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O que nos levou a acreditar que as imagens devam aspirar à duplicação das

coisas? Antes mesmo de nos maravilhar com a capacidade de uma imagem


substituir o que é representado, precisamos admitir que ela é, principalmente,
disposição de formas no espaço... Entretanto, na cultura ocidental existe uma
paixão extremada pela imitação, que pede a cada instante para ser satisfeita.
26

Quando se escolhe representar por imitação e semelhança o que se apresenta


à percepção, inevitavelmente acontece uma perda: a imagem deixa de ser uma
presença atemporal e passa a procurar o eterno no transitório, fixando o ponto
de vista que contempla através de uma janela e procura evocar o que é fugidio;
enfim, muda constantemente as aparências. 26-27

A representação mimética está atravessada por um problema que é da


filosofia: a questão da verdade. 27

A imagem é representação e aparência, cuja configuração procura ser


verdadeira, ou seja, parcialmente correspondente às condições do objeto
representado. 27

A imitação é essencialmente logica, pois supõe uma transformação segundo


um modelo verdadeiro da realidade, uma suposição sobre as condições
manifestas da aparência. A imagem é hipótese, representação conjectural. 27

Platão (aproximadamente 427-347 a. C.) via no mundo à nossa volta uma


imagem, mesmo que deformada, da ordem divina e verdadeira. 27

Para Platão, a imagem é um grau do processo de conhecimento. Há o objeto,


depois o nome, a definição, a representação e, finalmente, o conhecimento e o
entendimento. 27-28

Todos os estágios descritos acima relacionam-se por imitação. 28

Quando a representação é imitativa, a verdade passa a ser o padrão lógico que


julga as imagens e permite a seleção, a exclusão e até mesmo a condenação.
28

No universo existem três níveis hierárquicos: as formas intelectuais e perfeitas;


o mundo sensível que, em sua multiplicidade, copia, deformando esse modelo
ideal; as cópias de cópias; mutantes e de extrema falsidade, como os reflexos
do sol...28

... O pintor que representa a cadeira num quadro o faz a partir do ponto de vista
de um espectador que a observa; não representa a forma da cadeira; copia o
que já é cópia, produzindo um simulacro; está irremediavelmente afastado da
verdade. 28
Só a forma é verdadeira. A realidade sensível que experimentamos é imitação.
A música, a pintura, a dança imitam imitações. 29

Platão supunha uma identidade entre a Virtude, a Beleza e a Verdade, que o


leva a assumir uma posição moral diante das representações. 29

Platão tinha horror à perspectiva. Parecia-lhe imoral que o pintor corrigisse as


proporções da realidade, adaptando-as às condições da visão. 29

A perspectiva representa somente um dado da realidade: a maneira pela qual


as linhas e os volumes se apresentam para o espectador. Ela é, portanto, pura
aparência, mera ilusão, que resulta da intensão consciente de enganar por
parte de quem desenha, pinta, esculpe ou planeja arquitetonicamente. 29

... Platão preferia a objetividade, a permanência, à subjetividade do ponto de


vista. 29

Platão percebe como, na imagem, a ilusão de saber é imediata; reconhece o


perigo da transformação da presença, que caracteriza a materialidade da
representação, em critério de evidência. 30

Todos sabemos como fracassaram os argumentos de Platão contra a


perspectiva. Num ponto, sua argumentação triunfa socialmente: a imitação
deixa de ser apenas um principio pictórico; trata-se de um valor que guia as
intenções de quem produz a imagem. Ser mera cópia e simulação implica
fracasso: para nós, da cultura ocidental, será a relação verdadeira que a
imagem aspira ter com o mundo exterior o que importará, e por muito tempo.
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CAPÍTULO 3

A PERSPECTIVA

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