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COSTELLA
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senac xilografia, Xilogravura: manualprácico, etc.
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SAO PAUlO
Editora Mantiqueira
PARA APRECIARA ARTE
ROTEIRO DIDÁTICO
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ANTONIO F. COSTELLA
Introdução ........................................... 9
Av. Eduardo M. da Cruz, 295 - Caixa Poslal 42 11,..e Ponto-de Vista Estético .............................
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CEP 12460-000 - Campos do Jordão - SP
Tel. (OI I) 287-0734 Fax (011) 251 -0234
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INTRODUÇÃO
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ANTONIO F. COSTELLA
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ANTONIO F. COSTELLA, PARA APRECIAR A ARTE
quase nunca se encontraram, ao longo de séculos e milênios l cole- somos todos recém-chegados ao mundo de uma cultura que, no pas-
ções de livre visitação. Mus~us, entendidos como locais abertos ao. sado, quase sempre esteve limitada a uma elite aristocrática. As artes
público em geral, são um costume que se espalhou muito recente- plásticas, a literatura e a música chamadas eruditas eram cultivadas
mente na história do homem. O tão famoso e acima referido Louvre" usualmente por diminuto grupo de eleitos, ficando quase todo o povo
por exemplo, somente foi inaugurado como reflexo da Revolução l a elas aUleio. A arte, a denominada grande arte, não saía do palácio
Francesa, em 1793, há apenas dois séculos! Antes e até então, ele eral nobre, quer se chamasse Louvre ou tivesse outro nome qualquer, nem
o palácio do rei e, como tal, acessível apenas à nobreza. E os outros; ia além da nave da igreja, e com certeza não entrava em casa plebéia.
grandes museus também começaram a abrir suas portas só no séculol Alguém dirá: "- Hoje, tanto quanto no passado, não se encontrará um
dezoito. Exemplos: Museu Capitolino, Roma, em 1734, e Museu Bri- quadro de grande pintor na casa de um pobre". É verdade. Um origi-
tânico, Londres, em 1759. naI continua, agora, tão ou até mais caro que antes. Mas hoje, sob
Pois bem. Se o genial e sacrossanto Dürer admitiu a réplical forma de reprodução, mesmo comojolhinha, ou seja, brinde de casa
para divulgar-se, por que não admiti-Ia hoje? Se nos últimos tempos; de comércio em forma de calendário, as cópias de quadros famosos
o homem comum pôde colocar seus pés em recintos ricos em arte" podem chegar a qualquer favela. Os bens artísticos massificaram-se.
que lhe foi proibida durante milênios, por que não estender o benefí- Todavia, o grande problema que se coloca em face da massifi-
cio aos bípedes que não têm como chegar fisicamente a esses recin- cação dos bens artísticos é o seguinte: é fácil massificar a informação
tos? Aplaudo, portanto, quem incluiu as reproduções artísticas na linhru a respeito desses bens, mas é difícil massificar o conteúdo que eles
da divulgação em massa. encerram. É fácil informar todo o povo de que a obra de Heitor Villa-
Até bem poucos anos atrás, havia muitas pessoas que torciam O) Lobos (Rio de Janeiro, 1887 - 1959) existe e é quase fácil convencer
nariz para a massificação da informação artística. Embora algumas, as pe soas a comprar uma gravação de suas músicas. O difícil é fazer
ainda insistam em sobreviver, foram fragorosamente derrotadas pelai com que todos os ouvintes dessas obras aproveitem igual e integral-
evolução histórica. Já não se vê demérito em que se fotografem obras, mente Vi lia-Lobos. Quem tem seus ouvidos acostumados somente
de museus para que suas cópias coloridas e fiéis possam circular pelo) com a música popular mais simples não entenderá Villa-Lobos em
mundo, levando a Maomés da arte montanhas de cultura. Quanta coi - toda a sua extensão.
sa um estudante de arte pode aprender hoje, assim, de maneira eco- A tran~missão da mensagem do artista para o espectador exige
nômica e rápida! Além disso, o contato com bens culturais, ainda que competência de ambos: daquele, para criar, e deste, para entender. Os
só por instigação da publicidade, pode redundar em sincero interesse especialistas em comunicação podem dizer a mesma coisa de outra
intelectual, graças à curiosidade despertada pela presença de tais bens .. mane,ira:..o emissor e o receptor da mensagem devem valer-se do
Em outras palavras, mesmo dentre aqueles que compraram coleções; me~~'o código, para que a mensagem seja comunicada.
para enfeitar a sala de visitas, vários se contagiaram com o vírus cul- A mera divulgação dos bens culturais, portanto, nem sempre
tural e começaram seus primeiros passos em novo e insuspeitado ca- enriquece culturalmente as pessoas. Se o simples contato físico com
minho . Afinal, no século vinte, tão ansiosa e pretensa mente igualitário" tais bens garantisse a apreensão plena da cultura, os maiores conhe-
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tou: "- Felpudo coisa nenhuma! É áspero e cortante como um espi- É lógico que a intensidade de interesse sobre cada aspecto do
nheiro". conteúdo poderá variar de acordo com a personalidade do observa-
o conteúdo da obra de arte é como o gato da fábula: um ente dor. Por exemplo: um pintor, ao apreciar um quadro, mesmo sem ne-
composto de diversos elementos. Se observarmos apenas um ou al- gligenciar os outros aspectos, será tentado a analisá-lo mais
guns deles, não perceberemos o conjunto ou, ao menos, não o perce- detidamente sob o ponto de vista técnico, pois sua profissão o capaci-
beremos de modo integral. ta a distinguir pormenores desse tipo, que escapariam a um observa-
A obra de arte, como entidade física, é inteira e única. No en- dor leigo; já um comerciante de arte talvez se detivesse mais no ponto
tanto, na mente do espectador podem ser selecionados diferentes ân- de vista comercial, pensando nas possibilidades de revenda do obje-
gulos de observação. Essa diversidade de angulação mental, quando to; e assim por diante.
inteiramente realizada, permitirá ao observador ver a obra de arte em É compreensível essa diversidade de comportamentos. No en-
toda a sua riqueza, absorvendo de modo completo O respectivo con- tanto, se imaginarmos a obra como uma sala dotada de dez lustres,
teúdo. A cada ângulo ele apreenderá uma fatia do conteúdo, a cada parece-me óbvio que a cena estará mais iluminada quando as dez
ponto de vista observará uma parte do conteúdo total. fontes luminosas estiverem acesas.
Pois bem, a completa observação da obra de arte exige que a Ainda aproveitando o exemplo. Do mesmo modo que não ha-
enfoquemos sob, pelo menos, de? pontos de vista: verá uma fronteira rigorosa entre o halo luminoso de um lustre e o do
outro, assim também os dez enfoques, não obstante individuáveis,
factual devem fundir-se. Na mente do observador traquejado eles estarão sem-
expressional pre íntima e simultaneamente acesos.
técnico
convencional
esti Iístico
atualizado
institucional
comercial
neofactual
estético
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2. O PONTO DE VISTA FACTUAL
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Sob o ponto de vista factual, o conteúdo da obra de arte é aqui-
lo que ela representa, ou seja, aquilo que ela objetivamente exibe. Em
I: um quadro cujo tema for uma paisagem, o conteúdo factual se com-
porá das árvores que ele mostra, das construções rurais, das monta-
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nhas, etc. O conhecidíssimo muralA Última Ceia ou, no título italiano,
I II Cenacolo, de Leonardo da Vinci, tem, como conteúdo factual, treze
homens em diferentes atitudes sentados atrás de uma mesa. (Insisti-
mos em tomar exemplos na obra de Leonardo, pois Gioconda e A
Última Ceia são, sem dúvida, as pinturas mais conhecidas no mundo
ocidental.) Em se tratando de música, o conteúdo factual se compõe
dos sons que ela nos faz ouvir. Num bailado, o conteúdo factua l é
aquilo que se encontra em cena: os corpos dos bailarinos com seus
movlme.ntos.e a música ouvida. E assim por diante.
A apreensão do conteúdo factual se concretiza simples e tão-
somente pela identificação, em nível meramente descritivo, dos ele-
mentos que compõem a obra A operação mental exigida para essa
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quadro pintado por ele no Taiti. O tema exótico, a composição sem
sobressaltos, os gestos das figuras retratadas e, principalmente, as cores
quentes transmitem ao ob ervador uma suave alegria de viver.
Em contraste, sempre que mostrei aos mesmos alunos, logo em
seguida ao Ta Matete, uma reprodução de algum trabalho da magis-
tral série Retirantes, do nosso Cândido Portinari (Brodósqui, 1903 _
Rio de Janeiro, 1962), a reação imediata foi de lamento, queixume,
tristeza, quase horror. Mesmo aqueles que não se mostravam propen-
sos a considerar a pintura de Gauguin alegre, passaram a admitir que
o fosse, tamanho o contraste com o quadro de Portinari, pungente
retrato expressionista das misérias sofridas pelos flagelados da seca
nordestina. O tema, a composição, o traço anguloso, as cores frias,
tudo ali inocula tristeza.
Ressaltei que o conteúdo expressional é atributo da obra, e não
do observador, porque as reações deste último não são fruto do acaso.
É o artista, com sua competência, que consegue induzir no observa-
PAUL GAUGUIN
dor um sentimento escolhido e habilmente desencadeado. Por exem-
Ta Marere (O Mercado), 1892
plo: Os Fuzilamentos do 3 de Maio, de Francisco Goya y Lucientes
óleo sobre t e l ~
(Saragoza, 1746 - Bordeaux, 1828). Museu de Arte ela Basiléia, Basiléia
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CÂND IDO P ORTINAR I
F RANCISCO G OYA
Retirantes, 1944
Os Fu zilamentos do 3 de Majo, 18 14
óleo sobre tela
óleo sobre leIa
Museu de Arte de São Paul o, São p\ ul o
Museu do Prado, Madri
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Nesse quadro de Goya a angústia de um fuzilamento sobressai outras quase o abominam, preferindo valorizar a razão (classicismo,
por vários motivos, além do tema, já trágic<? em si mesmo. Vejamos. neoclassicismo, etc.). Em qualquer das correntes, entretanto, ainda
São eles: a composição, na qual se antagonizam dois principais volu- que com graus diferentes, há alguma forma de ligação entre a obra e
mes, de um lado os condenados e de outro os atiradores, o que já o sentimento do espectador. A obra funciona como um gatilho que
sugere um conflito; o uso conveniente de linhas e formas, repetitivas dispara uma reação em nível psíquico. Quando o disparo acerta o
e retas no grupo dos atiradores, dando-lhes aparência de segurança, alvo do sentimento, podemos ter certeza de que o conteúdo expres-
mas divergentes e oblíquas, quase convulsas, no lado dos condena- sional da obra foi absorvido pelo espectador.
dos, retratando seu desespero, pois é sabido que linhas verticais e
horizontais traduzem firmeza e paz, enquanto oblíquas lembram mo-
vimento e ação; o desenho dos rostos, bem vincados nos condenados,
em contraposição à anonímia compacta dos soldados, cujas feições
estão ocu ltas; etc. Além de todos esses recursos, a competência de
Goya concebeu mais um oportuno artifício: a cena é iluminada por
um lampião colocado no solo. A presença desse lampião, assim situa-
do, permitiu a Goya fazer dela uma cena noturna e, daí, lúgubre. Mais
que tudo, porém, permitiu ao artista justificar a iluminação das figu-
ras de baixo para cima. Ora, é sabido que tal direção de luz favorece
a criação de uma ambiência tenebrosa. Como confirmação, basta fo-
lhear qualquer revista em quadrinhos dedicada hoje em dia a temas
de terror.
Tantos hábeis estratagemas fizeram de Os Fuzilamentos do 3
de Maio, de Goya, um dos mais expressivos retratos da opressão e da
angústia. E, como acabamos de ver, nada ali ocorreu por acaso.
Não se pense, porém, que o artista, para merecer aplauso, este-
ja sempre obrigado a exacerbar o sentimento dos observadores. Tudo
tem sua hora e seu lugar. Ninguém, por exemplo, pensará em mandar
uma banda tocar A Morte do Cisne, quando o que se pretende é fazer
marchar uma tropa de soldados.
Ademais, na história dos estilos, há posturas divergentes a pro-
pósito desse assunto. Certas correntes artísticas se comprazem em
apelar para o sentimento (romantismo, expressionismo, etc.), enquanto
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4. O PONTO DE VISTA TÉCNICO
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Roma, 1564) deslocava-se até Carrara, na Toscana, e pessoalmente Os artistas em geral podem ser incluídos entre os observadores
escalava as pedreiras, lá permanecendo 10!1gos períodos na escol ha privilegiados, pois, defrontando-se em seu trabalho com dificuldades
dos mármores com os quais conseguiu criar sua maravilhosa obra equivalentes, sabem avaliar melhor a capacidade do colega. Mas não
escultórica. É bem verdade que, ao escolhê- los, lançava mão de seus é preciso ser artista para fruir o conteúdo técnico de uma obra. Se
vastos conhecimentos teóricos sedimentados em longa experiência, assim fosse, as apresentações de peças de teatro somente seriam as-
mas nada teria ele realizado sem a colaboração daquelas dóceis pe- sistidas por atores e as exibições musicais teriam apenas músicos na
dras toscanas. Sob o ponto de vista técnico, portanto, a apreciação da platéia. Muito pelo contrário, a arte é produzida pelos artistas para o
obra de arte diz respeito, simultaneamente, à competência do artista e público em geral e, até mesmo, para artistas.
às qualidades do material. De mais a mais, entre 8 e 80 há muitos números. No fundo,
Enquanto os enfoques factual e expressional, sa lvo exceções, ninguém é 8 e ninguém é 80; ninguém é totalmente incompetente e
não exigem conhecimentos especiais do observador, o conteúdo téc- ninguém possui a competência total em matéria de arte. Todos nós
nico impõe-lhe uma bagagem especiali zada de informações. A apre- estamos sempre tentando ir além do 8, para nos aproximarmos do 80.
ensão do conteúdo técnico será bem menor sem tal bagagem . Há uma É lógico que a obtenção, sempre que possível, de novos conhe-
disparidade considerável entre o que vê na obra o espectador despre- cimentos sobre as técnicas artísticas permitirá ao observador melhor
venido e aqu ilo que descobre nela o especia lista. desfrute no ato de apreciação. Além das leituras específicas, a convi-
Diante de um quadro, o primeiro dirá: "- É uma pintura a óleo vência assídua com obras de arte, seja em museus, em teatros, cinemas
sobre tela" . E ainda se dará por satisfeito por ter percebido ser óleo e ou em qualquer outro lugar, irá contribuindo para o enriquecimento do
não aquarela a técnica empregada, e ser tela e não papel, o suporte. saber técnico do observador, principalmente se ele ficar sempre com
Analisando o mesmo quadro, o especia lista tentará saber se a tela é seus olhos bem abertos e ouvidos igualmente atentos.
de linho ou de algodão, pois isso condiciona a conservação da obra,
já que a dilatação do linho é muito mais compatível com a dilatação
da tinta a óleo; eventua lmente procurará saber se a tela foi bem pre-
parada para evitar ataques à celulose; tentará detectar a maneira de
trabalhar do artista, se com espátula ou com pincel, se com veladuras,
etc. Notará, ainda, a composição e, nela , a distribuição dos volumes;
a segurança do desenho e a perspectiva linear, se for o caso; a obediên-
cia a alguma das leis de proporção, etc. Cogitará da harmonização
das cores, da distribuição dos va lores, do uso das complementares,
etc. etc. etc.
O especialista, enfim , vê muito mais que o observador comum,
isto é, absorve mais conteúdo técnico.
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5. O PONTO DE VISTA CONVENCIONAL
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PARA APRECIAR A ARTE
Ora, a vida social em todos os tempos e em todos os lugares A fama das vitórias que tiveram;
sempre foi fértil na criação de convenções .. Não é de estranhar, por- Que eu canto o peito ilustre lusitano,
A qucm Netuno e Marte obedeceram.
tanto, que_essas convenções, cristalizadas em símbolos usualmente
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
importantes para a sociedade, se mostrem retratadas pela arte e intro-
Que outro valor mais alto se alevanta.
duzam nela um conteúdo convencional.
Quando nos defrontamos com obra contemporânea e de autor a !<linguém fica sabendo, a menos que um livro ou pessoa lhe
quem estamos ligados pelos mesmos costumes, não é difícil apreen- explique, que o "sábio grego" é Ulisses, rei de ítaca, um dos invaso-
der-lhe o conteúdo convencional. No entanto, ao tomarmos contato resde Tróia, e que o mencionado "troiano" é Enéias, filho deAnquises,
com obra de outra época ou de outra latitude, podemos nos sentir tão o qual, fugindo de sua terra natal, viria a ser responsável, segundo
alheios ao seu conteúdo convencional quanto o índio, tomando a cruz lenda difundida por Virgílio, pela fundação de Roma. É possível, de
por tronco. Um turista ocidental, vinculado a raízes culturais euro- igual modo, um adolescente desconhecer que Netuno fosse conside-
péias, nem adivinha quantos significados deixa de entender, quando rado, na Roma antiga, o deus do mar e Marte, o da guerra. E com
defrontado com um templo hindu, por exemplo. relação a essa "Musa antiga", até os comentadores de Camões titu-
Mas nem é preciso ir tão longe. beiam: o Poeta pode ter se referido a Calíope, inspiradora da epopéia
A "Índia" pode ser aqui mesmo. e da eloqüência; ou pode ter querido lembrar, de modo genérico, o
Muitas gerações de estudantes, a minJla inclusive, aprenderam conjunto das nove musas, além de Calíope, também Clio, da história;
o idioma português fazendo análise de Os Lusíadas, de Luís de Melpómene, da tragédia; Tália, da comédia; Erato, da poesia amoro-
Camões (Coimbra, 1524 - Lisboa, 1580). Lembro-me que vários co- sa e da mímica; Euterpe, da música; Terpsícore, da dança e do canto;
legas de ginásio acabaram por detestar Camões. Detestaram-no só PoIimnia, da ode; e Urânia, da astronomia.
porque sua obra oferecesse dificuldades em matéria de análise lógi- Durante a apreciação da obra de arte, a absorção de seu conteú-
ca? Em parte, sim. Detestaram-na, talvez bem mais, creio eu, por do convencional pode, ]portanto, exigir o concurso de variadas fontes
verem-se estranhos a ela. Era freqüente Camões fazer com que nós, para a compreensão de símbolos pelos quais se identificam divinda-
adolescentes, nos sentíssemos indígenas aparvalhados diante de suas des mitológicas, santos católicos ou muitas outras entidades e repre-
invocações à mitologia greco-romana. sentações de convenções socialmente adotadas. A descrição dessas
A terceira estrofe do primeiro canto, logo no início do poema, e figuras é ta(efa da Iconografia, preciosa auxiliar da História da Arte.
possivelmente a mais famosa de Os Lusíadas, ilustrará nossa afirma- Sem as informações iconográficas também é possível fruir a
ção:
obra. Com elas, porém, a fruição aumenta de intensidade.
PiI'rd evitar confusões, tentemos deixar tão clara, quanto possí-
Cessem do sábio grego e do troiano
ve~ a fronteira entre o conteúdo factual e o conteúdo convencional da
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano obra de arte. Em ambos há, em essêncià, um ato de identificação de
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objetos. No entanto, essa identificação se faz em níveis diferentes. Resumindo. Se, por um pa se de mágica, pudéssemos reunir
Tomemo novamente a cruz. O índio a vê como estranho tronco de em uma sa la o indígena, o cidadão romano de 21 d.e. e o Papa, e a
madeira e eu, como cruz e símbolo cristão. O índio não lhe alcança eles apresentássemos uma crucifixão de Cristo pintada por qualquer
nem o aspecto factual, nem o convencional, enquanto eu apreendo artista, teríamos os seguintes resultados:
ambos. Podemos, agora, imaginar alguém em situação intermediária
1. o índio não apreenderia, com relação à cruz, nem o conteúdo factual,
a esses extremos: um habitante de Roma no ano 21 de nossa era. Esse
nem o convencional;
romano, ao ver a cruz sendo levada ao ombro por um homem, não a
2. o cidadão romano apreenderia o conteúdo factual, mas não o con-
consideraria apenas um estranho tronco de madeira, como o faria o
vencionai; e
indígena. Esse súdito do Império Romano identificaria os paus cru-
3. o Papa apreenderia ambos os conteúdos, o factual e o convencio-
zados como um instrumento judiciário de execução de criminosos.
naI.
Não foram os cristãos que inventaram a cruz. Os romanos usavam-
na, como também utilizaram paus em forma de forquilha, aos quais Que devemos fazer para melhor desfrutar a arte no seu aspecto
suspendiam com cordas o condenado à morte, e igualmente se servi- convencional?
ram de simples troncos, nos quais o infeliz executado era dependura- Precisamos procurar obter, sempre, mais e mais informações a
do de cabeça para baixo. O pau que sustinha o culpado, infelix arbor respeito do mundo cultural no qual ela foi gerada.
(árvore estéril), era consagrado aos deuses do inferno. Pois bem. O
romano do ano 21, embora identificando o conteúdo factual da ima-
gem, isto é, vendo nele uma cruz como objeto de seu mundo judiciá-
rio penal, não poderia imaginar o conteúdo convencional hoje
identificado por um cristão. Faltavam ainda alguns anos para que ocor-
resse a crucificação de Cristo e, só depois dessa execução, a cruz
viria a ser adotada, como seu símbolo, pelos cristãos.
Os objetos, portanto, podem exteriorizar objetivamente aquilo
que são e para que servem, de tal modo que cu possa fazer deles uma
identificação direta, mas também podem representar algo além, assu-
mindo o caráter evocativo de alguma coisa neles identificada de ma-
neira indireta. Quando os objetos deixam de ser apenas aquilo que
são e passam a sugerir também alguma outra coisa, eles se tornam , ... ,
símbolos. O conteúdo factual da obra de arte diz respeito aos objetos
pelo que eles são, enquanto o conteúdo convencional interessa-se por
e les como símbolos.
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6. O PONTO DE VISTA ESTILÍSTICO
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RAFAEL SANZIO
Transfiguraçiio, c. 1520
óleo sobre madeira
Pinacoteca do Vaticano
Transfiguração (deta lhe)
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se sentem tão próximos de seus ídolos, que não hesitam <:m lhes en- No entanto, entre e e público crescente e o sítio de nascimento
viar cartas amigáveis. No entanto, mesmo com toda essa "intimida- das obras coloca-se quase sempre uma instituição, que pode ser o
de", os astros e as estrelas são sempre imaginados pelo público como museu, a universidade, o veículo de comunicação, etc. Essa institui-
criaturas situadas acima do nível dos mortais comuns. Em suma: o ção intennediadora, que amplia de modo benéfico e às vezes incrível
museu, a galeria, o texto escrito, todas as artes e os artistas infundem o elenco'de infonnações disponíveis, pode selecionar, escolher, rejei-
respeito. tar, louvar, criticar e até, por vezes, sonegar a obras de arte a serem
Esse respeito, um timor reverens, isto é, um temor reverencial, levadas ao público. Ela exerce uma forma de poder.
é fenômeno tipicamente cultural e, a esse título, peculiar a cada civi- Se um importante museu expõe a obra do artista X e não a do
lização. Se eu for aprisionado em meio à selva por uma tribo de an- artista Y, posso ser levado a crer que o artista X é mais importante do
tropófagos, não melhorarei meu destino culinário invocando minha que o artista Y. Se a mais categorizada editora do país edita o romance
condição de escritor. Entre antropófagos iletrados o escritor, prova- de determinado escritor, fico propenso a imaginar que ele não deve
velmente, não merecerá um lugar acima dos mortais comuns. ser tão medíocre como diziam. Se a programação do Teatro Munici-
Nem sempre os artistas tiveram status invejável. Na maioria pal inclui determinadas músicas, julgarei razoável supor que elas se-
das civilizações do passado (não em todas) foram igualados a qual- jam valiosas. Se o crítico de cinema do jornal condena certo filme,
quer outro trabalhador braçal. Já mencionamos que, por exceção, desde talvez nem me arrisque a assisti-lo. Essas instituições todas e outras
o Renascimento europeu para cá o artista começou a ganhar progres- equivalentes hierarquizam as obras de arte e lhes atribuem um valor
iva importância, na mesma proporção em que sua obra também pas- que denominaremos institucional.
sou a ser vista como um tipo especial de manufatura, desejável por A análise da obra de arte sob o ponto de vista institucional pode
suas virtudes estéticas, independentemente de qualquer destinação ser uma fonna de atualização da obra. Nesse sentido, trata-se da
utilitária. mesma postura vista no capítulo anterior.
O interesse por obras antigas, artísticas ou não, inclusive de No entanto, há nuanças a considerar e elas talvez justifiquem
caráter arqueológico, ganhou agigantado impulso nos últimos duzen- termos tratado deste assunto em capítulo independente.
tos anos. Enriqueceram-se assim os museus, principalmente da Euro- A visão in~titucional da obra é gerada de maneira formal, en-
pa. Paralelamente, a democratização dos costumes franqueou a maioria quanto a simples atualização se de envolve por estímulos sociais es-
dos acervos ao grande público, como já ressaltamos em capítulo an- pontâneos, nem sempre controláveis, geralmente livres e, com
terior. O passo seguinte foi a massificação desses elementos por meio freqüência, até contraditório. Entre uma e outra vai a mesma diferença
de novos veículos de comunicação. Desse modo, em grande número que scpã:l1t"o aprendizado infonnal do aprendizado escolar. Todas as
de países, contingentes crescentes de pessoas passaram a ter acesso a pes oas aprendem a falar graças ao convívio social. É somente depois,
bens culturais anteriom1ente privativos de uma elite. Tornando-se mais na escola, que vão descobrir oficialmente as regras da gramática.
acessível, a arte tende a ser menos "assustadora". Além disso, a visão institucional pode incidir sobre obra con-
temporãnea e conterrânea nossa, que, portanto, não demanda atuali-
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novas formas de arte que, inclusive, se globalizam agora pela Internet. que aqui, mas sim por receberem verbas governamentais mais gordas
Pois bem. Por detrás de todo esse cenário fascinante, que não se can- ou injeções de dólares das empresas privadas.
sa de nos surpreender, circula, como a seiva que percorre silenciosa- A prudência aconselha encerrar este capítulo por aqui, uma
mente o caule da planta, um velho conhecido do homem: o dinheiro. vez que o assunto, se aprofundado, gerará sozinho vários livros
Conseqüência óbvia: todas essas novidades artísticas já surgem com bem maiores do que este, mesmo porque o tema alimenta a foguei-
preço. ra de uma polêmica entre os que condenam e os que apóiam a
Esse preço geralmente tem muito a ver com o enfoque institu- massificação cultural; entre os que exorcizam e os que aplaudem o
cional da arte. dinheiro no mundo da arte; etc.
Às vezes, o valor comercial da obra artística decorre, em parte, O problema com relação a tais polêmicas é que os contendores
do apreço institucional por ela recebido. É por isso que editoras de assumem postura maniqueísta, sempre radical, quando, bem pelo con-
livros, gravadoras musicais, distribuidoras de filmes , donos de galeri- trário, deveriam abster-se de tais extremismos. Se é verdade que a
as de arte, todos, cada qual a seu modo, anseiam por obter para seus arte não deve ser considerada apenas do ponto de vista comercial, é
produtos elogios dos críticos de jornais e revistas ou gestos benevo- igualmente verdadeiro que tal valor não pode ser desprezado como se
lentes por parte de outros formadores de opinião. Nestes casos, aplau- não tivesse nenhuma importância.
sos elevam o preço da obra. Há pessoas que só consideram boas as obras de arte de grande
Em contrapartida, há manifestações artísticas de forte presença valor comercial e tomam as cotações de leilões e galerias como pala-
institucional, mas com valor comercial modesto ou até mesmo inex- vra de fé. Lembro-me, bem a propósito do tema, de uma cena a que
pressivo. Por exemplo: o teatro, embora reconhecido institucional- assisti na casa de um colecionador amigo meu. Recebeu ele o telefo-
mente como uma das manifestações mais fecundas do gênio humano, nema de um seu colega de outra cidade e, segundo percebi, tratava-se
: necessita com freqüência de subsídios governamentais ou particula- de continuação de uma conversa anterior, na qual estavam combinan-
i res para poder sobreviver. Ninguém nega seu status cultural, seu va- do a permuta de algumas obras. Ao final da ligação interurbana, o
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lor institucional. No plano comercial, no entanto, sua modéstia é tanta negócio ficou acertado: meu amigo daria dois quadros de autor bem
I1 que os atores, quando querem ganhar melhor, têm de aceitar contra- valorizado e receberia em troca cinco quadros de pintores menos con-
J
tos para trabalhar no cinema ou na televisão. Outro exemplo: um bom siderados. O curioso da história é que nenhum dos dois colecionado-
violoncelista, que por sua fonnação metódica e paciente está apto a res vira as o6ras que haveria de receber. Estavam, portanto, negociando
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ANTONIO P. C OSTELL.A PAKA A I' IUlClAK A ARTE
dor. No âmbito da atualização surge um" nova manei ra de ~er a obra, O contcüdo ncofactual nem sempre é um prejuízo. Ele osrcnl a
enq uanto no do conteúdo neo fact ual a própria obra sofre lnms forma - duas faces: é vida c é morte, ao mesmo tempo. Q uando lima obra de
ções físicas. Ins ist indo: no exempl o do templo grego eu o im agino arte s impl esment e se deteriora, há uma perda, há morte. Mas, ,\5 ve-
branco porque é mesmo assim que os templos gregos materialmente zes, um a morte parcial pode ser o preço pago por uma nova form a de
se enconlram. vida. ,?m certos casos, pode mesmo ser um preço baixo se compamdo
Os his toriadores da arte, os estetas, os literalos, os artistas em âs inúm eras vantagens resultantes. Veja -se o exemplo aci ma lembra-
gera l não tem dado suficient e atenção à ex traordinária presença do do: uma imensidão de pessoas paSSéI a ter a possibilidade de assistir,
elemento neofactual. Enquanto isso, novas maneiras de provocar o em casa, a um espetáculo de ba lé, ainda que a tela de vídeo lhes dê
s urgimento de con teúdos neofactu ais vão, sorrateira ou abertamente, uma imagem menos defin ida do que a usufruída pelo público prese n-
se impondo, em parte alicerçadas em recursos técnicos modernos. Já tc ao teatro.
existe uma maneira de tornar co loridos filmes originalmente rodados Esse caráter contraditório - a um só tempo , vida e morte - do
em preto-e-branco. Milhões de cópias impressas reproduzindo qua- conteúdo neofactual manifesta-se de modo patente no tra ba lh o do
dros ou o utras obms de arte sofrem desvio de coloração, seja por tradutor de obras literárias. O tradutor,.1O exercer seu o fício, não raro
falha grosseira de registro, seja por sutis va ri ações químicas dos pig- recria a obra no novo idioma, adaptando-a ao vestuári o v'ocabu lar, à
mentos. A imagem de televisão co mum , isto é, da televis.10 de algu- s intaxe e ao espírit o da líng ua adotiva. O dilema do tradutor é angus-
mas ce nt enas de linhas, está muito longe dc qualquer fidelidade tiante: se mantiver a Iitcra lidade, podeni deformar a id6ia do autor; se
razoável. Embora O setor de gravação musica l tenha evo luído muito, se afastar da tradução litera l, podeni deixar fugir algum ritmo deseja-
s ubsistem ainda anoma lias acústicas nas reproduções. Até mesmo os do pelo aut or. A tradução, a um só tempo, faz nascer e faz morrer
textos escritos não licam a sa lvo. Tanto é verdade esta últ ima alirma- alguma coisn.
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ção que, dentre as várias ed ições de urna obra literária, oficiali za-se Caso curiosissimo de elemento neofactual encontra-se no qua-
uma delas como edição-padrão para O futuro. dro Mor,/"ke Terrace, de William Thmer (Londrçs, 1775- 185 1). Ar-
Alguém diní que acaba mos de fazer a condenação dos meios de tista interessado nos cfeitos luminosos, Thrner realizou aqui a proeza
comuni cação modernos, po is todos os exempl os anteriore..'\ colocaram de pintar uma pa isagcm totalm ente a contra luz. O sol, pressentido de
esses engen hos no banco dos TI!US, como responsáveis por reprodução frente, refl6te-se no ri o Tâmisa e "come" o pa ra peito de pedra. Sobre
infiel das obnls. Não é verdadeira, nem justa, a conc lusão. Os meios de esse parapeito, el11 si lhucta, ca minha um cão. Pois bem. Esse cachor-
com uni cação pernlitiram um fluxo de informação volumoso e rápido, ro não existia origi nalmente no quadro. No dia do vemissage, CIl-
com enomlCS benefícios para o ser humano. Prefiro que os Girassóis ~oJ"m er se ause ntara para almoçar, um pintor ri val, talvcz para
de Van Gogh alegrem milhões de residências, ainda que suas reprodu- dê'illinciar a falIa de um ponto foeul ma is forte na obra, recortou um
ções coloridas não sejam cópias rigorosamente perfeitas do original. cão e m papel e co lou-o sob re a te la . Voltando, Turner não se
Aplaudo entus iasticamente o balé, mcsmo que na transmissão por tele- abespinh oll COI11 o acréscimo. Reconheceu que ele era necessário.
visão a qualidade de imagem c S0111 deixe a desejar.
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PARA APRECIAR AARTE
WILLlAM TURNER
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11. O PONTO DE VISTA ESTÉTICO
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ANTONIO F. COSTELLA PARA APRECIAR A ARTE
ler um livro, ou ainda ouvindo uma música ou assistindo a um filme fôlego, todo um punhado de pó de café caído no chão, assim também
ou peça de teatro. Usufruíram , então, o prazer estético, algo. muitas o observador "suga" o conteúdo da obra de arte. Nessa postura inicial
vezes parecido com uma estimulante alegria de viver. não sobressaem isoladamente, ao menos em nível consciente, os ou-
Com esse último comentário, não estou aludindo à capacidade, tros tipos de cnfoques já ana lisados. No entanto, passada a primeira
que tem a obra, de despertar sentimentos. Desse tema nos ocupamos fase de apreensão estética, que pode ser longa, a interveniência dos
no capítulo relativo ao ponto de vista expressional. É mais que isso. A outro~ aspectos enriquece a apreciação e pode desencadear novos
obra de arte toca também em algum ponto de nosso espírito que está momentos de sucção estética, ainda mais ricos. Usualmente, a obra
além e acima dos sentimentos comuns de alegria, tristeza, ódio, amor, de arte de grande valor, a chamada obra-prima, eterniza esse ato de
ira, etc. Tanto isso é verdade, que a mesma pessoa que chora durante apreciação, consegue sustentar longamente o interesse, que vai osci-
a projeção de um filme triste, poderá sair do cinema com a paradoxal lando do nível de sucção estética para o de apreensão e reflexão sobre
sensação de ter sido reconfortada, aliviada, feliz, caso o filme seja de os demais enfoques, alternadamente, num ir e vir constante e intermi-
forte conteúdo artístico. Essa aptidão demonstrada pela obra de arte, nável.
no sentido de enlevar, extasiar, enobrecer o espírito é o fruto de seu Os objetos comuns, isto é, os não-especiaLmente-estéticos, se
valor estético. for lícito denominá-los assim, prendem a atenção do observador só
Como se apreende o conteúdo estético? até o momento em que ele consegue completar a compreensão racio-
A apreensão do conteúdo estético é uma forma de conhecimen- nal do objeto. Depois de identificá-lo, entender como funciona e para
to que se faz através dos sentidos, mas opera antes de atingir o nível que serve, a pessoa não tem mais motivação para observá-lo. Figure-
da razão. No dizer muito apropriado de Harold Osborne, "a experiên- mos, por exemplo, a chegada de uma nova geladeira em nossa casa.
cia estética é um modo de cognição através da apreensão direta ( ... ) é Não nego a existência e a importância do chamado desenho industri-
uma ampliação e uma intensificação da percepção sensorial" (A apre- al, no entanto, parece-me evidente que a geladeira sustentará menos a
ciação da arte, São Paulo, Cultrix, 1978, p. 206). minha atenção do que uma boa música de Milton Nascimento ou uma
É num relance que o observador absorve boa parte do conteúdo peça de Shakespeare. A obra de arte, diferentem«nte dos objetos co-
estético da obra, um relance "gestáltico"*, um relance no qual perce- muns, convida a rever, a ouvir de novo, a observar sem interrupção.
be o conjunto da obra e, simultaneamente, apreende também os por- Quando o observador se vê privado da observação direta da obra,
menores. A apreensão do conteúdo estético opera como se fosse uma espontaneamente recorre à memória e, por meio dela, recria mental-
sucção mental. Assim como o aspirador doméstico aspira, de um só mente a obra e continua a usufruí-Ia. Quantas vezes os personagens
de um romance marcante, os versos de um magnífico poema, as ce-
lJ.assle um filme ou uma melodia nos acompanham pelas ruas e pelos
dia~, num remoer, num reviver sem fim de prazer estético?
* Gestáltica, do alemão Gesta/t , teoria psicológica surgida na Alemanha seg undo a
qual um fen ômeno não pode ser analisado pela di ssecação de seus elementos, Como aguçar a capacidade de apreensão do conteúdo estético?
mas sim por uma visão do conjunto, no qual todos os elementos são solidários. Pela contemplação reiterada, principalmente.
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Em Para apreciar a arte - Roteiro didá-
com a graça literária de um escritor envol- A BOA APREENSÃO DE uma obra de arte solici-
vente. Esta obra, ademais, é reflexo de ainda ta que o seu destinatário tenha a vontade de desco-
outra faceta da vida, ou das vidas, de Anto- brir os significados virtuais que caracteri zo in a
nio F. Costella. Ele é também artista plástico comunicação artística. Como então chegar a esses
e dirigiu, durante dez anos, o museu Casa da conteúdo::., sem tcpninologias herrné~icas que mais
Xilogravura, de Campos do Jordão. PCir isso afastam do que aproximam UPll"cept r preocupft-
consegue identificar facilmente as dúvidas
do com a fruição estética da orra de atté?
que as pessoas costumam ter em relação à
Esse é o percurso de Para apreciar a arte -
arte e sabe como ensinar alguém a apreciar
Roteiro didático, de J\r.t'Jnio F. Costella, da Edit0-
as obras, organizando e melhorando sua per-
ra SENAC São Paulo, em co-edição com a Editora
cepção artística.
Mantiqueira, publicação destinada a iniciantes de
Os dados biográficos do autor ajudam a
comunicação e artes, uma das áreas da ação educa-
entender o porquê de este Para apreciar a
cional do SEl\d,C-S P.
arte ser capaz de explicar justamente aqui-
ISBN 85-7359-029-7
1",