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História Política

e Econômica
PROFESSORA
Dra. Verônica Karina Ipólito

ACESSE AQUI O SEU


LIVRO NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação
Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Head
de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e
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Correia Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção Digital
Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Recursos Educacionais Digitais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Design
Educacional e Curadoria Yasminn T. Tavares Zagonel Supervisora de Produção Digital Daniele Correia

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Priscilla Campiolo Manesco Paixão Núcleo de Educação a Distância. IPÓLITO, Verônica Karina.
Projeto Gráfico e Capa História Política e Econômica.
André Morais, Arthur Cantareli e Verônica Karina Ipólito.
Matheus Silva
Editoração Maringá - PR.: UniCesumar, 2021.
Juliana Duenha
208 p.
Design Educacional “Graduação - EaD”.
Patricia Peteck
1. História 2. Política 3. Econômica. 4. EaD. I. Título.
Revisão Textual
Ariane Fabreti
Ilustração
Impresso por: CDD - 22 ed. 330.9
André Azevedo
Fotos CIP - NBR 12899 - AACR/2

Shutterstock ISBN 978-65-5615-481-7

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
BOAS-VINDAS
A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história
avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria-
mente para que nossa educação à distância continue Tudo isso para honrarmos a
como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre nossa missão, que é promover
quatro pilares que consolidam a visão abrangente a educação de qualidade nas
do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o diferentes áreas do conhecimento,
profissional, o emocional e o espiritual. formando profissionais
A nossa missão é a de “Promover a educação de
cidadãos que contribuam para
o desenvolvimento de uma
qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for-
sociedade justa e solidária.
mando profissionais cidadãos que contribuam para o
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
MINHA HISTÓRIA
MEU CURRÍCULO
Dra. Verônica Karina Ipólito

Lembro-me bem de quando, em uma das aulas de Histó-


ria ministradas por mim, para um 2° ano do Ensino Médio,
gerei alvoroço ao falar sobre a “nau dos insensatos” e em
como a sociedade dita normas e, por vezes, cria mecanis-
mos de exclusão. Para vocês terem uma ideia, durante a
Idade Média, era comum os “dementes” serem enclausu-
rados na chamada “nau dos insensatos”, navios sem rumo
largados à deriva em rios e mares, levando consigo pes-
soas consideradas loucas. Foi, justamente, nestas pecu-
liaridades que a discussão se enveredou para a questão:
até onde pode-se considerar algo ou alguém “normal”.
História é assim: discussão, pontos de vista diferentes,
curiosidades e, o que mais amo: estes relatos que nos
fazem ficar em dúvida até que ponto é estória ou história.
A paixão movida pelo fato de conhecer realidades
distintas e a ânsia pelo conhecimento com esta pitada
Aqui você pode
conhecer um literária me fizeram partir para a formação na área de
pouco mais sobre História. E fui: primeiro com a graduação — na qual até
mim, além das
teatro, ao som de O Fortuna (da ópera Carmina Burana)
informações do
meu currículo. retratando uma procissão em plena peste negra e orando
em latim, me propus a fazer —, mestrado, doutorado e
outras especializações no caminho.
Quer me conhecer melhor? Saber os meus hobbies,
as minhas preferências? Então, leia o QR-Code com o seu
celular para conferir o meu vídeo de apresentação.
PROVOCAÇÕES
INICIAIS

HISTÓRIA POLÍTICA E ECONÔMICA

Na atual conjuntura, fala-se tanto em pandemia, não é mesmo? É fato que, durante a
história, as pandemias sempre afetaram, direta ou indiretamente, os sistemas econô-
micos e políticos no mundo todo. Se analisarmos a gripe espanhola (1918-1920), por
exemplo, notaremos que foi o quarto episódio de maior recessão econômica em toda
a história mundial. Se, na atualidade, as condições já estão precarizadas por conta
da Covid-19, Sars-CoV-2 e mutações diversas, imagine você, aluno(a), como eram as
condições (políticas, econômicas, médicas etc.) há um século atrás? Você acha que a
situação atual se assemelha à da gripe espanhola? Já parou para pensar sobre os pro-
blemas políticos e econômicos gerados nesta crise sanitária, ocorrida há pouco mais
de 100 anos? Você acredita que esse momento trouxe transformações na economia
e na política mundial?
Como você pode observar, as pandemias são momentos que promovem muitas
transformações. Vivenciamos uma nova pandemia, a Covid-19, e, como você, aluno(a),
já deve ter notado, os efeitos econômicos e políticos prometem ser avassaladores. Na
história mundial, outros momentos provocaram fortes mudanças, assim como guerras
mundiais, quebra da Bolsa de Valores de Nova York, entre outros.
E você? Consegue perceber mudanças no seu cotidiano e que estejam relacionadas
a uma crise que ocorreu na história? Vamos pensar juntos: nos dias atuais, podemos
nos posicionar, seja por redes sociais, seja nas rodas de conversa, entre outros meca-
nismos, certo? Já se perguntou se este direito de expressão sempre existiu? Já parou
para pensar que foram necessárias as lutas de pessoas, os movimentos, a atuação de
ideias para que essas mudanças ocorressem?
Em certos momentos históricos, nem todos eram considerados cidadãos e, por isso,
não podiam expressar, livremente, as suas opiniões. A democracia que vivemos hoje é
resultado de um amplo e longo processo de transformação, assim como as mudanças
relacionadas à economia (questões salariais, oferta e procura, entre outros). As trans-
formações históricas sempre trazem, no seu bojo, alterações econômicas e políticas,
como veremos adiante.
Você, enquanto aluno(a) e futuro(a) professor(a) de História, poderá assistir aos noti-
ciários, ler os jornais e verificar as fontes das informações. Com isso, notará que muitos
veículos de comunicação possuem interesses vinculados a determinados grupos, adotan-
do metodologias distintas e fontes diversificadas. Os interesses políticos e econômicos
desses grupos estão embutidos em seus editoriais e, compete a você, aluno(a), interpre-
tar esses dados e problematizar o que lhe é apresentado, cotidianamente.
Como podemos perceber, a economia e a política, apesar de distintas, são comple-
mentares. Analisá-las em momentos distintos da história nos faz compreender como
elas impactam as sociedades. Vimos como os momentos de crise possuem ampla
repercussão nestes dois aspectos, além da necessidade de aprendermos a interpretar
notícias e dados que são, diariamente, ofertados a nós, vinculando-os aos interesses
de quem os divulgou.
Ficou curioso(a) em relação às mudanças no pensamento político e econômico ao
longo da História? Convido-o(a) a embarcar nesta jornada que analisará não, somente,
o que a economia e a política estudam, mas também os seus pensadores, de forma
contextualizada com a época em que eles viveram. Vamos começar?
RECURSOS DE
IMERSÃO
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
11 2
49
REFLEXÕES ECONOMIA,
SOBRE O POLÍTICA E
PENSAMENTO HISTÓRIA:
ECONÔMICO DA ANÁLISE DA
ANTIGUIDADE TEORIA DOS
ATÉ A PRINCIPAIS
FISIOCRACIA PENSADORES

3
99 4 133
TEORIAS A ESCOLA
ECONÔMICAS METÓDICA OU
DOS SÉCULOS POSITIVISTA
XIX E XX

5
157
A NOVA
HISTÓRIA
POLÍTICA E OS
MODELOS DE
LEITURA DO
POLÍTICO
1
Reflexões sobre
o Pensamento
Econômico da
Antiguidade até a
Fisiocracia
Dra. Verônica Karina Ipólito

Na Unidade 1, você terá a oportunidade de conhecer a historiografia


que versa sobre o pensamento econômico, além de analisá-lo durante
a Antiguidade e a Idade Média. Também conheceremos as diferentes
interpretações econômicas sobre o mercantilismo. Ainda, você terá
a possibilidade de identificar os principais aspectos da fisiocracia,
compreendendo-a não, apenas, como uma superação do pensamen-
to mercantilista, mas conhecendo as suas particularidades, as quais
levaram muitos estudiosos a considerarem-na como a primeira escola
do pensamento econômico.
UNIDADE 1

Você já ouviu falar da expressão “tempo é dinheiro”? Pois bem, ela é muito co-
mum, hoje em dia, e simboliza que a rentabilidade financeira está atrelada ao
tempo e, por isso, as pessoas correm contra ele para serem mais bem-sucedidas.
Mas será que sempre foi assim? Para os gregos antigos, a cessação do trabalho,
denominada ócio, era, extremamente, valorizada, pois considerava-se fundamen-
tal o tempo livre para o indivíduo pensar, refletir e filosofar. Não parece uma
contradição com os dias atuais?
Além do ócio, os gregos antigos também valorizavam os passatempos e distra-
ções, tanto que, para eles, há a figura mítica de Palamedes, o defensor da preguiça.
Ao participar da Guerra de Troia, ele teria desmascarado Ulisses, que simulava
ser louco para não ir à guerra; após ser desmascarado e obrigado a participar da
guerra, Ulisses jurou vingar-se de Palamedes. Em meio ao conflito, o nosso herói
mítico oferecia passatempos aos soldados, acusando Ulisses de ser muito rude
com eles e de não os alimentar direito. Ulisses viu, aí, uma oportunidade e acusou
Palamedes de trair o exército grego e, também, foi além: escondeu uma porção
de ouro na tenda desse. Após a descoberta do ouro, o defensor do ócio recebeu
a sentença de pena de morte, sendo apedrejado.
A associação de Palamedes à preguiça e aos passatempos está longe de ser
negativa. Isso porque ele é considerado um dos heróis gregos mais talentosos,
pois teria criado 11 letras do alfabeto grego, os pesos, as medidas, e há quem
diga que ele inventou o jogo de xadrez e de dados e o fogo como forma de
transmissão de mensagens.
E, você, caro(a) aluno(a), vive a intensidade da expressão “tempo é dinheiro”
ou acredita que, como Palamedes, a vida não é feita somente de obrigações e,
devemos sim, ter direito a momentos de distração que permitam desenvolver a
criatividade e o raciocínio? Lhe desafio a refletir sobre isso e também que, se a
forma de ver o tempo é tão distinta entre os gregos antigos e nós, já parou para
pensar sobre as questões políticas e econômicas?
É curioso notar que, ainda hoje, há certo preconceito em relação à preguiça.
Estudos mais recentes têm afirmado que tirar uma soneca depois do almoço ou
pausar as atividades por alguns minutos são atitudes suficientes para aumentar
a produtividade e a concentração. Permitir-se a realizar o ócio ou algo prazeroso,
no seu dia a dia, é uma forma de administrar as atividades estressantes as quais,
por vezes, estamos condicionadas a fazer pelo trabalho. Conhecer como os anti-
gos gregos lidavam com a questão do tempo é, também, aprender que ter tempo

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UNICESUMAR

livre é fundamental para a manutenção do nosso equilíbrio físico e mental. Então,


vamos conhecer, um pouco mais, esta civilização? Aperte os cintos e boa viagem!
Para começar a nossa aventura, incentivo você a registrar, no Diário de Bordo,
as suas impressões e o conhecimento adquirido, até aqui, na nossa conversa.

DIÁRIO DE BORDO

Figura 1 - Platão e o seu pupilo, Aris-


tóteles
Fonte: Sanzio ([1509], on-line).

Descrição da Imagem: na imagem,


em forma de pintura, vemos Platão,
à esquerda, e o seu discípulo Aris-
tóteles, à direita. Ambos caminham
enquanto conversam e cada um
está segurando um livro em uma
das mãos.

Caro(a) aluno(a), quando fala-


mos sobre a historiografia do
pensamento econômico, algu-
mas questões são pertinentes.
Afinal, como explicar a enor-
me diversidade que a compõe?
E por que se preocupar com a
história da ciência e do pensa-
mento econômico? Seria, ex-

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UNIDADE 1

tremamente, relevante que todos compreendessem que analisar a origem das


nossas ideias bem como o início da reflexão sobre determinado assunto não deve
ser confundido como um antiquarianismo irrelevante. Muito pelo contrário,
pois os esforços e as preocupações dos economistas teóricos e historiadores do
pensamento econômico devem ser acompanhados, de perto, para entendermos
a relevância da disciplina.
O próprio termo historiografia merece uma conceituação. Muito embora existam
vários significados, podemos dizer que a palavra “historiografia”, aqui, empregada está
muito mais próxima da reflexão de como os historiadores tendem a explicar o passa-
do, aproximando a sua análise de objetos e metodologias inerentes ao compromisso
de demonstrar as múltiplas visões, ainda que conflitantes, sobre determinado assunto.
Para Eduardo Giannetti da Fonseca (1996), uma das linhas teóricas que
perpassam a historiografia do pensamento econômico é o externalismo. Nesta
concepção, o papel principal do historiador é “resgatar o contexto prático, isto é,
os problemas concretos e urgentes da economia real, que teriam levado os eco-
nomistas de diferentes gerações a rever os pressupostos, raciocínios e conclusões
de seus antecessores” (FONSECA, 1996, p. 243). Sob esta perspectiva, a história
econômica auxilia na compreensão de contextos históricos, como o desemprego
ocorrido durante a década de 30, o valor dos cereais em 1815, ou a derrocada do
sistema soviético no fim dos anos 80 a início da década de 90.
Entretanto, para além dessa ideia, o externalismo também possui um con-
ceito mais amplo, buscando demonstrar, não apenas, o lado prático das situações,
mas como o contexto intelectual também contribui no processo de investigação
econômica. Nesta linha, estão os estudiosos que analisam as relações históricas
com o pensamento filosófico, como o utilitarismo, o naturalismo, o materialismo
dialético e o evolucionismo, dentre outros exemplos (FONSECA, 1996).
Podemos concordar que a história política e econômica é um laboratório.
Não se trata de encontrar o método de pesquisa e persuasão extremamente ra-
cional – como muitos acreditam que deve ser embasada uma ciência –, mas o
ponto fulcral é analisar, de forma geral, os métodos praticados pelos economistas
e estudiosos da economia, no seu devido tempo e espaço, vislumbrando a com-
preensão do mundo como ele é, e, não raro, com proposições para uma direção
almejada por esses estudiosos. Nesse sentido, a historiografia sobre a história
econômica nos ajuda a refletir e a exercitar as nossas estratégias de conhecimento,
de persuasão e reflexão moral.

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UNICESUMAR

Figura 2 - Moeda de ouro da Grécia Antiga (século III a.C.). A face, em alto relevo, na moeda, é de
Alexandre, o Grande

Descrição da Imagem: a imagem mostra uma moeda antiga na cor dourada, na qual se vê, em alto relevo,
a face do conquistador Alexandre, o Grande.

E, você, aluno(a), já se perguntou sobre a origem da economia? Parou para


pensar de onde vêm as suas primeiras práticas e princípios? De onde veio e em
que momento houve uma organização do pensamento que se convencionou
denominar econômico?
A palavra economia vem do grego oikonomikos. A composição da palavra é
oriunda de oikos (cujo significado é “casa” ou “unidade doméstica”) e nem (que
pode ser traduzido por “regulamentar”, “administrar” ou “organizar”). O signifi-
cado dessa palavra é atribuído à obra Ho oikonomikos, de autoria de Xenofonte,
a qual teria sido escrita na primeira metade do século IV a. C. Essa obra não se
configura no que podemos chamar, atualmente, de uma análise econômica ou
de sua história, pois não há, nela, preocupações voltadas, por exemplo, para a
dinamização da produção ou da comercialização. Em linhas gerais, Xenofonte
descreve como o proprietário rural poderia levar uma vida tranquila, se apo-
derando, de forma correta, de sua riqueza, e otimizando tal privilégio com as
virtudes e qualidades imprescindíveis para que o “senhor” administre bem a sua
casa. Além dessas dicas, a obra apresenta algumas informações, não tão inova-
doras assim à época, como o estudo da agronomia, por exemplo (GENNARI;
OLIVEIRA, 2009, p. 7).
No geral, entre os romanos, a palavra que melhor traduziria o sentido de
oikonomikos era “família”. Conforme destacam Gennari e Oliveira (2009, p. 7),

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UNIDADE 1

essa, por sua vez, era compreendida da seguinte forma: “tal como a ‘unidade
familiar’ grega, ela articulava três esferas de significado: o dominium (poder
sobre os bens), o manus (poder sobre as mulheres e as mulheres dos filhos)
e o potestas (poder sobre os filhos, netos e escravos)”.
Assim como Xenofonte, Platão (428-
347 a.C.), que viveu na mesma época que
Xenofonte, também se preocupou com
algumas questões éticas, mas, voltadas
para a polis e não à “unidade familiar”.
Platão e Aristóteles, por exemplo, volta-
ram a sua atenção para a vida econômica,
a fim de destacar normas práticas para a
vida dos cidadãos, visando à harmonia e
ao pleno desenvolvimento da polis, isso
porque o ser humano era visto como um
potencial ser produtivo, seja no âmbito
artístico, seja no ético, cultural, físico,
intelectual, entre outros. Tais virtudes
somente teriam condições de serem de-
senvolvidas no interior da polis.
Figura 3 - Xenofonte (430-355 a.C.)
Fonte: Wikimedia (2005, on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, vemos uma estátua esculpida com a imagem do filósofo Xenofonte.
Ele aparece com cabelos ondulados e barba avantajada, também, ondulada.

Platão afirmava que os indivíduos possuem características diferentes e, portanto,


dons distintos que os levam a se dedicarem mais a uma atividade do que a outra.
Esta espécie de especialização de funções fez com que os indivíduos dependessem
dos produtos e serviços feitos por outros seres humanos e, desta ideia, advém a
noção de cooperação. Platão defende que a polis é o ambiente propício para a
prática cooperativa, a fim de que cada qual pudesse se dedicar, plenamente, às suas
atividades e, assim, produzir e conseguir, por meio da troca, produtos e serviços
para viver melhor. É neste sentido que Gennari e Oliveira (2009, p. 8) afirmam
que “deve-se a Platão a primeira análise que atribui à divisão social do trabalho o

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UNICESUMAR

papel de promover a coesão da comunidade. Essa é talvez a principal contribuição


do autor no que se refere à compreensão da vida ‘econômica’ da pólis”.
Platão e Aristóteles concordam que a vida em comunidade, no centro da
polis, era algo promotor da promoção do bem comum e do desenvolvimento
de aptidões. Em sua conhecida obra Política (2002), Aristóteles analisou diver-
sos aspectos da polis, como os fatores que
provocaram o seu surgimento, a sua di-
nâmica e as formas de governo. Na obra,
Aristóteles analisou questões econômicas,
principalmente, quando fala da manuten-
ção das famílias e da cidade.
Segundo Aristóteles, quando um ho-
mem decide se unir a uma mulher e ter
filhos, ele estará constituindo uma família.
Ao se agregar a outras famílias, para obter
aquilo que deseja ou necessita para a sua
subsistência, este grupo familiar estará
contribuindo para construir uma comu-
nidade autossuficiente, que, por meio des-
sas práticas, pode promover o bem-estar
de todos e de cada um.
Figura 4 - Platão (428-347 a.C.)
Fonte: Wikimedia (2009, on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, vemos uma estátua com o rosto do filósofo Platão esculpido. Ele
aparece com cabelos ondulados, porém, curtos, e barba avantajada, também, ondulada.

PENSANDO JUNTOS

“Quanto à vida consagrada ao ganho, é uma vida forçada, e a riqueza não é evidentemente
o bem que procuramos: é algo útil, nada mais, e ambicionado no interesse de outra coisa”.
(Aristóteles)

Aristóteles afirma que a arte da aquisição é a relação de trocas entre o ser humano
e a natureza. Nesta percepção, haveria dois tipos de arte da aquisição: a aquisição
natural ou economia e a aquisição artificial ou crematística.

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UNIDADE 1

Figura 5 - Aristóteles (384-322 a.C.)


Fonte: Wikimedia (2006, on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, vemos uma


estátua que é a escultura do filósofo Aristóteles.
Ele aparece com cabelos curtos e ondulados e
barba avantajada também ondulada. Na estátua
também está esculpida a sua vestimenta, sendo
possível ver a parte superior, composta por te-
cidos presos por um broche próximo ao ombro
direito.

A aquisição natural ou economia diz


respeito a uma série de atividades, como:
agricultura, pastoreio, saque, troca, caça,
dentre outras, cujo objetivo é garantir o
sustento e a sobrevivência. Essas ativida-
des podem ser produzidas pela economia doméstica (famílias) ou pela economia
política (cidades). Em consonância com Aristóteles, os produtos advindos da na-
tureza constituem a verdadeira riqueza e, por isso, somente eles são considerados
objeto da ciência econômica. A aquisição artificial ou crematística, por sua vez,
possui o caráter especulativo e, por este motivo, legitima o acúmulo de riquezas
sem limites. Para explicar a origem desta arte da aquisição, Aristóteles estudou a
origem e o desenvolvimento das trocas; em sua análise, as produções de excedente
econômico, juntamente, com o surgimento da propriedade, estimularam as trocas
comerciais. Neste caso, o desenvolvimento econômico teria ocorrido quando o
ser humano notou que poderia trocar o excedente de sua produção por outros
bens ou materiais de sua necessidade. Foi dessa forma que se articulou, segundo
Aristóteles, o pensamento econômico:


[...] cada coisa que possuímos tem dois usos dos quais nenhum
repugna a sua natureza; porém um é próprio e conforme a sua
destinação, outro, desviado para algum outro fim. Por exemplo, o
uso de um calçado é calçar; podemos também vendê-lo ou tro-
cá-lo para obter dinheiro ou pão, ou alguma outra coisa, isto sem
que ele mude de natureza; mas este não é o seu uso próprio, já que
ele não foi inventado para o comércio [...]. A natureza não fez as
coisas para que fossem trocadas, mas, tendo os homens uns mais,

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UNICESUMAR

outros menos do que precisam, foram levadas por esse acaso à


troca (ARISTÓTELES, 2002, Livro I, Cap. II).

Na percepção de Aristóteles, existem o valor de troca e o valor de uso. O primei-


ro estaria relacionado às trocas de produtos em função da necessidade de obter
alimento para a sobrevivência, algo que, portanto, não entra em contradição com
os princípios de partilha advindos da natureza. O valor de uso, por sua vez, seria
voltado para o comércio de produtos, que visa, sobretudo, à obtenção do lucro e,
portanto, tem, como fim, o enriquecimento. Dessa forma, esta última modalidade
contraria os princípios da natureza, já que os comerciantes tendem a comprar
por um preço mais acessível e vender mais caro.
Para tanto, foram criados instrumentos que objetivam dinamizar essas trocas,
como a moeda. Mas Aristóteles notou que a moeda adquiriu outros significados
para além da ideia de substituir as trocas de um produto por outro, ele percebeu
que o acúmulo de moedas se tornou sinônimo de enriquecimento. Entretanto
Aristóteles afirmou ser um “absurdo chamar ‘riquezas’ um metal cuja abundância
não se impede de morrer de fome” (ARISTÓTELES, 2002, Livro I, Cap. II). Em
sua percepção, a acumulação de moedas, principalmente, pelo comércio, quanto
ao seu empréstimo a juros, é uma prática abominável, pois foge da ideia natural
de troca. Em vários momentos da História, como no Período Medieval, essa vi-
são de Aristóteles foi retomada para argumentar certos valores de instituições,
como a Igreja Católica, que condenava o acúmulo de riquezas obtidas por meio
do comércio bem como a usura. Na ótica do pensamento econômico, podemos
retirar, ao menos, duas lições de Aristóteles:


Essas observações que associam ao dinheiro a dupla função de
meio de troca e reserva de valor, que pode ser utilizado para
se obter mais riqueza, constituem uma aquisição inestimável
no campo da análise econômica, pois foi a primeira vez que se
estabeleceu a diferença entre o dinheiro e o capital (dinheiro
empregado para se obter mais dinheiro). Outra conclusão im-
portante de seus estudos sobre a moeda com decisiva influência
no pensamento posterior foi o reconhecimento de que o papel
desempenhado pela moeda não está associado às características
naturais, físicas, sendo muito mais resultado de uma convenção

19
UNIDADE 1

fixada pelo costume entre os agentes envolvidos nas atividades


de troca (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 11).

A desqualificação do comércio não fez, contudo, que Aristóteles reconhecesse a


sua importância, principalmente, para a economia política e as finanças públicas.
Aristóteles salientou os lucros surreais que muitas cidades estavam tendo graças
à produção de produtos exclusivos. Por isso, chegou a afirmar que os trabalhos
mais valorosos são aqueles que mais transformam a matéria-prima extraída da
natureza. Nesse sentido, não descartou a possibilidade do comércio para o bom
rendimento financeiro de um governo:


É bom que os que governam os Estados reconheçam esse recurso,
pois é preciso dinheiro para as despesas públicas e para as despesas
domésticas, e o Estado está menos do que ninguém em condições
de dispensá-lo. Assim, o capítulo das finanças é quase o único a
que alguns prestam atenção (ARISTÓTELES, 2002, Livro I, Cap. II).

Em sua percepção, o governo deveria tomar cuidado com a distribuição das ri-
quezas. Em sua visão, a desigualdade excessiva poderia pôr em perigo a coesão
da sociedade bem como a estabilidade política, condições fundamentais para a
realização plena do cidadão. Mas, como evitar níveis assombrosos na distribuição
de riquezas e na desigualdade social? Ora, Aristóteles sugeriu que “deveria haver
algum tipo de assistência aos famintos e aos mais pobres e, além disso, o número
de cidadãos deveria ser mantido dentro de certos limites para evitar a escassez
de gêneros” (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 13). Aristóteles defendia, ainda, a
existência de uma numerosa “classe média”, pois somente ela poderia estabelecer
um meio de ligação entre ricos e pobres, amenizando os conflitos e garantindo
a coesão social na polis. Entretanto devemos ressaltar que a ideia de que a desi-
gualdade excessiva seria prejudicial não era consensual na Antiguidade, mas sim,
uma visão, neste caso, a visão de Aristóteles.

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UNICESUMAR

O filósofo grego inova ao visualizar a “economia” e estudá-la em suas análi-


ses sobre política e ética. Em sua ótica, por exemplo, a manutenção do trabalho
escravo era, extremamente, necessária para que os cidadãos pudessem exercer
as suas funções políticas; as trocas seriam relevantes para a manutenção da polis
e de seus habitantes, e as desigualdades sociais deveriam ser evitadas em níveis
elevados, uma vez que ameaçariam a coesão social.
As reflexões econômicas realizadas pelos romanos antigos, entre os séculos
II a.C. e V d.C., se distinguem das concepções formuladas por Aristóteles. O
surgimento da República romana deslocou a preocupação da cidade voltada à
realização plena do indivíduo para outra noção, na qual se destacava a defesa,
pela justiça, de interesses comuns e direitos garantidos em lei.


Na nova associação os cidadãos estão unidos por um conjunto de leis
fundadas numa nítida e rígida separação entre res-pública e res-pri-
vada, e as instituições desempenham funções precisas de controle,
justiça e operacionalização da vida na urbe. A lei é o fator de coesão
da comunidade, regula a economia, garante a autonomia e a liberdade
do cidadão na esfera privada (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 17).

Ocorrida no fim do Período Republicano e durante o Império, a expansão terri-


torial romana carregou, consigo, o gene do modo romano de governar, implan-
tando, por exemplo, a administração centralizada e a conciliação entre o direito
romano e as práticas jurídicas dos territórios subjugados. Esta conjunção deu base
para o que ficou conhecido, mais tarde, como “direito natural”, o mesmo que é
fundamental na constituição da formação do pensamento econômico bem como
na constituição jurídica e política do mundo ocidental.
Em meio aos elementos do “direito natural”, que contribuíram para a formação
do pensamento econômico, podemos destacar: primeiro, direito de propriedade,
ou seja, propriedade privada legal; segundo, liberdade para fazer um contrato, tal
como as normas vigentes, atualmente (ROLL, 1971).

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UNIDADE 1

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Sócrates
Ano: 1971
Sinopse: este filme fala da vida de Sócrates (470-333 a. C.). É interes-
sante notar que ele apresenta a parte final da vida do filósofo, mos-
trando o seu cotidiano e, principalmente, os seus discursos voltados para a
essência da natureza e da alma humana. Você sabia que Sócrates foi julgado
e condenado à morte? Pois bem, a película traz, também, este episódio final
da vida desta personalidade. Vamos assistir? Tenho certeza de que é uma
ótima recomendação para compreender a vida deste importante filósofo, e
você, aluno(a), gostará! É fundamental compreender o pensamento socráti-
co, o qual influenciou vários filósofos, como Platão. Indico, fortemente, que
você assista.

Os romanos consideravam que o comércio e a indústria eram ocupações inferio-


res, as quais deveriam ser exercidas, apenas, por escravos, plebeus e estrangeiros.
Apesar desta percepção, os romanos consideravam tal atividade como relevante
para o desenvolvimento econômico, durante o período do Império (ROLL, 1971).
Em linhas gerais, o conhecimento de traços econômicos que perpassam as
obras de clássicos da Antiguidade, tais como Platão e Aristóteles, é de extrema
relevância, uma vez que estas leituras influenciaram o modo de ver o mundo, em
períodos posteriores. Esses clássicos se tornaram referências para a composição
da teologia medieval cristã e do direito romano, assim como embasaram a for-
mulação do individualismo moderno. Foi por meio da noção de pertencimento,
desenvolvida pela ideia de realização plena do indivíduo, a partir do momento
em que ele compartilha o seu modo de vida da polis, que os cristãos, por exem-
plo, desenvolveram o conceito de comunidade cristã, reforçaram o pensamento
de soberania do indivíduo entre os romanos bem como ajudaram a formular os
direitos naturais e inalienáveis, os quais são tão caros à Modernidade.
Entretanto a crise do Império Romano do Ocidente abriu precedentes para
a ruralização da Europa, desarticulando a cidade como o cerne da vida social e
importante centro de convivência e de realização humana.


A cristalização de uma aristocracia guerreira e proprietária e de uma
“classe” de camponeses ligada à terra e vinculada aos aristocratas

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UNICESUMAR

pelas obrigações em espécie e em trabalho, como contrapartida pela


proteção, produziu uma ordem social rigidamente hierarquizada
e diferenciada. Ao mesmo tempo, as guerras, os saques frequentes
e a violência indiscriminada aceleravam a desarticulação do po-
der central que até então ordenava a vida, a justiça, a produção e
a troca, compondo um quadro no qual o homem se via isolado,
impotente e frágil, vítima fácil de circunstâncias sobre as quais não
tinha o menor controle. A visão otimista do homem como ser apto
a realizar as suas potencialidades, típica da Antiguidade, sucumbia
progressivamente, junto com o modo de vida e a cultura que lhe
eram pertinentes (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 18).

Em meio ao descrédito sobre a vida terrena e a organização humana, Santo Agos-


tinho formulou a teologia que embasou o pensamento medieval. É a partir dela
que podemos extrair alguns conceitos sobre o pensamento econômico da época.
Após a desestruturação do Império Romano, a qual ocorreu por meio de uma
série de fatores, dentre os quais a invasão dos povos bárbaros e a tomada, por
esses, de Roma, então, capital do Império, podemos afirmar que foi inaugurada
uma fase crítica, marcada por violência, guerras, medo e desespero. Do ponto de
vista político, houve a fragmentação do poder, resultando na formação de vários
senhorios feudais espalhados por toda a Europa Ocidental. No aspecto social,
formou-se a estratificação e a hierarquização legitimadas e naturalizadas por de-
terminação divina. No âmbito econômico, a ruralização perpetrada, consolidou,
no geral, uma estrutura voltada para a subsistência, intimidando a agricultura
mercantil e as trocas comerciais.
A Igreja emergiu como um setor coeso e unificado, em meio a tanta frag-
mentação. A concentração de grandes extensões de terras aumentou o seu poder
econômico e, aliado a isso, a grande projeção nos setores cultural e espiritual a
transformaram em influenciadora e detentora de hegemonia política, em meio
à medievalidade na Europa Ocidental.
A Idade Média corresponde, a grosso modo, ao período entre os séculos V
e XV, e, quando falamos de pensamento econômico, nesse período, certamente,
falaremos, também, da Igreja Católica. Podemos iniciar as análises com Santo
Agostinho (354-430 d.C.), o qual formulou um dos ideários mais relevantes du-
rante o período de transição da Idade Antiga para a medievalidade. Na concepção
de Santo Agostinho, a cidade não daria conta, como diziam os gregos, de promo-

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UNIDADE 1

ver as potencialidades humanas, tampouco reafirmar a justiça e os interesses de


todos os cidadãos, em consonância com o que afirmavam os romanos. Apesar
de apresentar uma visão pessimista, devemos notar que Santo Agostinho não
descartou a possibilidade de salvação da alma:


Segundo Santo Agostinho, o homem só podia atingir a felicidade
no mundo baseado numa hierarquia de seres e valores no qual os
objetivos inferiores (ligados à esfera secular) se subordinassem aos
superiores (ligados à esfera espiritual), sendo que, entre esses, o mais
importante era a salvação eterna. Para Santo Agostinho, a ordem
hierárquica comprometida com a salvação da alma não podia ser
criada pelo homem, mas somente por Deus. Não existia poder secu-
lar armado de força de coerção capaz de estabelecer essa ordem. Ela
só podia ser obtida por uma associação baseada na solidariedade e
na rigorosa disciplina cristã dirigida pelos representantes da Igreja.
Nessa perspectiva, cabia agora à hierarquia eclesiástica a tarefa de
regular o conjunto das esferas da vida humana (GENNARI; OLI-
VEIRA, 2009, p. 22).

Na esfera econômica, Santo Agos-


tinho afirmava que o comércio e
as demais práticas que visavam
ao lucro não eram benéficas, pois
desvirtuavam o indivíduo do de-
sejo de encontrar Deus. Assim, tais
técnicas, como defende o teólogo,
deveriam ser realizadas visando a
praticar o preço justo.

Figura 6 - Santo Agostinho (354-430 d.C.)


Fonte: Wikimedia (2012, on-line).

Descrição da Imagem: na imagem,


Santo Agostinho aparece sentado a uma
mesa, escrevendo com uma caneta de
pena. A sua cabeça aparece com contor-
nos iluminados e imagens sagradas são
remetidas ao seu pensamento.

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UNICESUMAR

A flexibilização do pensamento agostiniano sobre a economia foi dada pela Igreja


Católica, principal instituição da época. Coube a São Tomás de Aquino formular
tais preceitos. Seguindo o pensamento aristotélico, Aquino formulou uma dou-
trina que deu embasamento teórico para a Igreja e, consequentemente, para a
sociedade medieval:


Para ele [Aquino], o Estado era uma associação instituída por Deus
para “impulsionar o homem ao bem comum contra o impulso que
conduz ao bem privado e individual”; possibilitar uma vida vir-
tuosa pelo estabelecimento da paz e da realização de boas obras;
garantir a provisão suficiente “das coisas que se requerem para viver
adequadamente”; e para que os “homens alcancem Deus por meio
de uma vida virtuosa”. Considerava a sociedade econômica como
um sistema que deveria seguir os princípios da justiça cumulativa
e distributiva e operar baseado na cooperação. Os componentes
dessa sociedade eram considerados partes especializadas e inter-
dependentes que deveriam se submeter às regras, operar de ma-
neira cooperativa e ser coordenadas por associações ou grêmios.
O princípio fundamental para a sociedade econômica preservar
seu equilíbrio era respeitar o preço justo, definido por Santo Tomás
tanto do ponto de vista formal quanto prático, e o Estado deveria
intervir no sistema em casos de absoluta necessidade (GENNARI;
OLIVEIRA, 2009, p. 23).

Na filosofia de São Tomás de Aquino (tomista), riqueza e propriedade não pode-


riam, simplesmente, serem associadas ao mal, mas poderiam ter desdobramentos
bons ou ruins, dependendo da situação. Dessa forma, os interesses individuais
sempre deveriam estar a reboque dos interesses coletivos, daí deriva a condenação
à avareza, à cobiça e a outros mecanismos que fossem contra os interesses comu-
nitários. De forma distinta do direito romano, São Tomás de Aquino dizia que o
direito de propriedade não poderia ser assegurado, em alguns momentos, como
nos casos de subsistência. Para essas situações, o filósofo considera legítima, até
mesmo, a ação de roubos, desde que justificados para a sobrevivência de alguém:


[...] se a necessidade for de tal modo evidente e imperiosa que seja
indubitável o dever de obviá-la com as coisas ao nosso alcance –

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UNIDADE 1

por exemplo, quando corremos o risco iminente de morte e não é


possível salvarmo-nos de outro modo –, então podemos licitamente
satisfazer à nossa necessidade com as coisas alheias, apoderando-
-nos delas manifesta ou ocultamente. [...] Servimo-nos de uma coisa
alheia, tomada às ocultas, em caso de necessidade extrema, não tem
natureza de furto, propriamente falando. Porque essa necessidade
torna nosso aquilo de que nos apoderamos para o sustento de nossa
própria vida (AQUINO, 1980, p. 173-174).

Para São Tomás de Aquino, o comércio era uma prática condenável, pois fugia da
lógica natural das coisas. Entretanto, mesmo sendo antinatural, era inevitável. Por
isso, o lucro advindo do comércio se justificaria diante de alguns condicionantes:
1°) para a subsistência do comerciante e de sua família; 2°) trouxesse vantagens
para a sociedade e o Estado. De forma similar a Aristóteles, para Aquino, o co-
mércio se legitimava desde que fosse a base de sustento do comerciante e não
fonte de luxo e ostentação:


[...] a quantidade das coisas que servem ao uso do homem mede-se
pelo preço dado; para o que se inventou a moeda, como diz Aristó-
teles. Portanto, se o preço exceder a quantidade do valor da coisa ou
se, inversamente, a coisa exceder o preço, desaparece a igualdade da
justiça. Portanto, vender mais caro ou comprar mais barato do que
a coisa vale é em si mesmo injusto e ilícito (AQUINO, 1980, p. 174).

Figura 7 - São Tomás de Aquino


(1225-1274)
Fonte: Wikimedia (2020, on-line).

Descrição da Imagem: na
imagem, São Tomás de Aqui-
no aparece em um pequeno
jardim, sentado em um banco
baixo. Ele está lendo um livro e
tem uma auréola dourada em
volta da sua cabeça.

Nos casos em que a venda


de um bem implique a per-
da inigualável para quem
vende e muita utilidade

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UNICESUMAR

para quem compra, “o preço justo consistirá em se considerar não somente a


coisa vendida, mas também o dano que pela venda sofre o vendedor. E, então,
pode licitamente uma coisa ser vendida por mais do que vale para o seu dono”
(AQUINO, 1980, p. 174). Nas situações em que o preço das vendas for exorbitante,
Aquino (1980, p. 174) recomenda a “quem recebeu de mais [...] recompensar o
que ficou danificado”.
Dessa forma, São Tomás de Aquino aferiu a possibilidade de incorporar o
lucro do comerciante ao defender a ideia do preço justo, realizando, assim, o
primeiro deslocamento em relação ao conceito aristotélico de troca justa. Na
visão de Aristóteles, a troca somente é justa quando é realizada entre produtos
equivalentes. Assim, ao incorporar o lucro do comerciante ao preço justo do pro-
duto (conforme defende Aquino) acaba-se a equivalência e o princípio da justiça
como apregoados por Aristóteles. A doutrina de São Tomás de Aquino afirma que
“a remuneração do comerciante pelo seu trabalho, numa proporção que garanta
a sua subsistência e a da sua família, não violava a justiça, estabelecendo pela
primeira vez que a ‘troca desigual’ não é necessariamente injusta” (GENNARI;
OLIVEIRA, 2009, p. 25).

Figura 8 - Porto francês em 1637, momento do auge do mercantilismo na Europa


Fonte: Lorrain ([1637], on-line).

Descrição da Imagem: a figura é a imagem de um porto, na França, do século XVII. Do lado direito, há
prédios cuja principal característica é a arquitetura da época; no mar, há várias embarcações de tamanhos
variados e muitas pessoas estão às margens do mar.

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UNIDADE 1

São Tomás de Aquino viveu no século XIII e, dois séculos mais tarde, iniciou-se
o mercantilismo. Os historiadores, geralmente, classificam como mercantilista
o período entre os séculos XV até o fim do século XVIII. Segundo Paul Hugon
(1974), o termo mercantilista está associado às ideias e aos sistemas econômicos
que ocorreram na Europa, de 1450 a 1750. Em sua visão, houve, entre esses anos,
uma tríplice transformação, a qual serviu como ponto de partida para os tempos
modernos: primeiro, a transformação intelectual (com o Renascimento); segun-
do, a transformação política (por meio da constituição dos Estados Modernos)
e a transformação geográfica (em razão das grandes descobertas).

Você, aluno(a), sabe por que se convencionou chamar de criação


dos Estados Modernos o momento em que surgiram monarquias
absolutistas na Europa? Ficou curioso? Então, venha compreender
o porquê da utilização do termo “moderno” neste contexto!
Assista ao vídeo!

Em consonância com Hunt e Sherman (1977), o mercantilismo iniciou-se em


um momento em que a Europa sofria significativa escassez de ouro e prata em
barra, indicando que não havia moeda em quantidade necessária para atender
ao comércio. Diante deste cenário, incorporou-se medidas bulionistas, as quais
consistiam em atrair ouro e prata para o país e impedir a sua exportação. Tais
limitações perduraram, sobretudo, na Europa, entre o fim da Idade Média até os
séculos XVI e XVII.
O crescimento da produtividade agrícola, nesse período, teria provocado o
excedente de alimentos e de mão de obra para os mercados locais e internacio-
nais, o que tornou possível a expansão comercial. Para Hunt e Sherman (1977),
uma série de cidades comerciais e industriais foi inaugurada em decorrência,
principalmente, da expansão do comércio em longa distância. Nesse sentido, a
primeira fase do mercantilismo, ou seja, a política de acúmulo de ouro (meta-
lismo ou bulionismo) se originou do momento em que barras de ouro e prata
eram os meios necessários para que os países pudessem participar do processo de
rápida expansão comercial que acontecia no século XVI. As políticas bulionistas
foram implantadas para atrair ouro e prata aos países, a fim de que estes metais

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UNICESUMAR

permanecessem nestes territórios, por meio das proibições de exportação. Como


exemplo de um dos países onde o metalismo foi levado ao extremo, podemos
citar a Espanha, a qual impôs a morte como punição mais rígida para aqueles
que exportassem o ouro e a prata. O objetivo dos mercantilistas, ao aumentar a
entrada desses metais dentro do país, era conseguir o saldo favorável na balança
comercial, isto é, maximizar a entrada de moedas no país, ao mesmo tempo em
que evitava a sua saída.
Para Pierre Deyon (2001), o mercantilismo pode ser considerado uma forma
de administração do Tesouro Real, adotada por governos absolutistas da Europa,
a partir do século XV. Este modelo de organização se estabeleceu porque respon-
dia, ao mesmo tempo, aos interesses de grandes mercadores e às necessidades
financeiras do rei. Em outras palavras, podemos dizer que foi um sistema que
surgiu para atender às necessidades das jovens monarquias, paralelamente, aos
interesses dos mercadores, os quais se tornavam cada vez mais importantes para
a sociedade moderna.
De forma geral, todas as monarquias europeias, a partir do século XV, enve-
redaram, em intensidades variáveis, pelo caminho do mercantilismo. A preocu-
pação com a balança comercial favorável, a taxação dos produtos estrangeiros, o
acúmulo de metais preciosos em território nacional foram fatos recorrentes na
Europa do século XVI.
Entretanto, no século XVI, as medidas mercantilistas eram, apenas, circuns-
tanciais, mas, foram, aos poucos, conquistando tradição e anunciando os pro-
jetos econômicos da Europa. Segundo Deyon (2001), foi no século XVII que a
Inglaterra e a França se destacaram no cenário mundial em relação à política
mercantilista. Na concepção deste autor, no centro do sistema mercantilista, havia
a vontade de unificação territorial e de poder político. Apesar das particularidades
de cada país, o mercantilismo esteve sempre associado ao projeto de um Estado
monárquico poderoso, cujo objetivo era se impor em relação às demais nações
europeias. Nas palavras de Deyon (2001, p. 104), o mercantilismo:


É a doutrina e a prática econômicas dos Estados nacionais no
período que vai do século XV ao século XVIII. Procura assegurar
um excedente das exportações em bens e em serviços sobre as
importações, porque este é o único meio para um país desprovido
de minerais argentífero e aurífero de atrair os metais preciosos,

29
UNIDADE 1

indispensáveis à prosperidade da nação e ao poder do Estado. É


uma etapa histórica do desenvolvimento das economias nacionais,
na época do capitalismo comercial.

O mercantilismo requeria, indubitavelmente, a supressão de barreiras particu-


lares no interior da monarquia e empenhava-se em criar um mercado interno,
unificado, para a produção de mercadorias. A função do mercantilismo, neste
contexto, era ampliar o poder do Estado em relação a outros Estados, estimu-
lando-os a exportarem mercadorias, mas, simultaneamente, criando empecilhos
para a exportação de ouro, prata e moeda, pois pensava-se que havia uma quan-
tidade fixa de riqueza no mundo.
Com práticas protecionistas que visavam ao fortalecimento da economia, o
mercantilismo, na visão de Perry Anderson (1985), representava a classe feudal
que se adaptava a um mercado integrado, mas que mantinha antigas concepções,
por exemplo, a ênfase na necessidade e na rentabilidade da guerra.
Anderson (1985) explica que as doutrinas burguesas clássicas do laissez-faire,
com sua rigorosa separação entre os sistemas político e econômico, constituiriam
o antípoda do sistema mercantilista: enquanto o mercantilismo era, precisamente,
uma teoria de intervenção do Estado político no funcionamento da economia,
fortemente belicista, que enfatizava a necessidade e a rentabilidade da guerra, o
laissez-faire era, coerentemente, pacifista, insistindo nos benefícios da paz entre
as nações para o fomento do comércio internacional, mutuamente, lucrativo.
Em sintonia com as práticas mercantilistas, cada monarquia tinha interesse
em concentrar tesouro em seu território (metalismo) e incentivar o comércio
nacional, mediante o investimento nas manufaturas, como forma de competir
com outras nações. Assim, a concentração econômica, o protecionismo e a expan-
são comercial engrandeceram o Estado feudal tardio, ao mesmo tempo em que
beneficiaram a burguesia emergente. Mas, apesar desta circunstância, o caráter,
irredutivelmente, feudal do Absolutismo permanecia (ANDERSON, 1985). Era
um Estado fundamentado na supremacia social da aristocracia e que buscava, de
todas as formas, garantir os privilégios das classes tradicionais.

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UNICESUMAR

Publicada, em 1865, pelo escritor inglês Lewis Carrol, a obra


Alice no País das Maravilhas se tornou um dos maiores
clássicos da literatura mundial. Você conhece a história? O
que sabe sobre ela? Se a conhece, qual relação ela poderia
ter com o Absolutismo, sistema político vigente durante o
mercantilismo, na Europa? Convido você a ouvir o podcast
para verificar do que estamos falando. Aperta o play!

Anderson (1985) explica que esta situação somente se trans-


formaria com o advento das revoluções burguesas e a
emergência do Estado capitalista, em um momento
em que as relações entre nobreza e burguesia chega-
riam ao ponto de extremo desconforto para a classe
emergente, em que a burguesia não suportaria mais
a situação de subordinação e, então, se rebelaria,
para, novamente, reformar o Estado.
Alguns pensadores deram sustentação teó-
rica às atividades políticas e econômicas desta
fase. Um dos precursores do ideário mercantilista
é Thomas Mun.

Figura 9 - Thomas Mun (1571-1641) / Fonte: Correiobraziliense ([2021], on-line)1.

Descrição da Imagem: a imagem é um retrato de Thomas Mun trajando terno. Ele tem o cabelo curto
e ondulado.

Comerciante inglês nascido no século XVI, em Londres, Mun escreveu a obra La


riqueza de Inglaterra por el comercio exterior, no ano de 1630, por meio da qual
buscou mostrar a importância do comércio externo para o enriquecimento de uma
nação. Nessa obra (1996), Mun destacou as qualidades exigidas em um perfeito co-
merciante para atuar no exterior e explicou que esta era uma profissão de reputação
e de confiança que deveria ser desempenhada com muita habilidade e consciência,
de forma que o lucro privado pudesse sempre acompanhar o bem público.

31
UNIDADE 1

Segundo Mun (1996), para ser um perfeito comerciante, era necessário o


amplo conhecimento na área da matemática e da contabilidade, ser um bom
entendedor de pesos, medidas e moedas das mais diversas regiões, ser grande
conhecedor de tarifas, impostos, taxas de câmbios, direitos alfandegários de seu
país e das outras nações, conhecer as preferências e os costumes de diferentes
povos etc. Enfim, ser um mercador exigia, como em nenhuma outra profissão, o
conhecimento superior do mundo.
Mun (1996) ressentia que a profissão de mercador, apesar de toda a sua supe-
rior formação e perícia, estava relegada a segundo plano, na Inglaterra. Esta depre-
ciação, para o autor, era muito preocupante, já que ele acreditava que o comércio
exterior era o elemento fundamental para o aumento da riqueza nacional.
De forma distinta ao que Adam Smith (1983) defenderia 100 anos mais tarde,
Mun (1996) acreditava que a base para promover o desenvolvimento econômico
de um país estaria na seguinte regra: exportar mais do que importar. Ele criava,
assim, a tese da balança comercial favorável, argumentando que se as exportações
fossem maiores do que as importações, o resultado seria mais dinheiro no país e,
consequentemente, o incremento da riqueza nacional.
Em síntese, na concepção de Mun (1996), o segredo para o enriquecimento
nacional estaria no investimento, por parte do Estado, na Balança Comercial
Favorável, ou seja, quanto maior o número de exportações e menor a quantida-
de de importações, maiores as possibilidades de acúmulo de ouro no país e, por
conseguinte, a riqueza nacional.
Em oposição a esse pensamento mercantilista, François Quesnay (1978) pu-
blicou, em meados do século XVIII, na França, o seu Quadro Econômico (Tableau
Économique), no qual defendeu a ideia de que apenas a agricultura era sinônimo
de riqueza, uma vez que o comércio e a indústria tinham, somente, como função,
transformar a matéria-prima em produtos e negociá-los. Seguindo esta lógica, os
grandes proprietários poderiam ser considerados a classe mais útil da sociedade,
uma vez que partia deles e da agricultura, de forma geral, a geração da riqueza
nacional. Seguindo este raciocínio, portanto, os proprietários de terras e os arren-
datários deveriam ser considerados a classe prioritária e deveriam receber, por
parte do governo, todos os benefícios e auxílios necessários.

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UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Segue a síntese dos principais teóricos mercantilistas:


Thomas Mun: de forma distinta ao que Adam Smith defenderia um século mais tarde,
Mun acreditava que a base para promover o desenvolvimento econômico de um país
estaria na seguinte regra: exportar mais do que importar. Mun criava, assim, a tese da
balança comercial favorável.
François Quesnay: defendeu a ideia de que somente a agricultura era criadora de riqueza,
já que a indústria e o comércio limitavam-se a transformar e a negociar a matéria-prima.
Um país jamais deveria perder de vista que a terra era a única fonte de riqueza e que a
agricultura era a responsável pela sua multiplicação, pois o aumento da riqueza assegu-
rava o bem-estar da população.
Adam Smith: criticava as ideias mercantilistas, as quais afirmavam que a riqueza estava no
acúmulo de ouro e prata. Segundo Smith, a riqueza não consistia nem no dinheiro, nem
no ouro, nem na prata, mas sim, naquilo que o dinheiro comprava e no valor de compra
que ele tinha.

É interessante notar que a obra de Quesnay (1978) foi produzida como forma de
protesto a algumas leis aprovadas por Jean-Baptiste Colbert, ministro do Estado
e da Economia do rei Luís XIV, no século XVII. Embora a obra de Quesnay tenha
sido publicada um século depois, ela reivindicava os estímulos concedidos por
Colbert ao comércio e à indústria em detrimento da agricultura. O fisiocratismo
de Quesnay questionava, por exemplo, as altas taxas impostas às importações e
que isso se tratava de uma medida de
cunho mercantilista adotada por Col-
bert. Assim, Quesnay criava argumen-
tos para questionar as bases do mer-
cantilismo, como a noção de importar
menos e exportar mais.
Figura 10 - François Quesnay (1694-1774)
Fonte: Wikimedia (2008a, on-line)

Descrição da Imagem: na imagem, temos


uma pintura retratando François Quesnay.
Ele aparece com cabelos longos, ondulados
e grisalhos; veste um casaco de veludo com
uma camisa de renda por baixo. Ele está sen-
tado, segurando um livro aberto e olhando
para frente.

33
UNIDADE 1

De acordo com Quesnay (1978), para que a agricultura gerasse cada vez mais
recursos para o Estado, era essencial que houvesse investimentos de recursos para
o máximo aproveitamento das terras cultiváveis. Portanto, quanto mais ricos os
lavradores, tanto mais eles criariam possibilidades para aumentar a produção das
terras e o poderio da nação.
O autor afirma que a melhoria geral da agricultura se caracterizava pela van-
tagem essencial à felicidade e à prosperidade dos indivíduos, pois tal melhoria
favoreceria a propagação dos indivíduos, sobretudo, o aumento dos habitantes no
campo. Nesse sentido, os arrendatários ricos ocupariam os camponeses, os quais,
atraídos pelo dinheiro, se autodeterminavam para o trabalho. Os camponeses se
tornavam trabalhadores, e o seu ganho lhes conquistava o bem-estar que os fixava
nas províncias, colocando-os em situação de alimentar, decentemente, os seus
filhos, de conservá-los perto de si e de se fixarem na mesma província.
Em consonância com Quesnay (1978), os arrendatários traziam inúmeros
benefícios ao Estado, pois, por meio de seu trabalho, as terras eram fertilizadas,
os animais se multiplicavam, e, como tal, este cenário atraia e fixava habitantes
no campo, de modo a levar prosperidade à nação. Essa situação era, totalmente,
oposta nas zonas urbanas, nas quais imperavam as manufaturas e o comércio,
sustentados pela luxúria e pelo acúmulo de riquezas, características que seriam
danosas, pois promoviam devastações nos campos, incentivavam o desprezo à
agricultura, insuflavam o consumismo desenfreado e o consequente aumento
das despesas de particulares, prejudicando o sustento das famílias e minando
o poder do Estado.
A geração de riqueza de uma nação, por meio do comércio, estaria, nessa
perspectiva, no investimento do seu lucro na agricultura. Em outras palavras,
um Estado deveria ter cautela, já que a História é rica em exemplos de impérios
que entraram em crise após verem o florescimento acentuado em seu comércio.
Isso demonstra que tais nações oneravam a sua riqueza gastando, com luxo, o
lucro que obtinham do comércio, promovendo a circulação de dinheiro, sem, no
entanto, haver aumento real das riquezas. A solução seria investir, na agricultura,
os recursos obtidos pelo comércio, evitando o mau uso do erário e investindo no
que Quesnay acreditava ser a principal riqueza de uma nação.
Um país jamais deveria perder de vista que a terra era a única fonte de riqueza
e que a agricultura era a responsável pela sua multiplicação, pois o aumento da
riqueza assegurava o bem-estar da população. Os indivíduos e os bens faziam

34
UNICESUMAR

a agricultura prosperar, ampliavam o comércio e perpetuavam as riquezas; da


agricultura, portanto, dependia o sucesso de todas as partes da administração do
reino. Por isso, Quesnay (1978) apontou que uma nação com grande território
para cultivar e com facilidade para exercer amplo comércio de gêneros agrícolas
não deveria jamais investir recursos financeiros e humanos nas manufaturas e
no comércio de luxo em prejuízo da agricultura, porque, acima de tudo, o reino
deve ser bem habitado por ricos cultivadores (QUESNAY, 1978).

PENSANDO JUNTOS

“Que o soberano e a nação nunca percam de vista que a terra é a última fonte de riquezas
e que o agricultor que as multiplica”.
(François Quesnay)

Quesnay (1978) também discutiu, em seu Quadro Econômico, a veracidade do


argumento muito utilizado pelos mercantilistas em relação às vantagens do acú-
mulo de ouro no país (metalismo). Ao questionar o real valor dos metais preciosos,
Quesnay (1978) explicou que o dinheiro – ou o ouro, ou a prata, enquanto valores
monetários – não era riqueza de uso, pois a moeda só era, por assim dizer, um in-
corruptível utensílio de comércio, que não se desgastava, não perecia ao servir às
compras, sendo, vários anos ou décadas depois e, após muitas compras, um objeto
simbólico da riqueza, por isso, útil ao comércio. Nesta lógica, a moeda (dinheiro)
representava determinado valor nas operações de compra e venda, sendo ideal
apenas ao comércio, pois facilitaria as trocas e todas as operações que envolvem essa
atividade. Por isso, Quesnay defendia que a riqueza de um Estado não estava emba-
sada na quantidade de moeda, mas nos preços atrativos das riquezas comerciáveis.
Seguindo o raciocínio de Quesnay, o que condicionava um reino à pobreza
era a falta de riquezas comerciáveis ou o preço, exageradamente, baixo dessas
riquezas e não A ausência de dinheiro, como, comumente, se pensa. Assim, para
um Estado ser, efetivamente, rico, ele dependeria de dois determinantes: pro-
duções anuais em excesso e um preço valoroso. Essas condicionantes seriam
promovidas, em parte, por estímulos ao escoamento dos produtos, o qual, por
sua vez, era promovido pela existência de um potencial comércio exterior dos
gêneros agrícolas, facilitando a existência de um preço vantajoso e equilibrado
entre as nações comerciantes.

35
UNIDADE 1

A venda dos gêneros agrícolas no exterior era o que levava um reino a atingir
alto grau de prosperidade e não o dinheiro que representaria, simbolicamente,
os produtos vendidos. Por essa lógica, o dinheiro, sem o comércio, seria uma
riqueza estéril, uma vez que seria a abundância e os preços atrativos dos gêneros
que sustentariam as vendas e, consequentemente, o comércio. O dinheiro seria
algo rentável se fosse transformado em lucro (por exemplo, riquezas comerciáveis
adquiridas no exterior). Dessa forma, acumular dinheiro (ouro e outros metais
preciosos) em um reino não seria viável, uma vez que esse dinheiro ficaria confi-
nado em prejuízo da oportunidade de crescimento das riquezas que o comércio
poderia proporcionar.
Quesnay (1978) também se opôs ao mercantilismo por acreditar que a sua po-
lítica inibia a liberdade de ação do comércio e, consequentemente, dos indivíduos,
uma vez que a sua prática estava relacionada à criação de barreiras a produção,
circulação e consumo dos produtos. Na sua visão, as trocas comerciais deveriam
ser intensificadas, pois não haveria possibilidade de um Estado produzir tudo
aquilo de que necessitaria para o seu sustento e para satisfazer às necessidades
de seus habitantes. Isso justificaria a existência do comércio exterior, pelo qual
um Estado vendia ao outro uma parcela dos seus produtos, a fim de arrecadar
recursos para adquirir gêneros que necessitava à sua sobrevivência e a de seus
habitantes. A livre concorrência no comércio exterior seria uma forma de realizar
trocas equivalentes, sem que nenhuma ou outra parte viesse a ter prejuízos.
O autor de Quadro Econômico entendia que o comércio exterior era mais ou
menos amplo segundo a diversidade de consumo dos habitantes e a variabilidade
de produção do país. Quanto mais diversificada a produção de um reino, menor
o número de exportações e importações. Assim, a nação poupava em relação
aos custos do comércio exterior, que deveria, entretanto, ser livre, desprovido
de todos os entraves e isento de impostos. A comunicação estabelecida entre
as nações poderia assegurar, constantemente, no comércio interno, o melhor
preço possível dos produtos nacionais e garantir, também, a maior renda para o
soberano e para a nação.
Cerca de 20 anos após François Quesnay ter publicado o seu Quadro Eco-
nômico, na França, Adam Smith publicou, na Inglaterra, A Riqueza das Nações,
obra de repercussão mundial que produziu uma crítica profunda ao sistema
mercantilista. Smith foi conhecedor das doutrinas de Quesnay, o que explica o
fato de que muito de sua argumentação se aproxima das teorias propostas pelo

36
UNICESUMAR

economista francês. Entretanto a críti-


ca produzida por Smith em relação ao
mercantilismo foi feita com profundi-
dade considerável para o período.
Figura 11 - Adam Smith (1723-1790)
Fonte: Wikimedia (2008b, on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, temos


a ilustração, em preto e branco, de Adam
Smith. Ele aparece de perfil, trajando um ca-
saco, de cabelos longos e amarrados com
um laço.

De acordo com Smith (1983), a ideia de que a riqueza consistia no dinheiro, isto
é, no ouro e na prata, era uma ideia popular que derivava, naturalmente, da dupla
função do dinheiro, de um lado, como instrumento de comércio e, por outro,
como medida de valor.
Smith (1983) explicava que a riqueza e o dinheiro, no linguajar comum, eram
considerados como unívocos sob todos os aspectos. De modo similar, acreditava-
-se que um país rico, da mesma forma que um indivíduo rico, era aquele que tinha
muito dinheiro. Nesta perspectiva, acumular ouro e prata em um país constituía
o caminho mais rápido para enriquecê-lo.
Por conta desta crença popular, Smith (1983) aponta que todas as nações da
Europa se empenhavam, embora, de forma inútil, em descobrir todos os meios
possíveis de acumular ouro e prata em seus respectivos territórios. Espanha e
Portugal, proprietários das principais minas que forneceram estes metais à Eu-
ropa, proibiram, totalmente, a exportação de ouro e prata, sob penas rigorosas,
ou impuseram pesadas taxas aduaneiras à respectiva exportação.
Smith (1983) afirmava que a quantidade de uma mercadoria específica era
regulada pela demanda efetiva, isto é, pela necessidade de cada região. Portanto,
quando a quantidade de ouro e prata importada em um país supera a deman-
da efetiva, não há vigilância ou controle do governo que consiga impedir a sua
exportação, nem mesmo todas as leis sanguinárias da Espanha e de Portugal
foram capazes de evitar a evasão do ouro e da prata excedentes desses países. As
contínuas importações, feitas de suas colônias, ultrapassam a demanda efetiva da
Espanha e de Portugal, fazendo com que o preço desses metais, naqueles países,
descesse abaixo do vigente nos países vizinhos. Ao contrário, se, em algum país,

37
UNIDADE 1

a sua quantidade não fosse suficiente para atender à demanda efetiva, de forma
a fazer subir o preço desses metais em comparação com os países vizinhos, o
governo não precisaria preocupar-se em importar. Se o governo tentasse impedir
tal importação, não conseguiria fazê-lo, logo, nunca a preocupação do governo
seria tão supérflua como quando estivesse voltada para vigiar a conservação ou
o aumento da quantidade de dinheiro em um país.
A liberdade de comércio, segundo Smith (1983), sempre nos garantiria o
produto de que tivéssemos necessidade, assim, poderíamos estar certos de que
o livre comércio sempre nos asseguraria o ouro e a prata que tivéssemos con-
dições de comprar ou empregar, seja para fazer circular as mercadorias, seja
para outras finalidades.
Segundo Smith (1983), a riqueza não consistia nem em dinheiro, nem em
ouro e prata, mas consistia naquilo que o dinheiro comprava e no valor de compra
que ele tinha. Se um comerciante achava mais fácil comprar mercadorias com
cédula do que com outros bens, não era porque a riqueza consistia mais nela
do que nas mercadorias, mas porque a cédula era o instrumento de comércio
universal, pelo qual, prontamente, se poderia trocar qualquer outra coisa, sem
que, porém, pudesse, com a mesma facilidade, conseguir dinheiro em troca de
qualquer outra mercadoria. Além disso, a maioria dos bens era mais perecível do
que o dinheiro e, consequentemente, muitas vezes, o comerciante poderia sair
perdendo muito mais ao arquivar mercadorias do que guardando cédulas. Assim,
se as pessoas procuravam dinheiro, não era por causa dele em si mesmo, mas por
conta daquilo que, com ele, poderia-se comprar.
Smith (1983) explica que, se tentarmos aumentar a quantidade de ouro e prata
no país, por meios artificiais, com certeza, diminuiremos a sua utilização e, até
mesmo, a quantidade, a qual, nesses metais, nunca pode ser maior do que o uso
exige. Se, algum dia, esses metais fossem acumulados acima dessa quantidade,
o seu transporte seria tão fácil e a perda decorrente, no caso de permanecerem
ociosos ou sem utilização, seria tão grande, que nenhuma lei conseguiria impedir
a sua exportação imediata.
O economista inglês defendia que cada Estado deveria produzir aquilo que
teria aptidão, do contrário, poderia ocorrer riscos para a economia e abastança
de seus habitantes, como no caso de o produto nacional ser mais elevado do que
o mesmo produto, mas importado. Isso, evidentemente, seria, extremamente,
prejudicial para os consumidores. Por isso,

38
UNICESUMAR


Todo pai de família prudente tem como princípio jamais tentar fazer
em casa aquilo que custa mais fabricar do que comprar. O alfaiate
não tenta fazer seus próprios sapatos, mas compra-os do sapateiro.
O sapateiro não tenta fazer suas próprias roupas, e sim, utiliza os
serviços de um alfaiate. O agricultor não tenta fazer ele mesmo seus
sapatos ou sua roupa, porém recorre aos dois profissionais citados.
Todos eles consideram de seu interesse empregar toda sua atividade
de forma que aufiram alguma vantagem sobre seus vizinhos, com-
prando com uma parcela de sua produção — ou, o que é a mesma
coisa, com o preço de uma parcela dela — tudo o mais de que tive-
rem necessidade (SMITH, 1983, p. 380).

Smith (1983) argumentava que entendia, por vantagem ou ganho, não o


aumento da quantidade de ouro e prata, mas o aumento do valor de troca
da produção anual da terra e da mão de obra do país, ou seja, o aumento da
renda anual de seus habitantes. Essa renda e este sustento, proporcionados,
mutuamente, seriam, dessa forma, maiores ou menores, conforme a extensão
das transações entre os dois países.
No momento em que o mercantilismo já havia alcançado a supremacia no
campo das políticas econômicas e que as suas ideias se encontravam, completa-
mente, difundidas em toda a Europa Moderna, o fisiocratismo surgiu como dou-
trina econômica que buscava contestar a validade de tais políticas. Os fisiocratas
adotaram ideários, completamente, antagônicos ao pensamento mercantilista,
sobretudo, ao proclamarem que a agricultura era a verdadeira fonte da riqueza
de uma sociedade e que somente o livre comércio poderia proporcionar o au-
mento dessa riqueza no país. Como salientamos, anteriormente, o fisiocratismo
caracterizou-se como uma resposta radical para uma situação central, isto é, a
adoção do mercantilismo na França, por Colbert, levou a economia francesa a
uma situação de grandes limitações, baseada em uma política de proibições e
restrições por parte do Estado, que beneficiava o setor manufatureiro em detri-
mento da agricultura.
Criada em meio a uma França em crise, a fisiocracia representou, não, so-
mente, uma superação do pensamento mercantilista, mas é, também, considerada
por muitos, como a primeira escola do pensamento econômico. Atrelado a isso
estão as contribuições de sua doutrina para a formação do ideário de vários es-
tudiosos, hoje, considerados clássicos, como foi o caso de Adam Smith.

39
UNIDADE 1

O contexto de surgimento do fisiocratismo esbarra com uma França desequi-


librada, financeiramente: dívidas elevadas por conta das barreiras alfandegária
impostas pelo mercantilismo, aumento contínuo de impostos, crescimento do
fosso social entre ricos e pobres, dentre outros acontecimentos que levaram ao
descrédito do mercantilismo e impulsionaram o surgimento de uma nova pro-
posta econômica, gerenciada pelo fisiocratismo.
Podemos afirmar que o fisiocratismo surgiu no século XVIII, em oposição ao
mercantilismo, o qual, como vimos, consistia, a grosso modo, numa orientação
que tinha, como objetivo, a formação de um Estado independente e forte, visan-
do à implantação de uma série de regulamentações e de incentivo às atividades
industriais e mercantis para estimular as exportações (HUGON, 1995).
No geral, a fisiocracia foi desenvolvida por um grupo de economistas fran-
ceses do século XVIII que defendiam que a riqueza era proveniente das terras
cultiváveis e, que, por isso, os produtos agrícolas deveriam ter valores elevados. As
duas obras mais relevantes para esta teoria do pensamento econômico são Analy-
se du Tableau Économique, de François Quesnay, escrita em 1758, e Reflexions
sur la Formation e la Distribuition des Richesses, de Anne Robert Jacques Turgot,
publicada em 1766.


A vinculação que os fisiocratas estabeleciam entre agricultura e ge-
ração de excedente decorria, em primeiro lugar, de uma concepção
da riqueza segundo uma perspectiva estritamente quantitativa, isto
é, concebiam a criação da riqueza como uma multiplicação físi-
ca dos bens de consumo, fenômeno que só ocorre na agricultura,
pois nos demais setores, segundo argumentavam, matérias-primas
preexistentes eram apenas transformadas em bens de consumo.
Em segundo lugar, na agricultura pode-se observar da forma mais
simples e direta que o produto obtido por um trabalhador rural ao
longo de um ano, em condições de produtividade média, supera de
maneira significativa as necessidades de consumo e de reprodução
desse trabalhador, restando um excedente que pode ser comercia-
lizado. Na agricultura, fica evidente que os valores de uso criados
pelo trabalho e pela “generosidade” do solo superam a quantidade
de valores de uso necessários para a reprodução do produtor direto
(GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 55).

40
UNICESUMAR

É importante salientar que, durante o século XVIII, apesar do desenvolvimento


de manufaturas, a maior parte da economia dependia das atividades agrícolas.
Talvez, por este motivo, houve a supervalorização do trabalho agrícola pelos fi-
siocratas, se comparado a outras atividades. Os fisiocratas viam a produção de
bens e serviços como consumidores do excedente agrícola, uma vez que toda a
energia era proveniente do esforço do trabalho do indivíduo e/ou do animal no
campo que derivava na produção agrícola.
Apesar de já termos nos remetido ao fisiocrata François Quesnay, quando
abordamos as críticas realizadas ao mercantilismo, na aula anterior, compete
reiterar que, em sua obra Quadro Econômico, escrita em 1758, o autor apresenta
como o excedente produzido na agricultura circula na sociedade e forma a base
econômica para o ano seguinte. Na ótica dos fisiocratas, o excedente agrícola
não é apenas algo preexistente para as relações de troca em uma sociedade, mas
também é a base para as atividades comerciais e manufatureiras, a ponto de a
quantidade de trabalhadores empregados nesses setores só aumentar se houver
intensificação da produtividade e do excedente agrícola.
A fisiocracia contribuiu para organizar a criação de um modelo de análise
teórico (o quadro econômico) que não objetivava ser a leitura fiel da realidade,
mas uma forma que possibilitava a compreensão do funcionamento das relações
entre distribuição, consumo e esferas da produção do que, mais tarde, se conven-
cionou chamar de “ciência econômica”.

41
UNIDADE 1

OLHAR CONCEITUAL

Figura 12 - Infográfico sobre os principais pensadores da economia da Antiguidade, da Idade Média


e do mercantilismo / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: na imagem, na imagem, temos um infográfico que destaca os principais pensa-
dores econômicos de suas respectivas épocas. Na Antiguidade, período que se estende desde a invenção
da escrita (de 4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), evidenciamos
Xenofonte, Platão e Aristóteles. Na Idade Média, período que vai da queda do Império Romano do Ocidente
(476) até a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), destacamos os nomes de Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino. E, por fim, no momento em que surge o mercantilismo, conjunto de práticas eco-
nômicas desenvolvidas na Europa, durante a Idade Moderna (entre os séculos XV e XVIII), salientamos as
contribuições de Thomas Mun, François Quesnay e Adam Smith.

42
UNICESUMAR

Você conheceu, ao longo desta unidade, os principais teóricos de alguns períodos da


História da humanidade, como da Idade Antiga, da Idade Média e Moderna (nesta
última, voltada para o mercantilismo e a fisiocracia). Acredito que, se você com-
preender as discussões teóricas sobre os temas propostos, poderá acompanhar me-
lhor as outras unidades, cujas temáticas estão vinculadas ao debate entre pensadores
clássicos da economia e da política, na modernidade e na contemporaneidade.
E, hoje, você consegue identificar quais são os principais pensadores, filósofos
e afins que discutem temáticas relacionadas à política e à economia? Já procurou
assistir a vídeos e palestras e ler livros dos teóricos os quais você refletiu sobre?
Estar conectado(a) à nossa realidade bem como às discussões teóricas que nos
circundam é de suma importância, ainda mais para você, acadêmico(a) e futu-
ro(a) professor(a) de História! Pense nisso!
A intenção do conteúdo abordado, nesta unidade, é prepará-lo(a) de forma
que você compreenda e aprecie a História Política e Econômica, principalmente,
no que se refere à docência em História. Apesar disso, certamente, haverá momen-
tos nos quais você precisará de materiais extras para auxiliá-lo(a). Isso é natural,
uma vez que está iniciando os estudos nesta disciplina! Conhecer os pensadores
clássicos da História Política e Econômica é fundamental para compreendermos
conceitos e situações os quais temos contato, cotidianamente e, em especial, levar
esta diversidade de pensamentos para a sala de aula. Então, vamos continuar a
nossa conversa na Unidade 2? Espero você lá!

43
AGORA É COM VOCÊ

Agora é a sua vez de colocar, em prática, os conhecimentos adquiridos sobre o mer-


cantilismo! Para isso, elabore um Mapa Mental que traga os principais teóricos do
mercantilismo, aqui, abordados, relacionando-os com as suas principais essências.
Para lhe orientar, lembro que os autores que versam sobre este assunto são: Pierre
Deyon, Thomas Mun, François Quesnay e Adam Smith. Logo, estas palavras-chaves
e o que cada um desses autores pensam não podem faltar no seu Mapa Mental.
A técnica do mapeamento mental é de suma importância para estruturar o que você
aprendeu e, ao mesmo tempo, organizar os seus pensamentos, de forma a apre-
sentá-lo para outras pessoas. Você pode realizar o seu Mapa Mental aqui mesmo,
no seu livro. Mas, caso prefira, utilize uma ferramenta online, como o MindMeister
ou o Goconqr. Fica a dica! Agora, vamos elaborar o seu mapa? Vamos lá!

44
AGORA É COM VOCÊ

1. O externalismo pode ser considerado uma das correntes teóricas presentes na aná-
lise da historiografia do pensamento econômico. Sobre o externalismo, é correto
afirmar que:

a) Contempla apenas os fatos concretos, ajudando a diagnosticar os acontecimentos


que afetaram, direta ou indiretamente, determinado contexto histórico.
b) Analisa os grandes fatos e os grandes personagens, considerando que persona-
gens de menos projeção social não interferem no pensamento econômico.
c) Se preocupou com a intensidade das questões sociais e como a economia inter-
fere na riqueza e na pobreza da humanidade.
d) Considera que os fatos concretos, como a crise de 1929, ajudam a explicar o
contexto histórico no âmbito da economia, sem, no entanto, desprezar as con-
tribuições intelectuais para o entendimento destas questões.
e) É uma corrente de pensamento econômica defensora do bsolutismo e do mer-
cantilismo.

2. Segundo Aristóteles, quando um homem decide se unir a uma mulher e ter filhos, ele
estará constituindo uma família. Ao se agregar a outras famílias para obter aquilo que
deseja ou necessita para a sua subsistência, este grupo familiar estará contribuindo
para construir uma comunidade autossuficiente, a qual, por meio destas práticas,
possa promover o bem-estar de todos e de cada um. Seguindo o raciocínio de Aris-
tóteles, assinale a alternativa que melhor explique os dois tipos de arte da aquisição:
a aquisição natural ou economia, e a aquisição artificial ou crematística.

a) A aquisição natural ou economia é a consciência de que os cristãos não necessi-


tavam do lucro desenfreado, pois estavam sob a proteção de Deus. A aquisição
artificial ou crematística, por sua vez, é o desenvolvimento da consciência de que,
como o comércio era algo inevitável, os cristãos, para não caírem em pecado,
deveriam se submeter ao governo secular, o qual regularia as questões voltadas
para a obtenção de lucro por meio do comércio.
b) A aquisição natural ou economia é considerada a verdadeira riqueza, pois é pro-
veniente da natureza. São atividades como trocas, caça etc. que visam a manter o
sustento e a sobrevivência comunitária. A aquisição artificial ou crematística, por
sua vez, ocorreu a partir do momento em que o ser humano viu que o exceden-
te que produzia poderia gerar riquezas por meio da troca, ou seja, o comércio,
propriamente dito.

45
AGORA É COM VOCÊ

c) A aquisição natural ou economia era o campo de sustentação que garantia o es-


tabelecimento da ordem entre os cidadãos. A aquisição artificial ou crematística,
por sua vez, é a lei que submetia todas as sociedades a uma autoridade secular
para o estabelecimento da ordem entre elas.
d) A aquisição natural ou economia seria tudo o que era retirado da natureza para
o sustento de uma pessoa. Já a aquisição artificial ou crematística seria os bens
acumulados oriundos de sorteios e premiações.
e) A aquisição natural ou economia estava voltada para a poupança que determina-
do governo e/ou líder conseguiria fazer diante das necessidades de seu povo. Já a
aquisição artificial ou crematística estaria voltada para a arrecadação de impostos,
ou seja, uma forma “artificial” de acumular recursos.

3. São Tomás de Aquino (1225-1274) foi um frade católico que se destacou nos estudos
de escolástica e chegou a ser intitulado doutor da Igreja Católica, em 1567. Muito
embora tenha se destacado na teologia, conseguimos extrair de seu pensamento
algumas contribuições para o pensamento econômico do século XIII, momento em
que Aquino viveu. Assinale uma das alternativas que seja coerente com o pensamen-
to econômico de Aquino:

a) O comércio não era uma prática divina e, por isso, poderia, até mesmo, ser consi-
derada uma prática condenável aos olhos de Deus. Mas, como era algo inevitável,
São Tomás de Aquino afirmava que o comércio era legítimo nos casos em que
sustentasse o comerciante e a sua família e trouxesse vantagens para a sociedade
e o Estado.
b) Mais do que importância fundamental para o acúmulo de riquezas, o comércio
tinha uma missão terrena. Isto é, auxiliava governantes (príncipes) na manutenção
de seus governos e no sustento da população.
c) O comércio não tinha uma missão divina. Isto é, comércio, governo e riqueza
jamais deveriam ser discutidos dentro da Igreja e pelos seus teólogos.
d) Os comerciantes deveriam se preocupar, apenas, com assuntos de cunho civil e
material, competindo à Igreja orquestrar temas relacionados a Deus. Portanto,
poder secular e poder espiritual deveriam ser mantidos em esferas distintas e
não poderiam interferir, jamais, um no outro.

46
AGORA É COM VOCÊ

e) O governo secular tinha uma missão econômica, isto é, aos governantes (prín-
cipes) havia sido dada a competência de reger a arrecadação de impostos, a
administração sob o comércio e a contabilidade das receitas do reino. Por isso, o
poder do monarca deveria estar separado de outras esferas, tais como a cultural
e a religiosa.

4. Thomas Mun criou a tese da balança comercial favorável. Segundo esta concepção:

a) A base para promover o desenvolvimento econômico de um país estaria na se-


guinte regra: importar mais do que exportar.
b) A base para promover o desenvolvimento econômico de um país estaria na se-
guinte regra: praticar mais a agricultura do que o comércio.
c) A base para promover o desenvolvimento econômico de um país estaria na se-
guinte regra: exportar mais do que importar.
d) A base para promover o desenvolvimento econômico de um país estaria na se-
guinte regra: praticar mais o comércio do que a agricultura.
e) A base para promover o desenvolvimento econômico de um país estaria na se-
guinte regra: investir em tecnologias.

5. Como fisiocrata, o teórico François Quesnay (1694-1774) partiu do pressuposto de


que a agricultura era a principal fonte de riqueza, pois é a partir dela que outros
produtos seriam gerados. Levando em consideração esta informação, explique o
que Quesnay pensava em relação ao mercantilismo.

6. Adam Smith (1723-1790) defendeu que a liberdade de comércio seria a saída para
a economia mundial. Partindo disso, explique por que, para Smith, as práticas mer-
cantilistas eram prejudiciais para a vida econômica de um reino/governo.

7. Além de ser considerada, por muitos, como a primeira escola do pensamento eco-
nômico, a fisiocracia se destacou por influenciar teóricos, hoje, considerados clássi-
cos, como o próprio Adam Smith. Tendo, como base, esta informação, descreva as
principais ideias que embasaram a fisiocracia bem como o contexto que propiciou
o seu surgimento.

47
MEU ESPAÇO
2
Economia,
Política e
História: Análise
da Teoria dos
Principais
Pensadores
Dra. Verônica Karina Ipólito

Na Unidade 2, você conhecerá as teorias dos principais pensadores


que versam sobre a economia, a política e a história. Terá a oportu-
nidade de analisar a troca e a divisão do trabalho; a generalização
da noção de excedente; valor e distribuição; acumulação de capital e
comércio internacional sob a ótica de Adam Smith. Examinará, ainda,
os principais pensamentos de outros teóricos, como: valor e renda
da terra para David Ricardo; economia e demografia de Thomas Mal-
thus; relações de produção, materialismo histórico e luta de classes
na visão de Karl Marx; democracia, surgimento do individualismo,
representação política e tirania da maioria, nas perspectivas de Alexis
de Tocqueville e John Stuart Mill; e, por fim, os estudos sobre Estado,
autoridade e dominação política, sob a ótica de Max Weber.
UNIDADE 2

Você já parou para pensar que a política pode estar inserida na literatura? Já ouviu
ou conhece alguma obra ou fábula política? Em sua famosa obra A Revolução dos
Bichos, escrita em 1945, George Orwell utiliza uma fábula para criticar governos
de vieses totalitários. Mas por que essa obra pode ser tomada como referência
para a compreensão do Estado e da política?
O início da história do livro de Orwell narra a conquista de uma granja ad-
ministrada pelo cruel Sr. Jones. A princípio, a rebelião foi orquestrada por Major,
um porco velho e sábio, que sempre conclamava a liberdade e era, extremamente,
crítico aos humanos, a ponto de defender uma guerra contra eles. Em virtude das
condições insalubres (fome e maus tratos) as quais estavam submetidos, influen-
ciados por Major e liderados pelos porcos, os bichos da granja expulsam o Sr.
Jones. Confiantes na vitória que conquistaram, os animais começam a trabalhar
pesado para garantir o alimento necessário à sobrevivência. Os porcos, consi-
derados mais inteligentes, pois sabiam ler e escrever, escreveram nos fundos da
granja: “todos os animais são iguais”, eleito o mais importante dos mandamentos
da revolução. Os outros animais (vacas, ovelhas, cavalos, galinhas etc.) não fo-
ram alfabetizados e, diante desta situação, passaram a fazer tudo o que os porcos
diziam que deveria ser feito. Os porcos, então, começaram a exigir os melhores
alimentos, pois alegavam que o trabalho intelectual que realizavam consumia
muita energia. Por estarem em condição mais confortável e sem se importarem
com os outros, os suínos exigiram outras regalias, enquanto os demais animais
se sobrecarregavam de trabalho e passavam fome. Aos poucos, os mandamentos
da granja eram alterados, havendo conspirações e tentativas de assassinatos entre
os próprios líderes. Os porcos apresentavam estatísticas falsas sobre a produção
de alimentos (enquanto muitos passavam fome); quem não aceitasse o regime
imposto ou fosse acusado de ser traidor, a condenação era a execução sumária.
Os outros animais já não compreendiam pelo o que tinham lutado, pois a vida
parecia ser tão dura quanto antes da revolução. Com regalias cada vez maiores, os
suínos alteraram o principal mandamento da revolução para: “todos os animais
são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.

50
UNICESUMAR

Já parou para pensar como você se comportaria caso estivesse na condição


de “porco”, na fábula política de George Orwell? E se a granja fosse o bairro onde
você mora, o que faria ao se perceber dentro de um sistema que, deliberadamente,
favorece uns em relação aos outros? E, se você, caro(a) aluno(a) protagonizasse o
papel de outro animal na trama, quais atitudes tomaria?
Utilizando um script envolvente e que, para um leitor mais desatento, não
teria conotação política, o livro A Revolução dos Bichos é leitura obrigatória para
compreender os regimes políticos totalitários bem como desnuda os anseios obs-
curos de vários governos tirânicos e ditaduras. A autoridade e a dominação política
são singulares, de acordo com cada tipo de governo existente. Vamos, então, entrar
na nossa cápsula do tempo e descobrir o que pensavam os principais teóricos da
História Política e Econômica? Para começarmos esta viagem, incentivo você, alu-
no(a), a registrar, no Diário de Bordo, os seus entendimentos, até aqui, nesta nossa
conversa. Por exemplo, o que você pensou sobre encarnar um personagem de A
Revolução dos Bichos e de que forma essa obra nos ajuda a refletir sobre a questão
política e econômica da comunidade onde vivemos. Vamos lá!

DIÁRIO DE BORDO

51
UNIDADE 2

Figura 1 - Estátua de Adam Smith em Edimburgo, na Escócia

Descrição da Imagem: na imagem, temos a estátua de bronze do economista escocês Adam Smith, em
que ele aparece em pé, apoiado em um pedestal, ao fundo, está destacado o céu azul de Edimburgo,
cidade do Reino Unido onde a estátua está localizada.

Você já experimentou uma sensação de estranheza ou de rejeição diante de ideias


diferentes das suas? Não é difícil encontrar pessoas com pensamentos distintos
dos nossos, certo? O que veremos, em nossa viagem pelo tempo, é um conjunto
de pensadores com perspectivas opostas em relação à economia, à política e à his-
tória. Vamos conhecer estas diferentes visões de mundo? Então, me acompanhe!
Já ouviu falar em liberalismo? Pois bem, o teórico que analisaremos, agora, é
considerado um dos precursores desta corrente de ideias e, como tal, é conside-
rado um autor dentro do que se convencionou chamar de liberalismo clássico.
O economista escocês Adam Smith (1723-1790) é considerado pioneiro ao dar
enfoque científico à economia e ao determinar os fatores que orientavam o cres-
cimento econômico.

52
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Revolução do Bichos (Animal Farm)


Gênero: animação
Ano: 1954
Ficou curioso(a) em saber mais sobre A Revolução dos Bichos de
George Orwell, que comentamos na introdução desta unidade? Pois bem,
saiba que, em 1954, foi realizada uma versão em desenho animado desse
clássico. A adaptação narra a história de um fazendeiro alcoólatra que des-
contava a sua fúria nos animais de sua fazenda. Cansados desta situação,
os animais tomaram posse da fazenda, ditando novas regras e controlando
todo o espaço. No entanto os porcos se sobressaem ao forçarem a implan-
tação de uma sociedade considerada ideal para eles. Todo este cenário de
opressão gera uma nova revolta. Pegue a pipoca e curta esta animação!
Para ver no YouTube, acesse: https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3876

Certamente, você, caro(a) aluno(a), deve ter ouvido falar em divisão do trabalho,
tratamento do lucro, estrutura de classes na sociedade capitalista, riqueza em opo-
sição aos mercantilistas, a troca como canal de distribuição de riqueza, o acúmulo
de capital e a sua relação com o investimento, a necessidade de fatores para o pro-
gresso natural da riqueza, as bases da tributação moderna e alguns fundamentos
para a teoria do comércio internacional. Saiba, pois, que Adam Smith contribuiu
para a discussão desses temas. Portanto, é bem provável que alguns elementos que
trabalharemos, aqui, tenham feito parte de sua vida, em diversos momentos.
A obra clássica de Smith, intitulada A Riqueza das Nações e publicada em
1776, foi a base para muitas outras nos séculos que a sucederam, nos campos
da economia, filosofia, história e de tantas outras ciências que utilizam a análise
de Smith como ponto de partida para o entendimento da ação do mercado e as
suas principais características. Essa obra é defensora da lógica da naturalidade
do desenvolvimento da riqueza, da espontaneidade da formação das instituições
ao longo dos anos e, assim, é sobre essa lógica de acúmulo de capital e desenvol-
vimento de riqueza que nos ateremos, acreditando ser a fonte apropriada para
entendermos melhor o pensamento smithiano.

53
UNIDADE 2

Figura 2 - Cópia da página de abertura do


primeiro volume da obra de Adam Smith, in-
titulada A Riqueza das Nações (primeira edição)
Fonte: Wikimedia ([2021a], on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, temos


a página de abertura do primeiro volume
da obra A Riqueza das Nações (primeira
edição), na qual é possível visualizar in-
formações (como título, nome do autor,
volume, local e editora) escritas em inglês.

Em Smith (1996), encontramos a


interpretação da economia como
um sistema de liberdade natural.
Retiradas as limitações impostas
ao comércio pelos mercantilistas
ou a defesa ferrenha da agricultura
pelos fisiocratas, o funcionamento irrestrito da economia ocorreria de forma a
promover o máximo de bem-estar possível para a sociedade. Entretanto, Smith
(1996) considera que o amor próprio e a procura do interesse pessoal são legados
da natureza humana. Em sua visão, “sem dúvida, todo homem é por natureza
recomendado, primeira e principalmente a cuidado de si mesmo; e como ele é
mais apto ao cuidado de si mesmo que ao de alguma outra pessoa, é apropriado
e correto que seja assim” (SMITH, 1996, tomo II, p. 2.1). Contudo Smith afirma
que este sentimento de egoísmo inerente à natureza humana deve ser combati-
do, pois pode nos conduzir a infringir os direitos de outros homens, tornando
inexequível a convivência em sociedade.
A questão moral, em Adam Smith, é compreensiva e, ao mesmo tempo, iné-
dita, uma vez que o filósofo foi capaz de inaugurar a reflexão econômica como
algo desvinculado da filosofia moral.
Para Smith (1996), os fenômenos econômicos possuem natureza específica, o
que significa que as ações econômicas possibilitam atingir o máximo bem-estar para
a humanidade, sem, no entanto, recorrer à caridade ou à benevolência, apenas dei-
xando-se levar pelo amor próprio. Nas palavras do autor de A Riqueza das Nações,


[...] não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do
padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles
têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua huma-

54
UNICESUMAR

nidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas


próprias necessidades, mas de vantagens que advirão para eles
(SMITH, 1996, tomo I, p. 2).

Desde o início da obra, Smith (1996) deixa explícito que o trabalho é a fonte da
riqueza de uma sociedade. Seguindo esta perspectiva, o autor discorda do pensa-
mento mercantilista, para o qual o comércio exterior se confirmaria como riqueza
de uma nação, ou seja, que o ganho de um país poderia ser, somente, oriundo
das desvantagens das demais. Além de discordar dos mercantilistas, Smith (1996)
também evidencia, como unilateral, o pensamento dos fisiocratas, para quem a
capacidade de produzir riquezas estava concentrada na agricultura.
Representante dos mercantilistas, Thomas Mun (1996, p. 58, grifo nosso) acre-
ditava que “os meios ordinários para aumentar nossa riqueza e tesouro são pelo
comércio exterior”. Smith (1996), ao contrário, não vê no comércio a origem
da riqueza, sequer o considera como tesouro de um país, porque acredita que
o comércio é o conjunto de bens materiais disponíveis ao consumo. Na visão
smithiana, o trabalho é a única fonte de riqueza de uma nação, pois é algo com-
partilhado entre os indivíduos que a formam, indivíduos estes que se encontram
divididos entre os cidadãos distribuídos nos mais distintos ramos da produção,
de forma geral, e não, apenas, canalizados na agricultura. Nesse sentido, na per-
cepção de Smith (1996), a ampliação da riqueza resulta da divisão do trabalho.
Constata-se, em Smith, o abandono de uma ótica, essencialmente, monetária
que explica a opulência (tesouro) de uma nação, ideia típica dos mercantilistas,
para uma perspectiva de riquezas promovida mediante os produtos criados pelo
trabalho humano. Esta última ideia já havia sido discutida por teóricos anteriores
ao próprio Smith, a exemplo de Petty (1983), Cantillon (1952) e Hume (1994).

PENSANDO JUNTOS

“A terra é a fonte ou a matéria de onde se extrai a riqueza, e o trabalho do homem é a


forma de produzi-la”.
(Richard Cantillon)

55
UNIDADE 2

Para Smith (1996), o aprimoramento das forças de produção, aliado à habilidade,


à agilidade e à compreensão com as quais o trabalho estava sendo executado no
século XVIII, permite que associar estes bons resultados à divisão do trabalho.


Tomemos um exemplo de uma manufatura insignificante, mas na
qual a divisão do trabalho tem sido frequentemente notada, o fa-
brico de alfinetes; um operário não treinado nesta atividade (que a
divisão de trabalho tornou um ofício distinto), e que não soubesse
trabalhar com as máquinas nela utilizadas (para cuja invenção a
divisão do trabalho provavelmente contribuiu), mal poderia talvez,
ainda que com maior diligência, produzir um alfinete num dia e não
seria, com certeza, capaz de produzir vinte. Mas, da forma como esta
atividade é atualmente levada a cabo, não só o conjunto do trabalho
constitui uma arte específica como a maior parte das fases em que
está dividido contribuem de igual modo ofícios especializados.

Um homem puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o,


um quarto aguça-o, um quinto afia-lhe o topo para receber a cabeça;
o fabrico da cabeça requer duas ou três operações distintas; a sua co-
locação é um trabalho especializado como o é também o polimento
do alfinete; até mesmo a disposição dos alfinetes no papel é uma arte
independente; e a importante atividade de produzir um alfinete é,
deste modo, dividida em cerca de dezoito operações distintas, as
quais, nalgumas fábricas, são todas executadas por operários dife-
rentes, embora noutras um mesmo homem realize, por vezes duas
ou três dentre elas.

Eu próprio vi uma pequena fábrica deste tipo, que empregava dez


homens e onde, por consequência, vários deles executavam duas ou
três operações distintas. Mas embora fossem muito pobres e não se
encontrassem, por isso, muito bem apetrechados com a maquina-
ria necessária, eram capazes de produzir entre eles, quando nisso
se empenhavam, cerca de doze libras de alfinetes por dia. Assim,
aqueles dez homens produziam em conjunto mais de quarenta e
oito mil alfinetes num dia.

[…] O grande aumento da quantidade de trabalho que, em conse-


quência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz

56
UNICESUMAR

de executar deve-se a três circunstâncias: primeira, o aumento da


destreza de cada um dos trabalhadores; segunda, a possibilidade de
poupar o tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma tarefa
a outra; e, finalmente, a invenção de um grande número de máquinas
que facilitam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de
realizar o trabalho de muitos (SMITH, 1996, tomo I, p. 79).

Esta citação demonstra que, na concepção smithiana, os conceitos de trabalho


e troca são inseparáveis, já que essa e a barganha são elementos próprios da
natureza humana e, por isso, facilitaram a origem da divisão do trabalho. As-
sim, troca e trabalho são considerados princípios fundamentais, por meio dos
quais a ampla variedade de fenômenos econômicos pode ser compreendida
(COUTINHO, 1993).

Figura 3 - Representação da fábrica de alfinetes, segundo a descrição de Adam Smith


Fonte: Inner Yogi ([2012], on-line)1.

Descrição da Imagem: na imagem, temos uma ilustração na qual aparecem dez pessoas manipulando
máquinas e ferramentas para a produção de alfinetes.

Sobre a divisão do trabalho, Smith (1996) discute um paradoxo que havia sido
criado por John Locke (1993), na sua obra Segundo Tratado. Esse autor edifica
um argumento no qual diz que grande parte dos produtos que servem às neces-
sidades humanas é oriunda do trabalho e não da natureza. Para aprofundar este
pensamento, Locke (1993) cita o exemplo de nativos da América, que têm, à sua
disposição, terras muito produtivas, “contudo, por não serem melhorados pelo
trabalho não tem um centésimo das conveniências de que desfrutamos: E o rei
de um território grande e fértil de lá alimenta-se, veste-se e mora pior que um
trabalhador diarista na Inglaterra” (LOCKE, 1993, p. 297).

57
UNIDADE 2

PENSANDO JUNTOS

“Tudo no mundo é adquirido pelo trabalho e nossas paixões são as únicas causas do
trabalho”.
(John Locke)

Partindo desse paradoxo, Smith (1996) busca concentrar a atenção no fato de que
um trabalhador inglês possui condição material superior à condição de qualquer
membro de uma sociedade dita primitiva.


Em comparação com o luxo extravagante dos grandes, as acomoda-
ções de um operário certamente parecem ser extremamente simples
e acessíveis e, no entanto, talvez seja verdade que as acomodações
de um príncipe europeu nem sempre sobrepujem a de um campo-
nês trabalhador e frugal tanto quanto as acomodações deste último
sobrepujem a de muitos reis da África, senhores absolutos das vidas
e das liberdades de dez mil selvagens nus (SMITH, 1996, p. 11).

A fim de conceder explicações sobre o paradoxo da divisão do trabalho, o autor


alega que mesmo o mais humilde trabalhador de um país civilizado é beneficia-
do pelo fato de um número significativo de pessoas estarem trabalhando para
atender às suas necessidades. Dessa forma, o trabalhador pode usufruir da


[...] grande multiplicação das produções de todos os diversos ofícios,
em consequência da divisão do trabalho, que gera, em uma socie-
dade bem dirigida, aquela opulência universal que se estende até as
camadas mais baixas do povo (SMITH, 1996, p. 10).

Por meio das trocas, até os pertencentes às classes sociais mais baixas podem
desfrutar do trabalho que outras pessoas executam para se manterem, favore-
cendo-se das vantagens da produtividade que a divisão do trabalho concede a
cada produto. Logo, fica claro que o bem-estar material não depende do poder
que o sujeito possui.
A natural disposição à troca, tal como defende Smith (1996), garantiria o
progresso da sociedade. A troca de produtos resultantes de seu trabalho possi-

58
UNICESUMAR

bilita que cada indivíduo se dedique e se especialize na execução de uma única


atividade, reservando os seus talentos e as suas ambições para o tipo de negó-
cio que almeja. Nesta perspectiva, os benefícios são para todos, pois conseguem
“comprar qualquer parcela da produção dos talentos dos outros, de acordo com
suas necessidades” (SMITH, 1996, p. 5).
Para que isso aconteça, entretanto, o autor ainda defende a atuação de uma
economia liberta de entraves, a qual possibilite dar condições de riqueza e li-
berdade a ponto de possibilitar que a sociedade eleve a condição moral de seus
membros bem como tenha condições de alcançar a felicidade.
Cada indivíduo participa de um tipo de produção e, por assim ser, se mantém
ligado a outros homens também atuantes neste processo, já que “são muito poucas
as necessidades que o homem consegue atender com o produto de seu próprio
trabalho. A maior parte delas deverá ser atendida com o produto do trabalho
dos outros” (SMITH, 1996, p. 11). Porém, além do trabalho, é necessário que os
sujeitos sociais façam trocas. Conforme nos diz Smith (1996, p. 11),“todo homem
subsiste por meio da troca, tornando-se de certo modo comerciante; e assim é
que a própria sociedade se transforma naquilo que é propriamente uma socie-
dade comercial”. Assim, ao trocarem o resultado de seus trabalhos, os indivíduos
estarão compartilhando o seu trabalho uns com os outros. Dessa forma, quanto
mais as trocas forem praticadas, maior será a riqueza concedida pelo trabalho.
Para Smith (1996), a divisão do trabalho é uma forma de expressão da von-
tade dos indivíduos, baseada na necessidade que se impõe, visto o aumento do
consumo, a partir da eficiência do mercado. A divisão do trabalho surge, então,
como expressão da natureza do ser humano e está ligada, intimamente, à propen-
são pela troca, que é estimulada pelo interesse individual, o qual, por sua vez, está
vinculado à necessidade de o indivíduo aperfeiçoar as suas condições. Segundo
parte da historiografia que versa sobre o assunto, a troca é uma das questões
centrais na obra de Smith. Dessa forma, ele salienta a importância das novas pos-
sibilidades de trocas, favorecendo a fragmentação das atividades dos indivíduos
e, assim, oportunizando outras tarefas, como a manufatura e o comércio.
Ao analisar a história, Smith (1996) observa a importância de fatores que fa-
cilitaram ou deram novas oportunidades para a intensificação das trocas, seja por
divisão de trabalho, seja por aumento da produtividade ou por um fato simples,
porém, essencial: o uso da moeda. Em consonância com o pensamento smithiano,
após a queda do Império Romano, a Europa viveu um momento conturbado, em

59
UNIDADE 2

várias de suas instituições, sobretudo, no campo monetário. Por muitos anos os


indivíduos faziam as suas trocas barganhando produtos com produtos. Porém
essa prática tornou-se inviável e criou a necessidade do retorno ao uso da moeda
(metal), pois ela não se deterioraria e não perderia o seu valor com o tempo, como
era o caso dos alimentos não trocados. Um exemplo de extensão de possibilidade,
nas trocas, foi o uso do dinheiro: a moeda tornou-se importante para as trocas
comerciais, pois havia dificuldade no escambo de produtos.
O metal é, primeiramente, escolhido como elemento de troca, pois ele é du-
rável, divisível e, além disso, pode ser guardado e acumulado. A possibilidade
do acúmulo faz com que simples servos vejam as suas rendas aumentadas e a
sua condição de vida, transformada. Quando este capital se torna maior do que
o necessário para a sobrevivência, ele se torna fixo ou circulante, porém, as suas
mais diferentes formas se tornam possibilidade de auferir novas rendas.
Adam Smith inicia o tomo II da obra A Riqueza das Nações (1996) pon-
tuando a existência de dois tipos de trabalho: o produtivo e o improdutivo. O
trabalho improdutivo seria aquele que não criaria um produto concreto em que
o seu valor se fixaria. Um exemplo seriam os tipos de serviços prestados, como o
de segurança. No caso do trabalho produtivo, parte da produção repõe o capital
e parte constitui o lucro e a renda da terra. A produção que repõe o capital só
emprega mão de obra produtiva, ao passo que a renda sustenta a mão de obra
improdutiva e os que não trabalham. Assim, a produção anual de um país é pro-
porcional ao capital do mesmo.
Segundo Smith (1996, tomo II, p. 290-291), o capital é aumentado de duas
maneiras: por meio da parcimônia ou da poupança.


O que se economiza anualmente é consumido com a mesma re-
gularidade que aquilo que se gasta anualmente, e também quase
ao mesmo tempo: todavia, o consumo é feito por uma categoria
diferente de pessoas [...] trabalhadores, manufatores e artífices, que
reproduzem com lucro o valor de que consomem anualmente [...].

O emprego do dinheiro estaria, assim, intimamente ligado com a lógica do seu


acúmulo e desenvolvimento, pois o esbanjamento e o mau investimento do di-
nheiro não possibilitam atividades produtivas que gerariam mais capital, movi-
mentando a produção. Porém Smith (1996) mostra que o esbanjamento é menos

60
UNICESUMAR

constante do que o desejo que o indivíduo tem de melhorar a sua condição de


vida, formatando um contexto de mais acertos do que erros dos empreendedores.
Por isso, deve-se temer mais a imprudência pública do que o mau empreendi-
mento privado, pois o Estado não nutre tal valor ao investimento quanto o indi-
víduo, porque os prejuízos causados por imprudências estatais são equilibrados
à custa do privado coerente.
Tais elementos básicos expostos por Smith (1996) favorecem o entendimento
do desenvolvimento do capital em uma nação. Assim, a possibilidade de acúmulo
de capital, por meio do uso da moeda, contribuiu para o aumento de liberdade
dos indivíduos, os quais, normalmente, investiam as suas reservas em negócios
nas cidades, onde possuíam um contexto mais seguro para a propriedade.
Ao descrever os períodos posteriores a 1776, Smith (1996) visualiza momen-
tos de dificuldades, apesar dos avanços, de forma crescente, no crescimento do
capital, com o passar dos anos:


Em cada um desses períodos, entretanto, havia não somente muito
esbanjamento por parte de particulares e da administração pública,
muitas guerras dispendiosas e supérfluas, grandes desvios da pro-
dução anual destinada à manutenção de mão-de-obra produtiva e
improdutiva; por vezes, também, em meio ao tumulto do conflito
civil, havia tão grande desperdício e destruição de capital, que como
é de supor, não apenas retardou o acúmulo natural das riquezas,
como deixou o país mais pobre ao término do período, do que no
início [...] (SMITH, 1996, tomo II, p. 296).

Porém, como Smith (1996) vislumbrou, os prejuízos do Estado são contrabalan-


ceados pelos acertos do privado:


[...] embora os altos gastos do Governo, sem dúvida, devam ter re-
tardado o curso natural da Inglaterra em direção à riqueza e ao
desenvolvimento, não foi possível sustá-lo [...]. Em meio a todas
as exações feitas pelo governo, esse capital foi sendo silenciosa e
gradualmente acumulado pela frugalidade e pela boa administra-
ção de indivíduos particulares, por seu esforço geral, contínuo e
ininterrupto no sentido de melhorar sua própria condição. Foi esse

61
UNIDADE 2

esforço, protegido pela lei e permitido pela liberdade de agir por si


próprio da maneira mais vantajosa, que deu sustentação ao avanço
da Inglaterra em direção a grande riqueza e ao desenvolvimento em
quase todas as épocas anteriores, e que como é de esperar, acontece-
rá em tempos futuros [...] (SMITH, 1996, tomo II, p. 296).

De acordo com o autor, o acúmulo de capital não havia sido o suficiente para ex-
plicar o desenvolvimento do capitalismo, pois o aumento das poupanças surgiria
mais como o resultado do desenvolvimento econômico do que a causa. Portanto,
nesta concepção, a genialidade dos indivíduos na maneira de investirem e admi-
nistrarem os seus recursos havia sido o motor propulsor do desenvolvimento da
riqueza, em grande parte da Europa.
O livro III de A Riqueza das Nações (1996) se concentra no que constitui a
riqueza e o seu progresso natural. A tese central da obra de Smith se sustenta na
lógica de que a troca gera riqueza para ambos os lados e, seguindo esse raciocínio,
o autor inicia o livro III observando o comércio existente entre campo e cidade
bem como as suas vantagens mútuas. Além disso, Smith (1996) também mostra
a importância do aumento da produção no campo, para o enriquecimento da
cidade e da manufatura e a expansão do comércio exterior, porém essa riqueza
seria uma progressão que atingiria todos os setores da economia, por meio da
troca, situação que Smith (1996) observava não existir, de forma livre, em vários
contextos europeus. Estas questões apontam a importância, portanto, da liber-
dade de troca para o progresso natural da riqueza.
Smith (1996) tem, como base para a sua crítica, a análise histórica da Europa.
O autor descreve algumas instituições que foram desenvolvidas após a queda
do Império Romano, instituições essas que favoreceram a cristalização de uma
conjuntura na qual imperaram grandes proprietários de terras na Europa. Esta
concentração de riquezas e poder foi possível devido a algumas práticas, como as
leis da primogenitura e do morgadio, as quais impediram a alienação das terras.
Com isso, essas terras eram pouco melhoradas, pois estes grandes proprietários
não manifestavam interesse em aumentar a produtividade.

62
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Lei da primogenitura, segundo Adam Smith: foi adotada na Europa medieval como res-
posta às desordens e à insegurança que se seguiram à queda do Império Romano. Im-
plantou-se a norma de que a grande propriedade da nobreza fosse herdada apenas por
um dos filhos, o mais velho, com precedência para o sexo masculino, na linha de suces-
são. Assim, impondo a sucessão linear ao invés da sucessão democrática, a primogenitura
impedia que a grande propriedade fosse partilhada entre os herdeiros (PEREIRA; PEREIRA,
2006).
Morgadio, segundo Adam Smith: instituição desconhecida entre os romanos, foi adotado
para complementar a lei de primogenitura. Se esta impedia a partilha dos domínios por
meio da herança, aquele bloqueava a partilha por meio da alienação, legado ou doação.
Para Smith, o morgadio combinava-se com ela [a lei da primogenitura] para preservar a
integridade da grande propriedade, julgada necessária para a preservação da segurança
na época da “anarquia feudal” (PEREIRA; PEREIRA, 2006).

Os agricultores e servos que trabalhavam nessas terras pouco tinham de recompen-


sa por seu esforço. Muitos viviam em condições degradantes e trabalhavam para
sobreviverem. Esta situação, para Smith (1996), constrói um cenário de baixa pro-
dutividade, porque o trabalho servil é caro e não oferece possibilidade de melhoria
de vida para o trabalhador, que não se esforça para aumentar a produção.
Entretanto, com o passar do tempo, as relações de trabalho se modificaram
e, com a introdução da figura do meeiro, algumas mudanças puderam ser obser-
vadas. Um elemento importante que distingue o meeiro do servo seria a possibi-
lidade de aquele adquirir propriedade bem como a liberdade para melhorar as
suas condições de vida. Mas, Smith (1996) aponta que não havia instituições que
incentivassem, ou, até mesmo, assegurassem ao meeiro o direito de propriedade
privada. Outro desestímulo à agricultura seria a proibição geral de exportar ce-
reais e as restrições impostas ao comércio interno de produtos agrícolas, enfim,
a agricultura, que seria a primeira a receber a possibilidade de se desenvolver,
naturalmente, era cercada por limitações e imposições irracionais ao desenvol-
vimento natural da riqueza.

63
UNIDADE 2

O capítulo III do livro III de A Riqueza das Nações (1996) é uma fonte rica para
entendermos a análise de Smith para a crise ou as transformações no sistema que ficou
conhecido como sistema feudal. O autor aponta como essencial o desenvolvimento
da riqueza nas cidades e salienta os elementos que fizeram ser possível esta realidade.
A servidão vivida no campo também era uma situação vista na cidade, porém,
Smith (1996) sinaliza que os moradores das cidades tiveram a possibilidade de
desfrutar de um contexto com menos restrições, antes mesmo de este contexto
atingir o campo. Esta ampliação da liberdade foi construída por alguns elementos
de suma importância, e cabe, agora, a nós, observá-los.
Uma realidade que o cidadão da cidade vivia era a possibilidade de autogo-
verno, ou mais participação no governo das cidades, obviamente, isso era mais
acessível àqueles que já possuíam mais vantagens econômicas, mesmo não tendo
prestígio por nascimento, ou seja, os chamados burgueses, os quais conquistavam
mais privilégios, ao longo dos anos.


Além dessa concessão, geralmente se dava aos burgueses da cidade
a quem ela era concedida também os importantes privilégios acima
mencionados, isto é: o direito de darem suas filhas em casamento, o
direito de que seus filhos os sucedessem e o direito de dispor à von-
tade de seus próprios pertences [...] (SMITH, 1996, tomo III, p. 337).

Outra razão para o fortalecimento da burguesia e a expansão de seus privilégios


foi a verticalização com a Coroa. Esta encontrou, na burguesia, aliados contra os
senhores feudais. Por não serem protegidos pela lei, os burgueses procuravam a
proteção de um senhor poderoso ou se uniam em “ligas de defesa mútua”.


Os habitantes dos burgos eram os inimigos dos adversários do rei,
sendo do interesse deste dar-lhes o máximo de segurança e inde-
pendência possível face aos senhores feudais, inimigos do rei. Ao
conceder-lhes os direitos de terem seus magistrados, o privilégio de
formularem leis secundárias para seu próprio governo [...] (SMITH,
1996, tomo III, p. 338).

Até mesmo as taxas não poderiam ser aceitas, nas cidades, sem a aprovação de seus
administradores, como no caso de cidades da França e da Inglaterra. Assim, pelo

64
UNICESUMAR

fato de haver, na área urbana, mais segurança e liberdade, a indústria tem, na cidade,
mais possibilidade de desenvolvimento e acúmulo de capital do que no campo.


Dessa forma, em uma época em que os moradores do campo esta-
vam expostos a todo tipo de violência, nas metrópoles se implantou
a ordem e a boa administração e, juntamente com elas, a liberdade e
a segurança dos indivíduos. É natural que os habitantes do campo,
colocados nessa situação indefesa, se contentassem com a sua sub-
sistência; porque conseguir mais apenas provocaria a injustiça de
seus opressores. Ao contrário, quando os cidadãos têm segurança
de gozar dos frutos do trabalho, empenham-se naturalmente em
melhorar sua condição e em adquirir não somente o necessário,
mas também os confortos e o luxo que a vida pode proporcionar.
Portanto, esse tipo de iniciativa operosa, que almeja mais do que o
simplesmente indispensável para subsistir, já existia, de um modo
geral, muito antes, entre os moradores das metrópoles do que entre
os habitantes do campo [...] (SMITH, 1996, tomo III, p. 340).

Essa situação fez com que grande parte do capital acumulado no campo, por este
pequeno proprietário, fosse concentrada na cidade, pois havia mais propensão à
liberdade e à segurança.
A realidade, em questão, seria observada, então, por Smith (1996), no capítulo
IV do livro III, em que o autor nota que o progresso da cidade atinge o campo, pois
o enriquecimento dos moradores urbanos fazia os mesmos investirem em terras, as
quais estavam sendo vendidas pela nobreza ligada aos altos gastos e luxo, pois ela
não comportava mais o seu antigo modo de vida e se via obrigada a se desfazer de
parte de suas posses. Estes novos proprietários, que viam, nas terras, um negócio,
empregavam melhorias para o aumento da produção. E, assim, se desestruturavam
as bases do chamado “feudalismo”, fato que Smith (1996) denomina “revolução”.


Dessa maneira, uma revolução da maior importância para o bem-
-estar público foi levada a efeito por duas categorias de pessoas, que
não tinham a menor intenção de servir ao público. A única moti-
vação dos grandes proprietários era atender a mais infantil das vai-
dades. Por outra parte, os comerciantes e os artífices, embora muito
menos ridículos, agiram puramente a serviço de seus próprios in-

65
UNIDADE 2

teresses, fiéis ao princípio do mascate, de um penny ganhar outro.


Nem os proprietários nem os comerciantes e artífices conheceram
ou previram a grande revolução que a insensatez dos primeiros e a
operosidade dos segundos estavam gradualmente ferramentando
(SMITH, 1996, tomo III, p. 351).

Para Smith (1996), o comércio e a manufatura geram o aprimoramento do campo,


a liberdade e a segurança fazem a riqueza se movimentar e atingir todos os setores
da sociedade, é a riqueza da nação que transpassa limites e barreiras territoriais,
a expansão dessa riqueza para outras nações, pelo simples desejo de indivíduos
aumentarem as suas satisfações pessoais. Sendo assim, Smith (1996) concebe a
ideia da importância da liberdade e da segurança, para que o interesse individual
possa ser motor, espontâneo e inconsciente, das transformações sociais.
Em suma, o que, hoje, a historiografia denomina transição do feudalismo
ao capitalismo, para Adam Smith (1996), era o progresso natural da riqueza se
formatando no cenário da Europa Ocidental. Para que este fato ocorresse, era ne-
cessário um elemento único: a liberdade, considerada responsável por estimular
algo natural do indivíduo, ou seja, o seu interesse individual, esse indivíduo, por
sua vez, compreendendo que encontrará, na troca, a possibilidade de acúmulo de
riqueza e investimento desse capital nos negócios, os quais, para esse indivíduo,
tornam-se mais vantajosos.
O desejo de conquistar uma condição melhor do que a existente fez os in-
divíduos transformarem, ao longo da história, as suas condições de vida. Smith
(1996) conceitua isso como amor próprio, produtor dos benefícios públicos.
Sobre a noção de excedente, Smith (1996) defende a ideia de que este fe-
nômeno passou a ser comum com a divisão do trabalho. Assim, a natureza
humana estaria suscetível à troca, em razão disso, os indivíduos tendem a se
dividir nas atividades produtivas em consonância com a especialização/ha-
bilidade da atividade individual, fator que resulta na formação de excedentes
em quantidades cada vez maiores e sujeitos a trocas, de forma individual, na
própria sociedade. Além disso, o autor afirma que a busca de interesses pes-
soais na produção de riquezas promove benefícios para todos, pelo fato de a
especialização, em uma atividade específica para cada indivíduo, propiciar a
ampliação da capacidade produtiva e transformar este aumento em acrésci-
mos da riqueza pessoal, por meio da troca de excedentes, o que resultaria no
aumento da disponibilidade de bens (SMITH, 1996).

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UNICESUMAR

Smith (1996) também explicou a teoria do valor-trabalho, partindo da pre-


missa de que o processo de produção, mesmo nas mais distintas sociedades, pode
ser realizado a um conjunto de esforços humanos. O ponto inicial de Smith, para
essa teoria, foi considerar que qualquer mercadoria possui valor porque é fruto
do trabalho humano, na visão smithiana, o valor de um produto podia ser deter-
minado por três elementos: o salário, os lucros e os aluguéis. Sendo assim, o total
dos lucros e aluguéis deveria ser somado aos salários para resultar nos preços,
por isso, tal teoria de Smith é denominada teoria da soma, ou seja, a soma de três
elementos básicos para determinar o preço. Na visão do autor de A Riqueza das
Nações, existe uma diferença entre preço de mercado e preço natural. O pri-
meiro seria o real valor da mercadoria, o qual era estipulado conforme as regras
da oferta e da procura; o segundo, por sua vez, era o valor agregado à venda que
mantivesse o equilíbrio entre os custos da produção e a margem suficiente do
lucro, determinados de acordo com os desígnios da oferta e da procura.

Preço natural Trata-se de remunerações, sem influir na procura.

Reflete a oposição entre a procura e a oferta de curto


Preço de mercado
prazo.

Quadro 1 - Preço natural e preço de mercado para Adam Smith / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: a imagem mostra um quadro no qual vemos as distinções entre “preço natural”
e “preço de mercado”, na visão de Adam Smith. Preço natural trata-se de remunerações, sem influir na
procura, e preço de mercado reflete a oposição entre a procura e a oferta de curto prazo.

Acerca da acumulação de capital, Smith (1996) ressalta que a imperícia de


particulares não promove a falência de um país. Entretanto se o esbanjamento
e a imprudência forem cometidos pela administração pública, consequen-
temente, provocará o empobrecimento de qualquer nação, até mesmo das
mais opulentas.
Na construção smithiana, o desenvolvimento econômico é promovido quan-
do ocorrem acumulações de capital, as quais também são associadas às quali-
dades humanas. Por meio da acumulação de capital, pode-se ampliar o lucro, a
produtividade e o número de trabalhadores.

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UNIDADE 2

Pelo fato de, muitas vezes, o Estado empregar, de forma indevida, os capitais,
Smith (1996) rejeita o seu papel no processo de acumulação de capital. Em sua
visão, as qualidades próprias de sobriedade, parcimônia e prudência resultarão,
somente, em efeitos vantajosos caso o Estado não restrinja a liberdade individual.
Para o autor, cada pessoa trabalha viabilizando aumentar a renda da sociedade,
guiada por uma “mão invisível” a seguir o curso natural, caso cada indivíduo
pudesse fazer escolhas e comungar de liberdade perfeita.

Você já ouviu falar sobre a “mão invisível do mercado?” Sabe o que


significa? Não deixe de assistir ao vídeo para saber mais sobre o
assunto!

No que tange ao comércio internacional, já mencionamos que a obra A Riqueza


das Nações, de Adam Smith, publicada, originalmente, em 1776, tece uma crítica à
visão mercantilista. Os adeptos do mercantilismo acreditavam que a riqueza da na-
ção consistia em exportar mais e importar menos, mantendo, dessa forma, o equi-
líbrio na balança comercial. Todavia se todos os Estados adotassem esta lógica, não
haveria quem comprasse, uma vez que todos estavam preocupados em exportar.
Contrariando o pensamento mercantilista, Smith (1996) defendeu que a pos-
sibilidade de ganhos mundiais no comércio internacional não deveria seguir os
interesses dos Estados, mas as exigências dos agentes econômicos. Assim, baseando
as suas ideias na tese do valor-trabalho – ou, em outras palavras, no fato de que o
trabalho determina o preço de bens, sendo levado em consideração o custo básico
de produção, o qual é estipulado pelas horas necessárias para a fabricação – Smith
(1996) acreditava que, para um país obter benefícios absolutos e garantir o seu
sucesso no cenário econômico global, deveria produzir determinado bem com o
menor custo possível, a fim de ofertá-lo por um preço menor no comércio interna-
cional. Tal país, por sua vez, compraria aquilo que não tivesse aptidão para produzir.
Em suma, este pensamento de Adam Smith considera que, não havendo
limitações institucionais, a concorrência poderia funcionar, no cenário mun-
dial, do modo mais perfeito possível. Assim, se todos os países possuem acesso

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UNICESUMAR

a fatores de produção (como o trabalho, o capital e a terra), a concorrência


poderia atuar, de forma irrepreensível, atendendo a todos os interessados, por
meio de processos de trocas.
Outro teórico que fez reflexões importantes sobre a economia, a política e a
história foi David Ricardo. Nosso pensador da vez nasceu em 1772, em Lon-
dres, na Inglaterra. O seu pai era judeu, atuava como comerciante-banqueiro
e havia imigrado da Holanda. Aos 14 anos, Ricardo trabalhava com o seu pai
e, aos 22 anos, já negociava por conta própria. Aos 26 anos, era independente
financeiramente “e em 1814, com quarenta e dois anos, aposentou-se senhor
de uma fortuna que foi estimada entre
500.000 e 1.600.000 libras” (HEILBRO-
NER, 1996, p. 80). Desde os 30 anos,
Ricardo dedicou-se a estudar obras de
economia política, como as de Adam
Smith. Motivado pelo economista es-
cocês James Mill (1773-1836), Ricar-
do passou a escrever sobre economia
e política e, dentre as suas principais
obras, podemos destacar Princípios de
Economia Política e Tributação, publi-
cada, inicialmente, em Londres, no ano
de 1817, mas que ganhou uma versão
mais completa e, efetivamente, finaliza-
da, numa edição de 1821.
Figura 4 - David Ricardo (1772-1823) / Fonte: Wikimedia (2012, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma pintura que retrata David Ricardo sentado e segurando, na mão
esquerda, uma folha com vários escritos.

Os seus escritos influenciaram vários pensadores de sua geração e posteriores a ela,


inclusive, algumas escolas do pensamento econômico, a exemplo da marxista e da mar-
ginalista. Como veremos adiante, a escola marxista, por exemplo, se inspirou nas ideias
de valor-trabalho de Ricardo (1982) e Smith (1996) para elaborar a categoria da mais-
-valia, enquanto a marginalista utilizou o pensamento ricardiano no desenvolvimento
de sua teoria do valor-utilidade e da determinação marginal dos preços no mercado.

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UNIDADE 2

A teoria do valor-trabalho desenvolvida por David Ricardo é, sem sombra


de dúvidas, uma das grandes contribuições de sua obra. Em sua concepção, “pos-
suindo utilidade, as mercadorias derivam o seu valor de troca de duas fontes: de
sua escassez e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las” (RICARDO,
1982, p. 79). Para ele, a determinação do valor de troca das mercadorias é in-
fluenciada, diretamente, pela quantidade de trabalho, entretanto a alteração nos
salários não afeta o valor de troca, apesar de interferir, diretamente, na obtenção
dos lucros. Para simplificar, a elevação no preço do trabalho acarretaria a dimi-
nuição nos lucros. Na visão de Ricardo (1982, p. 46):


[...] não é correto, portanto, dizer, como Adam Smith, que [...] “o
trabalho, não variando jamais de valor, é o único e definitivo padrão
real pelo qual o valor de todas as mercadorias pode ser comparado e
estimado em todos os tempos e em todos os lugares”. Mas é correto
dizer, como dissera anteriormente Adam Smith, “que a proporção
entre as quantidades de trabalho necessárias para adquirir diferentes
objetos parece ser a única circunstância capaz de oferecer alguma
regra para trocá-los uns pelos outros”, ou, em outras palavras, que a
quantidade comparativa de mercadorias que o trabalho produzirá
é que determina o valor relativo delas, presente ou passado, e não
as quantidades comparativas de mercadorias que são entregues ao
trabalhador em troca de seu trabalho.

A perspectiva projetada pelo autor não era das mais animadoras. Em sua visão,
a ótica de Adam Smith era um pouco romanceada, pois ela dava a entender que
toda a humanidade estaria numa escada rolante em direção ao progresso. Contra-
riando Smith, Ricardo (1982) sugeriu que a situação não seria tão simples como
previsto pelo escritor de A Riqueza das Nações, na visão de Ricardo (1982), em
meio ao coletivo de pessoas subindo a escada rolante, era evidente que nem todas
chegariam ao topo, pois, algumas subiriam alguns degraus e seriam empurradas
para trás, deixando evidente a disputa furiosa pelo topo da escada, ou, mesmo,
por um lugar seguro nela.
Enquanto Smith (1996) enxergava a sociedade como uma família, Ricardo
(1982) a via como um lugar marcado por divisões. A concepção de Ricardo é
compreensível, se analisarmos o contexto em que ele vivia, ou seja, a Inglaterra na
segunda metade do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX. Neste mo-

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UNICESUMAR

mento, quase meio século após Adam Smith, imperava a divisão entre dois grupos
em terras inglesas: de um lado, os industriais, em destaque diante das suas fábricas e
das transformações do mundo moderno, vislumbrando conquistar prestígio social
e representação parlamentar; do outro lado, estavam os grandes proprietários de
terras, ricos e poderosos, mas que olhavam, com desconfiança, para os “novos ricos”
que emergiram graças às atividades fabris/industriais. A principal queixa divergente
entre os dois grupos citados era o fato de os industriais afirmarem que os preços dos
alimentos estavam muito altos, ao passo que os grandes proprietários discordavam
deste posicionamento. Em consonância com Heilbroner (1996, p. 77-78): “quando
os grãos escassearam, comerciantes empreendedores começaram a comprar trigo e
milho no exterior e a trazê-los para dentro do país. Naturalmente, os proprietários
de terras olharam essa prática com desagrado”.
Entretanto, após inúmeras manobras e contando com o apoio do Parlamento,
os proprietários de terras conseguiam, quase sempre, manter os valores dos grãos
nacionais num preço mais estável em comparação àqueles que vinham de outros
países. Para isso, criavam impostos cada vez mais altos à medida que os produtos
agrícolas do exterior baixavam. Este fator fazia com que os grãos nacionais, embo-
ra, relativamente, caros, se tornassem mais baratos do que os oriundos do exterior.


Não é difícil compreender por que David Ricardo, escrevendo du-
rante este nublado período de crise, viu a economia sob uma luz
diferente e muito mais pessimista do que Adam Smith, que olhara
o mundo e o enxergara como um grande concerto; Ricardo via um
amargo conflito. Para o autor de The Wealth of Nations [A Riqueza
das Nações] havia bons motivos para acreditar que todos podiam
partilhar os benefícios de uma providência benigna; para o inqui-
sitivo corretor de valores que escrevia a respeito meio século mais
tarde, não apenas havia um claro antagonismo na sociedade que
batalhava entre si, como também parecia evidente que a parte me-
recedora da vitória no conflito — os diligentes industriais — estava
destinada a perder. Ricardo acreditava que a única classe que podia
possivelmente beneficiar-se com o progresso da sociedade era a dos
donos de terras — a menos que seu controle sobre os preços fosse
quebrado. “O interesse dos proprietários de terras sempre é oposto
ao interesse de todas as demais classes da comunidade”, escreveu ele
em 1815 (HEILBRONER, 1996, p. 79-80).

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UNIDADE 2

Ricardo deixava claro, em seus escritos, que os interesses dos proprietários de


terras e capitalistas eram incompatíveis bem como os anseios dos proprietários
de terras eram divergentes dos interesses da comunidade.
Inserido em um contexto de mudanças profundas que abalaram a Europa e
cujos impactos foram sentidos em todo o mundo, como a Revolução Industrial,
na Inglaterra, e as transformações radicais oriundas da Revolução Francesa, Ri-
cardo elaborou a sua teoria do comércio exterior. Nela, o autor defendia que:


[...] cada país naturalmente se especializa nos ramos em que tem
maiores vantagens, isto é, em que seus custos de produção são me-
nores do que os de seus parceiros. Na divisão internacional de traba-
lho, cada país apresenta vantagens naturais (solo, clima, minério etc.)
ou artificiais (mais capital acumulado, melhor infra-estrutura), que
determinam os produtos que pode obter com menor custo. Dessa
maneira, os grandes beneficiados pelo comércio internacional são os
consumidores dos países importadores, pois podem dispor de produ-
tos do mundo inteiro pelos menores preços (RICARDO, 1982, p. 102).

Seguindo o raciocínio de Ricardo (1982), seria evidente que o comércio exterior


não ampliaria, de imediato, a massa de valor de um país, mas poderia aumentar
o volume de mercadoria e, consequentemente, de satisfações. Em outras palavras,
Ricardo sai em defesa da liberdade total no comércio internacional, pois, em
sua concepção, essa poderia ser uma saída para, por exemplo, a importação de
produtos à classe operária, a preços menores do que os praticados no país. Esta
vantagem do comércio internacional também satisfazia às necessidades dos ca-
pitalistas, os quais teriam os seus lucros aumentados, ao mesmo tempo em que
os operários não teriam os seus salários reduzidos, pois haveria o aumento e não
a redução dos lucros.
Outro teórico interessante e que reflete a ação da economia relacionada à demo-
grafia é Thomas Robert Malthus, o qual nasceu em 1766, na Inglaterra, no con-
dado de Surrey. Daniel e Henrietta Malthus, seus pais, faziam parte da aristocracia
rural. Malthus teve contato com o conhecimento por meio de preceptores particu-
lares e, apenas, em 1784, aos 18 anos, passou a frequentar o Jesus College, perten-
cente à Universidade de Cambridge. Quatro anos mais tarde, em 1788, formou-se
em Matemática e foi ordenado como pároco da Igreja da Inglaterra. Continuou a

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UNICESUMAR

sua formação voltando-se para os estudos em


letras clássicas e modernas e, no ano de 1805, foi
designado como docente da faculdade da Com-
panhia das Índias Orientais. Neste mesmo ano,
ocupou a primeira cadeira destinada aos estudos
de Economia Política da Inglaterra (GENNARI;
OLIVEIRA, 2009).
Figura 5 - Thomas Robert Malthus (1776-1834)
Fonte: Wikimedia (2019, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem, em preto e branco, re-


trata Thomas Robert Malthus. Ele veste um casaco escuro
e uma blusa branca de gola alta. Tem cabelos curtos e
ondulados e não usa barba.

Thomas Malthus gostava de travar de-


bates intelectuais com o seu pai, Daniel
Malthus, membro da classe média su-
perior inglesa, amigo de David Hume e
admirador de Jean-Jacques Rousseau, de
quem recebera de presente uma coleção
de livros e, até mesmo, um herbário. A fim
de convencer o pai de suas ideias, Thomas
Malthus decidiu escrever um tratado que
foi publicado, com o apoio paterno, em
1798, e intitulava-se Ensaio sobre o Prin-
cípio da População e como Ele Afeta o
Futuro Desenvolvimento da Sociedade.
Na obra, o jovem Malthus traçou perspec-
tivas nada animadoras, jogando um balde
de água fria nas visões romanceadas e es-
perançosas de um universo harmonioso.
Figura 6 - Folha de abertura da edição de 1826 da obra Ensaio sobre o Princípio da População e como
Ele Afeta o Futuro Desenvolvimento da Sociedade, cuja autoria é atribuída a Thomas Robert Malthus
Fonte: Wikimedia (2015, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é a folha de abertura da obra Ensaio sobre o Princípio da População e
como Ele Afeta o Futuro Desenvolvimento da Sociedade, datada de 1826.

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UNIDADE 2

Em linhas gerais, Malthus (1999) defendia a sua ideia e apresentou números para
fundamentar os seus argumentos, que indicavam que a população mundial cres-
ceria tanto a ponto de a demanda por alimentos aumentar em níveis superiores à
capacidade de produção, ou seja, com o tempo, a quantidade de alimentos seria
insuficiente para alimentar o grande número de pessoas existente no planeta.
Crítico ferrenho do utopismo, ou seja, das ideias que apostavam numa pro-
gressão da humanidade e, que, consequentemente, aspiravam a uma sociedade
perfeita, Malthus (1999) defendia a tese de que, enquanto a produção de alimen-
tos ascendia de forma aritmética, o aumento populacional se expandia de forma
alarmante. “Portanto, enquanto o número de bocas aumenta geometricamente, a
quantidade de terra cultivável aumenta apenas aritmeticamente” (HEILBRONER,
1996, p. 86). Por isso, a fim de controlar o crescimento populacional, Malthus
acreditava que a existência de epidemias, guerras, doenças bem como de políticas
de controle da natalidade com o objetivo de haver equilíbrio entre a ampliação
da população e a produção de alimentos poderiam reduzir o caminho para a
catástrofe geral. Nas palavras de Malthus (1999, p. 26-26),


Tomando-se a população do mundo a qualquer número, mil mi-
lhões, por exemplo [...] a espécie humana irá aumentar à razão de 1,
2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512 e assim por diante, enquanto os meios
de subsistência crescerão à razão de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e assim
por diante. Em duzentos e vinte e cinco anos a população seria 512
para 10 de subsistência; em trezentos anos seria de 4096 para 13, e
em dois mil anos a diferença seria incalculável.

Apesar de nos parecer estranho, não podemos considerar o pensamento de Mal-


thus como cruel ou insensível, mas devemos vê-los como argumentos que pos-
suíam uma lógica. Uma vez que, segundo a concepção malthusiana, o problema
do mundo era ter gente demais, qualquer iniciativa que diminuísse a quantidade
de pessoas seria uma “boa solução” porque amenizaria o problema.


A fome parece ser o último, o mais horrível recurso da natureza. O
poder da população é tão superior ao poder da terra em prover sub-
sistência [...] que a morte prematura, com uma aparência ou outra,
tem que visitar a raça humana. Os vícios da humanidade são ativos

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UNICESUMAR

e habilidosos agentes de despovoamento [...]. Mas caso eles falhem


na sua missão de extermínio, doenças endêmicas, epidêmicas, pestes
e pragas surgirão em terríveis sucessões ceifando milhares e dezenas
de milhares de vidas (MALTHUS, 1999, p. 139-140).

Se comparamos os pensamentos de David Ricardo (1982) e Thomas Malthus


(1999), veremos que as discordâncias são múltiplas e variadas, muito embora con-
cordassem com o que Malthus havia escrito sobre a população (HEILBRONER,
1996). A obra Ensaio sobre o Princípio da População e como Ele Afeta o Futuro
Desenvolvimento da Sociedade, na verdade, foi um choque na época, por, além
de outras questões, lançar luz e chamar a atenção para o quadro generalizado de
pobreza persistente que abismava o cenário social inglês.
Outro pensador muito lembrado pelo o seu viés revolucionário é Karl Marx.
Nascido em Tréveris (Trier), na Alemanha, em 1818, Marx estudou, inicialmente,
no liceu de sua cidade natal, cursando a formação universitária nas Universi-
dades de Bonn e Berlim, entre os anos de 1835 e 1840, momento que marcou a
sua aproximação com os estudos da História e da Filosofia. Um ano mais tarde,
em 1841, defendeu a sua tese de doutorado sobre estoicismo, epicurismo e de-
mais vertentes do pensamento gre-
go, em Jena, também na Alemanha.
Neste mesmo ano, publicou artigos
em alguns periódicos e veículos de
comunicação, como a Gazeta Rena-
na e os Anais Franco-Alemães, além
de conhecer e firmar uma amizade
com Friedrich Engels, o qual tam-
bém contribuiu com a publicação de
artigos nos Anais Franco-Alemães.
Figura 7 - Karl Marx (1818-1883)
Fonte: Wikimedia ([2021b], on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, em


preto e branco, Karl Marx aparece sentado
em uma cadeira, com a mão direita dentro
do seu terno, em posição próxima ao peito.
Ele tem cabelo e barba grisalhos e longos.

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UNIDADE 2

Após a publicação de sua tese, Marx passa a analisar, de forma mais intensa, o
pensamento de Hegel. Incompatibilidades com a filosofia deste pensador fizeram
com que Marx travasse embates teóricos com alguns hegelianos, como Bauer,
Ruge e Feuerbach. Muitos dos escritos de Marx desta época, a exemplo de Intro-
dução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843), Economia, Política e Fi-
losofia (1844), Manuscritos Econômico-filosóficos (1844), Teses sobre Feuerbach
(1845) e Ideologia Alemã (1846) foram inspirados no debate entre Marx e Hegel.

PENSANDO JUNTOS

O nome completo de Hegel era Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Assim como Marx, ele
também era alemão. Nascido na cidade de Sttutgart, em 1770, Hegel veio a falecer em
Berlim, no ano de 1831. A sua principal tese era a de que a existência de um indivíduo se
explicava porque ele possuía ideia, espírito e razão. Hegel (1993) afirmava que a história
do mundo nada mais era do que a manifestação da razão, ideia contestada, mais tarde,
por Marx e Engels, principalmente com a concepção do materialismo histórico, formulada
por estes últimos.

Marx viveu em outras cidades europeias, como Paris, Bruxelas e Londres, onde tam-
bém travou outros embates teóricos. Na França, por exemplo, escreveu A Miséria
da Filosofia (1847), obra que deixa transparecer o seu contato com o socialismo
francês e a sua polêmica com Proudhon. Também se preocupou em escrever sobre a
situação da França em outros trabalhos, como A Luta de Classes na França (1850)
e O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852). Residindo na capital da Bélgica, Marx
se envolve com a Liga Comunista, motivado pelas inúmeras manifestações que pi-
pocavam na Europa, e elabora, em conjunto com Engels, para o segundo congresso
daquela associação, o Manifesto do Partido Comunista (1848).

PENSANDO JUNTOS

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) foi um filósofo e economista francês, considerado


um dos precursores do anarquismo, corrente de pensamento que se opõe a qualquer
tipo de hierarquia e/ou dominação (como o Estado, as instituições religiosas, dentre
outras). Marx e Proudhon cultivaram laços de amizade, as quais chegaram ao fim por
discordarem dos caminhos a serem trilhados pelo operariado, fator que assinalou duas
perspectivas distintas dentro do socialismo: uma reformista (identificada com os pensa-
mentos de Proudhon) e outra revolucionária (alinhada com a perspectiva de Marx).

76
UNICESUMAR

Marx mudou-se para Londres nos anos subsequentes e contou com o apoio fi-
nanceiro de seu amigo Engels bem como da renda de artigos que escrevia para
importantes jornais da época. O ambiente londrino o inspirou a publicar outras
obras, como Princípios da Economia (1857) e Contribuição à Crítica da Econo-
mia Política (1859). Tais produções resultaram em um de seus principais títulos:
o livro I de O Capital (1867).
Com a saúde debilitada em razão de várias doenças que quase sempre o
acompanharam, Marx veio a falecer em 1883, competindo a seu amigo Engels
publicar muitos de seus manuscritos, como os livros II e III de O Capital.
A projeção sobre as ideias de Marx veio, sem sombra de dúvidas, principal-
mente, após a sua morte. O coletivo de suas obras é considerado um material
que embasa uma corrente de compreensão da sociedade, chamados, por muitos,
como marxismo, e, por outros, como pensamento marxiano. Foi por meio da
observação de práticas reais, que eram resultantes da ação humana, que Marx
elaborou o seu método de compreensão da sociedade, o qual ficou conhecido
como materialismo histórico. Por meio deste, Marx propôs uma forma de
compreensão da sociedade pelas suas transformações econômicas e, como, a
partir de tais mudanças, se estabelecem as condições sociais e políticas. Em outras
palavras, este método desenvolvido por Marx propõe esclarecer como o modo
de produção da vida material de cada sociedade pode ser fatore determinante
nas relações sociais, espirituais e políticas, por toda a história. Em síntese, para
Marx (1989), as sociedades se baseiam em relações conflitantes, possuidoras de
dinâmicas próprias e que se encontram em constante transformação. O que dava
base para essas sociedades, na concepção do filósofo alemão, era a produção e
o estabelecimento das trocas de produtos. Era este pensamento marxista que
fundamentava a concepção materialista da história.
Dessa forma, o conceito de forças produtivas é um dos elementos centrais para
a compreensão do materialismo histórico. Tais forças podem ser compreendidas
como todo o resultado de atividades práticas da vida humana, abarcando os meios
materiais (como fontes de energia, matérias-primas etc.) e intelectuais (a exemplo dos
conhecimentos técnicos, científicos e dos que deles derivam, bem como as máquinas)
fundamentais para a produção. Nessa perspectiva, todo conhecimento adquirido
pelo ser humano, seja por suas experiências, seja pela forma de trabalho que exerce,
está incluso nessas forças produtivas e, portanto, essas não podem ser classificadas,
somente, como materiais, mas também como humanas (BOURDÈ; MARTIM, 1990).

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UNIDADE 2

Ao fazer este raciocínio, Marx (1989) nos diz que o ser humano está numa
condição superior na natureza e que, por isso, tem o poder de transformá-la, mas
que, ao modificá-la de acordo com os seus interesses, ele também transforma a si
mesmo. Este ponto é essencial na ótica de Marx e Engels, pois, para eles, o ser hu-
mano se distingue de outros animais pela capacidade de transformar a natureza de
acordo com o trabalho necessário para a manutenção, a sobrevivência, a produção
e a reprodução social. O poder de transformação, segundo essa lógica, está ligado
às necessidades humanas, aos imperativos de cada grupo ou de cada sociedade.
Assim, cada geração utiliza-se dos instrumentos de trabalho e dos conhe-
cimentos adquiridos pela geração anterior, formando um processo cumulativo.
Ao aperfeiçoar esta dinâmica, são criadas novas relações de produção e, con-
sequentemente, de transformação da natureza. As novas relações de produção
são um conceito essencial dentro da concepção de materialismo histórico, pois
simbolizam as relações sociais que os indivíduos firmam entre si, no intuito de
produzirem e dividirem bens e serviços.
As renovações das relações de produção podem ser melhor compreendidas,
por exemplo, no aperfeiçoamento de novas técnicas e de novos instrumentos, o
que é evidenciado na multiplicação das formas de realizar determinado trabalho,
como no aumento do número de profissões e especializações. Podemos conside-
rar que, no mundo contemporâneo, principalmente, nas sociedades onde impera
o sistema industrial, as relações de produção são


a propriedade dos capitais, autorizando a tomada de decisões, a
escolha de investimentos, a divisão dos lucros; tal como o funcio-
namento das empresas, com a hierarquia do pessoal, a disciplina
de oficina, a ordenação das normas e dos horários; e a situação dos
operários, variando segundo a grelha dos salários, o processo de em-
prego e de desligamento, a importância dos sindicatos (BOURDÈ;
MARTIN, 1990, p. 155).

Os elementos que formam as forças produtivas e as relações de produção são clas-


sificados como pertencentes à infraestrutura econômica, a qual, na concepção
de Marx, é a base da sociedade. A partir da infraestrutura e dos elementos que a
compõem, surge a superestrutura jurídica e política, formada por instituições
necessárias para a existência de uma sociedade organizada (ou um país), como

78
UNICESUMAR

Estado, governos, leis, justiça (aparatos jurídico-institucionais) e elementos ideo-


lógicos (a exemplo da religião, da moral e das artes). A superestrutura não está na
base da produção, mas influencia tudo o que está na infraestrutura e, portanto,
na totalidade social (FLEISCHER, 1978).
Ficou curioso(a) sobre o que simboliza, na vida real, os conceitos de infraes-
trutura econômica e superestrutura jurídica e política, em Karl Marx? Então,
observe o organograma, a seguir, que traz exemplos claros de como essa ideia se
aplica, na prática.

OLHAR CONCEITUAL

SUPERESTRUTURA

Jurídico-institucional
(Estado, governos, leis, justiça)

Ideologia
(Religião, moral, artes)

INFRAESTRUTURA

Forças produtivas relações de produção


(modo de produção)

Figura 8 - Organograma representando a superestrutura e a infraestrutura, na visão de Karl Marx


Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: a imagem é um organograma que exemplifica o que seria a superestrutura e a


infraestrutura para o teórico Karl Marx. O infográfico tem o formato de um triângulo. Na base do triân-
gulo, está a infraestrutura da sociedade, composta pelas forças produtivas e as relações de produção. Na
parte de cima do triângulo, estão os elementos que compõem a superestrutura da sociedade, composta
pelos campos jurídico-institucional e pela ideologia. O campo jurídico-institucional é formado por Estados,
governos leis e justiça. O campo da ideologia é formado por religião, moral e artes.

79
UNIDADE 2

Conforme esquematizado no organograma e em consonância com a visão mar-


xista da história, a infraestrutura e a superestrutura estão vinculadas, pois a socie-
dade depende, por um lado, dos meios materiais disponíveis para a sua existência
e o seu funcionamento (infraestrutura). Entretanto, se há mudanças no modo de
viver e de pensar, a superestrutura se modifica, transformando, também, as bases
da infraestrutura, ou seja, da produção material. Essas transformações podem
ocorrer na forma inversa: se há mudanças nas bases produtivas (infraestrutura)
relacionadas, por exemplo, a crises, alterações econômicas e relações de produção,
isso também resultará em abalos na superestrutura.
Longe de ser um processo mecanizado e determinista como foi, inclusive,
considerado por muitas correntes marxistas, a intenção de Marx, ao pensar a
humanidade, nestes moldes, foi, justamente, fazer com que reflitamos que existem
sociedades estruturadas em diversos “níveis” de interação social, as quais nutrem
relações mutáveis, conflituosas e, até mesmo, contraditórias (HOBSBAWM, 1998).


A história não é outra coisa senão uma sucessão de várias gerações,
cada uma delas explorando a matéria, os capitais e as forças produ-
tivas legadas pelas que as precederam. Isto quer dizer que, por um
lado, prosseguem elas – em condições completamente distintas – a
atividade precedente, enquanto que, por outro lado, modificam as
circunstâncias anteriores mediante uma atividade humana total-
mente diversa (MARX, 1989, p. 25).

Marx admitia a existência de vários modos de produção existentes ao longo da


história. No entanto ele não buscou delimitar a quantidade dos mesmos, além de
enfatizar que muitas das relações de produção poderiam ser plurais, dependendo
de cada sociedade.
Em linhas gerais, muitas interpretações utilizam, de forma sequencial e cro-
nológica, alguns modos de produção, estabelecendo-os em: a) os das comuni-
dades tribais (cuja prática consistia no uso coletivo do solo e da inexistência de
excedentes); b) os antigos (a relação de produção se baseava na escravatura, por
exemplo, no modelo helenístico e romano); c) os asiáticos (nos quais as relações
de produção estavam concentradas nas mãos do Estado, a exemplo do Egito e
da China Imperial); d) os feudais (cujas relações de produção ocorriam entre os
senhores feudais e os seus servos, tal como ocorreu no Ocidente Medieval; e) os

80
UNICESUMAR

capitalistas (as relações de produção se baseavam no assalariamento, algo que


se implantou na Europa, com a Revolução Industrial, e se expandiu para grande
parte do mundo até os dias atuais).
É óbvio que, para Marx (1989), os modos de produção não são formados numa
sequência linear e de forma tão simplória. Em sua percepção, a história da huma-
nidade não segue um encadeamento linear, mas passa de uma estrutura a outra,
muitas vezes, perpassando revoluções curtas e sangrentas; outras transições, por
sua vez, podem ocorrer por meio de processos mais lentos, levando à convivência
de dois modos de produção, um principal, e, o outro, atuante em segundo plano.
Além disso, Marx acredita que há, no interior dos modos de produção, so-
bretudo do capitalista, a atuação de forças antagônicas, como a representação da
burguesia (detentora dos meios de produção) e do proletariado (que fornece a
força de trabalho). Isso evidencia a existência de classes sociais distintas e sepa-
radas em razão de seus posicionamentos nas relações econômicas.
Marx (1989) utiliza o termo “classes sociais” com o objetivo de compreen-
der as posições de grupos distintos dentro das relações de produção. Por isso,
ele considera que uma classe está condicionada à existência de outra, cada qual
defendendo interesses diferentes. No entendimento de Marx, por exemplo, o
sistema capitalista promove desigualdades sociais em virtude da existência dos
detentores do meio de produção e daqueles que sobrevivem da venda da sua força
de trabalho, figurados na clássica definição de burguesia e proletariado.
Defendendo cada qual os seus interesses, essas classes sociais entram em con-
tradição com as forças produtivas e as relações de trabalho, em determinado mo-
mento do processo histórico, alterando toda a estrutura política, social, cultural
etc., podendo dar margem a rupturas, conflitos e revoluções e, consequentemente,
promovendo as lutas de classe. Como nos dizem Marx e Engels:


A história de toda a sociedade até os nossos dias é a história da
luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e
servo, senhores das corporações e companheiros, numa palavra:
opressores e oprimidos, encontraram-se em constante posição;
travaram uma luta sem trégua, ora dissimulada, ora aberta, que,
de cada vez, acabava quer por uma transformação revolucionária
da sociedade toda, quer pela ruína das diversas classes em luta
(MARX; ENGELS, 1978, p. 21-22).

81
UNIDADE 2

Para Marx e Engels (1978), as lutas de classes são decorrentes, de um lado, da


busca de transformações da sociedade e das condições econômicas nas quais se
encontram os explorados, os quais lutam por melhores condições de trabalho e
de vida, ao passo que os dominantes almejam perpetuar o modo de produção e
as condições nele existentes. Apesar de tudo, não podemos, simplesmente, pensar
que Marx trabalhava com conceitos restritivos, determinantes e inibidores da
pluralidade das condições humanas. É evidente que o materialismo histórico
bem como outras contribuições elaboradas por ele é uma das possibilidades de
compreensão da história e dos indivíduos no tempo.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Tempos Modernos


Ano: 1936
Sabe aquele filme que prende a sua atenção do começo ao fim? Pois
este clássico faz isso! E olha que ele faz parte do cinema mudo, ou
seja, da primeira fase da história do cinema em que as produções enfati-
zavam, apenas, o movimento. Em síntese, Tempos Modernos ajuda a com-
preender a divisão do trabalho bem como a linha de montagem, a rotina do
proletariado e os demais métodos utilizados no sistema capitalista, tema,
amplamente, abordado por Marx e Engels.

Falamos, até aqui, dos pensadores clássicos da História Política e Econômica e,


é claro, não poderíamos deixar de lado os teóricos alinhados ao pensamento
considerado mais conservador e, que, portanto, divergirão de Marx, analisado
há pouco. Você, acadêmico(a), deve ter notado as semelhanças e divergências
entre os autores abordados, e é isso que torna a história interessante. Afinal, ela
é formada por versões e opiniões distintas que merecem ser contextualizadas
em dado momento, não é mesmo? Assim, falaremos, um pouco mais, sobre o
liberalismo e os seus principais representantes. Vamos lá?
As teorias conhecidas por liberais tinham, como contexto de criação, a luta em
oposição ao Estado Absolutista, por meio do qual o poder político era comanda-
do, apenas, pelo monarca e os seus correligionários, ou seja, a Igreja, a aristocracia
e os grupos formados pela burguesia emergente. Ao mesmo tempo, o desenvol-

82
UNICESUMAR

vimento do capitalismo deu mostras da necessidade de ampliação dos espaços


políticos e a inserção de novos atores sociais. Muitas vezes, textos produzidos por
teóricos dessa época contribuíram, significativamente, para auxiliar o processo
de formação e desenvolvimento pelo qual a Europa Ocidental estava passando.
Criado em meio a essas transformações, o liberalismo nasceu mais como uma
doutrina do Estado limitado. Os dois preceitos que representam as características
do Estado liberal – o limite dos poderes e o limite das atribuições – configuram
a concepção do Estado de direito e a ideia de Estado mínimo. Compreende-se o
primeiro como um Estado por meio do qual os poderes públicos são colocados
à disposição das leis gerais do país. A organização do mesmo, neste sentido, deve
coincidir com o preceito jurídico de respeito ao indivíduo e aos direitos naturais.
O Estado mínimo, por sua vez, é correspondente à restrição das atividades estatais
no âmbito da economia (BOBBIO, 1988). Gestado para conservar a liberdade e
a propriedade dos indivíduos, o liberalismo entendeu como suspeita qualquer
forma de governo popular, a ponto de apoiar que, somente, as classes proprietárias
deveriam ter direito a voto (BOBBIO, 1988).

PENSANDO JUNTOS

“Todos os homens [...] têm [...], independentemente de sua própria vontade, e menos
ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um, certos direitos fundamentais, como
o direito à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade”.
(Norberto Bobbio)

O significado do termo “democracia” como o governo do povo (do grego, demos:


povo; kratos: governo) traz, em seu bojo, a ideia da igualdade. Por volta dos sé-
culos XVIII e XIX, a intensificação do sistema industrial e comercial coagiu, por
meio da inclusão do proletariado, a ampliação das bases sociais da política. No
caso inglês, o desenvolvimento nessas esferas foi significativo a ponto de a Ingla-
terra realizar a incorporação eleitoral até o limite do sufrágio universal. No berço
da Revolução Industrial, isso simbolizou não, apenas, o alargamento do sufrágio
universal à grande quantidade de cidadãos, mas a junção da democracia com o
liberalismo. No entanto essa união não previa a questão da igualdade, mas a da
soberania popular, deixando, assim, irretocável o direito à propriedade.

83
UNIDADE 2

Figura 9 - Movimento Diretas Já, ocorrido, no Brasil, entre 1983 e 1984, reivindicava eleições presi-
denciais diretas / Fonte: Senado Federal ([2021], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra uma foto, em preto e branco, de uma multidão em frente à
sede do Congresso Nacional, manifestando a favor das eleições diretas para presidente. Há, também,
bandeiras em que estão escritas palavras de ordem.

A gradual democratização, resultante da ampliação de direito ao voto, se confi-


gurou como prenúncio à liberdade, colocando o Estado liberal clássico em crise.
Muitos teóricos do século XIX receavam que a implantação de uma sociedade
democrática, em sua plenitude, colocasse a distinção individual em risco. Diante
deste temor, tais pensadores se prontificaram a resguardar os direitos do indiví-
duo e acreditavam que, para isso, deveriam ir em oposição ao Estado e às massas,
estas últimas incorporadas, há pouco tempo, nos círculos de decisão.
Um desses pensadores foi Alexis de Tocqueville. Aos 25 anos, este teórico
desembarcou em Nova York, nos Estados Unidos, com o objetivo de analisar o
sistema penitenciário dos estadunidenses. O ano era 1831, ou seja, o início do
governo de Andrew Jackson (1767-1845), o qual tinha, como objetivo, implantar
uma sociedade igualitária. Algumas medidas foram adotadas nesse sentido, tais
como: o afastamento de limitações ao voto, à supressão de exigências de proprie-
dade para cumprir mandatos bem como à redução do seu tempo.

84
UNICESUMAR

Figura 10 - O pensador político e escritor fran-


cês Alexis-Charles-Henri Clérel (1805-1859),
Visconde de Tocqueville, conhecido como
Alexis de Tocqueville
Fonte: Wikimedia (2017, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma


ilustração representando Alexis de Tocque-
ville jovem. Ele tem cabelos curtos e ondu-
lados, veste casaco, colete e uma camisa
social com colarinho alto.

Por meio desta observação empí-


rica, Tocqueville escreveu uma de
suas obras mais importantes, inti-
tulada A Democracia na América.
Para melhor organização, o autor di-
vidiu-a em duas partes, escritas ao
longo dos anos de 1835 e 1849. Na
primeira delas, Tocqueville (1987)
faz a descrição da geografia da América, aborda a gênese dos estadunidenses e
as características mais ilustres de seu país, ou seja, a soberania e a democracia
incontestável do povo. Por outro lado, Tocqueville (1987) também destacou o
que acredita ser o mais expressivo dos malefícios da sociedade estadunidense: a
tirania da maioria. Na segunda parte, buscou elementos que comprovem essa
tirania e o choque que ela causa nas estruturas e instituições do Novo Mundo. Na
ótica de Tocqueville, a democracia simbolizaria um ímpeto fatal da igualdade, a
qual desencadearia a destruição das condições.
Para Tocqueville (1987), esse não seria um movimento que ocorreria, somen-
te, na sociedade estadunidense, mas que teve, nos Estados Unidos, a sua expressão
mais significativa. Na percepção do filósofo, a democracia é “universal, durável,
foge dia a dia à interferência humana; e todos os acontecimentos, como todos
homens, servem ao seu desenvolvimento” (TOCQUEVILLE, 1987, p. 13). Em sua
visão, o conceito de democracia inspira e simboliza um tipo de “terror religioso”,
pois “querer deter a democracia seria como lutar contra o próprio Deus, e só
restaria às nações acomodar-se ao estado social que lhes impõe a Providência”
(TOCQUEVILLE, 1987, p. 14).
Tocqueville (1987) apresentou a diversidade de possibilidades as quais as
nações poderiam seguir para a efetivação da democracia. Para ele, as sociedades

85
UNIDADE 2

democráticas poderiam ser caracterizadas por liberais ou tirânicas. Nesta con-


cepção, haveria duas ameaças que colocavam as democracias em risco: a tirania
da maioria, por um lado, e o despotismo do Estado, por outro.
No que se refere à tirania da maioria, Tocqueville (1987) receia que os cos-
tumes e as práticas de uma maioria aniquilem os desejos das minorias ou de
indivíduos isolados. Em sua percepção, o poder de uma maioria, nos Estados
Unidos, “ultrapassa todos os poderes que conhecemos na Europa” (TOCQUE-
VILLE, 1987, p. 196).
Para Tocqueville (1987), o despotismo é fruto do individualismo na Améri-
ca, sendo, este último, um aspecto do estado social igualitário. Interessados em
atender aos assuntos privados, cada vez mais os cidadãos deixariam de lado os
negócios públicos. O desprezo pelos assuntos públicos daria margem à criação
de um Estado que abraçaria toda a administração pública e, posteriormente, in-
terviria nas liberdades essenciais dos indivíduos.
Tocqueville (1987) indagava se seria possível criar condições compatíveis
para impedir que o despotismo aparecesse em sociedades de cunho igualitário.
Em outras palavras: seria possível conciliar igualdade e liberdade nestes espaços?
Para evitar os males da igualdade, Tocqueville (1987) recomendou a liberdade
política e, no caso dos Estados Unidos, o despotismo foi evitado porque a igualda-
de se vinculou a instrumentos da liberdade política, ou seja, foram estabelecidos
os preceitos da soberania popular. De forma distinta ao que ocorreu na Europa,
desenvolveram-se instituições políticas concretas nos Estados Unidos.


Ali a sociedade age sozinha e sobre ela própria. Não existe poder,
a não ser no seio dela; quase nem mesmo se encontram pessoas
que ousem conceber e, sobretudo, exprimir a ideia de ir procurá-la
noutra parte. O povo participa da composição das leis, pela escolha
dos legisladores, da sua aplicação pela eleição dos agentes do poder
executivo; pode-se dizer que ele mesmo governa, tão frágil e restri-
ta é a parte deixada à administração, tanto se ressente esta da sua
origem popular e obedece ao poder de que emana. O povo reina
sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. É
ele a causa e o fim de todas as coisas; tudo sai do seu seio, e tudo se
absorve nele (TOCQUEVILLE, 1987, p. 52).

86
UNICESUMAR

Além da soberania popular, Tocqueville (1987) enumerou outras duas prer-


rogativas políticas que ajudaram a garantir a liberdade, e tais vantagens são: a
descentralização administrativa e as associações livres. Sobre a descentralização
administrativa, o autor menciona o caso dos Estados Unidos.


Nos Estados Unidos, a pátria faz-se sentir por toda parte. É objeto de
anseios desde a aldeia até a União inteira. O habitante liga-se a cada
um dos interesses de seu país como aos seus próprios. Glorifica-se na
glória da nação; no triunfo que ela obtém, julga reconhecer a sua pró-
pria obra e nela se eleva; rejubila-se com a prosperidade geral da qual
tira proveito. Tem por sua pátria um sentimento análogo àquele que
experimentamos pela família, e é ainda por uma espécie de egoísmo
que se interessa pelo Estado (TOCQUEVILLE, 1987, p. 389).

As associações políticas e civis são exemplos de associações livres encontradas


por Tocqueville, no Novo Mundo. A facilidade com que os estadunidenses par-
ticipavam destes mecanismos bem como se preocupavam com a vida cívica im-
pressionou o autor de A Democracia na América.


Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos
os espíritos estão constantemente a se unir. Não só possuem asso-
ciações comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como
ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis,
muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas [...]
(TOCQUEVILLE, 1987, p. 391).

Direcionadas às grandes empresas, as associações políticas criavam vínculos dos


indivíduos uns com os outros, estimulando-os a se ajudarem, de maneira mútua.
Por meio deste exercício, os indivíduos “aprendem a submeter a sua vontade à
dos outros e a subordinar os seus esforços particulares à ação comum” (TOC-
QUEVILLE, 1987, p. 394). Ele, também, assinalou a atração entre as associações
e a igualdade democrática. Em sua visão, “são as associações que, nos países de-
mocráticos, devem tomar o lugar dos particulares poderosos que a igualdade de
condições faz desaparecer” (TOCQUEVILLE, 1987, p. 394).

87
UNIDADE 2

Em A Democracia na América (1987), Tocqueville abordou como os costu-


mes e hábitos interferem nas instituições políticas estadunidenses, porém é im-
portante ressaltar que o autor não pode ser compreendido como um apreciador
dos Estados Unidos. Oriundo da aristocracia francesa, Tocqueville preservava
certa repulsa pelos regimes populares, por isso, ele enxergava, na sociedade esta-
dunidense, assim como em outros sistemas, fortemente, democráticos, indícios
para o desenvolvimento do despotismo e da tirania da maioria.
Outra visão liberal é a do filósofo e economista inglês John Stuart Mill,
conhecido por ser um dos maiores representantes do utilitarismo. Mill abra-
çou a experiência utilitarista por intermédio de seu pai, o economista escocês
James Mill (1773-1836).

PENSANDO JUNTOS

O utilitarismo foi uma corrente filosófica fundada por Jeremy Bentham (1748-1832). Apre-
sentou, como princípio basilar, a concepção iluminista de trazer a máxima felicidade possí-
vel para o maior número possível de pessoas. Canalizando, inicialmente, esse pensamento
para a teoria jurídica, somente, mais tarde, Bentham direcionou esta concepção para temas
éticos e políticos. Exemplo disso é a ideia defendida por ele de que as leis são mutáveis e
aperfeiçoáveis. Para tanto, é preciso trabalhar, continuamente, por uma legislação em con-
dições de promover a máxima felicidade ao maior número possível de pessoas.

Figura 11 - O filósofo e economista inglês John


Stuart Mill (1806-1873)
Fonte: Wikimedia ([2021c], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é um retrato,


em preto e branco, do economista britânico John
Stuart Mill. Ele é calvo e tem cabelos, somente,
nas laterais da cabeça, tem costeletas grandes
e veste casaco, colete, camisa de gola alta e um
lenço em forma de laço no pescoço.

Herdando a concepção associacionista


do pai, John Stuart Mill seguiu com os
princípios de uma tradição empirista,
associacionista e utilitarista, edificando
um sistema de teorias lógicas e ético-

88
UNICESUMAR

-políticas que marcaram o campo das ideias, na segunda metade do século XIX,
e que permanecem, até hoje, como referência no estudo de temas associados
à ética e à política.

PENSANDO JUNTOS

O empirismo de David Hume trabalha com princípios de semelhança, continuidade espa-


cial e temporal e casualidade.

Dentre as premissas defendidas por Stuart Mill, destacamos a teoria da indepen-


dência. De acordo com essa teoria, “o bem-estar do povo deve ser fruto da justiça
e do autogoverno” (ANTISERI; REALE, 1991, p. 323). Neste caso, os operários
deveriam ser os responsáveis pela melhoria de sua própria posição, todavia esta
conquista deveria ser realizada por vias pacíficas e, não, revolucionárias. Como
afirmam Antiseri e Reale (1991, p. 323):


A preocupação de Mill é a de conciliar a justiça social com a liberda-
de do indivíduo. E é isso o que impede Mill de aderir ao socialismo:
em sua opinião, o socialismo põe em perigo a liberdade individual.
Em suma, os métodos das reformas sociais e dos atos de governo,
para Mill, encontram “na existência humana uma fortaleza sagrada,
que escapa à inteligência de qualquer autoridade”.

Diante disso, a preocupação de Mill reside no fato de impedir que a classe que
tem maioria “esteja em condições de obrigar os outros a viverem à margem da
vida política e de controlar os caminhos da legislação e da administração se-
gundo os seus interesses exclusivos” (MILL apud ANTISERI; REALE, 1991, p.
323), muito embora Mill não exclua a possibilidade de uma maioria governar
por meios tirânicos.
De acordo com o autor, o socialismo se aproxima deste projeto político e,
portanto, não é considerado adequado para um governo “de todos para todos”.
Atuando em defesa da democracia representativa, Mill alega que esta é a única
forma de impedir abusos de poder “sem sacrificar as vantagens características do
governo popular”. Sobre esse projeto de governo democrático, Antiseri e Reale
(1991, p. 323) ressaltam:

89
UNIDADE 2


[...] uma democracia representativa em que todos sejam representa-
dos e não somente a maioria, em que os interesses, as opiniões e as
aspirações da minoria também sejam ouvidos, com a possibilidade
de obter, pelo peso de sua reputação e pela solidez dos seus prin-
cípios, influência superior à sua força numérica; uma democracia
em que se encontrem a igualdade, a imparcialidade, o governo de
todos por todos.

Nesse aspecto, podemos observar que as ideias utilitaristas de Bentham,“segundo


o princípio da máxima felicidade, o fim último e a razão pela qual todas as outras
coisas são desejáveis é uma existência tanto quanto possível isenta de dores e a
mais rica possível dos prazeres” (ANTISERI; REALE, 1991, p. 323), inspiraram
a concepção elaborada por Mill. No entanto, diferentemente de Bentham, Mill
não defende, apenas, a maior quantidade de prazer, mas, preocupa-se, também,
com a qualidade.


É preferível ser um Sócrates doente do que um jumento satisfeito
[...]. [Para saber] qual de duas dores é a mais aguda ou qual de dois
prazeres é o mais intenso, é preciso confiar no juízo geral de todos
os que tem prática de uns e de outros (MILL, 2005, p. 51).

Assim, Mill (2005) quer dizer que a vida social tem caráter educativo, despertan-
do, em nós, sentimentos desinteressados. Também, neste ponto, o autor ressalta
a felicidade do indivíduo e a do conjunto, não priorizando, apenas, esse último,
tal como, em sua visão, fazem os socialistas.

EXPLORANDO IDEIAS

O associacionismo afirma que a origem do conhecimento são as sensações. Para este


pensamento, toda a ideia é formada por informações provenientes dos sentidos.
Fonte: adaptado de Lofredo (1999).

Em sua obra Sobre a Liberdade, escrita, em conjunto, com a sua esposa, e publi-
cada em 1859, Mill (2000) dedicou atenção especial à liberdade individual. Ao
afirmar a importância da autonomia do indivíduo, esse filósofo destaca:

90
UNICESUMAR


A importância para o homem e a sociedade de ampla variedade de
características e de completa liberdade da natureza humana a expan-
dir-se em direções inumeráveis e contrastantes. [...] a tirania de opi-
nião e do sentimento predominante, contra a tendência da sociedade
a impor, com outros meios além das penalidades civis, as suas próprias
ideias e seus costumes como regras de conduta para os que dela se dis-
sociam [...]. Há limite para a interferência legítima da opinião coletiva
na independência individual [...] (MILL, 2000, p. 10-11).

O indivíduo, de acordo com esse filósofo, tem o direito de viver como bem entender.


Cada qual é o guardião único de sua própria saúde, seja corporal,
seja mental e seja ainda individual [...]. Para que a natureza huma-
na possa se manifestar fecundamente, é necessário que os vários
indivíduos estejam em condições de desenvolver os seus diferentes
modos de vida (MILL, 2000, p. 86).

Portanto, as iniciativas individuais devem respeitar a liberdade do outro. Compete


ao cidadão não prejudicar os interesses alheios, assumindo as suas responsabili-
dades e defendendo a sociedade de danos que possam ocorrer. Antiseri e Reale
(1991) salientam a liberdade possível de cada um para o bem-estar de todos. Na
visão de Mill (2000, p. 5), “a liberdade civil implica: a) liberdade de pensamento,
de religião e de expressão; b) liberdade de gastos e liberdade de projetar a nossa
vida segundo o nosso caráter; c) liberdade de associação”.
Mill comunga de princípios liberais, contrariando regimes despóticos – como
o Absolutismo, por exemplo – que afetam iniciativas e autonomias individuais.


O Estado que tende a enfraquecer o valor dos indivíduos para tor-
ná-los dóceis instrumentos dos seus projetos (ainda que visando
bons objetivos) logo perceberá que não se podem realizar grandes
coisas com pequenos homens e que a perfeição do mecanismo, à
qual tudo sacrificou, acabará por não lhe servir mais ainda para
nada, precisamente pela falta daquele espírito vital que ele procurou
reduzir a fim de facilitar os movimentos do próprio mecanismo
(ANTISERI; REALE, 1991, p. 325).

91
UNIDADE 2

Segundo Sabine (1961), Stuart Mill contribuiu para a filosofia liberal: primeiro, a
sua percepção de utilitarismo se diferenciou de Bentham a ponto de identificar
os prazeres superiores, os inferiores e a qualidade moral; a segunda colaboração
foi o fato de Mill considerar a liberdade política e econômica como algo essencial
em cada sociedade; o terceiro auxílio diz respeito ao fato de esse filósofo classifi-
car a liberdade não, somente, como um bem individual, mas também, social, ou
seja, “silenciar uma opinião pela força violentava a pessoa e roubava também a
sociedade da vantagem que obteria com a livre investigação e a crítica das opi-
niões” (SABINE, 1961, p. 693); por fim, Mill deduziu que a legislação seria um
instrumento capaz de criar, igualar e, mesmo, ampliar as oportunidades, não com-
petindo ao liberalismo atribuir limites arbitrários à sua utilização, dessa forma,
“os limites são fixados pela capacidade, com os meios disponíveis, de preservar
e estender ao maior número de pessoas as condições que tornavam a vida mais
humana e menos coercitiva” (SABINE, 1961, p. 693).
Tocqueville e John Stuart Mill representaram as duas mais importantes ver-
tentes do liberalismo, no século XIX: o primeiro era francês, e o segundo, inglês.
Viveram na mesma época (o primeiro nasceu em 1805, e o segundo, em 1806),
tiveram a oportunidade de se conhecer e admirar o trabalho um do outro.
Em A Democracia na América, Tocqueville (1987) analisa a sociedade esta-
dunidense. Portanto, tece as suas considerações dos hábitos e costumes do povo
dos Estados Unidos até o caráter de suas instituições políticas e a democracia
moderna, partindo de uma realidade concreta. Em Sobre a Liberdade, Mill (1991)
busca formular os vínculos entre o indivíduo e a liberdade, no sistema demo-
crático do século XIX. Para isso, o autor utiliza, como estudo de caso, a Europa,
especialmente, a Inglaterra, onde residia. Apesar de abordarem cenários diferen-
tes, os dois autores, em seus respectivos trabalhos, convergem para uma questão
principal: o que fazer para que a democracia não impeça a liberdade individual,
podendo, em razão disso, vir a aniquilá-la? Analisando os trabalhos dos dois
autores, podemos compreender que, para ambos, o malefício proveniente da
democracia, como sistema de governo, era a “tirania da maioria”.

PENSANDO JUNTOS

“É da própria essência dos governos democráticos que o império da maioria seja absoluto,
pois fora da maioria, nas democracias, não existe coisa alguma que subsista”.
(Alexis de Tocqueville)

92
UNICESUMAR

De forma distinta a Karl Marx, o qual analisou as relações sociais que se molda-
ram no capitalismo, a fim de construir uma tese que enfocasse a estrutura e as
transformações sociais, Karl Emil Maximiliam Weber (1864-1920), sociólogo
e economista alemão, ampara os seus pensamentos na conduta humana, com-
posta por sentidos e ações sociais. Também difere de Adam Smith, o qual estava
preocupado em compreender os conceitos de trabalho e de livre mercado, tendo,
como um dos princípios fundamentais da economia, a divisão do trabalho.
Sem dúvida, Weber (1991) inovou ao defender e incluir o ponto de vista
dos atores sociais em seus estudos sobre a sociedade, possibilitando a análise de
percepções subjetivas. Diverge de Marx (1989) em relação ao desenvolvimen-
to do capitalismo, pois, para ele, tal fenômeno seria mais bem compreendido
se dada a ênfase a fatores econômicos, os quais, em último caso, conduziriam
a história. Weber (1991) critica, vee-
mentemente, a visão determinista de
Marx em relação ao desenvolvimento
social, pois, além de ser unilateral, ela
não abarcaria a totalidade do comple-
xo e emaranhado de fatores e causas
que formam o real.
Weber (1991) é fruto de seu tempo
e, como não podia deixar de ser, con-
cedeu, por meio de seus ensinamen-
tos, contribuições significativas para a
economia e a política dos séculos XIX
e XX. Dentre as suas obras, destaca-
mos A Ética Protestante e o Espírito
do Capitalismo (2004) e Economia e
Sociedade (1991).
Figura 12 - Karl Emil Maximilian Weber (1864-1920), mais conhecido como Max Weber
Fonte: Wikimedia ([2021d], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é um retrato, em preto e branco, de Max Weber. Ele tem cabelos lisos
e bem penteados, usa cavanhaque e barba curta, veste casaco, camisa e gravata, e se apresenta com
um olhar sisudo.

93
UNIDADE 2

Ao longo de seus trabalhos, Weber buscou elaborar categorias gerais e flexíveis, de


modo a aplicá-las em diversos períodos históricos. Uma destas palavras-chave é
dominação, compreendida por ele como “a probabilidade de encontrar obediên-
cia para as ordens específicas dentro de determinado grupo de pessoas” (WEBER,
1991, p. 3). Tal conceito contribui não, apenas, para explicar as estruturas de do-
minação, mas para analisar a organização da sociedade.
Em Weber (1991), o Estado racional é descrito como uma comunidade hu-
mana desejosa por alcançar o monopólio legítimo da força física, no interior
de um território específico. O Estado se configura como o ponto de origem do
direito do uso a violência, por meio do qual o cenário se baseia em indivíduos
dominando outros indivíduos, relação esta alimentada pela violência, que se faz
legitimada. Na tese de Weber, o Estado somente tem condições de existir caso
haja um conjunto de pessoas fiéis à autoridade que é designada para possuir o
poder, justamente, nesse Estado. Por outro lado, a autoridade deve ser reconhe-
cida como legítima, no intuito de fazer com que os dominados obedeçam aos
detentores do poder. Na concepção weberiana, portanto, existem dois conceitos
básicos que formam o Estado: a legitimidade e a autoridade. Weber (1991)
analisa três tipos de dominação legítima, cada qual criando distintas categorias
de autoridade: dominação tradicional, dominação carismática e dominação legal,
as quais serão descritas, a seguir.
1. Dominação tradicional: ocorre em situações nas quais a obediência é
costumeira, pois este comportamento se tornaria um hábito enraizado na cultura
local. Neste caso, a dominação tradicional se justifica por encontrar legalidade
nos poderes mandonistas adquiridos com o tempo, por meio da tradição. Esta
ampara aqueles que exercem o poder (dominação), os que se deixam dominar são
considerados súditos ou companheiros do senhor. Caso exista um aparato admi-
nistrativo, as nomeações para o mesmo ocorrem via fidelidade pessoal e não por
competência ou experiência em determinada função. Neste caso, as regras e leis
estabelecidas são fundamentadas pelo poder da tradição, aliado à arbitrariedade
do soberano em compreender e interpretar esse poder. A dominação tradicional
é um sistema típico de monarquias, clãs e famílias.
2. Dominação carismática: neste caso, a relação de dominação é garantida
pelo fato de os dominados crerem nas competências superiores do guia. Tais
competências podem estar relacionadas a poderes sobrenaturais bem como à
bravura e à inteligência incomparáveis, assim, a obediência dos súditos é uma

94
UNICESUMAR

submissão ao carisma e ao seu líder. Carisma é, aqui, compreendido como um


atributo surreal de um líder associado ao mundo sobrenatural, mágico ou so-
bre-humano, a obediência se faz, por assim dizer, à liderança portadora desta
característica. Geralmente, não existe um quadro administrativo, nestes casos,
pois, simplesmente, o líder carismático governa por sua própria vontade de or-
ganização ou pelo o que lhe foi “revelado”, emitindo normas, punições e direitos.
Exemplo: partidos políticos, grupos revolucionários e radicais.
3. Dominação legal: é realizada por meio das leis. Ocorre quando um gru-
po de indivíduos adere a uma série de normas definidas, previamente, e com
anuência de todos os membros. Tais regras delimitam, por exemplo, qual será o
líder. Assim, a dominação racional-legal ocorre quando se pauta em um direito
documentado de forma racional, no intuito de submetê-lo aos integrantes da
associação, neste cenário, todos estarão sujeitos à lei, mesmo o soberano. Tal au-
toridade se caracteriza pela impessoalidade, ou seja, os súditos não obedecem ao
líder, mas ao direito. A autoridade, marcada por seu aspecto racional, é exercida
por meio de um aparato profissional e hierarquizado, segregado do poder. Essa
administração racional é composta por uma burocracia, é importante salientar
que se enquadram na dominação legal não, apenas, o Estado moderno, as socie-
dades contemporâneas, mas todas as instituições que se valham de um quadro ad-
ministrativo hierarquizado, a exemplo de empresas e entidades de outra natureza.
Diferentemente de Marx (1989), que via a dominação de forma inconsciente,
Weber (1991), ao contrário, acreditava que ela se manifestava de maneira cons-
ciente, já que, em sua visão, ainda, quando as sociedades escolhem o tipo de
autoridade a qual se submeterão, mesmo assim, existe dominação. Em suma,
para Weber, a dominação é algo constante em nossas vidas, pois a aceitamos e a
legitimamos de forma consciente.

Consumo, pensamento, religião, política, dentre outros temas,


carregam consigo a noção de ideologia. Mas, você, aluno(a), sabe
o que este conceito significa dentro das Ciências Humanas e
Sociais? Então, não perca o nosso podcast sobre este assunto! Lhe
aguardo!

95
UNIDADE 2

Nesta unidade, falamos bastante sobre o conceito de dominação. Vimos que, para
Karl Marx, somos dominados de forma inconsciente, pois a luta entre opressores
e oprimidos se faz de forma não perceptível. Já para Max Weber, a dominação
ocorre de forma consciente, pois sabemos que somos dominados e que existe toda
uma organização que segue graus de hierarquização na sociedade. Dessa forma,
desafio você, acadêmico(a) a refletir sobre o que seria dominação nos tempos
atuais, considerando as definições destes dois teóricos, e explorar essas visões
de dominação, em sala de aula. Dessa forma, estará exercitando a sua criticidade
e incentivando o seu aluno a fazer o mesmo. Vamos seguir a nossa viagem pela
cápsula do tempo? Lhe aguardo, então, na Unidade 3.

96
AGORA É COM VOCÊ

1. Constata-se, em Adam Smith, o abandono de uma ótica, essencialmente, monetária


para explicar a riqueza de uma nação, ideia típica dos mercantilistas. Nesse sentido,
a riqueza da nação para Adam Smith se daria por meio de qual fator? Assinale a
alternativa correta:

a) Ouro e prata.
b) Dinheiro.
c) Moeda.
d) Especiarias.
e) Trabalho humano.

2. O conceito de dominação, para Max Weber (1991, p. 3), simboliza “a probabilidade


de encontrar obediência para as ordens específicas dentro de determinado grupo de
pessoas”. Entretanto esse conceito não explica, apenas, as estruturas de dominação.
Para qual grupo e/ou organização a análise do conceito de dominação é relevante?
Assinale a alternativa correta:

a) Para os estudos antropológicos.


b) Para analisar a organização da sociedade.
c) Para avaliar a administração dos recursos financeiros.
d) Para examinar as pesquisas biológicas.
e) Para a compreensão da psique humana.

3. Dentre as premissas defendidas por Stuart Mill, destacamos a “teoria da indepen-


dência”, de acordo com a qual “o bem-estar do povo deve ser fruto da justiça e do
autogoverno” (ANTISERI; REALE, 1991, p. 323). Diante desta informação, assinale a
alternativa que melhor explique a “teoria da independência”.

a) Os operários deveriam ser os responsáveis pela melhoria da posição do seu


colega.
b) Cada operário deveria ser responsável pela melhoria de todo o seu grupo.
c) Os operários deveriam ser os responsáveis pela melhoria de sua própria posição.
d) Cada grupo de operários deveria ser responsável pela melhoria da posição de
seus superiores.
e) Cada trabalhador deveria pagar uma taxa que seria convertida em festas e, con-
sequentemente, na sua própria felicidade e na de seu grupo.

97
AGORA É COM VOCÊ

4. Na concepção de Karl Marx, dois conceitos são fundamentais para compreendermos


as dinâmicas em uma sociedade: a infraestrutura econômica e a superestrutura ju-
rídica e política. Partindo deste pressuposto, analise o pensamento desse autor em
relação aos significados desses conceitos.

5. Na concepção weberiana, existem dois conceitos básicos que formam o Estado: a


legitimidade e a autoridade. Weber analisa três tipos de dominação legítima, cada
qual criando distintas categorias de autoridade. Diante disso, analise cada uma das
“dominações” abordadas por Weber.

98
3
Teorias
Econômicas dos
Séculos XIX E XX
Dra. Verônica Karina Ipólito

Na Unidade 3, você aprenderá sobre as teorias econômicas dos sé-


culos XIX e XX. Terá a oportunidade de conhecer a Escola Histórica
Alemã, perpassando a crise da economia clássica e os precursores
do marginalismo e da teoria do valor subjetivo. Examinará, ainda, a
revolução marginalista, o neoclassicismo de Marshall e aprenderá
sobre Carl Menger e a Escola Austríaca. Por fim, conhecerá Keynes e
a história da macroeconomia.
UNIDADE 3

Você já parou para pensar que os filmes, em geral, possuem um ponto de


vista, um posicionamento (ainda que subentendido)? Um dos filmes que gosto
de indicar para os meus alunos e, inclusive, fiz esta proposta na Unidade 2 deste
nosso estudo, é Tempos Modernos, um clássico de 1936, estrelado por Charles
Chaplin. Mas o que esse filme tem a ver com o nosso assunto?
No filme, o que vemos, inicialmente, é um relógio indicando o horário,
quase seis da manhã. Logo em seguida, vê-se, em destaque, o nome do filme:
“Tempos Modernos: uma história de indústria, de empreendimento individual
– a humanidade em sua cruzada em busca da felicidade” (CHARLES... [2021],
on-line). Na sequência, é possível observar várias ovelhas em trânsito e, dentre
elas, é visível a presença de uma ovelha negra. A cena é substituída por outra na
qual aparecem vários operários que, assim como as ovelhas, parecem apressados
e se destinam à fábrica.
Se reconheceu na cena retratada? Existem vários elementos que podem ser
elencados como de persuasão e controle, apenas, na parte inicial do filme Tempos
Modernos. Quais seriam estes mecanismos? Você consegue identificá-los? Anali-
se a cena e veja se ela tem alguma relação com a realidade de onde você trabalha.
Essas cenas relatadas são similares às que aconteceram desde os primórdios
do capitalismo. A Revolução Industrial evidenciou o desenvolvimento tecno-
lógico e a aceleração econômica sem precedentes, no entanto isso ocorreu em
detrimento do bem-estar dos trabalhadores, que, por vezes, se viam desnortea-
dos. Todavia essas cenas podem retratar a realidade atual, em várias empresas de
nosso convívio? Convido você, aluno e aluna, para uma viagem sobre mudanças
profundas que ocorreram, sobretudo, na Europa, a partir do século XVIII. Subam
a bordo e apertem os cintos!
Aproveite para começar essa viagem assistindo ao filme Tempos Modernos,
disponível na seção Novas Descobertas, e registrando, no Diário de Bordo, a sua
análise da cena inicial. Vamos lá?

NOVAS DESCOBERTAS

Filme: Tempos Modernos


Link: https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3877

100
UNICESUMAR

Figura 1 - Friedrich List (1789-1846), considera-


do o precursor da Escola Histórica Alemã
Fonte: Wikimedia (2016, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma


ilustração, em preto e branco, de 1845. Nela,
vê-se Friedrich List trajando casaco, colete,
camisa e gravata em forma de lenço. List está
de óculos, tem cabelos lisos e ralos; a sua
barba e o seu bigode têm tamanho médio e
parecem estar por fazer.

Caro(a) aluno(a), neste momento de


nosso estudo, abordaremos a Esco-
la Histórica Alemã, a qual pode ser
definida como um grupo de autores,
não, necessariamente, de origem alemã, que se destacaram no campo das ideias,
durante a segunda metade do século XIX até meados dos anos 20. Apesar de
nos referirmos, apenas, à Escola Histórica Alemã, é necessário destacarmos que
os seus integrantes tinham algo em comum, qual seja, uma postura crítica em
relação à teoria econômica clássica.
Essa escola pode ser considerada uma corrente histórica que critica a des-
consideração do caráter histórico das análises econômicas. Em linhas gerais,
podemos dizer que as suas principais características foram: a) negar o emprego
do método das ciências naturais, alegando que, na economia, estão inclusas as

101
UNIDADE 3

ações humanas e, portanto, se faz necessária a criação de um método específico;


b) identificar processos (e não uma lei pronta e acabada) que se originam das
atitudes psicológicas dos indivíduos, em consonância com a situação histórica
vivida (e, não, exclusivamente, as relações sociais e de propriedade).
Além disso, não podemos tratar a Escola Histórica Alemã como um fenô-
meno homogêneo, uma vez que, além de contar com integrantes distintos, ela
registrou, ao menos, três gerações, cada uma detalhada, a seguir:

OLHAR CONCEITUAL

Figura 2 - Infográfico Escola Histórica Alemã (gerações) / Fonte: a autora.

A Escola Histórica Alemã teria durado de meados do século XIX até, aproximada-
mente, a década de 20. Um dos objetivos dessa escola foi apoiar as políticas sociais
e reformas pioneiras do Período Bismarckiano, no intuito de apresentar soluções
para os problemas sociais que surgiram em meio ao processo de industrialização

102
UNICESUMAR

alemã. O contexto histórico do seu surgimento é marcado pelo fim das guerras
napoleônicas e pela abdicação de Napoleão Bonaparte em 1814, juntamente com
o crescimento da economia inglesa em relação ao comércio germânico. Em meio
a estas mudanças, surge a via nacionalista, defensora do pressuposto de que a
industrialização seria possível com a liderança e coordenação do Estado.
Apesar de abrigar vários nomes de teóricos, muitos historiadores da área
afirmam que Friedrich List (1789-1846) pode ser considerado precursor da
Escola Histórica Alemã. Em sua principal obra, intitulada O Sistema Nacional
de Economia Política, publicada em 1841, ele formulou, de maneira inédita, o
argumento de que os países que possuem indústrias nascentes dependem da
intervenção do Estado para alcançar o nível de desenvolvimento das nações
adiantadas, industrialmente. Para exemplificar esta tese, List (1983) apontou os
casos do desenvolvimento industrial britânico e estadunidense, afirmando que,
ao contrário do que muitos pensam, no caso desses países, houve uma política
intensa de proteção ao longo da História.
Em relação à primeira geração (“antiga”) da Escola Histórica Alemã,
Thomas Riha (1985, p. 242) nos informa que o seu objetivo principal era coletar
dados históricos e econômicos, a fim de “ilustrar e suplementar a teoria, e ao
mesmo tempo guiar políticas sociais e econômicas nacionais de modo científi-
co e não especulativo”. Seguindo uma tendência do meio intelectual alemão, os
principais representantes dessa vertente caracterizavam o desenvolvimento eco-
nômico como uma série de etapas sucessivas, diferenciando-se entre si, apenas,
em alguns detalhes.
De acordo com Roscher (apud RIHA, 1985), a economia teria, como ponto ini-
cial, a consideração pelas atividades humanas da atualidade, analisadas a partir do
estudo de seu desenvolvimento histórico. Nesta perspectiva, por exemplo, a história
das nações seria compreendida como uma série de etapas comparáveis aos da vida
humana: partiria do estudo da infância até a velhice desses países, destacando-se o
tipo de governo escolhido bem como a organização econômica adotada.
Dentre as atribuições da economia, Roscher (apud RIHA, 1985, p. 242) afir-
ma que era “compreender o Homem e aproveitar o seu potencial para aumentar
o desenvolvimento social”. Em relação à política, o intuito era “mostrar como
atingir um estágio maduro de desenvolvimento o mais rápido possível e as ma-
neiras de retardar ao máximo a chegada do período de decadência” (ROSCHER
apud RIHA, 1985, p. 243-244). Roscher considera esses estágios como “leis do

103
UNIDADE 3

desenvolvimento econômico”, e, ape-


sar de serem considerados rigorosos,
não poderiam salvar a forma como a
política e a economia estavam sendo
conduzidas após o período de “de-
cadência/velhice” (ROSCHER apud
RIHA, 1985, p. 243-244).
Figura 3 - O economista alemão Wilhelm Georg
Friedrich Roscher (1817-1894)
Fonte: Wikimedia (2007a, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma ilus-


tração, em preto e branco, de Wilhelm Ros-
cher. Ele está trajando terno, camisa e gravata
borboleta, tem cabelos curtos e volumosos,
grandes costeletas e está olhando de perfil.

Figura 4 - O economista alemão Bruno Hildebrand (1812-


1878) / Fonte: Wikimedia (2018, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra uma foto-


grafia, em preto e branco, de Bruno Hildebrand. Ele
traja terno, colete, camisa e gravata, está de óculos,
tem cabelos lisos e curtos e um cavanhaque de ta-
manho médio.

Thomas Riha (1985) também destaca as sig-


nificativas contribuições de Bruno Hilde-
brand e Karl Knies, outros dois integrantes da
Antiga Escola Histórica Alemã. Hildebrand
se preocupou em deixar claras as fronteiras
da economia em relação às ciências naturais,
distinguindo-as. De acordo com Riha (1985),
assim como Roscher, Hildebrand vê a História feita de estágios, no entanto ele se
preocupou mais em destacar o aspecto econômico das sociedades e não o papel
da política, tal como fez Roscher. Para Hildebrand as sociedades seguem etapas
que as conduzem das economias primitivas para as monetárias, em sua ótica, a

104
UNICESUMAR

ciência econômica tinha, por base, a história econômica e das civilizações, de


modo que essas seriam “as únicas fundações sólidas sobre as quais o edifício
da ciência econômica pode continuar a ser construído de forma útil” (HILDE-
BRAND apud RIHA, 1985, p. 244), Entretanto, “[...] a história não deve ser uma
desculpa para a indiferença ou desviar os homens da ciência dos problemas prá-
ticos do seu tempo” (HILDEBRAND apud RIHA, 1985, p. 244).
Karl Knies inovou ao elaborar uma metodologia econômica sob o ponto
de vista do método histórico. Knies (apud RIHA, 1985, p. 245) afirma que os
aspectos econômicos devem ser vistos “[...] como apenas um de muitos elos es-
treitamente unidos dentro do desenvolvimento total de um organismo vivo”, isto
é, como parte integrante de um todo, e, dessa forma, a economia deveria ser com-
preendida como um fenômeno que integra o todo e estabelece articulações com
outras esferas da sociedade. Para Knies (apud RIHA, 1985, p. 245), as condições
econômicas são resultado de uma “evolução histórica definida sob as mesmas
condições de tempo, espaço e nacionali-
dade” e dividida em etapas, pensamento
similar ao de Roscher e Hildebrand. Nesse
sentido, cada sociedade desenvolveria as
suas economia e instituições econômicas
em conformidade com as peculiarida-
des que lhes são próprias e essas “[...] não
seriam categorias lógicas, senão históricas,
determinadas pelo espírito de seu tempo”
(RIHA, 1985, p. 245), fator, portanto, que
impediria a existências de “leis” universais.
Figura 5 - O economista alemão Karl Gustav Adolf Knies (1821-1898)
Fonte: Wikimedia (2006a, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra um retrato, em preto e branco, de Karl Knies. Ele traja terno,
colete, camisa e uma gravata pequena. Knies tem cabelo curto penteado de lado, bigode, barba grisalha
e comprida.

A segunda geração (“nova”) da Escola Histórica Alemã caracterizou-se pela


composição plural de intelectuais com pensamentos distintos, a ponto de não
conseguirmos identificar um consenso claro de ideias entre eles. Ainda assim,
Riha (1985) elenca algumas características que considera “proeminentes” desta

105
UNIDADE 3

geração de pensadores: competiria ao economista não, somente, o papel de pes-


quisador, mas de propositor de soluções no âmbito público; o Estado teria o papel
de conduzir os esforços individuais para o sucesso de uma sociedade; compreen-
são da relação entre indivíduo e sociedade; defesa da “moral” na economia, pois
acreditava-se que os interesses privados deveriam ser vistoriados e controlados
na sua relação com a esfera pública. De forma geral, essa geração rompeu com
a ideia da existência de “leis de evolução histórica”, herdadas da Antiga Escola
Histórica Alemã.
Para Riha (1985), a metodologia da Nova Escola Histórica Alemã era baseada
na forma como tais pensadores compreendiam a economia e as emoções huma-
nas, as quais eles alegavam que definiam a escolha do método, além de serem
defensores de uma reforma social em nome do bem-estar público e da nação. Em
consonância com Riha (1985), tais mudanças estavam voltadas para a melhoria
de vida dos mais pobres, mas também “[…] uma defesa muito eficiente da conti-
nuidade do Estado como protetor e guardião da tradição alemã contra as ideias
de socialistas revolucionários, de um lado, e das práticas de laissez-faire [...] – do
outro” (RIHA, 1985, p. 255). Regra geral, essa nova geração inovou ao propor
uma abordagem mais ampla sobre a economia e os seus agentes e manifestou
larga preocupação com as políticas e reformas a serem encabeçados pelo Estado.
Acredita-se que Gustav Schmoller tenha sido o líder e principal articulador
dessa nova geração. A publicação de um artigo de sua autoria, em 1864, deixa
evidente a sua defesa em nome de reformas sociais. Nele, Schmoller defendeu
melhorias nas condições de vida dos trabalhadores, principalmente, dando con-
dições para que eles tivessem acesso à educação e a outros direitos, como apo-
sentadorias por invalidez e idade, oferta de seguros de saúde e desemprego e a
permissão da organização de sindicatos. Em síntese,


A intenção de Schmoller seria combinar os ofícios de economista
e historiador, e seu método buscaria compreender os fenômenos
econômicos de maneira dinâmica, enfatizando sua complexidade.
O Grundriss der allgemeinen Volkswirtschaftslehre (podendo ser
traduzido como “Esboço de Economia Geral”), de 1900, seria a obra
mais importante desse autor, onde ele discute uma série de elemen-
tos considerados relevantes para a compreensão da economia de
forma histórica, estatística e teórica, complementando a descrição
com prescrições de política econômica (MEKARU, 2016, p. 26).

106
UNICESUMAR

Como salientamos, Schmoller é


considerado o grande nome da Nova
Escola Histórica Alemã e, sem dúvida,
as suas contribuições podem ser con-
sideradas as mais influentes dentro
dessa vertente. Teremos outros nomes
que são considerados integrantes desse
grupo e, dentre os quais, apenas citare-
mos, sem abordá-los, individualmente:
Adolph Wagner, Lujo Brentano, Georg
Knapp, Karl Bücher, Albert Schäffle e
Adolf Held.
Figura 6 - O economista alemão Gustav von Sch-
moller (1838-1917)
Fonte: Wikimedia (2015a, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra um retrato, em preto e branco, de Gustav von Schmoller. Ele
traja terno, colete, camisa e gravata. Schmoller está calvo, com poucos cabelos curtos e grisalhos e possui
bigode e barba longa e grisalha.

A terceira geração (“novíssima”) da


Escola Histórica Alemã diferenciou-se
da sua antecessora (Nova Escola Históri-
ca Alemã) por ter abandonado o caráter
“ateórico”, buscando compreender as par-
ticularidades do aspecto econômico em
consonância com cada período analisa-
do. Além disso, de forma similar à Antiga
Escola, temos os seus membros mais bem
definidos, a ponto de ser consensual que
formariam o grupo da Novíssima Escola
Histórica Alemã os autores Max Weber,
Werner Sombart e Arthur Spiethoff.
Figura 7 - O economista alemão Werner Sombart (1863-1941) / Fonte: Wikimedia (2009, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra um retrato, em preto e branco, de Werner Sombart, em que
ele traja terno, camisa e gravata. Sombart está usando óculos, tem cabelos curtos e cavanhaque, igual-
mente, curto.

107
UNIDADE 3

Werner Sombart (1984) se assemelha aos seus antecessores por rejeitar a ideia
de universalidade das teorias econômicas e afirmar a necessidade de reconhecer
a dimensão social dada historicamente. Adota a metodologia dos “tipos ideais”,
procurando reconstruir os sistemas econômicos pautando-se em: 1) a forma
como se organizam internamente; 2) a sua capacidade técnica e de “espírito”; 3)
como o “espírito” influencia a organização interna e a capacidade técnica.


“Der moderne Kapitalismus”, considerada a obra-prima de Sombart,
busca traçar as origens do capitalismo moderno e diferenciá-lo dos
sistemas anteriores a partir desse tripé – a organização baseada na
propriedade privada e economia de trocas, as tecnologias desenvol-
vidas a partir do século XVIII e um “espírito” de competição e acu-
mulação aliado à racionalidade econômica (MEKARU, 2016, p. 34).

É interessante notar que Sombart (1984) utiliza a noção de psicologia econômi-


ca determinante para explicar as atitudes psicológicas de pessoas que se dedicam
a uma atividade econômica, seja pelo valor que elas atribuem a essa atividade,
seja pelos fins os quais a mesma é realizada, pela forma como ela é desempe-
nhada, entre outros. Para Sombart (1984), esse espírito/psicologia impulsiona
o desenvolvimento econômico; em sua análise, o autor encontra esse espírito/
psicologia na atividade econômica dos judeus, os quais não eram influenciados
pelo pensamento cristão de desapego aos bens materiais e à hostilidade ao ato
de ganhar dinheiro. Em sua ótica, portanto, a dedicação dos judeus ao comércio
e ao crédito poderia ser compreendida como o motor de atitude psicológica que
colaborou para o surgimento do capitalismo.

Fala-se tanto de capitalismo, não é mesmo? Mas você sabe definir


este termo? Humm... Deixe-me adivinhar: ficou em dúvida? Então,
não perca o nosso podcast sobre este assunto. Acesse!

De forma similar a Sombart (1984), Max Weber (1987) também estava muito
interessado em explicar a gênese do capitalismo, utilizando fundamentos que

108
UNICESUMAR

não fossem econômicos. Em uma de suas obras mais famosas, intitulada A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, lançada entre 1904 e 1905, ele analisa
como diferentes religiões podem orientar,
nas práticas econômicas, diferentes pes-
soas, no dia a dia, sendo o protestantismo a
religião que recebe mais destaque na obra.
Com essa análise, Weber (1987) proporá um
novo paradigma, em aproxima crenças reli-
giosas do espírito empresarial. Dessa forma,
este autor vai na contramão do pensamento
dos economistas clássicos e neoclássicos, os
quais pensavam que a motivação dos indi-
víduos era, única e exclusivamente, a busca
pelo lucro. A tese de Weber (1987) também
contrapõe o ideário dos economistas ingle-
ses, os quais defendiam que o objetivo dos
capitalistas era acumular capital.
Figura 8 - Capa da edição alemã de 1934 da obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de
autoria de Max Weber / Fonte: Wikimedia (2006b, on-line)

Descrição da Imagem: a imagem mostra a fotografia da capa de um livro, em tons pastéis. Na parte
superior, é possível ver escrito o nome do autor e o título da obra em alemão, cuja tradução para o por-
tuguês é A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

Ao estudar o protestantismo e a sua relação empresarial, Weber (1987) destaca


o papel desse capitalista, aproximando-o do seu viés religioso: o capitalista, se-
gundo a visão desse autor, portanto, seria aquele que cultivava uma vida religiosa
marcada pela moderação e pelo trabalho, mas que sempre serve a Deus, antes de
tudo. Na concepção weberiana, o sistema capitalista é resultado de um espírito
capitalista, o qual está a reboque de uma ética protestante. Neste ponto, os críticos
de Weber classificam a sua visão de reducionista, pelo fato de atrelar as origens
de um sistema que mudou o mundo a um fator, puramente, religioso.
Para além das críticas, o interessante é destacar que, em Weber (1987), o fator
crucial que possibilitou a ascensão do capitalismo foi a Reforma Protestante.
Vamos entender melhor? Ora, na visão desse autor, a ética protestante defende
que o ganho de dinheiro não é uma prática condenável e, inclusive, deve ser colo-

109
UNIDADE 3

cado como uma meta na vida humana. Nesta lógica, seriam repudiáveis, apenas,
o gasto desnecessário, o luxo e a ostentação. Assim, a ética protestante traria, em
seu bojo, princípios de autodisciplina e poupança, portanto, uma vida regrada,
uma experiência monástica que guia a racionalidade da conduta, neste mundo:


O ascetismo cristão, que inicialmente fugia do mundo para a solidão,
já o tinha dominado a partir do mosteiro, e através da Igreja. Com isto,
todavia, não alterava o caráter natural, espontâneo da vida cotidiana
no século. Agora, ele adentrou-se no mercado da vida, fechou atrás
de si a porta do mosteiro, tentou penetrar exatamente naquela rotina
diária com a sua meticulosidade, e amoldá-la a uma vida racional, mas
não deste mundo, nem para ele (WEBER, 1987, p. 109).

A noção de espírito do capitalismo, em Weber (1987), se refere às ideias que


impulsionam, de forma ética, o ganho econômico. O autor lembra, por exemplo,
que “tempo é dinheiro” (WEBER, 1987, p. 29) como uma espécie de mandamento
econômico e não como um conselho, pois afirma que não são técnicas simples,
mas sim, uma ética particular.
Weber (1987) afirma que o protestantismo e, em sua visão, de forma mais
robusta, o calvinismo, afirmavam que os indivíduos seriam predestinados e, por
meio do trabalho, deveriam salvar as suas almas. Explicando melhor: o calvinis-
mo se destacou como uma das correntes protestantes mais influentes ao longo
do século XVI, recebeu este nome pelo fato de ter influenciado as ideias de João
Calvino, um teólogo francês.
Em consonância com a interpretação weberiana dessa doutrina, a pessoa
salva era escolhida por Deus, e o trabalho, portanto, era concebido como uma
vocação, isto é, uma missão dada divina que deveria ser respondida com presteza
e dedicação, da mesma forma que a vocação religiosa. Assim, na interpretação de
Weber (1987), os praticantes do calvinismo se dedicavam, com afinco, ao traba-
lho, porque visualizavam nisso uma forma de conseguir a salvação eterna, assim,
viam no trabalho uma maneira de glorificar Deus. O trabalho árduo e honesto,
consequentemente, resultaria em riqueza material ou prosperidade, sendo isso,
um sinal de eleição divina. Nessa lógica, Weber (1987) conclui que o protestan-
tismo foi decisivo e de extrema relevância para possibilitar a acumulação e, na
sequência, o capitalismo.

110
UNICESUMAR

O último integrante da Novíssima Escola Histórica Alemã a ser analisado,


brevemente, é Arthur Spiethoff, considerado assistente e herdeiro intelectual de
Gustav Schmoller. Na perspectiva de Spiethoff (1932), cada estilo econômico
exigiria metodologias distintas para a sua explicação, a fim de torná-los, emi-
nentemente, históricos.
Enfim, pelo o que pudemos observar, Sombart (1984), Weber (1987) e Spie-
thoff representam a última geração do grupo que ficou conhecido como Escola
Histórica Alemã, a qual perderá a proeminência, segundo Riha (1985), em razão
da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e pelo fato de as políticas propostas
por esse grupo de intelectuais não terem dado conta de resolver os problemas
daquele período na Alemanha, como a hiperinflação.
O período entre 1780 e 1850 foi um momento fundamental para o proces-
so de industrialização, que tinha, como centro, a Inglaterra. O processo, então
conhecido como “cercamentos”, intensificou as transformações agrícolas entre
os séculos XVI e XVIII e criou grande contingente de mão de obra livre, trans-
formações que foram empregadas por um grupo de arrendatários de terras, cuja
função estava voltada para a produção mercantil.

PENSANDO JUNTOS

Os cercamentos foram um processo de expulsão dos camponeses de suas terras e a pos-


terior utilização das mesmas para a agricultura e as pastagens destinadas à criação de
ovelhas, a fim de fornecer matéria-prima para a indústria mercantil.

Em meio a este contexto de profundas transformações, outra mudança marcou


as áreas rurais de influência urbana: artesãos pequenos e produtores domésti-
cos se endividaram com os intermediários que efetuavam o comércio de seus
produtos em áreas distantes. Sem recursos para quitar as dívidas, esses artesãos
e produtores tiveram de vender as suas ferramentas de trabalho para honrar os
seus compromissos financeiros.


À medida que o sistema industrial capitalista se afirmava como um
vetor irresistível do desenvolvimento econômico, as formas sociais,
políticas, as expressões ideológicas, artísticas e científicas que lhe
correspondiam eram reiteradas. Assim, a sociedade de classes (fun-

111
UNIDADE 3

dada nos critérios econômicos de diferenciação e no mérito) e o


modelo político liberal (estruturado nos direitos naturais, no siste-
ma constitucional, na divisão dos poderes e no regime censitário)
ganhavam um contorno cada vez mais nítido e estável (GENNARI;
OLIVEIRA, 2009, p. 100).

Com as mudanças que resultaram nas atividades industriais,


surgiram, ao longo do século XVIII, novas relações entre tra-
balhadores e donos dos meios de produção. Para acompanhar
essas inovações, alguns pensadores apresentaram um conjunto
de teorias para explicar o contexto inédito da Europa, naquele
período, especificamente, na Inglaterra. Esse conjunto de teorias
é chamado de liberalismo econômico. Quer saber mais sobre este
assunto? Então, não perca a nossa explicação e dê o play para
assistir ao vídeo.

Com o desencadeamento da Revolução Industrial, na Inglaterra, tivemos muitas


transformações de cunhos diversos. Vale a pena destacar as mudanças no âmbito
do pensamento científico. Isaac Newton foi responsável por introduzir a razão
científica com a sua famosa obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural,
publicada em 1687. Nessa obra, dentre outras contribuições, Newton relaciona a
geometria euclidiana à álgebra, fator que permitiu a matematização do espaço. Ele
desenvolveu um método rigoroso, o qual contou com um eficiente instrumental
matemático que ele próprio elaborou (GENNARI; OLIVEIRA, 2009). A partir
disso, criou um novo modelo de explicação para os fenômenos naturais:


A partir da publicação da sua obra, os estudiosos dos fenômenos
sociais começaram a alimentar a pretensão de elaborar uma teoria
social que apresentasse um estatuto de cientificidade semelhante
ao do modelo newtoniano. Foram preocupações dessa natureza,
isto é, a identificação das “leis naturais” que regem os variados tipos
de fenômenos sociais (a produção da riqueza, a política, os costu-
mes, as mentalidades), que estiveram na base da Escola Fisiocrata
e do movimento filosófico do Iluminismo e, posteriormente, no
nascimento da economia política clássica, por intermédio de Adam
Smith e Ricardo (GENNARI; OLIVEIRA, 2009, p. 101).

112
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Revolução Francesa, Revolução Inglesa, Revolução Indus-


trial… São tantas revoluções ao longo da História, não é
mesmo? Mas, afinal, o que o conceito de revolução signi-
fica? Quando ele pode ser empregado?
O conceito de revolução pode ser compreendido como
uma mudança social que resulta na alteração dos prin-
cípios básicos de uma sociedade ou de qualquer sistema
social. No entanto o emprego do termo, na História, está
vinculado, intensamente, a uma conceituação política,
que define revolução como uma tomada ilegal, quase
sempre violenta, do poder, e provoca modificações pro-
fundas nas instituições de governo e/ou no sistema polí-
tico. Uma revolução pode ser responsável, por exemplo,
pela queda de uma aristocracia e a implantação de uma
democracia, ou pela derrubada da democracia e a instau-
ração de uma ditadura militar. Dessa forma, o conceito
de revolução deve estar vinculado ao de legitimidade,
para que se possa compreender o processo histórico e
social de substituição das formas de exercício de poder
em dada sociedade.
Além do aspecto político, a revolução pode designar
transformações de base, na estrutura econômica ou so-
cial, resultantes de processos, por vezes, vagarosos e de
longa duração. Como exemplos, podemos citar a Revo-
lução Científica e a Revolução Industrial. Por essa razão,
podemos dizer que a revolução se refere mais a um pro-
cesso do que a um evento específico, configurando-se,
principalmente, pelo tipo de mudança ocasionada e não
pela forma como ocorreu.

Conforme assinalamos, nas unidades anteriores, a


importância teórica de Adam Smith e David Ricar-
do foi fundamental para definir um novo objeto de
estudo (economia) e uma nova disciplina científica
(econômica). As contribuições destes clássicos foram
ímpares na compreensão da nova formação social
capitalista que estava em curso com o processo da
Revolução Industrial.

113
UNIDADE 3

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Daens – Um Grito de Justiça


Ano: 1992
Fala-se tanto dos aspectos precários da Revolução Industrial e você,
aluno(a), tem, aqui, um filme que retrata estas particularidades. O
padre Daens emerge, no roteiro desse filme, como uma figura emblemática:
em meio ao século XIX, período em que os historiadores chamam de Segun-
da Revolução Industrial, os industriais ansiavam por liberdade econômica,
ampliação dos mercados consumidores e mão de obra com custos muito
baratos, tudo somado às péssimas condições de trabalho. Venha conhecer
mais deste período histórico e refletir sobre as suas contribuições para a
atualidade! Siga a dica, assista ao filme! É imperdível!

Para além dessas contribuições, é evidente que a Economia Política Clássica – e,


aqui, destacamos os trabalhos de David Ricardo (1982) e John Stuart Mill (1991),
analisados nas unidades anteriores – possui uma posição de destaque na evolução
das ideias econômicas e pode ser considerada a principal vertente no pensamen-
to teórico e doutrinário, a Economia no século XIX. Especificamente, entre os
anos de 1840 e 1860, a Inglaterra experienciou o auge do classicismo, por meio
do qual não era possível verificar um intercâmbio de ideias entre uma região e
outra, deixando evidente o isolamento da Economia Clássica Inglesa, no período.
John Stuart Mill (2000) é considerado o último representante de calibre na
Economia Política Clássica Inglesa. A sua obra mais famosa, Princípios da Eco-
nomia Política, publicada em 1848, gerou uma atmosfera de confiança na Eco-
nomia Política Clássica Inglesa, questionada, apenas, 20 anos depois. Entretanto
é importante que você, aluno(a), compreenda que a confiança, religiosamente,
manifestada em Mill, sobretudo, em sua obra Princípios da Economia Política, foi
quebrada, somente, na década de 1870, em momento de debates acalorados que
fizeram repensar a ciência econômica em todas as suas esferas, seja em relação
ao método, seja a respeito dos princípios, valores e objetivo.

114
UNICESUMAR


[...] na medida em que, nos anos de 1870, ondas de críticas desaba-
ram sobre o grande edifício [da economia de Mill], as rachaduras
pareciam tão abundantes que passou a causar espanto o fato de
que algum dia este tenha ficado em pé. Foi declarada temporada de
caça às inconsistências dos escritos econômicos de Mill (COLLINI
et al., 1983, p. 252).

Mesmo assim, a obra Princípios da Economia Política ainda foi utilizada nas prin-
cipais universidades até 1890, momento em que foi substituída pela Princípios de
Economia, de Marshall. No entanto é interessante salientarmos que as críticas que
culminaram com a crise da Economia Política Clássica deveram-se a deficiências
teóricas, problemas metodológicos e políticas que não correspondiam à solução
dos problemas sociais vigentes. Esse conjunto de críticas abalou o prestígio dessa
Escola, cujo predomínio das ideias foi intenso, sobretudo, na Inglaterra, entre
os anos de 1840 e 1860, quando os escritos de David Ricardo e John Stuart Mill
(analisados na Unidade 2) monopolizaram os cursos universitários e os círculos
intelectuais voltados para a Economia Política.
Falamos de Revolução Industrial para explicar a crise da Economia Clássica,
mas, você, aluno(a), sabe como ocorreu a difusão tecnológica durante os séculos
XVIII e XIX? É fato que as sucessivas inovações tecnológicas tiveram, sem dúvida,
um importante papel no desenvolvimento do capitalismo. Da segunda metade do
século XIX até a primeira metade do século XX, tais inovações eram celebradas
com toda a pompa e riqueza, em eventos e feiras pelo mundo. Megaeventos eram
estruturados para mostrar o que mais havia de inovador, naquele momento. Você
sabia que tivemos uma feira dessas, aqui, no Brasil? Ela foi realizada em 1922, na
então capital do nosso país, com o título de Exposição Internacional do Cente-
nário da Independência. Inovar era o substantivo principal dessas exposições,
momento em que as nações comemoravam a capacidade ilimitada da tecnologia
para melhorar a vida.
Diante desta curiosidade, resolvemos destacar para você, aluno(a), as mais
relevantes invenções dos séculos XIX e XX. Confira no infográfico:

115
UNIDADE 3

OLHAR CONCEITUAL

1839
Fotografia
1969 Louis Daguerre 1876
Internet (francês) Telefone
Comunidade Alexander Graham Bell
científica dos EUA – (escocês, residente no
Arpanet. Canadá e nos EUA)

1957 1879
Satélite
Luz elétrica
Comunidade
científica da URSS – Thomas Edison
Sputnik. (estadunidense)

1945 IMPORTANTES INVENÇÕES


Computador
DOS SÉCULOS XIX E XX 1886
Marinha dos EUA e Carro
Universidade de Gottlieb Daimler
Harvard –
(alemão)
Harvard Mark 1.

1924 1896
Televisão Rádio
Comunidade Guglielmo Marconi
científica da
(italiano)
Inglaterra.
1903 / 1906 1898
Avião Robô (moderno)
Irmãos Wright Nikola Tesla
(estadunidenses) – Flyer 1 (croata radicado
Alberto Santos Dumont nos EUA) “barco
(brasileiro) – 14 Bis
teleoperado”

Figura 9 - Infográfico das mais importantes invenções dos séculos XIX e XX / Fonte: a autora.

A defesa do uso da matemática nas teorias econômicas e o conceito de utilidade


na questão do valor firmaram-se no segundo quartel do século XIX. Este momen-
to ficou conhecido como Revolução Marginalista, ocorrida entre 1871 e 1873.
São considerados os principais precursores do marginalismo: Antoine Augustin
Cournot (1801-1877), Johann Heinrich von Thünen (1783-1850) e Hermann
H. Gossen (1810-1858). Analisaremos as ideias marginalistas deste último, des-

116
UNICESUMAR

tacando as suas principais contribuições para esta mudança metodológica nas


análises econômicas.

EXPLORANDO IDEIAS

A teoria da utilidade marginal parte do pressuposto de que a utilidade de um produto di-


minui à medida em que se consome mais uma unidade. Em inglês, “The greater the supply
of a good, the lower the marginal utility; the smaller the supply, the higher the marginal
utility” que se traduz como “Quanto maior é a oferta de um bem, menor é a utilidade mar-
ginal; quanto menor a oferta de um bem, maior é a utilidade marginal”.
Fonte: adaptado de Rothbard (2009).

Hermann Heinrich von Gossen (1810-1858) nasceu na Prússia e é considera-


do, por muitos, como o primeiro economista a elaborar uma teoria de utilidade
marginal. Foi, ainda, o responsável por aplicar uma teoria desta natureza na in-
vestigação da determinação dos preços e das trocas de mercadorias. De modo
similar aos utilitaristas, baseia a sua teoria na noção de prazer e dor.
Em 1848, foi publicada a sua obra, intitulada Desenvolvimento das Leis das
Trocas entre os Homens e das Regras de Ação Humana que Delas se Derivam
(Entwicklung de Gesetze des menschlichen Verkhrs und der daraus fliessenden
Regeln für menschliches Handeln). Nela, Gossen aborda teoremas, fazendo com
que a leitura do seu livro fosse considerada difícil para o leitor da época, pois es-
tava repleta de álgebra e aritmética. No entanto, apesar de ser uma obra complexa,
é possível elencarmos algumas hipóteses de Gossen ([2021], on-line).
Partindo do pressuposto básico do utilitarismo, Gossen ([2021], on-line) afir-
mou que a humanidade é movida pelo objetivo de aumentar a satisfação ao longo
de nossa vida até o máximo alcançável. Nesta busca incansável, nos organizamos
em busca do prazer, mas não de forma igualitária. Atuamos de forma distinta,
pois cada qual tem a sua própria opinião, e cada indivíduo atribuirá grandezas
ou manifestar preferências aos diferentes prazeres da vida. Seguindo essa lógica,
alguém pode manifestar prazer em comprar roupas, enquanto outro encontra
prazer lendo livros, por exemplo. Para Gossen ([2021, on-line):


Mesmo o asceta, que aparentemente se distancia o mais possível
desta finalidade, pensando alcançar o reino dos céus pelas mortifi-

117
UNIDADE 3

cações e privações de todo o gênero que se impõe voluntariamente,


demonstra a verdade deste princípio. Abstraindo o fato de que, até
certo ponto, ele até pode ter prazer em seguir tais hábitos, de qual-
quer modo só é levado a tais ações porque está convencido de que as
privações que se impõe voluntariamente nesta vida lhe serão muitas
e muitas vezes recompensadas no Além; e se esta convicção lhe for
tirada, imediatamente, adotará uma maneira de atuar inteiramente
oposta à anterior. Aliás, a História nos fornece exemplos abundantes
de pândegos frívolos que se tornaram ascetas e, ao contrário, de
monges penitentes que se tornaram grandes pândegos. Em relação
àquele princípio, o asceta só difere do pândego porque é um egoísta
muitíssimo mais insaciável; o que a terra oferece não basta como
soma de prazer; quer mais e pensa obtê-lo com seu procedimento
(GOSSEN, [2021], on-line).

De modo similar à lei da gravitação universal, responsável por mover os corpos


celestes de forma harmônica, essa busca pelo prazer, típica do ser humano, está
pautada em leis determinadas e específicas que dão ordem e coesão entre os in-
divíduos. Essa busca, para Gossen ([2021], on-line), não poderia ser eliminada,
uma vez que foi dada pelo “Criador”:


O criador também este engano previu, e deu a esta força uma inten-
sidade tão extraordinária que toda a luta do homem contra os seus
efeitos pode enfraquecê-la, mas não pode paralisá-la, e por mais que
o homem se esforce por destruí-la em uma de suas manifestações,
sempre surge novamente com maior força, numa outra direção ines-
perada e imprevista (GOSSEN, [2021], on-line).

Na visão de Gossen ([2021, on-line), a ação humana é comandada por elementos


subjetivos que não são arbitrários e que, inclusive, estão sujeitos a alterações.
Pode-se utilizar esses elementos para explicar o fenômeno das trocas, isso porque
a geração de prazer depende de intervalos entre uma e outra repetição, variando
de acordo com a frequência e a duração em que esse prazer é sentido. Se, por
exemplo, eu adoro chocolate, na ótica proposta pelo autor, à medida em que
consumo muito chocolate em um espaço de tempo cada vez menor, o meu prazer
diminuirá, pois, na sua concepção, em cada repetição sucessiva, o prazer senti-

118
UNICESUMAR

do, inicialmente, sofrerá a diminuição em relação à intensidade manifestada no


consumo anterior. Da mesma forma, se eu adoro um quadro, à medida em que
passo a contemplá-lo por horas seguidas, o meu prazer diminuirá. Nesta lógica,
o tempo e a intensidade de prazer abreviam-se com a repetição.
Na realidade, para Gossen, as utilidades marginais gerenciam as trocas entre
os bens, ou seja,“quanto maior é a oferta de um bem, menor é a utilidade marginal;
quanto menor a oferta de um bem, maior é a utilidade marginal” (ROTHBARD,
2009, p. 27, tradução nossa). Além disso, em consonância com este economista,
a fonte de valor de um bem está na sua escassez. Em outras palavras, um produto
adquire valor quando a demanda por ele excede a oferta.
Em linhas gerais, Gossen ([2021], on-line) não se limitou a construir um
modelo econômico, mas a aprofundar a elaboração lógica e matemática nos prin-
cípios básicos do utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832).
Outro assunto interessante é em relação à Revolução Marginalista. Apesar do
termo “revolução” impactar e nos fazer pensar que houve mudanças profundas
em uma sociedade, devemos ter em mente que a Revolução Marginalista não se
trata de uma rebelião no sentido apresentando no início deste estudo, uma vez
que as ideias básicas que desencadearam esse momento foram desenvolvidas,
paulatinamente, ao longo do século XIX, e as consequências, na sociedade, não
foram imediatas. Mesmo com esta ressalva, é inegável que tivemos um momento
na história do pensamento econômico, mais especificamente, na década de 1870,
em que Jevons (1996), Menger (1988) e Walras (1996) protagonizaram o episódio
que ficou conhecido como Revolução Marginalista.
Sobre a década de 1870 e essa revolução, Ricardo Luis Chaves Feijó (1998, p.
24) demonstra, em três pontos, o que, de fato, ocorreu, naquele momento:


1. É equivocada a ideia de que a ciência econômica tenha passado
por uma revolução entre os anos de 1871 e 1874, período que vai
do ano de publicação da Teoria da Economia Política de W.S. Jevons
(1996) e do Grundsätze de C. Menger (1988), à publicação dos Ele-
mentos de Economia Política Pura de L. Walras (1996).

2. A proximidade das obras desses três autores não se deve exage-


rar. Embora todos eles tenham repudiado a teoria do valor clássica
e tenham proposto uma teoria que assevera a natureza subjetiva
do valor, não há homogeneidade entre suas obras. Partem eles de

119
UNIDADE 3

diferentes matrizes filosóficas, articulam cada qual uma descrição


particular do fenômeno econômico valendo-se de conceitos e téc-
nicas próprias e de um estilo argumentativo peculiar a cada um.

3. As novas técnicas marginalistas e o subjetivismo da nova escola


não representaram um elemento que os economistas clássicos de-
vessem incorporar em suas teorias a fim de sanar suas debilidades
teóricas. As críticas à economia clássica não apontavam em direção
ao marginalismo, nenhuma síntese entre essas duas escolas foi aceita
pelos primeiros marginalistas e a síntese proposta por A. Marshall
teve um alcance limitado a seus seguidores diretos.

Quais, portanto, seriam as contribuições de Jevons, Menger e Walras para este


episódio que ficou conhecido como Revolução Marginalista? Feijó (1998) enu-
mera algumas delas:
a) Definição mais clara no campo da teoria pura. A noção de crescimento
econômico deixou de ser preocupação, somente, da área econômica e
passou a ser de interesse da economia histórica.
b) O comportamento do consumidor, aliado à questão da oferta e da pro-
cura para atribuir valor a um bem, associada à ideia de utilidade, passam
a compor a lógica para determinar o valor dos produtos.
c) A teoria econômica não se preocupará com classes sociais, abordando
temáticas abstratas, muitas vezes, com exemplos fictícios.

Com relação às distinções de abordagens entre os nomes da Revolução Margi-


nalista (Jevons, Menger e Walras), Feijó (1998, p. 26) destaca:


a) A idéia de que a teoria parte do cálculo de prazer e dor só é ex-
plicitamente articulada em Jevons.

b) O uso da matemática na solução de problemas alocativos só se


faz presente em Jevons de modo incipiente, e em Walras, com mais
desenvoltura.

c) O conceito de equilíbrio aparece em Jevons, como ponto de maxi-


mização individual, e em Walras, de modo mais amplo, implicando
equilíbrio subjetivo e equilíbrio de mercados. Menger trabalha com
modelos de desequilíbrio, não fazendo uso do conceito.

120
UNICESUMAR

Em consonância com Feijó (1998), é importante salientar que o uso do conceito


de utilidade, na teoria do valor, não era nenhuma novidade na década de 1870.
Nos anos 1830, a utilidade marginal já era discutida por outros teóricos, “depois
disso, a teoria da utilidade marginal aparecerá em Dupuit, em 1844, na França,
Gossen [que vimos na aula anterior], em 54, na Alemanha e, um ano depois, em
Richard Jennings na Inglaterra” (FEIJÓ, 1998, p. 27). Logo, a técnica da utilidade
marginal não era nova, mas Jevons, Menger e Walras buscaram aperfeiçoar essa
teoria. Podemos dizer, portanto, que os marginalistas construíram uma nova
visão da ciência econômica em relação aos aspectos teóricos, ao método e à na-
tureza do objeto de pesquisa.


No entanto as novas teorias não angariaram muitos adeptos, e a
economia clássica continuou exercendo alguma hegemonia na In-
glaterra. Contudo a economia clássica atravessava uma certa cri-
se desde meados dos anos sessenta, época em que se passou a dar
importância crescente à escola histórica. Mas nos anos setenta, e
mesmo nos anos oitenta, a velha escola clássica ainda mantinha seu
público cativo [...]. A principal crítica feita aos clássicos apontava as
deficiências nas teorias de salário, principalmente a teoria do fundo
de salários. É claro que a teoria marginalista daria uma contribuição
importante a essa questão teórica, mas isso só seria compreendido
muito depois. Os próprios autores clássicos trataram de aperfeiçoar
a teoria incorporando a produtividade como determinante dos sa-
lários (FEIJÓ, 1998, p. 30).

Objeto de críticas entre muitos historiadores do pensamento econômico, o termo


“Revolução Marginalista”, na verdade, não indicou uma ruptura, tal como propõe
o conceito de revolução. Nos anos 1870, as obras de Jevons, Menger e Walras
representavam uma via dentre tantas outras existentes que se opunham à visão
da economia clássica.
Considerado um clássico na história da moderna economia, Alfred Marshall
(1842-1924) é visto, por muitos, como um marco, pois teria sido responsável,
tempos depois, pela introdução e popularização dos conhecimentos margina-
listas. Marshall continuou aperfeiçoando o modelo utilitarista, mas de forma
distinta do proposto por Jeremy Bentham, para quem o prazer e a dor poderiam
ser matematizados. Na perspectiva de Marshall (1996, p. 30):

121
UNIDADE 3


[…] É de se observar, entretanto, que alguns discípulos de Bentham
(embora não talvez ele próprio), fizeram esse largo uso de “prazer
e dor” servir de ponte para passar do Hedonismo individualístico
a um credo ético completo, sem reconhecer a necessidade de in-
troduzir uma premissa maior independente; pareceria absoluta a
necessidade de tal premissa, muito embora diferissem de opiniões
sobre a sua forma.

[…] Em tudo isso, consideram o homem tal como ele é: não um


homem abstrato ou “econômico”, mas um homem de carne e sangue,
fortemente influenciado por motivos egoístas em sua vida profissio-
nal, mas sem estar ao abrigo da vaidade e da displicência nem ser in-
sensível ao prazer de sacrificar-se pela sua família, pelos vizinhos ou
pelo seu País, nem ser incapaz de amar, por ideal, uma vida virtuosa.

Em consonância com Marshall (1996), para com-


preender melhor o funcionamento de um sistema
de mercado, era fundamental analisar o pensa-
mento de consumidores e produtores, pois, em
sua visão, estes personagens agiam, racionalmen-
te, em busca de vantagens. Marshall (1996) afir-
mava que os consumidores buscavam aumentar a
sua satisfação e, de forma similar, esperava-se que
os fornecedores oferecessem serviços visando a
buscar recompensas máximas. Este autor estava
pensando nos aspectos econômicos da ação hu-
mana e não na totalidade de suas aspirações, tal
como avaliavam os utilitaristas clássicos.
Figura 10 - O economista alemão Alfred Marshall (1842-1924) / Fonte: Wikimedia (2010, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra um retrato, em preto e branco, de Alfred Marshall trajando
casaco. Marshall está com cabelos ralos, porém longos, e bigode, ambos brancos.

Marshall acreditava que a procura ou a demanda de um produto possuía relação


com o valor dele: a tendência seria que as pessoas comprassem mais unidades
de determinado bem cujo valor era considerado baixo e menos quantidades de
um bem cujo valor era considerado alto. Assim, de forma distinta dos pensadores

122
UNICESUMAR

clássicos, Marshall (1996) colocaria a preferência do consumidor como um fator


de peso. Para os teóricos clássicos, a análise dos preços dependeria de forças na-
turais que definiriam o valor de um produto e isso não dependia da preferência
do consumidor.
Assim, para Marshall (1996), a determinação dos preços de mercado poderia
ser realizada em duas fases:
a) Utilidade marginal decrescente: partia do pressuposto de que o con-
sumidor entrava em uma loja, em um mercado ou outro estabelecimento
a fim de obter satisfações (ou utilidades), as quais estariam vinculadas à
quantidade de produto adquirido. Quanto mais se adquiria um produto,
esperava-se que houvesse o declínio de consumo, tendo em vista que a sua
satisfação havia se elevado. Dessa forma, ele voltaria a consumir aquele
produto apenas mediante um preço mais atrativo, ou seja, uma vez que
as suas satisfações foram preenchidas, deveria haver a queda no preço do
produto para levar o consumidor a comprar mais.
b) Relação preço-quantidade-renda: é o fato de os consumidores ajus-
tarem a sua renda a fim de adquirir produtos que lhes deem máxima
utilização possível. Nesse sentido, o consumidor ajusta o seu padrão de
vida a fim de comprar bens que lhes são úteis e lhe tragam satisfação. O
resultado ótimo, obtido nessa relação, seria gastar até a última moeda de
forma a acrescentar uma quantidade semelhante de satisfação.

Dessa forma, a utilidade, nos moldes do neoclassicismo de Marshall, pode ser


definida como:


[...] correspondente a desejo ou necessidade. Já foi observado que os
desejos não podem ser medidos diretamente, mas só indiretamente
por intermédio do fenômeno aparente a que dá nascimento: e que
nos casos que interessam principalmente à Economia, a medida se
encontra no preço que uma pessoa se dispõe a pagar pelo cumpri-
mento ou satisfação do seu desejo. Ela pode ter desejos e aspirações
que conscientemente não provocam nenhuma satisfação; mas no
momento nos preocupamos principalmente com os que realizam
este fim, e pressupomos que a satisfação resultante corresponde em
geral perfeitamente bem à que foi prevista quando a compra foi feita
(MARSHALL, 1996, p. 95).

123
UNIDADE 3

É importante salientarmos que Marshall (1996) defendia a auto-organização do


mercado como uma forma mais eficiente de arranjo econômico, no entanto ele
fazia algumas ressalvas. Uma delas seria quando, por algum motivo técnico, não
se atingia o resultado ótimo. Isso poderia ocorrer em setores em que vigoravam
o monopólio, pois, não havendo concorrência, não haveria perspectivas de me-
lhoras nos serviços ou bens produzidos.
Considerado um dos maiores economistas da
História, Marshall contribuiu para a formação do
pensamento econômico neoclássico e, até hoje, os
seus postulados são utilizados nas teorias que di-
zem respeito à economia, sendo relevantes, tam-
bém, para a ascensão da Economia como parte
importante da pesquisa científica.
O economista Carl Menger (1840-1921), por
sua vez, é considerado o fundador da tradição que,
dentro da História Econômica, ficou conhecida
como Escola Austríaca. Dentre outras contribui-
ções, esta tendência analisou os processos de mer-
cado e o subjetivismo dos agentes econômicos.
Figura 11 - O economista austríaco Carl Menger (1840-1921) / Fonte: Wikimedia (2007b, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem a imagem mostra um retrato, em preto e branco, de Carl Menger. Ele
traja terno, colete, camisa e gravata, está de óculos, cabelo curtos penteados de lado e barba avantajada.

A obra Princípios da Economia Política, de Carl Menger, é considerada o mar-


co inicial desta tradição econômica. Em síntese, nela, Menger (1988) sinaliza as
bases no individualismo, deixando de lado as ideias coletivistas, como as que
foram defendidas por Karl Marx (1818-1883). O esforço de Menger fez com que
a Economia fosse vista como ciência humana, algo que não era contemplado
pelos economistas anteriores, os quais se preocupavam, quase sempre, em apre-
sentar modelos e ignoravam a participação humana nos aspectos econômicos.
Ao se dedicar a análises que se pautavam nas ações de pessoas reais, Menger se
contrapôs a economistas de sua época, como Jevons e Walras, dedicados a realizar
equações e variáveis que fugiam da realidade.
Em relação aos preços, Menger (1988) considera que se trata de uma relação
entre comprador e vendedor, baseada em escolhas e análises subjetivas sobre um

124
UNICESUMAR

serviço e/ou bem. O autor notou que os economistas clássicos explicavam essa
relação sob o olhar da oferta e da demanda e, em sua visão, não abordavam, de
forma satisfatória, como ocorria a alteração nesses valores. Assim, entendeu que
era a utilidade de um bem e/ou serviço, manifestada, subjetivamente, na relação
entre comprador e vendedor, que definia o preço. Foi deste entendimento que
Menger (1988) criou o conceito de utilidade marginal, por meio da qual esta-
beleceu que, quanto mais unidades de um bem uma pessoa possui ou consome,
menos valerá cada unidade adquirida. A tendência, nessa teoria, é sermos guiados
pela escassez e pela necessidade.

EXPLORANDO IDEIAS

A teoria da utilidade marginal define que o valor de um bem entra em declínio à medida
em que ele é consumido em larga escala. Em outras palavras, um bem valerá menos
quando ele se torna abundante, pois isso fará com que a sua utilidade marginal entre em
declínio. Portanto, quanto mais existir o fornecimento de um bem, produto ou serviço,
menos ele valerá. Um exemplo clássico para compreender esta premissa é o da garrafa
de água e da pedra de diamante.
Suponhamos que vamos a uma excursão para o deserto do Saara e, após sermos assalta-
dos, restou apenas uma garrafa de água e um diamante que encontramos, por acaso, no
meio do caminho. Neste cenário de sol escaldante e muita sede, certamente, se alguém
perguntar o que preferimos, entre estes dois objetos, muito provavelmente, escolhería-
mos a garrafa de água. No entanto, no nosso cotidiano, por que preferimos a pedra de
diamante em vez da bebida? Esta é, afinal, de suma importância para a nossa sobrevivên-
cia, enquanto que o diamante não se relaciona com o fato de estarmos vivos. Em condi-
ções normais, atribuímos mais valor à pedra preciosa porque ela é escassa, ao passo que
a água é abundante.
E aí está o conceito da teoria da utilidade marginal, ou seja, quanto mais raro um bem,
a tendência é concedermos mais valor a ele, ao passo que, quanto mais abundante um
bem, menos valor atribuiremos ao mesmo.

Dentre os alunos de Menger que se destacaram, na perspectiva da Escola Aus-


tríaca, estão Eugen von Böhm-Bawerk e Friedrich von Wieser.
Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914) publicou, na década de 1880, dois vo-
lumes (no total, são três) de Capital e Juro, a sua principal obra. Em seu primeiro
volume, ele apresenta o que considera serem as principais causas para a origem
dos juros. Além disso, é, também, nesse volume, que o economista faz críticas à
teoria da exploração de Karl Marx. Em seu principal julgamento sobre Marx,

125
UNIDADE 3

Böhm-Bawerk afirma que os trabalhado-


res não são explorados pelos capitalistas,
muito pelo contrário, eles são contempla-
dos com o valor de seus salários antes que
chegue a receita do produto que fizeram.
Figura 12 - O economista austríaco Eugen von Böhm-
-Bawerk (1851-1914)
Fonte: Wikimedia (2014, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra um re-


trato, em preto e branco, de Böhm-Bawerk. Ele
veste terno, camisa e gravata, está de óculos e
tem barba.

Friedrich von Wieser (1851-1926) também se


destacou na Escola Austríaca, junto com o seu
professor Menger e com Böhm-Bawerk. Em uma
de suas principais obras, intitulada Natural Value,
Wieser fundou a teoria da imputação, por meio da
qual acreditava que o valor de um produto não era
determinado pelo custo de sua produção, mas que
ocorria o contrário, ou seja, que o valor do produ-
to determinava o custo de sua produção.
Figura 13 - O economista austríaco Friedrich von Wieser (1851-
1914) / Fonte: Wikimedia (2007c, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem apresenta um retrato, em preto e branco, de Friedrich von Wieser. Ele
traja terno, camisa e gravata, está de óculos e barba.

Em síntese, considerado um dos integrantes da chamada Revolução Marginalista,


Carl Menger trouxe contribuições para a história do pensamento econômico, in-
tegrando, principalmente, aspectos concernentes à economia ao âmbito das ações
humanas. A partir de então, outros economistas utilizaram os postulados de Men-
ger em suas análises, como os seus alunos Böhm-Bawerk e Wieser que, a exemplo
de seu mestre, fizeram parte do que se convencionou chamar de Escola Austríaca.
John Maynard Keynes (1883-1946) se destacou na história do pensamento
econômico durante grande parte do século XX e, até hoje, os seus pensamentos
são levados em conta, apesar das crescentes críticas a ele.

126
UNICESUMAR

Figura 14 - O economista austríaco John Maynard


Keynes (1883-1946)
Fonte: Wikimedia (2015b, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem mostra um


retrato em preto e branco de John Maynard Key-
nes trajando terno, camisa e gravata. Ele tem
cabelo curto e liso penteado de lado e usa um
bigode.

O pensamento de Keynes teve grande


repercussão, sobretudo, com o episódio
que ficou conhecido como a Grande
Depressão ou Crash da Bolsa de Valo-
res de Nova York, ocorrido em 1929. Em virtude da grande crise financeira que
se instalou após este evento e, em como resposta a ela, surgiu o keynesianismo
como uma nova teoria econômica disposta a auxiliar no colapso econômico
decorrente dessa crise.
Em linhas gerais, com a crise da Economia Política Clássica, a partir da década
de 1870, o século XIX viu-se dividido em, basicamente, duas teorias econômicas:
o liberalismo e a teoria de Marx. Esta última acreditava que o Estado deveria gerir
todo o sistema, se fazendo presente de forma a controlar a economia e os meios de
produção de um país, em contrapartida, os liberais, inspirados em Adam Smith,
defendiam o livre mercado e acreditavam que o Estado não deveria intervir na
economia, mas, tão somente, salvaguardar o direito à propriedade.
A vertente fundada por Keynes defendia que o Estado deveria intervir na
economia sempre que fosse preciso, com o intuito de garantir o funcionamento
saudável da mesma e a manutenção dos empregos. Dessa forma, Keynes (1992) se
oporá, sobretudo, aos liberais, para quem o Estado não deveria, de forma alguma,
interferir na economia. Nesta perspectiva, as taxas de juros deveriam ser reduzi-
das bem como deveria haver um equilíbrio entre demanda e oferta, a garantia do
pleno emprego e a oferta de benefícios sociais para a população de baixa renda,
para que ela tenha um sustento, ainda, que, mínimo.
O keynesianismo, de fato, funcionou logo após a quebra da Bolsa de Valores
de Nova York. Em 1932, o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano
Roosevelt, implantou o New Deal, baseando-se em muitas das ideias de Keynes,
como políticas para a criação de empregos. Dessa forma, foram lançados os fun-
damentos do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).

127
UNIDADE 3

EXPLORANDO IDEIAS

“New Deal: Política de intervenção econômica e social do governo federal, para fazer sair
os EUA da Depressão iniciada na sequência da grande crise de 1929. F. D. Roosevelt é
aconselhado por uma equipa de formação universitária (“brain trust”). A tarefa primordial
é combater o desemprego: para isso lançaram-se os grandes trabalhos públicos, realiza
entre outros, a recuperação do vale do Tennessee, que permite ajudar 20 milhões de
pessoas.
Para estimular as exportações e aliviar os devedores, o dólar é desvalorizado. Os bancos
recebem empréstimos governamentais e podem reabrir os seus balcões, mas têm que
ficar doravante sob o controle do governo. Na indústria, o New Deal reanima-a com uma
lei para o desenvolvimento da produção, redução das horas de trabalho e aumento dos
salários. O Gabinete Nacional do Trabalho serve de intermediário nos conflitos entre pa-
trões e operários. Os sindicatos veem alargada a sua actividade.
No campo, o objectivo é o de aumentar os preços dos produtos agrícolas, para permitir a
subsistência dos camponeses. Para isso foi preciso reduzir drasticamente as culturas e o
gado em troca de subsídios, de facilidades de crédito e de preços garantidos. Estas medi-
das dirigistas (por não terem resolvido todos os problemas, em especial, o desemprego,
que apenas será absorvido pela indústria de guerra dos anos 1940) unem republicanos
e democratas contra F. D. Roosevelt numa acusação de que este se teria convertido ao
capitalismo de Estado, senão mesmo ao comunismo. No entanto, Roosevelt é reeleito em
1936”.
Fonte: Favrod et al. (1976, p. 188-189, grifo dos autores).

As ideias de Keynes perderam força nos anos 70, momento de surgimento do


neoliberalismo e de novas práticas, a exemplo da privatização de estatais e da
abertura dos países ao capital estrangeiro. Em 2008, com a nova crise econômica
que se desenhou no horizonte, cogitou-se a hipótese de retomar as contribuições
keynesianas, uma vez que tal crise tinha aspectos similares ao crash de 1929.
Vários autores teceram críticas a Keynes e, dentre os principais argumen-
tos utilizados era o de que ele se tratava de um socialista, no entanto fazem-se
necessários alguns esclarecimentos quanto a isso. É importante salientar que
Keynes (1992) não defendia a estatização econômica, como fez Marx (1989), por
exemplo, mas a participação do Estado na economia no intuito de fornecer apoio
em áreas as quais não eram atendidas pela rede privada.
As contribuições de Keynes perderam espaço para o surgimento do neoli-
beralismo, no entanto devemos registrar a importância dos seus pensamentos e
como eles são consultados em períodos de crise, tal como ocorreu nos Estados
Unidos, em 2008.

128
UNICESUMAR

Nesta unidade, você, aluno(a) conheceu a Escola Austríaca. Uma das ideias
recorrentes, nessa vertente, é a da mão invisível do mercado, ou seja, em linhas
gerais, o mercado, por si só, exercia a função de se autorregular, sem necessitar
da ação do Estado. Por outro lado, existem teóricos que defendem a intervenção
do Estado na economia em casos de calamidade, como o que marcou a Grande
Depressão de 1929, nos Estados Unidos. Políticas de combate a crises econômicas
foram feitas em vários países, e a solução apontada consistia na tomada de certas
medidas, como a intervenção do governo na economia e a adoção de programas
de cunho social, a exemplo do New Deal estadunidense. Com base nestas ini-
ciativas, montou-se um novo modelo político: o Estado de Bem-Estar Social no
pós-Segunda Guerra Mundial.
Enquanto futuro(a) professor(a) de História, sugerimos que você apresente
aos seus alunos o que seria a ideia de mão invisível do mercado e, em contraparti-
da, a intervenção do Estado na economia. Feito isso, divida a sala em dois grupos:
um responsável por pesquisar sobre as ações da mão invisível do mercado, na
prática, e, o outro, responsável por levantar informações em relação à intervenção
do Estado na economia. Realizadas tais pesquisas, promova um debate entre esses
dois grupos, o objetivo é exercer a criticidade, pois, em meio ao debate, aparecerão
prós e contras de ambos os projetos de gestão da economia. Fica a dica!

129
1. Chegou a hora da nossa avaliação! Agora, é a sua vez de colocar, em prática, os co-
nhecimentos adquiridos! Para isso, elabore um mapa mental que traga as principais
semelhanças e diferenças entre dois autores da Escola Histórica Alemã, quais sejam:
Werner Sombart e Max Weber. Logo, estas palavras-chaves e o que cada um desses
autores pensam não pode faltar no seu mapa mental.

A técnica do mapeamento mental é de suma importância para estruturar o que você


aprendeu e, ao mesmo tempo, organizar os seus pensamentos de forma a apresen-
tá-los a outras pessoas. Você pode realizar o seu mapa, aqui, mesmo, no seu livro.
Mas, caso prefira, utilize uma ferramenta online, como o MindMeister ou o Goconqr.
Fica a dica! Agora, vamos elaborar o seu mapa mental? Mãos à obra!

130
2. A crise de 1929 abalou, profundamente, a economia estadunidense e, consequen-
temente, a do mundo todo. Como tentativa de recuperação, foi elaborado o New
Deal, um plano para reorganizar a produção industrial e agrícola, a fim de alavancar
a economia. O New Deal foi um dos símbolos da intervenção do Estado para a regula-
mentação econômica, assim, podemos dizer que a crise de 1929 deu uma rasteira no
liberalismo econômico e mostrou a necessidade da intervenção estatal para salvar a
economia. Diante disso, analise a imagem, a seguir, e a contextualize com o momento
em que ela foi fotografada, focando, principalmente, na contradição denunciada por
essa mesma imagem. Registre as suas impressões por meio de um texto dissertativo.

Figura 1 - Vítimas de uma enchente aguardam, em fila, por um prato de comida na cidade de Louisville,
no estado de Kentucky, Estados Unidos, em 1937. Ao fundo, podemos observar a frase que diz: “O mais
alto padrão de vida do mundo. Não existe um modo (de vida) como o americano”.
Fonte: Wikipedia ([2021], on-line).

Descrição da Imagem: na imagem, vemos homens, mulheres e crianças posicionadas em uma fila, aguar-
dando por comida. Ao fundo, há um grande outdoor que mostra uma família sorridente, no interior de um
carro, em clima de felicidade. No outdoor, está escrita a frase “O mais alto padrão de vida do mundo. Não
existe um modo (de vida) como o americano”.

131
4
A Escola
Metódica ou
Positivista
Dra. Verônica Karina Ipólito

Na Unidade 4, você aprenderá sobre a Escola Metódica ou Positivis-


ta. Apesar das inúmeras críticas feitas para esta vertente, devemos
reconhecer que ela foi pioneira ao criar uma metodologia científica
para a História e, principalmente, por influenciar a criação da História
como campo do saber no século XIX.
UNIDADE 4

Você já parou para pensar como se escreve a história? Sabia que ela é uma ciência
e, como tal, possui uma metodologia própria? É, mas nem sempre foi assim. Um
método, propriamente dito, que oriente o trabalho do historiador, foi inaugurado
pela chamada Escola Metódica ou Positivista. Apesar de criticada, principalmente,
por sua tendência a priorizar os grandes feitos e os grandes indivíduos, temos que
reconhecer que essa vertente elaborou um método de pesquisa para a História.
A própria musa Clio, considerada a deusa da História, está associada a esta
visão metódica. Conta a mitologia que Clio é uma das musas gregas que residem
no monte Hélicon e era uma das nove musas, filhas de Zeus com Mnemósine, as
quais tinham, como objetivo, levar inspiração às ciências, às artes e aos governan-
tes para que esses pudessem gerir com maestria e levar a paz entre os indivíduos.
Dentre essas musas, Clio é conhecida por divulgar e celebrar os acontecimentos e
realizações, e, se observarmos, um dos pressupostos da Escola Metódica é retratar
os fatos tais como eles ocorreram. Agindo dessa forma, acreditava-se que a análise
documental seria a mais objetiva possível e que essa metodologia no trato com
as fontes traria o rótulo de ciência para a história.
Hoje, você, enquanto acadêmico(a) do curso de História, sabe lidar com os
documentos? Consegue aplicar metodologias recentes para interpretá-los? Que
tal fazer uma visita a um arquivo da sua cidade ou próximo a ela? Os arquivos,
públicos ou particulares, abrigam documentos de naturezas diversas. Achou in-
teressante? Então, convido-o(a) a ler os próximos assuntos e, assim, se inteirar
sobre as metodologias atuais no trato com as fontes históricas, sobretudo, em
relação à História Política.
Mesmo sendo, hoje em dia, um campo do conhecimento científico, sabemos
que, em relação à história, os critérios científicos adotados são diferentes dos uti-
lizados nas Ciências Exatas ou Biológicas, por exemplo. Afinal, ainda não temos
uma máquina do tempo que nos permite ir ao passado e ver como a história,
realmente, aconteceu. Na realidade, ela é formada por interpretações distintas e
sabemos que existem verdades, no plural, e, não verdade, no singular, em relação
a determinado fato ou recorte temporal.
É para compreender estas questões teóricas que convido-o(a) a viajar pela
constituição do método científico em história, feito pela Escola Metódica ou
Positivista, perpassando as alterações introduzidas pelo pensamento marxiano
e pela Escola dos Annales. Não deixe de registrar a síntese do que você aprendeu
sobre estas tendências historiográficas, no Diário de Bordo, a seguir. Registre,

134
UNICESUMAR

também, a sua experiência de visita ao arquivo público. Vamos embarcar em mais


esta viagem rumo ao conhecimento? Espero você!

Figura 1 - Clio, a deusa da História


Fonte: Wikimedia (2016, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma


pintura colorida da deusa Clio, sentada, com
o olhar voltado para cima e vários livros em
sua volta, sendo que um deles está em sua
mão direita. Na sua mão esquerda, Clio tem
um trompete. Ela está vestida com roupas
esvoaçantes nas cores vermelho, dourado,
azul e branco.

A história acadêmica foi criada no


século XIX, momento em que surgi-
ram várias especialidades científicas.
Mas, se eu lhe perguntasse “o que é
história? ” Você saberia me respon-
der? Quando nós, professores, fazemos este questionamento a nossos alunos, nos
deparamos com respostas variadas: uns dizem que “é o estudo do passado”, ou
“é tudo o que aconteceu”, “é a compreensão do tempo dos homens”. As múltiplas
respostas já nos dão pistas de que definir o que é a história não é algo tão simples
assim. Se procurarmos o seu significado em um dicionário de língua portuguesa,

135
UNIDADE 4

veremos que “a história é o conjunto de acontecimentos relativos ao passado da


humanidade, segundo o lugar, a época, o ponto de vista escolhido” ou “a história é
a ciência que estuda os eventos passados, com referência a um povo, país, período
ou indivíduo específico” (HOUAISS, 2001, p. 1543).

Se eu perguntasse a você, aluno(a), o que é a história, você saberia


me responder? Sabe o que é, mas não encontra palavras para
definir? Então, não perca a nossa pílula de aprendizagem sobre
este assunto!

Assim, podemos ver o quão complexa é a de-


finição de história, pois, vemos tal comple-
xidade, não só, no significado atribuído pelos
alunos, como também nos sentidos dados pelo
dicionário. Vimos que, de forma geral, a pala-
vra apresenta uma definição dúbia: primeiro,
como acontecimentos que foram vividos pela
humanidade, segundo, como uma ciência ou
conjunto de conhecimentos. É curioso notar
que este duplo sentido não é algo único, apenas,
na língua portuguesa; se analisarmos em outros
idiomas, veremos que, em inglês, existem duas
palavras para designar o termo “história” (story/
history), o mesmo ocorre em italiano (istoria/
storia). No entanto as distinções na grafia são
insuficientes para explicar tamanha ambigui-
dade, esta situação só aparece melhor resolvida
em alemão: a palavra Geschichte representa os
acontecimentos propriamente ditos, ao passo
que Historie tem, como significado, a análise dos
acontecimentos feita pelo historiador.

136
UNICESUMAR

Figura 2 - Partes de armaduras que remetem à ideia de Antiguidade / Fonte: Pexels ([2021], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia, em preto e branco, em que é possível ver capacetes de
armaduras e outros objetos que as compõem, como parte do peitoral e uma espécie de tecido tramado,
todos posicionados sobre um tapete de pele.

Diante da complexidade de uma definição, vários autores registraram as suas


concepções sobre o que seria história. Para o historiador Marc Bloch (2001, p.
51), “seguramente, desde que surgiu já há mais de dois milênios, nos lábios dos
homens, [...] [a palavra ‘História’] mudou muito de conteúdo. É a sorte na lingua-
gem, de todos os termos verdadeiramente vivos”.
Heródoto, considerado, por muitos, o pai da História, escreveu o que preten-
dia com o seu primoroso livro Histórias:


Esta é a exposição das investigações de Heródoto de Halicarnasso,
para que os feitos dos homens não se desvaneçam com o tem-
po, nem fique sem renome as grandes e maravilhosas empresas,
realizadas quer pelos Helenos, quer pelos Bárbaros; e, sobretudo,
a razão porque entraram em guerra uns com os outros. (HERÓ-
DOTO, 1994, p. 53).

137
UNIDADE 4

Outros escritores, bem mais contemporâneos do que Heródoto,


também buscaram uma definição. Tolstoi no epílogo de Guerra e
Paz, dizia que o “objeto da história é a vida dos povos e da humani-
dade” [...]; Collingwood analisava que história é “uma investigação
para o autoconhecimento humano” [...]; Marrou enfatizava que a
“história é o conhecimento do passado humano” [...]; Carr ensinava
que a história é “um processo contínuo de interação entre o histo-
riador e seus fatos, um diálogo interminável entre o presente e o
passado [...]; e Bloch enfatizava: “o objeto da história é, por natureza,
os homens” [...], destacando o plural (PRIORI, 2010, p. 12).

Figura 3 - Cópia romana do século II retratando o busto


de Heródoto / Fonte: Wikipedia (2005, on-line).

Descrição da Imagem: A imagem é uma estátua que


retrata o busto de Heródoto. Ele está representado com
barba longa e ondulada e cabeça calva.

Cada definição de história, cuidadosamen-


te, elaborada pelos historiadores citados, são
plausíveis e merecem ser mais bem com-
preendidas. Tomamos, como exemplo, o
sentido atribuído por Marrou (1978, p. 78),
para quem a “história é o conhecimento do
passado humano”. Ao analisarmos essa frase,
podemos entender que, para ter conheci-
mento, é fundamental que se investigue, pesquise. E esta averiguação está pautada,
obviamente, em pesquisa científica, a qual se fundamenta em um rigor meto-
dológico que lhe é próprio. Não basta, portanto, apenas, contar o que se passou,
mas fazer indagações, buscar conhecimento e trazer à tona aquilo que ainda não
conhecemos. Em conformidade com Priori (2010, p. 13-14), “a história deve ser
o resultado do mais rigoroso, do mais sistemático dos esforços para se aproximar
da verdade. A história é o conhecimento cientificamente elaborado”.
No que se refere ao surgimento da história enquanto disciplina, podemos
atribuir esse processo ao longo do século XIX. Leopold von Ranke conta que um
de seus professores, Gottfried Hermann (1772-1848), em suas aulas, abordava

138
UNICESUMAR

“problemas de detalhe [...] apenas podia-se ter acesso às verdades históricas por
meio do estudo crítico comparado das fontes que as testemunhavam, e este por
sua vez podia gerar conclusões inesperadas” (VON RANKE apud GRAFTON,
1978, p. 58). Conforme destaca Grafton (1978), as obras de Von Ranke tiveram
grande contribuição das aulas de Hermann. Sobre esse assunto, o autor afirma
que o professor Hermann


ensinou ao jovem Ranke a pensar como um crítico histórico: incul-
cou-lhe suspicácia diante das tradições e dos textos, assim como a
necessidade de refletir sobre a idade e o valor das fontes. Que Ranke
fizesse essas perguntas em seus trabalhos da maturidade é um fato
quase pré-determinado, por mais que o ancião ao recordar de ma-
neira romântica sua muito bem aproveitada juventude, se negasse a
reconhecê-lo (GRAFTON, 1978, p. 59, tradução minha).

Depois de publicar a sua primeira obra, intitulada Historia de los pueblos Latinos
y Germanicos de 1494 a 1535, em 1824, Leopold von Ranke (1986a) se retirou
para realizar pesquisas nos arquivos italianos, exercendo esse trabalho por alguns
anos. Entretanto, é a partir de 1836, quando começou a lecionar na Universidade
de Berlim, que teremos o seu momento de mais destaque, a ponto de muitos
autores da literatura especializada falarem em Escola Rankeana.


Uma das características da concepção da história rankeana foi o
papel que outorgou “às ideias norteadoras da história”. Tais ideias
consistiam na concepção dominante de um momento histórico es-
tudado. A noção de ideia norteadora permitia evitar a comparação
que implica o conceito de progresso na história, muito em voga na-
quele momento. Tal conceito – progresso – era insustentável filosó-
fica e historicamente, segundo Ranke, uma vez que necessariamente
supunha a ideia de que havia povos melhores que outros e que os
povos mais atuais contavam com vantagem em comparação com os
anteriores, que estavam nas primeiras etapas do desenvolvimento
da humanidade (GÓMEZ, 2010, p. 72).

139
UNIDADE 4

Figura 4 - Leopold von Ranke (1795-1886)


Fonte: Wikimedia ([1875], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma pintura


em que Leopold von Ranke aparece com vesti-
mentas, predominantemente, pretas, com uma
condecoração no peito e um pingente no pesco-
ço. Ele tem cabelos grisalhos quase na altura do
queixo, bochechas rosadas e olhar sereno.

O princípio de “ideias norteadoras” era


explorado, sobretudo, para reconstruir
a história de uma nação. Para isso, Von
Ranke julgava ser fundamental anali-
sar as relações internacionais, pois elas
diziam muito sobre a política e a diplo-
macia de um Estado. Na época de Von
Ranke, o fator que marcou as relações internacionais foi a Revolução Francesa
e, portanto, essa poderia ser considerada a “ideia norteadora” do século. Como
destaca Gómez (2010):


[a] [...] escola rankeana se desenvolveu em uma época de elevação
dos nacionalismos e seu principal interesse esteve centrado nas
grandes potências em que se encarnava politicamente o espírito
das diferentes nações europeias. Ranke considerava essas potências
como individualidades, como expressão de diferentes ideias. Em um
ensaio sobre política, o historiador defendia os governos existentes
com relação aos movimentos revolucionários de 1830 e explicava
como o liberalismo não podia oferecer um modelo político de va-
lidade universal, já que cada estado era um organismo vivo, uma
entidade singular e consequentemente tinha formas institucionais
próprias (GÓMEZ, 2010, p. 73).

Von Ranke focava suas análises na história nacional, sobretudo, na Europa. Entre-
tanto, em sua concepção, o desenvolvimento histórico era decorrente do agrupa-
mento de povos que formavam as nações europeias e, portanto, não estava concen-
trado em apenas uma nação, assim, o sentido era mais continental do que nacional.
De modo distinto ao defendido por Leopold von Ranke e pela vertente que
levou o seu nome, outra tendência, denominada Escola Prussiana, admitia, em

140
UNICESUMAR

suas produções historiográficas, opiniões sobre as temáticas estudadas. Um dos


principais representantes da Escola Prussiana foi Henrich von Sybel (1817-1895),
o discípulo de Von Ranke mais jovem. Em consonância com Gooch (1977), uma
das marcas dos prussianos era a interpre-
tação das fontes abordadas e o fato de que
a opinião pessoal do autor, geralmente,
estava visível nos trabalhos, algo impen-
sável nas obras dos rankeanos. “Isso não
quer dizer que os rankeanos não faziam a
[interpretação das fontes]; eles não faziam
de modo tão explícito, e além do mais,
quando trabalhavam um tema, recons-
truíam-no a partir da maior quantidade
de fontes possíveis” (GÓMEZ, 2010, p. 76).
Figura 5 - Heinrich von Sybel (1817-1885) / Fonte: Wikimedia ([2021a], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma ilustração, em preto e branco, em que Sybel aparece sentado e
olhando de lado. A imagem retrata apenas a parte do seu busto. Ele tem cabelos e barba grisalhos e não
há divisão entre cabelo, costeleta e barba. Sybel tem o olhar cerrado e a testa franzida.

Podemos observar que, para Von Ranke, o historiador deveria se isentar da crí-
tica das ideias e, apenas, descrever os fatos. O objetivo era que o estudioso de
história fosse desvendando as ideias norteadoras da história predominantes em
cada século e, a partir disso, descrevê-las sem reduzi-las a um conceito. Logo, a
“missão do historiador consiste em desvendar as grandes tendências dos séculos
e em desenvolver a grande história da humanidade, que nada mais é do que o
complexo das diversas tendências” (VON RANKE, 1986b, p. 60).
Você, aluno(a), conseguiu notar que falamos de História Científica a partir
do século XIX, quando as bases para a pesquisa em história foram lançadas pe-
las Escolas Rankeana e Prussiana? Pois bem, além dessas duas escolas, tivemos,
também, no século XIX, uma terceira vertente que contribuiu para a pesqui-
sa científica em história. O seu nome? Escola Metódica ou Positivismo. Esta
corrente de pensamento surgiu na França, num momento marcado pelo fim do
Império de Napoleão III e início da Terceira República. Além destas alterações
contextuais, devemos salientar as consequências de dois fenômenos mundiais
de grandes proporções: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Vieram

141
UNIDADE 4

à tona temas direcionados aos princípios democráticos e críticas relacionadas à


sociedade capitalista.
Apesar das contribuições das Escolas Rankeana e Prussiana, o Positivismo
é considerado a primeira vertente historiográfica a organizar regras, delimitar
o objeto de pesquisa, elaborar conceitos e metodologia sistematizada para as
ciências humanas. Em consonância com Guy Bourdé e Hervé Martin (1990), o
nome correto para o Positivismo seria Escola Metódica, pelo fato de ser a primeira
corrente a elaborar um método de pesquisa em história.


Os princípios da Escola Metódica estão expostos basicamente em
dois textos: no manifesto redigido por Gabriel Monod para o lança-
mento da Revista Histórica em 1876 e no guia para estudantes redi-
gido por Charles Victor Langlois e Charles Seignobos, em 1898. Tais
trabalhos evidenciam a aplicação de técnicas rigorosas na investiga-
ção científica, tentando aproximá-la de uma objetividade absoluta
no domínio da história. Os historiadores dessa vertente participa-
ram da reformulação do ensino superior na França ao lecionarem
nas novas universidades e dirigirem grandes coleções, como a His-
tória da França (E. Lavisse); História Geral (A. Rambaud) e Povos e
Civilizações (L. Halphen e Ph. Sagnac). Além disso, esses estudiosos
formularam programas e elaboraram obras de História para o en-
sino primário e secundário, permanecendo atuante até a década de
1940 (AMÂNCIO; IPÓLITO; PRIORI, 2010, p. 81-82).

O predomínio da Escola Metódica ou Positivismo, na França, vai desde a segun-


da metade do século XIX até a década de 60. A marca do seu ensino nas escolas
estava na valorização de datas, personagens e acontecimentos considerados rele-
vantes na história. Foi na perspectiva dos grandes feitos e dos grandes indivíduoss
que se constituiu, portanto, o ensino desta disciplina no país, alimentado pelo
patriotismo da Revolução Francesa e enfatizando-o nos manuais escolares, prin-
cipalmente, nas produções de autores metódicos, como E. Lavisse e A. Rambaud.
Além de influenciar o ensino de história, a proposta positivista visava a utilizar
métodos nas pesquisas que as afastassem de qualquer crítica filosófica e buscas-
sem ser as mais objetivas possível. Para isso, técnicas precisas no trabalho com as
fontes, cuidados em relação às críticas ao documento e às tarefas do historiador
foram, meticulosamente, registrados.

142
UNICESUMAR

Você já percebeu que toda vez que há um movimento que influi na escrita da
história, há, também, uma revista que embasa estas mudanças? No caso da Escola
Metódica ou Positivista, não foi diferente. O periódico fundado pelos positivistas
foi a Revista Histórica. Criada em 1876, por Gabriel Monod e Gustave Fagniez, a
revista objetivava trazer “informações exatas e completas” (BOURDÉ; MARTIN,
1990, p. 97) sobre a história da Europa, abarcando artigos eruditos que abordas-
sem temáticas variadas, desde a Antiguidade Clássica até os tempos modernos.


[Gabriel] Monod declarou, em seu Manifesto de 1876, o início da
História como disciplina científica na França, considerando esse
momento como o primeiro passo para a preparação e elaboração
de materiais. Além disso, em consonância com outros membros da
revista, estipularam regras e procedimentos científicos a que deve-
riam ser submetidos os artigos e defendiam a inserção da disciplina
no ensino superior. Em linhas gerais, esses princípios metodológicos
traçados inicialmente no texto de G. Monod, serão expostos em
1898, no manual de Langlois e Seignobos (AMÂNCIO; IPÓLITO;
PRIORI, 2010, p. 82-83).

A proposta inicial da Revista Histórica em se manter “neutra e imparcial” não se


cumpriu, uma vez que apoiou a República e se envolveu em discussões contra a
Igreja. A partir dos anos de 1880, é perceptível certa alteração na escrita do perió-
dico, que vai de crítica para pacífica. Isso demonstra que, mesmo uma revista que
surgiu com a proposta de ser neutra não conseguiu se manter como tal. Assim,
vemos que o historiador tem o compromisso com a verdade, que o seu trabalho é
realizado com base em documentos, mas a crítica em si, a adoção de uma postura
é, também, fundamental para que haja debate na historiografia, de forma geral.

PENSANDO JUNTOS

“Sem dúvida, as opiniões particulares influenciam sempre numa determinada medida a


maneira como se estuda, como se vê ou como se julga os fatos e os homens. Mas deve-
mos esforçar-nos para afastar estas causas de prevenção e de erro para só julgarmos os
acontecimentos e os personagens em si mesmos. Admitiremos, aliás, opiniões e aprecia-
ções divergentes, com a condição de que sejam apoiadas em provas seriamente discuti-
das e em fatos e que não sejam simples afirmações”.
(Gabriel Monod)

143
UNIDADE 4

Figura 6 - Gabriel Monod (1844-1912)


Fonte: Wikimedia ([2021b], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma foto, em preto e bran-


co, de Gabriel Monod. Ele usa óculos pequenos, tem cabelos
curtos, barba e bigode, veste terno, camisa e gravata.

Apenas mais de duas décadas após a fundação


da Revista Histórica é que teremos a publicação
de uma obra que definirá as regras e metodolo-
gias no trabalho do historiador. A obra, intitula-
da Introdução aos Estudos Históricos, foi escrita
em 1898, por Langlois (1863-1929) e Seignobos
(1854-1942). Nela, uma das características mais
marcantes designadas à função do historiador era
a rígida crítica das fontes acompanhada da neutralidade, pois os autores acre-
ditavam que, somente assim, o estudioso da área teria condições de elaborar o
conhecimento objetivo, fim último da pesquisa em história.
Com a Escola Histórica, evidentemente, tivemos a supervalorização do do-
cumento, mas você deve estar se perguntando que tipo de documento era esse, já
que, hoje, temos uma variedade enorme deles. É importante destacar que a Escola
Metódica aceitava, apenas, aqueles de natureza oficial, ou seja, produzidos pelo
Estado, instituições, enfim, a concepção documental dos seguidores desta escola
é muito diferente da que temos, atualmente.
Em vigor no âmbito historiográfico de fins do século XIX e início do século
XX, a Escola Metódica tratou de preservar documentos de natureza oficial em
bibliotecas e museus para que se pudesse organizar o trabalho do historiador. Este,
por sua vez, consultava as fontes disponíveis nestes acervos e consultava esses
documentos utilizando métodos rigorosos de crítica para evitar a subjetividade
e ser fiel à narração dos acontecimentos, principalmente, os político-militares,
transcrevendo-os da mesma maneira em que esses se encontravam em seus do-
cumentos originais. Diante disso, podemos notar que, na Escola Metódica, eram
evitadas as interpretações e as sínteses (BOURDÉ; MARTIN, 1990).
Para compreendermos melhor o método histórico proposto pela Escola
Metódica, faz-se necessário entendermos o que é documento para os integran-
tes dessa vertente:

144
UNICESUMAR


A história se faz com documentos. Documentos são os traços que
deixaram os pensamentos e os atos dos homens do passado. Entre
os pensamentos e os atos dos homens, poucos há que deixam traços
visíveis e estes, quando se produzem, raramente perduram: basta
um acidente para os apagar. Ora, qualquer pensamento ou ato que
não deixou traços, diretos ou indiretos, ou cujos traços visíveis de-
sapareceram, está perdido para a história: é como se nunca houvesse
existido. Por falta de documentos, a história de enormes períodos
do passado da humanidade ficará para sempre desconhecida. Por-
que nada supre os documentos: onde não há documentos não há
história (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 47).

Fica claro que, para Langlois e Seignobos


(1946), a história pode ser definida como as
ações do indivíduo no tempo e registrada por
meio de documentos. Com isso, é perceptível
que, na visão dos autores, não se pode escre-
ver história se não houver documentos. Tanto
que o primeiro passo da pesquisa em história
seria a Heurística, ou seja,“procurar saber se
os documentos existem, quantos são, onde se
encontram e se são confiáveis, a fim de reu-
ni-los para a análise” (AMÂNCIO; IPÓLITO;
PRIORI, 2010, p. 84).
Figura 7 - Victor Langlois (1829-1869) / Fonte: Wikimedia ([1861], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia, em preto e branco, de Victor Langlois. Ele está trajando
uma roupa trabalhada com vários emblemas localizados à esquerda.

Em conformidade com Langlois e Seignobos (1946), é possível conhecer os fatos


de duas maneiras: 1) de forma direta: presenciando os acontecimentos; 2) de
forma indireta: analisando-os pelos traços que deixaram, ou seja, pelos docu-
mentos (vale lembrar que, esses autores, ao se referirem a documentos, estão
apontando para aqueles de natureza oficial). Assim, a história não poderia ser
considerada uma ciência direta, já que não é observável:

145
UNIDADE 4


Só pelos traços que deixaram podem os fatos passados ser por nós
conhecidos. Estes traços denominados “documentos”, são observados
diretamente pelo historiador, é verdade; mas, depois de os examinar;
nada mais há a observar, a partir daí o historiador procede por via de
raciocínio, para tentar extrair dos traços, até onde isto for possível, a
verdade dos fatos. O documento é o ponto de partida; o fato passado
o de chegada. Entre o ponto de partida e o de chegada é possível
percorrer uma série complexa de raciocínios, encadeados uns aos
outros, onde a possibilidade de erros são inúmeras. O menor erro,
quer seja cometido no princípio, no meio ou no fim do trabalho, pode
viciar todas as conclusões. O método “histórico”, ou indireto, é por tal
motivo visivelmente inferior ao método de observação direta, mas os
historiadores não têm que escolher: ele é o único para atingir os fatos
passados (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 45).

Assim, temos que a história é uma ciência indi-


reta, a qual só é possível conhecer por meio de
um método detalhado de análise documental,
os quais trazem informações sobre as ações dos
indivíduos no passado. Dessa forma, segundo
Langlois e Seignobos (1946, p. 46), é necessário
“reconstituir toda a série de causas intermediá-
rias que produziram o documento”, procuran-
do enumerar os atos do seu autor de forma que
reconstituísse o acontecimento da maneira
mais fidedigna possível. Assim, acreditava-se
que seria possível chegar a um conhecimento
histórico científico.
Figura 8 - Charles Seignobos (1854-1942) / Fonte: Wikimedia ([2021c], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia, em preto e branco, de Charles Seignobos. Ele está
trajando terno e utilizando óculos pequenos que não possuem pernas, por isso, os óculos estão apoiados,
apenas, no seu nariz. Ele é calvo e possui barba e bigode.

Posterior à fase da Heurística (escolha de documentos), o método desenvolvi-


do por Langlois e Seignobos (1946) informa que o próximo passo é a Crítica
Externa ou Crítica de Erudição, a qual objetiva analisar aspectos gerais do

146
UNICESUMAR

documento, tais como: “[...] produção, conservação, escrita, linguagem, formas”


(AMÂNCIO; IPÓLITO; PRIORI, 2010, p. 84).
A Crítica de Procedência é feita na sequência. Esta fase consiste em iden-
tificar elementos, tais como: o lugar de origem do documento, o seu autor e a
data em que foi escrito. Após estas etapas, os historiadores deveriam organizar os
documentos, classificando-os e ordenando-os. Para Langlois e Seignobos (1946),
o sistema de fichas era o mais eficiente para esse processo. É óbvio que, hoje em
dia, com o uso das tecnologias, falar em fichas parece algo ultrapassado. Devemos
lembrar que os autores mencionados escreveram em 1898, e que o uso de compu-
tadores, scanners, leitoras digitais, entre outros recursos tecnológicos, inexistiam,
por isso, para eles, o recomendável era que se utilizasse o sistema de fichas:


Todos admitem, hoje, a conveniência em transpor os documentos
para as fichas. Cada texto é anotado em folha separada, móvel,
provida de indicações de procedência tão precisas quanto possível.
As vantagens deste artifício são evidentes: a mobilidade das fichas
permite classificá-las à vontade, em um sem-número de combi-
nações diferentes, segundo as necessidades; é fácil reunir todos
os textos da mesma espécie e fazer, em cada grupo, as intercala-
ções exigidas pela descoberta de novos documentos (LANGLOIS;
SEIGNOBOS, 1946, p. 73).

Após esses passos, denominados Crítica Externa e que consistiam em identificar


a procedência e realizar a classificação dos documentos, o historiador poderia se
dedicar à efetivação da Crítica Interna, denominada Hermenêutica, “[...] que
tem como objetivo a interpretação crítica dos documentos, discernindo o que
pode ser aceito como verdadeiro” (AMÂNCIO; IPÓLITO; PRIORI, 2010, p. 85).
De acordo com Langlois e Seignobos (1946, p. 103), “analisar um documento é
discernir e isolar todas as ideias expressas pelo autor”, identificando o sentido
literal, ou seja, a operação linguística, e o sentido real do documento. Dessa forma,


Quando, finalmente, obtivemos o verdadeiro sentido do texto, está
concluída a operação de análise objetiva. O resultado é dar a conhe-
cer as concepções do autor, as imagens que lhe povoam o espírito,
as noções gerais que lhe modelavam uma representação pessoal do

147
UNIDADE 4

mundo. Deste modo atingimos as opiniões, as doutrinas, os conhe-


cimentos (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 109).

Além disso, Langlois e Seignobos (1946) recomendavam ao historiador realizar,


ainda, cinco operações, quais sejam:

1. Comparar vários documentos para identificar um acontecimento.

2. Formar quadros gerais dos acontecimentos identificados, trazendo in-


formações adicionais, como as condições naturais (clima, geografia, entre
outros), os produtos materiais (agricultura, comércio, indústria etc.), os
grupos sociais (clãs, classes, famílias etc.) e as instituições políticas (admi-
nistração, governo, justiça, entre outros).

3. Ligar os fatos uns aos outros com o objetivo de entender as lacunas


existentes entre um e outro documento.

4. Feito isso, o historiador deverá selecionar algum documento em que se


aprofundará.

5. Deverá analisar o fato escolhido, mas “sem manter a ilusão de penetrar


no mistério das origens das sociedades” (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 105).

148
UNICESUMAR

OLHAR CONCEITUAL

O MÉTODO HISTÓRICO NA ESCOLA


METÓDICA OU POSITIVISTA
ELABORADO POR LANGLOIS
E SEIGNOBOS (1946).

1) HEURÍSTICA
SELEÇÃO DE DOCUMENTOS

2) CRÍTICA EXTERNA OU
CRÍTICA DE ERUDIÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DOS DOCUMENTOS
DE ACORDO COM OS SEUS ASPECTOS
GERAIS: PRODUÇÃO, CONSERVAÇÃO,
ESCRITA, LINGUAGEM, FORMAS,
ENTRE OUTROS.

3) CRÍTICA DE PROCEDÊNCIA
QUANDO (DATA DO DOCUMENTO)?
QUEM (AUTOR DO DOCUMENTO)?
ONDE (LUGAR DE ORIGEM DO
DOCUMENTO)?

4) CRÍTICA INTERNA
(HERMENÊUTICA)
SEPARAR O QUE É O PENSAMENTO/
IDEIA DO AUTOR DO QUE É DE FATO
(VERDADEIRO) PARA CHEGAR AO
QUE OS METÓDICOS DENOMINAVAM
“SENTIDO REAL DO DOCUMENTO”.

Figura 9 - Infográfico sobre o método histórico na Escola Metódica ou Positivista


Fonte: a autora.

149
UNIDADE 4

Seguindo todos esses passos, Langlois e Seignobos (1946) acreditavam que era
possível elaborar um conhecimento histórico científico.


Após 1929, com o desenvolvimento da Escola dos Annales, há uma
ampliação do conceito de documento, surgindo uma crítica con-
tundente a essa forma positivista de se encarar o conhecimento
histórico. Apesar do apego irrestrito ao documento escrito, como
único capaz de permitir a reconstituição de fatos passados, a Es-
cola Metódica foi importante no sentido de fornecer os princípios
metodológicos para o trabalho do historiador. Isso não podemos
negar. Mesmo que hoje haja uma multiplicidade de métodos e fontes
documentais, ainda faz parte do ofício do historiador a seleção, a
classificação e análise dos documentos. Afinal, só podemos conhe-
cer os fatos passados mediante a análise das fontes documentais
(AMÂNCIO; IPÓLITO; PRIORI, 2010, p. 86).

Foi, portanto, a partir da segunda metade do século XIX, momento em que a


História se constituiu como disciplina acadêmica, que foram construídos mode-
los metodológicos científicos rigorosos, sendo o da Escola Metódica o pioneiro
nesse sentido e que, também, permitiu traçar pistas que pudessem avaliar a au-
tenticidade documental.
Inspirados no racionalismo, os filósofos do século XIX afirmavam que a hu-
manidade estaria caminhando para um futuro de progresso e evolução. Incor-
porando este pensamento, os historiadores da Escola Metódica conceberam a
história como essencialmente política e, segundo tais pressupostos, sua escrita
deveria se pautar na objetividade, ou seja, descrever, fielmente, os acontecimentos.
A narrativa de acontecimentos, nessa vertente, como vimos, se fundamentava,
exclusivamente, em documentos oficiais, pois, conforme Zanirato (1999, p. 94),
“concentrado nos grandes feitos e nos grandes homens, o resto da humanidade
permanecia destinado a um papel secundário na história”.


[...] no século XX, houve uma verdadeira revolução sobre o que se
entendia por documento [...]. Peter Burke [...] ressaltou essa mu-
dança e afirmou que a historiografia do século XX (sobretudo a
francesa, representada pelos Annales) questionou a objetividade
e a autenticidade relegada ao documento escrito pelos integrantes

150
UNICESUMAR

da Escola Metódica (Positivista) no século XIX. E enfatizou que a


história dos “grandes homens” era uma história “vista de cima”, e por
isso não contemplaria todas as esferas e grupos sociais. O resulta-
do desse embate foi um significativo aumento das possibilidades
de fontes a serem utilizadas pelos historiadores em suas pesquisas.
Além disso, a subjetividade na escrita da história foi reconhecida e
constatou-se a existência de história “das massas”, “vista de baixo” e
até, como propôs Harvey Kaye [...], uma história “vista de baixo para
cima” (IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 34).

Antes de se transformar em uma ciência, a história era transmitida de forma oral,


geralmente, por estudiosos amadores denominados “antiquários”. Com o advento
do Renascimento e do Iluminismo, ocorridos, respectivamente, nos séculos XVI
e XVII, adotam-se novas regras e novos métodos que permitirão falar em rigor
científico. Assim, na saga de se transformar, também, em um conhecimento cien-
tífico, as narrativas de cunho histórico rompem com a religião, e a fé cedeu lugar
para a razão, pois a história estava se enquadrando aos pressupostos racionais.
Nesta conjectura, o passado passa a ser visto como isolado do presente, e a noção
de tempo passa a ser linear, irreversível e progressiva.

EXPLORANDO IDEIAS

História episódica (événementielle): termo depreciativo para se referir à história dos fatos,
dos acontecimentos, ou à história dos grandes feitos e dos grandes indivíduos, perspec-
tiva realizada pela Escola Metódica ou Positivista. Esse termo foi lançado por Fernand
Braudel, um dos historiadores da Escola dos Annales, na sua obra Mediterrâneo.
Relação entre passado e presente: preocupação manifestada pelos historiadores da Esco-
la dos Annales. Esta expressão significa que são as problemáticas do tempo presente que
atribuem sentido ao estudo da História, tanto na academia quanto em sala de aula. Assim,
os conteúdos disciplinares são considerados mais atrativos quando estabelecem uma co-
nexão com a realidade do aluno. A comparação entre passado e presente favorece, ainda,
o desenvolvimento de noções de permanência, ruptura, continuidade e mudança.

Quando a Escola Metódica ou Positivista surge, em pleno século XIX, os esforços


estavam concentrados em modelar os conhecimentos sociais (e históricos) ao
conceito de ciência proposto pelo paradigma iluminista. Para isso, integrantes
dessa vertente elegem o documento como método, explorando-o em sua forma

151
UNIDADE 4

sequencial, descritiva e oficial. Primou-se pela narrativa de fatos políticos e mi-


litares, ditos na forma convencional, como sendo a história dos grandes feitos e
dos grandes indivíduos, os quais passaram a ser, recorrentemente, presentes na
escrita da história.


O desenvolvimento do capitalismo comercial-industrial, as revolu-
ções liberais da Inglaterra e da França, ocorridas, respectivamente,
nos séculos XVII e XVIII e a independência [...] [estadunidense],
ocorrida também no século XVIII, destacaram o papel da burgue-
sia e do Estado na defesa de posições imperialistas e na adesão do
liberalismo como política governista. A considerada “voracidade em
acumular capital” rendeu debates, nos quais o assunto central era a
exploração da recém-formada classe operária. As condições de vida
desses trabalhadores influenciaram o pensamento de Karl Marx e
o levou a escrever “O Capital”, obra em que defende a concepção
de que a estrutura econômica é a base da sociedade. Opondo-se
ao liberalismo, a teoria do materialismo dialético de Marx defende
que a luta entre as classes dominantes e dominadas dão sentido à
história (IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 35).

De forma distinta ao que foi proposto


pelos integrantes da Escola Metó-
dica e oferecendo um paradigma
diferente, Karl Marx (1989) defen-
dia que as causas que deram movi-
mento à história eram as tensões existentes
no seio da sociedade. Fornecendo um novo mo-
delo, a abordagem marxiana sugeriu um novo
tratamento em relação ao documento, o qual,
nesta percepção, deveria ser estudado de acordo
com o processo histórico e desde que se considerasse
a perspectiva dos dominantes e dos dominados, sabendo que estas
oposições, por meio da luta de classes, dão movimento à história.

152
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: A Fuga das Galinhas


Ano: 2000
Sinopse: esta animação é imperdível para ajudar os alunos a com-
preenderem conceitos como socialismo, comunismo, revolução e
luta de classes. Na granja da senhora Tweedy, as galinhas bolam estratégias
para fugirem. Determinadas, unidas e, também, contando com a sorte, as
galinhas elaboram planos para que a liberdade tão almejada se concretizas-
se. Esta dica de filme é ótima para que você, aluno(a), enquanto futuro(a)
professor(a) de História, possa ampliar a visão de seus alunos, mostrando a
eles que, mesmo filmes considerados infantis, como as animações, podem
abordar conceitos tão caros à história. Pegue a pipoca e assista, com um
olhar crítico, a esse filme!

Contrariando a perspectiva metódica ou positivista, a abordagem fornecida


por Marx introduziu a crítica documental, no sentido de poder filtrar das
fontes os anseios e interesses das classes trabalhadoras. Sobre isso, Janotti
(2005, p. 11) comenta que


[...] a coleta e interpretação das fontes – antes focada na área política e
na atuação dos grandes personagens – para documentos sobre ativi-
dades econômicas, devassando-se cartórios, processos judiciais, censos,
contratos de trabalho, movimentos de portos, abastecimento e outros
de cunho coletivo e reivindicatório. A historiografia social e econômica
sobrepujou a política na preferência dos historiadores que investigaram
as estruturas básicas sobre as quais a política se assentava.

Na perspectiva marxiana, a orientação era abordar o documento observando


as estruturas econômicas e deixando de lado as intenções dos indivíduos. Em
comum, tanto a Escola Metódica quanto a vertente marxiana veem o documento
como algo, essencialmente, objetivo, e o tempo marcado pela linearidade, evolu-
ção e um rumo predeterminado (passado, presente e futuro).

153
UNIDADE 4

PENSANDO JUNTOS

“A história não é outra coisa senão uma sucessão de várias gerações, cada uma delas ex-
plorando a matéria, os capitais e as forças produtivas legadas pelas que as precederam.
Isto quer dizer que, por um lado, prosseguem elas – em condições plenamente distintas
– a atividade precedente, enquanto que, por outro lado, modificam as circunstâncias an-
teriores mediante uma atividade humana totalmente diversa”.
(Karl Marx)

Em fins do século XIX, já havia questionamentos sobre estas abordagens docu-


mentais e grande parte deles partiam de historiadores franceses. Podemos dizer
que foi a partir de 1929, com a criação da revista Annales d’histoire économique
et sociale, que houve mudanças significativas no trato com o documento. Com
esta mudança, o tempo histórico permitiu ultrapassar a visão limitada a um fato
específico e instituiu uma nova perspectiva: que começasse a ser abordado de-
terminado assunto em uma perspectiva de longa duração.

PENSANDO JUNTOS

“Se ninguém me pergunta o que é o tempo, acredito que sei, todavia se tiver que respon-
der ou explicar a quem me perguntar, tenho que responder que já não sei”.
(Santo Agostinho)

O tempo é algo fundamental na História. Os historiadores não


têm o poder de voltar ao tempo e, muito menos, de alterá-lo.
E já que não temos uma máquina do tempo, como na trilogia
De Volta para o Futuro, devemos nos debruçar nas análises
dos documentos numa dada conjuntura histórica. Quer saber
mais? Então não deixe de ouvir o nosso podcast sobre o tempo
histórico. Lhe aguardo!

154
UNICESUMAR

Com o movimento dos Annales, ocorrido na década de 20, houve considerável


ampliação no campo documental: o tempo histórico que era, com os metódicos,
restrito ao fato, ultrapassa a barreira do acontecimento e passa a ser visto como
um processo, algo de longa duração.


Com o movimento dos Annales houve uma considerável ampliação
no campo documental: fontes orais, objetos, ícones etc., superaram a
exclusividade do testemunho escrito no âmbito das fontes. Os sujeitos
analisados nessa perspectiva não são somente os dominantes e os
dominados, mas também os marginalizados (prostitutas, mendigos,
ladrões etc.), abrindo uma maior possibilidade de diálogo entre o his-
toriador e a fonte. Essa subjetividade é vista pelas gerações dos An-
nales como um ponto positivo e enriquecedor na narrativa histórica,
pois permite ao historiador questionar, problematizar e confrontar
as fontes de pesquisa. Por isso, para essa nova história, o passado não
se isola do presente, mas é abordado a partir das questões levantadas
por ele (IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 36).

Vimos que cada corrente historiográfica ou escola, como são, comumente, cha-
madas, possui uma abordagem distinta no que diz respeito ao método histórico,
ao trato com as fontes e às orientações gerais que norteiam o trabalho do histo-
riador. Para fazer os seus alunos compreenderem a diferença entre estas corren-
tes distintas, sugiro que você peça a eles que tragam (por meio de fotos, cópias
ou afins) exemplos de documentos que são considerados fontes históricas, nas
três vertentes, aqui, analisadas, quais sejam: 1) Escola Metódica ou Positivista; 2)
Marxismo; 3) Escola dos Annales. Assim, o(a) aluno(a) refletirá sobre as caracte-
rísticas gerais de cada escola e o que cada uma considerava ser fontes históricas
válidas. Que tal propor este desafio prático? Vamos lá!

155
Nesta unidade, vimos como algumas vertentes historiográficas (Escola Metódica
ou Positivista, Marxismo e Escola dos Annales) abordam a questão do método
histórico e, consequentemente, orientam o trabalho do historiador em relação ao
documento. Agora, você, acadêmico(a), elaborará um Mapa Mental, sintetizando
as principais características em relação à forma como o documento e o trabalho
do historiador são pensados em cada uma dessas vertentes.
A técnica do mapeamento mental é de suma importância para estruturar o que
você aprendeu e, ao mesmo tempo, organizar os seus pensamentos, de forma a
apresentá-los a outras pessoas. Você pode realizar o seu Mapa Mental aqui mes-
mo, no livro. Mas, caso prefira, utilize uma ferramenta online, como o MindMeister
ou o Goconqr. Fica a dica! Agora, vamos elaborar o seu mapa mental? Mãos à obra!

156
5
A Nova História
Política e os
Modelos de
Leitura do
Político
Dra. Verônica Karina Ipólito

Na Unidade 5, você aprenderá sobre a Nova História Política e as varia-


das formas de compreender as análises políticas. Dessa forma, terá a
oportunidade de conhecer os problemas, os objetos e as abordagens
da História Política, as suas dimensões de poderes e os debates que
acentuaram o seu percurso e as suas perspectivas.
UNIDADE 5

Quando falamos da história do casamento da Idade Média Ocidental, podemos


definir que o século XI foi um momento decisivo. Afinal, ele passou a ser visto
como algo para disciplinar a sexualidade e como uma prática para o estabele-
cimento da moral, conciliando conselhos cristãos e normativas civis. Para que
o casamento não tivesse tantos aborrecimentos assim, regras foram criadas e,
em alguns casos, os casais até poderiam recorrer ao rei para tentar apaziguar
discussões matrimoniais. Mas, por que falar de casamento em uma unidade que
se propõe a discutir acerca da História Política?
Esta junção de aspectos culturais com políticos, econômicos, entre outros, na
pesquisa histórica, é fruto de um processo longo e contínuo. Hoje, falar de His-
tória do amor, do casamento, do medo e, pasmem, até de partes do corpo, pode
ser atraente e curioso, eu sei. Mas, em termos de pesquisa e escrita histórica, nem
sempre isso foi considerado como objeto de estudo. Para tanto, os historiadores
ampliaram o leque de possibilidades, englobando documentos de naturezas va-
riadas e incorporando temas considerados corriqueiros, mas sem deslocá-los de
uma realidade social mais ampla. Isso quer dizer que esses outros estudos his-
tóricos fazem parte do contexto social, político e econômico de dada sociedade.
E, você, aluno(a)? Já pensou em como compreender a política, a sociedade, os
costumes, a economia de dada sociedade, analisando, por exemplo, os rituais ma-
trimoniais que a mesma faz? Pois é, a política não está atrelada apenas a partidos
e eleições, e todas as pessoas, de alguma forma, podem ser consideradas agentes
políticos. Convido-o(a) a refletir sobre estas questões, a identificar e a anotar
práticas cotidianas que possam ser consideradas típicas de um agente político.
A história tradicional, representada pela Escola Metódica ou Positivista, con-
siderava válidos, como documentos históricos, apenas aqueles que fossem oficiais
e escritos. Ao historiador era vedado qualquer tipo de interpretação, uma vez que
o objetivo era fazer da história uma ciência e, aos moldes, à época, da concepção
de ciência, o trabalho do historiador deveria ser o mais objetivo possível. Após
mudanças na escrita da história serem experienciadas no século XX, todos os
vestígios de presença humana ao longo do tempo poderiam ser considerados
documentos históricos.
Atrelado a isso, a abordagem política supervalorizada na história tradicional
e um tanto quanto negligenciada pelos Annales ganha nova roupagem a partir
dos anos 70. Diante disso, questiono: você, aluno(a), se considera um ser político?
Quais aspectos do seu cotidiano levam a crer na resposta dada à questão anterior?

158
UNICESUMAR

Registre as suas impressões no Diário de Bordo e nos aprofundaremos mais neste


assunto! Vamos lá?

(a) (b)

Figura 1 - Os fundadores da Escola dos Annales: (a) Marc Bloch; (b) Lucien Febvre
Fonte: Wikimedia (2011, on-line) e Wikimedia ([2021], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é a junção de duas fotografias, ambas em preto e branco. Na fotogra-
fia (a), temos o historiador Marc Bloch, com óculos, bigode e cabelos calvos. Na fotografia (b), temos o
historiador Lucien Febvre, posando para a foto em pé e ajeitando o seu blazer com as mãos. Ele aparece
calvo, sem óculos e sem barba.

159
UNIDADE 5

O que se convencionou chamar de “revolução” documental na historiografia (LE


GOFF, 1992) está atrelada ao surgimento da Escola dos Annales. Ao reafirmar
essa alteração, Peter Burke (1992) salienta que tal mudança foi fundamental, pois
colocou em xeque a objetividade e a autenticidade delegadas ao documento escrito,
a exemplo da metodologia proposta pela Escola Metódica ou Positivista, no século
XIX. Além disso, as transformações propostas pelos Annales condenaram a história
dos “grandes feitos” e dos “grandes indivíduoss”, tão destacada pelos positivistas.
Em consonância com os membros dos Annales, contemplar, apenas, esses
aspectos da história seria uma perspectiva reducionista, pois, traria, somente, a
visão dos “de cima”, sem abarcar todas as esferas e todos os grupos sociais. Este
embate trouxe uma certeza: com a proposta do movimento dos Annales, au-
mentaram as possibilidades documentais a serem utilizadas pelos historiadores.
Constatou-se que a subjetividade pode estar presente na análise de uma fonte,
desde que tenha embasamentos científicos e, neste caso, considerou-se que a
interpretação faz parte da análise científica, além de reconhecer a necessidade
de múltiplas interpretações, desde uma história “vista de baixo” até uma “história
vista de baixo para cima” (KAYE, 1989, p. 201).

NOVAS DESCOBERTAS

Quase sempre os documentários não prendem a nossa atenção, não


é mesmo? Mas você mudará de opinião ao assistir a este documen-
tário aqui: Nós que aqui estamos, por vós esperamos, lançado no
ano 2000. A proposta desta produção de Marcelo Masagão é trazer
a memória sobre o século XX, partindo da análise de vida de perso-
nagens reais e ficcionais, e o que é mais importante para a nossa discussão:
de pequenos e grandes personagens que viveram no século XX. Por meio
deste documentário, perceberemos que, assim como propuseram os histo-
riadores, a partir da geração dos Annales, a história engloba não, apenas, os
“grandes feitos” e os “grandes indivíduoss”, mas ela é, também, fruto de pes-
soas como eu e você, de pessoas que passaram como anônimas em meio
a um turbilhão de acontecimentos que ocorreram no século passado. Sem
dúvidas, é muito importante assistir.

160
UNICESUMAR

Você deve estar se perguntando: “se a Escola Metódica introduziu uma metodo-
logia em História, partindo da análise documental, como a História era contada
antes de isso acontecer? ”. Sabemos que o século XIX foi decisivo para a implan-
tação de uma abordagem científica, ainda que defendesse uma história “vista
de cima” e com traços, extremamente, objetivos. Antes de tudo isso acontecer, a
história era transmitida, via oral, por estudiosos amadores, mais conhecidos como
“antiquários”. O Renascimento e o Iluminismo, ocorridos nos séculos XVI e XVII,
trouxeram a necessidade de explicação científica, pautada em uma metodologia
sem a qual um campo do conhecimento não poderia ser intitulado como ciência.


Essa nova preocupação trouxe mudanças na narrativa histórica, eli-
minando a explicação conjectural e exigindo um rigor “científico”.
Rompeu-se com a religião e a fé deu lugar à razão. Houve mudanças
na noção de ciência como também na explicação histórica. Os con-
ceitos da história começam a se adequar aos pressupostos racionais.
O tempo passa a ser linear, progressivo e irreversível, sendo o pas-
sado considerado um objeto em si e, portanto, isolado do presente
(IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 36-37).

Apesar das críticas, devemos reconhecer que a Escola Metódica ou Positivista


simbolizou um avanço, pois foi pioneira no processo de adequar os estudos da
sociedade, como a história, em consonância com o modelo iluminista. Com este
intuito, o documento passou a embasar a metodologia científica; a análise docu-
mental, nesses moldes, deveria ser a mais objetiva possível e, para isso, o docu-
mento oficial, considerado ideal, era apresentado, sequencialmente, e abordado de
forma descritiva. A partir do século XVIII, essa metodologia para fazer história
passou a ser utilizada e, ao priorizar a narrativa dos fatos políticos e militares, co-
meçou a ser considerada “a história dos grandes feitos e dos grandes indivíduos”.

161
UNIDADE 5

Figura 2 - Estátua do historiador (“antiquário”) Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.) localizada em Viena, na Áustria

Descrição da Imagem: a imagem é uma estátua do historiador (antiquário) Tito Lívio. Nesta escultura,
Tito Lívio está sentado, segurando um tablado com as mãos, como se estivesse analisando algo. Essa
estátua fica em frente à sede do parlamento, em Viena, na Áustria.

A ênfase nos aspectos políticos e militares na escrita da história passou a ser


questionada quando mudanças contextuais impactaram o mundo e, consequen-
temente, novas formas de pensar vieram à tona. A atuação cada vez mais forte do
capitalismo comercial-industrial, as revoluções liberais ocorridas na Inglaterra
e na França, durante os séculos XVII e XVIII, bem como a independência esta-
dunidense, que também aconteceu no século XVIII, impulsionaram a burguesia
e o Estado na prática da cartilha liberal como princípio básico de sua política,
assim como a defesa de ações imperialistas.
Em meio a essas mudanças, surgiram debates que acusavam o capitalismo
impiedoso de acumular capital às custas da classe operária. Um destes críticos
foi Karl Marx (1989), que, em sua famosa obra intitulada O Capital afirma que a
estrutura econômica é a base da sociedade. A teoria do Materialismo Dialético,
elaborada por Marx, sustenta que a história se movimenta por meio de embates
entre opositores, ou seja, entre grupos dominantes e dominados, em um processo
que ele convencionou chamar de luta de classes (MARX, 1989).

162
UNICESUMAR

Pela sua análise, podemos considerar que Marx inaugurou um novo paradig-
ma na escrita/pesquisa em História, pois “argumentava que as causas essenciais da
mudança histórica deveriam ser localizadas nas tensões existentes no interior das
estruturas socioeconômicas” (IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 35). Com
esse intuito, o trato marxiano em relação às fontes foi completamente diferencia-
do: a fonte era analisada em seu contexto histórico e deveria ser averiguada sob as
perspectivas de dominantes e dominados (luta de classes). O foco de interesse, na
visão marxiana, era fazer uma ácida crítica à especulação filosófica e apresentar,
no estudo das fontes, visões que apresentassem as aspirações e os interesses das
classes trabalhadoras.
O trabalho com documentos na abordagem do Materialismo Dialético, apre-
sentado por Marx, reforçava a necessidade de priorizar as estruturas em de-
trimento das intenções dos indivíduos. Nessa perspectiva, portanto, deveria-se
enfatizar os mecanismos econômicos, pois acreditava-se que eles dariam conta
de explicar todos os outros aspectos que envolvem as relações sociais em deter-
minado tempo e espaço. Se estabelecermos um paralelo entre a Escola Metódica
ou Positivista e o Materialismo Dialético, podemos dizer que ambas “decretaram
às fontes uma existência objetiva em que o curso do tempo é marcado pela cadeia
de atos que exprimem as mudanças sucessivas dos acontecimentos. Tal como no
positivismo, o tempo continua linear, evolutivo e com uma direção pré-determi-
nada (passado, presente e futuro)” (IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 36)
A partir de 1929, com a criação da revista Annales d’histoire économique
et sociale, é possível notar mudanças substanciais em relação ao trato com o
documento. Para este movimento, o tempo não é unívoco e linear, muito menos
estaria restrito ao fato, uma vez que pode ser visto em uma “longa duração”, ou
seja, como um processo histórico e não um acontecimento isolado. O conceito
de “longa duração”, aliás, foi criado por Fernand Braudel (1978) como uma forma
de associar o tempo a diversas dimensões, seja de repetição, seja de permanência,
mudanças lentas, entre outras.

PENSANDO JUNTOS

“Constitui um documento toda fonte de informação de que o espírito do historiador sou-


be extrair alguma coisa para o conhecimento do passado humano, considerando sob o
ângulo da questão que lhe foi proposta”.
(Henri-Irénée Marrou)

163
UNIDADE 5

O movimento dos Annales foi singular ao provocar uma verdadeira revolução na


escrita da história. Uma das alterações promovidas por este grupo foi a ampliação
da natureza das fontes: não, apenas, escritas, mas imagéticas, orais, palpáveis etc.
A variedade na tipologia das fontes fez com que os Annales superassem a exclu-
sividade do testemunho escrito no campo documental. Mudaram-se as fontes e,
consequentemente, incluíram-se novos personagens: não mais os dominantes e
dominados, mas os marginalizados, a exemplo de prostitutas, bêbados, ladrões,
mendigos, entre outros.
A inclusão, no âmbito da pesquisa, desta multiplicidade de fontes, foi de suma
importância, pois permitiu mais possibilidade de diálogo entre o historiador
e a fonte. A subjetividade, neste movimento, era vista como algo natural e que
contribuísse para a pesquisa em história, pelo fato de que daria mais liberdade
ao historiador para problematizar, questionar e confrontar as fontes. Portanto,
analisar o passado, nessa perspectiva, é partir de questões e inquietações perti-
nentes no presente.

Figura 3 - Na Escola Metódica, no século XIX, o documento era, exclusivamente, escrito e oficial. Já
com o movimento dos Annales, as fontes históricas passam a ser variadas, podendo ser escritas,
iconográficas, em forma de depoimentos etc. / Fonte: Pexels ([2021a], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia na qual vemos um livro aberto e, em cima dele, estão
um par de óculos e uma lupa.

164
UNICESUMAR

Os membros dos Annales consideravam superficial a análise documental como


era feita na Escola Metódica. A partir desta crítica, elaboraram uma nova meto-
dologia que ficou conhecida como História-problema, a qual pressupunha que a
busca e a interpretação das fontes deveriam partir do historiador, algo impensável
para os metódicos, que utilizavam, somente, documentos oficiais. Além disso, na
História-problema, não havia o triunfo de um aspecto em detrimento de outros,
pois os integrantes do movimento dos Annales defendiam que toda a ação hu-
mana era relevante e que não se poderia eleger, somente, o aspecto político (como
fizeram os metódicos ou positivistas) ou o econômico (de forma similar ao que
foi feito entre os adeptos do Materialismo Dialético de Marx).
Dessa forma, pode-se dizer que a ampliação da noção de documento enri-
queceu o trabalho do historiador e contribuiu para a escrita de uma história com
múltiplas interpretações e possibilidades de explorar fontes de naturezas variadas,
como destaca Lucien Febvre (1985):


A história se faz com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles
existem. Mas ela pode fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos
escritos, se não os houver. Com tudo [sic], o que o engenho do his-
toriador pode permitir-lhe utilizar para fabricar o seu mel, à falta de
flores habituais. Portanto, com palavras. Com signos. Com paisagens
e telhas. Com formas de cultivo e ervas daninhas. Com eclipses da
lua e cangas de boi. Com exames de pedras por geólogos e análises
de espada de metal por químicos. Numa palavra, com tudo aqui-
lo que pertence ao homem, depende do homem, serve o homem,
exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as
maneiras de ser do homem (FEBVRE, 1985, p. 249).

165
UNIDADE 5

Figura 4 - Perfil da máscara mortuária do faraó egípcio


Tutancâmon (c. 1341 a.C.- 1323 a.C.). Com a revolução nas
fontes promovida pelos Annales, peças como essas podem
ser analisadas e utilizadas pelos historiadores em suas pes-
quisas / Fonte: Pexels ([2021b], on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia da más-


cara mortuária do faraó egípcio Tutancâmon. Ela é toda
dourada com detalhes coloridos.

Um exemplo de ampliação das fontes promovi-


da pelo movimento dos Annales foi a história
oral. Introduzida na pesquisa histórica nos Es-
tados Unidos e em países da Europa, a história
oral foi singular, neste momento, pois deu voz
aos excluídos e marginalizados.

Jacques Le Goff [...] afirma que não basta haver uma diversidade documental
na pesquisa histórica. Abordando diretamente a postura do historiador, Le Goff
defende a crítica em profundidade iniciada pelos fundadores dos Annales, que
puseram em discussão o documento como tal. Nesse sentido, o historiador não
deve assumir o papel de ingênuo. Compete a ele problematizar o documento, não
isolando-o de sua realidade. Por isso, Le Goff afirma que todo documento não é
inofensivo. Trata-se, evidentemente, de um instrumento de poder. A escolha do
historiador em selecionar um documento em detrimento do outro, atribui um
“valor de testemunho”, que garante, ao contrário do que os positivistas pensavam,
uma escolha pessoal e, portanto, subjetiva. Os documentos, que outrora falavam
aos positivistas, hoje murmuram nos ouvidos dos pesquisadores. Desmistificar
o significado aparente do testemunho vai muito além da simples compilação
dos escritos. Exige do profissional da história uma preparação e adequação com
os preceitos de interpretação, análise e problematização da disciplina histórica
(IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 37-38).
A busca pela autenticidade documental vem desde a Idade Média e se acen-
tuou depois do Renascimento. Esta preocupação é ressignificada quando Paul
Zumthor constrói a relação documento/monumento. Em consonância com Ja-
cques Le Goff, o autor se refere à transformação do documento em monumento
quando ocorre “sua utilização pelo poder” (ZUMTHOR apud LE GOFF, 1992, p.
543). Seguindo esse raciocínio, podemos afirmar que todo o documento perma-

166
UNICESUMAR

nece como monumento, pois, geralmente, é utilizado para testemunho de poder


independentemente de sua natureza (escrito, imagético, arquitetônico, escultural
etc.). Esse poder permanece na memória coletiva, a qual sempre relembra as gera-
ções futuras, tentando recordá-las sobre a força e a importância que essa memória
possui. Le Goff (1992) faz uma análise etimológica da palavra monumento:


A palavra latina monumentum remete para a raiz indo-europeia
men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens),
a memória (meminí). O verbo monere significa “fazer recordar”, de
onde “avisar”, “iluminar”, “instruir”. O monumentum é um sinal do
passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é
tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação,
por exemplo, os atos escritos. Quando Cícero fala dos monumenta
bujus ordinis [Philippicae, XIV, 41], designa os atos comemorativos,
quer dizer, os decretos do senado. Mas, desde a Antiguidade romana
o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma
obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco do triunfo,
coluna, troféu, pórtico etc.; 2) um monumento funerário destina-
do a perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a
memória é particularmente valorizada: a morte (LE GOFF, 1992, p.
536, grifos do autor).

Como vimos, no século XIX, os metódicos consideravam documento e, portanto,


monumento, os “atos escritos”, isto é, fontes jurídicas ou políticas que fossem con-
sideradas oficiais e, geralmente, eram organizadas em coleções de documentos
como forma de engrandecer a história de um povo ou país. Por isso, são comuns
as coletâneas produzidas até a primeira metade do século XIX, como Monumenta
Germaniae historica, Monumenta historiae patrie, Monumenti di storia patria
delle provincie modenesi, entre outras. A noção de documento/monumento é im-
portante, pois “direciona o historiador a uma crítica dos documentos enquanto
patrimônio de uma sociedade, defendendo uma história-problema, como proposta
pelos Annales” (IPÓLITO; PRIORI; AMÂNCIO, 2010, p. 39, grifo dos autores).
O documento como monumento é avaliado por uma crítica interna, nas
quais são considerados aspectos referentes às suas produções e à intencionali-
dade (consciente ou inconsciente) de quem o confeccionou. Esta avaliação crí-
tica em documentos de naturezas variadas permite resgatarmos o cotidiano de

167
UNIDADE 5

determinada época e de personagens históricos, muitas vezes, marginalizados ou


esquecidos pela história dita tradicional.
Assim, a partir dos Annales, temos a percepção, cada vez mais nítida, de
que ao historiador compete compreender e não julgar a história. Um dos ofícios
dele, inclusive, passou a ser a problematização, ou seja, a inaceitabilidade das
coisas como elas são dadas. Como nos diz Febvre (1985), é necessário elaborar
problemas e formular hipóteses quando se está diante de um objeto de pesquisa.
Assim, será possível falarmos em um conhecimento, cientificamente, elaborado.


Por isso, o primeiro passo para a pesquisa é uma análise preliminar
da documentação disponível e seleção de um corpo documental
considerado útil ao tema pretendido. Diante da documentação dis-
ponível, o profissional da história deverá, partindo das hipóteses
formuladas, realizar a comparação ou a refutação das fontes. Para
isso, é necessário que o historiador tenha em mente que o docu-
mento não é, em princípio, o que se acreditava que fosse. É preciso
[...] questioná-lo. Existem várias condições que justificam o apareci-
mento de um dado objeto. A análise de um discurso transposto no
documento é diagnosticar o que se diz, em que época e para quem
se fala, estabelecendo, dessa forma, tramas de relações. Essas podem
ser conhecidas por meio de análises de formas sociais, econômicas,
comportamentais, institucionais, entre outras (IPÓLITO; PRIORI;
AMÂNCIO, 2010, p. 39).

Le Goff (1992, p. 472) salienta, ainda, que os documentos são “escolhas do histo-
riador”. Por isso, o pesquisador da história deve selecioná-los sabendo que não
são inofensivos, mas que se tratam de uma “montagem consciente e inconsciente,
da história, da época, das sociedades que o produziram. O documento é monu-
mento. Resulta no esforço das sociedades históricas para impor ao futuro [...]
determinadas imagens de si próprias” (LE GOFF, 1992, p. 472).
O processo de interpretar um documento vai além da questão da neutralida-
de e da objetividade. Você deve se recordar quando falamos que todo documento
possui uma intenção, revelando vontades e poderes sobre o meio ou a sociedade
em que foi produzido. O fato de o registro documental não ser inocente já nos
diz muito sobre ele, pois buscaram-se outras fontes, nem sempre escritas, para se

168
UNICESUMAR

contrapor ao documento eleito, previamente, sobre determinado assunto. Con-


trapondo a prática da história tradicional em eleger apenas registros escritos
para a escrita da história, a ampliação da noção de documento permitiu a muitos
estudiosos ousarem em relação ao que utilizar como fontes em suas pesquisas,
afinal, muitos historiadores chegaram a incluir gestos, depoimentos, fontes infor-
matizadas e imagens em seu acervo de pesquisa documental.
Diante disso, caro(a) aluno(a), o que nos resta é que, seja como escultura,
arquitetura, seja como documento histórico escrito, oral, imagético ou nas mais
variadas formas existentes, o monumento estabelece uma relação de poder quan-
do se vê, nele, uma força legada a um indivíduo ou a uma sociedade, no esforço
de perpetuar a memória coletiva que se tem desse monumento para as gerações
futuras. A sua contribuição para a história não se limita ao objeto em si, mas às
suas formas, quem o elaborou, o momento em que foi produzido e onde foi con-
feccionado. Todos estes dados nos trazem informações que podem ser agregadas
à pesquisa histórica.

Você já parou para pensar como a escrita da história mudou muito


com o movimento dos Annales? No século XIX, falar de temas como
a história do medo era algo impensável, pois remetia a certa subje-
tividade. Aliás, vamos falar um pouquinho sobre estas novas abord-
agens? Clique aqui e ouça o nosso podcast sobre este assunto!

A geração dos Annales contribuiu para a pesquisa histórica, durante grande parte
do século XX, coexistindo com outras tendências, a exemplo da História Marxista
Inglesa (em vigor desde os anos de 1950), e com inovações relevantes ocorridas
no campo da historiografia, principalmente, a partir dos anos de 1970. Agora,
caro(a) aluno(a), falaremos sobre estas últimas mudanças, destacando o ressurgi-
mento da História Política em um viés, completamente, diferente daquele aborda-
do pelos integrantes da Escola Metódica ou Positivista. Para isso, faremos alguns
comentários e reflexões sobre a obra Por uma História Política, organizada pelo
historiador francês René Rémond (2010), e considerada uma das precursoras
do movimento de renovação que marcou a História Política nos anos de 1970
e 1980, o qual ficou conhecido como “Nova História” (NOVAIS; SILVA, 2011).

169
UNIDADE 5

Certamente, durante o curso de História, você já ouviu falar dos


historiadores Edward Palmer Thompson e Eric Hobsbawm. Mas
você sabia que eles são considerados autores de um movimento
que ficou conhecido como Historiografia Marxista Britânica?
Ficou curioso(a)? Então, não deixe de ver a nossa pílula de
aprendizagem, que está superespecial!

Publicado na França, em 1988, e lançado no Brasil, em 1996, o livro organizado


por René Rémond e intitulado Por uma História Política sai em defesa de uma
modalidade da história justificada pelo próprio autor, por ser, até então, negligen-
ciada pelos historiadores dos Annales: a História Política, entendendo-a como
elemento importante para a compreensão do todo social. Muito mais centrada
em “renovar” e reivindicar um lugar de destaque para a política na França, esse
livro concentra esforços para mostrar que a política não é um simples reflexo do
econômico, mas sim, uma das instâncias que promovem a mudança social.
Contando com a participação de 11 historiadores, Rémond chama a atenção
para as novas abordagens, objetos e problemas que despontaram na década de
70, na França, em torno da História Política. A fim de justificar não, apenas, a
relevância deste “retorno”, mas, de certa forma, colocá-la frente ao domínio dos
Annales, fiéis representantes de uma história socioeconômica de longa duração,
Rémond apresenta, inicialmente, um inventário de estudos recentes de História
Política francesa. Nele, o autor inclui, dentre outras temáticas, análise da opinião
pública, mídia, discurso, participação na vida política, longa duração, formação
das ideologias e da cultura política, massas documentais sobre eleições e partidos,
sempre frisando que essas novas abordagens nem se restringem a indivíduos,
nem são elitistas.

NOVAS DESCOBERTAS

Para saber mais sobre, indico a leitura da obra Por uma História Po-
lítica (2010), organizado por René Rémond. Esta obra reacendeu as
discussões em torno da História Política, após anos de ostracismo
pelos Annales, segundo o próprio Rémond.

170
UNICESUMAR

As múltiplas perspectivas que se formaram em torno da política e do social, nas


últimas décadas, permitiram a rediscussão em torno da História Política. Se, du-
rante vários anos do século XX – pelo menos das décadas de 30 a 70 –, a Política
(ou a “velha” História Política, mais conhecida como “positivista” e herdada do sé-
culo XIX) foi marginalizada para o segundo plano, assim como ressalta Rémond
(2010), o que vemos, no quadro da historiografia ocidental, é a pluralização de
abordagens históricas nesse campo. Pelas pistas deixadas por Rémond (2010, p.
10) na “Introdução” da obra, sobretudo, ao afirmar que o livro “não é exatamente
um manifesto [...] é mais uma afirmação coletiva”, pode-se compreender esse
“retorno” muito mais como um desenvolvimento lógico e estrutural da historio-
grafia e de sua inclusão no contexto da História recente do que de uma simples
moda historiográfica que regressa para recompensar os seus anos de ostracismo.
Tanto que, se refletirmos sobre as condições pelas quais a Nova História
Política surgiu na França, notaremos que foi uma iniciativa de intelectuais que
não faziam parte do circunscrito grupo dos Annales. Um dos aspectos marcantes
na transição da tradicional História Política, da forma como era elaborada no
século XIX, para a repaginação realizada pela Nova História Política, nas últimas
décadas do século XX, foram as alterações resultantes de mudanças e disputas
que ocorreram no interior da palavra “poder” ou por meio de desenvolvimen-
tos históricos de sua interpretação feitos pela comunidade científica. Da mesma
forma que o estudo da cultura se enriqueceu ao ampliar a sua análise para as
culturas que não eram das elites, também a palavra “poder” experimentou um
alargamento nesse sentido.
No primeiro capítulo da obra, intitulado “Uma História Presente”, Rémond
(2010) tece críticas ácidas aos Annales. Em sua opinião, o grupo de Febvre e
Bloch realizou uma tentativa desesperada de combater a história dos “grandes
feitos e dos grandes indivíduos”, de grande repercussão durante o século XIX,
sobretudo, por terem banido a política de suas análises. Na opinião do autor, os
supostos “avanços” celebrados, a partir do terceiro decênio do século XX, pela
historiografia, ocorreram não, apenas, em função do abandono de uma tradição,
mas pela rejeição à geração anterior. “Era, pois, provavelmente, inevitável que o
desenvolvimento da história econômica ou social se fizesse às custas do declínio
da história dos fatos políticos, daí em diante lançada num descrédito aparente-
mente definitivo” (RÉMOND, 2010, p. 14).

171
UNIDADE 5

Saindo em defesa de uma História Política não mais “factual”, “linear”,


“cronológica”, “objetiva”, “biográfica”, “militar” e “événementielle” (cuja tra-
dução é “acontecimental”), Rémond (2010) critica e, ao mesmo tempo, respon-
sabiliza os Annales pelo repúdio em relação ao político que se enraizou entre
os pesquisadores. Para ilustrar a colaboração da então “ideologia dominante”
na rejeição ao político, Rémond (2010, p. 18-19) ressalta que “quanto aos histo-
riadores que tivessem a fraqueza de ainda se interessar pelo político, e praticar
essa história superada, fariam o papel de retardatários, uma espécie em via de
desaparecimento, condenada à extinção, na medida em que as novas orientações
prevalecessem na pesquisa e no ensino”.
A busca pelos “esquecidos da história” abriu espaço para o olhar das massas
e, já que era compreendida como um elemento que não fazia parte da vivência
popular, a política foi, então, naturalmente, marginalizada. No entanto o esforço
por novas abordagens que se distinguissem da política não foi exclusivo dos
Annales. Já no século XIX, Marx e Freud elaboraram novas interpretações que,
de certa forma, desclassificaram o político (RÉMOND, 2010). Marx destacou as
contradições, elegendo a “luta de classes” como o “motor da história”, remetendo-a
a uma análise econômica, enquanto Freud salientou o papel do inconsciente, o
qual, em conjunto com a libido e as pulsões sexuais, possibilitaria a compreensão
dos comportamentos individuais (RÉMOND, 2010). A ideia de que a política
estava restrita aos Estados e às instituições reforçou o amálgama de que ela não
se tratava de um elemento comum a todas as pessoas, já que estava vinculada à
noção de “macropoderes”. Por isso, Rémond (2010) defende que o avanço da his-
tória social e econômica se deu à custa do declínio da história política. No entanto,
curiosamente, o autor faz referência ao “poder” em termos globais em vez de local.
Para Rémond (2010), a história política é uma dimensão relevante no en-
tendimento do todo social e negá-la seria fechar os olhos para os processos que
sinalizaram mudanças ao longo da vivência humana. Em consonância com o
autor, fatores históricos atestam a preponderância do político, como: guerras
mundiais, relações internacionais, intervenções do Estado na economia liberal,
aumento das atribuições do Estado nas mais distintas esferas (social, cultural,
econômica etc.). Com isso, Rémond (2010) argumenta que as escolhas políticas
não são, apenas, ligações das relações de forças entre grupos. A ampliação das
fronteiras que delimitam o campo do político permitiu certas independência
e liberdade de atuação deste elemento, desequilibrando as relações de força. O

172
UNICESUMAR

envolvimento crescente da opinião pública, a participação eleitoral, o jornalismo


político e a literatura exemplificam esta expansão.
O esforço notável de Rémond (2010) em lançar holofotes para a, desde então,
apagada História Política é acompanhado de doses excessivas, para não dizer
“apologéticas”, de sua valorização. Na percepção do autor, todos os problemas
possuem origem política e as transformações sociais passam pelas alterações
de regimes políticos. Assim, transitou-se da ideia de que o político está em toda
parte para a comprovação de que tudo é político. “A contestação torna, então, a
política responsável por tudo o que deixa a desejar numa sociedade, e a utopia
leva a crer que é também a política que detém a solução de todos os problemas,
inclusive os das vidas pessoais” (RÉMOND, 2010, p. 25).
A renovação historiográfica anunciada por Rémond (2010) vem da redis-
cussão, a partir da contestação dos críticos, de conceitos e práticas tradicionais.
Nesse sentido, a expansão da noção de “poder” difere daquela abordada no século
XIX, que o compreendia sempre associado ao Estado ou às grandes instituições.
O “poder”, na perspectiva da Nova História Política, é multifacetado e pode estar
presente, inclusive, em “agrupamentos cuja finalidade primeira não era, contudo,
política: associações de todos os tipos, organizações socioprofissionais, sindicatos
e igrejas, que não podem ignorar a política” (RÉMOND, 2010, p. 24).
A grande inovação, sem dúvida, é adotar uma metodologia que não privilegie
o individual e as elites. Mas até que ponto essa proposta fornece elementos para
a compreensão dos pensamentos e práticas das pessoas comuns? Que pessoas
são essas? Como as análises dessa Nova História Política podem contribuir para
a compreensão das relações de poder em nossa vida cotidiana, na integração de
uns com os outros? Estas são inquietações não, completamente, respondidas por
Rémond (2010). A impressão que fica é a de que o autor se esforça para inovar,
metodologicamente, o estudo da política restrito às eleições, partidos, entre outras
temáticas que, em vez de se aproximarem do estudo das “massas”, distanciam a
sua participação. Trata-se de assuntos muito mais relacionados às esferas da “ma-
cropolítica”, em meio ao poder institucional, e não, necessariamente, ao poder do
“cotidiano” ou de um “imaginário” coletivo.
A contradição fica mais clara quando Rémond (2010) apresenta as contri-
buições interdisciplinares. Em sua opinião, “a história política deve bastante às
trocas com outras disciplinas: sociologia, direito público, psicologia social, e mes-
mo psicanálise, linguística, matemática, informática, cartografia e outras [...]”

173
UNIDADE 5

(RÉMOND, 2010, p. 29). Portanto, diferentemente da Nova História Cultural,


cujas raízes se encontram, sobretudo, na antropologia, sem mencionar, ainda,
o diálogo feito com as demais ciências humanas e com a economia (NOVAIS;
SILVA, 2011), a Nova História Política, proposta pelo autor francês e os seus
colaboradores, se inspirou em áreas que não privilegiavam, necessariamente, o
cultural e o simbólico, tal como abordado por alguns estudos antropológicos. Tal-
vez, isso tenha permitido que os capítulos integrantes da obra Por uma História
Política se referissem a temas mais próximos da política eleitoral, possibilitando
“[...] inscrever os comportamentos especificamente políticos na perspectiva mais
ampla da prática social” (RÉMOND, 2010, p. 30).
Achou que há muita informação até aqui? Não se preocupe! Dê uma olha-
dinha neste infográfico e você poderá compreender melhor o papel da História
Política em algumas das tendências historiográficas dos séculos XIX e XX. É
importante salientar que, aqui, destacamos as visões acerca do político na Escola
Metódica, nos Annales e na Nova História Política. Não perca esta sistematização
de ideias! Aproveite!

174
UNICESUMAR

OLHAR CONCEITUAL

A HISTÓRIA POLÍTICA EM ALGUNS


MOVIMENTOS HISTORIOGRÁFICOS

ESCOLA METÓDICA – SÉCULO XIX


Abordagem da história a partir dos
“grandes feitos” e dos “grandes
homens”, com cunho, estritamente,
político, acontecimental, partindo de
documentos escritos e oficiais.

ESCOLA DOS ANNALES A PARTIR DE 1929


Pretendia substituir as visões
breves e, essencialmente, políticas
da Escola Metódica.
No lugar dessas, intencionava priorizar
análises de processos de longa
duração, com o objetivo de facilitar o
entendimento da formação
de certas características de
determinada sociedade, como as
“mentalidades”, por exemplo.

NOVA HISTÓRIA POLÍTICA DÉCADA DE 70


Movimento que teve, como um de seus
principais protagonistas, o historiador francês
René Rémond. Este criticou o movimento dos
Annales por seus integrantes terem
negligenciado a História Política. Rémond
pretendia fazer uma leitura do político
diferente do que foi proposto pelos
integrantes da História Metódica ou
Positivista. Partia do pressuposto de que o
político está em todas as dimensões da vida
humana e não isolada em partidos, eleições
etc.

Figura 5 - Infográfico sobre a História Política em alguns movimentos historiográficos


Fonte: a autora.

175
UNIDADE 5

Entretanto, não significa que, entre os anos de 1970 e 1980, não existissem
historiadores que tentaram conciliar a análise espinhosa (mas necessária) dos
imaginários políticos, motivados pelos estudos do mito, da simbologia e do cul-
tural. Vários antropólogos, como Claude Lévi-Strauss e Clifford Geertz, inspi-
raram alguns estudiosos a estabelecerem um diálogo profícuo e intenso com a
antropologia (NOVAIS; SILVA, 2011). Sob esta ótica, alguns autores revisitaram a
História Política numa perspectiva diferente da apresentada por Rémond (2010).
O filósofo polonês Bronislaw Baczko (1984), por exemplo, fala em “imaginá-
rio social” em vez de “imaginário político”. Segundo o autor, a ausência de uma
teoria para a análise do imaginário social pode levar a pesquisa a tomar direções
distintas e, até mesmo, ecléticas. O filósofo polonês sai em defesa de uma visão
particular de indivíduo, resultante de transformações históricas que se desen-
rolaram ao longo do tempo. Assim sendo, cada período possui as suas formas
próprias de “imaginar, reproduzir e renovar o imaginário, assim como possuem
modalidades específicas de acreditar, sentir e pensar” (BACKZO, 1984, p. 309).
Desse modo, o conceito de “imaginário social”, na percepção de Backzo
(1984, p. 309), não estaria restrito à esfera política, mas “trata-se de aspectos
da vida social, da atividade global dos agentes sociais, cujas particularidades se
manifestam na diversidade de seu produto”. Para o autor, esse imaginário pode
regular a vida em sociedade, pois, à medida que determinado grupo constrói e
consolida um imaginário social, esse grupo cristalizará condições que podem
ser utilizadas como combustíveis para conflitos, divisões e violências em relação
a outro grupamento. Nesse sentido, o imaginário
social seria uma forma plausível de controle de
determinada coletividade bem como um meio
para a legitimação de poder. Backzo (1984) de-
fende o pressuposto de que a criação de um ima-
ginário social é algo comum a todas as sociedades
humanas e que isso é necessário para reconhecer,
como autêntico, um poder.
Figura 6 - O filósofo polonês Bronislaw Baczko (1924-2016)
Fonte: Wikimedia (2019, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia, em preto


e branco, do filósofo polonês Bronislaw Baczko. Ele está com
trajes militares, usa óculos e tem cabelos escuros.

176
UNICESUMAR

Dentre os historiadores, podemos destacar Raoul Girardet, que, em sua obra


Mitos e Mitologias Políticas (1987) fornece uma interpretação um pouco dife-
renciada da História Política proposta por Rémond (2010). Para Girardet (1987),
a narrativa legendária oferece subsídios para a compreensão do presente. Assim,
o “mito” envolve uma série de relações complexas que resultam em associações
visuais diferenciadas, afinal, como afirma Lévi-Strauss (2008, p. 15), “não existe
limite para uma análise mítica, uma vez que os temas desdobram-se ao infinito”.
Em consonância com Girardet (1987), a dimensão mítica está sujeita a mudanças,
no entanto, para compreendê-la, é necessário vivenciá-la, mas, por outro lado,
vivê-la impede enxergá-la de forma objetiva.
Diferentemente de Backzo (1984), preocupado com o imaginário social, e de
Rémond (2010), que defende uma História Política mais atrelada ao caráter elei-
toral, Girardet (1987) analisa uma série de “mitos”, como o “Mito da Conspiração”
(com destaque para três complôs: o judeu, o jesuítico e o maçônico), o “Mito do
Salvador”, o “Mito da Idade de Ouro” e o “Mito da Unidade”. Em consonância com
esse autor, a fabricação mítica presenciada ao longo da história, além de legitimar
o poder, visa a atender aos jogos de interesses.
Para Girardet (1987), existem quatro modelos estruturais de análise de mitos
políticos, quais sejam: o primeiro, de Cincinnatus, “o homem de status histórico”,
como nos casos de Pétain, em 1940, e de Charles de Gaulle, em 1958. O segundo
modelo se restringe ao conquistador, como no exemplo de Alexandre “O Gran-
de”. O terceiro modelo, por sua vez, se encontra no legado legislativo, do qual
Sólon, da Grécia Antiga, foi um dos mais importantes contribuintes. Por fim, o
quarto modelo enfatiza a figura profética messiânica encenada pelo persona-
gem bíblico Moisés.
Desse modo, o primeiro modelo exemplifica a imagem legendária associada
à figura de um homem idoso (Cincinnatus), lembrado com honrarias pelos seus
feitos em períodos de guerras ou de paz. Após um passado glorioso, esse mesmo
homem decide se confinar num lugar modesto, afastado da vida pública. Este
personagem é comedido, firme, experiente, moderado e dotado de prudência,
o que Girardet (1987) chama de gravitas. Com esta associação, o autor propõe
chamar a atenção para a repercussão do mito no momento em que é vivenciado
e em como ele se cristaliza, posteriormente, na memória social.
No que se refere ao segundo modelo, o de Alexandre “O Grande”, Girar-
det (1987) apresenta a celeritas, compreendida como a precipitação da glória.

177
UNIDADE 5

O modelo de Cincinnatus corresponde ao de Alexandre, este, por sua vez, não


aparece munido nem de cetro, nem da simbologia da justiça social, mas surge
empunhando uma espada, remetendo o leitor à associação ao vigor do jovem
Napoleão Bonaparte. Esta tipologia mítica destaca a energia do herói como um
elemento essencial e explicativo para a posteridade (GIRARDET, 1987).
Inspirado por Sólon, legislador da Grécia Antiga, o terceiro modelo substitui
“Alexandre, o conquistador”, em nome da força da lei. O necessário cumprimento
das leis simboliza a conformidade aos princípios e às instituições, pretendendo
corresponder às interpretações do presente (GIRARDET, 1987).
Associando a figura do “Salvador” com a de Moisés, o quarto modelo apresenta
a imagem do Salvador a um profeta prestes a anunciar o fim dos tempos. Nesta
perspectiva, o messias direciona o seu povo aos caminhos do futuro, inspirando
um olhar que perpassa o presente e se preocupa com o que está por vir. O dom da
profecia que inspira o “Salvador” faz dele, também, um herói (GIRARDET, 1987).

NOVAS DESCOBERTAS

Quando falamos em mitos, não podemos deixar de mencionar o antropólogo


Joseph Campbell. Um dos seus livros que mais chama a atenção é O Herói de
Mil Faces, o qual, nos anos 70, inspirou o cineasta George Lucas a dar vida à
produção de Star Wars. É importante salientar que Campbell explora a abor-
dagem cultural do mito, diferentemente, por exemplo, de Raoul Girardet, que
utiliza os mitos para compreender questões da História Política. Ficou curio-
so(a) sobre a visão dos mitos feita por Campbell? Então, não deixe de acessar
o link que lhe direcionará para o vídeo A saga do herói – Joseph Campbell (O
herói de mil faces), que apresenta um trecho de uma entrevista de Campbell
na qual ele explora a questão da mitologia em culturas distintas.

Aliás, a heroicização perpassa os quatro modelos apresentados por Girardet


(1987). Em seu bojo, encontram-se elementos simbólicos, que, além de legi-
timarem a figura histórica do herói, o consagram, efetivamente, para a poste-
ridade. A postura do autor em encarar o “polimorfismo” dos heróis expressa,
simultaneamente, a possibilidade de leituras diferentes em situações históri-
cas distintas, exprimindo situações opostas, o que acrescenta dinamismo aos
estudos dos mitos políticos. Estes, por sua vez, normalmente, adquirem uma
amplitude que ultrapassa o espaço cronológico e se cristaliza na memória co-

178
UNICESUMAR

letiva, o que não impede a diversidade de leituras sobre tais mitos. Segundo
Girardet (1987, p. 82):


[...] se o mito não pode deixar de conservar a marca do personagem
em torno do qual ele se constrói, se, engrandecendo-os, tende a asse-
gurar através do tempo a perenidade dos traços específicos que são
os de sua fisionomia, não pode deixar, por outro lado, de depender,
ele próprio, em sua forma e em seu conteúdo, das circunstâncias,
historicamente delimitadas, nas quais é elaborado.

Uma das contribuições de Girardet (1987) é atentar para as “crises de legitimida-


de” e as “crises de identidade” dos regimes em transição. Elas são decisivas para a
destruição, a manutenção, o reforço ou a fabricação de mitos históricos. Para o
autor de Mitos e Mitologias Políticas (1987), a mudança de um estado de certeza
para um estado de agitação, de um estado de adesão a um estado de alienação
configura que toda a crise de legitimidade surge como indissociável de um trau-
matismo psíquico diagnosticado tanto individualmente quanto em nível coletivo.
Ainda dentro da concepção simbólica, mas voltado para o contexto francês,
Girardet (1987) enfatiza a chamada “Idade de Ouro”, iniciada no final do século
XVIII, e que ficou marcada pela incidência de movimentos nacionalistas dis-
postos a comprometer o velho edifício europeu. Na percepção do autor, a “Idade
de Ouro” está fundamentada em dois temas: de um lado, o valor da inocência e
da pureza; por outro lado, o valor da amizade, da solidariedade e da comunhão.
Diante dessas bases, Girardet (1987) analisa vários exemplos da França no
governo jacobinista de Robespierre. O autor ressalta a “unicidade” dos revolu-
cionários, em busca do atendimento aos interesses do Estado. Dos temas ocor-
ridos na época da Revolução Francesa, as festas eram colocadas no sentido de
serem recuperadas, a rememoração daquele momento histórico evidenciava
que a sacralização do passado não está muito distante do anúncio profético de
seu renascimento. Rememorar era mais do que recordar: o “Mito da Unidade”
anunciava uma vontade una e regular. Como evidenciado por Girardet (1987),
em quase todas as fundamentações míticas do século XIX estavam embutidas a
discussão da nacionalidade. Alguns exemplos mencionados pelo autor ilustram,
em objetivos distintos, essa questão da “Unidade”: Charles Fourier, que divulgava
“a multiplicação dos festins coletivos em clima de harmonia e coesão da comu-

179
UNIDADE 5

nidade” (GIRARDET, 1987, p. 143). Michelet, o qual, em sua obra O Banquete,


publicada em 1878, reverenciou “o milagre da associação das pessoas na festa
entrelaçadas por corações eternos” (GIRARDET, 1987, p. 144). Danton, que an-
siava pelo dia em que todos pudessem se sentar no mesmo banquete. Bossuet,
vivendo, ainda, no Período Absolutista, afirmava que “fora da Unidade a morte
era certa” (GIRARDET, 1987, p. 144). E, por fim, Comte, por sua vez, falava em
“desejo de unidade comum” (GIRARDET, 1987, p. 144).
É digna de nota a defesa do autor no que se refere à renovação de formas, de
signos e símbolos diante de elementos motivadores da análise histórica. Com
isso, o autor propõe um embasamento teórico para a abordagem política, a qual
é imprescindível a todo pesquisador cujos estudos estão ancorados em assuntos
ligados à política. A proposta de Girardet (1987) é a de que a esfera política pos-
sui sua faceta mítica e esta tem força suficiente para agir na realidade, alterando
situações, legitimando poderes e justificando discursos, ao longo de diversos
momentos na história.

PENSANDO JUNTOS

“[...] é nos períodos críticos que os mitos políticos afirmam-se com mais nitidez, impõe-se
com mais necessidade, exercem com mais violência seu poder de atração”.
(Raoul Girardet)

Com esta abordagem, Girardet (1987) aproxima a política de nossa vida cotidia-
na, no modo como nos reportamos uns sobre os outros, como integrantes de uma
mesma família, vizinhança ou comunidade. Desse modo, é clara, na perspectiva
do autor, a dissociação entre a política e os macropoderes bem como o seu re-
conhecimento, também, nas “microesferas”, seja por meio das palavras, seja por
imagens ou comportamentos.
Esta perspectiva dos micropoderes que se manifestam a todo instante,
permite a associação do poder a uma “encenação”. Assim, o poder é “encenado”
segundo as lutas políticas, sociais e cotidianas que representam o interesse de
determinado grupo. Mas isso não significa que há uma marginalização dos “ma-
cropoderes”, pois as instituições, a diplomacia, a guerra ou o trajeto político de
pessoas que se destacaram na organização do poder também são temas abor-

180
UNICESUMAR

dados pela Nova História Política, ainda que de forma diferenciada. As relações
políticas entre os mais diferentes grupos sociais que se desenrolam (ou desenro-
laram) no âmbito dos Estados e das instituições, como no caso das “revoluções”,
sempre foram pontos de interesse da historiografia de início do século XX, pois
ela prezava pelo desenvolvimento da História Social.
Não obstante, a implantação de novos conceitos no processo de renovação
da História Política implica a conformação de novos procedimentos analíticos.
Os capítulos organizados por Rémond (2010) em Por uma História Política
são considerados uma das expressões do movimento de retomada dos estudos,
no meio acadêmico, sobre política. A Nova História Política, na tendência apre-
sentada por Rémond (2010), incluiu, em seus escritos históricos, as eleições, os
partidos, a religião, as relações políticas interna e externa, entre outras temáticas.
De modo distinto, mas nem de todo diferente, sobretudo, no que se refere à
ideia de inovação, Girardet (1987), não é tão utilizado em pesquisas acadêmicas,
ao menos no Brasil, quanto Rémond (2010), que analisa o político mais preo-
cupado com os “mitos” e “imaginários” que permeiam este universo. Em Mitos
e Mitologias Políticas, Girardet (1987) analisa, especificamente, no caso francês,
como grandes momentos de efervescência mitológica corresponderam, sempre, a
fenômenos de crise, de mutação ou de rupturas. Brindando as ideias dos antropó-
logos culturais, como Claude Lévi-Strauss, Girardet (1987) mostra, não, apenas,
certa inovação da história da França contemporânea, mas também uma forma
diferenciada de conceber os estudos históricos, sobretudo, uma nova metodologia
para a História Política, bastante distinta da proposta por Rémond (2010).
Além disso, apesar dos esforços, o conceito do “político” permaneceu sem
definição em Rémond, indicando, para Christian Lynch (2010), que as re-
flexões sobre esta esfera não cessaram com esse autor. Para Lynch (2010),
os debates recentes na França apontam para, pelo menos, dois intelectuais
que buscaram definições mais precisas sobre o “político”: Pierre Rosanvallon
(2010) e Marcel Gauchet (2005).
Segundo Lynch (2010, p. 28), para Gauchet, o “político” significa “o conjunto
de mecanismos ou representações primordiais que projetadas para o campo da
política, sustentam a vida de uma comunidade, permitindo-lhe pensar a si mesma
como unidade, sem renúncia à pluralidade”. Já para Rosanvallon, o “político” pode
ser compreendido, simultaneamente, como um campo e um trabalho:

181
UNIDADE 5


[...] ele designa o lugar em que se entrelaçam os múltiplos fios da
vida dos homens e mulheres; aquilo que confere um quadro geral
a seus discursos e ações; ele remete à existência de uma sociedade
que, aos olhos de seus partícipes, aparece como um todo dotado de
sentido. Ao passo que, como trabalho, o político qualifica o processo
pelo qual um agrupamento humano, que em si mesmo não passa
de mera população, adquire progressivamente as características de
uma verdadeira comunidade (ROSANVALLON, 2010, p. 71-72).

Com a análise, ainda que breve, desses diferentes autores que, de forma direta
ou indireta, abordaram a História Política, é possível notar que o debate sobre
a Nova História Política não se esgotou nos anos de 1970 e 1980. A obra de Ré-
mond (2010) foi, sem dúvida, expressiva e acalentou debates nesta área. Contudo,
assim como o trabalho de Rosanvallon (2010), Rémond (2010) apresenta uma
abordagem de submissão ao controle do político de todas as esferas que integram
a sociedade, ao passo que Girardet (1987) se apresenta mais comedido em suas
convicções e evita abraçar a concepção total do “político”.

EXPLORANDO IDEIAS

Nova História Política: podemos dizer que os anos 60 e 70 foram significativos nesta
transformação. O deslocamento da revolução para as rebeliões políticas e culturais pro-
duziu um tipo de revisão historiográfica que privilegiou os estudos sobre movimentos
sociais, culturais e de grupos minoritários. Nos anos 70 e 80, essa discussão fez com que
as atenções se voltassem para a história política, fundando um movimento que ficou
conhecido como Nova História Política. Nela, a abordagem política não está restrita a
campos da macropolítica (como partidos políticos), mas parte-se do pressuposto de que
a política é uma prática cotidiana e que não há a necessidade de ser alguém de desta-
que, em uma sociedade, para praticá-la. Nesta lógica, o fazer político é algo do dia a dia,
quando, por exemplo, participo de uma reunião do bairro visando às melhorias para a
estrutura do mesmo.

Ficou impressionado(a) com tantas possibilidades de discussão sobre a História


Política? Mas não se assuste, pois são apenas formas de ver determinado aspecto

182
UNICESUMAR

da sociedade. Diante das leituras abordadas, podemos afirmar que o cultural, o


social, o político e o econômico são esferas que interagem a todo o momento,
tornando difícil uma separação. Subjugar esses campos ao fator político é excluir
a possibilidade de uma abordagem pluridirecionada e, ao mesmo tempo, isolar a
análise num mundo circunscrito, isento de contribuições.
Inspirada no pensamento de Xavier Gil Pujol (1995), – o qual menciona, em
seus escritos, Peter Burke e Bartolomé Clavero, para defender a ideia de que não
devemos escorregar no engodo dos radicalismos, assim indicando que tudo está
submetido, ou vinculado, a esfera da História Política – creio, como pesquisadora,
que o campo político é uma seara necessária para o desenvolvimento dos trabalhos
dos historiadores. No entanto a visão de uma História onde tudo está subjugado ao
“político” deve ser repensada, a fim de evitar radicalismos e superficialidade.
Você está vendo que a história-problema criada pelos Annales foi algo re-
volucionário, implantado nas pesquisas históricas e que contribui para conferir
mais subjetividade ao trato com a fonte. A ampliação documental promovida
por este movimento historiográfico deu margem, por exemplo, à utilização de
documentos orais, algo que, até os dias de hoje, provoca intensos debates entre
os historiadores, sendo considerada uma fonte de pesquisa, mas que não deve
ser utilizada de forma isolada, mas sim, sempre combinada com documentos
de naturezas diversas.
Um exemplo para fazer com que os alunos entendam a complexidade de
utilizar apenas a História Oral como fonte de pesquisa é fazer a tradicional
brincadeira do telefone sem fio. Fale uma frase para o primeiro aluno da fila e
peça para que ele repita o que entendeu para o colega de trás, e, assim, sucessi-
vamente, até chegar ao último aluno. Feito isso, peça para esse último aluno que
ouviu a frase repetir o que entendeu. Ela, provavelmente, sairá toda distorcida,
sem qualquer relação com a frase, inicialmente, proposta. Após esta dinâmica,
explique para os alunos que assim ocorre quando são ouvidos, apenas, teste-
munhos: a História Oral tem a sua contribuição singular e é considerada uma
das novas possibilidades de pesquisa com os Annales, mas deve ser utilizada
em combinação com outras fontes.

183
1. O movimento dos Annales provocou mudanças significativas na escrita da história, em
fins da década de 20. O excerto de documento, a seguir, é o primeiro prefácio para o
primeiro número da Revista dos Annales, responsável por dar nome a esse movimento:

“Graças à ampla visão de um grande editor e graças ao trabalho de colaboradores


franceses e estrangeiros, cuja prestatividade foi, para nós, uma alegria e um incentivo,
nossos Anais, um desejo que vinha sendo amadurecido durante muito tempo, hoje
podem ser lançados e tentar ter uma utilidade. Agradecemos aos verdadeiros autores.

Mais um periódico e, mais que isso, um periódico de história econômica e social?


Claro que, como sabemos, nossa revista, dentre as produções francesas, europeias
e mundiais, não é a primeira. No entanto, acreditamos que, ao lado de suas glorio-
sas antecessoras, ela também terá um lugar ao sol. Ela se inspira de seus exemplos,
mas traz um espírito próprio. Historiadores que fizeram as mesmas experiências e
delas tiraram as mesmas conclusões, há muito tempo somos atingidos pelos males
engendrados por um divórcio que se tornou tradicional. Enquanto os historiadores
aplicam seus bons e velhos métodos aos documentos do passado, cada vez mais
homens dedicam o seu trabalho, não sem febre às vezes, ao estudo das sociedades
e das economias contemporâneas: duas classes de trabalhadores feitas para se
entenderem e que, geralmente, se esbarram sem se conhecerem. E tem mais. Entre
os próprios historiadores, como também entre os investigadores interessados pelo
presente, ainda há muitas divisões: historiadores da antiguidade, medievalistas e
‘modernizadores’; pesquisadores dedicados à descrição das sociedades ditas ‘civi-
lizadas’ (para usar um velho termo cujo sentido muda a cada dia) ou atraídos, pelo
contrário, por aquelas que é preciso, por falta de palavras mais adequadas, qualificar
ora de ‘primitivas’, ora de ‘exóticas’ [...] Nada melhor, obviamente, se cada um, prati-
cando uma especialização legítima, cultivando laboriosamente o seu próprio jardim,
se esforçasse, no entanto, em seguir a obra do vizinho. Mas as paredes são tão altas
que, muito frequentemente, tapam a vista. Quantas sugestões preciosas, no entan-
to, sobre o método e sobre a interpretação dos fatos; quantos ganhos de cultura
e quantos progressos na intuição não nasceriam, entre esses diversos grupos, de
tropas intelectuais mais frequentes! O futuro da história econômica exige isso, assim
como a justa inteligência dos fatos que amanhã farão a história.

É contra esses cismas temíveis que pretendemos nos levantar. Não por meio de ar-
tigos de método, de dissertações teóricas. Pelo exemplo e pelo fato. Reunidos aqui,
trabalhadores de origens e de especialidades diferentes, mas todos animados por

184
um mesmo espírito de exata imparcialidade, expõem o resultado de suas pesquisas
sobre assuntos de sua competência e de sua escolha. Parece-nos impossível que de
um tal contato as inteligências precavidas não tirem logo as lições necessárias. Nosso
esforço é um ato de fé na virtude exemplar de um trabalho honesto, consciencioso
e solidamente armado”.

BLOCH, M.; FEBVRE, L. A nos lecteurs. In: Annales d’histoire économique et sociale.
Tradução de Álvaro Hwang. Paris: Armand Colin, Janvier 1929. t. 1. p. 1-2.

Partindo desse excerto de documento e do que foi exposto nesta unidade, podemos
afirmar que, dentre as várias características do movimento dos Annales, duas são
essenciais: a elaboração de um método que se convencionou chamar de história-
-problema e a ampliação do campo de fontes. Diante das informações apreendidas
até aqui, analise cada uma dessas duas características.

185
2. “O nascimento dos Annales marca profundamente a reflexão dos historiadores tanto
acerca da sua área de estudos como acerca do seu trabalho. O programa intelectual
de que a revista é porta-voz surge, assim, novo, agressivo. Organiza-se em torno de
uma proposta central: a urgência em fazer sair a História do seu isolamento discipli-
nar, a necessidade de que esteja aberta às interrogações e aos métodos das outras
ciências sociais”.

REVEL, J. A invenção da sociedade. Lisboa: Difel, 1990. p. 17-18.

Em consonância com o excerto de texto apresentado, o movimento que ficou conhe-


cido como a Escola dos Annales propôs uma mudança bastante significativa no ofício
do historiador e, também, diferenciada no trato com o documento, em comparação
a como esse trato era realizado pela chamada Escola Metódica.

Assim, com base nestas informações, analise as asserções, a seguir:

I - Houve a desvalorização dos acontecimentos políticos, por serem considerados, pelo


movimento dos Annales, como insuficientes para explicar os processos históricos.
PORQUE

II - Os Annales acreditavam que valorizar a interdisciplinaridade era uma forma de con-


ceder instrumentos mais eficazes ao historiador nas análises dos processos sociais.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta:

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta


da I.
b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa
correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

186
3. “Para se firmar como corrente historiográfica dominante na França, e estender pos-
teriormente sua influência a outros países da Europa e também da América, os
fundadores e consolidadores dos Annales precisaram estabelecer uma arguta e
impiedosa crítica da historiografia de seu tempo – particularmente daquela historio-
grafia que epitetaram de História Historizante ou de História Eventual – buscando
combater mais especialmente a Escola Metódica Francesa e certos setores mais
conservadores do Historicismo. Os Annales, em busca de sua conquista territorial
da História, precisavam enfrentar as tendências historiográficas então dominantes,
mas também se afirmar contra uma força nova que começava a trazer métodos e
aportes teóricos inovadores para o campo do conhecimento humano: as nascentes
Ciências Sociais. É contra o pano de fundo deste duplo desafio que o movimento
inicia a sua aventura historiográfica”.

BARROS, J. C. D’ A. A Escola dos Annales: considerações sobre a história do movimen-


to. Revista História em Reflexão, Dourados, v. 4, n. 8, p. 4, 2010.

Fundada, em 1929, por Marc Bloch e Lucien Febvre, a denominada Escola dos An-
nales se caracterizou por elaborar uma nova interpretação no campo da História.
Assim, com base nestas informações, analise as asserções, a seguir:

I - Os Annales consideraram a História como uma ciência objetiva, promovendo a sua


institucionalização nos bancos universitários com o apoio dos poderes dos Estados.
PORQUE

II - Era um movimento que tinha forte influência rankeana e estimulava a preserva-


ção dos documentos oficiais, a ponto de, nos anos de 1970, desencadear outro
movimento, que ficou conhecido como Nova História Política.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta:

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.


b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa
correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

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196
UNIDADE 1

Pierre Deyon: da Europa, Thomas Mun: balança


a partir do século XV. comercial favorável.

TEÓRICOS DO MERCANTILISMO
Adam Smith: não consistia nem em
dinheiro, nem em ouro, nem em prata,
mas naquilo que o dinheiro comprava e
no valor de compra que ele tinha.

1. D. Sob essa perspectiva, a história econômica auxilia na compreensão de contextos


históricos, como a crise de 1929. Entretanto, para além dessa ideia, o externalismo
também possui um conceito mais amplo, buscando não demonstrar, apenas, o lado
prático das situações, mas como o contexto intelectual também contribui no processo
de investigação econômica.

2. B. A aquisição natural ou economia diz respeito a uma série de atividades, como:


agricultura, pastoreio, saque, troca, caça, entre outras, cujo objetivo é garantir o
sustento e a sobrevivência. Essas atividades podem ser produzidas pela economia
doméstica (famílias) ou pela economia política (cidades). Em consonância com Aristó-
teles, os produtos advindos da natureza constituem a verdadeira riqueza e, por isso,
somente eles são considerados objeto da ciência econômica. A aquisição artificial ou
crematística, por sua vez, possui o caráter especulativo e, por este motivo, legitima o
acúmulo de riquezas sem limites.

3. A. Para São Tomás de Aquino, o comércio era uma prática condenável, pois fugia da
lógica natural. Entretanto, mesmo sendo antinatural, o comércio era inevitável. Por
isso, o lucro advindo do comércio se justificaria diante de alguns condicionantes: 1°)
para a subsistência do comerciante e de sua família; 2°) se trouxesse vantagens para
a sociedade e o Estado. De forma similar a Aristóteles, para Aquino, o comércio se
legitimava desde que fosse a base de sustento do comerciante e não fonte de luxo
e ostentação.

197
4. C. Mun acreditava que a base para promover o desenvolvimento econômico de um
país estaria na seguinte regra: exportar mais do que importar. Mun criava, assim, a
tese da balança comercial favorável, argumentando que se as exportações fossem
maiores do que as importações, o resultado seria mais dinheiro no país e, consequen-
temente, o incremento da riqueza nacional.

5. Espera-se que o(a) aluno(a) compreenda que Quesnay (1978) também adotou postura
contrária às teorias mercantilistas ao defender que os entraves à produção, à circu-
lação e ao consumo de gêneros deveriam ser suprimidos, concedendo, dessa forma,
mais liberdade de ação aos indivíduos e ao comércio. Em sua ótica, não existia nação
cujo território produzia todas as riquezas próprias ao sustento e bem-estar de seus
habitantes, de modo que era necessário um comércio exterior, pelo qual uma nação
vendia ao estrangeiro uma parte de seus produtos para comprar aqueles que neces-
sitava. Assim, no Estado de livre concorrência de comércio exterior, existia apenas
troca de valor por valor igual, sem perda ou ganho de uma ou de outra parte. O autor
de Quadro Econômico entendia que o comércio exterior era mais ou menos amplo,
segundo a diversidade de consumo dos habitantes e a variabilidade de produção do
país. Quanto mais diversificada a produção de um reino, menor o número de expor-
tações e importações. Assim, a nação poupava em relação aos custos do comércio
exterior, o qual deveria, entretanto, ser livre, desprovido de todos os entraves e isento
de impostos. A comunicação estabelecida entre as nações poderia assegurar, cons-
tantemente, no comércio interno, o melhor preço possível dos produtos nacionais e
garantir, também, a maior renda para o soberano e para a nação.

6. Espera-se que o(a) aluno(a) compreenda que a liberdade de comércio, segundo Adam
Smith, sempre nos garantiria o produto de que tivéssemos necessidade, assim, po-
deríamos estar certos de que o livre comércio sempre nos asseguraria o ouro e a
prata que tivéssemos condições de comprar ou empregar, seja para fazer circular
as mercadorias, seja para outras finalidades. Na visão de Smith, a riqueza não con-
sistia nem em dinheiro, nem em ouro e prata, mas consistia naquilo que o dinheiro
comprava e no valor de compra que ele tinha. Se um comerciante achava mais fácil
comprar mercadorias com cédula do que com outros bens, não era porque a riqueza
consistia mais nela do que nas mercadorias, mas porque a cédula era o instrumento
de comércio universal, pelo qual, prontamente, se poderia trocar qualquer outra coi-
sa, sem que, porém, pudesse, com a mesma facilidade, conseguir dinheiro em troca
de qualquer outra mercadoria. Além disso, a maioria dos bens era mais perecível
do que o dinheiro e, consequentemente, muitas vezes, o comerciante poderia sair
perdendo muito mais ao arquivar mercadorias do que guardando cédulas. Assim, se
as pessoas procuravam dinheiro não era por causa do dinheiro em si mesmo, mas
por conta daquilo que com ele se poderia comprar. Smith explica que, se tentarmos
aumentar a quantidade de ouro e prata no país, por meios artificiais, com certeza,
diminuiremos a sua utilização e, até mesmo, a quantidade que, nestes metais, nunca
pode ser maior do que o uso exige. Se, algum dia, esses metais fossem acumulados
acima desta quantidade, o seu transporte seria tão fácil, e a perda decorrente, no caso

198
de permanecerem ociosos ou sem utilização, tão grande, que nenhuma lei conseguiria
impedir a sua exportação imediata.

7. Espera-se que o(a) aluno(a) compreenda que o contexto de surgimento do fisiocratismo


esbarra em uma França desequilibrada, financeiramente: dívidas elevadas por conta
das barreiras alfandegárias impostas pelo mercantilismo, aumento contínuo de impos-
tos, crescimento do fosso social entre ricos e pobres, dentre outros acontecimentos
que levaram ao descrédito do mercantilismo e impulsionaram o surgimento de uma
nova proposta econômica, gerenciada pelo fisiocratismo. Podemos afirmar que o
fisiocratismo surgiu no século XVIII, em oposição ao mercantilismo, o qual consistia
numa orientação cujo objetivo era a formação de um Estado independente e forte,
visando à implantação de uma série de regulamentações e o incentivo às atividades
industriais e mercantis para estimular as exportações. No geral, a fisiocracia foi de-
senvolvida por um grupo de economistas franceses do século XVIII que defendiam
que a riqueza era proveniente das terras cultiváveis e, por isso, os produtos agrícolas
deveriam ter valores elevados.

UNIDADE 2

1. E. Para Adam Smith, a riqueza da nação consistia no trabalho humano, pois a sua visão
contrariava a perspectiva dos mercantilistas, os quais acreditavam que o acúmulo de
metais preciosos garantiria a riqueza de uma nação.

2. B. Para Max Weber, o conceito de dominação também pode ser utilizado para com-
preender a organização de uma sociedade, uma vez que, em sua opinião, a dominação
se faz de forma consciente, ao contrário de Marx, para quem a dominação ocorre de
maneira inconsciente.

3. C. Na teoria da independência, Stuart Mill defende que os operários deveriam ser os


responsáveis pela melhoria de sua própria posição, todavia esta conquista deveria
ser realizada por vias pacíficas, e não revolucionárias.

4. Espera-se que o(a) aluno(a) compreenda que os elementos que formam as forças
produtivas e as relações de produção são classificados como pertencentes à infraes-
trutura econômica, a qual, na concepção de Marx, é a base da sociedade. A partir da
infraestrutura e dos elementos que a compõem, surge a superestrutura jurídica e
política, formada por instituições necessárias para a existência de uma sociedade orga-
nizada (ou país), como Estado, governos, leis, justiça (aparatos jurídico-institucionais) e
elementos ideológicos (a exemplo da religião, da moral e das artes). A superestrutura
não está na base da produção, mas influencia tudo o que está na infraestrutura e,
portanto, na totalidade social.

199
5. Espera-se que o(a) aluno(a) analise os três tipos de “dominações”, quais sejam:

1. Dominação tradicional: ocorre em situações nas quais a obediência é costumeira, pois


este comportamento se tornaria um hábito enraizado na cultura local. Neste caso,
as regras e leis estabelecidas são fundamentadas pelo poder da tradição, aliado à
arbitrariedade do soberano em compreender e interpretar tal tradição. A dominação
tradicional é um sistema típico de monarquias, clãs e famílias.

2. Dominação carismática: neste caso, a relação de dominação é garantida pelo fato de


os dominados crerem nas competências superiores do guia. Geralmente, não existe um
quadro administrativo nestes casos, pois, simplesmente, o líder carismático governa
por sua própria vontade de organização ou pelo o que lhe foi “revelado”, emitindo nor-
mas, punições e direitos. Exemplo: partidos políticos, grupos revolucionários e radicais.

3. Dominação legal: é realizada por meio das leis. Ocorre quando um grupo de indiví-
duos adere a uma série de normas definidas, previamente, e com anuência de todos
os membros. Tais regras delimitam, por exemplo, qual será o líder. É importante
salientar que se enquadram na dominação legal não apenas o Estado moderno, as
sociedades contemporâneas, mas todas as instituições que se valham de um quadro
administrativo hierarquizado, a exemplo de empresas e entidades de outra natureza.

UNIDADE 3

1.

ESCOLA HISTÓRICA ALEMÃ

Werner Sombart Max Weber

Metodologia dos “tipos ideais” Gênese do capitalismo utilizando fundamentos


que não fossem econômicos (similar a Sombart)

Psicologia econômica determinante


Enfoque maior no Protestantismo (Calvinismo)

Judeus e o surgimento do capitalismo


Ética protestante: autodisciplina e poupança

200
2. O(a) aluno(a) deve compreender que a mensagem do outdoor, com a imagem de
uma família sorrindo, dentro de um carro, com a frase “O mais alto padrão de vida
do mundo”, contradiz a realidade expressa pela fila de pessoas que aguardam a doa-
ção de comida, demonstrando o estado de fragilidade das populações mais pobres,
neste período. A foto também deixa visível o contraste socioeconômico entre brancos
e negros.

UNIDADE 4

VERTENTES HISTORIOGRÁFICAS
ESCOLA METÓDICA OU POSITIVISTA MARXISMO ESCOLA DOS ANNALES

Século XIV: esforço para Século XIV: história como Século XX: multiplicidade
enquadrar a história nos padrões luta de classes. de sujeitos analisados
de uma ciência. nos documentos.
Tempo: linear, evolutivo e com
Tempo: linear, irreversível um rumo pré-determinado Tempo: longa duração.
e progressivo. (passado, presente e futuro)
Documento: ampliação.
Documento: essencialmente Documento: essencialmente Não mais somente fontes
objetivo, sequencial, descritivo objetivo, recomenda observar escritas: fontes orais,
e oficial. as estruturas econômicas e objetos, ícones, etc.
deixar de lado as intenções
Fatos políticos e militares: dos indivíduos.
Subjetividade: maior
a história dos grandes feitos diálogo entre o
e dos grandes homens. As oposições dão movimento historiador e a fonte.
à história: dominantes versus
dominados.

201
UNIDADE 5

1. É importante que o(a) acadêmico(a) compreenda que, como medida para sustentar a
crítica feita pelos Annales ao Positivismo ou a Escola Metódica, o movimento da histo-
riografia francesa elabora uma análise diferenciada, definida por História-problema.
Em consonância com este novo procedimento, os Annales eliminam toda a dimensão
política da história, que se torna, praticamente, inexistente, na revista do grupo. No lugar
da esfera política, surgem estudos centrados nos domínios econômico e social. Sob a
influência da escola geográfica de Vidal de la Blache, os fundadores Febvre e Bloch ado-
taram a preocupação com o presente, anulando a fronteira entre passado e atualidade
histórica. Tratava-se, portanto, de “compreender o passado pelo presente” (BLOCH,
1974, p. 39), entendendo que cada época constrói a sua representação do passado.

Nesse sentido, uma das inovações dos Annales é romper com a concepção que vê a
história como ciência que objetiva o estudo do passado. Com relação a isso, Febvre
(1971) afirma que o historiador deve buscar inspiração no tempo presente. A este
pequisador é dado o ofício de questionar as coisas como são dadas, de “reconstruir”
o que se passou e não “reconstituir” o que se passou. Em oposição à história precisa
dos eventos, Febvre defenderá uma História-problema por meio da observação, da
diversificação de documentos, do diálogo com outras ciências e a formulação do pro-
blema, das hipóteses e da interpretação, sem perder de vista a ordem cronológica. Na
perspectiva defendida pelos positivistas, o passado se isola do presente e se constitui
como um objeto em si mesmo. Já com a proposta dos Annales, o passado não se isola
do presente: deve-se partir desse para conhecer aquele. Mas ambos não são realida-
des muito distantes? Para a Nova História, justamente, pelo fato de serem diferentes,
passado e presente estabelecem um diálogo e uma relação de conhecimentos recí-
procos, por isso, fundamentam o conhecimento histórico em seu aspecto temporal.

Com esse método, o grupo rompe com o objetivismo pertinente no Positivismo. Mais do
que transcrever documentos oficiais, os Annales adotaram uma história experimental
que parte da crítica dos documentos e estabelece um diálogo entre o pesquisador e
a fonte. A História-problema tentava amparar a história sociocultural, que havia sido
marginalizada, no século XIX, por Leopold Von Ranke, considerado o criador da Histó-
ria Científica. Von Ranke, Charles Seignobos, Ernest Lavisse, entre outros estudiosos,
recusavam a reflexão teórica e concebiam o método histórico correspondente à coleta
de fatos e à afirmação da passividade do historiador diante do material trabalhado.
Por meio desse método, toda a história não política era eliminada, ao mesmo tempo
em que era dada ênfase nas fontes dos arquivos.

202
Por meio do diálogo com outros campos científicos, os Annales incorporarão os conceitos,
métodos e hipóteses de outras ciências sociais. Tanto Febvre quanto Bloch busca-
vam renovar as linguagens e adotar novos códigos, com o objetivo de desestabilizar
a “história dos vencedores”, referência utilizada para designar a história positivista.

2. A. Os membros dos Annales consideravam superficiais a análise documental como


era feita na Escola Metódica. A partir desta crítica, elaboraram uma nova metodolo-
gia, que ficou conhecida como História-problema, a qual pressupunha que a busca
e interpretação das fontes deveriam partir do historiador, algo impensável para os
metódicos, pois eles utilizavam, somente, documentos oficiais. Além disso, na His-
tória-problema, não havia o triunfo de um aspecto em detrimento de outros, pois
os integrantes do movimento dos Annales defendiam que toda a ação humana era
relevante e que não se poderia eleger somente o aspecto político (como fizeram os
metódicos ou positivistas) ou o econômico (de forma similar ao que foi feito entre os
adeptos do Materialismo Dialético de Marx). Os Annales defendiam uma abordagem
interdisciplinar, ou seja, que envolvesse as contribuições de várias áreas do conhe-
cimento, como sociologia, direito público, psicologia social e, mesmo, psicanálise,
linguística, matemática, informática, cartografia, entre outras.

3. E. Na verdade, o movimento dos Annales propôs o contrário do que está na asserção


I. A proposta era aumentar as possibilidades documentais a serem utilizadas pelos
historiadores. Constatou-se que a subjetividade pode estar presente na análise de
uma fonte, desde que haja embasamentos científicos. Neste caso, considerou-se que
a interpretação faz parte da análise científica, além de reconhecer a necessidade de
múltiplas interpretações Os Annales eram contra a proposta de Leopold von Ranke,
que inspirou, na verdade, o movimento da Escola Metódica.

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