou em adjetivos regionais, como: capiongo, cas-
sange, cafuçu, ingangento, cangulo, macambúzio, mazanza, caçula, buzuntão, ca-
penga, banguelo, fiota, dunga, zorô, granganzá, cutuba. (MENDONÇA, 2012, p. 86).
Os exemplos como vimos são extensos e fazem parte de palavras e expressões
que utilizamos em nosso cotidiano, mas que muitas vezes não sabemos de onde
elas vieram ou como foram construídas.

179
UNIDADE 5

Para além dessas influências linguísticas, os africanos nos legaram ainda mui-
tos dos nossos hábitos alimentares e muitas vezes não sabemos disso. Tais hábi-
tos são elementares nas características culturais de um povo, pois o modo como
nos alimentamos reúne de elementos sociais, econômicos e culturais em nosso
redor. Pois, se nos alimentar é primordial à nossa sobrevivência, a escolha dos
alimentos que consumimos depende dos recursos de que dispomos, aos hábitos
que herdamos de nossos antepassados e vem sendo alterados de acordo com as
relações estabelecidas por nós em nosso meio.
No Brasil, nossos hábitos alimentares são fruto das relações entre os povos
que construíram esse país e por isso, não à toa neles estão muitas das interfe-
rências culturais africanas entre aqueles cuja descendência forma a maioria da
população por aqui.
Comer foi um ato construído pelo homem, com base em suas necessida-
des físicas e sensoriais, percebidas por meio do cheiro, sabor, textura e cor dos
alimentos. Aos poucos, pressupostos econômicos, sociais e culturais, como as
crenças religiosas por exemplo, foram determinando nossas escolhas alimentares
(CARDOSO et. al., 2007). O Brasil, enquanto um caldo de culturas, dada a sua
diversidade, reuniu alimentos nativos, conhecidos dos indígenas a outros trazidos
pelos portugueses e africanos. E precisamos observar que o nosso país começou
a ser formado via colonização em um momento onde as especiarias africanas e
orientais estavam sendo mais acessíveis ao Ocidente, ou seja, na Era das Grandes
Navegações que vinha ocorrendo desde o século XV e se estendeu até XVII.
Nesse contexto, alimentos que faziam parte da base alimentar do indígena,
como a mandioca e o milho, entre outros, foram acrescentados à consumidos
por nativos da África ou já conhecidos pelos africanos, por meio de seus contatos
comerciais com outros povos. Esse processo de influências africanas em nossa
alimentação foi facilitado pelo fato de muitas africanas que aqui eram escraviza-
das terem sido introduzidas nas casas grandes dos senhores de escravos no Brasil
enquanto cozinheiras.
Aos poucos, essas mulheres foram incorporando à comida brasileira produ-
tos como o azeite de dendê, cuja palmeira que produz seu fruto, fora trazida da
África para o Brasil, já nas primeiras décadas do século XVI. Ou ainda, outros
alimentos como: o coco-da-bahia, o quiabo – ingrediente indispensável na culi-
nária de algumas populações africanas- a cebola, o alho e a pimenta malagueta
(CARDOSO, et. al., 2007).

180
UNICESUMAR

E assim, muitos pratos típicos africanos, no contato com produtos locais,


foram sendo recriados, até mesmo porque muitos desses africanos já conheciam
alguns desses produtos americanos, por conta da distribuição dos mesmos feita
pelos portugueses entre sua colônia e entrepostos comerciais em África e Ásia:


O feijão era apreciado tanto por africanos como por portugueses,
o que o levou a ser um prato de destaque na mesa do brasileiro,
tornando-se prato nacional, consumido pelos ricos e muitas vezes
sendo o único alimento do pobre. O caruru é outro prato típico da
culinária africana, feito com inhame, que manteve o nome indígena,
mas com outros ingredientes como galinha, peixe, carne de boi ou
crustáceo. Outras receitas foram surgindo com o tempo, como a
rapadura e as comidas de milho e coco, como canjicas, munguzás,
angus e pamonhas. (CARDOSO, et. al., 2007, p. 51).

Uma influência africana importante em nossos hábitos de alimentação foi o háb-


ito de consumir leite, pois os africanos trazidos para o Brasil já estavam acostuma-
dos a criação de gado caprino, bovino e ovino, fazendo uso desse alimento que
de suas fêmeas provém. Além disso, as escravas africanas, além de cozinheiras
dos seus senhores, em grandes centros como Salvador e Rio de Janeiro, elas eram
comumente quituteiras de destaque, vendendo salgados e doces que até hoje
fazem parte da culinária desses locais. Nesse caso, basta lembrarmos do acarajé, o
abará, o vatapá e o caruru da Bahia, “lanches” que se perpetuaram e são consum-
idos até hoje rotineiramente nessas regiões brasileiras.

A banana, uma das frutas mais consumidas no Brasil, também foi introduzida
por aqui já no século XVI por influência africana:


cercando as casas dos povoados e as ocas das malocas indígenas,
e decorando a paisagem com o lento agitar de suas folhas. Nenhu-
ma fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva, juntamente
com o amendoim. A banana foi a maior contribuição africana para
a alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição e consumo.
(RADAELLI e RECINE, s/d, p. 17).

181
UNIDADE 5

Além dela, frutas como a manga, a jaca, a cana e o coco, também vieram do con-
tinente africano e fazem parte daquelas que os brasileiros tanto estão acostuma-
dos ao consumo in natura ou pratos em que elas compõem sua base. Ou outras
nativas foram incorporadas a elas no consumo diário e nos pratos desenvolvidos
por essas mulheres africanas, como por exemplo, o caju.

Figura 9 - Negra vendendo caju


Por Jean-Baptiste Debret. Negra vendendo
caju. 1827.1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=3724679. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Na tela de Debret apa-


rece uma mulher negra, com blusa branca, saia
azul, com patuás na beirada do seu cós, sen-
tada com a mão em seu queixo, o rosto com
desenhos de dois círculos na testa, um outro
na ponta do nariz e mais um seu queixo, além
de duas retas em ambos os lados das boche-
chas. Ela possui ainda um turbante branco na
cabeça e tatuagens no braço esquerdo, bem
como pulseira e colar. Em sua frente está uma
bandeja com vários cajus.

Foram também os africanos que aqui incorporaram o consumo do arroz e de


vegetais e ervas como: quiabo, caruru, inhame, erva-doce, gengibre, açafrão, ger-
gelim, amendoim africano e melancia, entre outros. E entre as carnes, o destaque
vai para a galinha d’angola. (RADAELLI e RECINE, s/d).
Além disso, o modo como o africano era tratado e, portanto, os alimentos
que a ele eram dispensados, fez com que recriassem novos. Nesse sentido, temos
exemplos, o pirão escaldado, ou massapé, feito de farinha de mandioca na água
fervente, com pimenta, muito comum no meio rural brasileiro, fruto da necessi-
dade de fazer a pouca comida render (RADAELLI e RECINE, s/d).

182
UNICESUMAR

São muitos os exemplos de produtos a pratos típicos da culinária brasileira


criados ou influenciados pela cozinha africana. Seria possível percorrer páginas
e mais páginas falando somente das Influências africanas em nossos hábitos de
alimentação, contudo, outros aspectos culturais no Brasil merecem a nossa aten-
ção neste espaço dedicado a conhecer um pouco mais sobre as nossas heranças
culturais advindas da África.
Um deles é a nossa cultura popular. Normalmente identificada como folclo-
re de um povo, está se trata dos seus costumes, manifestações artísticas em geral,
lendas, entre outros hábitos que repassados por um grupo através da tradição
oral e popular, se perpetuam e são preservados ao longo do tempo. O folclore
ou a cultura popular é uma "cultura viva", pois é criado e recriado ao longo das
circunstâncias e do meio onde nasce e sobrevive. Por isso, o folclore brasileiro
é fruto da cultura que foi gerada junto com seu povo, recebendo influências de
diferentes etnias que formaram a nossa diversidade, das quais muitas foram as
africanas que para cá foram trazidas durante a colonização e período imperial.
Apesar das dificuldades enfrentadas pelos africanos que aqui chegaram, sen-
do compelidos a abandonar suas raízes culturais e a assimilar novos costumes
– de seus “senhores” – eles não deixaram de inserir suas raízes culturais nesse
novo mundo. Ao resistirem as imposições que lhes eram feitas por aqui, os negros
africanos acabaram por imprimir suas raízes em nossa cultura até mesmo como
um meio de suportar tais condições. Isso ocorreu seja ao recorrerem às suas
crenças e "valores espirituais", ou as suas “reminiscências rítmicas e musicais”, ou
pela busca de “saberes e gostos culinários" (RIBEIRO, 1995, p. 116-117).
A religiosidade africana, baseada em um totemismo, foi o ponto de parti-
da para tanto. O culto jeje-iorubano, que aqui é conhecido enquanto candomblé,
foi sendo incorporado com a chegada dessas etnias advindas da África Ocidental.
Por meio dele, uma "magia africana" se perpetuou entre as camadas populares
através de "simpatias" que fazem parte das superstições familiares dos brasileiros
até os dias de hoje (MENDONÇA, 2012, p. 91-92). Além do candomblé, outras
religiões populares no Brasil como a umbanda e a macumba fazem parte do que
Munanga (2018, p. 460) chamou de “patrimônio religioso brasileiro”.

183
UNIDADE 5

EXPLORANDO IDEIAS

O candomblé iorubá, ou jeje-nagô, como costuma ser designado, segundo Prandi (2001),
congregou no Brasil desde o início de sua construção religiosa, aspectos culturais originários
de diferentes cidades iorubanas, originando-se aqui a partir da reunião de diferentes ritos,
ou das chamadas “nações de candomblé”, predominando em cada nação tradições da cida-
des ou região africana das quais emprestou o nome, como por exemplo, os queto, ijexá, efã.

As “sobrevivências totêmicas” de algumas religiões africanas foram integradas


também às festas populares e mantém suas tradições conservadas em vários
cantos do Brasil. Nesse sentido, Mendonça (2012) dá o exemplo dos Congos,
cantados durante os festejos de Natal na região de Alagoas, onde negros vestidos
de reis e de príncipes acompanham três rainhas negras. Ou mesmo o exemplo
da Festa do Divino que ocorre em diferentes locais Brasil afora, que dentre ma-
nifestações populares por aqui, pode ser considerada entre exemplos de festejos
típicos de populações africanas que no Brasil foram inseridos em festas que se-
riam tradicionalmente católicas.

Figura 10 - Mascarados na Festa do Divino em


Pirenópolis-GO
Fonte: Cruz, M. Mascarados de Pirenópolis.
2006. 1 fotografia. Disponível em https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?cu-
rid=3052643. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é uma fo-


tografia de integrantes da Festa do Divino em
Pirenópolis Goiás, com suas fantasias e másca-
ras, montados em cavalos também enfeitados
em meio ao gramado do estádio da cidade.

184
UNICESUMAR

O racismo e a intolerância religiosa no Brasil


Você sabia que entre os crimes de intolerância religiosa no
Brasil, aqueles sofridos por praticantes de religiões afrobra-
sileiras são os de maior número? Pois bem, essa atitude tem
relação com outros preconceitos direcionados às populações
negras no Brasil, que incluem entre eles o preconceito racial.
Por isso, eu lhe convido a conversarmos e assim refletirmos
juntos sobre a relação entre o racismo e a intolerância
religiosa no Brasil e o quanto são prejudiciais às populações
afrodescendentes brasileiras. Acesse o QR. Vamos lá?!

Outro caso curioso é o do personagem popular de “Maria Cambinda”, uma meni-


na africana que teria sido trazida para o Brasil em um navio negreiro e se tornou
uma espécie de santa cortejada em festejos e que se perpetuou pelos terreiros.
Também o cucumbi, um estilo de dança comum em tempos de carnaval, são
alguns dos vários exemplos de festividades pelo Brasil que tem suas origens na
África. Do mesmo modo as canções nagôs, tocadas em instrumentos africanos,
que fazem parte dessas festas e deram origem aqui a ritmos americanos como o
samba e o maxixe, o maracatu, o frevo e a própria capoeira. Dentre os exemplos
de instrumentos que perpetuaram tais ritmos, encontram-se os tambores, os
"atabaques", e os percutidores como chocalho. (MENDONÇA, 2012).

Figura 11 - Percussionista tocando um atabaque


Fonte: Fentress, S. Drumming on an atabaque.
2003. Disponível em https://commons.wikime-
dia.org/w/index.php?curid=178033. Acesso em
26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: A imagem é uma fo-


tografia em preto e branco com um ângulo de
cima para baixo, que mostra um atabaque, es-
pécie de tambor e as mãos do percussionista
que o está tocando/batendo.

185
UNIDADE 5

Ainda quanto às influências africanas em nossa cultura popular, temos sua forte
presença em nossos contos e lendas. Normalmente isso não é tão visível, já que
muitos deles receberam também heranças indígenas, como o caso do currupira
e da caipora e até mesmo o saci pererê. Porém, desde a África, as populações que
desse continente para cá foram trazidas, detinham muitas histórias tradicionais
centradas nas figuras de animais - como por exemplo a tartaruga e o macaco - e
cujas habilidades que suas espécies possuem em meio a natureza, eram vistas
nesses casos enquanto “magias” ou “poderes” de proteção e para a ação sobre o
meio, tiveram essas crenças continuadas nas tradições que essas pessoas desen-
volveram por aqui. Esses africanos levaram as suas tradições totêmicas por onde
passaram, influenciando ainda as indumentárias dos festejos delas provenientes,
alguns símbolos culturais com os quais convivemos, ou ainda amuletos protetores
que se referem a divindades animais e que fazem parte das crenças comuns entre
a população brasileira.
Exemplos nesse sentido são encontrados nos desfiles de escolas de samba
durante o Carnaval.

Figura 12 - Carro abre-alas da Portela no desfile das escolas de samba de 2014


Fonte: Frazão, F. Desfile Portela 2014. 2014. 1 fotografia. Disponível em https://commons.wikime-
dia.org/w/index.php?curid=47101809. Acesso em 26 mar. 2022.

Descrição da Imagem: Em meio ao desfile no autódromo do Rio de Janeiro, a imagem é uma fotografia
do carro abre alas da Portela, com sua águia azul, rodeada pelas arquibancadas lotadas de pessoas
assistindo ao desfile.

186
UNICESUMAR

Muitas dessas práticas e ainda outras, se desenvolveram ainda, graças ao sincre-


tismo resultante das situações enfrentadas por esses africanos aqui, inclusive
enquanto um mecanismo utilizado para manutenção de suas crenças originárias
em um ambiente estritamente católico. Daí a associação em cultos religiosos
como a Umbanda, que é tipicamente brasileira e no Candomblé, com origem no
culto jeje-nagô, de santos católicos aos orixás de tais tradições religiosas africanas.
Tudo isso resultou em muitas das festas cujos exemplos já foram vistos por nós
em nosso trajeto feito até aqui, ou no modo de festejá-las, assim como em outros
exemplos comuns da cultura popular brasileira como a Festa do Bom Jesus dos
Navegantes, a Festa do Senhor do Bonfim e de Iemanjá.
Todos esses exemplos demonstram o quanto religiosidades totêmicas africa-
nas perpassam a nossa música, nossos ritmos e instrumentos, bem como nossas
festas e contos, desse modo compondo as bases de uma cultura popular, que tem
influências em nosso jeito de agir e se colocar perante o mundo.
Por isso, é que encontramos diversas dessas influências estendidas da moda
ao se vestir, ao modo de se comportar ou até se movimentar, do andar ao dançar.
Nesses casos, alguns estudos desenvolvidos revelam que:


o quanto a maneira de se mover e de se adornar mostra como a pes-
soa é ou como ela deseja ser. Assim, ao se debruçar sobre a presença
das heranças africanas no Brasil, não se pode deixar de reconhecer
a forte herança das manifestações corporais em nossos ancestrais.
Essas manifestações se expressam na corporeidade em movimento,
traduzindo -se nas danças de matriz africana, na ginga, no rebolado,
na estética afro -brasileira, que ficam evidentes no modo de vestir e
de enfeitar o corpo, desde o tempo da escravidão até a recuperação,
hoje em dia, de penteados e de padrões de tecidos africanos nas
cabeças e nos trajes daqueles que desejam eventualmente celebrar
esse pertencimento cultural hoje em dia. (LIMA, 2018, p. 173).

Portanto, muito do modo como costumamos nos apresentar perante o mundo


está carregado dessas influências e nem nos damos conta, ou são objeto de re-
presentatividade e resgate dessas nossas origens.
Já vimos que as nossas heranças africanas são inúmeras e não esgotamos to-
dos os casos em que elas existem. Vamos então terminar de analisá-las voltando
a nossa atenção para para algumas contribuições que estão entre os saberes e téc-

187
UNIDADE 5

nicas que herdamos de nossa matriz africana, mas que não têm sido observadas
e estão entre as mais esquecidas.
Segundo Lima (2018), quanto às contribuições africanas para além da música,
dança, vocabulário e nossa alimentação, que são muitas e em vários momentos
são tratadas com desprezo, como se fossem pouco importantes, há um desco-
nhecimento ainda maior do quanto pessoas provenientes da África contribuíram
por meio do desenvolvimento do conhecimento e de técnicas para a produção
material, para além da força braçal por si só, mas nos mais variados trabalhos
que realizaram Brasil afora.
Contudo, os estudos hoje trazem muitos saberes e tecnologias que foram inseri-
das aqui por populações trazidas da África. Além de seus conhecimentos na agri-
cultura, que os fizeram ser utilizados no início da colonização na produção de cana
e nos engenhos para o fabrico de açúcar, são de origem africana técnicas importantes
utilizadas e desenvolvidas no Brasil seja na produção cerâmica ou na metalurgia:


Esses africanos pertenciam a grupos que tinham conhecimentos
técnicos avançados, pois faziam parte de uma cultura de especia-
listas. Assinala -se a existência de alguns grupos que tinham origem
na Costa da Mina, por esse nome conhecida, por ser por onde se
escoava o ouro proveniente do interior do continente. Os habitantes
da Costa da Mina no começo do tráfico atlântico chegaram a com-
prar, com ouro, cativos trazidos pelos portugueses de outras partes
do continente. No Brasil, a atividade de busca de jazidas de ouro
sempre esteve presente, desde que chegaram os portugueses, mas
foi a partir do final do século XVII que as buscas se intensificaram.
Na última década do século, as primeiras jazidas foram encontradas
em uma área que, por essa razão, passou a ser chamada de região
das Minas Gerais. Para lá, muitos africanos foram levados como
cativos para trabalhar na mineração, atividade que se tornou fun-
damental para o império português e para o Brasil. Havia africanos
que conheciam bem os ofícios ligados a esse campo de trabalho. No
seio da população da região das minas do Brasil existia uma anti-
ga crença, principalmente entre os mineradores durante os séculos
XVIII e XIX, de que todo minerador deveria ter uma negra de nação
mina como amante para que tivesse sucesso em suas atividades de

188
UNICESUMAR

extração do metal. É claro que se fala de uma sociedade patriarcal,


altamente marcada pelo sexismo e com poder sobre o corpo des-
sas africanas. Chamo a atenção agora para o aspecto mágico dessa
história, de um conhecimento técnico apurado, construído durante
centenas de anos, desde antes de qualquer contato com os europeus
na época moderna. (LIMA, 2018, p. 175-176).

Populações bantas são historicamente conhecidas no continente africano por


dominarem o trabalho com o ferro e os metais de um modo geral, algo que as
fez empregar esses conhecimentos nas atividades de mineração e fundição
realizadas por aqui. Os bantos tinham experiência no controle da temperatura
dos fornos, da composição do material para fundição dos metais, assim como
em no fabrico de ferramentas para tais trabalhos:


Por meio de estudos recentes da arqueometalurgia, pode -se consta-
tar a sofisticação dessa tecnologia de fundidores do grande espaço
ocupado por povos bantos na região ao sul do Saara. Grupos africa-
nos apresentavam uma relação especial com o metal, especialmente
o ferro. Esse valor aparece também no universo religioso trazido
para o Brasil por grupos da África Ocidental, não bantos. Um dos
orixás mais populares do Candomblé é Ogum, que além de guer-
reiro é ferreiro. (LIMA, 2018, p. 177).

Esses conhecimentos fizeram com que esses grupos fossem “preferidos” quando
da escravidão, para servirem enquanto escravizados em tais tarefas:


No Brasil, muitos desses especialistas eram comprados e escravi-
zados para fabricar e abastecer suas atividades de fabrico de ferra-
mentas, porque havia uma necessidade constante desses utensílios
de uso múltiplo. Instrumentos como machados, pás e foices eram
fabricados por africanos com sua própria tecnologia trazida para o
Brasil. (LIMA, 2018, p. 177).

Esses africanos inseriram no meio brasileiro tecnologias que foram fundamen-


tais, como por exemplo no trabalho que se refere a metalurgia do ferro, pois esta:

189
UNIDADE 5


Está relacionada diretamente com essa tecnologia e com a tecnolo-
gia do cadinho, recipiente de argila refratária utilizado em operações
químicas a temperaturas elevadas, também trazido por africanos e
africanas. Há uma série de escritos de viajantes do século XIX, como
o do geólogo inglês John Mayer, no Brasil em 1807, que sinaliza: “Al-
guns dos grãos do ouro são tão pequenos que flutuam na superfície,
podendo ser arrastados nas repetitivas mudanças da água que se
fazem. Para prevenir esse inconveniente, os negros esmagam algu-
mas ervas em uma pedra e misturam com um pouco do seu suco
a água de suas gamelas. Não afirmarei que esse líquido contribua
realmente para precipitar o ouro, mas é certo que é empregado com
grande confiança e resultado”. (LIMA, 2018, p. 177-178).

Com isso, trouxeram tais técnicas para a nossa arte, que abrangeu a prática de
produzir objetos de ferro, cuja fina fabricação seus ancestrais já dominavam há
séculos, assim como também trouxeram técnicas arquitetônicas, como o exem-
plo do mocambo - “estruturas para erguer casas” (GOMES, 2015, p. 11) - que se
tornou sinônimo de pequenas aldeias ou até mesmo parte de comunidades qui-
lombolas, permanecem vivas do “nordeste do Brasil, em alguns isolados rurais”
em outras regiões desde os tempos coloniais (MUNANGA, 2018, p. 459).
Figura 13 - Mocambos na comunidade quilombola de Presidente Kennedy - ES

Descrição da Imagem: A imagem é uma foto panorâmica da comunidade quilombola de Presidente Ken-
nedy no Espírito Santo, cujos mocambos, ou cabanas das aldeias que formam a comunidade aparecem
ao fundo, em meio a uma área rural.

190
UNICESUMAR

São muitos os saberes e as influências, mas conforme nos advertiu Munanga


(2018, p. 461),“todas essas manifestações culturais constituem umas das matrizes
fundantes da cultura nacional, que deveria fazer parte da educação brasileira no
que diz respeito à formação do cidadão”, contudo, elas não ocuparam “posição
igual às heranças europeias no sistema de ensino nacional”, dada a implantação
delas ter ocorrido em meio à diáspora africana e os acontecimentos subsequentes
a ela que receberam suas sequelas e problemas posteriores, cuja discussão em
torno deles aqui revivemos.

NOVAS DESCOBERTAS

A Enciclopédia Negra, organizada por Flávio dos Santos Gomes, Jaime


Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, é uma obra lançada no ano de 2021,
que com toda certeza serve como uma importante fonte de estudos
sobre os africanos e suas influências na construção do Brasil. Ela con-
ta com 416 verbetes biográficos que resgatam a memória de milhões
de africanos e afrodescendentes no Brasil.

O reconhecimento desses saberes é algo que está entre os tantos aspectos da


cultura brasileira que nos cercam e que tem enfrentado um longo caminho de
obstáculos, como o preconceito a serem superados. Afinal, a nossa cultura é a
identidade que detemos enquanto um povo, compreender as suas raízes que
tem tantas ligações com a África é um exercício de extrema importância na re-
construção de nossa história e da história de tantos africanos que fizeram parte
de processos históricos para além da África. Espero que você tenha gostado de
realizar tal tarefa junto a mim.

191
UNIDADE 5

Esse trajeto final que eu e você realizamos na última etapa de nossos estudos
a respeito da História da África e de populações africanas, teve por objetivo que
eu e você resgatássemos relações profundas existentes entre a África e o Brasil,
para que observássemos e ressaltássemos o quanto elas são grandiosas embora,
há muito, venham sendo negligenciadas. Porque embora a Lei 10.639 e 11.644
tenham tornado obrigatório na Educação Básica, no princípio do século XXI, o
ensino da história e da cultura negra no Brasil, ainda não foram suficientes para
vencer toda uma estrutura de preconceitos em relação às populações afrodes-
cendentes e o seu papel na construção desse país.
Ainda que o Brasil já tenha abolido a escravidão há mais de um século, uma
prática que foi direcionada de forma crescente ao longo de sua existência aos
africanos comercializados como mercadorias sob o jugo dessa escravidão, os
resquícios dela o modo como sua abolição se fez acabaram por fazer e manter
a sociedade brasileira voltada para um olhar eurocêntrico, que exalta aspectos
culturais europeus/brancos e impede que olhemos para povos da África/negros
enquanto protagonistas em nossa formação e capazes de desenvolver conheci-
mento, desenvolvimento e riqueza.
A diplomacia tem levado nas últimas décadas a um retorno do estabelecimen-
to de relações entre o Brasil e recentes nações africanas do pós-independências
ocorridos em meados do século XX. E ainda que tais relações vão hoje além
daquelas iniciadas por meio de um comércio Atlântico de escravizados, elas não
estão ilesas das marcas deles provenientes, como por exemplo o preconceito ra-
cial, embora por aqui sejamos o país mais negro fora da África.
Portanto, enquanto professores, historiadores e brasileiros, devemos conhe-
cer todas essas relações e contribuir para que essas discussões contribuam para
vencer esses obstáculos, através do resgate daquela que é ou faz parte da nossa
própria trajetória histórica. E embora o espaço que tivemos aqui não tenha sido
suficiente para discutir tudo o que é necessário, eu e você pudemos dar alguns
dos primeiros passos nessa direção. Com base no conhecimento que adquirimos,
por meio desta disciplina, que tal elaborarmos um dicionário com palavras que
são derivadas dos idiomas africanos? Vamos lá!

192
O conhecimento das nossas heranças culturais é fundamental para a nossa edu-
cação cidadã, pois “não se educa um cidadão sem colocar-lhe uma consciência
crítica das raízes culturais que contribuíram na formação de sua nacionalidade".
Fonte: MUNANGA, Kabengele. Passado e Presente nas Relações África-Brasil.
In: JORGE, Nedilson (Organizador). História da África e Relações com o Brasil.
Brasília: FUNAG, Coleção Eventos, 2018, p. 461.
Sendo assim, elabore com base nos conhecimentos obtidos em nossa análise
sobre as heranças culturais africanas na constituição do Brasil, um mapa mental
em que estas sejam apresentadas.
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RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: 1995.

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UNIDADE 1

1. O(A) aluno(a) deve lembrar que, no Paleolítico, houve o desenvolvimento de ferramentas


de pedra, o domínio do fogo, e o uso de arco e flecha, e que a população humana era
formada exclusivamente por caçadores e coletores. Já no Neolítico, ocorreram mudanças
climáticas, e a população humana conseguiu desenvolver a agricultura, a pecuária, a cerâ-
mica e a metalurgia, indicando os primeiros assentamentos humanos de longa duração.

2. O(A) aluno(a) deve argumentar: que o faraó era uma autoridade política porque era o líder
da sociedade, resultado da unificação dos grupos e reinos diferentes, e ao qual foi conce-
dido poder para dirigir e direcionar o desenvolvimento da sociedade; que o faraó era uma
autoridade religiosa porque, dentro da religião egípcia, ele era filho de uma figura divina
e sua decisões tinham poder sobre decisões religiosas; e que o faraó era uma autoridade
judicial pois ele tinha poder de decisão sobre questões de lei, divisões de bens, estabele-
cimento de fronteiras, e decisões como um juiz.

3. a) O(A) aluno(a) deverá observar que as candaces, como assim o foram chamadas em escri-
tos gregos durante a Antiguidade, nada mais foram que rainhas ou governantes de Kush.

b) É importante que o(a) aluno(a) observe a sua representação enquanto mulheres fortes
e verdadeiras chefes de Estado, já que não eram meras mães ou esposas de governantes
em Kush, mas eram elas as lideranças políticas em muitos momentos.

c) E por último, quanto ao último questionamento, é preciso que seja observado que essas
mulheres exerceram papéis que em uma sociedade patriarcal, nos moldes Ocidentais ao
qual estamos normalmente acostumados, não se fazia em Kush, bem como em outros
reinos africanos.

UNIDADE 2

1. O aluno deve desenvolver um Mapa organizado em que sistematize por meio de conceitos
chave, claros e objetivos, que definam as origens, características sócio culturais, políticas e
econômicas, das populações mandinga, bantas e iorubás, bem como dos reinos de Axum,
Gana, Mali, Oyó, Congo e Monomotapa, que discutimos ao longo da Unidade.

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UNIDADE 3

1. Você deve observar as condições em que esse tráfico fazia, em proporções muito maiores
do que práticas de escravidão anteriores, até mesmo na África, incluindo de violência. E
por isso, os efeitos foram atos desumanos como os praticados por Kimber. Para tanto,
ele poderá dispor de outros dados apresentados ao longo da primeira etapa da unidade.

2. Você precisa apresentar os dados dispostos na segunda parte desta unidade, onde foram
analisados vários exemplos de conflitos armados ou revoltas, algumas que duraram mais de
uma década, buscando conter o avanço imperialista europeu, como uma reação contínua
e presente em todas as partes da África.

3. Nessa questão é importante que aponte aspectos na caricatura de Rhodes em que de-
monstra o intuito de dominar o continente africano por parte das potências imperialistas
europeia. É fundamental, ainda, discorrer a respeito dos efeitos que em geral isso causou,
como: fronteiras e modelo socioeconômico impostos, incentivo a conflitos antigos e a
incitação de novos, além da dependência econômica enquanto países que mesmo livres.

UNIDADE 4

1. O aluno deverá expor de forma clara e objetiva em seu mapa, o desenvolvimento do imagi-
nário estrangeiro – árabe e ocidental – a respeito da África, com base em uma difícil relação
de alteridade entre esses e os “outros” africanos, ao utilizarem-se como medida de análise as
suas características enquanto superiores e a das populações africanas enquanto inferiores
por serem diferentes delas. Já no que se referem as três abordagens da História da África a
partir da construção da História enquanto uma ciência, deve ser exposto que: a abordagem
da inferioridade africana foi construída pelos imperialistas europeus em sua ação coloniza-
dora sobre a África, utilizando-se dos preconceitos já existentes e presentes no imaginário
que ajudaram a construir em torno do continente africano, para justificar suas ações; já a
abordagem da superioridade africana foi construída quando da libertação dos territórios eu-
ropeus dos seus colonizadores e, assim foi iniciada por estudiosos africanos dos países recém
independentes que buscavam evidenciar as capacidades que muitas vezes foram negadas
ou ocultadas por esses colonizadores, mas que acabaram em alguns casos cometendo erros
de abordagem nesse intuito; e por último as abordagens atuais que revisaram as anteriores
no sentido de superar seus obstáculos e fazer uma História em que verdadeiramente se
respeite as particularidades e as dinâmicas locais da África e de seus habitantes, algo alcan-
çado a partir de estudiosos africanos que não só nasceram no continente mas estudaram
no mesmo, em um contexto em que o colonialismo já havia sido vencido.

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UNIDADE 5

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