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1.

O que é a Patrística

É o período que vai do I séc. d. C até a o séc. VIII caracterizado pelos esforços de
defesa, elaboração e compreensão da doutrina cristã, protagonizada pelo assim
chamados Padres da Igreja. Os Padres da Igreja, segundo ABAGNANO (1999:78),
eram escritores cristãos da Antiguidade (cristã) que contribuíram para a elaboração
doutrinal do cristianismo e cuja obra foi aceite e tomada como sua pela Igreja.

A patrística começa com os Padres Apostólicos (os que viveram com os Apóstolos) e
divide-se em Patrística Grega e Patrística Latina. A patrística grega termina com a morte
de João Damasceno, em 754, e a Latina, com a morte de Beda, o venerável, em 735.

Filon de Alexndria, o precursor da Patrística

A Gnose, uma das seitas herética combatidas pelas Padres da Igreja

Gnose significa "conhecimento" e designa a iluminação particular que algumas


correntes religioso-filosóficas pagãs ecléticas inspiradas no cristianismo consideravam
possuir e que codificavam em determinadas fórmulas, ou imagens, ou conceitos. 0s
principais são os seguintes:

1) O conhecimento gnóstico se refere a Deus e a salvação ultraterrena,


apresenta-se como doutrina secreta revelada por Cristo a poucos discípulos,
cultos e refinados e transcrita nos Evangelhos gnósticos (o que contraria o
espírito dos Evangelhos e do mensagem bíblica toda que é de salvação universal,
de todos os homens, pela fé e não pelo conhecimento).

O gnostico deve tomar consciência de si e, conhecendo-se a si mesmo através de si mesmo,


poderá então retornar a pátria originária. Papel essencial nesse "retorno" e desempenhado pelo
Salvador (Cristo), que é um dos "éons" divinos.

Gnose herética afirmava assim a superioridade do conhecimento em relação à simples


fé e considerava a fé irreconciliável com a ciência.

2) A concepção do mundo dos Gnósticos é pessimista e é expressão e resposta da


humanidade angustiada (do contexto helenístico conturbado pela queda de
uma civilização – a grega e o surgumento de outraa romana): ela, com
efeito, vê o cosmo como reino do mal e considera a nossa permanência nele
como um exílio. Se o homem sofre o mal, isso significa que ele pertence ao bem.
Portanto, o homem provém de outro mundo e a ele deve retornar. Este mundo é o nosso
"exilio" e o outro mundo é a nossa "pátria" (Mais tarde S. Agostinho, inspirado pelo
gnosticismo, distinguirá a Cidade Terrena e da Cidade Celeste, de Deus).
3) Os homens, conforme sua relação com a Gnose, distinguem-se em pneumáticos
(ligados ao espírito, os que mais participam do conhecimento e se destinam a
salvação), hilicos (ou seja, ligados a terra, matéria e destinados a perdição) e
psíquicos (ligados a alma, abertos a uma ou outra destinação);

4) Este mundo foi criado por um Demiurgo mau (o Deus do Antigo Testamento) e
resgatado por um Deus bom (Cristo) (dualismo de princípios: Bom e Mau);

É que a interpretação alegórica dos textos sacros permitia aos gnósticos dobra-los às suas
exigências, facto que até os nossos dias persiste em todas as religiões e no cristianismo, o que
resulta em várias seitas que se distinguem apenas na sua interpretação bíblica das Sacradas
Escrituras.

5) A derivação da realidade cósmica e inteligível a partir da unidade primordial


explica-se por via alegórica com a separação de casais de seres eternos
(chamados "eons") em uma ordem bastante complicada, e por vezes fruto de
fantasia e mitos.

Conclusão

Por mais que pudesse responder a instâncias precisas daquela época, a mensagem gnóstica
revelou-se frágil e sem futuro, a exemplo de muitos movimentos político, religiosos do nosso
tempo.

2. A Patrística Grega: Clemente e Orígenes de Alexandria (pp 99-100)

Clemente (190, Atenas ou Alexandria): a gnose cristâ (contra a gnose herética ou


pagã): harmonia entre o conhecimento e a fé: o conhecimento esclarece a fé e a fé
condiciona o conhecimento.

- O que distingue a gnose pagã da gnose cristã? (a harmonia e subordinação do


conhecimento à fé);

- O Logos como o novo arkhê: princípio e fim de tudo: da criação, da sabedoria e da


salvação.

Pré-requisito: a gnose e o estoicismo


Foi discípulo e sucessor de Panteno, um estóico que fundou uma escola catequética em
Alexandria, que se propunha defender e aprofundar a fé com o auxílio da Filosofia.

- A gnose cristã. Sem se limitar a combater a falsa gnose, seu primeiro objectivo é de
elaborarar seu próprio conceito de uma gnose, a gnose cristã, a verdadeira, pois para
ele, o conhecimento é o limite mais alto que o homem pode alcançar; ele é a
realização do homem; ele é forte e segura demostração daquilo que se crê pela fé.
Mas por outro lado, a fé é a condição do conhecimento (não se pode conhecer o que
não se crê). Portanto fé e conhecimento se relacionam de tal modo que um não subsiste
sem o outro (cf. ABBAGNANO, vol 2, 1999:99). Esta conclusão era totalmente
contrária à Gnose herética, que considerava a fé e a ciência irreconciliáveis, sendo a
ciência superior à fé. O verdadeiro cristão e o verdadeiro gnóstico deve conciliar fé
e conhecimento .

Mas, para chegar da fé ao conhecimento, é necessária a filosofia, que surge como seu
princípio e fundamento. O valor que a filosofia teve para os gregos é o mesmo valor que
o Antigo Testamento teve para os hebreus: conduzir a Cristo. Como Justino, Clemente
admite que em todos os homens que se dedicaram à especulação racional, está presente
um eflúvio divino, uma centelha do Logos divino, que lhes faz descobrir uma parte da
verdade, embora não a totalidade da verdade revelada por Cristo.

Na filosofia grega está misturado o verdadeiro e o falso, trata-se agora de escolher o


verdadeiro e deixar o falso. E a fé é o critério rio dessa escolha. É daí que a filosofia
deve ser a serva da fé. Nesta subordinação da filosofia à fé, é que reside o escopo da
gnose cristã, contra a gnose dos Gnósticos que estabelecia a relação inversa: para
Clemete a fé é o critério da ciência. a ciência é, pois, auxílio da fé.

A partir deste pressuposto da gnose crista, Clemete afirma que o cristianismo é a


educação progressiva do género humano e Crsito é o Mestre, o Pedagogo. Esta
interpretação domina a Igreja, cada vez mais que a esperança no regresso imediato de
cristo diminui, dando lugar o conceito de uma regeneração gradual e não instantane,
através da história.

O conceito básico da reflexão de Clemente é o o conceito de Logos, triplamente


compreendido como: princípio criador do mundo, princípio de toda a sabedoria, que
inspirou os profetas e filósofos; e princípio de salvação (Logos encarnado) (cf. REALE
e ANTISERI, 2005:44). O Logos é o novo arkhé que os ptimeiros filófos buscaram, do
qual tudo se originou e tudo retorna.

Diante de Deus, todo inacessível e inefável, o Logos surge como a sabedoria, a ciência,
a verdade, o alfa e ómega, guia de toda a humanidade.

A máxima estóica viver segundo a razão, em Clemente tradus-se em viver segundo o


ensinamento do Filho de Deus, que para ser obedecido, deve ser amado e para ser
amado, deve ser conhecido.
Orígenes (185/6-): Deus e a Trindade

Sucessor de Clemente na escola catequística de Alexandria,

0 pensamento de Orígenes coloca no centro Deus e a Trindade (não o Logos, como


fizera Clemente)

- Deus (Pais) é incorpóreo e incompreensível: "Deus não pode ser entendido como
corpo" (tal como se apresenta no Antigo Testamento, ora como fogo, ora como sopro,
ora como trovão), mas sim como "realidade intelectual e espiritual" e "natureza
intelectual simples". Deus não pode ser conhecido em sua natureza: "Em sua realidade,
Deus é incompreensível e inescrutável", porque transcende as capacidades da mente
humana.

Influenciado pelo neoplatonismo, Orígenes chega a falar de Deus como Mónadas e


Ênadas, o que está acima da Inteligência e do ser. Porém, ele também considera Deus
como Inteligência por excelência, fonte de toda a inteligência e de toda a substancia
intelectual; como fonte do ser, do qual participam todos os seres, como Bem ou
Bondade Absoluta.

O Filho de Deus, 2ª pessoa da Trindade como a Sabedoria de Deus e a pré-


existencia nela de todos os seres (= Ideias de Platão e a Nous de Plotino)

O Filho de Deus, segunda pessoa da Trindade, é a Sabedoria de Deus substancialmente


subsistente (equivalente à Ideias de Platão). E nessa "sabedoria existente estavam
contidas virtualidade e forma de toda futura criatura, seja daquelas que existem
primariamente, seja daquelas que delas derivam de modo acidental e acessório, todas
pré-formadas e dispostas em virtude de pré-existência.
Segundo Orígenes: "E se tudo foi feito na sabedoria, já que a sabedoria sempre existiu,
sempre existiram na sabedoria, pré-constituídos sob a forma de Ideias, os seres que
posteriormente seriam criados também segundo a substância (daí que se pode deduzir
certa identidade das crituras com seu criador, embora não essencial).

Contra os Gnósticos, Adopcionistas e Modalisatas, afirma que o Filho de Deus foi


gerado eternamente ( como a vontade provém da mente, o Filho proveio do Pai,
espiritualmente e goza da mesma substancia ou natureza) e não criado, como os outros
seres (materiais e espirituais), embora seja tenha uma certa subordinação ao Pai, como
seu Ministro.

- Cristo tem duas naturezas: é verdadeiro Deus e verdadeiro homem (não homem
aparente, como pretende a heresia docetista) e, como tal, tem corpo e alma (a alma de
Cristo desempenha papel mediador entre o Logos divino e o corpo humano). É isto que
será reafirmado no concíclio de Niceia estabelecendo o símbolo cristão (o Credo): Jesus
Cristo, Deus verdadeiro de Deus Verdadeiro, encarnada e feito Homem (verdadeiro
Homem).
- O Espírito Santo foi pela primeira vez estudado por Orígenes, sendo apresentado com
a sua função santificadora.

A Hierarquiazação na Trindade e a identidade de natureza, substancia e essencia

Porém, devido a influencias neopltónicas (como o Plotinismo), Orígenes reconhce uma


certa hieraquia na Trindade, que começa do Pai para o Filho e termina no Espírito
Santo. Porém mesmo assim, ressalta a identidade de natureza, substância ou essência
entre Pai e Filho.
Distingue-se do neoplatonismo ao afirmnar a criação a partir do nada: ele nos fala de
criação abaeterno das Ideias no Verbo e não de toda a realidade.

Criação, apocatástase e encarnação

A teoria da criação de Orígenes é bastante complexa.


- Primeiro, Deus criou seres racionais, livres, todos iguais entre si, e os criou a própria
imagem (corno racionais).

- Liberdade e diversidade de comportamento: sendo finitos e livres, tiveram


comportamentos diferentes: uns continuaram unidos a Deus e no seu amor, outros se
afastaram de Deus e pecaram.
Como resultado desses comportamentos diferentes, surge então a distinção entre anjos,
homens e demónios, conforme tenham permanecido fiéis a Deus, ou se afastado em
certa medida ou se afastado muito de Deus.

Os mundos em série e a reencarnação

Na sua teoria do mundo, afirma que o "mundo" deve ser entendido como série de
mundos, não contemporâneos, mas subsequentes um ao outro.
Tal visão relaciona-se estreitamente com a concepção origeniana segundo a qual, no
fim, todos os espíritos se purificarão, resgatando suas culpas, mas, para se
purificarem inteiramente é necessário que sofram longa, gradual e progressiva
expiação e correção, passando, portanto, por muitas reencarnações em mundos
sucessivos.

Portanto, para Origenes, o fim será exactamente igual ao principio, isto é, tudo deverá
tornar a ser como Deus criou. Essa é a célebre doutrina origeniana da capocatástase, ou
seja, a reconstituição de todos os seres no estado original (a semelhança da
simplificação de Plotino, onde, porém apenas os homens são chamados a se unirem ao
Uno).

Origenes destaca o livre arbítrio das criaturas em todos os níveis da sua existência.
Mesmo no próprio estágio final, será o livre-arbitrio de cada uma e de todas as criaturas
que, vencido pelo amor de Deus, continuará a aderir a ele, agora, porém, sem mais
recaídas.

Importância de Orígenes
A importância de Origenes é notável em todos os campos. Seus próprios erros devem-se
aos excessos de um grande espírito generoso, não a mesquinhos desejos de
originalidade. Ele quis ser cristão até as últimas consequências. Suas doutrinas foram
um grande apologia ao cristianismo.

Dionísio Aeropagita e a teologia apofática (ler pp. 65-65, pdf: 80).

Com base na filosofia de Proclo, um neoplatónoco, tenta interpretar o pensamento


cristão.
A caracteristica conhecida do pensamento de Dionisio e a introduqao da teologia
chamada apofatica (negativa), pela qual a absoluta transcendencia de Deus em relaqao
ao mundo nao
permite que ele seja designado por nenhum termo, nem mesmo filosofico, dado que
todo termo designa uma realidade finita. Portanto, resta apenas designa-lo com uma
serie de negações (dizer aquilo que não é e não aquilo que é), ou recorrer até ao silencio
místico.

João Damasceno, último padre do Oriente (pp. 143-145).

Sem abordagens originais, procura sistematizar a patrística oriental, fixando a


subordinação das ciências profanas à teologia e afirmando definitivamente que a
filosofia deve ser serva da teologia. Como serva, a filosofia oferece certos pressupostos
da fé, começando pela demostração da existência de Deus. Porém se a existência de
Deus pode ser demostrada, a sua essência é indeterminável e incompreensível (cf.
1999:145).

Tertuliano (B. Mondin, pp. 89-92; Giovanne e Reale, pp 73-74, PDF: 87-88).

Diferentemente da postura adoptada pela maioria dos Padres Orientais, que tentam
estabelecer continuidade entre o cristianismo e a filosofia grega, os apologetas latinos
«tendem a reivindicar a originalidade da revelação cristã em confronto com a
sabedoria pagã». Assim, todos os Padres latinos anteriores a Agostinho foram pouco
atraidos, quando não decisivamente hostis, a filosofia grega. Esta foi a postura de
Tertuliano, nascido em Cartago, no ano de 160.

Polémico e irrequieto, Tertuliano defendeu a corporeidade de Deus e da alma,


destruindo assim aprimeira conquista do cristianismo e de todas as religiões (opondo-se
mesmo a Origenes que defende a incorporeidade de Deus) (cf. ABBAGNANO, vol. 2
1999:89).

Atitude antifolosófica

O ponto de partida de Tertuliano é a condenação da filosofia e a afirmação da


superioridade da fé.
Para ele, a verdade da religião funda-se na tradição eclesiástica; da filosofia só nascem
heresias “Nada há em comum entre filósofo e Cristo, entre o discípulo da Grécia e o dos
céus. Os filósofos são os patriarcas dos heréticos”. Para ele, “Atenas e Jerusalém nada têm
em comum: fé em Cristo e Sabedoria humana se contradizem”.

Para Tertuliano, os filosofos são os patriarcas dos heréticos. Como fé em Cristo e sabedoria
humana se contradizem, ele escreve em Carne de Cristo: "0 Filho de Deus foi crucificado:
não me envergonho disso, precisamente porque é vergonhoso. 0 Filho de Deus morreu: isto é
incrível, porque é uma loucura. Foi sepultado e ressuscitou: isto é certo, porque é impossível".
Todas estas afirmações resumem-se na seguinte: foram condensadas na sua famosa formula
"credo quia absurdum” (Creio porque é absurdo). Isto para dizer que não é mais
necessaério nenhum esforço para compreender a fé, por mais absurda que seja, como
faziam os outros Padres da Igreja recorrendo à Filosofia grega.

Contra toda a investigação, defende que se procuramos para encontrar e encontramos


para crer, põe-se fim, com a fé, a toda a ulterior investigação e conhecimento. Portanto,
uma vez que os cristãos encontraram Cristo, filho de Deus, nada mais deve-se procurar
com a investigação, senão apenas crer nele pelo testemunho da tradição. Somente
caberá às autoridades eclesiásticas a correcta interpretação das Sagradas Escrituras.

Outro testemunho que Tertuliano reconhece é o da alma simples (e não erudita) do


senso comum, do comum dos homens, pois, segundo ele, as expressões do senso
comum «são vulgares porque comuns, comuns porque naturais , naturais porque
divinos» (Ibidem, p. 90). Segundo ele, a alma é naturaliter christiana (naturalmente cristã) e
é a cultura filosófica que a afasta da verdade. Portanto, trata-se aqui da alma simples, inculta e
não aquela estudada, culta e académica.

Como os estóicos, reafirma a corporeidade do ser: «tudo aquilo que é, é corpo de um


género determinado. Nada é incorpóreo a não ser aquilo que não é» (Ibidem). Portanto,
mesmo Deus e a alma são corpóreos, embora tenha uma corporeidade espiritual. O
espírito distingue-se da carne, porque aquele é um sopro que dá vida à carne (embora,
por vezes haja suspeita de que Tertuliano não distinga claramente o corpus da substantia).

Alma surge então como «uma substancia simples, nascida do sopro de Deus, imortal
corpórea e dotada de uma figura, capaz por si mesma de sabedoria, racional, virtuosa
(…)» (idem).

Afirma a unidade do homem ao defender que se a morte é a separação entre alma e


corpo, a vida é então a união da alma e do corpo. De igual modo, a ressurreição do
homem será em sua natureza inteira: em carne e alma.

Santo Agostinho (354-430)


Vida e Obras: percuros espiritual

A mãe Mónica, pela sua firme e tenaz fé, e o bispo Ambrósio, que Ihe ensinou o método
da exegese alegórico-filosófica da Bíblia.

O seu percurso espiritual, filosófico e teológico mostra que Agostinho foi um homem
inquieto, inconformado, insatisfeito, em constante busca da felicidade, da verdade, e da
salvação, facto que lhe levou a passar de escola em escola, de seita em seita até, por fim,
converter-se ao cristianismo verdadeiro.

Em cada uma das etapas era como que um degrau ou uma peça que completava o sua
felicidade:

- Cícero o converteu a filosofia (entendida como sabedoria e arte de viver que tras a
felicidade);

- O Maniqueísmo influenciou boa parte de sua vida anterior a conversão, constituindo


uma espécie de pré-conversão, embora pecasse pelo seu materialismo e dualismo
ontológico e metafísico (bem a mal como dois principios ontologicos);

- O pensamento neoplatónico (particularmente de Plotino e de Porfírio) acrescentou-


lhe a dimensão do supra-sensível, e, finalmente,

- A Bíblia e particularmente as Cartas de Paulo, o conduziram ao conhecimento pleno


de Cristo e de Deus.

A última parte da vida de Agostinho foi dedicada a luta contra as heresias dos
Donatistas (que não queriam readmitir na comunidade aqueles que tinham abjurado
durante as perseguições) e dos Pelagianos, que não consideravam o papel da graça
divina na salvação.

1. Crer e compreender: Estudantes: ArmindoAntonio Armindo Charles)


Com Plotino, Agostinho aprendeu a filosofar na fé, livrando-se assim do seu
materialismo e dualismo maniqueístas. Longe de qualquer fideísmo, para Agostinho a fé
estimula e promove a inteligência, e esta por sua vez fortalece e clarifica a fé. Uma não subsiste
sem a outra. Eis a fórmula agostiniana que antecipou o credo ut interligam: "a inteligência é
recompensa da fé"
Assim, o "credo quia absurdum" de Tertuliano torna-se uma postura espiritual inteiramente
estranha a Agostinho, que busca compreender para crer.

2. Do homem geral (dos gregos) à pessoa, indivíduo, definida pela sua vontade e
liberdade, vendo assim na pessoa o reflexo de Deus Trindade nos modos do ser, do
conhecer e do amar.
Agostinho encontra no homem toda uma série de tríades, que reflectem de vários modos a
Trindade, tendo no vértice a tríade ser, conhecer e amar, que espelha as tres pessoas da Trindade
e sua estrutura uno-trina.

Assim, Deus se espelha na alma. E "alma" e "Deus" são os pilares da "filoso-


fia cristã" agostiniana.
Com S. Agostinho, contrariamente a tradição filosófica grega que despresava o corpo
em detrimento da alma, o corpo torna-se algo bem mais importante do que aquele "vão
simulacro" de que Plotino se envergonhava, por exemplo, graças aos conceitos de criação, de
encarnação e de ressurreição, que vieram glorificar, sublimar o corpo (se o corpo fosse algo tão
mau, o filho de Deus não se encarnaria e nem ressuscitaria com ele.

3. Da reminiscência à iluminação:
O conhecer tende à verdade e a verdade se identifica com Deus. Assim, segundo
Agostinho, A verdade não é algo que se constrói a medida que o raciocínio avança; ao
contrário, ela é aquilo a que tendem
os que raciocinam.
A consequência dessa premissa é que a maior parte das demonstrações agostinianas da
existência de Deus são demonstrações da existência da Verdade.
Mas como o homem chega a verdade?

A argumentação mais conhecida é a seguinte. A dúvida cética derruba a si mesma, pois, no


momento em que pretende negar a verdade, a reafirma: si fallor, sum; se
duvido, precisamente por poder duvidar, existo e estou certo de pensar. Com essa
argumentação, Agostinho sem dúvida antecipou o cartesiano cogito, ergo sum.

A alma, sendo ela própria mutável, consegue julgar os objectos sensíveis através de conceitos
matemático-geométricoe e de parámetros éticos, com base em critérios que são imutáveis e
necessários. Por isso, é necessário concluir que, acima de nossa mente, existe um critério ou
uma Lei que se chama Verdade, e que, portanto, existe uma natureza imutável, superior a alma
humana.

Assim, uma vez que tudo está em devir, só é possível que nós formemos conceitos
imutáveis, porque Deus, como na criação nos torna participantes do ser, também nos
torna, pela iluminação, participantes da verdade, sendo ele próprio a fonte da verdade.

As Ideias, diz Agostinho, são o parámetro pelo qual toda coisa


á feita. Entretanto, Agostinho reforma Platão em dois pontos:
1) faz das Ideias os pensamentos de Deus (corno ja haviam feito, embora de modos diferentes,
Filon, os Medioplatóicos e Plotino);
2) rejeita a doutrina da reminiscincia, ou melhor, ele a repensa
ex novo, introduzindo a doutrina da iluminação

4. Outras provas da existência de Deus:


- A da perfeição do mundo que remonta ao seu Artífice divino;
- A baseada sobre o consensus gentium;
- A exgradibus, ou seja, que remonta dos diversos graus de bem presentes no
mundo ao Bem em si.

4.1. Ascaracterísticas filosóficas de Deus

A partir das provas de seua existência, Deus é entendido como Ser, Verdade, Bem em
forma absolutamente eminente,que se pode exprimir tanto nas formas da teologia
negativa, quanto na atribuição a ele de tudo o que existe de positivo no criado, sem os
limites do negativo.

5. A Trindade

Agostinho afirmou a identidade substancial das três Pessoas. lsso significa que Deus,
em sentido absoluto, é tanto o Pai como o Filho e como o Espirito Santo, e que eles são
inseparáveis no ser e operam inseparavelmente. Todavia, essas três Pessoas são
distintas, não do ponto de vista da substância, mas do da relação, pelo que o Pai tem o
Filho, mas não é o Filho, e o Filho tem o Pai, mas não é o Pai, e o mesmo vale para o
Espirito Santo.

6. A doutrina da ciração ex nihilo (do nada): Silva, Aidão.

A criação do nada distingue-se da geração (onde o gerado tem a mesma substancia do


gerador) e da fabricação (onde o fabricado provém de uma matéria exterior ao
fabricador) porque o gerado não vem nem da substância do gerador nem da matéria
externa. A criação ex nihilo implica um conceito de graça absoluto (o
homem depende in toto, totalmente de Deus).
7. As ideias e razões seminais

No acto criador desenvolvem papel determinante as Ideias, entendidas do modo médio-


platónico como pensamentos de Deus, isto é, concebidas como o modelo ideal do
mundo. lsso não implica que o mundo tenha nascido já perfeitamente formado: no
momento da criação, Deus produz apenas as sementes, as "razões seminais" de todas as
coisas, as quais têm necessidade de tempo para gerar aquilo que é inerente a sua
natureza. O que significa que tudo já foi criada uma vez por todas por Deus, em forma
de razões seminais, mas cada coisa surge e concretiza-se no seu tempo. Daí que mesmo
as coisas que ainda não existem ou não conhecemos, elas existem em forma de Razões
seminais que esperam por se concretizar no seu devido tempo.

8. O tempo como distensio animae (distensão da alma)

O tempo é diverso do eterno: a natureza do tempo, com efeito, explica-se em relação à


alma, que conserva o passado e antecipa o futuro.
Do ponto de vista ontológico, o tempo, portanto, não subsiste: ele existe apenas como
memória, intuição e antecipação na alma.

9. O mal
Agostinho considera o problema do mal segundo três pontos de vista. ~
- Do ponto de vista metafísico, o mal não existe, mas existem apenas graus inferiores de
ser em relação a Deus, Sumo Bem. E estes vistos no conjunto do universo,
desaparecem, visto que encontram sua razão se ser positiva, para o bem, maior.
Exemplo, os predadores, que mantem o equilíbrio cósmico.

- Do ponto de vista moral, o mal (= pecado) nasce da vontade má que, em vez de tender
ao Sumo Bem, tende a bens inferiores. Por isso, Agostinho pode dizer: "0 bem que está em
mim é obra tua, é teu dom; o mal em mim é meu pecado".

- O mal físico é uma consequência do pecado original e todavia pode ter um significado
catártico (purificação, e por isso positivo) em vista da salvação.

10. A vontade, a liberdade e a graça


A temática do mal moral põe em primeiro plano o conceito de voluntas, que Agostinho
(contra Sócrates) considera como autónoma em relação a razão. A razão conhece e a
vontade escolhe, e pode escolher também contra a razão. Portanto, a liberdade é da
vontade e não da razão. Todavia, a vontade alcança sua perfeição e sua plena liberdade
quando não faz o mal, mas nisso tem necessidade da graça.

Embora pertencendo ao espirito humano, a vontade é uma faculdade diferente da razão,


tendo uma autonomia própria em relação à razão, embora seja a ela ligada.
Consequentemente, o homem não pode ser "autárquico" em sua vida moral: ele
necessita da ajuda divina: a graça.

11. A cidade terrena e a cidade divina


A concepção agostiniana da história explica-se com a relação entre duas Cidades, que
derivam de dois "amores" contrapostos: o amor de si (cupiditas), que é princípio do mal,
e o amor de Deus (charitas), que é princípio do bem.

0 conjunto dos homens que amam a Deus forma a Cidade celeste e, ao contrário, o
conjunto dos homens que amam a si mesmos ou ao mundo forma a Cidade terrena.

Tanto o cidadão da Cidade celeste como o da Cidade terrena ocupam a terra, mas o
primeiro a ocupa como peregrino, enquanto o segundo como um dominador. A história
tem um andamento linear: tem uma meta final (o juízo universal), em que o cidadão
terreno destina-se a danação, enquanto o cidadão celeste a salvação.

12. O ordo amoris (o amoro novo critério)

Nas vicissitudes do homem e do mundo, a categoria predominante e absoluta não é mais


a do saber, como queriam os gregos, mas a do amor: a ordo amoris é o principal critério
de referência; a consistência ontológica e moral do homem depende do grau e do peso de seu
amor. Portanto o homem é aquele que ama, aquele que ama aquilo deve amar.
Nessa perspectiva, pode-se compreender muito bem a exortação conclusiva de Agostinho: ama,
et fac quod vis ("ame, e faça o que quiser")

Considerações finais sobre a patrística


A filosofia não é contrária nem inimiga da à fé ou à religião. Pelo contrário, bem
compreendida ela conduz e serve de fundamento para uma correcta compreensão,
justificação e prática da fé. Um apelo para os dias de hoje em que vemos pessoas
radicalistas e fundamentalistas capazes de actos bárbaros e desumanos em nome da sua
fé seja ela religiosa, política, ético-cultural e até mesmo científica. Esta é a grande
mensagem que nos deixaram, Clemente, Orígenes, S. Agostinho e outros Padres da
Igreja.

Questões

1. A relação entre a fé e a filosofia foi objecto de debate entre os Padres gregos e


latinos. Apresente as posições de Clemente e Tertuliano neste debate.
2. Explica como é que Orígenes concebe Deus?

3. Fale de Deus em Orígenes e em S. Agostinho, apresentando as suas


convergências e divergências.

Sobre Santo Agostinho

Santo Agostinho foi o Padre da Igreja que mais se destacou na história. Responda as
questões que se seguem sobre o bispo de Hipona.

a) A religiao maniqueista ou Maniqueismo influenciou fortemente Agostinho.


Mencione dois principais erros desta religiao em relacao `ao verdadeiro
cristianismo que Agostinho procurava? (pag. 82-84)
b) De que forma explica Agostinho a relacao entre a fe e a razao?
c) Ao conceito grego de pessoa, Agostinho acrescenta um novo elemento: qual é
esse?
d) O que é a Verdade e como é que o homem chega a ela?
e) Relacione a sua doutrina da criação à das Ideias.
f) O que é o tempo?
g) Se tudo provem de Deus, que é Bem, de onde vem o mal?
h) Agostinho termina exortando: ama, et fac quod vis ("ame, e faça o que quiser").
Será que em nome desta exortação podemos roubar, insultar e matar os outros, porque
amamos? Justifica a tua resposta.

Patrística pós-agostiniana e período de declínio da Patrística


Desenvolvimemto do Pensamento da Idade Média: A escolástica.

0 pensamento protocristão da Patrística que se desenvolve paralelamente ao pensamento tardo-


pagão antigo pode ser considerado concluido corn Agostinho no sec. V, no que se refere ao
Ocidente latino. No Oriente grego, ao contrario, conclui-se com Máximo o Confessor no sec.
VII, começando-se então a era da Escolástica que representa toda a Idade Média.

Este período pensamento medieval - a Escolástica – pode-se articular, para fins didácticos, da
seguinte forma:

1) o período que se estende do sec. V ao IX (formação dos reinos românico-


bárbaros e consolidação do Sagrado Imperio Romano), conhecido pelo nome de
"obscurantismo" medieval devido ao estado de depressão em que se encontra a pesquisa
cultural; tem apenas duas figuras eminentes: Boécio e Escoto Eriúgena;

2) A segunda fase da ldade Média, que ocupa os sécs. X e XI (lutas pelas investiduras e pelas
cruzadas) e se caracteriza pelas reformas monásticas. Entre as figuras de destaque deste
período estão: Anselmo de Aosta, Abelardo e os expoentes das Escolas de Chartres e de São
Vitor;

3) A terceira fase (sec. XIII), que coincide com a era de ouro da Escolastica,
com Santo Tomás, São Boaventura e Duns Escoto;

4) A quarta e última fase, que marca a crise da lgreja e do lmpério e também


da relaçãio entre fé e razão: é o tempo de Ockham.

Hoje abordaremos a 1ª fase, a fase do obscurantismo medieval, começando por fazer um


breve aceno à 3ª fase, para falar das Universidades.

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