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Estética e

Filosofia da Arte
PROFESSOR
Dr. Renan Pavini

ACESSE AQUI O SEU


LIVRO NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação
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Yoshie Fukushima Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de
Tecnologia Educacional Marcio Alexandre Wecker Gerência de Produção Digital Diogo Ribeiro Garcia Gerência de
Projetos Especiais Edison Rodrigo Valim Supervisora de Produção Digital Daniele Correia

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Priscilla Campiolo Manesco Paixão Núcleo de Educação a Distância. PAVINI, Renan.
Projeto Gráfico e Capa Estética e Filosofia da Arte.
André Morais, Arthur Cantareli e Renan Pavini.
Matheus Silva
Editoração Maringá - PR.: UniCesumar, 2021.
Dario Mercado
176 p.
Design Educacional “Graduação - EaD”.
Giovana Vieira Cardoso
1. Estética 2. Filosofia 3. Arte.
Revisão Textual
Cindy Mayumi Okamoto Luca
Ilustração
Impresso por: CDD - 22 ed. 701
Geison Odlevati Ferreira
Fotos CIP - NBR 12899 - AACR/2

Shutterstock ISBN 978-65-5615-615-6

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história
avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria-
mente para que nossa educação à distância continue
Tudo isso para honrarmos a
como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre
nossa missão, que é promover
quatro pilares que consolidam a visão abrangente
a educação de qualidade nas
do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o diferentes áreas do conhecimento,
profissional, o emocional e o espiritual. formando profissionais
A nossa missão é a de “Promover a educação de cidadãos que contribuam para
qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- o desenvolvimento de uma
mando profissionais cidadãos que contribuam para o sociedade justa e solidária.
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
DR. RENAN PAVINI

Olá! Meu nome é Renan Pavini. Nesta breve apresenta-


ção, contarei um pouco a minha trajetória e explicarei os
motivos que me levaram a ser professor de filosofia e a
pesquisar a filosofia estética. Sempre gostei de desenhos.
Recordo-me desse fato desde quando minha memória
consegue retroceder no curso dos eventos. Meu pai, co-
lecionador de histórias em quadrinhos, fez-me ter contato
desde a mais tenra idade com essas histórias fantásticas.
Logo que via um lápis, dispunha-me a desenhar.

O tempo foi passando e, quando cheguei à adolescência,


ingressei em um grupo de teatro. Assim, encontrei outra
arte que amava e me dava grande potencial plástico e
crítico. Ao mesmo tempo, minha irmã cursava Ciências
Sociais e, dentre as disciplinas que ela menos gostava
(acredite ou não) era Filosofia. Quando ela chegava da
universidade, deixava os textos de filosofia espalhados,
sem lhes dar o devido valor. Nessa época, tinha 14 ou 15
anos e adorava ler esses livros esquecidos e desprezados.

Um dia, sobre a cama, estava um livro que acabou deci-


dindo o curso dos eventos. Era um livro de 600 páginas
chamado a “História da loucura”, de Michel Foucault. Nele,
não só se explicava como se deu o nascimento da psiquia-
tria em solo europeu, mas também era explicitada a rela-
ção da arte com a loucura. Essa temática, desde sempre,
fascinou-me. Assim, aos 17 anos, decidi cursar Filosofia,
começando a minha trajetória acadêmica.

Em 2009, formei-me em Filosofia. Em 2010, fiz a minha


especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea
e, em 2011, concluí o meu mestrado em Estudos Lite-
rários, todos pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Em 2019, defendi a minha tese sobre a arte e a
psiquiatria na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de
Curitiba, recebendo o título de doutor. Depois, realizei
um pós-doutorado na UEL, concluindo-o em janeiro de
2021. Desde 2012, trabalho como professor universitário
e já ministrei aulas na Universidade Estadual de Maringá
(UEM), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
e na Universidade Estadual de Londrina (UEL), na qual,
atualmente, sou professor e pesquisador.

Meu currículo completo pode ser conferido em:


https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9601
ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE

A vida imita a arte? Ou a arte imita a vida? Nesse jargão, aparentemente trivial, são
encontradas as questões iniciais e essenciais para pensarmos nas problemáticas re-
lacionadas à arte: a relação entre a arte e a vida, a questão da mimesis (imitação ou
cópia) e a hipótese se a arte deve ser a expressão da vida e da realidade ou se ela
deve ser simplesmente ficcional. De modo geral, as páginas que seguem tratarão, seja
diretamente, seja indiretamente, desses tópicos. A esses, somam-se outros de suma
importância, tais como: qual é a finalidade de uma obra de arte? Qual é o seu valor?
Você já deve ter enfrentado, em uma conversa com um amigo ou com qualquer pessoa,
as questões relativas ao que seria uma obra de arte com ou sem valor, uma música
ruim ou boa e uma pintura bela ou feia. Como se posicionar diante de tais questões?

O estudo da estética ou da filosofia da arte, em um plano geral, lança luz sobre as ques-
tões levantadas. Inicialmente, podemos afirmar que o problema da arte ou artístico
sempre se fez presente em nossa civilização. Junto com a ciência, a religião e a reflexão
filosófica, a arte é constituinte da história e da identidade de um povo. Graças a ela,
temos acesso às culturas que são, atualmente, distantes. Por isso, assim como disse
Hegel em seus “Cursos de estética”, se você deseja conhecer a cultura grega, conheça a
sua arte. O mesmo não valeria para as outras culturas e povos? O que nossa arte atual
diz sobre a nossa própria identidade cultural?

Por isso, o presente livro propõe um passeio sobre alguns temas e alguns filósofos que
se dedicaram a fazer uma reflexão sobre a arte, desde os poemas de Homero e a sua
concepção da arte como vida, até a contemporaneidade, em que a arte se tornou um
mero produto mercadológico. Entrementes, outros temas emergem (em seus cami-
nhos e desvios), a fim de acrescentar e proporcionar a compreensão do processo de
formação de nossa cultura. Diante disso, convido-lhe a participar e a se aventurar nas
páginas que se seguem. Vamos lá?
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
9 2
43
A ESTÉTICA ESTÉTICA
NA ÉPOCA MODERNA E
CLÁSSICA A CRÍTICA DO
GOSTO

3
73 4 107
ESTÉTICA DO A VISÃO
ROMANTISMO E FILOSÓFICA DA
DO IDEALISMO ARTE TRÁGICA
ALEMÃO

5
137
INDÚSTRIA
CULTURA E
ESTÉTICA DA
EXISTÊNCIA
1
A Estética na
Época Clássica
Dr. Renan Pavini

Na presente unidade, trabalharemos o conceito de beleza para a cul-


tura grega. Foi a partir dele que a cultura helênica moldou a sua forma
de vida e de formação, e guiou o agir humano. Assim como veremos,
Homero trabalhou a beleza a partir do corpo, incluindo a coragem, a
força e a destreza. Já Platão compreendeu que a beleza só podia ser
alcançada pela razão. Aristóteles, por sua vez, a pensou dentro da peça
teatral trágica, por meio da justa medida, da mimese e da catarse. Por
fim, Plotino acreditava que só se poderia chegar ao belo se nos purifi-
carmos de nosso lado sensível. Embora, em um plano geral, a ideia de
beleza na Grécia Antiga esteja ligada às noções de harmonia, proporção
e simetria, os filósofos, em seus diferentes pensamentos, trouxeram
e deram importância diversa a esse conceito tão fundamental para o
entendimento de toda e qualquer cultura. Bons estudos
UNIDADE 1

Suponha que, andando pelas ruas de sua cidade com mais dois amigos, vocês
se deparem com um ato heroico. Uma criança estava correndo perigo ao atra-
vessar a rua, visto que um carro vinha ao seu encontro em alta velocidade. No
entanto, naquele momento, um jovem rapidamente salta em direção à criança,
salvando-a do atropelamento. Logo, uma multidão se aglomera em torno do feito.
Seu primeiro amigo comenta que nunca tinha visto algo tão belo, ao passo que
o outro retruca: “belo não, um ato de verdadeira bondade”. Diante dessas duas
observações, se o ocorrido foi um ato belo ou bom, como você resolveria essa
possível encruzilhada?
O estudo do belo clássico não é apenas um dado histórico. Quando acessamos
a estética clássica, abre-se não só um mundo novo, cultural e histórico do qual
nós somos herdeiros, mas também há uma diferença que nos ajuda a pensar em
nossa atualidade e em nossos problemas contemporâneos.
O pensamento grego em relação à arte não se concentrava, assim como é
atualmente, no entendimento de que a arte estava restrita aos objetos, como um
quadro, um romance ou uma escultura exposta em um museu e feita por artis-
tas especializados. A arte se confundia com a vida do povo grego. Toda a vida
do indivíduo deveria ser formada e caracterizada como uma obra de arte. Mais
precisamente, os antigos tomavam a vida, em suas dimensões mortal e passageira,
como uma obra de arte.
Diante da divergência entre os antigos e a nossa sociedade atual, no que con-
cerne à arte e ao belo, podemos compreender que, atualmente, a arte bela é um
produto da obra feita por um artista específico, enquanto, entre os gregos, a obra
não se restringia a um quadro ou a uma escultura, mas se relacionava com toda
a dimensão da vida.
A figura apresentada a seguir, denominada Achilles dying, retrata os momen-
tos finais da vida do grande herói grego Aquiles, que lutou na guerra de Tróia,
narrada por Homero. A lenda diz que Tétis, mãe de Aquiles, teria mergulhado
o seu filho, logo em seu nascimento, nas águas do rio Estige, o que tornou o seu
corpo invulnerável. No entanto, ela o teria segurado pelo calcanhar e, em razão
disso, esse seria o seu único ponto fraco, pois não teria sido banhado. Ao obser-
var a escultura de Aquiles, como você pode defini-la? Quais seriam as principais
características que a tornam bela ou não?

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UNICESUMAR

Figura 1 – Achilles dying, de 1884

Descrição da Imagem: Fna figura, é exposta a estátua Achilles dying (Aquiles morrendo). Ela foi criada em
Berlim, em 1884, por Ernst Herter e retrata os momentos finais do grande herói homérico. Na imagem, é
possível observar o herói sentado e há uma flecha perfurando o seu calcanhar. Ele tenta retirá-la com a mão.

Todos nós, quando emitimos um juízo sobre algo, necessariamente partimos de


conceitos prévios que carregamos, seja conscientemente, seja inconscientemente.
Esses conceitos nos chegam por intermédio de nossa cultura, do senso comum,
da escola, da política, das relações sociais, da família, do círculo de amizades, da
ciência, da arte, da religião e da filosofia, por exemplo.
Diante disso, sempre que emitimos um juízo, independentemente de sua na-
tureza, estamos respaldados em uma determinada visão de mundo. Por isso, é
importante saber o que nos leva a pensar como pensamos e a julgar como julga-
mos. Nesse contexto, faça uma reflexão que busque descobrir o local de partida
utilizado para responder se a escultura Achilles dying é bela ou feia. Tente defi-
nir os pressupostos que você considerou para caracterizá-la da forma como fez.
Anote as suas observações no diário de bordo a seguir.

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UNIDADE 1

DIÁRIO DE BORDO

A palavra estética é a tradução do grego αισθητική ou aesthesis, que significa


“experiência”, “sensibilidade”, “apreensão” ou “capacidade de conhecer pelos sen-
tidos” (visão, audição, paladar, olfato e tato). Enquanto uma disciplina filosófica
que se refere à arte, a estética foi utilizada pela primeira vez pelo filósofo alemão
Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), em torno de 1750. Esse estudioso
pretendia fundar a estética como uma ciência das sensações, buscando, assim,
a perfeição do conhecimento sensível. Portanto, podemos afirmar que, entre os
gregos, a estética, enquanto uma disciplina filosófica que cuida da arte, ainda
não existia. Isso não significa que a Antiguidade Clássica não se ocupou da arte
ou dos estudos sobre a beleza. Ao contrário, Platão, em alguns de seus diálogos,
e Aristóteles, em sua obra Poética, teorizaram a arte no campo filosófico sob a
forma de poética.

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UNICESUMAR

Já poética é a tradução do grego ποίησις ou poíesis,


que significa “fabricação”. Em outras palavras, a poética
é o estudo filosófico das obras de artes realizadas pelos
seres humanos. Por sua vez, a arte é proveniente do la-
tim ars, que tem o seu correspondente grego τέχνη ou
techne, que significa “técnica”. Podemos caracterizar, des-
sa forma, a arte, em seu sentido clássico, enquanto uma
técnica, ou seja, uma atividade humana que se submete
a determinadas regras estabelecidas para a realização de
algo. Nesse sentido, quando falamos de arte, estamos nos
referindo a uma ciência, a um instrumento, a um ofício
que não tem relação com o acaso, mas é construído a
partir de um conjunto de regras específicas que o ho-
mem utiliza em uma determinada atividade.
É importante ressaltar que a arte, para a cultura gre-
ga clássica, não se restringe ao campo dos objetos das
obras de artes realizadas pelo engenho humano, mas a
qualquer atividade humana que seja construída a partir
de determinadas regras e saberes que podem ser trans-
mitidos. Alguns exemplos incluem a arte política, a arte
bélica, a arte retórica, a arte médica, a arte gastronômica
e a arte poética. Assim como você pode notar, esta se
relaciona com as obras de arte propriamente ditas, cujo
ponto central de sua problematização é compreender
como a arte poética se liga ao belo.
Assim, é a partir da beleza que pensaremos na arte
poética na Antiguidade Clássica. Além disso, respalda-
remos os nossos estudos em quatro autores principais:
Homero, Platão, Aristóteles e Plotino. Entretanto, fique
atento(a): assim como veremos, isso não significa que
esses quatro autores, por tratarem do belo, compreen-
dem e definem a arte poética e o belo da mesma forma
ou com as mesmas características. Ao contrário, todos
trazem pensamentos distintos em relação à arte poética.

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UNIDADE 1

Homero e uma vida de beleza

Figura 2 - Busto de Homero em bronze

Descrição da Imagem: na figura, é exposto o busto de Homero. Ele está localizado no porto da Ilha de Los,
lugar em que, provavelmente, está enterrado.

Agora, exploraremos Homero e uma vida de beleza. Você já deve ter ouvido
alguém falar de Homero, poético épico da Antiguidade Grega que teria vivido,
aproximadamente, no século IX a.C. ou VIII a.C. e a quem se atribui a autoria dos
poemas Ilíada e Odisseia. Geofrey Kirk (1985, p. 1, tradução nossa), em Ilíada:
um comentário, sustenta que “o mundo antigo não conhece nada de definitivo
sobre a vida e a personalidade de Homero”. A essa constatação, acrescenta-se a
observação feita por Joachim Latacz (1998), que explica que não há o mínimo de
documentação sobre a vida de Homero para saber algo sobre ele.
Não podemos afirmar nada sobre a vida de Homero com certeza, mas isso
não significa que não podemos ter acesso ao conteúdo dos textos atribuídos a ele,
assim como é o caso das duas maiores obras da cultura grega: Ilíada e Odisseia.
São nelas que encontramos, pela primeira vez, a racionalização da mitologia grega
e dos deuses do Monte Olimpo, os quais carregam características antropomór-
ficas. Também são nelas que recuperamos as ideias de formação, de educação, de
ética, de virtude e de beleza que são próprias da cultura grega arcaica. Em suma,

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UNICESUMAR

podemos dizer que a Ilíada e a Odisseia compõem o testemunho mais remoto


da cultura aristocrática helênica que chegou ao conhecimento do povo antigo,
primeiramente, pela via oral, cantado pelos aedos (poetas). No entanto, em um
segundo momento, foi colocado em versos.
Além disso, não podemos falar de beleza ou sobre o belo em Homero de for-
ma autônoma, isto é, dissociada de outros valores que a compõem. Falar de beleza
é, na Ilíada e na Odisseia, falar de ética, de virtude e de formação do homem
grego, embora, não necessariamente de moral. O termo inicial para entendermos
a forma como podemos caracterizar a beleza em Homero é a noção de ἀρετή ou
areté, que, embora não tenhamos, na língua portuguesa, um equivalente exato,
pode ser traduzida pelo termo “virtude”. Contudo, a virtude não é entendida em
seu uso moral, no qual o indivíduo só é virtuoso se estiver em conformidade
com o bem, mas se trata da virtude que expressa o alto ideal cavalheiresco, um
comportamento singular e/ou o heroísmo guerreiro.
O termo areté, para Homero, remete não só à excelência humana, mas tam-
bém à superioridade dos seres que não são humanos. Nesse contexto, quando
nos referimos à areté, não estamos tratando exclusivamente dos feitos heroicos
de alguns homens, como Aquiles, Ájax ou Ulisses, mas também abrangemos a
força dos deuses ou a rapidez, por exemplo, de um cavalo de raça. Nesse sentido,
podemos afirmar que, naquela época, existia um senso de unidade: aquilo que
caracterizava a virtude do homem não era exclusivo dele, mas também pertencia
ao domínio de seres que não eram humanos, como os animais e os deuses.
Werner Jaeger (2013, p. 24) sustenta que “a areté é o atributo próprio da
nobreza. Os gregos sempre consideraram a destreza e a força incomuns como
base indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e areté estavam in-
separavelmente unidos”. Essa relação entre areté e nobreza se encontra na própria
raiz da palavra que deu origem ao termo “aristocracia”. Todavia, precisamos ter cui-
dado ao entendermos as palavras “nobreza” e “aristocracia” nesse contexto, assim
como devemos nos atentar ao sujeito nobre e aristocrático: todos esses vocábulos
não se vinculam, pelo menos não especificamente, à riqueza material. Assim,“are-
té”, “nobreza” e “senhorio”, nos tempos remotos, referem-se à força, à destreza, ao
heroísmo e à coragem dos guerreiros. Tudo isso está distante do sentido moral
que, a partir da filosofia socrático-platônica, estará ligada ao termo virtude.

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UNIDADE 1

Diante da noção de areté, onde se encontra a beleza? A significação da pa-


lavra areté se torna indistinguível do seu sentido poético para a construção da
beleza humana. Para estabelecermos essa relação, apresentaremos um exemplo
conhecido: o personagem Aquiles. Na Ilíada, Aquiles é o maior herói da Guerra
de Tróia. Ele é o rei dos mirmidões, adorado e temido por todos. Sua bravura,
coragem e honra o tornam determinado e digno de areté. Por isso, Aquiles não é
só belo devido aos seus atributos físicos, mas é belo porque detém a mais elevada
areté e, consequentemente, diante de seus conterrâneos, é aquele que se apresenta,
reconhecidamente, como o mais honrado, altivo, corajoso e temível. Aquiles não
tem todos esses atributos porque os deuses lhe outorgaram, mas pelos êxitos
que constantemente alcança em cada vitória, luta, decisão e movimento. Existe
um trabalho ético de forjar a própria vida de forma aristocrática, isto é, viver de
maneira plástica, nobre, guerreira e, portanto, bela.
Para ser nobre, não basta vencer o adversário fisicamente, mas é preciso
comprovar a areté conquistada por meio do contínuo exercício das qualidades
naturais. Assim, os heróis épicos realizavam esse esforço durante toda a vida, a
fim de superar os seus pares por intermédio da luta. Nesse contexto, é coerente
a existência dos Jogos Olímpicos na Grécia: é necessário provar a sua areté até
mesmo em épocas de paz, isto é, é preciso propor competições entre os seus pares
para que eles possam competir e exercitar as suas qualidades quando não estão
em guerra contra um inimigo em comum.
Agora, exporemos dois exemplos que sugerem que a ética do guerreiro homé-
rico é indissociável de uma vida plástica e bela. A primeira, que encontramos no
canto XVIII da Ilíada, narra um evento logo após Heitor, príncipe de Tróia, matar
Pátroclo, grande amigo de Aquiles e que havia vestido a sua armadura para se
passar pelo herói. Aquiles se recusava a ir à guerra em razão de sua discordância e
de sua ira contra Agamenon, rei dos gregos. Os gregos estavam perdendo a guerra
e, então, Pátroclo veste a armadura de Aquiles para inspirar o exército grego. No
entanto, Heitor, o maior guerreiro de Tróia, mata Pátroclo no campo de batalha,
uma vez que acreditava que era Aquiles. Quando o rei dos mirmidões descobre
a morte de seu amigo, deseja vingá-lo. Ao saber disso, sua mãe vem ao encontro
do herói para ter uma conversa:

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UNICESUMAR

Aquiles: - “Sim, minha mãe, responde gemebundo;


Mas que prazer terei, se é morto aquele
Que eu tanto como a vida apreciava?
Heitor, ao trucidá-lo, da armadura
O despojou, pasmoso dom celeste
Feito a Peleu, no dia em que os Supremos
No toro de um mortal te colocaram.
Oh! Também com mortal fosse ele unido,
E entre as marinhas déias habitasse!
Não te causara dor imensa um filho,
Que não hás-de rever no lar paterno.
Nem respirar o peito me consente
No meio de homens, sem que a lança minha
A alma arranque de Heitor, vingue a Pátroclo.”
“Ah!” – torna Tétis alagada em pranto –
“Que dizes, filho meu? Se Heitor sucumbe,
Tens iminente o fado.”
— “Pois morramos, diz soluçando Aquiles

(HOMERO, 2008, p. 342-343).

Outro exemplo que podemos acrescentar não se encontra no texto da Ilíada, mas
em sua adaptação cinematográfica, o filme Tróia. Aquiles, indeciso em relação ao
partir, ou não, com os gregos para a guerra, consulta a sua mãe, Tétis, que profetiza:


Se você ficar em Larissa, encontrará a paz. Encontrará uma mulher
maravilhosa, e terá filhos e filhas, que também terão filhos e filhas.
E todos eles o amarão e se lembrarão de seu nome. Mas quando
seus filhos estiverem mortos, e os filhos deles depois, seu nome será
esquecido... Se você for para Tróia, a glória será sua. Eles escreverão
estórias sobre suas vitórias por milhares de anos! E o mundo se
lembrará de seu nome. Mas se você for para Tróia, jamais voltará…
pois sua glória anda de mãos dadas com o seu destino. E eu nunca
mais o verei novamente (VIEIRA, 2017, on-line).

Nas duas passagens apresentadas, encontramos algo em comum: é necessário que o


herói busque a glória mesmo diante da morte. A honra é o troféu da areté e só é ad-
quirida a partir da ética que o indivíduo coloca sobre si mesmo em busca da nobreza,
de forjar a si mesmo. É por isso que Aristóteles defende que apenas a mais elevada
areté é capaz de “fazer sua a beleza”. Aspirar a beleza, nesse contexto, significa ser can-

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UNIDADE 1

tado pelo aedos e ter as suas façanhas eternizadas pelos poetas. É a beleza da vida que
Aquiles construiu que merece ser cantada pelos séculos posteriores. Portanto, entre
a vida do homem comum e a morte de um guerreiro corajoso, a beleza se encontra
na morte ou nessa vida de areté que, por ser bela, merece ser eternizada pelo canto.
Também é importante ressaltarmos que a ética ainda não tem um sentido
moralizante. Em outras palavras, as decisões dos guerreiros homéricos não giram
em torno do bem e do mal, mas buscam uma vida digna e valorosa a partir dos
valores cavalheirescos em detrimento de uma vida trivial e comum. Somente uma
vida digna é merecedora de areté e, desse modo, é dotada de beleza.

EXPLORANDO IDEIAS

Na mitologia grega dos deuses do Monte Olimpo, todos os homens são predestinados,
isto é, têm um destino definido a ser percorrido. Apesar disso, um homem tocado pelos
deuses, como um Aquiles ou um Ájax, deve, em vida, provar o seu valor. Isso significa que
eles já nasceram virtuosos, mas isso não basta, visto que os seus conterrâneos devem
presenciar a sua superioridade. Portanto, Aquiles já nasceu com areté, mas, caso ainda
queira ser um homem virtuoso, honrado e eternizado pelo canto dos aedos (poetas), deve
provar o seu valor de forma constante, a fim de realizar o seu destino.
Fonte: o autor

Platão e a imitação

Se podemos falar de estética platônica, devemos nos reportar à Platão e à imi-


tação. É inevitável não começarmos os nossos estudos a partir da emblemática
passagem que se encontra no livro III de A república, em que Platão expulsa os
poetas da cidade idealizada por ele:


Se chegasse à nossa cidade um homem aparentemente capaz, devida
à sua arte, de tomar todas as formas e imitar todas as coisas, ansioso
por se exibir juntamente com os seus poemas, prosternávamo-nos
diante dele, como de um ser sagrado, maravilhoso, encantador, mas
dir-lhe-íamos que na nossa cidade não há homens dessa espécie,
nem sequer é lícito que existam, e mandá-lo-íamos embora para
outra cidade, depois de lhe termos derramado mirra sobre a cabeça

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UNICESUMAR

e de o termos coroado de grinaldas. Mas, para nós, ficaríamos com


um poeta e um narrador de histórias mais austero e menos aprazível,
tendo em conta a sua utilidade, a fim de que ele imite para nós a fala
do homem de bem e se exprima segundo aqueles modelos que de
início regulamos (PLATÃO, 2014, p. 398a-b).

A passagem apresentada está no centro do debate sobre a arte em Platão (428/427


a.C. a 348-347 a.C.), já que nos expõe três considerações preciosas:

A partir das três considerações expostas, é visível a presença de um distancia-


mento da forma como Homero compreendeu a beleza. Para Platão, a beleza está
indissociada do bem e, portanto, afasta-se daquela ética cavalheiresca presente
nos poemas homéricos. Existe, no pensamento platônico, um tripé que demarca
a sua filosofia: a íntima relação entre a verdade, o bom e o belo. É em vista da
afinidade entre esses três conceitos que Nietzsche (1992, p. 83) defende que “o
princípio estético”, em Platão, é o de que “tudo deve ser consciente para ser belo”,
ao passo que, para Sócrates, mestre de Platão, o análogo a essa afirmação seria de
que “tudo deve ser consciente para ser bom” (NIETZSCHE, 1992, p. 83).
Assim, há três conceitos inseparáveis no pensamento platônico:

 

Vamos, agora, aprofundar os nossos estudos voltados ao pensamento de Platão


e esclarecer o momento em que a arte encontra o seu lugar. Para entendermos
melhor a expulsão dos poetas da cidade, precisamos ter em mente que essa repro-
vação da poesia feita pelo filósofo ateniense marca uma passagem histórica entre

19
UNIDADE 1

a arte homérica, fundamento da cultura grega e caracterizada sobretudo pela sua


abordagem mitológica, e o período da filosofia, em que é preciso imperar, acima
de tudo, a razão.
Diante disso, Platão busca ressignificar os valores da cultura grega a partir da
racionalidade filosófica em detrimento do ordenamento do mundo. Para isso, faz
uso da mitologia dos deuses, assim como encontra em Homero. Desse modo, a
reprovação de Platão está ligada ao centro da “metafísica” platônica, a qual tem
como principal traço o desprestígio do sensível e da sensação, em contraste com a
exaltação da razão e do inteligível, incluindo a valorização do noético e o desprezo
pelo estético enquanto a capacidade de conhecer pelos sentidos.
A arte, para Platão, não pode ser da ordem do sensível e do corpo, mas precisa
estar vinculada à ordem do inteligível e subordinada à razão. No livro VI de A re-
pública, essa posição é clara, quando Platão escreve que “existe o belo em si, e o bom
em si, e, do mesmo modo, relativamente a todas as coisas que então postulávamos
como múltiplas, e, inversamente, postulávamos que a cada uma corresponde a
uma ideia, que é única, e chamamos-lhes a sua essência” (PLATÃO, 2014, p. 507b).


 

Tudo é fixo,
tudo é perfeito,

mundo inteligível.



Tudo é mutável,
  tudo é imperfeito,
  mundo sensível
 

Figura 3 – Divisão do conhecimento para Platão

Descrição da Imagem: na figura, há a divisão do conhecimento para Platão. É no mundo inteligível que
se encontram as ideias perfeitas e imutáveis alcançadas pelo conhecimento racional. Por outro lado, no
mundo sensível, estão as formas imperfeitas, mutáveis e temporais

20
UNICESUMAR

Nesse contexto, a arte que não trata da essência das


coisas ganha a desaprovação definitiva de Platão, em
detrimento do argumento de que ela se encontra a
três pontos afastada da verdade em uma escala trina,
assim como o filósofo expôs no livro X de a Repúbli-
ca. A verdade, no pensamento platônico, está apenas
no plano inteligível, ou seja, no mundo das ideias que
temos acesso pela razão, enquanto as coisas sensíveis
que se encontram no mundo (os objetos e tudo aqui-
lo que podemos conhecer pelos sentidos) estão a um
ponto afastados da verdade. Eles são cópias imperfei-
tas de suas ideias, já que são da ordem do transitório,
da mudança, do perene e, portanto, do imperfeito.
Como exercício, imagine uma cadeira. Em nos-
so cotidiano, no mundo sensível, físico, há várias
cadeiras de diferentes formas, modelos e cores. Esse
fato, segundo Platão, permite-nos afirmar que esses
objetos (uma cadeira de escritório, de sala de aula
ou de madeira, por exemplo) podem ser chamados
pelo mesmo nome: cadeiras. Isso se deve, porque to-
dos pertencem à ideia perfeita de cadeira. Por isso,
quando olhamos o mundo sensível, analisamos vá-
rios objetos diferentes e que ganham o mesmo nome:
cadeira. Contudo, todos são imperfeitos, já que a per-
feição só é localizada no mundo inteligível, na ideia,
na essência e em si.
O problema se agrava no domínio da arte. Quan-
do um marceneiro fabrica uma cadeira, ele tem con-
tato direito com a ideia de cadeira, tendo em vista que
parte do ideal de cadeira e o materializa no objeto
que está a confeccionar. Certamente, para Platão, o
objeto “cadeira” já é imperfeito, uma vez que não é
a ideia em si, por mais que participe dela. O pintor,
por sua vez, não tem contato direto com a ideia de
cadeira, mas com o objeto confeccionado pelo mar-

21
UNIDADE 1

ceneiro. Portanto, quando ele pinta uma cadeira em um quadro, ele não entra em
contato com a sua ideia, mas apenas com o objeto sensível e imperfeito feito pelo
marceneiro. Nesse sentido, para Platão, a arte se encontra a três pontos distantes
da verdade, pois ela seria a cópia da cópia.
Essa condição desfavorável da mimese também se encontra na sofística, arte
da retórica. Em seu livro, que leva justamente o nome Sofista, Platão assevera que
a atividade do sofista não passa de uma brincadeira, visto que ele acredita que sabe
de tudo e crê que ensina tudo. Platão faz essa crítica ao sofista, ao aproximá-lo
da crítica da mimese artística empregada em A república, já que compreende
que a arte pode produzir todas as coisas, tendo em vista que não passa de mera
aparência, um fantasma, assim como lemos no livro X.
Logo, percebemos que o problema da arte em Platão se dá devido ao fato de
ela estar ligada à aparência e à ficção, e não à ordem da verdade. Em razão disso,
a arte é condenada, assim como a retórica. Esta, segundo o filósofo ateniense, não
se preocupa com a verdade ou com a mentira, mas apenas com o convencer os
seus interlocutores por meio de discursos floridos. Ora, trata-se justamente do
oposto que Platão projeta para o discurso filosófico, já que a busca pela verdade
é o primeiro objetivo de sua investigação. É por isso que, no âmbito da arte, de
acordo com o pensamento platônico, é preciso problematizar, acima de tudo, o
conceito de imitação. Temos que ter em mente que, em A república, é somente a
arte mimética que é rejeitada, e não a arte como um todo, assim como diz Platão
(2014, p. 595): “a de não aceitar a poesia de caráter mimético” dentro de sua cidade.
Neste momento, é cabível a apresentação de uma ressalva: o termo mimese,
em A república, de maneira deliberada pelo filósofo, aparece de forma dúbia. Isso
significa que Platão apresenta dois sentidos para uma mesma palavra: um se dá
em tom depreciativo, enquanto o outro acontece em tom positivo. Nós já conhe-
cemos o aspecto negativo, que se refere ao momento em que o pintor se afasta da
verdade para copiar objetos sensíveis. Agora, apresentarmos o tom positivo, que
se encontra no campo da pedagogia.

22
UNICESUMAR

Platão acredita que os homens se instruem, inicialmente, a partir da imitação


das formas com que tomam contato, sobretudo na cultura na qual nascem. A pe-
dagogia, que pode ser entendida em seu sentido mais rigoroso como a condução
das crianças, é uma importante questão para Platão, já que é por meio dela que os
indivíduos são educados e ela é educada por eles. Em outras palavras, a educação
serve de modelo para a imitação dos outros e os imita. A criança é moldada em
seu caráter pela imitação daquilo que ela ouve, sente e vê.

A formação do caráter de uma criança, pela via estética, é análoga aos


processos de gravura e de escultura. As expressões utilizadas por
Platão são “imprimir o caráter na alma” e “moldar a alma”, assim como
fazem os escultores e os gravuristas.

Assim, o pedagogo da cidade ideal deve moldar as almas das crianças e dos jovens
para serem cidadãos, ou seja, o objetivo dessa modelagem é o homem belo e bom.
Além disso, a duplicidade que se refere à existência de uma mimese positiva e
uma negativa também é compreendida como uma oposição entre uma arte feita
pela imitação e uma arte feita pelo simulacro. Jacques Rancière (1940 -), filósofo
francês contemporâneo, trabalha esse contraste em seu livro A partilha do sen-
sível. Ao redigir que a arte platônica é um regime ético das imagens, afirma que
toda a imagem da arte em Platão coloca uma dupla questão.

Qual é a sua origem?


Ao investigarmos a origem, chegaremos à
verdade.

Qual é a sua finalidade?


Para onde essa imagem pretende nos levar?

Figura 4 - Jacques Rancière - Fonte: Crock (2017, on-line).

Descrição de imagem: a figura mostra a feição de Jacques Rancière. Ao lado direito, há algumas frases
reflexivas. São elas: qual é a sua origem? Ao investigarmos a origem, chegaremos à verdade. Qual é a sua
finalidade? Para onde essa imagem pretende nos levar?

23
UNIDADE 1

Diante disso, Rancière nos leva ao centro do debate estético presente em Platão:
a arte deve trabalhar com a verdade e precisamos nos perguntar qual é a sua
utilidade dentro da polis, ou seja, na cidade. “Existem artes verdadeiras, isto é,
saberes fundados na imitação de um modelo com fins definidos, e simulacros de
arte que imitam a simples aparência” (RANCIÈRE, 2009, p. 28).
Essa oposição mimética entre arte (lembre-se de que “arte”, em grego, significa
“técnica”) e simulacro aparece de forma muito clara no livro III de A república, no
qual Platão critica a imitação que se enraíza pelo erro ou pela mentira. Desse modo,
trabalha uma oposição entre a narrativa simples, que expressa todo o discurso ver-
dadeiro e útil (um exemplo é quando você narra um evento que aconteceu de forma
clara, descritiva e objetiva), e a mimese (inclui a tragédia, a comédia e a epopeia)
enquanto uma imitação mentirosa, pois cria a ficção e não narra as verdades dos
fatos, mas os floreia, romantiza e, portanto, não é útil para a cidade.
Já sabemos que é no livro X de A república que Platão relaciona de forma
mais clara a imitação com a aparência, ao colocá-la a três pontos afastada da
verdade. Também é nessa obra que o filósofo retoma a aproximação entre a arte
poética e a arte retórica, uma vez que tanto os sofistas quanto os poetas imitadores
acreditam que podem falar sobre tudo sem entender nada
de verdade, pois não carregam a técnica para tal.
Por isso, Platão observa que o sofista e o artista
se alinham à mentira, por não conhecerem a
coisa da qual falam e por tratarem de múlti-
plas coisas e objetos por meio de simulacros.
Assim, há um problema comum entre o
sofista e o artista: ambos falam em simula-
cro na medida em que usam a mimese
para tratar de qualquer assunto que
não dominam ou não conhecem
verdadeiramente. No simu-
lacro, de maneira negativa,
está evidenciado o proble-
ma da verdade, uma vez
que o poeta imitador, ao
se afastar dela, também
se afasta da capacidade

24
UNICESUMAR

de ser útil e bom à cidade, seja para o seu bom funcionamento,


seja para a educação das crianças e de jovens. Tanto o artista
quanto o sofista estão aproximados dessa mentira que pode di-
zer sobre tudo. Além disso, suas atividades não são específicas e
eles não detêm a técnica, a arte ou o ofício de um determinado
conhecimento, isto é, a sua ideia: portanto, devem ser expulsos
da cidade.
Para esclarecermos ainda mais o conteúdo apresentado,
Platão trabalha a existência do que chamou de “imitador irô-
nico” a partir de uma dupla definição:
1. É aquele que utiliza argumentos breves para confundir
o seu interlocutor.
2. É aquele que pratica a ironia com longos discursos para
convencer multidões.

Platão (1972) afirma que essa arte retórica é fundamentada


apenas na opinião, e não em um conhecimento científico.
Em razão disso, cria simulacros, mentiras. Portanto, o sofista
é aquele que produz imagens a partir de uma mera opinião
(δόξα ou doxa em grego) do sujeito e de sua imaginação. Ora,
devemos considerar que essa arte da opinião está ligada ao
mundo dos homens, que é cotidiano e físico, em oposição à
arte relacionada a um plano superior, lógico e formal, funda-
mentado pelas ideias e pela razão. A ilusão se relaciona, por-
tanto, àquele indivíduo que profere discursos ou que elabora
imagens sem fundamento, unicamente vinculadas à paixão
(πάθος ou páthos, em grego) pessoal.

PENSANDO JUNTOS

Platão faz uma oposição entre um discurso verdadeiro (filosófico,


científico), que tem fundamento na verdade, e um discurso mentiro-
so, que se baseia na mera opinião e nas paixões. Em que isso poderia
contribuir para analisarmos o nosso atual problema relacionado às
Fake News, tão comum nas redes sociais?

25
UNIDADE 1

Para Platão, tanto os artistas quantos os sofistas se afastam da verdade ideal jus-
tamente por submergirem nas dimensões humanas da paixão e da opinião. Por
isso, podemos definir a opinião como a manifestação a partir de si próprio, sem
qualquer embasamento. Ainda, é o indivíduo que transforma em imagens ou
em discursos aquilo que integra apenas a dimensão humana, sem se voltar para
a dimensão do inteligível ou do metafísico (da ideia). Portanto, não faz uso da
razão ou de um fundamento científico-filosófico.
A expulsão dos poetas da cidade não ocorre simplesmente porque eles não
seriam úteis para a sociedade, mas porque eles incitam a discórdia e a contradição,
ao instituírem mentiras, quando, na verdade, deveriam buscar a verdade, que é o
objetivo da ciência e da filosofia. O sofista e o artista são produtores de imagens
que imitam o mundo sensível e, por isso, tornam-se transgressores à razão, às
leis da cidade e à verdade. Em consequência disso, podem subverter a ordem
estabelecida e promover a arte entendida como perigosa.
A arte, como técnica, não é feita pelos artistas. Que tipo de arte seria essa?
Trata-se de uma arte específica e que criaria, por meio de imagens, ou não, um
regime baseado na ideia e na verdade. Não só, mas seria destinada ao bem co-
mum da comunidade. A arte deve formar o indivíduo, e não subvertê-lo, como
é o caso do poeta imitador. Diante disso, não é difícil perceber que um artesão,
para Platão, não detém o conhecimento sobre as coisas do mundo (das paixões
humanas), mas da técnica e, por meio dela, é capaz de transmitir conhecimento. O
saber técnico não pode ser simplesmente caracterizado, de acordo com o filósofo
ateniense, como um saber empírico das coisas, mas precisa ser definido enquanto
um saber baseado na razão (no λόγος ou logos em grego). Em outras palavras, o
indivíduo que detém o saber técnico é aquele que tem a ideia (o conceito, a razão)
como fundamento e a técnica para concretizar e transmitir essa ideia.
Em suma, o verdadeiro saber é aquele que parte da ideia (do mundo inteli-
gível) e, por meio da técnica, transmite essa ideia racionalmente. Nesse contexto,
técnica e imitação são colocadas de lados opostos, já que a primeira está ligada
ao conhecimento, ao fundamento epistemológico e à ideia, enquanto a segunda
é apenas uma atividade de mera aparência, pois não se baseia no saber, mas na

26
UNICESUMAR

Figura 5 - A escola de Atenas

Descrição da Imagem:na figura, é exposto o quadro A escola de Atenas, uma das obras mais famosas de
Rafael, que a pintou entre os anos de 1509 e 1510. Nela, são representados Platão e Aristóteles no centro
da academia. Platão aponta o dedo para cima, fazendo referência ao mundo das ideias e à metafísica,
marca de seu pensamento. Já Aristóteles está com a palma da mão aberta, em referência ao mundo
empírico e ao seu entorno, assinalando o seu pensamento filosófico.

opinião e nas paixões. A arte boa, para Platão, está ligada à sua verdade (o que
inclui a origem e as ideias inteligíveis) e se destina ao bem da cidade por meio
da técnica, que visa representar o ser verdadeiro das imagens sem demarcar uma
representação ambígua ou contraditória, própria das paixões. Imagens devem
estar relacionadas à sua origem, ao seu teor metafísico, à sua destinação e ao bem
comum e social. É nesse sentido que podemos entender que Platão operou a sua
filosofia na comunhão entre a verdade, a beleza e o bem.

27
UNIDADE 1

Aristóteles e a tragédia

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) é o primeiro autor que apresenta uma definição de
poética. Ela está em um tratado que apresenta um método normativo, prescritivo
e, em alguns aspectos, descritivo para aquilo que compõe o poema mimético.
O que é poética para Aristóteles? Eis uma questão inicial que servirá como fio
condutor para a nossa explanação sobre o livro a Poética do filósofo estagirita.
A Poética é considerada por muitos um tratado lacunar, ou seja, que teria
chegado até nós apenas em partes e que, na maioria das vezes, aparenta-se mais
com notas, a fim de auxiliar o autor para uma exposição oral. Isso não impediu,
entretanto, que a Poética se tornasse um tratado fundamental e que exerceu forte
influência no Ocidente, tanto para o gênero de produção literária quanto para a
definição de poética. Peter Szondi (2004, p. 23, grifo do autor), intelectual con-
temporâneo, explica que “a poética moderna baseia-se essencialmente na obra de
Aristóteles; sua história é a história da recepção da sua obra. E tal história pode
ser compreendida como adoção, ampliação e sistematização da Poética”. Com
essas palavras, podemos ter uma dimensão da importância da obra aristotélica
para uma compreensão histórica da arte.
Aristóteles carrega preocupações diferentes de Platão. Enquanto Platão está
preocupado com as questões ética e moral da arte, isto é, volta os seus estudos a
fim de compreender como a arte pode formar um cidadão belo e bom, o filósofo
estagirita se preocupa em ensinar como se deve compor ou produzir um poema
mimético, mais especificamente, a tragédia grega, a partir de determinados crité-
rios normativos. Ora, isso nos permite dizer que a obra Poética é, antes de tudo, “a
possibilidade de compreender a utilização artística de uma noção estética como
a mimese” (PINHEIRO, 2015, p. 8).
Isso significa que Aristóteles se concentra na questão teórica relacionada ao
que seria uma poética mimética, incluindo a sua definição, o que a distingue das
demais, as partes que a compõem, os elementos a constituem, a hierarquização
entre as suas partes, o modo como é produzida, como os atores devem se com-
portar, como se dá a disposição dos objetos em um cenário e o seu tempo ideal
de duração. Embora Aristóteles também trate do poema épico e da comédia, a
Poética é, essencialmente, um tratado sobre o poema trágico.

28
UNICESUMAR

Assim, quando lemos a Poética de Aristóteles, constatamos que o filósofo


considera a tragédia a mais alta manifestação da arte em seu tempo. Por que ele
a considera a maior entre todas as artes? Porque a tragédia é um conjunto de
outras artes, isto é, funciona e envolve outros campos artísticos para se realizar,
como a música, a poesia e a cena teatral. Entretanto, dentre todos esses campos,
Aristóteles define que a composição do enredo pelo poeta trágico é a parte mais
essencial da tragédia, pois é somente a partir do enredo que temos a constituição
dos personagens, da elocução, do espetáculo visual, do canto, dentre outros.
Assim como era comum no pensamento clássico, Aristóteles entende a poéti-
ca como um procedimento mimético. Portanto, de acordo com o filósofo, “a ação
de mimetizar se constitui nos homens desde a infância, e eles se distinguem das
outras criaturas porque são os mais miméticos e porque recorrem à mimese para
efetuar suas primeiras formas de aprendizagem, e todos se comprazem com as
mimeses realizadas” (ARISTÓTELES, 2005, p. 1448b).
Observe que, assim como era para Platão, Aristóteles também sustenta que
a mimese carrega o seu caráter pedagógico. Todavia, diverge de seu mestre, pois
Aristóteles não reprova a mimese de maneira geral, assim como fez Platão, uma
vez que, para este, a mimese só valeria a pena se estivesse relacionada com o bem,
o belo e a verdade. Ora, Aristóteles pensa na mimese não subordinada à ética,
mas destaca o seu caráter puramente artístico ou, em outras palavras, “ele quer
determinar o campo de atuação do que se poderia se chamar de ‘mimético’, quer
saber quais são essas artes, como funcionam, quais os seus limites e relações
mútuas” (PINHEIRO, 2015, p. 15).

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UNIDADE 1

Rancière (2009), ao comentar a Poética de Aristóteles, assevera que o princípio


mimético não é um princípio normativo que impõe que a arte faça cópias pareci-
das de seus modelos, mas, diferentemente da concepção platônica, é um princípio
pragmático que isola certas artes particulares para que sejam executadas coisas
específicas, ou seja, imitações. Desse modo, podemos sustentar que Aristóteles
pensa na arte poética como uma arte específica e que se difere das demais no sen-
tido grego do termo. Contudo, qual é a função da arte poética, já que ela não tem
uma finalidade ética, assim como pensava Platão? Primeiramente, é importante
ressaltarmos que, para Aristóteles, a verdadeira atividade do poeta não é descrever
o que, de fato, ocorreu, assim como o faz na história, mas expor o que, a partir dos
eventos e dos fatos do mundo, poderia ter ocorrido ou o que poderá acontecer:


A tarefa do poeta não é a de dizer o que de fato ocorreu, mas o que
é possível e poderia ter ocorrido segundo a verossimilhança e a
necessidade. Com efeito, o historiador e o poeta diferem entre si
não por descreverem os eventos em versos ou em prosa, mas por-
que um se refere aos eventos que de fato ocorreram, enquanto o
outro aos que poderiam ter ocorrido. Eis por que a poesia é mais
filosófica e mais nobre do que a história: a poesia se refere, de prefe-
rência, ao universal; a história, ao particular (ARISTÓTELES, 2015,
p. 1451a35-1451b).

Na citação apresentada, note a diferença entre:



Essa distinção é essencial para Aristóteles, já que o filósofo entende que a produ-
ção mimética não se confunde com fatos ou eventos particulares da vida humana.
Todavia, a poesia mimética deve gerar a possibilidade, a verossimilhança ou a
probabilidade. De maneira diferente da história, a poética é criação e, enquanto
tal, é mais filosófica, uma vez que entra no território do não ocorrido, enquanto
a história deve descrever os fatos assim como ocorreram. “Ora, as coisas que não
ocorreram, nós ainda não acreditamos que sejam possíveis; as que ocorreram,
é evidente que são possíveis, pois não teriam acontecido se fossem impossíveis”
(ARISTÓTELES, 2015, p. 1451b).

30
UNICESUMAR

Para o Aristóteles, a poesia mimética é fruto do engenho humano e, por con-


seguinte, pode tratar de coisas que não estão dadas ou completar aquilo que falta
na natureza, imitando o que ela tem de mais essencial: a capacidade de criar. Em
outras palavras, o poeta é aquele que imita o poder da natureza, ou seja, o seu
poder de criação. Sendo um criador, o homem não copia os objetos criados pela
natureza, somente copia o poder da natureza de criar. É desse modo que o homem
consegue criar algo que não está dado naturalmente. Em suma, Aristóteles retira o
eixo historicista da poética, ao afirmar o caráter necessário e verossímil da poesia,
e ao destacar a presença de um τελος (uma finalidade) para a ação representada.
Dessa forma, Aristóteles não remete a uma verdade essencial (metafísica) em
relação à poesia. Apesar disso, o filósofo não deixa de submeter o regime poético
à mimese, que permite agrupar, separar, delimitar, normalizar as artes específicas
a serem consideradas boas e ruins, belas ou feitas. Temos, então, um juízo estético
cuja mimese “tem por finalidade não apenas a ação conduzida a seu termo, mas
também os acontecimentos que suscitam pavor e compaixão (ARISTÓTELES,
2015, p. 1452a). Alcançada essa finalidade, “segue-se que os enredos desse tipo são
necessariamente os mais belos” (ARISTÓTELES, 2015, p. 1452a).
Note que a finalidade da arte poética é justamente causar pavor e compaixão.
Estamos trabalhando uma das teses mais conhecidas de Aristóteles, a catarse, que
nada mais é do que o ato final em que todos os elementos da tragédia se encontram
incluídos, gerando pavor e compaixão. Assim, para provocar esses sentimentos
no espectador, é necessário encenar e seguir uma rigorosa ordenação técnica: ter
começo, meio e fim; um acontecimento deve levar ao outro; o mito (isto é, o en-
redo) deve produzir uma transformação brusca nessa ordem de acontecimentos.
Para entendermos como uma tragédia gera a catarse em seus espectadores,
lembremo-nos da história de Édipo, do tragediógrafo Sófocles. A narrativa conta
que os pais de Édipo, Laio e Jocasta, sabendo da profecia do oráculo, que afirmou
que o filho mataria seu pai e desposaria a sua mãe, abandonam o recém-nascido
para morrer entre Tebas, sua cidade, e Corinto. Todavia, um pastor encontra a
criança e o entrega ao rei de Corinto, que o cria. Ao saber da profecia que abatia a
sua vida, Édipo foge de Corinto para se distanciar dos pais adotivos, pois acredita
ser os seus pais biológicos, tentando fugir de seu destino.
Édipo parte para Tebas, onde realiza a profecia que lhe foi prescrita. Ora, ao
tentar fugir de seu destino, Édipo estava, na verdade, a cumpri-lo, isto é, estava
agindo de modo contrário ao que acreditava agir. É essa mudança que pertence à

31
UNIDADE 1

mimese trágica. Quando é revelada a Édipo essa mudança de ação, tanto o perso-
nagem quanto a plateia sabem de algo que não sabiam e, então, a catarse se mani-
festa. A dramatização dos eventos desenvolvidos pela tragédia, incluindo o fato de
Édipo ter matado o seu pai e desposado a sua mãe, é absorvida pelos espectadores
por meio dos sentimentos de pavor e compaixão, os quais devem ser purificados.
Por isso, a catarse deve ser entendida como o momento em que a plateia é
“purificada” ou há uma “descarga emocional”. É somente assim que a tragédia
alcança o seu objetivo. Nas palavras de Aristóteles (2015, p. 1449b), “mimese que
se efetua por meio de ações dramatizadas e não por meio de uma narração, e que,
em função da compaixão e do pavor, realiza a catarse de tais emoções”. Observe
que a catarse só pode ser realizada se a narrativa trágica produzir uma reviravolta
de ações e gerar comoção emocional, que é o maior momento da tragédia, caso
ela atenda aos critérios de proporção, simetria, justa medida e ordem. Isso gera
a beleza da obra poética.

32
UNICESUMAR

Plotino e o belo

Por que os corpos parecem belos à nossa vista? Por que belas melodias agradam
aos nossos ouvidos? Por qual razão as questões ligadas à nossa alma são belas?
Será que existe uma única beleza que atribuímos a tudo ou será que a beleza da
alma é diversa da bela do corpo? Plotino (205 d.C. - 270 d.C.), pensador neopla-
tônico, dedica a parte seis de sua primeira Enéada ao belo, buscando responder a
essas questões. Inspirado por Platão, também acredita na superioridade da alma,
assim como podemos ler:


Abandonado a sensação em seu plano inferior, devemos ascender à
contemplação dessas belezas mais elevadas que escapam ao âmbito
da percepção sensitiva: as que a alma intui e expressa sem órgão
algum. Porém, assim como são incapazes de falar sobre as belezas
sensíveis os que não as viram ou não as perceberam como belas – é o
que acontece aos que nasceram cegos – da mesma maneira ninguém
é capaz de falar sobre os belos hábitos, a não ser aquele que acolheu
em si sua beleza, a das ciências e a das outras coisas semelhantes
(PLOTINO, 2012, p. 52).

Perceba que Plotino estabelece uma subordinação da contemplação sensível à


contemplação da alma. Vejamos como isso ocorre no pensamento do filósofo.
Plotino acredita no belo em si, isto é, na beleza como uma qualidade do objeto,
e não como uma qualidade de quem o contempla. Se Aristóteles afirma que a be-
leza do objeto depende da harmonia das partes em relação ao todo, assim como
estudamos em relação à tragédia, Plotino acrescentaria que todas as partes são
belas, já que o belo não pode ser composto pelo feio. Apresentemos um exemplo:
imagine uma pintura de uma passagem. Nela, a composição, a harmonia, as cores,
a profundidade, o ordenamento das formas, tudo isso gera a sua beleza final, que
é composta. Entretanto, essa beleza composta só pode ser bela, segundo Ploti-
no, porque, em cada uma das partes da pintura, já encontramos o belo. Não é
somente o composto que é belo, mas também o simples, o singular, as partes que
o compõem. “Se o todo é belo as partes também o serão, porque a beleza não é
algo que resulta da agregação de elementos físicos, senão que compenetra todas
as partes” (PLOTINO, 2012, p. 49).

33
UNIDADE 1

A beleza, para Plotino, não se encontra simplesmente formada pela harmonia


ou pela simetria. De uma maneira mais exata, se podemos ter acesso à beleza sen-
sível de cada objeto, é porque este já o traz, em si, o belo, uma vez que a beleza das
coisas está em comunhão com o divino, com o uno, com a ideia. Nesse sentido, o
autor define o feio como aquilo que é privado de receber a participação da forma
ou da ideia exemplar. São exemplos: a desordem, a injustiça e os desejos incontro-
lados. Ora, é justamente pelo fato de determinado objeto participar da ideia que
esse objeto se liga ao todo e, portanto, à beleza e ao bem. “A formosura simples
da cor provém de uma forma e da presença de uma luz incorpórea (exemplar da
ideia), que domina a obscuridade da matéria” (PLOTINO, 2012, p. 51).
Agora, voltamos à subordinação da contemplação sensível à contemplação da
alma. A contemplação sensível nada mais é do que a submissão do sensível à ação
dominadora das ideias. Em outras palavras, só podemos considerar os objetos
como belos porque a nossa alma intui a ideia perfeita a que cada objeto pertence.
O mesmo processo se passa com conceitos de justiça ou de virtude. Só podemos
falar que a justiça e a virtude são belas, visto que intuímos nesses conceitos a ideia
de beleza por meio da nossa alma.
Para entendermos melhor a ideia apresentada, precisamos compreender que
Plotino tem em mente a ideia de beleza primeira, isto é, a beleza da qual todas
derivam. Para alcançar esse belo inteligível, é preciso, para o autor, que haja o
desprendimento das coisas sensíveis, a fim de que nos voltemos para as coisas
interiores. Plotino está a sugerir que o ser humano, para contemplar o belo ver-
dadeiro, deve passar por um processo de purificação.
As belezas corporais compreendem apenas a imagem do belo, mas não o belo
em si, já que ele encontra a sua morada apenas em nosso interior. Plotino argu-
menta que precisamos passar por um processo de conversão, que nada mais é do
que um treinamento do olhar, para que encontremos o belo para além das coisas
sensíveis que se apresentam aos nossos olhos ou ouvidos. Por isso, essa conversão
tem como escopo despertar no homem uma faculdade esquecida, aquilo que o
autor chama misticamente de “olho interior”.
O que seria esse “olho interior”? Seria o despertar, a fim de que a alma con-
temple, inicialmente, as obras de arte bela e, posteriormente, a alma dos homens
que praticam essas obras belas, as almas boas. Nesse momento, Plotino (2012, p.
57) liga a beleza à bondade, ao sustentar o seguinte: “como se pode ver essa bele-
za da alma boa? Volta-te a ti mesmo se tu não vês todavia a beleza em ti”. Nesse

34
UNICESUMAR

contexto, o belo alcança toda a sua superioridade em relação à beleza sensível,


pois, para atingirmos a beleza primeira, precisamos nos afastar de tudo o que for
relacionado à materialidade e focarmos em nossa própria interioridade.
Segundo Plotino (2012), para contemplarmos alguma coisa verdadeiramente,
devemos nos tornar a própria coisa. O filósofo sustenta que um olho só pode ver
realmente o sol quando se torna semelhante ao próprio sol, ao passo que nenhu-
ma alma veria o belo sem ser bela. Se existe alguma relação entre beleza e bondade
em Plotino, não podemos sustentar que esses dois conceitos são a mesma coisa, já
que “o que está além da beleza chamamos a natureza do bem” (PLOTINO, 2012,
p. 58). Em outras palavras, o belo é o lugar das ideias, enquanto o bem é a fonte e
o princípio de todas as ideias. Portanto, para Plotino, o belo está contido no bem.

35
UNIDADE 1

OLHAR CONCEITUAL

Belo/Beleza
HOMERO PLOTINO
Areté/ Purificação/
Virtude Belo em si
guerreira

PLATÃO ARISTÓTELES
Verdade/Bem Mimese/Catarse

No infográfico apresentado, você encontra os quatro autores estudados nesta primei-


ra unidade e que tratam da beleza de formas distintas. Perceba que, para Homero,
a beleza se relaciona com a virtude guerreira, a areté. Já para Platão, o belo está
indissociável da verdade e do bem. Para Aristóteles, uma obra bela é aquela que,
sendo bem ordenada, consegue despertar, por meio da mimese poética, a catarse
no espectador. Por fim, em Plotino, só podemos alcançar o belo em si por intermédio
de um processo de purificação de nós mesmos.

36
UNICESUMAR

Neste podcast, explicaremos a beleza na época clássica, in-


cluindo alguns autores, como Homero, Platão, Aristóteles e
Plotino. Constataremos que, por mais que encontremos, no
pensamento desses autores, o conceito de beleza, ele está
longe de ser unânime e compreendido de forma universal.
Venha escutar o que temos a dizer sobre a beleza na Gré-
cia Antiga, a fim de que entendamos um pouco mais essa
cultura que, de alguma forma, ainda somos herdeiros.

NOVAS DESCOBERTAS

Um filme que referenciamos em nossa primeira unidade foi Tróia.


Embora ele não nos traga a personificação dos deuses, assim como
acontece no texto Ilíada, de Homero, ele apresenta uma boa narrati-
va sobre o ideal cavalheiresco. Ao assisti-lo, note como Aquiles (Brad
Pitt), personagem principal, preocupa-se com a sua honra e com a
sua ética guerreira. Isso o tornou respeitável entre todos, o rei dos
mirmidões e belo. É importante ter em mente que a ética guerreira não é
pautada em um ideal moral, mas moldada para que o indivíduo se torne
respeitável, confiável e temido. Nesse sentido, podemos afirmar que Aquiles
é a personificação do ideário de beleza e de ética homérica que, com o início
da filosofia socrática-platônica, pouco a pouco, desaparecerá.

Agora que você já sabe o que os gregos clássicos pensavam sobre a beleza e a arte,
propomos um exercício: você se lembra de nossa problematização, em que uma jovem
salvou uma criança de um atropelamento? Seus dois amigos começaram a discutir se
a ação heroica da jovem foi um ato de bondade ou de beleza. Agora, diante dos autores
estudados nesta unidade, como você defenderia a sua opinião para os seus amigos?
Haveria apenas uma possível resposta? Faça um breve texto que explique o modo
como você expressaria a sua opinião sobre o ocorrido a partir da discussão iniciada
por seus amigos. Lembre-se de que um amigo disse que o fato de a jovem salvar a
criança foi um “ato belo”, ao passo que o outro disse que foi um “ato bom”.

37
1. Em Homero, não encontramos o fundamento de uma moral, embora saibamos o
conceito de areté, que tem o seu correspondente, em português, como “virtude”. Foi
por meio desse conceito que houve, na Grécia Arcaica, a formação do homem grego.

Sobre a virtude homérica, assinale a alternativa correta:

a) O conceito de virtude remete a uma ação boa ou má.


b) A virtude representa um ideal ético em que o indivíduo se impõe para moldar a
sua própria vida e, então, atingir a beleza.
c) A virtude é uma ação exclusivamente humana que pode ser caracterizada pelo
heroísmo frente ao inimigo.
d) A virtude é uma das qualidades do homem guerreiro, incluindo a força e a co-
ragem para atingir os seus objetos pessoais, independentemente de sua honra.
e) A virtude, em a Ilíada, é um ideal inalcançável. Nós só a encontramos nas obras
de arte.

2. Platão, em seu livro III da República, apresenta a emblemática passagem da expulsão


dos poetas da cidade. Nela, o filósofo sustenta que, se um poeta imitador chegasse à
cidade, o receberiam bem, mas logo o mandariam embora, pois ele não tem serventia
para a cidade ideal elaborada pelo filósofo.

Diante da passagem apresentada no enunciado, assinale a alternativa que indica o


motivo pelo qual Platão desqualifica a expressão mimética:

a) a) A desqualificação da mimese se deve ao fato de que ela não consegue expressar


o verdadeiro sentimento humano.
b) Platão percebe que, por meio da mimese, não se educaria o ser humano para a
vida, caso haja respaldo apenas em valores metafísicos.
c) A problemática de Platão em relação à mimese se deve ao fato de que ele não
permite que a arte tenha autonomia e liberdade para criar.
d) A mimese, sendo apenas cópia da cópia, é um mero entretenimento e não carrega
qualquer dano ou benefício.
e) A mimese dos poetas não se fundamenta na verdade (origem) e, consequente-
mente, não se destina ao bem (finalidade).

3. Ao chegar ao livro X de a República, Platão, de forma mais detalhada, retoma a sua


crítica à arte. Todavia, é notável, em seu pensamento, uma aproximação dessa des-
qualificação do poeta com a do sofista.

38
Sobre o modo como a crítica platônica pode aproximar a arte mimética da arte
retórica, analise as afirmativas a seguir:

I - O sofista é aquele que usa o discurso florido e romanceado, mas diz a verdade
sobre as coisas, enquanto o poético apenas imita as coisas do mundo sensível
e não representa a verdade sobre elas.
II - A aproximação se dá porque o poeta cria ficções, enquanto o sofista floreia o
discurso verdadeiro.
III - Tanto o sofista quanto o poeta mimético acreditam que podem falar sobre to-
das as coisas, embora não tenham conhecimento da verdade delas. Portanto,
propagam apenas mentiras.
IV - O sofista e o poeta mimético acreditam que podem falar sobre todas as coisas,
mas, diferentemente do poeta, o sofista teria o seu lugar na cidade platônica.
É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) II, apenas.
c) III, apenas.
d) IV, apenas.
e) I, II e III, apenas.

4. No livro a Poética, Aristóteles estabelece uma diferença entre a poesia mimética


e a história. Segundo o autor, as diferenças entre esses dois saberes podem ser
encontradas em:

a) A história deve narrar os fatos assim como eles ocorreram, enquanto a poesia
mimética deve representar o que é verossímil, possível e provável.
b) A poesia mimética e a história contam os fatos assim como eles ocorreram. To-
davia, a história conta o ocorrido descritivamente, enquanto a poesia mimética o
representa a partir de elementos persuasivos.
c) A poesia e a história fazem referência ao passado, mas um a faz de maneira fic-
cional, enquanto a outra faz de maneira real.
d) Enquanto a poesia projeta o futuro, a história se volta para o passado. Contudo,
ambas são uma interpretação não fidedigna dos acontecimentos.
e) O saber histórico é superior ao poético, já que a história narra aquilo que real-
mente aconteceu, ou seja, os fatos, enquanto a poesia demonstra o que poderia
acontecer, o que é possível, mas ainda não é verdadeiro.

39
5. Aristóteles compreende que a tragédia deve gerar a catarse no espectador, ou seja, pa-
vor e compaixão. Assim, na Poética, é defendido que a “mimese que se efetua por meio
de ações dramatizadas e não por meio de uma narração, e que, em função da com-
paixão e do pavor, realiza a catarse de tais emoções” (ARISTÓTELES, 2015, p. 1449b).

Sobre a catarse aristotélica, assinale a alternativa correta:

a) Para a catarse se manifestar e causar a purificação das emoções no espectador,


é preciso que o mito (enredo) traga uma reviravolta na mimese trágica.
b) A catarse gera a compaixão e o pavor, já que o espectador, devido ao coro, conhe-
ce os eventos trágicos que ocorrerão na ordem dos acontecimentos. Portanto,
está preparado para o fim trágico do herói.
c) A manifestação da catarse se dá com a manifestação dos deuses no palco.
d) A catarse é um elemento necessário e incluso na mimese poética.
e) A catarse, ao gerar compaixão e pavor, faz o espectador ascender à verdade
metafísica.

6. Em seu tratado Sobre o belo, Plotino afirma que as belezas corporais são meras ima-
gens do belo, mas o belo em si é apenas acessível em nosso interior. Para termos
esse acesso, teríamos que passar pelos processos de conversão e de purificação.

De acordo com o pensamento plotiniano, o que são os processos de conversão e


purificação?

a) Um olhar subjetivo. O sujeito deve olhar para os seus desejos e paixões pessoais
e, então, purificar-se do mundo objetivo.
b) Um treinamento rigoroso. Nele, o homem deve ter acesso aos conhecimentos
técnico e empírico sobre as coisas.
c) Uma espécie de treinamento do olhar, a fim de que consigamos olhar para além
das coisas sensíveis. Trata-se de um olho interior.
d) Um esforço místico para encontrar o seu eu espiritual como a verdade única do
mundo.
e) Um modo de vida e conhecimento interiores, para despertar o lado trágico da
existência.

7. Agora que você conhece os principais autores que tratam da beleza na Grécia, é visível
que o problema estético, na Antiguidade Clássica, gira em torno do conceito de belo.

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Cada autor define e compreende o belo de maneira diferente, assim como vimos em
Homero, Platão, Aristóteles e Plotino. Essas definições contribuem não só para enten-
dermos a beleza dentro de uma obra de arte, mas para entendermos a própria vida
do indivíduo. Além disso, contribuem para que compreendamos uma cultura, uma
época e uma sociedade. Diante disso, produziremos um mapa mental que ligará cada
autor aos seus respectivos conceitos. No entanto, antes disso, completemos a tabela
a seguir, preenchendo-a com os conceitos de seus respectivos autores.

Considere os seguintes conceitos:

 

  

 

Figura 6 - Mapa mental sobre a beleza na época clássica

Descrição da Imagem:a figura representa um mapa mental. Para tanto, traz o conceito de beleza ao centro
e cada autor estudado nesta unidade define a beleza de forma distinta uns dos outros.

Purificação e belo em si

Virtude/areté

Catarse e mimese

Ideia e bem

Cada conceito se vincula a um dos autores estudados. Para tanto, relacione os seus
nomes aos seus respectivos conceitos, tendo em mente que esse é o caminho per-
corrido por cada estudioso para alcançar a beleza.

41
2
Estética
Moderna e a
Crítica do Gosto
Dr. Renan Pavini

Na presente unidade, trabalharemos a crítica do gosto a partir do século


XVIII e entenderemos como a estética, na modernidade, faz-se objeto de
reflexão filosófica com pretensões de universalidade a partir de três autores:
Baumgarten, Hume e Kant. Em Baumgarten, você verá como a estética se
torna uma “ciência da sensibilidade”. Em Hume, você perceberá como o estu-
dioso busca encontrar um padrão de gosto para julgar o objeto estético. Por
fim, em Kant, você compreenderá de como o juízo estético é caracterizado
como um “prazer desinteressado”. Depois de percorrermos esse caminho,
compreenderemos que os três autores trabalham a noção de estética de
maneira diferente, mas é evidente que eles buscam abandonar a ideia de
gosto, que está situada na esfera particular do sujeito, para adquirirem a
ideia de juízo estético universal
UNIDADE 2

Suponha que você está ao redor de uma mesa de um restaurante com amigos e
amigas. Um de vocês começa a falar sobre música e acredita que pode determinar
que a música clássica é superior às outras, uma vez que a considera como aquela
que tem o real valor artístico, a única de bom gosto. Outro colega, por sua vez,
pensa que ele está precipitado, pois, de todos os ritmos musicais que conhece,
o único que o agrada é o bom e velho rock and roll. Mozart, por exemplo, não
lhe agrada aos sentidos. A discussão continua e vários colegas expõem opiniões
divergentes. Os ânimos se exaltam e, por fim, um levanta a voz e fala categorica-
mente: gosto não se discute! O que você acha da observação de seu último colega?
Você concorda com ele ou não? Gosto se discute?
A noção de “gosto”, presente nas discussões estéticas desde o Renascimento
(século XVI), influenciará grande parte do pensamento do século XVIII, em
conjunto com outras noções, como de belo e de gênio. Essa noção vinha, me-
taforicamente, da arte gastronômica e da culinária, ou seja, da maneira como
apreciamos o sabor dos alimentos pelo paladar. Todavia, ela também tinha um
sentido social, visto que indicava a habilidade de alguns indivíduos de apreciarem
ou opinarem acerca do que, dentro de uma área restrita, como a arte, a ciência, a
moral, a política, a filosofia ou a religião, consideravam como detentor de gosto.
Eles eram caracterizados como críticos do gosto ou, assim como você já deve
conhecer, como aqueles que tinham “bom gosto”. O século XVIII herdou e con-
tinuou a explorar essa noção de gosto tanto no contexto da vida em sociedade
quanto nos contextos estético e filosófico. Diante disso, ficou conhecido como o
“século do gosto” e o “século da crítica”.
Quando é aproximada a noção de juízo estético do gosto gastronômico, assim
como era comum antes de a estética ser considerada uma disciplina filosófica,
certamente, o juízo emitido sobre uma obra de arte é caracterizado como re-
lativista. Em que sentido? Sempre que eu como um prato de comida, ele pode,
ou não, ser-me agradável. Em outras palavras, o juízo emitido sobre o gosto da
comida (se ela é saborosa ou não) é relativa ao sujeito e depende de quem a come.
Ora, o mesmo processo é aplicado a uma obra de arte. Quando eu entro em
contato com uma música (ou com um quadro, um romance, uma escultura),
posso não gostar dela. Isso depende da relação que eu tenho com a música e do
meu gosto musical. Todavia, você deve saber que, na estética moderna, existe um
grande esforço em buscar uma opinião comum (universal) entre os indivíduos
a partir de um juízo crítico.

44
UNICESUMAR

Diante do conteúdo exposto, relembre algum gosto divergente que você já


teve em relação a algum colega. Pode ser uma música, um desenho, um filme ou
um livro, por exemplo, que você tenha gostado e o seu amigo não (ou vice-versa).
O que você levaria em consideração para defender a sua posição em detrimento
da problemática instaurada?
Suponha, agora, que você seja um(a) professor(a) que fará um passeio com
os seus alunos por um museu. Assim como é de se esperar, eles se deparam com
obras de todos os tipos e de todos os “gostos”. Considere que alguns estão em
frente a um quadro e emitem opiniões (boas e ruins) sobre a referida obra de arte.
Diante dessa situação, faça uma reflexão de como você, enquanto professor(a),
deveria auxiliá-los: existe algum conhecimento que possa fundamentar as nos-
sas opiniões sobre a arte ou simplesmente cada um detém um gosto particular?
Anote as suas observações no diário de bordo.

NOVAS DESCOBERTAS

Para ter uma melhor experiência e acessar diversas obras de arte, faça um
passeio virtual por um dos maiores museus do mundo, o Louvre, localizado
em Paris, na França.

Figura 1 - Alunos no museu

Descrição da Imagem: a figura retrata alguns estudantes (crianças) dentro de um museu. Eles estão
tendo contato com as mais variadas obras de arte, desde quadros abstratos até esculturas clássicas.

45
UNIDADE 2

A modernidade inaugura a estética enquanto uma disciplina filosófica e autô-


noma. Até então, os assuntos e os temas estéticos eram tratados a partir de três
tradições distintas, embora isso não signifique que eles não se cruzavam:

   as ideias de perfeição,


ordem, harmonia, simetria e regularidade eram necessárias para se
chegar ao belo, uma herança das tradições platônica e neoplatônica
que foi retomada no século XV.



    refere-se aos sentimentos dos
indivíduos e aos seus modos de sentir.


 volta-se às produções artísticas e aos seus processos de
criação, por exemplo, em uma clara continuidade aos preceitos normativos
inaugurados pela Poética, de Aristóteles, que tiveram grande influência a
partir do Renascimento.

46
UNICESUMAR

Foi com Baumgarten, todavia, que foi elaborada uma disciplina completamente
autônoma de outros saberes filosóficos, incluindo a metafísica, a ética e a lógica.
Essa disciplina foi chamada de “Estética” pelo autor. Ao fazer isso, Baumgarten não
só conseguiu condensar as três tradições que se encontravam separadas até então,
mas deixou em destaque a relevância das faculdades sensíveis humanas, as quais
eram depreciadas em favor das faculdades racionais ou intelectuais. A partir de
Baumgarten, foi aberto um caminho para uma reflexão mais sistemática e profunda
sobre a arte, o gosto, o gênio e a criação, o que gerou uma crítica ao juízo de gosto.

Baumgarten e a Ciência do Conhecimento Sensitivo

Figura 2 – O Homem Vitruviano

Descrição da Imagem:
na figura, é apresentada
a obra O Homem Vitruvia-
no, um dos desenhos mais
conhecidos de Leonardo
da Vinci e um dos mais fa-
mosos da história da arte.
Nela, o autor faz o seu de-
senho a partir de estudos
anatômicos (por meio da
dissecação de cadáveres),
a fim de corrigir as propor-
ções presentes no estudo
do arquiteto Vitrúvio. Leo-
nardo da Vinci também se
inspirou na matemática
euclidiana e nos estudos
de outro arquiteto, Alber-
ti. O Homem Vitruviano é
uma obra que representa
com maestria a conjugação
entre a arte e a ciência..

47
UNIDADE 2

Assim como você já sabe, Baumgarten inaugura o sen-


tido moderno da palavra “estética”. Em 1750, em seu
livro Estética: a lógica da arte e do poema, o autor
busca determinar o que é o objeto dessa ciência do
conhecimento sensitivo e, ao mesmo tempo, deseja
diferenciar a noção de estética de outras definições
e ramos da filosofia, como a metafísica, a política, a
ética e a epistemologia. Em uma parte de seu livro,
Baumgarten (1993, p. 95) sustenta que a estética “é a
ciência do conhecimento sensitivo”. Desse modo, o
filósofo pretende se distanciar das visões desacredita-
das da estética, uma vez que essa seria, até então, não
simplesmente uma temática inferior, mas também não
merecedora de reflexão filosófica.
Até a chegada de Baumgarten, a arte estava filiada
a duas tradições: a platônica, que acreditava no belo
em si e deveria guiar o homem para o alcance
de sua beleza moral em detrimento da esfera
sensível; e a aristotélica, em que o belo estava
relacionado a um conjunto de preceitos e nor-
mas para se manifestar, assim como estudamos
na Unidade 1. Em decorrência dessas duas tradições,
o belo foi separado do intelecto. Não só, mas
foi condenado ao descrédito por sua parte
sensível e pelas reflexões filosóficas voltadas às
questões metafísicas, morais e religiosas. Todos
esses âmbitos o excluíram de suas preocupações.
Esse panorama, contudo, começa a mudar
com a advento do Renascimento, momento em
que há uma forte ligação entre o belo artístico e o belo
natural, que trazia os caracteres universais de beleza.
Todavia, foi somente com Baumgarten, em sua obra
Estética, que a reflexão filosófica se volta para o belo,
fato que tornou a estética uma disciplina filosófica.
Baumgarten se preocupou em tratar o belo em sua

48
UNICESUMAR

autonomia, e não mais subordinado às temáticas morais, assim como era em Pla-
tão, por exemplo.
Além disso, Baumgarten divide o espírito humano em duas faculdades: a
superior, que é a metafísica; e a inferior, que é a parte sensível e auxiliada pelo
intelecto. Enquanto a lógica e a ciência são conhecimentos evidentes e claros, o
conhecimento sensível ainda é obscuro e, por isso, deve ser depurado pela estética
enquanto disciplina. Ao considerar que a arte deveria ser matéria de uma reflexão
filosófica por meio da disciplina estética, Baumgarten aproximou analogamente
a estética do conhecimento racional, já que ela levaria a arte a obter uma maior
clareza, aproximando-se, assim, do conhecimento lógico-científico.

PENSANDO JUNTOS

Qual é, então, o objetivo de Baumgarten? O estudioso busca conferir um papel relevante


à estética dentro da reflexão filosófica. Tenta fundá-la como uma ciência da sensibilidade
que tem como finalidade a perfeição do conhecimento sensível, isto é, da beleza.

Ao buscar, na estética, o análogo ao conhecimento racional, o conceito de belo


adquire uma importância ímpar no pensamento de Baumgarten: é graças ao
belo que o conhecimento sensível pode se aperfeiçoar. Nesse sentido, o belo cor-
responde à possibilidade de perfeição do conhecimento sensível, uma vez que a
estética, enquanto ciência da sensação, faz um “refinamento do conhecimento”
(BAUMGARTEN, 1993, p. 113) sensível. Em outras palavras, ela separa aquilo
que é dispensável esteticamente daquilo que é propriamente o belo.
Entretanto, como se busca o belo? Para Baumgarten (1993), o exercício es-
tético parte do sensível, que ainda é considerado confuso e contraditório, para
que, por intermédio do exercício estético, chegue-se até a ideia de beleza. Nesse
sentido, podemos aproximar Baumgarten de Platão, uma vez que o autor mo-
derno compreende que o nosso pensamento deve conduzir as nossas sensações
à ideia de beleza ou, em outras palavras, ao exercício estético, que nada mais é do
que um exercício de reflexão filosófica. Esse processo de conhecimento deve nos
levar à perfeição do objeto sensível.
O que Baumgarten pretende com isso? Ao submeter o conhecimento sensível
à disciplina estética, o autor busca deixar para trás o preconceito de que a arte, em

49
UNIDADE 2

sua relação com a sensibilidade, não é um tema digno de reflexão filosófica. Na


tradição platônica, a mimese é a imitação da sensibilidade imperfeita (simulacro,
cópia da cópia) ou ela deve, enquanto imitação, seguir alguns preceitos e regras
para fazer o telespectador atingir a catarse, assim como Aristóteles pensou. Em
contrapartida, ao contrário de definir a arte por intermédio da mimese, assim como
a Antiguidade Clássica o fez, Baumgarten pensa no belo a partir da subjetividade.
O que isso significa? “Nenhuma beleza pode ser percebida sem a represen-
tação das verdades estético-lógicas” (BAUMGARTEN, 1993, p. 130). Em outras
palavras, a beleza de um objeto só é possível se ela estiver em conformidade com
as estruturas formais de nosso próprio pensamento. É somente a partir de nosso
pensamento que podemos olhar um objeto sensível e extrair dele as ideias de
simetria, proporção e unidade. Além do mais, se podemos extrair essas ideias de
um objeto sensível, é porque elas já estão contidas em nosso próprio pensamento.
Dessa forma, o sensível se relaciona com o nosso pensamento na medida em
que nossas representações agem como mediadoras, isto é, entre nós e os objetos,
estão nossas representações. As representações seriam, nesse sentido, aquilo que
nos permite perceber os traços distintivos da beleza por meio da simetria, da
proporção e da unidade incluídas no objeto. É por isso que Baumgarten define a
estética como a arte de pensar de maneira bela, ou seja, o estudioso assume o belo
a partir da sensibilidade.
Todavia, para se chegar ao belo, há que se ter a disciplina do conhecimento
científico. Nesse sentido, temos o sensível e a razão mediados pela representação.
Assim como escreve Luc Ferry (1951-) em seu livro Homo Aestheticus: a invenção
do gosto na era democrática, a estética, em Baumgarten, “exprime de maneira no-
tabilíssima esta oposição entre a via da investigação teórica, que conduz ao geral,
e a estética, que visa, pelo contrário, a determinação absoluta, a individualidade”
(FERRY, 2012, p. 115).
Perceba que, para Baumgarten, a oposição entre uma via teórica e a sensibili-
dade (estética) se desfaz justamente na representação, momento de aparecimento
da beleza. Em outras palavras, a via da sensibilidade seria aperfeiçoada pela nossa
subjetividade, a fim de alcançar o belo no pensamento, trazendo, portanto, uma
conformidade entre o teórico e a sensibilidade. De uma maneira ainda mais exem-

50
UNICESUMAR

plificativa, é nos objetos naturais que, a partir de nossa representação, encontramos


os traços característicos da beleza. Por isso, Baumgarten busca um vínculo entre o
nosso pensamento e a sensibilidade, ou seja, entre o belo natural e o belo artístico.

PENSANDO JUNTOS

Note a importância da definição moderna operada por Baumgarten: o belo se torna sub-
jetivo na medida em que a beleza só pode ser atingida por meio da representação huma-
na. O belo não é mais uma propriedade do objeto no mundo, mas a beleza surge a partir
da forma como a representamos, ao entrar em contato com determinado objeto.

Hume e o Padrão de Gosto

Depois de Baumgarten, a estética, como disciplina filosófica, não abandonou al-


guns conceitos-chave das temáticas sobre a beleza na Antiguidade, sobretudo as
ideias de simetria, proporção e harmonia. Em razão disso, ao longo dos tempos, o
“bom gosto” se tornou sinônimo de “justa medida” e “boas maneiras”, evidencian-
do, assim, a aproximação operada por Platão e por Aristóteles. Contudo, diante
das diversas opiniões que se apresentaram no campo da estética, não seria o caso

Existe um padrão de gosto?

de nos perguntarmos:

Hume deu atenção a questão apresentada, mas a colocou de modo diverso da


tradição filosófica. Enquanto a tradição estava preocupada com uma reflexão
que necessariamente subordinava a sensação à razão, Hume, enquanto filósofo
empirista, não desqualifica o sensível. Ao contrário, afirma que “o sentimento está
sempre certo; porque o referente só tem a si mesmo como referencial e é sempre
real, quando se tem consciência dele” (HUME, 2012, p. 95).
Por isso, Hume sustenta que o sentimento em si mesmo é a sua própria medi-
da, enquanto o conhecimento utiliza, como referência, algo exterior a si próprio,
como um fato, embora possa emitir inúmeras opiniões sobre esse mesmo fato.
Entretanto, apenas uma será verdadeira.

51
UNIDADE 2


Entre mil e uma opiniões que indivíduos diferentes podem ter sobre
o mesmo assunto, existe uma e somente uma que é justa e verda-
deira; e a única dificuldade é encontrá-la e confirmá-la. Por sua vez,
os mil e um sentimentos diferentes despertados por um mesmo
objeto são todos certos, porque nenhum sentimento representa o
que realmente está no objeto (HUME, 2012, p. 95).

Diante do exposto, Hume expressa que a beleza não é uma qualidade das coisas,
mas está no espírito que a contempla. Além disso, cada um percebe a beleza de
forma diferente. Em vista disso, podemos pensar na seguinte situação: suponha
que você e alguns colegas entram em contato com uma planta rara, exótica e que
nunca tinham visto. O sentimento que cada um tem em relação à planta não
diz respeito ao objeto “planta”, mas ao próprio sujeito. Portanto, um pode achar
a planta linda, outro pode achá-la feia e outro, ainda, pode ter repulsa por ela.

Figura 3 – Hydnora abyssinica

Descrição da Imagem: na figura, é apresentada a Hydnora abyssinica, considerada uma das plantas
mais estranhas do mundo. Ela é parasitária e tem as suas partes vegetativas muito parecidas com fungos.

52
UNICESUMAR

Todos os sentimentos expostos estão relacionados com a forma como o sujeito


se relaciona com o objeto. Desse modo, a referência é o próprio sujeito. Todavia,
imagine que há um grupo de botânicos discutindo que planta seria e cada um
emite uma opinião diferente. Sabemos, de antemão, que, dentre essas opiniões, só
uma poderia corresponder com a verdade. Logo, os outros pareceres seriam falsos.
Desse modo, Hume procura mostrar que, enquanto as formas de represen-
tação operadas pelo nosso entendimento estão dentro de um registro do certo
ou do errado, da correspondência, ou não, com um fato, a sensação é autônoma
em si mesma, pois a beleza da arte, por exemplo, não está limitada às regras da
verdade, como a ciência, mas à atuação da imaginação. É perceptível que a be-
leza de um poema não se encontra em uma descrição real das coisas, mas está,
muitas vezes, na ficção, nas metáforas e na perversão dos termos em relação ao
significado real, por exemplo. Ainda em relação exemplo voltado à poesia, por
mais que ela não possa ser submetida à exatidão da verdade, ela não deixa de ser
operada por regras da arte descobertas pelo gênio de seu autor.
Hume afirma, entretanto, que nem todo indivíduo sente o prazer da mesma
maneira e, em vista disso, acredita que alguns sujeitos não experimentam o sen-
timento de beleza de forma adequada, por terem a ausência da delicadeza que os
tornariam sensíveis às emoções sutis. Para definir essa “ausência de delicadeza”
exigida para o padrão de gosto, o autor recorre a uma passagem da famosa obra
de Cervantes (1978, p. 517-518), Dom Quixote, em que Sancho Pança narra o
pitoresco episódio de seus parentes, dois provadores de vinho:


- Ah, tenho um bom faro – tornou Sancho – nisto de vinhos, basta
que eu cheire qualquer, e logo lhe acerto com a pátria, com a lingua-
gem, com o sabor, com a duração, e com as contas que há de dar. Mas
não admira, que eu tive na minha linhagem, por parte de meu pai, os
dois maiores entendedores que tem havido em La Mancha; e como
prova, eu lhe vou dizer o que lhes sucedeu. Deram-lhes a provar o vi-
nho dum tonel, perguntando-lhes o seu parecer a respeito do estado,
qualidade, bondade ou maldade do vinho. Um provou-o com a ponta
da língua, o outro só o chegou no nariz. O primeiro disse que o vinho
sabia a ferro, o segundo, que sabia a couro. Respondeu o dono que o
tonel estava limpo, e que tal vinho não tinha adubo algum onde lhe
viesse o gosto de couro, ou de ferro. Com tudo isso, os dois famosos
provadores afirmaram o que tinham dito. Correu o tempo, vendeu-se

53
UNIDADE 2

Figura 4 – Dom Quixote e Rocinante depois da batalha com o moinho de vento

Descrição da Imagem: na figura, há uma imagem feita por Gustave Dore para o livro A história de Dom
Quixote, publicado em 1880. Ela retrata o famoso cavaleiro de triste figura. Ele está caído ao chão e ao
lado de seu cavalo, depois de sua célebre batalha contra os moinhos de vento. Ao fundo, chega, Sancho
Pança, que puxa o seu burro por uma corda..

54
UNICESUMAR

o vinho, e ao limpar-se o tonel acharam dentro uma pequena chave,


pendente numa correia: veja Vossa Mercê se quem descende desta
raleia poderá ou não dar o seu parecer em semelhantes coisas.

Para Luc Ferry (2012, p. 94), o sentido da passagem apresentada é duplo:


1) Indica que o modelo estético de Hume se situa com o sentido
originário da palavra “gosto”, na arte culinária, e o belo, então, filia-se
ao agradável.

2) Todavia, se o belo é o que agrada, “o que convém à estrutura


interna, quase biológica, dos homens, o seu critério será fornecido
pela constituição mas essencialmente humana, quer dizer, pela dos
mais entendidos, a qual possuirá, pelo menos de direito, uma certa
universalidade” (no sentido que deveria ser para todos os homens).

Ora, é observável que, para Hume, o juízo estético não depende apenas do co-
nhecimento teórico, mas também do sentir e de complexos estados de ânimos
que fazem parte de um indivíduo. Contudo, isso não significa que, para o filóso-
fo, o juízo de gosto não tenha rigor. Hume acredita que o homem deve ter uma
“cultura dos entendidos”, isto é, além de ter uma natureza dotada de delicadeza, é
necessário cultivar o juízo do belo e do feio a partir do contato com as obras de
arte. “Embora exista, em relação a essa delicadeza, uma enorme diferença natural
entre um indivíduo e outro, nada contribui mais para aumentar e aprimorar esse
talento que a prática de uma arte e análise e contemplação constantes de um
determinado tipo de beleza” (HUME, 2012, p. 101).
Em vista disso, Hume opera a partir do juízo sobre o belo e carrega um prin-
cípio que liga a universidade e a relatividade. Há a universalidade do gosto, já
que a natureza humana é a mesma em todos os indivíduos e em todas as épocas.
Por outro lado, é inegável que “ainda assim poucos são os capazes de julgar qual-
quer obra de arte ou de impor o seu próprio sentimento como padrão da beleza”
(HUME, 2012, p. 105). Assim, o juízo de gosto, para Hume, precisa permanecer
em conformidade com o seu último princípio: a natureza humana. Contudo, ao
mesmo tempo, deve ser cultivado para que não seja uma mera opinião.
No homem cultivado, deve imperar o bom senso de julgar, tendo em vista que
ele é um homem de cultura e natural, distanciando-se, portanto, de preconceitos

55
UNIDADE 2

individuais. É somente desse modo que, para Hume, é possível julgar de forma
mais ou menos perfeita. Isso nos leva a entender que a estética, para o filósofo
escocês, encontra a sua universalidade em uma aristocracia estética. É por meio
dela que são estabelecidas as normas para todo juízo sobre o belo.

Kant e o Juízo Estético

Já sabemos que, para Hume, o conhecimento sobre a beleza se inicia com a ex-
periência. Se tomarmos a afirmação apresentada como correta, não podemos
asseverar, a partir de Kant, que ela está completa, tampouco podemos sustentar
que o conhecimento sobre o belo se origina da experiência. A partir do pensa-
mento kantiano, temos a tentativa de junção de duas correntes que, até então,
eram antagônicas na filosofia: o racionalismo, que sustenta que tudo provém do
entendimento, e o empirismo, o qual defende que tudo se origina da experiência.
Por isso, afirmamos que, a partir de Kant, a revolução copernicana começa a
ganhar cada vez mais espaço. No entanto, o que seria essa revolução? Kant (2013,
p. 18) explana que “a razão só entende aquilo que produz segundo os seus pró-
prios planos; que ela deve tornar a dianteira com princípios, que determinam os
seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas
interrogações em vez de se deixar guiar por eles”.
O que isso significa? Se, para Hume, a origem do conhecimento está na expe-
riência, visto que nos conformamos com a maneira como os objetos se apresen-
tam para nós, para Kant, são as coisas que se conformam a nós e as certas formas
de leitura que nós projetamos sobre os objetos. Kant acreditava que algumas no-
ções, como o tempo e o espaço, não estão na natureza, mas são condições a priori
de nosso entendimento para poder captar as coisas. Assim, estruturas lógicas e
conceitos, como o tempo e o espaço, são necessários para adquirirmos conheci-
mentos sobre as coisas e para enxergarmos as coisas da forma como a vemos. Para
a teoria kantiana, nós nunca temos acesso ao objeto em si mesmo, mas apenas
ao modo como ele se apresenta para nós a partir de nossa constituição subjetiva.

56
UNICESUMAR

Desse modo, quando Kant se volta para a arte, o filósofo não está mais preo-
cupado, assim como Hume, em tentar estabelecer um padrão de gosto, mas visa
estabelecer uma crítica estética. Em A crítica da faculdade do juízo, aquele que
ajuíza se um objeto é belo ou não “tem que crer que possui razão para pretender
de qualquer um uma complacência [prazer] semelhante” (KANT, 2012, p. 48).
No entanto, segundo Kant, como nós julgamos se um objeto é belo ou não?

Figura 5 – Visitantes na galeria Uffizi

Descrição da Imagem: a figura retrata o interior do museu Uffizi, localizado em Florença, na Itália, em
2017. Nela, estão pessoas contemplando um quadro.

Kant diferencia o juízo estético do juízo de conhecimento e do juízo moral. Entre


esses três juízos, temos algo em comum: a busca pela universalidade. Todavia, al-
guns juízos, como os morais e os científicos, estão ligados tanto a conceitos quanto
a interesses do sujeito ajuizador. Para esclarecer essa ideia, apresentaremos um
exemplo oferecido pelo próprio Kant.

57
UNIDADE 2

Imagine um suntuoso palácio banhado a ouro e construído há muito tem-


po. Alguém pergunta: você acha esse palácio belo? Você pode responder que não
acha o palácio belo, porque ele só serve para expor a vaidade dos grandes, já que foi
construído com muito suor e sangue de escravos. Além disso, pode sustentar que,
se estivesse perdido em uma ilha deserta, sem esperança de retornar à civilização,
e pudesse produzir aquele palácio ou uma cabana aconchegante e cômoda para
viver, certamente, desejaria construir a cabana.
As duas afirmações apresentadas não são juízos estéticos, já que, na primeira,
há uma preocupação que se liga a construção do objeto (do palácio) à exploração,
que não possibilita ajuizar de forma puramente estética, mas moral. Por outro lado,
na segunda afirmação, não há como emitir um juízo moral, visto que a razão e o
desejo estão mais preocupados em fazer uma cabana cômoda e útil para poder
viver bem do que construir um suntuoso palácio que seria inútil em uma ilha
deserta. Perceba que ambas as ideias demonstram o interesse na forma como o
sujeito se relaciona com o desejo de julgar e representar o objeto, no caso, o palácio.
Por outro lado, o juízo estético é de outra natureza. Kant (2012, p. 37-38)
sustenta que:


Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação, não
pelo entendimento a objeto em vista do conhecimento, mas pela
faculdade de imaginação ao sujeito e ao seu sentimento de prazer
e desprazer. O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhe-
cimento; por conseguinte, não é lógico e sim estético, pelo qual se
entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser
senão subjetivo. Toda referência das representações, mesmo a das
sensações, pode, porém, ser objetiva (e ela significa então o real de
uma representação); somente não pode sê-lo a referência ao senti-
mento de prazer e desprazer, pelo qual não é designado absoluta-
mente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si próprio
do modo como ele é afetado pela sensação.

A afirmação exposta evidencia a qualidade do juízo estético. Observe que, para eu


saber, do ponto de vista kantiano, se um objeto é belo, ou não, não posso encontrar
a resposta pelo conhecimento, mas pelo sentimento de prazer ou desprazer que eu
tenho. Em outras palavras, Kant propõe que podemos ajuizar esteticamente não
porque o belo (ou o feio) se encontra no objeto, mas em detrimento do sentimento

58
UNICESUMAR

que eu tenho em relação ao objeto. Por isso, quando entramos em contato com
uma obra de arte, por exemplo, se tivermos um sentimento de prazer, devemos
ajuizar a obra como bela. Caso contrário, devemos considerá-la feia.
Todavia, se Kant limitasse a sua explicação apenas nas ideias apresentadas,
seria muito problemático falar em uma universalidade do juízo estético. Por quê?
Porque todo juízo necessariamente seria particular.
Vejamos a um exemplo:

Figura 6 - Terraço no café à noite - 1888

Descrição da Imagem: na figura, é mostrado um quadro pintado por Vincent Van Gogh durante a sua
estadia na cidade de Arles. Nela, o pintor retrata um famoso café em uma noite estrelada, localizado na
Place du Forum. Atualmente, em detrimento do quadro, ele se chama Le café Van Gogh.

59
UNIDADE 2

Suponha que você está dentro de um museu e con-


templa uma obra de Van Gogh chamada Terraço do
café à noite. De repente, alguém chega ao seu lado e
começa a olhar para o mesmo quadro. Vocês comen-
tam alguns detalhes do quadro, conhecem-se melhor,
apaixonam-se e começam a namorar. Por estar ena-
morado, sempre que você vê o quadro Terraço no
café à noite, você o acha belo. Por que isso acontece?
Justamente porque você liga o quadro ao momento
em que conheceu a pessoa amada. Assim, você tende
a achar o quadro belo, pois ele te faz lembrar desse
encontro fortuito em sua vida.
Agora, imagine que você e a sua pessoa amada
começam a se desentender e a brigar e, por fim, sepa-
ram-se de uma forma nada amistosa. Se você entrar
em contato novamente com o quadro de Van Gogh,
o sentimento de beleza, levando em consideração o
seu sentimento atual, será perdido. Desse modo, você
poderá ajuizar a obra de arte como feia, despropor-
cional e assimétrica.
Note que um juízo desse tipo se dá por intermédio
de um sentimento interessado, isto é, você sente prazer
ou desprazer ao entrar em contato com um quadro
mediante o estado de ânimo em que você se encontra.
Nesse sentido, o juízo estético seria sempre particular
e singular, ou seja, ele nunca poderia se alçar ao nível
da universalidade. Portanto, juízos desse tipo levariam
a arte à relatividade, visto que cada indivíduo emitiria
um juízo divergente sobre a mesma obra, tendo em vis-
ta que cada um consideraria sentimentos divergentes.
Então, o que seria um juízo estético para Kant?
De acordo com Otfried Höffe (2005, p. 298, grifos
do autor), um grande estudioso de Kant, a “crítica da
faculdade de julgar estética, uma crítica do gosto e da
arte no sentido transcendental, surgiu da descoberta

60
UNICESUMAR

do a priori estético”. Isso significa que todo e qualquer juízo estético é indepen-
dente da experiência, o que também significa dizer que os sentimentos de prazer
e de desprazer que o sujeito tem em relação ao objeto devem ser desinteressados.
Em razão disso, é possível compreender a especificidade do juízo estético, que,
apesar de se distinguir dos juízos de conhecimento e de moral, defende que é uni-
versalmente compreensível. Ora, enquanto os juízos de conhecimento e de moral
buscam uma universalidade objetiva, Kant frisa que os juízos estéticos trazem
uma universalidade subjetiva. Nesse sentido, ao elencar a ideia de universalidade
subjetiva, Kant não está pensando na subjetividade de maneira particular, pois, se
assim estivesse, seria impossível ansiarmos um juízo universal sobre a arte.
Chegamos a um aspecto central para analisarmos o juízo estético kantiano, cuja
característica é o seu caráter reflexivo. Sobre a temática, Kant (2012, p. 11) defende que:


A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o par-
ticular como contido no universal. No caso de este (a regra, o
princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsu-
me o particular, é determinante (o mesmo acontece se ela, en-
quanto faculdade transcendental, indica a priori as condições
de acordo com as quais apenas naquele universal é possível
subsumir). Porém, se só o particular for dado, para o qual ela
deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é sim-
plesmente reflexiva

Quando vemos uma maçã suspensa no ar, sem nenhum apoio, cair, sabemos que
esse acontecimento particular (a maçã cair no chão) se relaciona com uma lei
universal: a gravidade. É a isso que Kant chama de juízo determinante. Todavia,
quando olhamos para uma obra de arte, não temos um princípio universal ou
uma regra geral da qual podemos nos apoiar para fundamentá-la universalmente.
Assim, para fundamentarmos de maneira pretensamente universal, devemos
utilizar os juízos estético reflexivos, que nada mais são do que os juízos que não
têm a sua validade no objeto que se apresenta, mas em nós mesmos, ou seja, no
próprio sujeito. Contudo, Kant compreende que, ao entrar em contato com um
objeto, para ter um juízo realmente estético, é preciso ter um prazer desinteres-
sado. Como se dá esse prazer desinteressado? Como sei que o prazer que sinto
está distante daqueles outros prazeres ligados ao interesse?

61
UNIDADE 2

A chave para entendermos o conteúdo apresentado está relacionada ao conceito


de liberdade encontrado na Crítica da faculdade do juízo, o qual é completamente
diferente da forma como Kant definiu a liberdade no sujeito esclarecido e que é en-
contrada em seu famoso texto Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?. Nesse
texto, Kant define o sujeito esclarecido como aquele que saiu de sua menoridade e
pela qual é responsável. A menoridade nada mais é do que “a incapacidade de fazer
uso de entendimento sem a direção de outro indivíduo” (KANT, 1985, p. 100). Por
outro lado, a maioridade abrange o esclarecimento e a capacidade de pensar critica-
mente sem ser tutelado por alguém. Para se chegar a esse esclarecimento, segundo
o autor, é preciso ter a coragem de pensar por si próprio e afastar a preguiça e a
covardia que leva o homem, durante toda a vida, a permanecer menor.

Kant (1985, p. 104) ainda afirma que “para este Esclarecimento, porém, não mais se
exige senão LIBERDADE”. Essa liberdade é definida, primeiramente, de maneira
negativa. Em outras palavras, o filósofo explica como não se é livre e como é a
impossibilidade de fazer o uso livre de seu entendimento: “ouço clamar de todas
as partes: não raciocinai! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O fi-
nancista exclama: não raciocineis, mas pagai! O padre proclama: não raciocineis,
mas crede!” (KANT, 1985, p. 104). Posteriormente, diante de todas essas limitações,
Kant afirma que a liberdade, em seu uso livre, é chamada de “uso público da razão”,
que nada mais é do que a capacidade “que qualquer homem, enquanto SÁBIO, faz
dela diante do grande público do mundo letrado” (KANT, 1985, p. 104).
Para contrabalancear, todavia, Kant assevera que o sujeito esclarecido não
é constituído simplesmente pelo “uso público da razão”, mas também pelo “uso

62
UNICESUMAR

privado da razão”. Por uso privado, Kant entende aqueles homens que, mesmo
carregando a possibilidade de serem críticos e uma função a eles confiada, devem
obedecer, pois de nada adiantaria ser apenas um crítico e fazer o mecanismo de
determinada instituição parar.
Para esclarecermos a noção de liberdade e a forma como ela se faz presente
no sujeito esclarecido, apresentaremos um exemplo: imagine um professor que
passou em um concurso público e, por isso, começa a lecionar em uma deter-
minada instituição. Como sujeito esclarecido, ele deve fazer tanto o uso público
quanto o uso privado de sua razão. O que isso significa? Isso demonstra que ele
compreende as engrenagens e os mecanismos da instituição na qual leciona e,
por isso, tem a obrigação, de acordo com Kant, de ser crítico desses mecanismos
para poder melhorar a instituição.
Entretanto, mesmo sabendo dessas limitações, o professor não pode sim-
plesmente deixar de exercer a sua função, isto é, ele não pode deixar de aplicar
provas, comparecer às aulas e lecionar de acordo com o tempo estabelecido e
com as diretrizes impostas, sob pena de não contribuir para o funcionamento da
instituição. Isso prejudicará uma série de pessoas de sua comunidade, inclusive,
os alunos. Diante disso, Kant lança uma grande máxima em seu texto e que se
remete ao homem esclarecido. Ela nos dá a ideia de uma liberdade responsável,
isto é, uma liberdade dentro de certos limites aceitáveis: “é permitido raciocinar,
mas deve-se obedecer” (KANT, 1985, p. 106).
A liberdade estética é compreendida de maneira completamente diversa da
liberdade presente no texto Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?. Em a
Crítica da faculdade do juízo, Kant defende que é apenas no juízo estético que
encontramos uma liberdade pura, isto é, livre e desinteressada. Ora, o filósofo
prussiano explica que:


[...] um objeto de inclinação e um que nos é imposto ao desejo me-
diante uma lei da razão não nos deixam nenhuma liberdade para
fazer de qualquer coisa um objeto de prazer para nós mesmos. Todo
interesse pressupõe necessidade ou a produz; e, enquanto funda-
mento determinante da aprovação, ele não deixa mais o juízo sobre
o objeto ser livre (KANT, 2012, p. 46).

63
UNIDADE 2

Ao contrário, o juízo estético é livre, porque o sujeito,


quando emite um juízo estético, deve necessariamen-
te se despir de suas inclinações, ou seja, daquilo que
conduziria o seu julgamento de forma idiossincrática
e particular (lembre-se do exemplo apresentado e re-
lacionado ao quadro de Van Gogh). É justamente essa
liberdade voltada às inclinações e ao objeto que está a
sua frente que permite que o sujeito julgue de modo
que, em seu juízo, não se encontre nenhuma condição
privada. Ele não é conduzido por nenhuma inclina-
ção, paixão ou feição pessoal. É preciso crer que aque-
le que julga o faz de forma pura e, portanto, qualquer
um que julgasse da mesma forma e estivesse em seu
lugar chegaria ao mesmo sentimento, seja de prazer,
seja de desprazer, uma vez que é desinteressado.
Para entendermos a temática apresentada, que
é essencial para o juízo estético kantiano, expo-
remos um exemplo análogo, embora tenhamos
que adaptá-lo ao nosso propósito. Kant parece
sugerir a espécie de um juiz. Como se caracteri-
za, idealmente, a ideia de um juiz? Devemos pres-
supor que, quando um juiz julga um caso em que
há duas partes envolvidas, ele se mantém distante das
duas, ou seja, não tem proximidade com nenhum dos
indivíduos envolvidos e não tem interesse em saber
o desdobramento do caso. Essas são as precondições
para que haja um julgamento justo. Assim, é possível
sustentar que qualquer juiz que fosse colocado no
lugar desse primeiro juiz, a fim de julgar o mesmo
caso, chegaria ao mesmo veredicto que o primeiro,
tendo em vista que ambos foram imparciais. Evi-
dentemente, o juiz deve seguir as leis, mas qual-
quer inclinação que faça o desvirtuará de sua
função e favorecerá um dos envolvidos.

64
UNICESUMAR

Figura 7 – Estátua da deusa grega Têmis, cuja equivalente romana é a deusa da justiça

Descrição da Imagem: na figura, está a deusa Têmis (ou justiça). Ela segura, em sua mão direita, uma
balança, que representa o julgamento equilibrado e justo. Na mão esquerda, ela empunha uma espada,
que representa o seu poder. Outro elemento essencial e presente na deusa é a venda em seus olhos,
que significa que ela é imparcial, buscando sempre a verdade e estando acima das paixões humanas.

Kant requer, no juízo estético, algo completamente semelhante, embora o julgante


não tenha o fundamento de leis predeterminadas para pautar o seu julgamento.
Por isso, o juízo estético é livre, pois julga de forma desinteressada e sem qualquer
fundamento relacionado aos conceitos que podem guiar o seu juízo. É devido a
essa posição de desinteresse que ele pode reivindicar uma universalidade sub-
jetiva, isto é, ele pode considerar que qualquer um que estivesse em seu lugar e
julgasse de forma livre chegaria ao mesmo sentimento.

65
UNIDADE 2

OLHAR CONCEITUAL


É somente a partir do nosso pensamento
que podemos olhar um objeto sensível e
extrair dele as ideias de simetria, proporção
e unidade.

Lorem ipsum
Estética filosófica e a 
crítica do gosto A relatividade se liga à universalidade
por meio da natureza humana e, ao
mesmo tempo, os indivíduos devem
ser cultivados para julgar apenas por
meras opiniões.


O jju
juízo estético é livre e o sujeito, ao emitir
u
um juízo estético, deve necessariamente
se despir de suasinclinações e julgar
desinteressadamente.

No infográfico apresentado, é possível observar os três grandes representantes das teorias do

gosto na modernidade: Baumgarten, Hume e Kant. Além disso, é expressa a forma como cada

um compreende a ocorrência do julgamento estético sobre um objeto ou uma obra de arte.

Baumgarten, que tornou a estética uma disciplina filosófica, defende que sempre que olhamos

um objeto, a beleza dele entra em conformidade com a nossa subjetividade, isto é, com as

estruturas formais presentes em nosso pensamento. Hume, por sua vez, acredita que a univer-

salidade do juízo estético se encontra na natureza humana, embora ressalte que muitos homens

emitem meras opiniões e, por isso, apenas os homens de cultura carregam bom senso para

julgar esteticamente. Kant, por fim, compreende que um juízo estético deve ser desinteressado,

isto é, quando julgamos um objeto sem qualquer inclinação, julgamos livremente e, por isso,

podemos chegar ao mesmo sentimento, seja de prazer, seja de desprazer.

66
UNICESUMAR

Neste podcast, trataremos de três autores muito impor-


tantes para a modernidade filosófica em relação à estética:
Baumgarten, Hume e Kant. Esclarecemos a forma como
eles abandonam a noção de gosto como algo particular
(gosto gastronômico, ao provar uma comida, por exemplo)
e que depende da inclinação do indivíduo, para aderirem
uma ideia de estética mais sistematizada e, portanto, um
juízo estético com pretensões de universalidade

NOVAS DESCOBERTAS

Janela da alma é um documentário brasileiro dirigido por João Jardim


e Walter Carvalho. Ele foi lançado em 2002 e, nele, constam 19 de-
poimentos de pessoas com deficiências visuais, da miopia discreta à
cegueira total. A ideia do filme surgiu em razão de um dos diretores,
João Jardim, acreditar que, devido ao fato de a sua miopia ser muito
alta, teria influenciado a sua personalidade e a sua vida.
.Alguns entrevistados são muito conhecidos do público, como o músico Her-
meto Paschoal, a atriz Marieta Severo, o escritor português José Saramago, o
cineasta Wim Wenders e o poeta brasileiro Manoel de Barros. Por intermédio
do relato dos entrevistados, com profundidade e sensibilidade, o filme apre-
senta relatos pessoais e inesperados sobre os múltiplos sentidos da visão.

Agora que você já conheceu Baumgarten, Hume e Kant, você sabe que a mo-
dernidade estética se inicia a partir de um esforço enorme para passar daquele
padrão de gosto particular, pautado em uma visão individual do sujeito, para
um juízo de gosto universal. Cada autor o faz a partir de suas próprias filosofias
e, portanto, de maneiras distintas: Baumgarten faz uma tentativa de fundar uma
estética enquanto disciplina que permitiria encontrar, no sujeito, as estruturas
formais das belezas presentes em nosso próprio pensamento; Hume fez as suas
proposições a partir da natureza humana e do cultivo do gosto; Kant, por fim,
sustentou que o juízo estético reflexivo é livre. Diante dessas três teorias, produza
um texto que defenda o argumento de que gosto se discute.
Finalizamos a nossa segunda unidade e agora é o momento de avaliar os
conhecimentos adquiridos. Para tanto, procure realizar as atividades avaliativas
propostas a seguir.

67
1. Atribui-se a Baumgarten o advento da estética enquanto disciplina filosófica. Isso
significa que o autor elevou as discussões em torno da “ciência do sensível” a outro
patamar. Essa ciência era, até então, considerada um objeto menor pela tradição.
Somado a isso, Baumgarten também altera o modo como se compreende o belo, ao
inaugurar uma forma moderna de se pensar no problema da beleza.

Considerando o conteúdo apresentado no enunciado, segundo Baumgarten, o belo


é pensado a partir:

a) de estruturas formais e regras pré-determinadas.


b) da metafísica.
c) da subjetividade.
d) da catarse.
e) da virtude.

2. Hume, em seu texto Do padrão de gosto, concede um lugar privilegiado a sensação.


Para fazê-lo, Hume compara como se dá a verdade no conhecimento sensitivo e no
conhecimento racional.

Considerando a temática presente no enunciado, assinale a alternativa correta:

a) Hume compreende que, dentre todas as opiniões sobre um mesmo objeto, só


uma pode ser verdadeira. Por outro lado, dentre todos os sentimentos desper-
tados por um único objeto, todos são verdadeiros.
b) Hume compreende que, dentre todas as opiniões sobre um mesmo objeto, todas
são verdadeiras. Por outro lado, dentre todos os sentimentos despertados por
um único objeto, apenas um é verdadeiro.
c) Hume entende que, dentre todas as opiniões sobre um mesmo objeto, só uma
pode ser verdadeira, assim como ocorre em relação ao sentimento, visto que
apenas uma é verdadeira.
d) Para Hume, que é conhecido como cético, tanto as opiniões sobre um fato quanto
o sentimento que temos sobre um objeto são falsas.
e) Para Hume, somente o conhecimento abstrato pode chegar à verdade sobre um
objeto. Por outro lado, a sensibilidade nos engana.

68
3. Hume, mesmo sendo um filósofo da tradição empírica, não abdica de pensar na
universalidade do gosto. Assinale a alternativa que liga, a partir do juízo de gosto
humeano, a relatividade dada por nossa sensibilidade à universalidade:

a) A razão.
b) A natureza humana.
c) A sete sentidos.
d) O conhecimento inato.
e) A dedução.

4. Kant, em Crítica da faculdade do juízo, busca estabelecer critérios específicos sobre


o juízo de gosto. Para tanto, o filósofo estabelece um debate com outros dois juízos:
o prático e o científico.

Sobre o juízo estético kantiano, é correto afirmar que:

a) é um juízo que se assemelha aos juízos morais e aos juízos científicos


b) é um juízo que se assemelha aos juízos morais, porém não aos científicos.
c) é um juízo que se afasta dos juízos morais, embora seja um juízo científico.
d) é um juízo que se diferencia tanto dos juízos morais quanto dos juízos científicos.
e) o juízo de gosto não se difere em nada dos juízos moral e científico.

5. Em Crítica da faculdade do juízo, Kant afirma que sabemos se um objeto é belo ou


feio de acordo com um sentimento de prazer que é sentido em nós, quando estamos
em contato com o objeto.

Sobre o sentimento de prazer em Kant, é correto afirmar que:

a) é um prazer desinteressado e, por isso, livre.


b) é um prazer interessado e que depende de determinadas inclinações.
c) é um prazer desinteressado e pautado na imparcialidade científica.
d) é um prazer interessado e de acordo com os valores morais.
e) é um prazer particular e que varia de indivíduo para indivíduo.

69
6. Agora que você conhece as teorias estéticas de Baumgarten, Hume e Kant, complete
a figura a seguir com o nome dos três filósofos nos círculos coloridos. Depois, faça
cada um corresponder aos seus respectivos conceitos.

Estética moderna,
a crítica do gosto

Juízo estético Ciência da Natureza Liberdade de Homem Prazer


reflexionante sensibilidade humana inclinações cultivado desinteressado

Figura 8 – Mapa mental sobre a estética moderna, a crítica do gosto

Descrição da Imagem: : a figura apresenta os principais conceitos dos autores estudados nesta unidade

70
3
Estética do
Romantismo e
do Idealismo
Alemão
Dr. Renan Pavini

Nesta unidade, estudaremos duas tradições filosóficas muito impor-


tantes para a estética moderna: o romantismo e o idealismo alemão.
No romantismo, será exposta a problemática do sujeito criador pelo
viés da fragmentação, ou seja, de como nos constituímos em sujeitos
incompletos, a partir de autores, como os irmãos Schlegel e Novalis.
Em sua crítica ao romantismo, o idealismo de Hegel acredita que a
arte deve ser dialética, isto é, que a obra de arte deve recusar a sub-
jetividade mundana para adquirir uma subjetividade que expresse
ideais e valores que pertencem a todos os indivíduos em uma dada
cultura. Em uma última análise hegeliana sobre a arte, notaremos
que o advento do romantismo alemão significa a própria morte da
arte moderna, pois esta valorizaria as paixões e as particularidades
mundanas ao contrário dos altos ideais de uma cultura.
UNIDADE 3

Suponha que você está sentado em meio à natureza e uma brisa leve bate em seu
rosto. Você olha a imensidão da natureza, a forma como as folhas balançam, o
modo como os pássaros cantam e como as cores se compõem. Em um determinado
momento, um pintor, com uma prancheta em mãos, senta-se ao seu lado. Ele abre a
bolsa, tira várias cores, posiciona-se e começa a desenhar olhando para o horizonte.
Você, a apenas alguns centímetros do pintor, olha para o mesmo lugar que ele
olha, enquanto ele dá intensas pinceladas em seu quadro. Ao contemplar a natu-
reza, sem olhar para a tela do pintor, você imagina o desenho que ele fará a partir
da paisagem que vocês dois têm acesso. As horas passam e, finalmente, o pintor
termina a sua obra de arte e questiona se você gostaria de vê-la. Ansiosamente,
você observa a pintura, mas não vê nada daquilo que os seus olhos contemplaram.
Apenas observa figuras abstratas que não retratam a paisagem que, com tanto
fervor, o pintor estava a olhar no momento em que pintava. A que você atribui
isso? Por que o artista não pintou exatamente o que estava à sua frente?
A arte moderna não é compreendida de maneira unívoca e, em razão disso,
faz um rompimento com as expressões artísticas anteriores. Diante do roman-
tismo alemão, a arte adentra em um terreno que não pertence mais ao ideal, ou
seja, ela não expressa mais os grandes valores trazidos pela tradição, pela cultura,
pela sociedade e pela moral. Ela se torna muito mais combativa a esses valores,
já que, agora, a arte não compreenderá mais o homem de forma acabada, mas
fragmentada. Por isso, em meados do século XVIII e início do século XIX, há
duas tradições que se opõem: o romantismo e o idealismo. Em relação à primeira,
autores, como Novalis e os irmãos Schlegel, elaboram uma estética do fragmento,
contrapondo-se a toda forma sistematizada de se pensar. Por outro lado, em rela-
ção ao idealismo, temos Hegel, que preza pela expressão do ideal que traz a beleza.

74
UNICESUMAR

Quando você assiste a um filme, lê um livro ou contempla um quadro, o


que te chama a atenção? É digno de atenção que a obra expresse um conteúdo
grande e absoluto, como as obras de Michelangelo, ou que ela apresente apenas as
paixões humanas, os desejos e as intrigas particulares que, da maneira como são
abordados, proporcionam um significado maior por intermédio da poetização do
instante? Diante desses questionamentos, observe as obras apresentadas a seguir
e defina qual traz os valores românticos e qual carrega as características idealistas.

Figura 1 - A criação de Adão, de 1511

Descrição da Imagem: na figura, é apresentada uma obra pintada no teto da Capela Sistina por volta
de 1511. Trata-se de A criação de Adão, que retrata um episódio do livro do Gênesis, em que Deus cria
o primeiro homem: Adão

75
UNIDADE 3

Figura 2 - Moça do brinco de pérola, de 1665

Descrição da imagem: na figura, há uma obra pintada pelo holandês Johannes Vermeer em 1665. O
artista retrata uma jovem aparentemente simples, mas usando um brinco de pérola.

76
UNICESUMAR

Podemos antecipar que a discussão travada entre os românticos alemães e Hegel


(idealista), ocorre porque os primeiros buscam a experiência artística a partir
da subjetividade e da criação artística, que leva em consideração o indivíduo e
a romantização das paixões e dos eventos cotidianos, enquanto Hegel entende
que a arte deve expressar um conteúdo absoluto e que não represente somente o
indivíduo, mas toda a cultura e um povo. Desse modo, faça uma reflexão sobre
as obras artísticas que você conhece (uma música, um filme, um romance, um
quadro ou uma escultura, por exemplo) e que trazem esses dois pontos de vista.
Anote as suas observações no diário de bordo a seguir.

77
UNIDADE 3

O Romantismo Alemão e o Idealismo

Agora, trabalharemos duas correntes fundamentais para a compreensão da


estética moderna: o romantismo alemão e o idealismo. Em relação à primeira,
compreenderemos como o romantismo carrega uma oposição ao iluminismo e
aos seus ideais de racionalidade, principalmente quando os românticos buscam
calcar a sua filosofia por meio do fragmento. Já em relação à segunda tradição,
entenderemos como Hegel concebe a arte enquanto história da arte e, posterior-
mente, saberemos como o filósofo de os Cursos de estética compreende que um
movimento, como o romantismo, leva a arte para o seu fim, já que ela perde a
conexão com um sentido superior.
O romantismo alemão tem início, enquanto um movimento filosófico, no
final do século XVIII. É importante ressaltar que esse século, assim como você já
sabe, é conhecido como o “século das luzes” ou Iluminismo.

O Iluminismo (ou, em alemão, Aufklärung) foi um movimento filosófi-


co e cultural que teve início na França, no século XVII. A partir de en-
tão, foi difundido por todos os países europeus. Devido à intensidade da
adoção das ideias iluministas, o século XVIII se tornou conhecido como
o “século das luzes”. Ele realizou uma valorização exacerbada da razão,
uma vez que é por meio dela que a humanidade se iluminaria (com o
conhecimento) e sairia das travas, em um movimento rumo ao progresso
humano. Uma das grandes revoluções e herdeiras do iluminismo foi a
Revolução Francesa. Na França, o grande representante do iluminismo foi
Voltaire, enquanto, na Alemanha, foi Kant.

78
UNICESUMAR

O romantismo alemão, por sua vez, instaurou-se contra a principal bandeira


iluminista: a valorização exacerbada da razão. Contrário às filosofias sistemáticas,
o romantismo carregava a experimentação como uma de suas principais carac-
terísticas. O que significa falar em experimentação? Isso significa que a filosofia
romântica não compreenderá o homem como um ser acabado, mas submerso
em incertezas e em incompletudes, o que também reflete na linguagem adotada
pelos românticos: o fragmento.
A utilização do fragmento é a proposta central e reflete a própria compreen-
são que os românticos têm acerca da constituição do ser humano. Além de o
fragmento significar uma ruptura com a história da filosofia do século XVIII,
incluindo os esforços provenientes das críticas kantianas em buscar um acaba-
mento sistemático para o pensamento, a filosofia do fragmento também significa
a ideia refletida ou o duplo do homem. É isso o que podemos entender em uma
carta escrita por Friedrich Schlegel (1772-1829), datada de 17 de dezembro de
1797, ao seu irmão August Wilhelm von Schlegel (1767-1845): de “mim, de todo
meu eu, não posso absolutamente dar outro échantillon [amostra] que um tal
sistema de fragmentos, porque eu mesmo sou um?” (SCHLEGEL, 1997, p. 11).
Observe como Schlegel, um dos pioneiros do romantismo alemão em con-
junto com o seu irmão, compreende a conexão entre a escrita fragmentária e a si
próprio enquanto sujeito. Essa relação também pode ser encontrada no famoso
fragmento de Novalis (1772-1801), outro grande romântico, ao lado dos irmãos
Schlegel, que sustenta que “o ato filosófico genuíno é o suicídio; tal é o real começo
de toda filosofia” (NOVALIS, 2001, p. 31).
Embora a ideia de Novalis seja forte, não podemos entendê-la literalmente,
ou seja, como o suicídio propriamente dito. Por outra via, esse ato se liga ao
projeto filosófico proposto pelo romantismo: o de se desvencilhar das filosofias
sistemáticas que exaltam a razão e, consequentemente, excluir a maneira como
essas filosofias concebem o homem (como um indivíduo terminado). Por isso,
os elementos que se suicidam são justamente a história da filosofia pautada na
razão e o ideal de homem esclarecido.

79
UNIDADE 3

Figura 3 - Friedrich Von Hardenberg (Novalis)

Descrição da imagem: na figura, é apresentado um desenho do romântico Novalis. Esse desenho foi
publicado nos livros Meyers Lexicon, em língua alemã. Trata-se de uma coleção de livros composta por
21 volumes e que foi publicada entre os anos de 1905 a 1909.

Sobre a temática, Friedrich Schlegel (1997, p. 16) explica que, “se ao refletir não
nos podemos negar que tudo está em nós, então não podemos explicar o sen-
timento de limitação que nos acompanha constantemente na vida senão quan-
to admitimos que somos somente um pedaço de nós mesmos”. Márcio Suzuki,
diante da afirmação de Schlegel, comenta que, para os românticos, o indivíduo

80
UNICESUMAR

“é como uma parte, um pedaço, fração, fratura ou fragmento de si mesmo, que


se destaca do todo, mas ao mesmo tempo o pressupõe e quer retornar à unidade
do ‘proto-eu’” (SUZUKI, 1997, p. 16)
Em 1798, os irmãos Schlegel publicaram o primeiro número da Revista
Athenäuem, composta, em grande medida, pelos fragmentos de Novalis. Com
uma escrita em fragmentos, Novalis defende que o homem pensa por fragmen-
tos. Devemos ressaltar que essa filosofia, ao adotar tal estilística de escrita, busca
impor a instabilidade na qual o homem está mergulhado e retirar das coisas uma
significação única ou unívoca. Em outras palavras, uma escrita por fragmentos
carrega diversos caminhos a serem percorridos e várias interpretações podem ser
dadas, resultando na ausência de uma verdade definitiva e categórica.
A partir dos apontamentos apresentados, perceba que o romantismo define
que a própria atividade originária do “eu”, em sua natureza reflexiva, gera frag-
mentação. Também podemos sustentar que isso acaba por resvalar na escrita e,
portanto, na poesia. Todavia, há um detalhe importante sobre o romantismo:
Schlegel, a fim de superar essa problemática (assim como outros teóricos do ro-
mantismo alemão), compreende que toda poesia é fragmentada em diversos
gêneros poéticos e, em vista disso, busca o sentido inverso. Em outras palavras,
a poesia tenta retornar à unidade inicial, ou seja, a unidade antes de qualquer
separação, a forma primordial. É possível falar de poesia, prosa, filosofia, criação
poética e crítica, mas o que Schlegel quer alcançar, diante de todos esses gêneros,
não é um gênero propriamente dito, mas a unidade que liga todos eles, o elemento
fundador e no qual todas essas fragmentações se encontram ligadas.
O esforço de combinação dos gêneros foi chamado por Schlegel de “poesia
universal progressista”:


A poesia romântica é uma poesia universal progressiva. Sua desti-
nação não é apenas reunificar todos os gêneros separados da poesia
e pôr a poesia em contato com filosofia e retórica. Quer e também
deve ora mesclar, ora fundir poesia e prosa, genialidade e crítica,
poesia, poesia-de-arte e poesia-de-natureza, tornar viva e sociável
a poesia, e poéticas a vida e a sociedade (SCHLEGEL, 1997, p. 64).

81
UNIDADE 3

Sobre a temática, Suzuki (1997, p. 17) afirma que o ponto de partida do romantis-
mo é “a forma primordial”, que “se desenvolve por múltiplas formas particulares e
busca novamente, pela combinação destas, a unidade da forma”. Seria, portanto,
necessário entender que todo fragmento, ou seja, toda forma particular é contin-
gente em relação à primeira forma. Como isso é possível? A forma fragmentária
da poesia é livre de qualquer maquinaria técnica presente na sistematicidade de
outros discursos filosóficos. Ela é orgânica como a vida e, por isso, Schlegel (1997,
p. 82) defende que “um fragmento tem que ser como uma pequena obra de arte,
totalmente separado do mundo circundante e perfeito e acabado em si mesmo
como um porco espinho”.

Figura 4 - Porco espinho em cima de um livro

Descrição da imagem: na figura, é mostrado um porco espinho em cima de um livro, como se ele o
estivesse lendo. Para Schlegel, o porco espinho é composto por vários espinhos, cada um em si mesmo.
Não obstante, todos esses espinhos estão ligados ao animal. A analogia ao porco espinho se dá, então,
entre o fragmento (espinhos) e o todo (animal).

82
UNICESUMAR

Devido a isso, o romantismo estabelece uma tensão entre o sistema e o fragmento,


ou seja, entre o acabado e o inacabado. A síntese exposta por Schlegel é equiva-
lente ao que Todorov (1996, p. 234) escreve: “a unidade dos contrários”. É por
isso que, para os românticos, o fragmento deve ser, ao mesmo tempo, subjetivo
e objetivo. “É igualmente mortal para o espírito ter um sistema ou não ter siste-
ma nenhum. Ele terá, portanto, que se decidir por uma combinação de ambos”
(SCHLEGEL, 1997, p. 95).
O sujeito romântico se volta para a sua interioridade, incluindo seus sen-
timentos, paixões e angústias, por exemplo. Entretanto, essa volta a si mesmo
não significa uma preocupação relacionada à elaboração de um conhecimento
científico. Não obstante, é buscada a compreensão do próprio espírito humano
em toda a sua capacidade. Ao dar esse espaço central à subjetividade, encontra-
mos, no romantismo alemão, alguns temas, como medos, sonhos, esperanças e
sentimentos. Perceba que todos pertencem à ordem subjetiva.
Se o romantismo abre esse espaço e trabalha os temas expostos, é possível
sustentar que as histórias pessoais ganham espaço e, como grande marco, temos
o estilo “diário” como uma forma literária. Em vista disso, a particular interio-
ridade do ser humano se torna tão importante quanto as grandes questões da
humanidade, uma vez que esse ser finito é parte integrante do todo infinito. Além
disso, podemos depreender a característica central do gênio romântico: ao olhar
para dentro de si mesmo, para a sua particular subjetividade, encontra a alma de
toda a humanidade. Observe que, mesmo que os românticos partam da subjeti-
vidade particular, essa saída é feita para alcançar alguns conceitos, como infinito
e totalidade. Assim, podemos afirmar que, no finito, está contido o infinito ou,
em outras palavras, é mergulhando para dentro de nós, que somos seres finitos,
encontramos aquilo que é comum a todos: o infinito.

83
UNIDADE 3




 

Figura 5 - Círculo que demonstra que o particular está contido no todo

Descrição da imagem: a figura apresenta um círculo maior, que é preto, a fim de representar o universal,
o todo. Dentro dele, encontramos um círculo menor e azul, o qual simboliza o particular e a subjetividade.
O argumento romântico é simples: ao olharmos para a nossa subjetividade, que é particular, encontramos
o universal, de forma que nós, seres infinitos, estamos contidos no finito.

O gênio romântico é um ser capaz de encontrar dentro de si o próprio impulso


criador, o que há de divino no homem. Portanto, a sua obra de arte é igualada
à natureza. Em contrapartida, como isso se dá? Os românticos entendem essa
relação da seguinte maneira:
1. A natureza funciona de maneira independente do seu criador. Ela tem
existência em si mesma.
2. A obra de arte, uma vez que tem existência em si mesma, funciona de
modo independente daquele que a criou.

Desse modo, os românticos se afastam da ideia de que o artista é aquele que detém
um certo domínio técnico sobre uma arte específica. O artista é um demiurgo e
carrega uma força inata que o permite decifrar, intuitivamente, a própria natureza.
No entanto, essa criação não é fruto de um ordenamento e de uma sistematici-
dade do conhecimento, ao contrário, é consequência da própria espontaneidade
do gênio, pois tudo lhe advém no ato da criação. Portanto, o gênio é um ser que
detém em si algo maior que si mesmo e que é somente por seu intermédio que
pode ganhar forma mediante a obra de arte: o que há de infinito ou de eterno.

84
UNICESUMAR

Por isso, o artista gênio se distancia do homem comum: o artista está sub-
metido ao poder interior e ao seu próprio destino interior, devido a esse poder.
Nessa perspectiva, a obra de arte carrega o seu valor e existência para além de um
simples formalismo que a compõe (como em Aristóteles). O seu valor é adquirido
devido à existência da subjetividade de seu criador.

Figura 6 - Selo que traz a imagem do quadro Caminhante sobre um mar de névoa

Descrição da imagem: na figura, é apresentado um selo postal em homenagem ao quadro Caminhante


sobre o mar de névoa, de Caspar David Friedrich. Esse quadro de Friedrich é um grande símbolo do roman-
tismo alemão, já que, nele, encontramos um solitário contemplando uma imponente natureza alpina a sua
frente. Há um nevoeiro entre as montanhas e que emprega um tom de mistério. Isso significa que o indiví-
duo, solitário em sua caminhada, ao contemplar a imensidão da natureza, perde-se na sensação de infinito.

85
UNIDADE 3

Ao sustentar que o valor da obra de arte advém da subjetividade de seu criador, o


romantismo defende que a obra é inesgotável, uma vez que contém em si mesma
a perfeição. Ela carrega mais do que o artista, conscientemente, colocou nela. Se
somos seres finitos e particulares, só podemos ter acesso ao infinito e ao todo
inconscientemente. Em razão disso, não é incorreto afirmar que o romantismo
descobre uma nova dimensão da subjetividade, o inconsciente e, consequente-
mente, inaugura uma nova maneira de se entender a estética subjetiva. Assim, o
romantismo converge com a ideia de descobrimento da própria subjetividade,
ou seja, de mergulhar em si mesmo e de procurar algo que está em você, embora
não a apresente em um primeiro momento. A obra de arte, nesse sentido, deve
despertar mudanças e novas paixões no indivíduo, pois poderá abrir a interiori-
dade que estava, até então, escondida.
Sobre o idealismo alemão, Giorgio Agamben (1942-), filósofo Italiano, lembra
que Platão opôs, de forma muito intensa, filosofia e poesia, assim como nós estu-
damos na primeira unidade. Agamben faz essa retomada, visto que encontra nova-
mente esse embate na modernidade.“É provável que o
segundo evento fundamental, depois do banimen-
to platônico [dos poetas da cidade ideal], deveria
ser identificado naquilo que Hegel escreve sobre
a arte” em seus Cursos de Estética (AGAMBEN,
2012, p. 93). Hegel, em seus Cursos de Estética
(quatro volumes dedicados à temática da estética
filosófica), defende que a arte desempenhou um
papel muito importante em nossa história e
em nosso passado. Todavia, ao olhar para
a modernidade, o filósofo alemão
diagnostica que a arte perdeu o
seu valor, principalmente em
detrimento do romantismo
alemão, o qual o estudioso
critica de forma intensa

Figura 7 - Georg Wilhelm Friedrich Hegel

Descrição da imagem: na figura, há


uma ilustração do busto de Hegel.

86
UNICESUMAR

Os comentadores de Hegel chamam essa crítica da arte que lhe é contemporâ-


nea de “fim da arte”. Contudo, para entendermos o que o filósofo entende por isso,
devemos explicar como Hegel elenca a arte como uma questão eminentemente
histórica e, portanto, distante da forma do romantismo alemão.
Hegel busca refletir sobre:

1. Como a arte se desenvolveu ao longo do pro-


cesso histórico.
2. Como a arte se constitui de maneira dialética.
3. Como a arte contribuiu para o processo consti-
tutivo da realidade.

Diante desses três aspectos, Hegel buscará fazer uma ciência, uma filosofia da arte
(o autor não diferencia “ciência” de “filosofia”) ou, nas palavras do próprio filósofo,
“a ciência da arte é, pois, em nossa época muito mais necessária do que em épocas
na qual a arte por si só, enquanto arte, proporciona plena satisfação” (HEGEL,
2001, p. 35, grifo do autor). Perceba que Hegel assevera que a necessidade de
uma ciência da arte se dá porque a arte não proporciona mais a satisfação, assim
como era em épocas passadas. “A arte nos convida a contemplá-la por meio do
pensamento e, na verdade, não para que possa retomar seu antigo lugar, mas para
que seja conhecido cientificamente o que é a arte” (HEGEL, 2001, p. 35).
Ao estabelecer uma ciência da arte, Hegel delineia uma distinção muito cate-
górica entre a arte e a filosofia, a fim de que ambas não sejam confundidas:


[...] não se deve dizer que o artista deve apreender na Forma de pen-
samentos filosóficos o verdadeiro de todas as coisas, o qual constitui
a base universal tanto na religião quanto na filosofia. A Filosofia não
lhe é necessária, e se ele pensa de modo filosófico realiza uma ati-
vidade justamente oposta à arte, no que se refere à Forma do saber”
(HEGEL, 2001, p. 283).

Hegel, ao opor a filosofia e a arte, estabelece um campo muito específico para a


arte. Ela não se confunde nem com a filosofia, tampouco com a religião, embora,
em um olhar histórico, tenha tido grande importância, assim como a religião teve

87
UNIDADE 3

em outro período e, no seu tempo, tem a filosofia. Assim, é possível afirmar que,
para Hegel, a arte precisa ser autônoma e ter a sua vitalidade própria. Por isso,
ela não precisa da filosofia.
A primeira característica da arte para Hegel e que é marcante em seus cursos
de estética sustenta que a arte não se confunde com a natureza, posição comple-
tamente diferente do romantismo alemão. O filósofo entende que o belo artístico
não se confunde com a natureza, porque, como um idealista, a beleza artística tem
a sua origem no espírito humano, enquanto a natureza não o é. Para Hegel, existe
uma relação indissociável entre o espírito, a liberdade e a realidade. A alma é o
que há de mais verdadeiro no mundo para Hegel e, por isso, é superior à natureza,
pois a alma traz essa superioridade marcada pela liberdade. Assim, em Hegel, os
seguintes elementos estão separados:

Beleza artística x Natureza

Certamente, isso não significa que a natureza não possa ser compreendida como
bela ou como uma paisagem, por exemplo. Todavia, se for, é porque o belo natu-
ral se tornou um reflexo da beleza que pertence ao espírito, já que, para Hegel, a
natureza, por si só, sempre será imperfeita. Desse modo, tudo o que é realidade
no mundo o é porque a razão humana o representa. Desse entendimento, é pro-
veniente a famosa frase hegeliana que assevera que “o que é racional é real e o que
é real é racional” (HEGEL, 1997, p. 36).

88
UNICESUMAR

Figura 8 - Artista pintando a natureza

Descrição da imagem: na figura, há a representação de um artista pintando a natureza. A impressão


é a de que a tela do artista está a complementar a natureza, embora, de acordo com os postulados de
Hegel, essa ideia não possa ser empregada, já que o belo natural e o belo espiritual não se confundem.

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UNIDADE 3

Diante de todo o conteúdo exposto, começaremos a entender a forma como


Hegel considera a beleza artística. Ela é espiritual e se manifesta de acordo com
o decorrer da história. Nesse contexto, Hegel divide a “história da arte” em três
momentos distintos:

1. Arte simbólica.
2. Arte clássica.
3. Arte romântica.

Assim como é comum do procedimento dialético, Hegel compreenderá as mani-


festações artísticas ocorridas na história por meio de dois conceitos fundamentais
da estética:

Forma e Conteúdo

Forma é a maneira como a arte se manifesta e o conteúdo é aquilo que ela mani-
festa. É justamente a partir desses dois conceitos que Hegel pensará na história
da arte. Arte simbólica, para o autor, é reduzida à arte do Oriente. Hegel a entende
como uma aparição inferior e, portanto, não bela, em oposição à arte clássica dos
gregos. Para o filósofo, a arte simbólica traz uma inadequação entre a forma e o
conteúdo. O que isso significa? Na arte simbólica, o que é expressado se dá de
forma descritiva, superficial e sem levar em consideração o conteúdo espiritual.
Por exemplo, quando eu vejo um objeto, eu o desenho apenas da forma como
ele se apresenta para mim, em sua exterioridade. Eu não consigo atribuir um
significado maior (seu conteúdo) na cadeia de razões da sua existência.
Devido ao procedimento dialético, Hegel acredita que tudo o que é particu-
lar pertence a uma cadeia universal e, portanto, a arte teria que expressar esse
conteúdo, ou seja, essa relação entre o particular e o universal. A arte simbólica é
objetiva, tendo em vista que apresenta apenas o que é exposto na exterioridade,
aquilo que é visto pelo sentido, e não pensado pelo espírito. Por isso, podemos
dizer que a forma, nesse momento, sobrepõe-se ao conteúdo.

90
UNICESUMAR

Figura 9 - Arte rupestre

Descrição da imagem: na figura, há a representação de um artista pintando a natureza. A impressão


é a de que a tela do artista está a complementar a natureza, embora, de acordo com os postulados de
Hegel, essa ideia não possa ser empregada, já que o belo natural e o belo espiritual não se confundem.

Outra forma de manifestação artística, mas bem mais elevada, seria a arte clássica.
Ela pode ser caracterizada como a arte grega, que, segundo Hegel, carrega uma
plena harmonia entre o conteúdo e a forma. Essa harmonia, que gera a realidade, fez
surgir o conceito de belo, o qual era inexistente na arte simbólica. Em razão disso, a
arte clássica é considerada aquela que alcança a plenitude da arte, o seu grau eleva-
do, dado que, nela, o espiritual atravessa completamente o fenômeno exterior, em
uma idealização do natural e dos objetos, a fim de torná-los adequados ao espírito.
Em outras palavras, diferentemente da arte simbólica, que apenas represen-
tava aquilo que se apresenta imediatamente aos sentidos e não atribui nenhum
um significado maior (portanto, uma representação do particular), a arte clás-
sica conceitualiza o mundo e dá sentido espiritual às coisas, ao lhes atribuir um
significado maior. Desse modo, o espírito se afasta do particular. Podemos dizer
que, na arte clássica, o mundo é espiritualizado.

91
UNIDADE 3

Figura 10 - Vênus Pudica

Descrição da imagem: na
figura, é apresentada a Vê-
nus Pudica, uma represen-
tação da deusa Afrodite.
Na escultura, ela ganha o
nome “Pudica” por apare-
cer com a mão cobrindo
a sua genitália. Para He-
gel, na arte grega, há uma
harmonia entre a forma (a
perfeição e a simetria da es-
cultura) e o conteúdo que
a forma expressa, como o
amor, que é personificado
na imagem da deusa.

92
UNICESUMAR

Assim, diante do declínio da arte clássica, Hegel caracteriza, a partir de então,


aquilo que ele chamou de arte romântica.

PENSANDO JUNTOS

Para Hegel, a arte romântica não se limita à arte do romantismo alemão. O filósofo enten-
derá a arte romântica de maneira muito mais ampla, visto que o romantismo alemão será
a sua última expressão e o motivo de sua decadência.

A arte romântica, por sua vez, é dividida em três momentos:

1. Círculo religioso.
2. Cavalaria.
3. Autonomia formal das particularidades individuais.

Do “círculo religioso” à “autonomia formal”, Hegel mostrará um deslocamento. Em


um primeiro momento, o conteúdo se encontra em destaque, mas, por fim, o con-
teúdo é suprimido para que haja uma formalização da arte. Em outras palavras,
em um primeiro momento, a arte romântica é dotada de toda a espiritualidade e,
em seu momento final (podemos considerar o romantismo alemão como perten-
cente a esse período), há o desaparecimento do conteúdo e a exaltação da forma.
Para Hegel, um dos destaques da arte romântica é o seu processo de subje-
tivação, isto é, o modo como a arte se interioriza no espírito, tornando-se livre e
infinita. Por isso, no primeiro momento da arte romântica, “no círculo religioso”,
a arte tem o seu valor, visto que está ligada a um plano superior e metafísico, mais
especificamente, por estar ligada ao próprio Deus e a toda a temática religiosa que
justifica e conduz à liberdade subjetiva. Vejamos o que Hegel escreve:


Na medida em que o sujeito efetivo é desse modo o fenômeno de
Deus, a arte adquire apenas agora o direito mais elevado de empregar
a forma humana e o modo da exterioridade em geral para a expressão
do absoluto, embora a nova tarefa da arte apenas possa consistir em
levar à intuição, nesta forma, não a submersão do interior na corpora-
lidade exterior, mas, inversamente, a retomada do interior em si mes-
mo, a consciência espiritual de Deus no sujeito (HEGEL, 2014, p. 254).

93
UNIDADE 3

Observe que a subjetividade está vinculada à divindade. Lembre-se de que Hegel


opõe o belo natural ao belo espiritual, ao afirmar que a beleza nascida do espírito é
superior à natureza. É possível acrescentar a esse entendimento que a interiorida-
de espiritual é oposta à exterioridade natural. Perceba que as oposições existentes
entre interioridade e exterioridade, subjetivo e objetivo, e espírito e natureza se
sustentam a partir das seguintes oposições:

Valores superiores (universal, absoluto e eterno)


X
Valores mundanos (particular, fragmentário e finito

É partindo dessas oposições que podemos entender a dialética em Hegel. Nela, há


polos opostos, o espiritual (tese) e o material (antítese), para que se conciliem no
espiritual. Por isso, no “círculo religioso”, a figura divina é de suma importância:


[...] na medida em que é Deus – igualmente em si mesmo uni-
versal – que aparece na existência humana, esta realidade não está
limitada à existência singular, imediata na forma de Cristo, mas se
desdobra na totalidade da humanidade, na qual o espírito de Deus
se faz presente e permanece nesta efetividade em unidade consigo
mesmo (HEGEL, 2014, p. 256).

A verdade da obra de arte se dá a partir da superação da individualidade do


mundo e o encontro com o universal. Tudo o que se relaciona com o mundo, para
Hegel, é negativo, uma vez que o negativo é o corpo transitório, efêmero e perene.
Desse modo, a arte tem a missão de positivar a negatividade, ou seja, deve expres-
sar o espírito eterno, absoluto e infinito. Nesse sentido, a verdade está relacionada
à figura de Deus e não é um elemento exterior ao ser humano, mas interior ao
próprio espírito, à sua condição de existência e ao seu significado maior.
Não é equivocado sustentarmos que, no processo dialético da arte do círculo
religioso, o ser humano se recusa como ser finito, transitório e perene, para buscar
a essência, a verdadeira realidade e efetividade de si mesmo:

94
UNICESUMAR


[...] pois assim como Deus inicialmente elimina de si mesmo a efe-
tividade finita, também o ser humano finito, que começa a partir de
si fora do reino divino, recebe a tarefa de se elevar a Deus, de afastar
de si o finito, de livrar-se da nulidade e, por meio desta morte de sua
efetividade imediata, tornar-se o que Deus fez objetivamente em
sua aparição, enquanto ser humano, como a verdadeira efetividade
(HEGEL, 2014, p. 257).

Note que a subjetividade, a partir da citação apresentada, inicia-se do finito, ou


seja, do ser humano enquanto corpo que nasce, cresce e morre, para alcançar,
dentro de si mesmo, em um processo de negação do que se é como ser finito, a
universalidade e a verdade contidas no ideal de Deus.
A subjetividade, sendo finita, deve se apagar e negar a sua finitude para en-
contrar Deus (a parte infinita e universal do espírito) em si mesma. Nesse sentido,
a dialética é composta por:

TESE X ANTÍTESE = SÍNTESE

A antítese representa o negativo, a parte mundana, transitória, perene, corporal


e finita. Por outro lado, a tese simboliza o positivo, o conceitual, o eterno, o ideal,
a alma. Já a síntese é o resultado de um confronto nesses dois polos: qual seria
o resultado? Sempre, para Hegel, no confronto entre o positivo e o negativo, o
positivo vem a se afirmar, negar o negativo, a fim de se estabelecer nessa positivi-
dade. Em outras palavras, podemos dizer que existe uma negação da negação, a
negação das questões mundanas e a passagem do particular para o universal. O
universal, motivo e busca de todo processo dialético, só pode ser atingido com a
negação do negativo, do sujeito natural e finito, para que haja o encontro com o
absoluto. Hegel chama de morte a negação do negativo:


Na arte romântica, em contrapartida, a morte é apenas um morrer
da alma natural e da subjetividade finita, um morrer que apenas se
relaciona negativamente contra o que é em si mesmo negativo, que
suspende o que é nulo e, desse modo, medeia a libertação do espírito
de sua finitude e cisão, assim como a reconciliação espiritual do
sujeito com o absoluto (HEGEL, 2014, p. 258).

95
UNIDADE 3

No “círculo religioso” da arte romântica, é possível sustentar que a morte nega o


negativo e, por isso, transforma-se em afirmação do positivo. Em outras palavras,
é por meio da morte da existência negativa que o espírito aparece em sua liber-
dade, satisfação e afirmação.

Figura 11 - A crucificação

Descrição de imagem: a figura apresenta uma obra pintada por Giotto. Ao centro, está Cristo crucificado.
À esquerda, encontramos aqueles que se compadecem com a crucificação de Cristo, como sua mãe, Maria,
Maria Madalena, o apóstolo João e Maria, esposa de Cléofas. À direita, os soldados romanos disputam
as roupas do crucificado. Hegel assevera que, em imagens como essas, o conteúdo transcende a forma.

Se, no círculo religioso, a subjetividade parte de si mesma, tendo em vista que


é finita e mundana, para alcançar o absoluto, o espírito de Deus, na cavalaria
(segundo momento da arte romântica), o sujeito já é uma singularidade em si
mesmo. O conteúdo das obras não está mais na esfera divina, mas nos valores do
próprio homem, incluindo honra, amor e fidelidade ao outro. Segundo Hegel, na
cavalaria, a liberdade do espírito encontra a sua universalidade (o seu ideal) nos
valores humanos e, por isso, em relação ao círculo religioso, é inferior.

96
UNICESUMAR

Por fim, o último momento trabalhado nos Cursos de estética é a “autonomia


formal das particularidades individuais”. Nela, a arte se centra unicamente no
mundo, nas paixões humanas, em suas limitações e em suas necessidades parti-
culares. Portanto, Hegel (2014, p. 342, grifo do autor) afirma que, nesse momento,
a arte “faz do humanus seu novo santo”.
Observe que há um deslocamento do conteúdo da obra de arte: se, antes,
tínhamos Deus e toda matéria religiosa enquanto conteúdo da obra, agora, são
as aspirações humanas, em suas particularidades, que tomam lugar. Para Hegel,
esse deslocamento significa que a arte se afastou dos grandes valores universais
e absolutos que expressava até então e, desse modo, tornou-se somente negati-
vidade, pois trata o homem no mundo. Essa decomposição da arte romântica
(do universal para o particular) faz com que o conteúdo da própria obra seja a
subjetividade mundana. Em outras palavras, a subjetividade não se nega como
finita para alcançar o infinito, mas se afirma enquanto finita, para que se torne
tema da obra de arte.
Em relação ao deslocamento expresso no parágrafo anterior, o tradutor e
comentador de Hegel, Werle (2011, p. 71), explica que “a centralização no huma-
no gera paradoxalmente uma crise do próprio modo do ser do homem, pois o
homem, voltando-se a si mesmo, impinge-se um peso que não é tão fácil de sus-
tentar e carregar”. Ainda sobre a subjetividade, o estudioso afirma que podemos
encontrar dois tipos nos Cursos de estética do Hegel:


Há, portanto, duas acepções da subjetividade com as quais opera
Hegel nos Cursos de estética. Uma é tomada em sentido restrito
como manifestação particular do ponto de vista do sujeito, em opo-
sição a uma objetividade. Essa subjetividade via de regra afirma a
perspectiva de uma imaginação ilimitada ou se refugia no terreno
da ironia. Falta-lhe a consciência de que o sujeito é apenas um mo-
mento de um transcurso maior. A outra acepção de subjetividade
é acolhida de modo positivo por Hegel, pois trata da manifestação
inequívoca de uma tendência de todo o mundo cristão: trata-se
do princípio da subjetividade livre. A diferença dessa subjetividade
“infinita” diante da outra “finita” é que ela resulta de um processo
histórico e objetivo, possui um conteúdo nela mesma e, portanto,
uma legitimação própria (WERLE, 2011, p. 96-97).

97
UNIDADE 3

Diante disso, podemos fazer a seguinte divisão:

a) Há uma subjetividade que fecha em si mesma. Ela não tem consciên-


cia que pertence a um transcurso maior (por subjetividade irônica,
Hegel entende, sobretudo, os filósofos românticos alemães).
b) Há uma subjetividade que é objetiva. Ela tem consciência de si mesma
e sabe que está ligada a esse transcurso maior que é universalidade.
c) Essa oposição pode ser caracterizada, de um lado, por uma subjetivi-
dade infinita e, do outro, por uma subjetividade finita.

Na divisão apresentada, é possível visualizar duas subjetividades distintas na arte:


uma positiva e outra negativa. Apenas uma dessas subjetividades realiza a síntese
dialética, ao se perceber como integrante de algo maior, enquanto a outra fica ape-
nas na negatividade e nunca realiza a síntese.
Agora que você sabe que há uma subjetividade positiva e outra negativa, po-
demos apresentar o tema do fim da arte em Hegel. Para o filósofo alemão, a arte,
depois do círculo religioso, torna-se cada vez mais particular e não há mais harmo-
nia entre a forma e a conteúdo, tampouco uma superioridade do conteúdo sobre a
forma, assim como era no círculo religioso. Ao contrário, agora, a arte assume uma
superioridade da forma, sem qualquer conteúdo que a sustente.
Esse processo de sobreposição da forma sobre o conteúdo é, para Hegel, o
próprio limite da arte, ou seja, o seu último suspiro, assim como podemos ler na
conhecida passagem de seus Cursos de estética:


Seja como for, o fato é que a arte não mais proporciona aquela satisfa-
ção das necessidades espirituais que épocas e povos do passado nela
procuravam e só nela encontravam; uma satisfação que se mostrava
intimamente associada à arte, pelo menos no tocante à religião. Os belos
dias da arte grega assim como a época de ouro da Baixa Idade Média
passaram [...]. Mas para o interesse artístico bem como para a produção
de obras de arte exige-se antes, em termos gerais, uma vitalidade, na
qual a universalidade não está presente como norma e máxima; pelo
contrário, age em uníssono com o ânimo e o sentimento [...]. Por esta
razão, o estado de coisas da nossa época não é favorável à arte. Mesmo o
artista mais experiente não escapa desta situação (HEGEL, 2001, p. 35).

98
UNICESUMAR

Observe que Hegel afirma que toda a arte perdeu vitalidade. No sentido hegeliano,
seria possível sustentar que a arte perdeu o seu conteúdo. Você se lembra do sig-
nificado de conteúdo da arte para Hegel? Trata-se da arte que traz, na imagem (na
forma), um conteúdo superior, espiritualizado, conceitual e que, de certa maneira,
expressa a ligação da parte com o todo (a subjetividade positiva). Nesse contexto, o
grande problema que Hegel diagnosticou na arte moderna (séculos XVIII e XIX)
se dá no fato que ela não trata mais do conteúdo e submerge somente na forma. O
que isso significa? A arte perdeu o seu conteúdo universal e se refere apenas aos
desejos e às paixões humanas, ficando relegada ao particular e contingente.
Hegel assevera que uma das grandes artes formais de seu tempo, ou seja, que
utiliza a forma em detrimento do conteúdo, é a arte romântica alemã. Isso se dá,
porque Hegel acredita que a arte feita pelos românticos não se preocupa com o
conteúdo universal do mundo, ao contrário, preocupa-se mais com a subjetividade
fragmentária e, por isso, não é possível constituir uma expressão de uma época.
Desse modo, Hegel explica que os românticos alemães, por não fazerem uma
conexão entre o particular e o universal, partem de um “Eu abstrato”, isto é, da
vontade e das paixões particulares do sujeito. Isso significa que a arte romântica,
do ponto de vista hegeliano, não tem nenhum compromisso com a verdade, já que
pode construir ou destruir as esferas da ética, do direito, do humano e do divino,
uma vez que não se preocupa com a constância, o conteúdo e o universal.
As consequências desse pensamento se concentram na ideia de que tudo se
resume ao “formalismo do Eu”. Em outras palavras, não há uma preocupação com o
que é essencial, apenas com a mera aparência, ou seja, tudo aquilo que ganha forma
a partir da subjetividade particular. O Eu do artista estabelece tudo a partir de si
mesmo e desfaz as representações da maneira como lhe convir, sem qualquer serie-
dade, uma vez que não há conteúdo absoluto para ele. Hegel chama essa atividade
dos românticos alemães de “vida irônica e artística” ou “genialidade divina”. “Essa
virtuosidade de uma vida irônica e artística se concebe, pois, como genialidade
divina, para a qual tudo e todos são apenas uma criação sem essência, na qual o
criador livre, que se sabe desvencilhado e livre de tudo, não se prende, pode tanto
destruí-la quanto criá-la” (HEGEL, 2001, p. 82).
A grande preocupação de Hegel com essa “genialidade divina” dos românticos
alemães se concentra no fato de que ela, ao se tornar o próprio fundamento das
coisas, pode criar tudo a partir de si mesma e, ao mesmo tempo, destruir tudo. É

99
UNIDADE 3

como se Hegel defendesse que, agora, a arte se cons-


titui na destruição da totalidade no mundo, ou seja,
naquilo que ele tem de conteúdo supremo, a fim de
representar apenas as particularidades do indivíduo.
Sobre a crítica que Hegel faz em relação à arte mo-
derna e, em especial, ao romantismo alemão, Gerard
Bras (1990, p. 102), grande estudioso de Hegel, afirma
“que a arte nunca tenha, em Hegel, função crítica”, já
que o que importa para o filósofo é se a arte é dialética
ou não, isto é, se a arte supera o particular. Nesse senti-
do, estamos próximos daquilo que Hegel entende por
obra de arte. Segundo o filósofo, a arte deve ser aquela
que parte do particular e que, em um movimento de
superação, chega ao universal, a tal ponto que a forma
expresse o conteúdo de uma época.
Hegel acredita que toda obra de arte, por mais que
seja feita por um único indivíduo, ao expressar um
conteúdo universal de um povo ou de uma cultura,
também representa todos os indivíduos dessa cultu-
ra. De acordo com Hegel (2001, p. 267), todo artista
“pertence à sua própria época, vive em seus costumes,
modos de intuir e representações”. Não só, mas “o poe-
ta cria para um público e inicialmente para seu povo e
sua época, que têm o direito de exigir a compreensão
da obra de arte e nela se sentirem em casa” (HEGEL,
2001, p. 267).
Apresentemos um exemplo: suponha que você
está contemplando um quadro. Esse quadro deve fa-
zer sentido para você, uma vez que o artista não está
representando as suas paixões particulares, mas sim-

100
UNICESUMAR

boliza toda a cultura na qual você faz parte. Por isso, quando a arte sacra representa
a crucificação de Jesus Cristo, isso carrega um conteúdo universal: o de que Cristo,
filho de Deus, teria vindo à Terra e morrido na cruz para nos salvar de nossos
próprios pecados.
Sobre a identificação entre obra de arte e espectador, Werle (2011, p. 71) ex-
plana que a noção de obra não significa apenas um objeto plasmado ou figurado,
“mas possui um significado clássico (e hegeliano) de expressão de uma realidade
histórica, de uma unidade ética e coletiva e de um sentido unificador”. Em outras
palavras, uma obra de arte sempre deve expressar o universal, aquilo que é comum
a um povo de determinada cultura, e não deve fazer referência somente às paixões
particulares do sujeito.
Em suma, é possível afirmar que o que começa a sucumbir para Hegel a partir
do século XVIII é uma arte cuja verdade é a religião e a manifestação é a totalidade
da cultura. Por isso, não é errado afirmar que o conteúdo da obra de arte é o “espírito
de um povo”, ou seja, o espírito enquanto humanidade e uma unidade ética que se
sustentou, no círculo religioso, ao conceito de Deus. O “fim da arte”, como um acon-
tecimento moderno, não se refere somente à superação do exterior pelo interior, da
passagem de uma subjetividade ligada ao universal para uma subjetividade ligada
ao particular, mas também ao rompimento do próprio espírito com os conteúdos
tomados como universais, pois o espírito artístico moderno não se satisfaz mais
com os valores unificadores da religião ou com os valores unitários da moral.
Agora que você já conhece o pensamento dos românticos alemães e do idealis-
mo hegeliano, retome as duas obras de arte que se encontram em “mão na massa”:
A criação de Adão, de Michelangelo, e Moça do brinco de pérola, de Johannes
Vermeer. De que modo você caracterizaria os dois quadros? Qual deles carrega os
aspectos românticos e qual apresenta os aspectos idealistas? Quais são eles? Pro-
duza um texto dissertativo que destaque as diferenças e as semelhanças entre as
duas pinturas, levando em consideração os elementos relacionados ao romantismo
alemão para o quadro Moça do brinco de pérola e as características do círculo
religioso, assim como Hegel o entende, para o quadro A criação de Adão.

101
UNIDADE 3

OLHAR CONCEITUAL

No infográfico a seguir, é possível observar as características das artes simbólica, clássica e


romântica de acordo com o pensamento de Hegel. Note como o filósofo atribui uma ideia
progressiva para a arte, até atingir o seu ponto mais alto: a arte sacra ou círculo religioso.
Depois desse estágio, a arte caminha para a decadência e chega ao fim com a arte moderna
(autonomia formal das particularidades individuais.


   


 
Sobreposição da forma em
relação ao conteúdo


   
Harmonia perfeita entre forma
e conteúdo

    


     
O início se dá a partir da sobreposição
do conteúdo sobre a forma (arte sacra)
e termina com a sobreposição da
forma sobre o conteúdo

Figura 12 - Mapa mental que expõe a estética hegeliana

Descrição da imagem: de cada época, de acordo com a estética de Hegel.

102
UNICESUMAR

Neste podcast, discutiremos o modo como a tradição


romântica alemã (representada por Schlegel e Novalis) e o
idealismo hegeliano compreendem a arte. Também saber-
emos a maneira como os autores romancistas conceberam
uma filosofia que se afasta de uma forma sistematizada
e universal de conhecimento, ao introduzirem uma forma
de pensar por meio do fragmento. Por fim, explicaremos
como Hegel busca a beleza a partir do espírito dialético e
como esse estudioso encontra, na subjetividade romântica,
a própria impossibilidade de a arte ter um destino alinhado
às pretensões racionais do espírito.

NOVAS DESCOBERTAS

O filme Moça com brinco de pérola, de Peter Webber, lançado em


2003, conta a história de Griet (interpretada por Scarlett Johansson),
uma jovem de 17 anos que começa a trabalhar como empregada na
casa do pintor Vermeer (interpretado por Colin Firth). Em determi-
nado momento da trama, o pintor percebe que a jovem tem grande
sensibilidade para a pintura e a pinta. A película tem o mérito de mos-
trar como a pintura, ao se voltar a temas simplórios e prosaicos, afasta-se
dos ideais de beleza e dos cânones clássicos da estética, a fim de adquirir um
potencial transfigurador. Também vale notar que o filme é baseado no mais
famoso quadro de Johannes Vermeer, Moça com brinco de pérola, que se
encontra no museu de Haia. Um dos grandes questionamentos sobre a obra
é quem seria a garota pintada. O filme, que leva o mesmo nome do quadro,
é uma ficção que define quem seria a menina pintada nele.

Chegou o momento de testar os seus conhecimentos acerca dos assuntos tratados


nesta unidade. O que acha de realizar as atividades propostas a seguir e verificar
o quanto aprendeu?

103
1. O romantismo alemão é um movimento filosófico proveniente do final do século
XVIII e tem, como uma de suas principais características, a compreensão do homem
enquanto fragmentário. Esse período é fortemente marcado pelo Iluminismo, que
prega a saída dos seres humanos das trevas, para que sigam em direção ao progresso
dado pela razão.

Sobre a posição romântica em relação ao Iluminismo, é possível sustentar que:

a) o romantismo se opõe ao Iluminismo, pois não acredita na subjetividade humana,


ao pregar uma objetividade científica.
b) o romantismo se alinha ao Iluminismo, sobretudo a partir da noção de unidade
humana.
c) o romantismo alemão se afasta da principal bandeira iluminista: a valorização
exacerbada da razão.
d) o romantismo e o Iluminismo defendem o potencial humano por intermédio da
subjetividade universal e racional.
e) o romantismo se alinha ao Iluminismo, principalmente em relação às ideias de
espírito absoluto e aos valores universais.

2. Hegel compreende a arte sob um ponto de vista histórico-dialético. Como tal, tudo
tem o seu começo, meio e fim. Assim, o filósofo divide a história da arte em três
momentos: a arte simbólica, a arte clássica e a arte romântica. Para justificar esses
momentos, Hegel trabalha as noções de forma e de conteúdo, além de expor a re-
lação que cada período artístico estabelece entre elas.

Sobre a perspectiva hegeliana, assinale a alternativa correta:

a) A arte simbólica traz o conteúdo, mas a sua forma está ausente.


b) Na arte romântica, mais especificamente no “círculo religioso”, existe uma sobre-
posição do conteúdo sobre a forma.
c) Na arte clássica, o conteúdo impera sobre a forma.
d) A arte simbólica carrega uma harmonia entre forma e conteúdo.
e) Em relação à arte romântica, em seu último momento, Hegel afirma que ela re-
cupera o conteúdo perdido nas épocas anteriores.

104
3. Hegel foi um crítico fervoroso da arte de seu tempo. O filósofo assevera, em seus
Cursos de estética, que a arte perdeu a sua antiga função, ou seja, a sua vitalidade
presente em épocas passadas.

A percepção do “fim da arte”, em Hegel, se deve:

a) à arte, que se tornou puro conteúdo, assim como era na tradição romântica.
b) ao advento do Iluminismo. A partir dele, a arte se apega exacerbadamente à razão
e, por isso, torna-se mecânica.
c) ao renascimento, que representa o fim da arte. Ao contrário de olhar para o
futuro, ele começa a imitar as formas do passado.
d) à arte, que passou a ser a criação de uma subjetividade particular, sem expressar
o espírito de um povo.
e) à arte, que deixou de ser ritualística.

105
4
A Visão
Filosófica da
Arte Trágica
Dr. Renan Pavini

Nesta unidade, entenderemos como a filosofia presente nos séculos XVIII


e XIX concebeu a arte trágica. Para tanto, conheceremos três grandes
teóricos da tragédia: Hölderlin, Schopenhauer e Nietzsche. Em relação à
Hölderlin, saberemos como a arte trágica surge a partir do conflito interno
ao sujeito, o qual tem como finalidade a busca do uno, à unidade. Por
outro lado, ao estudarmos Schopenhauer, entenderemos a arte trágica
como aquela que visa à negação da vontade de vida e, por isso, liberta o
homem de suas motivações humanas e mundanas para colocá-lo em um
patamar superior, em que há a ligação com a liberdade, a vontade pura.
Em relação à Nietzsche, observaremos como o filósofo entendeu que a
arte moderna está em plena decadência e, diante disso, era necessário
resgatar a essência da trágica entre os gregos e as pulsões da natureza
dionisíaca e apolínea, as quais foram suprimidas pelo advento do pen-
samento filosófico racional, desde Sócrates.
UNIDADE 4

Quando se é professor, normalmente, acaba-se lidando com um público muito


variado e com dificuldades que ultrapassam o âmbito do ensino. É indiscutível
que não “entram em sala” apenas problemas de natureza da formação intelectual
do estudante, mas também de natureza pessoal e social. Cabe ao professor estar
preparado para lidar com a pluralidade de seus discentes e, para isso, é necessário
entender um pouco essas dificuldades.
Parece-me, nesse contexto, que a narrativa e as teorias sobre a tragédia podem
ajudar não só na formação do indivíduo, mas na preparação do professor. É por
meio do conhecimento profundo da arte trágica que compreendemos não só
as dificuldades que se apresentam a nós, mas nos aprofundamos no interior de
personagens que, essencialmente, trazem o conflito existencial. Assim, compreen-
der filosoficamente a tragédia não seria entender um pouco mais o indivíduo e,
ao mesmo tempo, saber o modo de superação das dificuldades e dos conflitos
inerentes à condição humana? Compreender a tragédia não seria interpretar não
só o lado belo e perfeito da vida, mas a vida em sua integralidade, o que inclui a
sua dor e os seus conflitos?
Atualmente, ao abrir um jornal, você se depara com várias manchetes cha-
mando a atenção para a tragédia da vida cotidiana. “A tragédia da pandemia”, “a
tragédia em Brumadinho em Mariana”, “a tragédia do desemprega e da miséria”,
“a tragédia ocorrida devido a um acidente de carro” são apenas alguns exemplos.
Quando você lê notícias dessa natureza, a certeza que lhe vem é justamente que
o termo “tragédia” é completamente negativo e pejorativo, ou seja, algo a ser com-
batido em busca de um bem maior.
Todavia, a filosofia não entende a noção de tragédia como algo ruim ou a ser
extirpado. Ao contrário, muitos filósofos, na verdade, sentiram a necessidade de
realizarem o resgate de um lado trágico da vida e elencaram a necessidade de fazer
retorno à origem da tragédia. Então, o que significa o retorno à noção de trágico
na filosofia? Segundo Nietzsche, por exemplo, a filosofia acabou por excluir de
seu discurso o conceito de tragédia (presente nas antigas peças teatrais gregas)
de suas reflexões, ao pensar no indivíduo de maneira idealizada.
Retomar as reflexões sobre a tragédia seria, então, situar o indivíduo no mun-
do real, com seus conflitos, dores e perdas, e não pensar no sujeito de maneira
metafísica unicamente. Assim, podemos afirmar que uma reflexão filosófica sobre
a tragédia consegue dar conta de situar o indivíduo em sua integralidade, sem
ocultar o lado trágico, triste e cruel da existência.

108
UNICESUMAR

Retornemos à noção de tragédia que encontramos nos jornais. Como disse-


mos, essa noção de tragédia é utilizada pelos periódicos de maneira totalmente
negativa. Tendo isso em mente, reflita sobre as possíveis distinções e os aspectos
semelhantes entre a noção de tragédia que você encontra nas manchetes de jor-
nais e a noção de tragédia utilizada pelo teatro.
Quando falamos em teatro, normalmente, vem-nos à mente as duas máscaras:
a da tragédia e a da comédia. A essas duas máscaras, está ligada a ideia de que a
primeira nos causará tristeza, enquanto a segunda trará risos e felicidade. Não é
difícil compreender o motivo pelo qual um indivíduo prefere peças teatrais cô-
micas, já que o riso, ligado ao conceito de felicidade, é algo não apenas necessário,
mas desejável por todos os seres humanos. Entretanto, há muitos indivíduos que
preferem assistir, ao contrário da comédia, a tragédia. Pensando nisso, a que você
atribui a preferência a tragédia? Por que alguém prefere assistir a uma peça trágica
a uma cômica? Anote as suas observações no diário de bordo a seguir

Figura 1 - Máscaras que representam a tragédia e a comédia no teatro

Descrição da imagem: na figura, são apresentadas duas máscaras. A primeira carrega a expressão de riso,
que representa o cômico, o riso que a comédia teatral gera no espectador. Na segunda máscara, temos
as expressões de espanto e de horror, despertadas pelos eventos da encenação trágica

109
UNIDADE 4

110
UNICESUMAR

Hölderlin e a Tragédia

Figura 2 - Selo postal de Hölderlin

Descrição da imagem: na figura, é apresentado um selo emitido pela Alemanha Oriental, em 1970, em
homenagem aos 200 anos do nascimento do poeta Hölderlin. Nele, são expostos o busto do poeta, seu
nome e sua data de nascimento.

Hölderlin foi, sem dúvida, um dos intelectuais que mais se voltou para o mundo
grego. Todavia, não fez como Winckelmann ou Goethe, que olharam para a
Grécia como um mundo harmônico e solar, mas também mortífero e sombrio.
É nessa contraposição entre o solar e o sombrio que o poeta define o trágico. É
assim que esses elementos são caracterizados em sua obra A morte de Empé-
docles (peça inacabada e escrita entre 1797 a 1799), em que o trágico, em seu
pensamento, está marcado pela oposição ou, melhor dizendo, pela tentativa de
união de elementos antagônicos.

111
UNIDADE 4

Ao final da tragédia A morte de Empédocles, Hölderlin escreve um texto cha-


mado Plano de Frankfurt, em que deixar claro o que entende por “uma verdadei-
ra tragédia moderna”. Uma das teses que observamos no plano e que se encontra
na própria tragédia de Empédocles é que o herói não gosta da civilização, é contra
a limitação da existência humana e não suporta viver submetido ao tempo. O
sofrimento do herói ocorre justamente por ele não ser um deus, mas um homem;
sofre por não estar ligado à totalidade, mas é vinculado à sua existência passageira
e, por conta disso, decide se suicidar ao se atirar em um vulcão.
O que você deve ter em mente é a oposição entre o particular e o universal,
o homem e os deuses, o sombrio e a luz. Para Hölderlin, para que haja o trágico,
necessariamente, deve haver o conflito. Sobre Empédocles, o poeta afirma que a
morte do herói se deu “como uma necessidade que emana de seu ser mais profun-
do” (HÖLDERLIN, 2001, p. 336). Isso significa que o conflito trágico não ocorre
em fatos externos ao personagem, mas dentro do próprio herói. Dessa forma, os
fatores externos pouco implicam ou pouco valem na tragédia hölderliniana, mas
é considerada a contradição lançada dentro do próprio personagem. Por isso, o
poeta alemão caracteriza o herói trágico mais focado em seu caráter, em seu ethos,
do que na ação propriamente dita e advinda de causas externas.

Figura 3 - Busto de Empédocles

Descrição da imagem:
na figura, há um retrato
do busto de Empédocles,
filósofo pré-socrático que
viveu de 495 a.C. a 430
a.C. Hölderlin se apropria
da figura de Empédocles e
de toda a mitologia que o
cerca para criar o seu per-
sonagem trágico.

112
UNICESUMAR

Maurice Blanchot, romancista e crítico francês, ao comentar o personagem de


Empédocles de Hölderlin, explica que ele:


[...] representa a vontade de irromper, pela morte, no mundo dos
invisíveis. Os motivos variam segundo as diferentes versões dessa
obra inacabada, mas a intenção permanece sempre a mesma: unir-se
ao elemento do fogo, sinal e presença da inspiração, para atingir a in-
timidade com o divino (BLANCHOT, 1995, p. 367, tradução nossa).

Esse suicídio intelectual de Empédocles representa o buscar, por intermédio da


morte, uma vida liberta das limitações da existência humana, o que também
significa que a morte visa a uma tentativa de união com os deuses, ou seja, com
a natureza infinita. “O desejo de Empédocles de escapar de toda determinação,
de deixar atrás de si a lei da sucessão, é o próprio desejo especulativo, a própria
aspiração a se evadir da finitude na morte” (DASTUR, 1994, p. 178).

113
UNIDADE 4

Por isso, é possível afirmar que o que se caracteriza como tema central da
tragédia, em Hölderlin, é a tentativa de busca da totalidade, da unidade e do
absoluto, o que só pode se concretizar pela morte do herói. Nessa perspectiva, a
morte é a união daquilo que estava separado, ou seja, dos homens com os deuses,
do particular e do limitado com a totalidade infinita. As oposições em Hölderlin
(identidade versus diferença, espírito versus matéria, eterno versus finito) sempre
visam estabelecer o retorno à unidade, ao um.
Também há um detalhe importante: Hölderlin pensa que a tragédia realiza
uma mediação entre os opostos, ou seja, entre o conteúdo sensível e o conteúdo
espiritual, ao tentar expor a totalidade originária, o momento de indissociação
dos opostos. É por isso que, para o poeta, toda tragédia é uma metáfora de uma
intuição intelectual ou, em outras palavras, uma metáfora do absoluto, já que,
em sua composição, visa, por assim dizer, apresentar sensivelmente o absoluto. É
por isso que a tragédia deve trazer o embate entre forças antagônicas, uma que
une e outra que separa, entre o que tem forma e o informe, entre o orgânico e o
“aórgico”, entre a lucidez e o “fogo apolíneo”.
Todavia, é em seu livro, Observações sobre Édipo. Observações sobre Antí-
gona, que a definição de trágico e de tragédia é aprofundada. No livro, Hölderlin
(2008, p. 53) assevera que:


A apresentação do trágico depende, principalmente, de que o formi-
dável, como o deus e o homem se acasalam, e como, ilimitadamente,
o poder da natureza e o mais íntimo do homem se unificam na ira,
seja concebido pelo fato de que a unificação ilimitada se purifica
por meio de uma separação ilimitada.

Diante disso, é possível notar que a essência do trágico é justamente o casamento


do homem e do deus, a tentativa de se tornar ilimitado.
Hölderlin não se limita a definir que a tragédia é a tentativa de busca pelo
ilimitado. A tragédia também é a constante denúncia (ou a lembrança) de que o
homem não é deus, e sim um ser finito. Por isso, para Hölderlin, a tragédia tra-
balha o paradoxo presente na busca por uma união ilimitada entre o finito e o
infinito, além de realizar a constante recordação da limitação humana.

A filosofia sobre a arte de Schopenhauer, certamente, é voltada ao conceito de

114
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Schopenhauer e a Negação da Vontade de Viver

Figura 4 - Arthur Schopenhauer

Descrição da imagem: na figura, é apresentada uma imagem do busto de Arthur Schopenhauer. Ela foi
inserida nos livros da Mayer Léxico, uma coleção com 21 volumes e publicada entre 1905 e 1909.

beleza. Isso significa que, para o filósofo, uma coisa é bela quando se torna objeto
de contemplação estética. Assim como é em Kant, para Schopenhauer, a contem-
plação estética é pura, ou seja, quando contemplamos um objeto de maneira pura,
revelamos a sua ideia. Portanto, uma coisa só pode ser considerada bela quando
não nos interessa.

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UNIDADE 4

Há, para o filósofo alemão, coisas que podem ser mais ou menos belas, pois
há objetos que provocam mais ou menos contemplação puramente objetiva. Em
outras palavras, para Schopenhauer, as coisas podem ser mais ou menos belas de
acordo com a objetividade da vontade que a sua ideia exprime. A arte busca ex-
primir a ideia e o que diferencia as artes é o grau de objetivação da vontade. Por
isso, para entender a arte, de modo geral, e a arte trágica, de maneira particular,
em Schopenhauer, é preciso retomar três conceitos fundamentais e presentes na
sua principal obra, O mundo como vontade e representação. Esses conceitos são:

Representação – Vontade – Ideia

Trabalhemos as definições dos conceitos apresentados. Em O mundo como von-


tade e como representação, Schopenhauer (2005, p. 43) sustenta, inicialmente, que
“o mundo é minha representação”. Essa afirmação leva a dois desdobramentos:
1. O mundo como representação é composto por duas categorias indisso-
ciáveis: sujeito e objeto. Isso significa que o mundo só existe como objeto
de um sujeito que representa esse objeto para poder conhecê-lo.
2. Se a representação é considerada um dos aspectos do mundo, ela não é ex-
clusiva. Há outro aspecto importante para Schopenhauer, já que o mundo é
“minha vontade”. Sobre a temática, Roberto Machado (2006, p. 168) explana:


Se o objeto depende do sujeito, dependência que implica necessa-
riamente representação, é preciso procurar a essência do mundo
como coisa em si em um elemento que não seja marcado por essa
oposição. Esse elemento é a vontade. A representação é o objeto, o
fenômeno, a visibilidade, a manifestação, objetivação, a objetidade
(Objektität) da vontade, enquanto a vontade é a coisa em si, a subs-
tância, a essência, o núcleo de cada coisa particular e do conjunto
dos entes. A vontade é primordial, primária, fundamental; a repre-
sentação é secundária, subordinada, condicionada.

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A vontade, assim definida, é a coisa em si, ou seja, a unidade. Ela existe fora do
tempo e do espaço, elementos necessários para a nossa representação. A vontade
seria um elemento que impõe coerência à diversidade dos fenômenos, que são
individuais. Por isso, é possível afirmar que, do ponto de vista da vontade, não
há pluralidade, já que ela pressupõe uma unidade essencial de todos os entes.
Entretanto, isso não significa que, na vontade, não exista conflito ou perpétuo
embate pela existência. “Assim, em toda parte na natureza vemos conflito, luta e
alternância da vitória, e aí reconhecemos distintamente a discórdia essencial da
vontade consigo mesma” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 211). Mesmo que Scho-
penhauer tenha definido a vontade como unidade, esse embate se dá no nível dos
fenômenos, no nível das vontades individuais.
Outra característica da vontade é a ausência de fundamento. Para Schope-
nhauer, a vontade é destituída de regras, finalidades e causa, ou seja, não há razões.
É por isso que a vontade se encontra fora do tempo, do espaço e do princípio de
individuação (da diversidade ou da pluralidade do mundo). Portanto, a vontade
também é livre, já que independe da razão.

EXPLORANDO IDEIAS

A vontade, para Schopenhauer, não se submete à lei da finalidade. É possível afirmar que
toda ação particular tem uma finalidade, isto é, todos os atos de um indivíduo são moti-
vados por algo. Exemplo: estudo (ato) para me formar e ter uma profissão (finalidade). A
vontade, por sua vez, é sem qualquer finalidade ou, de acordo com Schopenhauer, age
cegamente.
Fonte: o autor.

Ao tomar a vontade como cega, irracional, indeterminada e inconsciente, Scho-


penhauer a caracteriza como livre. É a razão que está submetida à intuição, e não
a vontade à razão. Schopenhauer se afasta, desse modo, das tradicionais filosofias
que defendiam que a razão era a essência do homem, já que, agora, a vontade é
o que há de mais essencial.

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UNIDADE 4

Já conhecemos os conceitos de representação e de vontade, agora, trabalhare-


mos o último conceito importante, que é o de ideia. Partindo da noção platônica
de ideia que você estudou na primeira unidade, Schopenhauer considera que as
ideias são as propriedades universais e imutáveis dos objetos particulares, embora
não se possa confundir ideia com vontade. Qual é a distinção? A distinção está no
fato de que a ideia é apenas a manifestação mais imediata da coisa em si, embora
não seja ela propriamente dita.
Ao considerarmos que a ideia é manifestação, temos que tomá-la como re-
presentação, mas se trata de um tipo de representação diferente daquela que
representa o mundo dos fenômenos. Enquanto a representação do mundo feno-
menal está submetida à diversidade, à pluralidade e ao princípio de individuação,
as ideias são inalteráveis, eternas e imutáveis. Agora que você já tem um enten-
dimento essencial da representação, da vontade e da ideia em Schopenhauer,
podemos retomar a sua teoria sobre a tragédia. A arte sempre tem, por objetivo,
exprimir a ideia. A distinção entre as artes se dá, dessa forma, nos diferentes graus
de objetivação da vontade. Apresentemos dois exemplos:
Ao entrar em contato com um grande monumento produzido pela arquite-
tura, tenho a intuição de duas forças consideradas por Schopenhauer em luta:
a gravidade e a resistência. Elas, segundo o autor, são apenas graus inferiores de
objetividade da vontade. Ao entrar em contato com uma obra poética em que se
encontra a objetividade, a ideia de humanidade (que representa a luta da vontade
com ela mesma, como ela aparece nos conflitos humanos), tem-se a ideia consi-
derada em seu mais alto grau da objetividade da vontade.
Assim, para Schopenhauer, dentre todos os gêneros poéticos, o estudioso
compreende que é na tragédia que a objetividade da vontade se apresenta de
maneira mais alta, perfeita e difícil. Para além de suas características poetológicas,
Schopenhauer está preocupado em definir a visão trágica do mundo por meio
da representação trágica.
O filósofo elenca dois aspectos da tragédia dignos de reflexão:

1. Apresentação do conteúdo da tragédia.


2. Apresentação da finalidade da tragédia
(do efeito trágico sobre o espectador).

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Em relação ao primeiro aspecto, a tragédia nada mais é do que a expressão


mais geral da natureza e da existência humana. A trágica é a arte em que se
manifestam os desastres, os horrores e os infortúnios da vida humana e, por
isso mesmo, acaba por trazer também a representação das insignificâncias da
vida ou nada de suas aspirações. De acordo com Schopenhauer, “na tragédia, é
o lado terrível da vida que nos é apresentado, a miséria da humanidade, o reino
do acaso e do erro, a queda do justo, o triunfo do malvado; coloca-se, assim, sob
nossos olhos o caráter do mundo que se choca diretamente com nossa vontade”
(MACHADO, 2006, p. 174).
Diante disso, observe que a tragédia busca, de acordo com o filósofo, mostrar
com clareza o grau mais elevado de objetivação da vontade, o conflito da vontade
consigo mesma, ao abordar os sofrimentos humanos. No entanto, há mais sobre
o conteúdo: a tragédia também tem como objetivo apresentar a purificação que
o sofrimento trágico produz, ao expressar a negação da vontade.

Figura 5 - Atriz interpretando


Hamlet

Descrição da imagem: na
figura, há uma foto da atriz
francesa Sarah Bernhardt
interpretando, em 1887,
a famosa cena existencial
de Hamlet, em que é dita
a frase: ser ou não ser, eis
a questão.

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UNIDADE 4

Dentre os exemplos que Schopenhauer traz, temos Hamlet, de Shakespeare. Na


obra, Hamlet, depois de vingar a morte de seu pai e passar por todos os infortú-
nios que a tragédia lhe proporcionou, morre purificado pelo sofrimento a que
foi acometido, quando a sua vontade de viver já está morta. Essa seria a catarse
trágica para Schopenhauer. A negação do querer seria o remédio da doença, que
é viver subsumido ao princípio de individuação. Por isso, ao se libertar da von-
tade de viver, que ocorre pelo sofrimento, o homem é deslocado do querer, que é
ligado e motivado pelas vontades particulares e mundanas, e direcionado a um
conhecimento superior, ou seja, para o conhecimento da essência das coisas que
faz a vontade se afastar da vida fenomenal.
Em suma, a negação da vontade de viver é a liberdade do homem na medi-
da em que é por intermédio do sofrimento trágico que o homem se afasta dos
desejos mundanos, nessa negação do querer do homem, para se encontrar em
um estado de abnegação, de conhecimento puro da coisa em si. Trata-se de um
estado de santificação.

Nietzsche o nascimento da Tragédia

Figura 6 - Busto de Nietzsche

Descrição da imagem:
Descrição: na figura, é
apresentado um desenho
do busto de Nietzsche,
filósofo alemão que nas-
ceu em 1844 e morreu em
1900. Intitulava-se filósofo
trágico.

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UNICESUMAR

De acordo com Roberto Machado (2006, p. 202), Friedrich Nietzsche “foi o pri-
meiro a se intitular filósofo trágico”. Como tal, a primeira grande obra conhecida
de sua fase de juventude se intitula O nascimento da tragédia no espírito da mú-
sica, publicada em 1872 (em 1886, o livro foi reeditado com o título O nascimento
da tragédia ou helenismo e pessimismo). Na obra, Nietzsche compreende a arte
moderna como decadente, porque perdeu o seu lado mais sublime: o trágico.
Desse modo, o autor buscou compreender o sentido da cultura grega a partir do
trágico, para entender a verdadeira arte, a arte da tragédia.
O trágico, para o filósofo, seria essa força primordial e necessária para a mu-
dança da cultura grega. Uma vez que a vida é contradição e sofrimento, o ser
humano só encontrará a sua salvação na arte. É por isso que, logo no prefácio da
obra dedicada ao músico Richard Wagner, Nietzsche (1992, p. 26) escreve que
“a arte é a tarefa suprema e a atividade propriamente metafísica desta vida”. A
metafísica do artista seria alcançada por essa arte trágica que propõe uma supe-
rabundância da vida e a superação de si mesmo.
Diante disso, como Nietzsche entendia o desenvolvimento da arte? O filósofo
pensa na arte a partir de duas pulsões da natureza: da duplicidade do apolíneo e
do dionisíaco. Apolo representa a figuração plástica, aquilo que impõe à forma,
enquanto Dionísio está marcado pela arte não-figurada, pela música. Sobre a
temática, Nietzsche (1992, p. 27) explica que:


A seus dois deuses da arte, Apolo e Dionísio, vincula-se a nossa cog-
nição de que no mundo helênico existe uma enorme contraposição,
quanto a origens e objetivos, entre a arte do figurador plástico [Bild-
ner], a apolínea, e a arte não-figurada [unbildlichen] da música, a de
Dionísio: ambos os impulsos, tão diversos, caminham lado a lado,
na maioria das vezes em discórdia aberta e incitando-se mutuamen-
te a produções sempre novas, para perpetuar nelas a luta daquela
contraposição sobre a qual a palavra comum “arte” lançava apenas
aparentemente a ponte; até que, por fim, através de um miraculoso
ato metafísico da “vontade” helênica, apareceram emparelhados um
com o outro, e nesse emparelhamento tanto a obra de arte dionisíaca
quanto a apolínea geraram a tragédia ática.

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UNIDADE 4

Assim como você pôde observar, o desenvolvimento da arte está ligado à du-
plicidade do apolíneo e do dionisíaco. Segundo Nietzsche, essas duas pulsões
artísticas se manifestam fisiologicamente em nós a partir do sonho (Apolo) e da
embriaguez (Dionísio).

Figura 7 - Deus Apolo

Descrição da imagem: na figura, Apolo se encontra em sua carruagem, que também carrega o sol e é
levada por dois cavalos. Na mitologia grega, Apolo é o deus do sol e, muitas vezes, é representado como
o responsável pelo nascer dele.

É a partir do mundo do sonho que toda a imagem da bela aparência se manifesta,


cuja produção faz de todo o ser humano um artista. Entretanto, Nietzsche alerta
que, por mais que o sonho possa trazer a bela aparência, ele não se restringe a esse
tipo de imagem, uma vez que é nesse estado onírico que as imagens sérias, som-
brias, tristes e inquietas, ou seja, todo o mundo do pesadelo, também se manifesta.
Nietzsche evidencia que o mundo do sonho, para os gregos, foi expresso a
partir da necessidade apolínea. Apolo é o deus resplandecente, da luz, que traz
a imagem fantasia (não cotidiana), assim como é próprio do sonhar. Por isso, as
imagens forjadas pela arte apolínea se afastam das imagens da realidade cotidia-
na. Para o autor, as imagens da arte apolínea carregam uma “profunda consciência

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UNICESUMAR

da natureza reparadora e sanadora do sono e do sonho, é simultaneamente o


análogo simbólico da aptidão divinatória e mesmo das artes, mercê das quais a
vida se torna possível e digna de ser vivida” (NIETZSCHE, 1992, p. 29).
É por trazer a figuração, a imagem, que a arte apolínea gera o conceito de
“princípio de individuação”. Sobre esse princípio, Nietzsche expõe uma passagem
de O mundo como vontade e representação de Schopenhauer:


Tal como, em meio ao mar enfurecido que, ilimitado em todos os qua-
drantes, ergue e afunda vagalhões bramantes, um barqueiro está senta-
do em seu bote, confiando na frágil embarcação; da mesma maneira,
em meio a um mundo de tormentos, o homem individual permanece
calmamente sentado, apoiado e confiante no principium individuatio-
nis [princípio de individuação] (NIETZSCHE, 1992, p. 30.)

Figura 8 - Barco em meio à tempestade

Descrição da imagem: na figura, é apresentada uma tempestade em alto mar. Há um barco navegando,
raios e várias nuvens carregadas. Ela retrata a passagem de Schopenhauer sobre o princípio individual

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UNIDADE 4

Para Schopenhauer, o princípio de individuação é a única segurança do homem


em meio a um mundo de tormentos. A mesma ideia é empregada por Nietzsche
em relação à arte: em meio a um mundo trágico, a arte seria aquilo que torna a
vida possível de ser vivida. Todavia, quando se rompe esse princípio de indivi-
duação e o homem se lança ao êxtase, entramos no domínio do dionisíaco. Para
Nietzsche, a manifestação dionisíaca se manifesta na embriaguez, no estado em
que o homem, enquanto uma figura individual, perde-se e, nesse perder, encontra
a própria natureza. É como se, no estado dionisíaco, o sujeito rompesse as suas
limitações enquanto indivíduo e se reconcilia com o todo, com aquilo que une e
não diferencia todos os seres humanos.
Desse modo, pode ser encontrada uma das teses extremamente importantes de
Nietzsche, já que é a arte dionisíaca que leva o homem à alegria, mesmo diante da
tragédia. Isso ocorre porque há uma inversão de valores: “agora o escravo é homem
livre, agora se rompem todas as rígidas e hostis delimitações que a necessidade, a
arbitrariedade ou a “moda impudente” estabelecem entre os homens” (NIETZS-
CHE, 1992, p. 31). Esse romper visa sair do espaço cotidiano e estabelecido em
nossas vidas, em que cada um é um sujeito particular e separado do outro a partir
de regras, hierarquias e posições sociais, para se encontrarem como um só:


Agora, graças ao evangelho da harmonia universal, cada qual se
sente não só unificado, conciliado, fundido com o seu próximo, mas
um só [...]. Cantando e dançando, manifesta-se o homem como
membro de uma comunidade superior: ele desaprendeu a andar e
a falar, e está a ponto de, dançando, sair voando pelos ares. [...] O
homem não é mais artista, tornou-se obra de arte: a força artística de
toda a natureza, para a deliciosa satisfação do Uno-primordial, reve-
la-se aqui sob o frêmito da embriaguez (NIETZSCHE, 1992, p. 31).

Note a última frase do filósofo: “o homem não é mais artista, tornou-se obra
de arte” (NIETZSCHE, 1992, p. 31). Perceba como ela é um complemento e, ao
mesmo tempo, distinta da arte onírica apolínea. Enquanto as imagens do sonho
apolíneo tornam o homem um artista, o êxtase dionisíaco torna o homem uma
obra de arte. Em vista disso, temos:

124
UNICESUMAR

Apolo, que, pelo sonho, faz de todo o homem um artista


X
Dionísio, que, pelo êxtase, faz de todos os homens uma obra de arte

É da junção entre Apolo e Dionísio que nasce, para Nietzsche, a maior de todas
as artes: a tragédia Ática.

Figura 9 - Deus Dionísio

Descrição da imagem: na figura, Dionísio, o deus do vinho, é retratado com uma taça de vinho em uma
de suas mãos. Ele tem o seu cajado na outra e é composto por folhas de parreiras. Também há vários
jarros no chão

125
UNIDADE 4

Para Nietzsche, os gregos tiveram como o momento mais importante de sua his-
tória a conciliação dos deuses Apolo e Dionísio. As festas dionisíacas demonstram
justamente o rompimento com o princípio de individuação. Contudo o rompi-
mento com o individual e a manifestação do contato com a natureza são expres-
sos por meio da via simbólica, ou seja, pelo simbolismo dos corpos dançantes.

Esse tipo de ritualidade, em relação aos deuses Olimpos, não se liga


à maneira como o Ocidente compreendeu, a partir do cristianismo, a
necessidade de ascese, de espiritualidade e de dever, mas carrega uma
abundante existência. Nela, ocorre a divinização do presente, não sen-
do nem bom, nem mau.

Para os gregos não sucumbirem em suas existências trágicas, foi necessária a arte
apolínea. Em outras palavras, a ilusão apolínea visa justamente desaparecer os
horrores da existência. A arte apolínea seria aquela em que a aparência estética
se faz imprescindível diante de um mundo de tormentos. É por isso que Apolo
simboliza o princípio de individuação, o mundo dos limites e da ética, do auto-
conhecimento. O mundo do autoconhecimento apolíneo pode muito bem ser
caracterizado em duas frases muito famosas entre os gregos:

“Conhece-te a ti mesmo” e “nada em demasia”

Todavia, Nietzsche alerta que, diante de toda a beleza de Apolo, repousavam,


encobertos, sofrimento e conhecimento. Em detrimento do que a luz apolínea
escondia e, ao mesmo tempo, pressupunha, Apolo não poderia existir sem outro

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UNICESUMAR

deus: Dionísio. Os limites éticos e a desmedida, o titânico e o bárbaro eram ne-


cessários e, em vista dessa junção, tem-se o nascimento da tragédia.
Ao se perguntar sobre a tragédia, Nietzsche encontra em sua origem os ri-
tuais dionisíacos. Na tragédia dionisíaca, Estado e sociedade dão lugar a um
sentimento de unidade que reconduz o homem ao coração da natureza. O lado
dionisíaco mostra o lado horrendo e absurdo da existência no momento em que
a arte transforma esses pensamentos voltados a horrores e absurdos em repre-
sentações com as quais é possível viver. É por isso que, para o filósofo alemão, a
esfera da poesia não é um afastamento do mundo. Ao contrário, é exatamente a
indisfarçada expressão de sua verdade, já que é por meio da arte que há aquela
mentirosa realidade pregada pelo homem civilizado. Assim, temos a oposição
nietzschiana entre:

Autêntica verdade da natureza x Mentira do homem civilizado

É somente no drama trágico, alerta Nietzsche, que o personagem Dionísio se tor-


na visível ao público. É como se, a partir do drama, Dionísio se tornasse um herói:


As aparências apolíneas, nas quais Dionísio se objetiva, não são mais
“um mar perene, um tecer-se cambiante, um viver ardente”, como
é a música do coro, não são mais aquelas forças apenas sentidas,
incondensáveis em imagem, em que o entusiástico servidor de Dio-
nísio presente a proximidade do deus: agora lhe falam, a partir da
cena, a clareza e a firmeza da configuração época, agora Dionísio
não fala mais através de forças, mas como herói épico, quase com a
linguagem de Homero (NIETZSCHE, 1992, p. 63).

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UNIDADE 4

Ao remeter o drama trágico, Nietzsche analisa dois personagens dos tragedió-


grafos Ésquilo e Sófocles: Prometeu e Édipo, respectivamente. Apresentemos a
análise nietzschiana.

Figura 10 - Deus Dionísio

Descrição da imagem: na figura, é retratado, sentado em uma pedra, como se estivesse a pensar, Édipo.
Ele está em frente à esfinge, um monstro que propunha enigmas e devorava quem não os decifrava.

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UNICESUMAR

Nietzsche entende Édipo Rei como a mais dolorosa figura do palco grego. Édipo é
uma criatura nobre que, mesmo sendo sábio, está condenado ao erro e à miséria.
Todavia, seu trágico destino, que é recheado de tormentas e sofrimentos, o conduz
a um poder mágico e abençoado que continua a atuar até mesmo após a sua morte.
Depois que ocorrem os eventos de Édipo Rei, em que o herói mata o seu
próprio pai, casa-se com a sua mãe e, ao descobrir os feitos, cega-se e sai a vagar
mundo afora, Sófocles escreve a tragédia Édipo em Colono, que narra a história
de Édipo, que, mesmo caído em sofrimento e desgraça, alcança a sua atividade
suprema por meio do poder que a natureza lhe concebeu: o de fazer qualquer
cidade ganhar uma guerra, desde que o abrigasse vivo ou morto. Assim, todo o
sofrimento do herói adquire um poder mágico em sua velhice. Nietzsche alerta
que, em relação à Édipo, trata-se de um herói completamente passivo, pois os
acontecimentos de sua vida, desde criança até a sua morte, não são obras de suas
escolhas, mas imposições dos deuses.

Figura 11 - Prometeu

Descrição da imagem: na
figura, é apresentado Pro-
meteu, que está acorren-
tado nas pedras. Há o fogo
da criação em sua mão di-
reita, enquanto uma águia
devora o seu fígado, que,
segundo o castigo de Zeus,
sempre se regenera.

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UNIDADE 4

Contra a passividade dos eventos que acometem Édipo, temos a atividade de


Prometeu, o herói esquiliano. Prometeu é “o artista titânico [que] encontra em
si a crença atrevida de que podia criar seres humanos e, ao menos, aniquilar
deuses olímpicos: e isso, graças a sua superior sabedoria, que ele, em verdade, foi
obrigado a expiar pelo sofrimento eterno” (NIETZSCHE, 1992, p. 66). É devido
a esse sentimento de artista e em consequência da alegria da criação artística que
Prometeu enfrenta os deuses e rouba o fogo da criação de Zeus que, furioso com
o herói e com medo de que os mortais se tornassem tão poderosos quantos os
deuses, condena Prometeu a ficar acorrentado em uma rocha, por toda a eterni-
dade, enquanto um corvo devora o seu fígado todo dia, que se regenera no dia
seguinte. Mesmo diante desse suplício eterno, Prometeu afirma que valeu a pena.
Nietzsche entende que, durante muito tempo, o único herói existente na tra-
gédia foi Dionísio e que toda tragédia tinha por objetivo o sofrimento de seu
herói. De maneira complementar, você deve notar que Dionísio só poderia vir à
luz, no drama trágico, a partir da intervenção de Apolo. Em razão disso, o deus
da embriaguez se torna um personagem individual e todo o sofrimento sofrido
por ele é devido ao processo de individuação.
Entretanto, Nietzsche sustenta que, se com Ésquilo e Sófocles, a tragédia flo-
resceu, com Eurípedes, outro tragediógrafo, a sua morte é instaurada. Eurípedes
levou o espectador comum à cena trágica. Desse modo, a tragédia perde a sua
visão profunda e enigmática da existência para tratar de temas cotidianos e de
questões triviais, fazendo com que o espectador mais banal se identifique com o
que está a ver. Isso torna a tragédia uma obra de moral.
Ao moralizar a tragédia, Eurípedes joga para fora do palco aqueles dois im-
pulsos artísticos tão essenciais para Nietzsche: Apolo e Dionísio. Com isso, de-
creta a decadência da arte trágica. Note que, se até então, Dionísio compunha o
personagem principal de toda a cena trágica, Nietzsche compreende que outro
personagem lhe tomará o lugar. Esse personagem é Sócrates.
Nas tragédias de Eurípedes, quem se encontra por trás de todos os persona-
gens é Sócrates e, graças a ele, a tragédia se sucumbiu. Contudo, por quais motivos
a tragédia morreu no momento em que Sócrates subiu ao palco?

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UNICESUMAR

1°) Pela própria forma com que Eurípedes começou a compor as


suas tragédias. A beleza ficou atrelada à inteligibilidade. Eurí-
pedes inseriu o prólogo em suas peças teatrais para esclarecer
todos os eventos que ocorreriam durante as cenas trágicas, a
fim de que o espectador não tivesse mais estranhamentos ou
surpresas. É como se tudo deve ser consciente para ser belo.
2°) Sócrates, como filósofo que se torna o próprio conteúdo da
tragédia, é aquele que prega que só homem sábio é virtuoso e,
para ser bom, deve ser consciente.
3°) Há uma profunda associação entre razão, bondade e beleza.

Nietzsche denuncia esse processo de racionalização da tragédia. Sócrates, ao pro-


ferir a sua famosa frase “só sei que nada sei”, ou seja, ao afirmar que nada sabia,
faz uma crítica ao conhecimento e à arte vigente. Assim, acusa ser um falso saber
aquele conhecimento tradicional do homem grego, que se pautava em Homero e
nas tragédias gregas. É por meio da filosofia socrática que temos a oposição entre:

Corpo x Alma
Instinto x Razão

Diante disso, a filosofia socrática se estabelece como uma filosofia contra o corpo
e contra o instinto, para que a razão útil e clara seja a grande guia do homem. É
por isso que, segundo Nietzsche, Sócrates parecia compreender que a arte trágica
nunca diz a verdade e, portanto, a desmerece como arte formadora do indivíduo.
Todo esse movimento contra a arte trágica é cercado de uma curiosidade:
Sócrates se contrapunha tão bem a esse tipo de arte que Platão queimou todos
seus poemas ao se tornar discípulo de Sócrates. Todavia, de maneira paradoxal, o
próprio Platão escrevia, em suas obras, à maneira dos poetas: por meio do diálogo,
fazendo de sua filosofia o protótipo do romance.

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UNIDADE 4

Nietzsche observa que, com a filosofia de Sócrates e com o socratismo de


Eurípedes, nasce algo distante daquela tragédia que tinha como base as pulsões
dionisíacas e apolíneas. O filósofo alemão nomeia esse nascimento de “socratismo
estético”. A arte, a partir de então, perde a sua carga enigmática para se tornar uma
arte subordinada à moral, a partir de preceitos como “a virtude é saber”, “não se
peca por ignorância”, “só o virtuoso é feliz”, o herói, virtuoso e sábio, deve portar
(NIETZSCHE, 1992, p. 89).
Ao expulsar Dionísio, o “socratismo estético” inevitavelmente afasta a músi-
ca, a essência (o não-figurado) da tragédia. Sócrates, como homem teórico, não
deixa espaço para o incompreensível, para o instinto e, portanto, busca justificar
e compreender, a partir do saber, a existência e a morte. Ao tentar conhecer tudo,
o socratismo traz o otimismo teórico:


Sócrates, o herói dialético do drama platônico, nos lembra a na-
tureza afim do herói trágico euripidiano, que precisa defender as
suas ações por meio de razão e contra-razão, e por isso mesmo se
vê tão amiúde em risco de perder a nossa compaixão trágica; pois
quem pode desconhecer o elemento otimista existente na essência
da dialética, que celebra em cada conclusão a sua festa de júbilo e
só consegue respirar fira claridade e consciência? Esse elemento
otimista que, uma vez infiltrado na tragédia, há de recobrir pouco a
pouco todas as suas regiões dionisíacas e impeli-las necessariamente
à destruição – até o salto moral do espetáculo burguês? (NIETZS-
CHE, 1992, p. 89).

Note que, para Nietzsche, o domínio da razão sobre a arte acaba por destruir
as essências artísticas trágicas: o deus da embriaguez e o deus do sonho. Isso
acarreta na destruição artística, o que fez nascer uma arte que se atém apenas
ao que é comum e superficial das relações sociais. Para Nietzsche, isso significa
que a arte entrou em decadência e perdeu o seu poder de manifestação, assim
como encontramos nas tragédias de Ésquilo e de Sófocles. Consequentemente,
o homem perdeu a sua relação direta entre a arte e a vida, assim como o filósofo
caracterizou a partir da noção de metafísica de artista.
Agora que você já compreendeu como se deu a morte da tragédia, o que seria
essa noção? O que o filósofo alemão entende por “metafísica de artista” é “a jus-
tificação da vida diante a crueldade da existência. Assim o filósofo alemão pensa

132
UNICESUMAR

que o homem deve, assim como na tragédia, transfigurar as dores e os sofrimentos


dionisíacos – suportar a própria não forma, o caos e, portanto, o cosmos – através
dos impulsos apolíneos” (PAVINI, 2016, p. 156). Em outras palavras, trata-se de
uma relação estética que o homem mantém com a sua existência, tornando-a
jubilosa, mesmo diante da tragicidade da vida.

Por mais que Nietzsche entenda que a arte trágica teve a sua morte com o advento
do socratismo, o filósofo encontra um possível renascimento nas obras de dois
autores modernos: o músico Richard Wagner e o filósofo Arthur Schopenhauer.

Figura 12 - Richard Wagner

Descrição da imagem: na figura, é apresentado um retrato de Richard Wagner (1883-1913), compositor


de óperas que traziam vários elementos da mitologia alemã. Também foi um grande amigo de Nietzsche
na juventude do filósofo. Depois, ambos romperam a amizade.

133
UNIDADE 4

Tanto Wagner quanto Schopenhauer não trariam o otimismo teórico socrático, no


qual a arte se tornaria subjugada à razão. Ao contrário, a música de Wagner e a filosofia
de Schopenhauer fariam renascer uma alegria metafísica com o trágico, em que ocorre
a transposição da sabedoria dionisíaca instintivamente inconsciente para a linguagem
das imagens. Portanto, o pessimismo do filósofo e a ópera da música representariam
o ressurgimento dos impulsos perdidos pela história da razão Ocidental.

Neste podcast, analisaremos a maneira com que a filosofia


refletiu sobre a arte trágica. Para isso, trataremos do
pensamento de três autores: Hölderlin, Schopenhauer e
Nietzsche. O que há em comum entre eles? O trio consider-
ou a arte trágica enquanto uma das maiores artes já real-
izadas pelo homem e, em razão disso, tentaram mostrar a
necessidade, para os seres humanos, de uma arte trágica.

NOVAS DESCOBERTAS

Dirigido por Cardula Kablitz-Post e lançado em 2018, Lou é um filme


que retrata a escritora e psicanalista Lou Andreas-Salomé, aos 72 anos,
reescrevendo as suas memórias da juventude. Ela relembra que, des-
de criança, sonhava em ser uma intelectual e, posteriormente, narra as
suas relações com Nietzsche, Freud e Rilke. O filme retrata com muita
competência os relacionamentos de Lou Salomé com Nietzsche, suas aulas
com Freud e sua paixão por Rilke. Além dos dados biográficos, também são
abordados temas filosóficos, como o conflito entre autonomia e intimidade, li-
berdade e vida. Vale a pena assisti-lo e passar, mesmo que brevemente, pelas
ideias de Lou Salomé e daqueles pensadores que fizeram parte de sua vida.

Agora que conhecemos algumas reflexões sobre a tragédia de acordo com os pensa-
mentos de Hölderlin, Schopenhauer e Nietzsche, os quais viram, na tragédia, um pensa-
mento necessário para a vida e para a reflexão estética, propomos um exercício: retome
as reflexões que você elaborou no “diário de bordo” e as refaça, levando em consideração
o conhecimento que você adquiriu sobre a tragédia. Argumente o motivo pelo qual
a predileção de alguns sujeitos pode se dar por espetáculos trágicos, ao contrário de
espetáculos cômicos. Lembre-se de que, em seu texto, você deve trazer argumentos dos
filósofos estudados. Além disso, pode se basear nos três autores ou somente em um.

134
Nesta unidade, como atividade de estudo, propomos a construção de um mapa
conceitual. Desse modo, você aprofundará ainda mais o seu conhecimento sobre a
reflexão filosófica voltada ao trágico. Há três retângulos, cada um com o nome dos
filósofos trabalhados nesta unidade. O objetivo é que você preencha, logo abaixo
do nome dos autores, os seus respectivos conceitos. Para isso, utilize os conceitos
disponibilizados a seguir:

1. Apolo e Dionísio

2. Negação da vontade de viver

3. Homem versus deuses

4. Socratismo estético

5. Representação e ideia

6. Tragédia como mediação entre os opostos

7. Busca do ilimitado

8. Desaparecimento das motivações mundanas

9. Moralização da tragédia

Hölderlin Schopenhauer Nietzsche

Figura 13 - Mapa mental da tragédia

Descrição da imagem: no infográfico, o estudante deve preencher os espaços vazios de acordo com cada
autor estudado na presente unidade.

135
5
Indústria Cultura
e Estética da
Existência
Dr. Renan Pavini

Nesta unidade, trabalharemos noções diferentes sobre a estética


no século XX. Na primeira, há uma reflexão do objeto arte como
mercadoria e produto dentro da sociedade capitalista. Para fazer
essa reflexão, Benjamin, Adorno e Horkheimer sustentam que a obra
de arte perdeu o potencial crítico inerente à arte e servem apenas
para atrair consumidores e aliená-los diante da realidade caótica
que os cercam. Por sua vez, a segunda noção apresenta uma ideia
de como a vida pode se tornar obra de arte. Desse modo, Foucault
resgata os gregos para mostrar como eles tinham esse sentido da
arte enquanto vida. Portanto, nesta unidade, serão expressas duas
maneiras diferentes de compreensão do que é a arte.
UNIDADE 5

Figura 1 - A crucificação de Cristo, obra pintada por Pieter Bruegel em 1917


Fonte: WikiArt (2020, on-line).

Descrição da imagem: a figura apresenta um quadro pintado por Pieter Bruegel. Nele, Jesus Cristo está
sendo sacrificado na cruz em conjunto com dois criminosos. A população está em volta das cruzes: alguns
choram, outros estão em seus cavalos e outros apenas observam. O cenário mostra que todos estão na
frente de uma montanha e, ao redor, encontram-se muitas árvores.

Em 2019, na cidade de Castelnuovo Magra, na Itália, um grupo de criminosos


invadiu a alcova lateral da igreja de Santa Maria Madalena e utilizou um martelo
para quebrar a vidraça que protegia o quadro A crucificação de Cristo, pintado
por Pieter Bruegel em 1617. De posse da obra de arte, os ladrões fugiram de carro.
No que podemos pensar em relação a essa situação? Que um valor inestimável
estava na posse desses ladrões. A polícia, então, deveria agir energicamente?
Não foi isso o que aconteceu. Na verdade, a polícia parecia bem despreocu-
pada com o arrojado roubo. Por que será que isso aconteceu? Horas mais tarde,
após o roubo, a polícia revelou saber dos rumores sobre o planejado crime e, com
isso, tomou duas atitudes antes do furto: colocou câmeras no local para filmar
os ladrões e trocou a obra original por uma cópia, uma réplica perfeita. Assim,
os assaltantes entraram sem muita resistência no local e levaram uma cópia do
artefato sem valor, enquanto a obra original estava sã e salva. Diante dessa situa-
ção, por que uma cultura atribui valor a uma obra de arte original? Por que uma
cópia, apesar de ser a mais fiel e perfeita, nunca alcançará o mesmo valor para nós?

138
UNICESUMAR

Em nossa sociedade atual, somos tentados pelos meios de comunicação. Li-


gamos a TV para assistirmos a um filme e, em um intervalo, é anunciado um
produto que devemos comprar. Enquanto fazemos um passeio por um parque,
ao virarmos o rosto, vemos um imenso outdoor anunciando algo que devemos
ter. Ligamos o rádio e, rapidamente, ouvimos uma promoção de um produto que,
se não comprarmos em uma hora, perderemos.
Em relação à nossa vida cotidiana, podemos sustentar que os meios de co-
municação tentam impor em nós um querer que vem de fora para dentro. Como
assim? Não tínhamos, antes de entrarmos em contato com a propaganda pro-
pagada por determinado veículo de comunicação, a vontade ou a necessidade
do produto anunciado. Contudo, a propaganda é tão sedutora e chamativa que
impõe em nós a necessidade de querer o produto que, antes, não tínhamos. Nesse
sentido, essa vontade, que não é nossa, mas é colocada em nós, gera um processo
de alienação, segundo os filósofos Adorno e Horkheimer.
Por quê? Porque estamos sempre querendo um produto e, por isso, o com-
pramos e temos uma falsa sensação de felicidade. Estamos sempre refazendo esse
processo, ou seja, sempre consumimos mais para satisfazer essa artificial vontade.
Ora, para Adorno e Horkheimer, esse processo de alienação também ocorre na
arte, visto que a indústria cultural reproduz e inventa obras de arte não para
despertar o senso crítico do consumidor, mas para vender e alienar. Podemos
asseverar, portanto, que o processo de reprodução causa, em nós, uma alienação
em relação à realidade.
Você gosta de vijar? Lembre-se daquela viagem mais formidável que você fez,
na qual você passou por lugares maravilhosos, comeu a comida local e conhe-
ceu pessoas novas e interessantes. Você gosta de esportes? Já praticou algum? Já
marcou um gol em um jogo de futebol? Já conseguiu fazer um “ice” em um jogo
de vôlei? O que você sente, experimenta e vive nesses momentos? Você consegue
descrever ou quantificar o valor? Se você tentar descrever algum desses momen-
tos intensos, a sua descrição nunca substituirá o que você realmente viveu, não
é mesmo? Apenas a experiência vivida nos proporciona a sensação do novo, do
original e do intenso.
Suponha que um familiar estava na plateia e assistia a um jogo do time do
qual você era integrante. Ele tirou uma foto sua e, depois, você a observa: certa-

139
UNIDADE 5

mente, ela lhe trará boas lembranças. No entanto, seria a foto (uma cópia do seu
momento), uma imagem de sua vivência, a mesma coisa que a vivência em si?
Ambas teriam o mesmo valor para você? Diante dessa problemática, faça uma
breve rememoração de algum momento intenso de sua vida, aquele momento
em que você se recorda que o seu coração estava pulsando freneticamente.
Agora que você rememorou um importante momento de sua vida, apanhe
um registro desse momento que você considera único, como uma foto. Não im-
porta que momento seja: pode ser a foto de uma viagem, de um jogo, de você com
o seu amor ou com a sua família. O que importa é você lembrar desse momento e
se perguntar, diante da foto, se ela substitui aquele momento. O que você prefere?
Passar pelo momento (originalidade) ou considerar o registro daquele momento
(a cópia)? Qual tem maior valor? Por quê? Anote as suas observações no diário
de bordo a seguir.

140
UNICESUMAR

Figura 2 - Walter Benjamin

Descrição da imagem: na
figura, é exposto o busto
do filósofo, crítico cultural
e ensaísta Walter Bendix
Benjamin. Ele nasceu em
Berlin, em 1892, e veio a
falecer em Portbou, em
1940. Era filiado da conhe-
cida Escola de Frankfurt
e Teoria Crítica. As suas
ideias foram inspiradas em
teorias marxistas.

No século XX, as reflexões de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno em rela-


ção à arte ofereceram um vasto campo aos estudos das teorias estéticas. Benjamin,
em seu livro A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, publicado
pela primeira vez em 1936, analisa, a partir do seu conceito de “reprodutibilidade
técnica”, as transformações advindas da reprodução artística, as quais causaram
um impacto tanto na relação dos espectadores com a obra de arte quanto na
maneira como os artistas passaram a criar a sua arte. Influenciado por Benjamin,
o filósofo Adorno, em conjunto com o sociólogo e filósofo Max Horkheimer,
escreve o famoso livro Dialética do esclarecimento, publicado em 1947. Assim,
no capítulo A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas,
Benjamin e Horkheimer demonstram como a arte se tornou uma mercadoria
estatizada e a cultura passou a ser um instrumento de dominação.
Nesse contexto, podemos afirmar que, para Benjamin, Adorno e Horkheimer,
a decadência da arte é um resultado da revolução burguesa e do regime capita-
lista, que, em sua estrutura, tem as suas ambições voltadas ao âmbito do lucro.

141
UNIDADE 5

Diante disso, de acordo com Benjamin (2013, p. 55), “formulado de modo geral, a
técnica reprodutiva desliga o reproduzido do campo da tradição. Ao multiplicar a
reprodução, ela substitui sua existência única por sua existência massiva”. Já para
Adorno e Horkheimer (1985, p. 114):


Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica [...].
O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A
verdade de que não passar de um negócio, eles a utilizam como
uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente
produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras
publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda
dúvida quanto à necessidade social de seus produtores.

Observe a crítica que os autores lançam à arte como mercadoria. Para Benjamin
(2013), uma obra de arte é única. Ela faz menção à história e à tradição e, por
isso, carrega uma “aura”. O que isso significa? Benjamin (2013) compreende que
toda obra de arte é autêntica e original. É isso que permite que o espectador tenha
uma experiência verdadeira com ela, dado que “a autenticidade de uma coisa é a
quintessência de tudo o que nela é originalmente transmissível, desde sua duração
material até seu testemunho histórico” (BENJAMIN, 2013, p. 55). Todavia, com
o advento da lógica capitalista, que transformou a arte em produto, ao reprodu-
zi-la massivamente, a obra de arte é cada vez mais afastada de sua autenticidade,
fazendo-a perder a sua aura. Em razão disso, Benjamin (2013) argumenta que
a relação do espectador com a obra de arte também muda, uma vez que ela se
torna cada vez mais vazia e trivial, afastada da experiência na qual a obra se liga.
Suponha que você passará as suas férias no Rio de Janeiro pela primeira vez.
Certamente, já te falaram do Cristo Redentor, grande cartão postal da cidade ma-
ravilhosa. Você já o viu por fotos, pela televisão e em filmes. Contudo, você nunca
o viu pessoalmente, ou seja, fisicamente, no local. É esse contato direto com a
magnitude da obra de arte que te trará uma experiência única em relação ao Cristo
Redentor, tendo em vista que você será tocado pela autenticidade dessa estátua.

142
UNICESUMAR

Figura 3 - Cristo Redentor

Descrição da imagem: na figura, é mostrada uma vista aérea da cidade do Rio de Janeiro. Em primeiro
plano, está a famosa estátua do Cristo Redentor. Ao fundo, é demonstrada a montanha do Corcovado.

Ora, para Benjamin (2013), os produtos culturais produzidos em massa são como
os cartões postais do Cristo Redentor, ou seja, tratam-se de uma reprodução que
perde a autenticidade e a originalidade, a sua “aura”, tornando a experiência esté-
tica muito pobre e limitada. Toda reprodutibilidade técnica e produção em massa
das obras de arte fazem uma obra perder aquilo que ela tem de novo, não mais
impressionando o espectador. É nesse sentido que a crítica do filósofo se volta
para a indústria cinematográfica. Nos conhecidos filmes hollywoodianos, desde o
começo do filme, nós já sabemos o seu final. O mesmo processo acontece em uma
novela, que, embora seja transmitida durante seis meses, permite-nos deduzir o seu
final. Isso gera uma sensação de felicidade no espectador, pois ocorre aquilo que
ele acreditou que aconteceria. No entanto, a obra de arte perde aquilo que tinha
de mais precioso, que é a experiência que fazia o espectador experimentar o novo.

143
UNIDADE 5

Entretanto, Benjamin (2013) não é completamente negativo em relação à


reprodutibilidade técnica, ao visualizar nela um aspecto positivo. O estudioso
acreditava que, se bem utilizada, a arte poderia ser um importante material para
a conscientização dos indivíduos. Primeiro, porque, com a reprodutibilidade
técnica, uma obra perde o seu valor de culto, isto é, o seu valor é alterado e,
agora, ela não tem mais um valor sagrado e restrito, assim como era quando ela
exclusiva de determinada elite, mas se encontra mais acessível ao grande públi-
co e, nesse sentido, os indivíduos começam a ter contato com as obras de arte.
Segundo, Benjamin (2013) considerava o cinema uma potência para a classe
proletária, uma vez que ele poderia trazer novas expectativas e a construção de
novas possibilidades. Assim, o estudioso prega a necessidade de a arte “influenciar
nas consciências e auxiliar na modificação das relações sociais, sem que, com
isso, pretendessem retornar à magia, e muito menos, reforçar o caráter aurático
da arte” (KOTHE, 1978, p. 52) e, em razão disso, elenca como positiva a “adoção
e aplicação das novas técnicas a própria técnica da obra, destruindo a aura [...].
Desmistificando a arte, desmistificaram o social; desmistificando o social pela
arte e pela crítica literária, crivam novas possibilidades de arte e novos níveis de
crítica” (KOTHE, 1978, p. 52).

Figura 4 - Selo postal com a imagem do filósofo Adorno

Descrição da imagem: na figura, é exposto o selo postal de 2003 em que há o filósofo Theodor Adorno.
O selo foi feito em comemoração aos 100 anos de seu nascimento. Nele, é visível o filósofo escrevendo
e, ao fundo de sua imagem, observamos os seus escritos marcados com observações feitas pelo próprio
autor. Adorno nasceu em 1903, em Frankfurt, na Alemanha, e faleceu em 1969 em Visp, na Suíça.

144
UNICESUMAR

Embora Adorno e Horkheimer tenham muitos aspectos em comum com Benja-


min, é importante observarmos que os filósofos são muitos mais céticos quando
fazem a sua crítica radical ao processo capitalista, que tornou a obra de arte em
um produto. A obra de arte, enquanto produto do mercado, não tem como fina-
lidade a realização de algo no outro, senão a de atrair consumidores por meio
da diversão. A obra de arte se torna, desse modo, mercadoria de entretenimento
e, para o mercado lucrar, aumenta-se a reprodução dos padrões, enquanto são
diminuídos os potenciais crítico e criativo das obras de arte.
Diante desse novo modelo, a obra de arte deve ser uma roupagem, uma for-
ma de “distração” para os indivíduos se sentirem confortáveis, mesmo diante das
contradições e da realidade caótica em que se encontram. Por isso, o sistema visa,
segundo Adorno e Horkheimer, anestesiar os indivíduos por intermédio dos mais
variados entretenimentos: obras de arte de fácil absorção, promoções de produtos,
jogos em loterias, dentre outros. Além disso, a indústria cultural cria modelos,
tipos e vestes, a fim de espalhar, na população, determinados desejos de repetição
que são absorvidos pelo mercado. Quando observamos uma atriz famosa vestida
com determinada roupa, temos o desejo de comprar aquela roupa e termos o
corpo dela. Desse modo, não buscamos apenas a roupa, mas todo tratamento
necessário para deixar o nosso corpo o mais parecido possível com o da atriz. É
nesse sentido que a indústria cultural mascara a realidade e suscita indivíduos
alienados e impotentes por meio do entretenimento e da diversão.
Por isso, quando assistimos a um filme ou a uma novela, o protagonista sem-
pre será apresentado como o ideal. É nele que todos devem se espelhar. Nor-
malmente, o protagonista (o moço) é o duplo do espectador: ele é bom, puro,
digno e honesto e, por isso, terá um final feliz. Quando o espectador se simpatiza
com esse tipo de narrativa e se aproxima dessa maneira de pensar, ele acaba por
compreender que se, em sua vida real, há sofrimentos e adversidades, é porque
ele merece, uma vez que não está em pleno acordo com os ideais morais. Adorno
e Horkheimer argumentam que esse tipo de narrativa nada mais é do que uma
distração que, com a promessa de uma vida melhor para pessoas obedientes e não
contestadoras, faz os indivíduos fugirem da verdadeira realidade que os cerca,
visto que não conseguem compreender criticamente o seu cotidiano.

145
UNIDADE 5

Adorno e Horkheimer (1985, p. 135) asseveram que:


A impotência é sua própria base [da diversão]. É na verdade uma fuga,
mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última
ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. A liberação
prometida pela diversão é a liberação do pensamento como negação.
O descaramento da pergunta retórica: “Mas o que é que as pessoas
querem?” Consiste em dirigir-se às pessoas como sujeitos pensantes,
quando sua missão específica é desacostumá-las da subjetividade.

Observe que a resposta para a pergunta “mas o que é que as pessoas querem?”
é categórica: “consiste em dirigir-se às pessoas como sujeitos pensantes, quando
sua missão específica é desacostumá-las da subjetividade” (ADORNO; HOR-
KHEIMER, 1985, p. 135). O capitalismo, por meio da indústria cultural, tem
como objetivo o domínio do tempo livre dos indivíduos e das suas capacidades
de escolhas. Em outras palavras, a finalidade é dominar o ser do sujeito. É por
meio desse domínio que a impotência ganha corpo e, consequentemente, o senso
crítico e um possível movimento de revolução e revolta se encontram ausentes.
Adorno e Horkheimer (1985), desse modo, sustentam que a arte, enquanto
diversão e mensagem alienada e trivial, torna-se um mecanismo fundamental
para o funcionamento da estrutura social capitalista. Quando me divirto, minhas
preocupações são vãs. É como se eu estivesse de acordo com o que está colocado,
visto que eu não penso sobre o que me circunda. São apagados os sofrimentos
que a estrutura social causa na vida das pessoas. A arte se torna, então, um aco-
bertamento da realidade social, o que impede que o indivíduo tenha contato com
a real situação de sua vida e possa confrontá-la. Em um sentido filosófico mais
profundo, a indústria cultural oferece à massa produtos de entretenimento para
retirar-lhes a liberdade. Todavia, nesse processo, não é o indivíduo que escolhe,
mas a ele é imposto tal conteúdo como forma de controle. É por isso que ele não
é mais o sujeito da ação, mas é sujeitado à reprodução, ou seja, repete aquilo que
ele vê como entretenimento e gera a sua felicidade.
Temos, então, o embate trabalhado por Adorno e Horkheimer:

Razão técnica x Razão autônoma

146
UNICESUMAR

Nesse embate, a razão técnica sobrepuja e subtrai a razão autônoma. Além disso,
segundo Adorno e Horkheimer, essa superação é o que dá ensejo para o surgi-
mento de ideologias totalitárias (como o nazismo ou o fascismo), mesmo em
estados democráticos. Diante disso, relembraremos o que significa a razão au-
tônoma no Iluminismo e como Kant a definiu em seu texto Resposta à pergunta
o que é esclarecimento. Para tanto, leia, a seguir, o primeiro parágrafo do texto
de Kant. Observe a diferença entre menoridade e esclarecimento ou maioridade.

EXPLORANDO IDEIAS

Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menoridade, pela qual ele
próprio é responsável. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio enten-
dimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa menoridade,
uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de
coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude
(ousa saber)! Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é, portanto,
a divisa do Esclarecimento.
Fonte: Kant (1985, p. 100).

Para Benjamin, Adorno e Horkheimer, a arte, enquanto reprodutibilidade técnica


e indústria cultural, visa retirar dos indivíduos a sua autonomia e o seu potencial
crítico. Mais especificamente para Adorno e Horkheimer, os produtos estéticos,
como os filmes, trazem uma atrofia da imaginação e da espontaneidade do teles-
pectador. Nesse sentido, você deve notar que os mecanismos de dominação, para
autores, não são explícitos e são domínios que, muitas vezes, anestesiados, não
os percebemos. É por isso que a arte, como entretenimento, objetiva a distração,
pois é por meio dela que é conquistada uma mobilização em massa. Atualmente,
a arte privilegiada é o cinema.
Essa mobilização não ocorre, entretanto, pelas novas artes. Adorno e Horkhei-
mer também criticam a reprodução em série de uma obra de arte. Assim como
Benjamin já havia escrito em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica, de acordo com Adorno e Horkheimer, um quadro da Mona Lisa, por
exemplo, caso seja cópia do original ou, em outras palavras, uma consequência
da reprodutibilidade técnica, perde a essência do quadro original.

147
UNIDADE 5

Figura 5 - Mona Lisa

Descrição da imagem: na figura, é exposta a famosa pintura de Leonardo da Vinci, a Mona Lisa, em uma
releitura conceitual. Sobre a obra original, da Vinci começou a pintá-la em 1503 e a terminou em três ou
quatro anos mais tarde. Hoje, podemos ver o quadro original no museu do Louvre, em Paris. Ainda em
relação à imagem, há uma mulher de cabelos lisos e compridos. Ela olha para a frente e tem uma expres-
são tímida e introspectiva, esboçando um leve sorriso. Mona Lisa veste um vestido que aparenta ser de
seda e, sobre ele, está uma túnica.

148
UNICESUMAR

Em razão disso, Bárbara Freitag (1986, p. 76) defende que há a “dissolução na


realidade banal, através da indústria cultural e, portanto, a destruição do valor
de negatividade inerente à arte e à despolitização do seu destinatário”. Com o
processo de massificação da arte, ela perde a sua característica essencial: a cri-
ticidade e, consequentemente, o seu valor histórico para as gerações. Por isso,
Adorno e Horkheimer sustentam que a obra de arte deve ser preservada em sua
originalidade e todo e qualquer processo de reprodução ou serialização acarreta,
necessariamente, o seu empobrecimento.
Nesse sentido, existe uma diferença entre Benjamin e Adorno e Horkheimer:
embora o primeiro faça a sua crítica à reprodutibilidade técnica, ele observa que,
mediante a perda da originalidade e da autenticidade da arte, ela perde o seu valor
de culto, embora propague o seu valor de exposição. Em outras palavras, um objeto
artístico se torna acessível a todos, embora essa exposição atrele a ela o seu valor de
consumo. Adorno radicalizará essa posição, ao sustentar que a uniformização da
indústria gerou “a supressão da diferença entre o artista como sujeito estético e o
artista como pessoa empírica” (ADORNO, 2012, p. 283). Isso, consequentemente,
implicou na “distância da obra de arte à empiria foi suprimida sem que, no entanto,
a arte tenha sido restituída à vida livre que não existe. A sua proximidade intensifi-
ca o lucro, a imediaticidade é organizada para enganar” (ADORNO, 2012, p. 283).
Desse modo, a arte, como reprodutibilidade técnica, não apenas garante a
venda de mercadorias em massa, mas modifica as características da própria obra
de arte e, consequentemente, altera a percepção do consumidor. Kothe (1978),
em seu livro Benjamin e Adorno: confrontos, tendo em vista o desenvolvimento
tecnológico da reprodutibilidade técnica, objetiva encontrar na arte novas aber-
turas e novas possibilidades, enquanto Adorno toma esse acontecimento como
puramente negativo. Para Adorno, o que entra em jogo é a autonomia estética, isto
é, a liberdade do espectador aliada à liberdade e à finalidade de uma obra de arte.
Para Adorno, quando o mercado absorve a arte, há uma mudança na relação
entre o espectador e a obra de arte, já que, antes do advento da indústria cul-
tural, a finalidade crítica da obra de arte se encontrava presente (a obra de arte
sempre se relacionava ao espectador e acrescentava algo de maneira crítica, isto
é, agregava-lhe conhecimento). Posteriormente, a arte passou a ser restringida a
um produto mercadológico e deixou de ser autônoma. Desse modo, o seu poder
crítico é nulo, já que participa e emerge enquanto um mecanismo do próprio
mercado. Sua função não é mais o criticismo, mas a alienação massiva.

149
UNIDADE 5

A Vida Como Obra de Arte

Enquanto Benjamin, Adorno e Horkheimer se preocuparam em definir a


essência (a aura) do objeto “obra de arte”, ao demonstrarem as suas caracte-
rísticas e finalidade, Michel Foucault nunca se preocupou em elaborar uma
teoria estética, tampouco em definir as características que pertencem, ou não,
a uma obra de arte. No entanto, o estudioso não deixou de perceber que o
estilo de vida do homem contemporâneo é completamente inartístico. O que
isso significa? Para Fou-
cault, o homem atual só
consegue pensar na arte
como um objeto, assim
como acontece quando
observamos um livro ou
um quadro em um museu.
Segundo o filósofo, essa é
uma ideia completamente
diferente da maneira como
os gregos compreendiam a
arte, já que tomavam a vida
com aquilo que ela tem de
única, mortal e passageira,
como uma obra de arte.
É a ausência de uma vida
artística em nossa atuali-
dade que causa surpresa
ao autor:

Figura 6 - Michel Foucault

Descrição da imagem: na figura, é apresentado o busto do filósofo francês Michel Foucault em branco e
preto. Na ilustração, o filósofo aparece com o semblante sério. Ele é calvo, usa óculos e utiliza uma blusa
de gola alta. O estudioso nasceu em 1926, em Poitiers, na França, e morreu em 1984, em Paris.

150
UNICESUMAR


O que me surpreende é que, em nossa sociedade, a arte esteja apenas
relacionada aos objetos, e não aos indivíduos ou à vida; e, também,
que a arte seja um domínio especializado, o domínio dos experts
que são os artistas. Mas a vida de todo indivíduo não é uma obra de
arte? Por que um quadro ou uma casa são objetos de arte, mas não
nossa vida? (FOUCAULT, 2001, p. 1436).

Assim como você pôde observar, Foucault solicita uma ideia de arte que se coloque
no domínio da própria vida dos indivíduos, para que os sujeitos compreendam a sua
própria vida enquanto uma obra de arte. É importante salientarmos que Foucault, na
trajetória de seu pensamento, sempre buscou denunciar como o homem moderno
foi normalizado, sujeitado, docilizado e disciplinado por meio das instituições de
controle, como a escola, o exército, o hospital e, certamente, o sistema carcerário. Um
dos mais claros empreendimentos do filósofo foi denunciar a história dos diferentes
modos de sujeição tanto no nível da “operacionalidade das disciplinas na fabricação
do corpo útil e da alma dócil nas diferentes instâncias institucionais constituintes”
quanto no da “tecnologia de poder que se ocupa em regular e gerir a multiplicidade
dos homens” (CANDIOTTO, 2013, p. 82). Em suma, trata-se de uma tecnologia que
tem como “alvo [...] a população” (NALLI, 2014, p. 124).

EXPLORANDO IDEIAS

Em um de seus famosos livros, Vigiar e punir: nascimento da prisão, publicado em 1975,


Michel Foucault investiga o modo como, na modernidade, podemos compreender algu-
mas instituições, como os presídios e as escolas. Vale a pena a leitura para entendermos
melhor como o autor trabalha as questões relevantes para o mundo contemporâneo, in-
cluindo o poder e a disciplina, que visam controlar o indivíduo não só no nível perceptível,
mas também no imperceptível, tornando-nos sujeitos dóceis.
Fonte: o autor.

Assim, podemos dizer que, desde o século XIX, nossa sociedade tenta disciplinar
os indivíduos no nível individual, por meio de instituições, e no nível coletivo, a
partir das relações de poder que nem sempre são tão visíveis aos sujeitos. Sobre a
temática, Peter Pál Pelbart (2015, p. 20) explica que, na sociedade contemporânea,
“o poder tomou de assalto a vida. Isto é, o poder penetrou em todas as esferas da
existência e as mobilizou e as pôs para trabalhar em proveito próprio”. Assaltada, a

151
UNIDADE 5

vida foi colonizada em relação ao seu corpo, à sua sensibilidade, à sua inteligência
e à sua criatividade.
Dessa forma, o sujeito moderno e contemporâneo não faria de sua vida uma
obra de arte, porque ele foi docilizado por práticas institucionais e por toda a ra-
cionalidade que circunda o mundo contemporâneo. Por isso, quando Foucault fala
em tornar a vida uma obra de arte (uma estética da existência), o estudioso deseja
apresentar uma dupla dificuldade no mundo contemporâneo para essa realização:

1°) para conseguir realizar essa 2°) Ao tornar sua vida estética da
estética da existência, seria existência, sua vida sempre será
necessário ser politizado, isto é, considerada marginal em relação
ter consciência dos mecanismos e às outras vidas, ainda docilidades
estruturas que nos tornam sujeitos pelos processos disciplinares e
para conseguir, por si mesmo, normalizadores.
conduzir sua própria vida;

Ao afirmar que o poder é exercido no domínio da vida cotidiana, ao transfor-


mar os indivíduos em sujeitos, Foucault (2001) nos concede dois sentidos para
a palavra “sujeito”:

1°) “sujeito submisso ao 2°) “sujeito ligado à sua


outro pelo controle e pela própria identidade pela
dependência” e; consciência e pelo
conhecimento de si”
(FOUCAULT, 2001, p. 1046).

152
UNICESUMAR

Em ambos os casos, a palavra “sujeito” é entendida como o indivíduo submetido a


uma forma de poder. Em outras palavras, os indivíduos se encontram submetidos
às formas de dominação (étnicas, sociais e religiosas), às formas de exploração
(que separam o indivíduo daquilo que ele produz) e às formas de sujeição de
sua própria subjetividade (que ligam o indivíduo à sua identidade, a qual ele não
pode se desapegar e, por isso, é submisso). Esse último ponto é importante para
Foucault, uma vez que, quando estou preso à minha identidade, tenho medo da
mudança, das escolhas novas e de me arriscar tanto na vida quanto na aventura
do pensamento. Assim, sou submetido a essa identidade que me define, embora
ela seja uma imposição social e cultural.
Por isso, a estética da existência, para Foucault, pode ser caracterizada como
uma atitude ou uma luta que marca a diferença ao impor atitudes de “contramo-
dernidade” e “contraculturais”. São essas atitudes que dão ao indivíduo a capacida-
de crítica diante de seu presente (o indivíduo, ao ser crítico em relação ao seu pre-
sente, compreende as estruturas que o determinam e o limitam) e é proporcionada
a capacidade de se transformar como sujeito, ou seja, de ser diferença em relação
a esse indivíduo que sou enquanto indivíduo que porta determinada identidade.
Foucault, quando se volta para o texto de Kant, Resposta à pergunta: o que é
esclarecimento?, afirma que, nele, encontramos uma atividade que é “um modo
de relação que diz respeito à atualidade; uma escolha voluntária que é feita por
alguns; enfim, uma maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e
de se conduzir que, ao mesmo tempo, marca uma pertinência e se apresenta como
uma tarefa” (FOUCAULT, 2001, p. 1387). Essa tarefa se trata de uma forma de
luta com atitudes de “contramodernidade”. Todavia, Foucault percebe a limitação
de Kant para tratar desse tema e encontra essa atitude crítica de maneira mais
intensa e viva em Baudelaire.

153
UNIDADE 5

Figura 7 - Charles Baudelaire

Descrição da imagem: na figura, é exposta a ilustração do busto do poeta Charles Baudelaire. O estu-
dioso está com a cabeça um pouco inclinada para a esquerda. Os seus cabelos estão jogados para trás e
ele olha, de maneira séria, para frente. Além disso, veste terno e gravata. Baudelaire foi crítico de arte e
tradutor. Nasceu em Paris, em 1821, e faleceu na mesma cidade em 1867.

154
UNICESUMAR

Baudelaire, para Foucault, apresenta quatro características principais que condi-


zem com essa atitude:

155
UNIDADE 5

Por isso, para Foucault, a atitude que o homem moderno deve ter em relação a
si, às práticas e às instituições que o cercam é a retomada constante das quatro
características que compõem uma espécie de ética de si mesmo ou, nas palavras
de Foucault, uma espécie de ethos filosófico. Essa ética de si, grosso modo, é reali-
zada na constante crítica ao nosso ser histórico, ao nosso presente. Entretanto, isso
não caracteriza toda a importância de Baudelaire para Foucault. Em A coragem
da verdade (último curso que ministrou, antes de sua morte), Foucault sustenta
que um dos traços característicos da arte moderna, como a de Baudelaire, é a
presença do cinismo antigo.

Figura 8 - Diógenes, o cínico, e Alexandre, o grande

Descrição da imagem: na figura, é apresentado Diógenes, o cínico, dentro de seu barril, enquanto em pé,
a sua frente, está o rei da Macedônia, Alexandre, o grande. A anedótica história conta que Alexandre, ao se
encontrar com o cínico, teria perguntado o que poderia fazer por ele. Como Alexandre, devido a sua posição,
estava a lhe fazer sombra, Diógenes teria, então, respondido: “não me tires o que não me podes dar” (isto é,
deixe-me a meu sol). Essa é uma resposta ousada e de escárnio, principalmente por ter se dirigido a um rei.

156
UNICESUMAR

Assim, para entender o parentesco entre a arte moderna e o cinismo antigo, retome-
mos a maneira como Foucault entende o modo de vida cínico. Para o autor, os cíni-
cos, cujo grande representante é Diógenes, foram os indivíduos que mais elevaram
a relação entre o dizer a verdade e a estilística da existência. Em razão disso, ficaram
conhecidos como marginais, pois sempre que falavam ou agiam, traziam a marca
do escândalo. Imagine que, a partir desse momento, você se propõe a falar toda a
verdade que pensa e age da maneira como acredita ser correto, o que é longe das
convenções sociais. Era esse o modo de vida cínico e, nele, os integrantes estavam
preocupados com um estilo de vida longe das amarras sociais e políticas próprias
de uma sociedade. Foucault, sobre os cínicos, afirma que eles tinham a coragem da
verdade, pois não se preocupavam com o que as outras pessoas pensariam e não de-
sejavam agradar determinada convenção social, mas apenas buscavam escandalizar,
falar a verdade, mesmo que isso colocasse em risco a sua vida. Assim, são marginais,
porque têm a coragem de dizer a verdade, mesmo a um rei, por exemplo. Por isso,
eles se manifestavam por meio da “insolência política”.
O modo de vida cínico se afasta da maneira tradicional de se fazer filosofia,
pois os cínicos não eram conselheiros, tampouco se preocupavam em criar um
sistema de leis para a cidade. Distante dessas duas posições, os cínicos denuncia-
vam qualquer abuso de poder e riam desse mesmo poder. O enfrentamento deles
se dava a partir do riso, já que debochavam “das próprias leis erigidas para regular
o exercício do poder, assim como da capacidade do discurso filosófico em ensinar
alguma virtude, alguma sabedoria ao príncipe. Eles respondem ao poder com seu
corpo que se dobra na gargalhada de escárnio” (CHAVES, 2013, p. 38).

Figura 9 - Artista de rua

Descrição da imagem: na
figura, é exposto um artista
de rua. Ele está vestido de
palhaço, sorri e está senta-
do sobre uma escada. Para
Foucault, todo homem não
deve se preocupar com as
convenções sociais e, por
isso, precisa viver artisti-
camente, mesmo que, aos
olhos da sociedade, isso
possa parecer excêntrico.

157
UNIDADE 5

É esse estilo de vida que fala a verdade de maneira escandalosa, com escárnio e
sem medo do que se diz, que Foucault encontra, na arte moderna, mais especifi-
camente, em Baudelaire, traços do cinismo. Assim, para o filósofo francês, a arte
moderna pode ser caracterizada de duas maneiras coextensivas:

E a ideia de que a arte,


seja ela literatura, música,
pintura, entre outras, deve
estabelecer com o real uma
Com o aparecimento,
relação que não é de
no final do século XVIII,
mimeses e nem de
daquilo que ele chamou
ornamentação, e sim uma
de vida artista;
relação de desmascaramento,
desnudamento e a
agressiva rejeição das
normas instituídas.

A vida artista é, nesse sentido, o testemunho de que a arte é a sua verdade e,


em razão disso, é capaz de dar à existência a uma outra vida que rompa com as
demais formas de vida ou, ainda, uma verdadeira vida (marginal em relação às
demais). Além disso, se a arte acarreta essa vida verdadeira, em consonância, a
vida se torna uma garantia da própria obra de arte, ao ponto de ocorrer uma
indistinção entre a vida e a obra.
Para Foucault, a arte moderna traz características cínicas porque ela é essa
ruptura escandalosa com a existência. Não só, mas, ao mesmo tempo, expõe um
estilo marginal de vida que se afasta das vidas ordinárias e comuns a partir de
uma indissociável relação entre a vida e a obra. Por isso, para Foucault, a arte
moderna se apresenta, ao mesmo tempo, como:

Antiplatônica e Antiaristotélica

158
UNICESUMAR

Assim como você estudou na Unidade 1, para Platão, a arte não se remete ao real,
mas à aparência. Se podemos falar em uma verdadeira arte, seria a arte que não teria
o mundo e a sua existência como referência, mas a própria ideia, o conceito e a razão.
Em outras palavras, a arte imita (copia) as ideias perfeitas. Por isso, o tema da arte
estaria limitado aos altos valores da metafísica. Vale lembrarmos que Platão expulsou
os poetas da cidade não só porque eles não colaboraram para a edificação da cidade
idealizada em A república, mas porque compreendeu que os artistas pregavam “a
discórdia, a contradição, instituindo costumes diferentes daqueles impostos pelos
governantes filósofos. Que a arte possa provocar certa revolta e certa ruptura, eis no
que Platão já havia apostado” (PAVINI, 2019, p. 21). Assim, a arte não se estabelece
como mera aparência ou imitação do real, mas como uma atitude crítica e com-
bativa, distanciando-se dos ideais platônicos e de uma arte meramente imitativa.

Figura 10 - Lápide do túmulo de Baudelaire

Descrição da imagem: na figura, é apresentado o túmulo de Baudelaire, presente no cemitério de Mon-


tparnasse. Em sua lápide, está escrito que “Charles Baudelaire, belo filho, morreu em Paris, na idade de 46
anos, em 31 de agosto de 1867” (tradução nossa). O poeta viveu uma vida excêntrica, de dúvidas, incons-
tâncias, amores ingratos, rompimentos familiares e incompreensão. Posicionou-se, contestou, foi dândi e
condenado por seus poemas, além de recusar a forma como se fazia arte em seu tempo. Em outras palavras,
Baudelaire moldou o seu estilo de vida próprio, longe dos mecanismos sociais e dos limites literários que
nos mantém reféns de nossa própria época.

159
UNIDADE 5

Antiaristotélica, porque a arte moderna não se limita às normas e aos preceitos


colocados pela história da arte ou pela tradição artística. Vale lembrar que Aristó-
teles foi o primeiro que, em sua obra, Poética, elaborou diretrizes e normas para a
realização de uma obra de arte. Nesse sentido, ao seguir essas normas e diretrizes,
a obra de arte se realizaria plenamente e seria uma boa obra de arte. Contraposto
a isso, a arte moderna visa se desprender da tradição, tendo, por assim dizer, uma
criação livre das amarras dos cânones estéticos. Esse desprendimento ocorre pela
natureza marginal em que a criação da obra se dá no plano da vida.
Em vista dessas duas características da arte moderna, a antiplatônica e a an-
tiaristotélica, é possível afirmar que a arte traz a recusa e a rejeição da forma e de
todo o conteúdo instituído. Trata-se de uma arte anticultural que, ao se realizar,
realiza a vida do indivíduo, ao fazer o rompimento com uma identidade fixa e
permanente. Assim, diante da inseparabilidade entre a vida e a obra, a vida se
realiza na obra e a obra se torna vida. É por isso que, para Foucault, a arte moderna
seria um exemplo importante para seguirmos: devemos aprender a transformar a
nossa própria vida em obra, até tornarmos a nossa vida plástica, bela e estarmos
abertos às mudanças a partir de uma atitude crítica com o nosso próprio interior e
o nosso exterior, ou seja, com as estruturas que nos cercam, nos coagem e limitam.

Neste podcast, trabalharemos a indústria cultural e a vida


como obra de arte. As duas temáticas trarão abordagens
de filósofos diferentes, como as de Benjamin, Adorno
e Horkheimer, e de Foucault. Todavia, apesar de essas
temáticas não serem idênticas e terem uma conceitual-
ização distinta sobre o que é uma obra de arte, há aspec-
tos em comum: a questão da vivência e da originalidade
do momento presente em detrimento da cópia, de uma
reprodução de uma obra que visa retirar do sujeito a sua
liberdade e o seu querer.

160
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Eclipse de uma paixão é um filme de 1995 que foi dirigido por Agnies-
zka Holland e roteirizado por Christopher Hampton. Ele conta a his-
tória de dois poetas do século XIX, Arthur Rimbaud (Leonardo DiCa-
prio) e Paul Verlaine (David Thewlis). Verlaine, casado e com a esposa
grávida, fica apaixonado pelo jovem poeta de apenas 16 anos, devido
ao seu estilo de vida intenso e à sua juventude, originalidade e criatividade.
Inicia-se um intenso e violento relacionamento entre os dois, nada fácil para
a época, sobretudo, em relação à Verlaine, um homem de classe média e de
vida fácil. Um dia, Verlaine, bêbado, apanha uma arma, atira e fere Rimbaud.
Preso, Verlaine se converte ao cristianismo, enquanto Rimbaud deixa de es-
crever e começa a viajar pelo mundo. Ótimo filme para entender o excêntri-
co estilo de vida de Rimbaud.

Agora que você já conhece a arte como mercadoria (que visa retirar o senso crí-
tico do sujeito) e a estética da existência (em que o indivíduo deve moldar a sua
própria vida e a sua própria subjetividade longe das determinações sociais), fare-
mos um exercício. O que você, como professor(a), faria para tirar os seus alunos
da zona de conforto? Em uma sala de aula, muitos usam celulares, outros olham
o horizonte, enquanto outros, ainda, mostram-se apenas desinteressados, sem se
voltar ao conteúdo específico da aula. Isso ocorre, talvez, porque, você, enquanto
professor(a), seja sempre o mesmo: comporta-se sempre da mesma maneira, usa
sempre as mesmas roupas e fala sempre com a mesma entonação de voz. O que
acha de repensar o seu modo de ser e, consequentemente, a maneira de se portar
dentro da sala de aula? Você não acredita que isso atrairia a atenção dos alunos
para a sua aula, até mesmo daqueles mais desinteressados? A atividade consiste
em descrever como você se ressignificaria, enquanto obra de arte, de maneira não
convencional. Explique o modo como você poderia se portar dentro de uma sala
para chamar a atenção dos estudantes.

161
1. Adorno e Horkheimer, em seu livro Dialética do esclarecimento, trabalham o conceito
de “indústria cultural”. No horizonte desse conceito, os autores argumentam que a
arte, na sociedade capitalista, tornou-se subsumida às leis do mercado.

Sobre a temática empregada no enunciado, podemos afirmar que:

a) a arte perde a sua antiga aura, mas ainda mantém o seu potencial transformador.
b) a arte perde o seu senso crítico e se torna objeto de alienação a partir da diversão.
c) a arte, como objeto de entretenimento, tem o seu lugar positivo na sociedade, já
que serve para divertir e dar lazer ao trabalhador cansado.
d) a arte começa a ser produzida em larga escala, deixando o seu preço barato e
levando a cultura àqueles que não tinham acesso a ela.
e) a arte, como mercadoria, visa alcançar o maior número de consumidores possíveis
por meio da sua elaboração complexa e crítica.

2. Foucault acredita que existem, na modernidade, vários dispositivos que coagem


o sujeito, fazendo-o, devido às mais variadas relações de poder, submeter-se às
instituições, às normas e aos demais poderes que visam criar um indivíduo deter-
minado, constante e dócil. Todavia, o estudioso assevera que existem atitudes que,
por excelência, permitem ao sujeito não se deixar determinar por esses dispositivos.

Em relação à temática apresentada no enunciado, quais atitudes são propostas por


Foucault?

a) Atitude de revolta, em que o indivíduo busca uma revolução contra o governo, e


atitude crítica, na qual o indivíduo visa criticar os políticos.
b) Atitude de pacificação, em que o sujeito evita conflitos, e atitude de diálogo, na
qual o indivíduo traz a mudança a partir da conversa.
c) Atitude de contramodernidade, em que o sujeito olha para o seu passado e vê
aquilo que é melhor que o momento atual, e atitude de revolta, na qual o indivíduo
ataca o estado que o oprime.
d) Atitude de contramodernidade, em que o sujeito é crítico ao seu presente, e
atitude contracultural, na qual o sujeito consegue se transformar e se modificar
frente ao presente que o determina.
e) Atitude de revolta, em que o indivíduo reage contra si próprio, e atitude contra-
cultural, na qual o indivíduo se desprende de sua cultura.

162
3. Foucault sustenta que, na modernidade, é raro vermos a atitude cínica que busca,
necessariamente, falar a verdade em uma ruptura escandalosa com a existência.
Todavia, o filósofo encontra, na arte moderna, características dessa atitude cínica, já
que alguns autores, como Baudelaire, trazem a noção de “vida artista”, em que vida
e obra são inseparáveis. Ao ser escandalosa, a “vida artista” não traz apenas uma
ruptura com as normas sociais, mas com os próprios cânones estéticos.

Quais seriam os cânones que, especificamente, a arte moderna se contrapõe, se-


gundo Foucault?

a) Os cânones platônicos e aristotélicos.


b) Os cânones de vanguarda.
c) Os cânones renascentistas e medievalistas.
d) Os cânones da estética socrática.
e) Os cânones da arte pós-moderna.

4. Agora que você estudou os autores contemporâneos, vamos fazer um mapa mental
sobre a indústria cultural? Observe o infográfico a seguir e o preencha com quatro
características (dentre as listadas abaixo) que melhor expressam a maneira como
Adorno e Horkheimer entenderam esse conceito.

Reprodução em massa

Estética da existência

Sociedade capitalista

Autonomia

Liberdade

Alienação

Iluminismo

Aura

Entretenimento

163



Figura 11 - Mapa mental sobre a indústria cultural

Descrição da imagem: o mapa mental traz o conceito de indústria cultural, assim como é definido por
Adorno e Horkheimer no livro Dialética do esclarecimento

164
UNIDADE 1

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168
UNIDADE 1

1) B.

A virtude, em Homero, representa um ideal ético. Em outras palavras, o indivíduo molda a sua
própria vida. A virtude está ligada à forma nobre de viver e, embora um homem que seja bem
nascido já tenha essa areté, ele deve provar a sua virtude ao longo de sua vida, para que seja re-
conhecido como o detentor da areté entre os seus conterrâneos. Por isso, a honra, a coragem
e a força são os atributos que o indivíduo impõe para si mesmo, tornando a sua existência bela
devido aos seus feitos e às suas ações, e não por seguir um ideal de bondade.

2) E.

Platão considera que as questões referentes à beleza são amparadas pela verdade e, por con-
seguinte, têm a finalidade de provocar o bem. Em razão disso, quando o filósofo expulsa os
poetas da cidade, ele o faz porque entende que eles são imitadores e não ensinam as coisas
pautadas na verdade, tampouco nas boas ações. A arte, nesses termos, seria danosa para a
cidade, pois propagaria os maus costumes e a desordem. Ao contrário, segundo Platão, a arte
deve estar alinhada aos valores metafísicos que a razão elabora para, então, provocar ações
boas no indivíduo.

3) C.

Platão defende que tanto a arte retórica quanto a arte mimética acreditam que podem tratar
de todas as coisas e de todos os saberes, porque não têm preocupações com a verdade. Em
outras palavras, a arte, caso não tenha um conhecimento específico, como o de um marce-
neiro, pode representar qualquer objeto, mas não saberá nada sobre ele. O mesmo processo
é aplicado na sofística, mas no nível do discurso. O sofista, sem estar preocupado com a ver-
dade, visa convencer os seus interlocutores sobre as suas palavras, embora não se preocupe
em falar a verdade. Por isso, floreia e romantiza o discurso, para torná-lo mais agradável aos
ouvidos daquele a quem quer convencer.

4) A.

Para Aristóteles, a verdadeira atividade do poeta não é descrever o que, de fato, aconteceu,
assim como a história faz ao narrar os fatos, mas o que pode ocorrer. Assim, a distinção entre
a poesia e a história se dá justamente porque o autor caracteriza a poesia mimética como
aquela que deve gerar a possibilidade e a verossimilhança, isto é, pode elaborar algo que falta
à natureza, pois é obra do engenho humano. Por isso, a poética é superior à história, já que é
mais filosófica, ao tratar do não ocorrido.

5) A.

Aristóteles defende que, para a poesia trágica alcançar êxito, ela deve trazer, no mito (o en-
redo), elemento principal de sua composição, uma reviravolta nas ações. Quando, no enredo,

169
acontece essa mudança, o espectador e, em alguns casos, os personagens, descobrem algo
que não sabiam. Como exemplo, temos o caso de Édipo, que acreditava que estava fugindo do
seu destino, quando lhe foi revelado que ele já o tinha realizado. Essa reviravolta na dramatiza-
ção trágica acaba por gerar, então, o pavor e a compaixão no espectador, segundo Aristóteles.

6) C.

Para Plotino, devemos buscar a beleza para além das belezas corporais. Por isso, o processo
de conversão é necessário e tem como escopo despertar, no indivíduo, o olho interior, ou seja,
purificar o olhar humano das coisas materiais, a fim de que consigamos contemplar as coisas
verdadeiramente. Segundo o autor, para contemplarmos um objeto, como o sol, devemos nos
assemelhar ao próprio sol. Assim, se desejamos contemplar o belo, a nossa alma deve ser bela.

Resposta do mapa mental:

Areté (virtude guerreira): honra e beleza.

Mimese: verossimilhança e catarse.

Processo de conversão: olho interior.

Sensível x Inteligível; Mimese x Ideia; Simulacro x Verdade.

UNIDADE 2

1) C.

Baumgarten pensa no belo a partir da subjetividade. Isso significa que a beleza de um objeto
só pode ser percebida por meio das representações do próprio pensamento. Além disso, é a
partir do nosso pensamento que representamos um objeto e lhe retiramos as ideias de per-
feição, simetria e unidade, por exemplo. As ideias que extraímos de um objeto só podem ser
pensadas porque elas já se encontram no próprio pensamento.

2) A.

A tradição filosófica, desde Platão, subordinou a sensação à razão. Hume, por sua vez, en-
quanto um filósofo empirista, afirma que o sentimento sempre está certo, uma vez que não
há como o homem sentir de maneira errada, diferentemente de quando estamos tentando
buscar um conhecimento verdadeiro. Nesse caso, apenas uma opinião sobre um determinado
fato pode ser verdadeira, em detrimento das demais. Por isso, a beleza não é entendida como
uma qualidade das coisas, mas no espírito que a contempla, já que cada um percebe a beleza
de maneira diversa.

3) B.

Para Hume, o que liga a relatividade à universalidade é a natureza humana. Segundo o estudio-
so, há universalidade do gosto, uma vez que a natureza humana é a mesma em todos os seres
humanos e em todas as épocas históricas.

170
4) D.

Kant diferencia o juízo estético do juízo científico (de conhecimento) e do juízo moral. Embora
esses três juízos busquem a universalidade, o juízo de conhecimento e o moral se pautam em
conceitos e pressupõem o interesse do sujeito. O mesmo processo não é aplicado ao juízo
estético, que, segundo o filósofo, é completamente desprovido de qualquer conceito e desin-
teressado.

5) A.

Para Kant, o juízo estético deve ser desinteressado, isto é, longe de qualquer inclinação par-
ticular relacionada ao sujeito. Tendo em vista que o juízo é interessado, ele nunca pode ser
livre, porque sempre julgará de acordo com determinada inclinação pessoal do indivíduo (uma
paixão, por exemplo). Contudo, quando o juízo é desinteressado, ele também é livre, uma vez
que o seu julgamento está a salvo de ser direcionado por qualquer inclinação.

6) Primeiro círculo (verde): Kant.

Segundo círculo (rosa): Baumgarten.

Terceiro círculo (vermelho): Hume.

Quarto círculo (laranja): Kant.

Quinto círculo (amarelo): Hume.

Sexto círculo (roxo): Kant.

UNIDADE 3

1) C.

O romantismo alemão, ao valorizar a subjetividade, o fragmentário, as paixões e os sentimen-


tos humanos, afasta-se da maneira sistematizada de se conceber o mundo, sobretudo da for-
ma racionalizada de representá-lo. Por isso, o romantismo é uma espécie de contrapartida
ao idealismo e mais amplo em relação ao iluminista, que carrega uma idolatria exacerbada à
razão.

2) B.

Hegel pensa na história da arte enquanto um movimento dialético. Por isso, divide-a em três
momentos. O primeiro se refere à arte simbólica (ou a arte oriental) e, nele, impera a forma,
enquanto o conteúdo é ausente. O que se expressa é exatamente aquilo que me aparece aos
olhos, sem carregar uma significação profunda do todo, mas apenas do instante. O segundo
momento expõe a arte clássica, que traz uma profunda adequação entre forma e conteúdo.
Hegel compreende esse período como o período grego, em que a bela forma estava vinculada
a um conteúdo maior, o que gerava uma plena sincronia entre os dois elementos. Por fim, o

171
último momento, que corresponde à fase romântica, Hegel a divide em três momentos: círculo
religioso, cavalaria e autonomia formal das particularidades individuais. No círculo religioso,
o conteúdo extrapola a forma, assim como é encontrado na arte sacra, na qual toda forma
expressa um conteúdo infinitamente superior à imagem. Nos outros dois momentos, há uma
perda do conteúdo em relação à forma.

3) D.

Hegel sustenta, em termos histórico-dialéticos, que o progresso da humanidade se dá por


meio do espírito. Para o autor, tudo está integrado em algo maior ou, em outras palavras, a
particularidade só ganha sentido se fizer parte de um todo. Por isso, sempre que uma obra de
arte expressa algo, essa expressão deve conectar a sua forma (a maneira como a obra apa-
rece) a um conteúdo maior (os ideais de um povo, de uma cultura ou de uma sociedade, por
exemplo). É justamente isso que Hegel observa desaparecer em sua época, já que a arte (assim
como foi no romantismo alemão) estaria mais voltada à expressão dos sentimentos e das pai-
xões particulares, ao contrário de expressar os mais altos valores de seu tempo. É por isso que
a subjetividade artística não se vê mais ligada à totalidade, mas se encontra particularizada,
desprendida de algo maior que a si mesma.

UNIDADE 4

Resposta do mapa mental da tragédia:

Hölderlin:

3. Homem versus deuses.

6. Tragédia como mediação entre os opostos.

7. Busca do ilimitado.

Schopenhauer:

2. Negação da vontade de viver.

5. Representação e ideia.

8. Desaparecimento das motivações mundanas.

Nietzsche:

1. Apolo e Dionísio.

4. Socratismo estético.

9. Moralização da tragédia.

172
UNIDADE 5
1) B.

Adorno e Horkheimer, em Dialética do esclarecimento, são céticos em relação ao papel da arte


na sociedade capitalista. Os estudiosos denunciam que a obra de arte serve como entreteni-
mento para divertir as massas, pois ela visa deixar os indivíduos alienados em relação à estru-
tura social que os cercam. A obra de arte se torna, desse modo, mercadoria de entretenimento
e, para o mercado lucrar, aumenta-se a reprodução dos padrões, enquanto são diminuídos os
potenciais crítico e criativo das obras de arte.

2) D.

Quando Foucault pensa na noção de estética da existência, ele a caracteriza como uma atitude
e uma luta que marcam a diferença, ao imporem atitudes de “contramodernidade” e “contra-
culturais”. São essas atitudes que dão, ao indivíduo, primeiro, a capacidade crítica diante de
seu presente, a fim de compreender as estruturas que o determinam e o limitam, e, segundo, a
capacidade de se transformar como sujeito, ou seja, de ser diferença em relação a esse mesmo
que sou enquanto indivíduo que porta determinada identidade.

3) A.

Para Foucault, a arte moderna se apresenta, ao mesmo tempo, antiplatônica e antiaristotélica.


Primeiro, porque a arte moderna não é uma mera imitação do real, assim como pensou Platão.
Segundo, porque a arte moderna não segue preceitos e normas, assim como quis Aristóteles
em seu livro A poética.

4) Reprodução em massa; sociedade capitalista; alienação; entretenimento.

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