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Direito do

Terceiro Setor
Unidade I
Terceiro Setor: Conceito e Origem  
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
MARINA EUGÊNIA COSTA FERREIRA
AUTORIA
Marina Eugênia Costa Ferreira
Olá! Meu nome é Marina Eugênia Costa Ferreira, sou formada e
mestre em Direito, com uma vasta experiência profissional na área de
Direito Administrativo. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir
minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões.
Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de
autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase
de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

INTRODUÇÃO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
História do Terceiro Setor .......................................................................10

O Terceiro Setor no Brasil...........................................................................................................10

O Terceiro Setor no mundo....................................................................................................... 15

Surgimento do Terceiro Setor no Brasil..............................................21

Reflexões quanto ao nascimento do Terceiro Setor no Brasil......................... 21

Contexto histórico, político e cultural................................................................................24

Conceito e contextualização do Terceiro Setor ............................ 30

Definições para o conceito de Terceiro Setor............................................................ 30

Tecnicidades terminológicas.................................................................................................. 36

Os atores do Terceiro Setor e suas funções ....................................43

As funções do Terceiro Setor..................................................................................................43

Os atores do Terceiro Setor..................................................................................................... 48


Direito do Terceiro Setor 7

01
UNIDADE
8 Direito do Terceiro Setor

INTRODUÇÃO
Você sabia que a área do Terceiro Setor é uma das mais demandadas
no mundo atual e será responsável pela geração de diversos empregos
nos próximos anos? Isso mesmo! O Terceiro Setor faz parte da cadeia
produtiva da humanidade no mundo globalizado e o seu crescimento
exponencial nas últimas décadas vem atraindo cada vez mais profissionais.
Seu papel principal é a evolução social, que ocorre através da redução
de desigualdades sociais, bem como proteção da dignidade da pessoa
humana.

O Terceiro Setor no Brasil teve início no século XVI a partir da


fundação da Santa Casa de Misericórdia em Santos. As principais
instituições que atuavam em causas sociais, à época, eram vinculadas
à Igreja Católica. Assim, muitas organizações recebiam a denominação
de “Santa Casa”. A modernização trouxe novas necessidades sociais, o
que acarretou na criação de outras associações desvinculadas do caráter
religioso anteriormente existente. Ultimamente, o trabalho em conjunto é
a marca caraterística desse setor que se desenvolve consideravelmente
nas últimas décadas.

Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste


universo!
Direito do Terceiro Setor 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vinda (o). Nosso propósito é auxiliar você no
desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término
desta etapa de estudos:

1. Compreender o surgimento e a história do Terceiro Setor no con-


texto das organizações nacionais e estrangeiras;

2. Refletir sobre o surgimento do Terceiro Setor no Brasil, compreen-


dendo as justificativas diante do contexto histórico, político e cultural;

3. Definir o conceito e a terminologia técnica do Terceiro Setor;

4. Identificar as funções e os atores do Terceiro Setor.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Ao trabalho!
10 Direito do Terceiro Setor

História do Terceiro Setor

INTRODUÇÃO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender


como surgiu o Terceiro Setor no Brasil e no mundo. Isso
será fundamental para o exercício de sua profissão. As
pessoas que atuam ou pretendem trabalhar nessa área, ao
adquirirem essas instruções, tiveram melhores resultados
ao exercer suas competências. E então? Motivado para
desenvolver essa competência? Vamos lá!

O Terceiro Setor no Brasil


As primeiras instituições ligadas à filantropia no Brasil foram advindas
da conexão existente com a Igreja. Em razão do colonialismo existente
em solo pátrio, inexistia abertura para o crescimento de organizações
livremente instituídas por voluntários.

Pilares-base em qualquer sociedade, a saúde e educação surgiram


no Brasil em razão da Igreja e não do Estado. Os primeiros hospitais,
manicômios e asilos criados partiram de uma instituição conhecida até os
dias atuais, a Santa Casa de Misericórdia, criada em 1543 (OLIVEIRA, 2005).

No século XVII, o Estado criou duas escolas no Brasil, uma na Bahia


e outra no Rio de Janeiro. Porém, essa incipiente preocupação com a
pauta educacional era ínfima demais para suportar toda necessidade de
um país com dimensões continentais (PAIVA, 1973).

Durante esse período, era muito comum a criação de instituições


assistencialistas por parte da elite dominante juntamente com a Igreja.
Dessa forma, as entidades sentiam pressões para retribuir com o
cumprimento de obrigações, sob o risco de perder a ajuda.

De certa forma, ao analisar esse momento da história e surgimento


do Terceiro Setor no Brasil, existe um sentimento de reprovação diante
desses primeiros passos tomados pelas organizações. A prática de
Direito do Terceiro Setor 11

oferecer ajuda esperando algum tipo de vantagem é condenável, mas


observar que algo era feito pelos necessitados é uma perspectiva
importante de perceber. Ademais, nem toda pessoa que detinha o poder
utilizava-o de modo desvirtuado (OLIVEIRA, 2005).

Até a separação entre Igreja e Estado, que somente ocorreu com a


Constituição de 1891, as associações que se dedicavam a causas sociais
estavam intimamente ligadas à Igreja Católica. Essa mescla entre religião
e política era indissociável naquele momento.

Após a Proclamação da República foram proibidas as subvenções


por parte do governo às instituições religiosas, o que gerou uma
grande redução do número de entidades que conseguiram perpetuar
seus trabalhos sem o apoio oficial estatal. Isso acarretou numa grande
diminuição no número de organizações que conseguiam se manter e dar
continuidade aos trabalhos sociais (PAIVA, 1973).

É nesse contexto histórico que não só organizações religiosas


passam a existir, mas também instituições independentes de perfis
teológicos passaram a crescer. Isso viabilizou também o surgimento de
novas formas de ação social por parte da sociedade através da maior
autonomia que passou a existir.

É a partir do governo de Getúlio Vargas que o Estado retorna sua


atenção às reivindicações sociais com a criação do sistema público de
ensino. Esse novo posicionamento do Estado passa a acrescentar a
filantropia no país, visto que a Legislação passa a interferir diretamente
nas formas de ajudar através da criação de políticas públicas (OLIVEIRA,
2005).

O processo de redemocratização no Brasil teve relevante atuação


da sociedade civil organizada, em razão da sua oposição ao regime militar,
visto que esses novos papéis sociais emergiram por meio da cidadania
participativa. Essa realidade conduziu a um novo modo de compreender
as relações de poder da sociedade contemporânea.

Ademais, é possível confirmar que o nascimento da sociedade civil


organizada na década de 70, marcada pela oposição ao Estado autoritário
12 Direito do Terceiro Setor

e visando contribuir com a redemocratização dos processos decisórios,


foi muito além do contexto social:

[...] movimentos sociais não populares, advindos de outras


camadas sociais, tais como o das mulheres, dos ambientalistas,
pela paz, dos homossexuais, etc., também já tinham iniciado
uma trilha de lutas independente do mundo do trabalho e se
firmado como agentes de construção de identidades e força
social organizada. (GOHN, 2005, p. 73)

A implantação do regime militar no Brasil acabou influenciando a


consolidação crescente do Terceiro Setor. Nesse período, a insatisfação
alarmante da população com a política interna do país fez com que os
movimentos sociais ganhassem robustez.

Inicialmente, o caráter assistencialista do Estado era mais presente,


mas com o fim da ditadura militar e a retomada da democracia, o governo
brasileiro passou a tomar medidas neoliberais, na medida em que diminuiu
a intervenção do Estado nos aspectos sociais (PAIVA, 1973).

Assim, o Terceiro Setor assume um papel importante, pois como o


governo reduziu investimentos nos segmentos sociais, as entidades sem
fins lucrativos passaram a assumir a maior parte das demandas sociais do
país.

A Constituição Federal de 1988 é que consolida como estratégia


base a ampliação da participação da sociedade na esfera pública,
reconhecendo ser dever do Estado, mas também da sociedade o
enfrentamento de causas sociais.
Figura 1 - Organograma de organização do Terceiro Setor a partir de 1988

ESTADO SOCIEDADE

TERCEIRO SETOR

Fonte: Elaborado pela autora.


Direito do Terceiro Setor 13

É a partir desse momento que o Terceiro Setor começa a tomar


forma. Mecanismos são criados para que o Estado tenha o papel de
fomentar, mas não necessariamente executar todas as políticas públicas.
Ocorre, então, a redefinição de papéis.

A Constituição brasileira hoje vigente favorece a criação de


organizações sem fins lucrativos, seja através da forma associativa ou
fundacional, independentemente de autorização. A entidade tem como
única obrigação a inscrição de seus atos constitutivos em cartório civil,
conforme dispõem os arts. 53 a 69 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).

No Brasil, foi promulgada a denominada Lei do Terceiro Setor


no final da década de 1990, a qual instituiu a qualificação denominada
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as OSCIPs (BRASIL,
1999), cuja certificação fornecia às organizações da sociedade civil acesso
a novos recursos através de um Termo de Parceria. Esse documento
firmava entre entidades e o Poder Público obrigações de transparência
administrativa.

Atualmente, o cenário político, econômico e social enfrentado pelo


país decorrente dos efeitos catastróficos da pandemia da Covid-19, tem
influenciado na contínua desaceleração da economia, acarretando o
desemprego, entre outros problemas sociais.

Esse cenário temerário influencia não apenas o Brasil, mas também


as maiores economias do mundo, como os Estados Unidos e a China.
É nesse contexto que organizações sem fins lucrativos têm tido a
oportunidade de crescer e demonstrar sua relevância social diante das
diversas demandas sociais enfrentadas por todos nos dias atuais.

O engajamento da sociedade, bem como o estímulo a doações


têm crescido diante do consenso quanto ao cenário difícil enfrentado
por milhares de pessoas. O envolvimento do cidadão em causas sociais
tem aumentado desde o início do distanciamento social como modo de
amenizar a sensação de solidão.

Além disso, a perspectiva ainda é de crescimento para o Terceiro


Setor, que muitas vezes ainda é esquecido. Assim, de certa forma a
pandemia acarretou um aumento na conexão das pessoas mesmo que
14 Direito do Terceiro Setor

por meio do uso das tecnologias, encurtando distâncias e desenvolvendo


empatia pelas causas sociais.

Portanto, mesmo diante de um momento tão repleto de incertezas,


as atividades sociais ganham mais espaço e crescem nos meios digitais.
Através das diversas plataformas existentes para aproximar pessoas,
é possível ajudar a engajar em diversos programas, ações e atividades
desenvolvidas por organizações não governamentais ao redor do mundo.
Logo, o estímulo para atuação social pode e deve ser praticado por todo
cidadão que busca melhorar o cenário do seu país, cidade ou região, seja
onde for.

Alterações marcantes no Terceiro Setor ocorrem muitas vezes


devido a uma maior exigência estatal em práticas de gestão. Há em razão
disso diferenças entre a natureza pública e corporativa das organizações
sem fins lucrativos. Essa realidade aconteceu em todo o mundo através
do processo de globalização, que impulsionou a consolidação de tais
práticas nas entidades.

É necessário ressaltar que o crescimento econômico brasileiro e as


crises sociais geraram o redirecionamento de recursos e um aumento no
rigor da escolha de projetos a serem financiados por parte das entidades
internacionais. Isso porque a expectativa de uma maior profissionalização
e prestação de contas tornou-se natural, em parte devido aos vários
casos de corrupção e desvios de verba em instituições, organizações e
fundações supostamente integrantes do Terceiro Setor.

Assim, entidades que atuam nesse setor começaram a desenvolver


seus próprios grupos representativos, justamente em razão da realidade
alastrada nessas organizações, gerando uma expectativa clara pela
transparência.

Atualmente, o crescimento de entidades sem fins lucrativos está


intimamente conexo à responsabilidade social. Diversas empresas
passaram a ter interesse em parcerias através da intensificação de
doação de recursos e a realização de ações com as ONGs, além da
criação de seus próprios setores de voluntariado, que iniciaram projetos
a fim de desenvolver seus programas internos. Assim, a nova forma como
Direito do Terceiro Setor 15

empresas atuam na economia sofreu alterações na perspectiva de visão


de mercado no Terceiro Setor, reforçando ainda mais a tendência da
profissionalização desse setor.

O Terceiro Setor no mundo


Desde o momento que a escrita foi desenvolvida, nota-se a presença
de ações sociais através da ajuda voluntária de um ser humano para com
o seu semelhante. É inerente ao homem agrupar-se em sociedade e
como característica base desse tipo de organização está a mescla entre
a vocação e a necessidade de ajudar mutuamente o outro. Essa realidade
teve seus reflexos modificados à medida que as sociedades evoluíram em
seus relacionamentos interpessoais.

Inicialmente, a ajuda aos necessitados era papel da família, tribo


ou clã, a depender da organização de cada civilização. Tratava-se de um
suporte mútuo que prestavam uns aos outros. Os vínculos existentes
nesses grupos formavam a essência da motivação para a ajuda mútua.
A identidade de algum modo agregava e desenvolvia o senso de
comunidade, que fazia crescer o dever de proteção um pelo outro
(OLIVEIRA, 2005).

Na Grécia antiga, a ajuda aos doentes, inválidos, viúvas e órfãos


era uma prática estabelecida pelo próprio Estado através de pensões
ou distribuição de mantimentos. As verbas para esses auxílios eram
constituídas através do pagamento de ingressos aos estádios, assembleias,
teatro, entre outras atrações públicas oferecidas nas cidades.

Em Roma, um sistema alimentício para ajudar os necessitados foi


instituído pelo imperador no final do século I. O maior interesse à época
era a nutrição infantil e garantir alimentação básica para as camadas mais
pobres da população. Instituições beneficentes romanas foram criadas
juntamente com posições para os responsáveis pelo trabalho social
necessário à persecução do bem comum.

Carlos Magno, imperador romano, dedicava uma parte do seu


tempo para legislar sobre caridade e proteção para o povo. Ele criou um
sistema em que parte do que era auferido pela Igreja seria destinada
16 Direito do Terceiro Setor

aos pobres, mais precisamente um décimo das esmolas auferidas. Esse


sistema recebeu o nome mais tarde de plano de beneficência eclesiástica
civil (OLIVEIRA, 2005).
Figura 2 - Carlos Magno, imperador romano

Fonte: WikiCommons

No ocidente, com o surgimento de diversas religiões, como o


judaísmo, cristianismo e islamismo, as pessoas passaram a dedicar mais
do seu tempo para causas sociais. Os seres humanos passaram a ter uma
maior influência por impulsos humanitários e nesse momento surgem
normas morais e religiosas.

O mérito da esmola sob o aspecto religioso influenciou muitos


seguidores da Igreja Católica no auxílio aos mais necessitados. Claramente,
não foi a solução de todos os problemas sociais, mas aliviou o sofrimento
e a fome de muitos.

Ao longo da idade média a ajuda pública, a ajuda mútua e esmola


foram as três principais formas de assistência aos necessitados. A ajuda
pública era fornecida principalmente através de ordens religiosas e
hospitais, muitas vezes vinculados aos mosteiros que começaram a surgir.
Esse termo refere-se também à obrigação do senhor feudal em proteger
Direito do Terceiro Setor 17

os seus vassalos, servos e súditos de modo a atender suas necessidades


(OLIVEIRA, 2005).

A ajuda mútua era uma prática comum realizada por corporações


pelos membros que a constituíam. As associações profissionais, por
exemplo, organizaram formas de assistência social aos seus pares, de
modo que os membros dessa organização, independentemente de qual
fosse a sua categoria interna, eram protegidos pela entidade.

A esmola, por sua vez, era uma forma de auxílio aos necessitados,
a qual tinha como característica principal seu caráter individual. Muitos
fiéis realizam essa prática com a específica finalidade de salvação, como
uma espécie de dever religioso. Essa maneira de doar recursos podia
ocorrer de modo direto ao necessitado ou à sua família, mas também
muitas vezes eram dados os recursos às instituições que prestavam esses
serviços ao público desfavorecido (PAIVA, 1973).

A ação social é tão antiga quanto a história da humanidade, pois


desde que os seres humanos passaram a se organizar em grupos, tiveram
membros mais enfraquecidos, que dependiam dos demais. Por isso, à
medida que as sociedades cresceram e tornaram-se mais complexas, o
ato de ajudar requereu avanços.

O mercantilismo e seu desenvolvimento ao longo dos séculos


tornaram possível a criação do capitalismo, que viveu revoluções
burguesas, culminando no surgimento do proletariado e movimentos
sindicais. Essa realidade de transformação social fez surgir as primeiras
legislações de cunho social ao redor do mundo para atender a pobreza.

Assim, em meados do século XIX, iniciou na Europa um forte


movimento liberal com a finalidade de reivindicar condições humanas
dignas de trabalho. As precárias realidades de higiene, habitação e
instrução atingiam a classe operária em alguns países ocidentais em rápida
industrialização. Em razão dessa situação, associações foram criadas para
tentar reduzir desigualdades sociais e defender os direitos fundamentais
do homem. Ademais, buscavam também atender necessidades imediatas
da população mais carente que sofria com as calamidades, epidemias e
guerras que se alastravam vastamente à época (OLIVEIRA, 2005).
18 Direito do Terceiro Setor

Essas entidades desde o seu princípio buscavam marcar fortemente


sua independência com relação ao Estado. Portanto, encontravam em
países como a Alemanha, França e Inglaterra, forte abertura para seu
crescimento e difusão. Contribuíram imensamente para amenizar mazelas
e promover vitalidade para as classes trabalhadoras.

Na Inglaterra, a Lei de Pobres, em 1601, trouxe avanços, que foram


efetivamente concretizados no âmbito social em 1834 quando ocorreu
sua reforma e permite evoluções nas organizações de beneficência. A
legislação fabril inglesa no século XIX também teve importante papel na
função assistencial necessária naquele período (OLIVEIRA, 2005).

Na Alemanha, houve a criação dos primeiros seguros sociais e na


França foram propostas mudanças sociais, movimentos que tiveram papel
de realce na implementação do aumento de ações sociais promovidas
pelo Estado.

Louis Blanc era um francês socialista que atuou fortemente na


defesa do direito ao trabalho e igualdade de salários, a fim de encampar as
indústrias pelo Estado, a fim de que todos tivessem meios para prosperar.

Na Alemanha do século XIX, desenvolveu-se um programa de ajuda


aos necessitados assumidos pelo governo que tinha como característica
principal a ajuda através de impostos e doações. Tratava-se da elaboração
de um estudo permanente da situação dos pobres mediante técnicas de
observação participante com o envolvimento de voluntários que moravam
em bairros pobres, informando a respeito das condições da vida local, a
fim de zelar pelos necessitados.

O assistencialismo privado nasceu em países europeus e estendeu-


se no período de ocupação colonial, sendo precursora do aparecimento
da Cruz Vermelha. Trata-se de um movimento internacional laico, mas
que possui inspiração cristã com sede em Genebra.
Direito do Terceiro Setor 19

Figura 3 - Símbolo da Cruz Vermelha

Fonte: Creative Commons

Outra entidade com raízes semelhantes à mencionada é o Exército


da Salvação, criado em 1864, cuja ação continua forte até os dias atuais.
Apesar da influência cristã e sua origem britânica, essa organização
espalhou-se por muitos países ao redor do mundo.
Figura 4 - Símbolo do Exército da Salvação

Fonte: Creative Commons

Atualmente, as entidades que visam prestar assistência social no


mundo são inúmeras. Muitas atuam remotamente e viabilizam através da
tecnologia um suporte antes inimaginável.

A Covid-19 trouxe o crescimento de mazelas e pobrezas em áreas


mais carentes. Assim, é possível assistir durante essa pandemia a conexão
entre a humanidade, a fim de amenizar o sofrimento daqueles que
vivenciam maiores dificuldades.
20 Direito do Terceiro Setor

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu


mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de
que você realmente entendeu o tema de estudo deste
capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter
aprendido que o Terceiro Setor surgiu no Brasil através da
forte presença da Igreja Católica, enquanto que em outras
civilizações essa prática é muito mais antiga, já que surge
desde quando as pessoas passaram a se organizar em
grupos. Com o passar dos anos a cisão entre Estado e Igreja
gerou um fortalecimento desse setor à medida que a figura
de voluntários desvinculados da religião passou a existir.
Essa realidade ocorreu somente no século XIX, quando
a sociedade tomou posição de atuante nas áreas sociais.
Muitos países recebiam influências europeias a respeito da
emancipação dos direitos de segunda geração. Isso instruía
e fortalecia a população no senso de comunidade, que
passava a tomar ciência do peso que associações tinham
na prática. A atuação entre Estado e sociedade cresceu e
hoje vem sendo transformada, já que a maior participação
do Terceiro Setor ocorre entre empresas privadas e a
sociedade. Essa percepção da importância de contribuir
para sociedade cresce entre o âmbito privado e demonstra
a preocupação com um mundo melhor e mais justo para as
novas gerações que estão por vir. A Covid-19 trouxe enormes
desafios que vêm sendo enfrentados diariamente por todos
ao redor do mundo. As camadas mais desfavorecidas
sofrem ainda mais. O Terceiro Setor, portanto, encontra um
grande potencial de desenvolvimento à medida que todos
tentam unir-se para superar essa realidade tão difícil que o
planeta enfrenta nesse momento delicado.
Direito do Terceiro Setor 21

Surgimento do Terceiro Setor no Brasil


INTRODUÇÃO:

Ao final deste capítulo, você terá meios para construir sólidas


conclusões sobre como o surgimento do Terceiro Setor
no Brasil sofreu influências da realidade histórica, política
e cultural vivenciada pelo país à época. Essa reflexão será
fundamental para consolidar seus conhecimentos iniciais
sobre a temática. O público atuante nessa área, ao absorver
esse conteúdo, terá melhores resultados para exercer suas
competências. Motivado para desenvolver esse tema?
Então, vamos lá.

Reflexões quanto ao nascimento do


Terceiro Setor no Brasil
A primeira entidade sem fins lucrativos brasileira foi a Santa Casa
de Misericórdia de Santos, criada em 1543 com o apoio da Igreja Católica.
Nesse período, as instituições de beneficência estavam vinculadas à
religiosidade inerente ao Estado.

No século XIX, com a Proclamação da República, a cisão entre


Igreja e Estado dificultou as entidades sem fins lucrativos darem
continuidade a sua persecução social. Grande parte do auxílio financeiro
vinha do âmbito público.

Assim, a autonomia das associações cresceu e desenvolveu


a independência social para com os vínculos antes arraigados. Esse
momento foi essencial para permitir a percepção de novas formas de
organização do Terceiro Setor.

Com o passar dos anos, inclusive, tornou-se clara a importância


da disposição de parte da destinação de verba pública para entidades
sem fins lucrativos. Esse aporte fornecido pela Administração Pública é
também seu dever.
22 Direito do Terceiro Setor

As primeiras ONGs, como hoje conhecemos, datam da década


de 50, vinculadas geralmente ao desenvolvimento da educação de
base e, como já foi vastamente demonstrado, ainda hoje muitas estão
organizadas junto à Igreja. Ocorre que o seu crescimento ganhou força
nas últimas décadas.

Nesse período da história político-administrativa brasileira, entre


a ditadura populista de Getúlio Vargas e a ditadura militar, a população
inicia formas de organização associativa. De certa forma, relativamente
autônomos e inevitavelmente políticos, de modo que foram criadas várias
associações civis e sindicatos. Eles eram atrelados ao Estado e passaram
a representar mudanças significativas na sociedade.

Nascem, a partir de então, capitaneadas pelas classes


intelectualizadas e militantes, as organizações com foco na análise de
textos. Essa tendência espalha-se pela América Latina, indo ao encontro
do regime de força alastrado em vários países como Chile e Argentina.

Na sociedade civil, essas instituições ocupam espaços de atuação


local há muitos séculos, principalmente por meio de projetos de curto
alcance ou pouca visibilidade e com presença marcante da Igreja.

As ONGs existem no Brasil há muito tempo. A novidade é o nome


organizações não governamentais criadas pelo Banco Mundial e pelas
Nações Unidas. Antes, esses tipos de organizações eram conhecidos
como centros de pesquisa, associações promotoras de educação popular,
entidades de assessoria a movimentos sociais.

Nos anos 60 e 70, após essa fase anterior, as organizações não


governamentais tiveram um extenso fortalecimento sob o contexto da
ditadura militar. Os objetivos essenciais dessa fase passaram a ser a
defesa dos direitos humanos e políticos, a fim de proteger a democracia
conquistada ao longo do tempo (BRASIL, 2020).

Esse período foi de extrema importância histórica no Brasil, haja vista


ter coincidido com esse papel reivindicatório. A redemocratização do país
foi marcada por esse desenvolvimento no papel de muitas instituições
que combatiam a restrição de liberdades cerceadas intensamente
naquele momento.
Direito do Terceiro Setor 23

A formação do Terceiro Setor como modelo atual, marcado pela


participação ativa da sociedade civil em parceria com a Administração
Pública, é resultado do século XX. Essa realidade acontece em razão das
mudanças na forma como se organiza as atividades estatais atualmente.

As proposições estatais demonstram a complexidade existente


na humanidade, no fim do século XX, perante controversas alterações
sistemáticas, em uma velocidade maior do que a sociedade estava
preparada para enfrentar.

É nova também a forma que o segmento vem assumindo a partir


da década de 80, visto que alcança uma maior visibilidade e toma corpo,
incorporando instituições e formas organizacionais diferentes. Somente
a partir da ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, a mídia brasileira, em
geral, veio reconhecer as ONGs, especialmente diante da repercussão
internacional do evento e da capacidade de mobilização dessas
organizações.

Essa democracia participativa crescente nesse momento denunciou


modelos vigentes e apresentou propostas alternativas concretas para o
desenvolvimento social. Alguns desses projetos careciam inicialmente
de estudos de viabilidade econômico-financeira detalhados e outros se
apresentavam carregados de ideais humanitários que se confundiam com
valores políticos, muitas vezes contrários aos interesses governamentais
e de grandes corporações. No entanto, ainda assim esse período marcou
a mídia profundamente a ponto de registrar as atuações de grupos
brasileiros que buscavam conhecer alternativas.

Em meio à globalização e crise enfrentada mundialmente diante da


Covid-19, desenvolve-se um cenário difícil em que o Terceiro Setor recebe
posição de atenção. Através da crise de identidade do Estado brasileiro e a
reconstrução da sociedade civil pela recolocação de protagonistas ainda
pouco expostos e pertencentes a um segmento difuso da sociedade
brasileira, tem-se o resultado atual (LOPEZ, 2018).

A análise dos momentos históricos de intervenção estatal


demonstra que a intervenção mínima e máxima do Estado não supria
as necessidades sociais. É a partir do Estado democrático de direito e a
24 Direito do Terceiro Setor

construção da constituição como base sólida do ordenamento jurídico,


que os países passam a garantir mais direitos às populações.

O Terceiro Setor conquistou grande crescimento no Brasil nas


últimas décadas. Segundo um estudo realizado pelo  Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o  país fechou o ano de 2017
com aproximadamente 820 mil organizações da sociedade civil (LOPEZ,
2018).

A importância e a atualidade dessa temática estão corroboradas


ao observar a atuação do governo federal, que reconhece a importância
do Terceiro Setor ao promover relevantes convênios e parcerias com
organizações sociais. O Estado ressalta também a importância do
reconhecimento das ações políticas e sociais realizadas pelas diversas
instituições que fazem parte dessa microesfera formada por diferentes
combinações e subconjuntos de organização.

Nessa perspectiva, as organizações sociais no Brasil assumem


temas centrais de discussões na esfera pública e atuam em atividades
de interesse coletivo, ressoando aos diferentes setores da sociedade.
Algumas áreas de atuação das entidades sem fins lucrativos são a
expansão das campanhas para enfrentamento da violência, a ampliação
da oferta de leitos no sistema público de saúde, a proposição de
metodologias de ensino alternativas em escolas, a preservação da fauna
e a flora das ameaças da intervenção humana, entre outras.

Contexto histórico, político e cultural


A compreensão do momento em que o Brasil estava em seu
desenvolvimento como país, demonstra as razões pelas quais o Terceiro
Setor obteve solo fértil para seu crescimento.

Inicialmente, a prática do assistencialismo estava frequentemente


associada aos programas estatais. Logo, o Estado detinha o controle
social. No entanto, com o decurso de tempo o governo percebeu a
inviabilidade em continuar tomando a responsabilidade de todas as áreas
de interesse de toda a população.
Direito do Terceiro Setor 25

Nessa perspectiva, ocorreu o enfraquecimento de modelos


estatais, principalmente aqueles totalitários. É a partir desse momento
que a sociedade tomou para si papéis essenciais na persecução de
prestação de serviços sociais e iniciou a criação de movimentos. Então
atingiu a maturidade que as pessoas seriam não meras receptoras, mas
que precisariam unir-se a fim de fornecer assistência aos desamparados,
já que eram responsáveis também pelas ações que os beneficiavam.

Entre os séculos XVIII e XIX, as ações sociais eram marcadas


nitidamente pelo exclusivo caráter religioso, em razão da influência da
colonização portuguesa, assim como pelo domínio da Igreja Católica. Com
a revolução da década de 30, marcada pelo início do governo Vargas,
extremamente populista, ocorreu a criação da primeira lei brasileira que
regulamentava as regras para declaração de utilidade pública.

Nesse período, surgiu também o  Conselho Nacional do Serviço


Social, autarquia federal que normatiza o profissional atuante na área da
assistência social. Essa criação foi marcada inicialmente com o surgimento
da primeira Escola de Serviço Social no Brasil em 1936, uma iniciativa
vinculada à Igreja Católica com o intuito de amenizar as questões sociais
e disciplinar da força do trabalho (IAMAMOTO, 2017).

Na década de 1930, o Serviço Social surge no Brasil intimamente


vinculado às iniciativas da Igreja Católica, parte das estratégias de
qualificação do laicato, especialmente sua parcela feminina — por meio
dos movimentos da ação social e da ação católica —, em sua missão de
apostolado junto à família operária. Registram-se, nas origens da profissão,
fortes influências do Serviço Social francês e belga.

Entre os anos de 1936 a 1945 ocorreu o nascimento das primeiras


escolas de Serviço Social e sua expansão no país, marcada pela
prevalência da influência da religião católica. O primeiro curso criado
em 1936 na Escola de Serviço Social de São Paulo, que futuramente se
incorporou à PUC/SP em 1972, foi de fundamental importância para o
desenvolvimento dessa profissão.

A Escola de Serviço Social do Instituto de Educação Familiar e Social,


no Rio de Janeiro, foi criada em seguida, em 1937, tendo sida agregada à
26 Direito do Terceiro Setor

PUC/RJ em 1946. Em 1940, foi fundado o Instituto de Serviço Social de São


Paulo e no mesmo ano surgiu a Escola de Serviço Social de Pernambuco,
a primeira do Nordeste, sendo posteriormente incorporada à UFPE em
1970. Em 1944, foi instituída a Escola de Serviço Social da Bahia, integrada
à Universidade Católica de Salvador em 1961. Nos anos que se seguiram,
diversas outras instituições foram criadas no Brasil (IAMAMOTO, 2017).

A forte presença da Igreja Católica marcou o nascimento dessas


escolas. O investimento da iniciativa estatal é pequeno na formação de
assistentes sociais ao longo desse período. Por parte do Estado, foram
registradas algumas escolas, como o Centro de Serviço Social da Escola
de Enfermagem Ana Nery, na Universidade do Brasil, atual UFRJ, e a
Escola de Serviço Social de Natal, agregada à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, em 1969 (IAMAMOTO, 2017).

A Sociedade Brasileira de Higiene foi fundada em 1923 e abriu


caminho para o Serviço Social a partir de sua visão majoritariamente
educativa no âmbito da saúde pública, visando a prevenção de doenças
de massa. Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde, outro
importante marco para o desenvolvimento do Terceiro Setor.

A assistência social cresceu bastante com a Segunda Guerra


Mundial, especialmente no período pós-guerra, que marcou uma ampla
expansão da economia capitalista. Na perspectiva da industrialização,
baseada no modelo fordista, a produção em massa para o consumo
gera a acumulação de capital, resultando em excedentes. O Estado resta
beneficiado através de impostos, o que aumenta o financiamento de
políticas públicas.

O reconhecimento do movimento sindical em sua luta por


reivindicações políticas e econômicas tinha como características a busca
pelo pleno emprego e manutenção de padrão salarial capaz de atender
o poder de compra dos trabalhadores. Essa realidade fez com que a
população passasse a conseguir rodar a economia através do aumento
gritante do consumo.

Apesar de inexistir até os dias atuais um Estado de bem-estar


social no Brasil, como implementado em outros países, aqui houve o
Direito do Terceiro Setor 27

crescimento na prestação de serviços sociais ao público. Essa realidade


gerou a possibilidade de criação de condições para o desenvolvimento
do mercado profissional de trabalho e de institucionalização da profissão
de assistente social.

No contexto da Guerra Fria, a forte influência norte-americana no


cenário mundial do pós-guerra acarretou formulações de assistência
social marcadas pelo desenvolvimento da comunidade. Nesse período,
movimentos foram impulsionados pela intensificação das lutas sociais
principalmente dentro de universidades, através dos movimentos
estudantis.

Entidades que tiveram papéis importantes no crescimento do


Terceiro Setor da América Latina foram o Centro Latino-Americano de
Trabalho Social e a Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço
Social (Celats-Alaets). Ambas incentivaram o pensamento crítico no estudo
do serviço social, especialmente quando correlacionado à realidade dos
menos favorecidos na sociedade, dando suporte para o surgimento da
pós-graduação e a pesquisa acadêmica nessa área. Assim, fortaleceram
o estudo através do combate às ditaduras militares.

As organizações não governamentais, por meio dessa denominação,


foram criadas já no final da década de 50 como organizações de natureza
político-social pensadas por iniciativa de grupos de profissionais e
técnicos militantes ou religiosos. Essas comunidades realizavam trabalhos
de formação e promoção de grupos de base em setores desfavorecidos
e marginalizados. Muitas vezes, essas entidades mantinham relações com
associações católicas de cooperação europeias, que financiavam suas
atividades.

Durante a ditadura militar brasileira, o Terceiro Setor buscou ampliar


movimentos de lutas pela democratização do país, marcando forte
presença nas lutas operárias que alavancaram o início da crise da ditadura
militar. No contexto da ascensão de movimentos das classes sociais e
defesa da elaboração e aprovação da Carta Magna de 1988, entidades
foram socialmente questionadas pela prática política de diferentes
segmentos da sociedade civil.
28 Direito do Terceiro Setor

Os assistentes sociais, à época, tomaram frente em lutas


democráticas, cuja visibilidade no cenário político condicionou mudanças
nas áreas de ensino, de pesquisa e de organização corporativa da profissão.
Essa realidade resultou em uma ampla sistematização da categoria em
suas bases sindicais, acadêmicas e profissionais.

No Brasil, a realidade histórica da ditadura militar consolidou o


mercado de trabalho na perspectiva nacional para os assistentes sociais,
gerando o crescimento do contingente de profissionais. O curso foi
efetivamente inserido como formação nos quadros universitários e sujeito
às exigências de ensino, pesquisa e extensão. Instalou-se também a
pós-graduação stricto sensu, nutrindo a produção científica, o diálogo
acadêmico com áreas afins, o mercado editorial e a renovação dos
quadros docentes. Apesar do período difícil, a pós-ditadura trouxe grande
crescimento para o Terceiro Setor.

No período da crise da ditadura houve um descompasso para o


assistencialismo porque ao mesmo tempo em que dispunha de condições
materiais para crescer a partir do avanço nas lutas pelos direitos sociais
e políticos, carecia de desenvolvimento crítico para fundamentar suas
finalidades. Logo, muitos atuantes foram capturados e movidos pelo
anseio em transformação.

Buscava-se o aperfeiçoamento para a implementação de um


conjunto de programas sociais compensatórios da repressão, do arrocho
salarial e da desmobilização política de classes e grupos profissionais
vivenciados por toda a população à época. Eram sufocadas as iniciativas
críticas que tiveram lugar nos trabalhos comunitários e na educação.
Assim, foi um momento de avanços e retrocessos mútuos.

As lutas e resistências de parte de assistentes sociais foram uma


de suas expressões através da organização sindical da categoria. Muitos
profissionais sofreram a repressão estatal e foram sujeitos ao exílio ou à
prisão arbitrária, tortura, e tiveram condenações por tribunais militares
guiados pela Lei de Segurança Nacional. Essa história atualmente vem
sendo desconstruída com a participação popular e o crescimento do
Terceiro Setor.
Direito do Terceiro Setor 29

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo,
vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido
que o Terceiro Setor no Brasil teve início da forma como hoje
conhecemos a partir da década de 50. Logo, a política e o
cenário social vivenciados pelos brasileiros influenciaram
fortemente o modo como essas organizações cresceram.
Além disso, o anseio pela liberdade de imprensa e pelos
demais direitos que foram cerceados durante os anos
da ditadura militar construíram grupos interessados em
grandes mudanças de regime. Esses sentimentos que
permeavam o solo brasileiro resultaram em um período
de redemocratização demarcado pelo grande crescimento
do Terceiro Setor. Nesse contexto, esse setor encontrou
em meio ao caos a oportunidade de expansão não apenas
sob o ponto de vista social, mas também político, de modo
que os legisladores estavam prontos para normatizar essa
construção de uma área devotada às mazelas. Apesar
desse terreno fértil para o alastramento das organizações
não governamentais, foram encontradas dificuldades
no percurso à medida que as dimensões continentais
se estreitavam. A globalização permitiu conexões que
antes não eram possíveis, o que chamou atenção de
públicos internacionais para causas difusas de interesse
da humanidade, como ocorre com as queimadas na
Amazônia. Desse modo, essa reflexão sobre a função social
que essas entidades possuem é uma parte essencial no
estudo do Terceiro Setor, pois não é suficiente fazer o bem,
mas também prezar pela transparência e excelência da
prestação do serviço tornam-se chave para instituições de
sucesso.
30 Direito do Terceiro Setor

Conceito e contextualização do Terceiro


Setor

INTRODUÇÃO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender


como surgiu o Terceiro Setor no Brasil e no mundo. Isso
será fundamental para o exercício de sua profissão. As
pessoas que atuam ou pretendem trabalhar nessa área, ao
adquirirem essas instruções, tiveram melhores resultados
ao exercer suas competências. Motivado? Então, vamos lá.
Avante!

Definições para o conceito de Terceiro Setor


Terceiro Setor, atualmente, no Brasil, é composto por fundações
privadas e associações sociais. Esse conjunto de pessoas jurídicas
de direito privado, que possuem interesse social e não têm finalidade
lucrativa, são dotadas de autonomia e administração própria, cujo objetivo
principal é a atuação voluntária junto à sociedade civil, buscando o seu
aperfeiçoamento. 

Essa atuação muitas vezes recebe outras denominações, como


Setor Solidário ou Social, tem papel essencial dentro de sociedades que
buscam a evolução social e a solidificação de valores democráticos,
pluralistas e atrelados à solidariedade humana.

Diante da relevância desse setor na vida de todo ser humano,


a Assembleia Constituinte de 1988 reconheceu ao Ministério Público o
dever de proteger a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses
sociais e individuais indisponíveis. Essa instituição permanente e essencial
à função jurisdicional do Estado busca garantir a transparência, a fim de
que a persecução dos objetivos sociais seja alcançada pelas organizações
sociais sem fins lucrativos.
Direito do Terceiro Setor 31

Apesar do uso indiscriminado do termo Terceiro Setor, pouco se


entende sobre esse conceito. As pessoas normalmente possuem vastas
definições sobre seu significado. Alguns correlacionam às organizações
não governamentais, outros vinculam com a caridade ou com atividades
religiosas. Há também quem associe o nome ao setor de serviços
na economia. Essa falta de conhecimento tem relação com a tímida
quantidade de estudos desenvolvidos no país sobre essa temática.
A pesquisa existente faz breve menção à história da terminologia e às
tradições às quais está relacionado.

Essa realidade é inquietante especialmente ao notar que existem


grupos que defendem as qualidades desse setor social, principalmente
no que diz respeito à transferência do Estado no fornecimento de serviços
públicos e na elaboração de políticas públicas. Esses passam a ser
vislumbrados e executados pela iniciativa privada.

A partir do objetivo de elucidar os possíveis significados e vieses do


Terceiro Setor, desenvolve-se essa narrativa sobre as origens do termo e
os motivos pelos quais ele é utilizado até os dias atuais, diante de tantos
outros que, em geral, denominam o mesmo fato.

Essa expressão Terceiro Setor como usamos hoje começou a ser


utilizada na década de 70 nos Estados Unidos para distinguir um setor da
sociedade no qual atuam entidades sem fins lucrativos, especialmente
direcionadas para a geração e a distribuição de bens e serviços públicos
para a sociedade.

No ano de 1972, a mídia norte-americanos instigou críticas ao


governo da época para incentivar a alteração comportamental no
que se refere às políticas públicas. Buscava-se exaltar as instituições
privadas sem fins lucrativos em detrimento do foco ser o setor lucrativo
de serviços sociais, pois o fomento e incentivo foram essenciais para o
desenvolvimento e estabelecimento desse setor (ALVES, 2002).

Obras internacionais influenciaram a consolidação da expressão


Terceiro Setor. Esse termo sofreu uma queda na década de 80, pois foi um
momento em que se discutia as formas de sistematização e as possíveis
32 Direito do Terceiro Setor

áreas de atuação através de atividades que não eram governamentais


nem mercantis.

No lugar do uso do termo Terceiro Setor, a literatura norte-americana


passou a gradualmente substituí-la pelo termo “nonprofit sector”, que em
português a tradução seria “setor não lucrativo”. Cabe avaliar a realidade,
uma vez que por mais que fosse possível naquele momento acreditar
no enfraquecimento e até desaparecimento do termo Terceiro Setor, as
bases de uma sociedade compartimentada em três setores já estavam
consolidadas (SMITH, 1991).

Porém a referência como “não lucrativo” tampouco demonstrou-


se unânime entre as pessoas que a utilizavam, havendo divergências
desde o princípio quanto ao seu uso. Uma crítica recorrente recebida pelo
uso dessa expressão decorre de ter sido criado a partir da comparação
negativa entre as ações na esfera do mercado e as ações sociais.

Essa negação deriva do termo expressando mais fortemente o que


o setor não lucrativo não é do que sobre o que ele é. Essa concepção
também pressupõe erroneamente, de forma completamente injustificada,
que toda atividade sem fins lucrativos é, de certa forma, uma maneira
desvirtuada de empreendimento comercial (LOHMANN, 1989).

Uma importante ponderação com relação à nomenclatura, é que


em diferentes realidades existem muitos termos limitantes no que se
refere à acepção complexa designada para o Terceiro Setor. É possível
encontrar textos que se referem a “setor voluntário”, “setor da caridade”,
“filantropia”, “organizações não governamentais”, “economia social”, “setor
independente”, entre outros.

Esse emaranhado de formas para referir-se a uma mesma realidade


gera grandes desafios para a área da pesquisa acadêmica, especialmente
quando a finalidade é estabelecer relações de semelhança entre os
setores, mesmo que em enquadramentos diversos a depender do país.
As características utilizadas nesses exemplos expostos como forma
de denominação ressaltam apenas uma faceta das diversas formas de
práticas exercidas pelo Terceiro Setor. Logo, essas possibilidades de
nomenclaturas não seriam as mais completas e deixam de lado outros
Direito do Terceiro Setor 33

aspectos relevantes que poderiam auxiliar na compreensão da dinâmica


do setor.

A distinção desses termos é relevante em razão das suas diferentes


conotações e seus diversos usos. Chamar de Setor Voluntário parte-se
da perspectiva de construção do trabalho através dos cidadãos que por
iniciativa própria dispõem de seu tempo a fim de dedicar-se a causas
sociais. Nesses casos, o significado desse termo, na maioria das vezes,
repercute no fato de caber aos voluntários a própria administração das
ações realizadas, voltando a atenção para esse grupo participante, que
faz acontecer e são muito ativos no cotidiano das organizações do setor
(ALVES, 2002).

No Reino Unido, o Setor Voluntário é a denominação mais utilizada,


bem como em demais nações participantes do Commonwealth. Essa
forma de denominação é bastante criticada visto que nesses países,
muitas das organizações ao qual o termo tem sido aplicado são, na
prática, administradas por profissionais contratados.

O chamado Setor de Caridade é uma denominação mais tradicional


para o setor não lucrativo, utilizada especialmente nos Estados Unidos
e no Reino Unido. Nesses países, inclusive, o termo “charity” é dado às
organizações tais como uma declaração de utilidade pública. Essa forma
de uso destaca os repasses de doações privadas que os projetos do setor
percebem (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Essa definição é vastamente criticada por duas razões. A primeira


decorre da conotação negativa do termo caridade, implicando uma
maneira pejorativa. De toda forma é importante notar que o que é
angariado através de atos de caridade muitas vezes são apenas parte da
receita das organizações existentes.

Muitos autores norte-americanos usam a denominação Filantropia


ou Setor Filantrópico para identificar o setor. Ocorre que a acepção dessa
palavra pode vir a significar uma boa intenção através de uma ação, um
serviço ou uma doação de caráter voluntário, cujo único objetivo é a
geração de um bem público. Nesse caso, a base é a intenção de quem
34 Direito do Terceiro Setor

doa, a fim de servir a um propósito maior para a humanidade por meio de


uma contribuição particular de tempo, energia ou dinheiro.

A filantropia pode ser um agrupamento de comportamentos,


nos mais diversos contextos, que têm por finalidade propiciar serviços
comunitários. Ainda é possível compreender a filantropia como uma
esfera de atividade institucional, na qual a fomentação do bem comum é
transmitida pela sociedade à organização não governamental receptora
(SALAMON; ANHEIER, 1992).

Ao encarar as possíveis interpretações dadas aos termos setor não


lucrativo e filantropia são usados na academia, é possível concluir que
dentre as três definições apresentadas apenas a primeira assemelha-se
explicitamente ao que se entende por setor não lucrativo, já que esse
entendimento realça a ação individual. Ocorre que essa tênue área de
intersecção entre os respectivos campos semânticos não demonstra ser
suficiente para torná-los sinônimos.

Crítica semelhante e do mesmo modo relevante na utilização do


termo filantropia é designar todo o setor não lucrativo. Não se deve usar
como se fossem equivalentes e intercambiáveis os termos filantropia e
setor não lucrativo, já que esse modo de ação está abarcado pelo setor
sem fins lucrativos (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Se uma das definições de atividade filantrópica parte da intenção de


quem doa ou de quem recebe a doação, no sentido de contribuir para o
bem comum, essa forma de compreensão é, de fato, uma característica
marcante desse setor, mas não a única.

A prática social dentro de empresas privadas gera uma grande


dificuldade quanto à tipificação. Apesar de desenvolver-se dentro de
uma esfera onde o lucro é o objetivo basilar, não se pode rechaçar
absolutamente toda e qualquer forma de caridade como possível dentro
desse cenário. Por essa mesma razão, algumas formas de denominação
típicas para essas realidades são os termos “responsabilidade social” e
“filantropia empresarial”, não que outras formas de nomenclatura inexistam.

Ainda é importante atentar para a correlação de sentidos


constantemente confundidos no campo semântico. Textos escritos por
Direito do Terceiro Setor 35

autores especializados, muitas vezes, confundem situações divergentes


quando se referem à Filantropia Empresarial como sinônima do Terceiro
Setor. Este contém àquele já que a atuação de caridade por uma instituição
que visa o lucro pode ser abarcada por esse setor através de parcerias
que promovam ações de assistência aos que mais precisam dentro da
sociedade (ALVES, 2002).

Alguns estudiosos norte-americanos usam, ainda, a denominação


Setor Independente ou Terceira Força, que ressalta a relevância da
posição que se encontram as instituições que ocupam um lugar próprio,
na medida em que não só independem dos comandos estatais, mas
também permanecem equidistantes do setor comercial.

Esse termo tampouco é considerado de forma consensual,


considerando que muitos discordam do raciocínio-base desses
pesquisadores de que o setor não lucrativo seria supostamente
independente. Os críticos dessa denominação justificam esse ponto
ao analisar que entidades sem fins lucrativos dependem de receitas
advindas, de algum modo, dos setores lucrativos do sistema (SALAMON;
ANHEIER, 1992).

Já o termo Economia Social é muito utilizado na França para designar


diversas associações sem fins lucrativos. Os estudiosos franceses,
economistas e cientistas sociais, a princípio, oferecem estrutura de suporte
para suas colocações, diferentemente dos demais. Eles defendem a
aproximação das definições de Terceiro Setor e Economia Social através
na medida que pesquisam formações cooperativas de autogestão e seus
funcionamentos.

Essa denominação que parte da palavra economia também


apresenta nos textos especializados conexão com outras formas de
sistematização definitivamente estabelecidas como entidades comerciais.
A carga axiológica dessas terminologias e sua semântica dificultam a
viabilidade do uso dessas nomenclaturas, que facilmente induzem a
raciocínios antagônicos.

As Organizações Não Governamentais, as famosas ONGs, são


dignas de realce dentre as diversas formas usadas como sinônimas
36 Direito do Terceiro Setor

para designar o Terceiro Setor. É um termo recorrente em nações em


desenvolvimento para se referir a instituições que auxiliam nas causas
sociais, fomentando o desenvolvimento da comunidade local. Existem
cada vez mais pesquisas sobre as ONGs, claramente voltadas ao uso do
termo organizações não lucrativas (ALVES, 2002).

Na atualidade, a expressão Organizações Não Governamentais e


sua sigla correspondente, ONG, transformaram-se em termos banais, de
modo que passaram a ser utilizados em diversas situações para abranger
uma grande comunidade.

Em obras de autores internacionais sobre desenvolvimento das


nações, é possível observar, com frequência, a caracterização específica
das Organizações Não Governamentais apenas para designação das que
atuem em países subdesenvolvidos, como é o caso dos que se encontram
localizados na América Latina.

As chamadas ONGs designam organizações que iniciaram suas


atividades na América Latina durante movimentos sociais e de lutas contra
as ditaduras que se instalaram no continente durante as décadas de 60 e
70. Isso marca drasticamente essas organizações com um cunho político
muito forte, diferentemente das demais partes do mundo (ALVES, 2002).

Tecnicidades terminológicas
No final da década de 80 e nos anos seguintes foram realizados
sucessivos congressos para debater a temática do Terceiro Setor ao redor
do mundo. Muitos pesquisadores da área das ciências sociais passaram
a se interessar pelo fenômeno emergente das organizações sem fins
lucrativos que se alastrava (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Um dos resultados desse momento foi o projeto de pesquisa


desenvolvido na Universidade de John Hopkins sobre esse tema, que
fez com que o uso da expressão Terceiro Setor retomasse nos escritos
acadêmicos. Isso gerou a expansão do uso dessa terminologia em vários
países, incluindo, o Brasil (ALVES, 2002).

Esse projeto, que se estende até a atualidade, tem como finalidade


principal dimensionar o impacto do Terceiro Setor sobre as economias
Direito do Terceiro Setor 37

nacionais dos diversos países pesquisados, além de dar maior visibilidade


a esse setor nas diversas realidades ao redor do globo.

Tanto em países em desenvolvimento, tipicamente localizados


ao sul do mapa-múndi, quanto nas nações desenvolvidas, em sua
maioria geograficamente posicionados ao norte, cidadãos vem criando
associações, fundações e instituições similares para a promoção de
serviços humanitários. O objetivo essencial é realizar atividades que
fomentem o desenvolvimento econômico de base, a prevenção da
degradação ambiental, a proteção dos direitos civis e a persecução
de várias outras demandas que não vinham sendo atendidas ou foram
deixadas de lado pelo Estado (ALVES, 2002).

O cenário político e o momento histórico vivenciado nessas décadas


em questão convergiram simultaneamente em mudanças revolucionárias
e geraram a diminuição da presença estatal, o que auxiliou no crescimento
das ações de caráter associativo.

O estado de bem-estar social, crise que ficou conhecida como


crise do Welfare State na década de 80, fez com que os direitos básicos
antes garantidos e subsidiados exclusivamente pelo Estado fossem
remanejados para a estrutura organizacional das ONGs.

Os países mais pobres sofreram grandemente a falta de recursos


que viabilizassem seu desenvolvimento. Essa realidade foi seguida do
amplo aumento da dívida externa no final do século XX, que basicamente
inviabilizou as nações a continuarem financiando atividades para fomentar
o desenvolvimento.

Nesse contexto, a temática do meio ambiente recebeu atenção


mundial diante de degradações crescentes espalhadas por todos os
continentes. Essa realidade demonstrou a falta de políticas públicas
internacionais apropriadas para combater aquele cenário global. Restou
evidente que esse tipo de crise necessitaria de uma conjuntura de ações
difusas e ao mesmo tempo conexas para amenizar os efeitos nefastos
previstos por estudiosos, o que significou a descentralização do problema
(SALAMON; ANHEIER, 1992).
38 Direito do Terceiro Setor

Somou-se ao cenário mundial a crise do modelo socialista,


especialmente após a queda do Muro de Berlim, que culminou na
decadência daquela forma organizacional de planejamento estatal para a
gestão da economia mundial.

A revolução dos meios de comunicação iniciada na década de 70


facilitou a dispersão do uso de computadores, fax e celulares, ampliando
as possibilidades de comunicação entre as pessoas. O auge ocorreu com
o início da internet, que rompeu barreiras antes inimagináveis pelo ser
humano e facilitou ainda mais a difusão do conhecimento que a própria
rede passou a gerar.

Por fim, o grande crescimento mundial na década de 60 acarretou


um enorme aumento das populações urbanas. Isso fez com que
comunidades mais exigentes fossem formadas e trouxe expectativas
maiores para os governantes.

As organizações não lucrativas presentes em países desenvolvidos


e as ONGs que lutam pelos direitos civis em nações ainda em
desenvolvimento, ambas, são fenômenos que compõem o termo
abrangente Terceiro Setor. Logo passou a ser adotado e buscou manter
várias modalidades de ações e formas de organização.

Pontuado de outra forma, é possível concluir que foi em razão


da perspectiva da revolução associativa que o termo Terceiro Setor
renasceu na literatura da década de 70 para ser usado como conector de
termos globais, considerando as variadas especificidades nacionais e/ou
regionais das organizações (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Após esse período, os pesquisadores foram capazes de afastar a


forte carga ideológica e de várias tradições locais, que se adensavam na
terminologia até então utilizada. Assim, esse período foi essencial para
avanços na interpretação desse tema.

A denominação Terceiro Setor adveio da conceituação clássica da


economia, para a qual a sociedade é subdividida em setores, conforme os
objetivos econômicos de seus agentes sociais, sejam de natureza jurídica
pública ou privada. Portanto, agentes de natureza privada atuantes em
atividades que objetivam finalidades privadas fariam parte do Primeiro
Direito do Terceiro Setor 39

Setor, correspondente ao mercado. Agentes de natureza pública que


exercem ações que visam fins públicos fariam parte do Segundo Setor,
correspondente ao Estado. Assim, agentes de natureza privada que
praticassem atividades com o intuito público integrariam o Terceiro Setor
(ALVES, 2002).

Nesse sentido, a princípio, associa-se o Terceiro Setor a práticas


simultaneamente não governamentais e não mercantis, ou seja, não
lucrativas.

Inexiste até o momento consenso entre os pesquisadores se há


alguma ordem de importância, de prevalência ou de surgimento dos três
setores demarcados pela economia. Debates ideológicos e análise das
teorias até hoje estudadas foram insuficientes para gerar concordância na
academia sobre essa questão.

A viabilidade prática no uso de uma terminologia só para uma


temática ao mencionar o Terceiro Setor deu condições para que diversas
realidades de pesquisa pudessem conversar, pois ao resumir numa só
palavra uma vasta área de pesquisa, tornou-se possível dialogar com
muitos problemas que a academia jamais havia enfrentado. Dentre os
principais, o problema de como tornar comparável todo o Terceiro Setor,
em termos globais, e como tratar como iguais formas organizacionais tão
diferentes foram questionamentos comuns a estudiosos de situações
diversas de mundo (ALVES, 2002).

A fim de esclarecer esses questionamentos restaram identificadas


características presentes, em maior ou menor grau, nas organizações do
Terceiro Setor. A formalização, isto é, a apresentação de alguma forma
de institucionalização, como o registro público de suas atividades ou
outras formas que justifiquem a sua existência formal através de reuniões
regulares e representantes reconhecidos.

Na natureza privada, ou seja, institucionalmente separadas do


Estado, há inexistência de distribuição de lucros, pois se houver recursos
excedentes, estes não serão repassados aos membros, mas revertidos
para a própria atividade-fim, a autogestão, ou seja, a capacidade de
40 Direito do Terceiro Setor

controlar suas atividades e a participação voluntária, quer seja em suas


atividades, em sua gestão ou em sua direção (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Essa definição estrutural da pesquisa construiu um parâmetro-base


de análise pelo qual se tornou possível estudar o Terceiro Setor em diversos
países, inicialmente em 13 países e, hoje, já em 40 países. Concluiu-se que
esse setor varia muito, de acordo com as diversas realidades nacionais.
Assim, em cada realidade o estudo permite uma certa flexibilização para
que possam ser incluídas ou não algumas organizações consideradas as
características próprias do lugar.

Apesar de o projeto desenvolvido pela Universidade de John Hopkins


ser pioneiro na temática e em sua dimensão, é preciso observar problemas
de base. A escolha operacional em que nasce o recorte do grupo inicial
a ser pesquisado diminuiu bastante a quantidade de organizações sem
fins lucrativos a serem estudadas. Além disso, a definição estrutural foi
construída na perspectiva da realidade do Terceiro Setor norte-americano,
distorção basilar que leva a conflitos subsequentes quando se analisam
outros países (ALVES, 2002).

Portanto, considerando que os cinco critérios anteriores admitiram


a inclusão ou exclusão das organizações e aceitaram a flexibilização de
combinações diversas no Terceiro Setor, nota-se que a fixação estrutural
utilizada pela Johns Hopkins, apesar de ser uma forma intrigante de
abordagem para incluir realidades diversas de Terceiros Setores ao redor
do globo, mais oculta do que revela. Assim, é essencial observar teorias
alternativas sobre essa temática.

Dentre as definições alternativas para o Terceiro Setor, é possível


vislumbrar a economia vista através de três conjuntos, em que o primeiro
é formado de organismos estatais, a quem cabe conservar a ordem
social. O alcance de seus objetivos ocorre por meio do uso da autoridade
legitimada pela sociedade, pois representa os interesses da maioria e
opera na esfera do sistema político.

O segundo conjunto de organizações identificado corresponde


ao mercado. Essas organizações estão compreendidas nas atividades
de produção de bens e serviços. A função desse conjunto fomenta seus
Direito do Terceiro Setor 41

objetivos através das trocas econômicas negociadas, visando maximizar


lucros. Resta aqui representados os interesses individuais operados na
esfera do mercado.

O terceiro conjunto de organizações recai sobre o setor associativo


voluntário. As organizações classificadas aqui são as que mais se ocupam em
articular e realizar visões sociais. Essas atingem suas finalidades representando
interesses marginalizados e atuam na esfera da sociedade civil.

Essa classificação escolhida é o mais abrangente possível sem


qualquer tipo de distinção entre organizações por tamanho, local, base
financeira ou interesse substantivo. Estão incluídos países do primeiro e
do terceiro mundo e tampouco faz qualquer tipo de reserva moral ou
ideológica. A partir dessa alargada inclusão, essa teoria está marcada
por um modo excessivamente simplificado de definir o fenômeno das
organizações que não têm o lucro como principal finalidade.

Há, ainda, uma outra forma de compreender o Terceiro Setor


que analisa a lógica pela qual o nome tem sido atribuído a diferentes
organizações do setor não lucrativo. Essa visão critica o fato de todas as
demais análises partirem da ideia de que o mundo social é tripartite, já
que seria possível vislumbrar uma quarta categoria, o setor doméstico.

Na literatura tradicional das ciências sociais, o setor doméstico é


geralmente inserido no setor privado, o que talvez seja um erro já que
o setor doméstico e o setor privado têm características diversas em
suas atividades. O setor doméstico abrange as relações familiares e
comunitárias.

Nessa perspectiva, as organizações não lucrativas são realocadas


do terceiro para o quarto lugar porque surge uma nova figura. O Terceiro
Setor, a princípio, perde sua posição especial e exclusiva de ator voluntário,
uma vez que é possível imaginar serviços voluntários também dentro da
esfera doméstica.

Zonas ambíguas de intersecções entre os mundos existem e as


respostas não são claras e bem definidas, mas basicamente é possível
falar do Terceiro Setor como elemento de um conjunto, uma mescla
intermediária entre o mercado, o Estado e a comunidade.
42 Direito do Terceiro Setor

As organizações do Terceiro Setor têm características polivalentes


diante da combinação de fatores políticos e sociais tão importantes quanto
os papéis que desempenham no mundo econômico. São organizações
híbridas que compõem recursos e racionalidades de diversos setores.

Existe um pluralismo sinérgico no Terceiro Setor e diante das


diversas explicações e tentativas de definições apresentadas, a teoria
que permite imaginar uma quarta categoria parece potencialmente
interessante, já que é excessivamente exigente, mas observa o fenômeno
sob uma ótica multidisciplinar.

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo,
vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido
que o Terceiro Setor no Brasil é recente na forma como
atualmente observarmos. Ademais, essa denominação
utilizada é demasiadamente genérica, haja vista abarcar
vários tipos de organismos com diferentes marcos
históricos. A análise política e cultural da acepção do termo
é profundamente densa, baseada em vasta pesquisa
acadêmica. Apesar de ser muito comentado como uma
das novidades em termos de políticas públicas, o chamado
Terceiro Setor ainda é algo pouco analisado no cenário
científico brasileiro. Trata-se de um termo abrangente que
agrega diversos tipos de organizações. Após debruçar-
se sobre as teorias e os contextos que marcaram esses
momentos de consolidação da nomenclatura, foi possível
perceber que existe uma vasta mescla de nomenclaturas
para referir-se a realidades distintas, o que dificulta uma
uniformização ideal para marcar o tema. Essas dificuldades
encontradas não facilitam a pesquisa desenvolvida e a
compreensão por parte de quem tem interesse em adentrar
na temática. Assim, a partir desse momento, o termo
preferido será Terceiro Setor, já que setor não lucrativo não
deve ser usado como terminologia sem qualquer distinção.
Direito do Terceiro Setor 43

Os atores do Terceiro Setor e suas funções

INTRODUÇÃO:

Ao término deste capítulo você terá meios para identificar


as funções e os atores do Terceiro Setor. Essa conquista
será fundamental para o exercício de sua profissão. As
pessoas que atuam ou pretendem trabalhar nessa área, ao
adquirirem essas instruções, tiveram melhores resultados
ao exercer suas competências. E, então, motivado para
desenvolver esta competência? Vamos lá.

As funções do Terceiro Setor


Deixando de lado, momentaneamente, os enfrentamentos exis-
tentes na análise do Terceiro Setor, diante de sua heterogeneidade de
atores e interesses, pode-se elencar práticas básicas existentes. As orga-
nizações sociais não lucrativas e não governamentais têm funções deli-
mitadas dentro das possibilidades e realidades existentes, de modo que
apresentam dilemas e constrangimentos a depender do tipo de atividade
que realizam.

O Terceiro Setor abrange diversas espécies de entidades. Essas


se diferenciam umas das outras pela função ou atividade que exercem,
porém apresentam características estruturais semelhantes e essenciais
para a classificação enquanto membros do Terceiro Setor. Elas não são
governamentais, possuem gestão própria e não têm fins lucrativos, além
de poderem ser formalmente constituídas.

As ONGs são associações ou fundações que atuam em causas


sociais de forma dissociada do Estado. Isso não significa que não
possam receber repasses públicos, mas revela a independência dessas
instituições. Elas têm a possibilidade de realizar atividades econômicas, a
fim de arrecadar uma imensa quantidade de dinheiro, e podem também
empregar uma grande quantidade de pessoas em seu quadro. Desse
modo, é importante notar que a mão de obra existente em sua atuação
44 Direito do Terceiro Setor

pode ser voluntária ou composta por funcionários regulares, já que


trabalhadores formais não retiram sua finalidade social.

A gestão própria dessas entidades revela a estruturação de


administrações internas, com desenvolvimento de princípios, objetivos e
normas próprias. Ademais, não possuem intervenção de órgãos externos
e seu processo de gestão é fiscalizado por gerências específicas, que
controlam a parte administrativa e financeira da organização.

A existência de uma instituição sem fins lucrativos não indica


impossibilidade de balanço financeiro positivo, já que a vedação se
refere à percepção de lucro por integrante da organização. Assim, toda
e qualquer rentabilidade dos membros do Terceiro Setor é revertida para
consecução da prestação dos serviços sociais realizados.

Por não serem vinculadas ao governo não significa que as


instituições do Terceiro Setor não possuem estrutura formal. São
registradas e reconhecidas dentro de seu segmento apresentando
todas as suas atividades regulamentadas. Essa institucionalização busca
garantir o respaldo para trazer credibilidade para a sociedade, o governo
e as pessoas envolvidas com as funções da instituição.

As organizações do Terceiro Setor são capazes de exercer uma


infinidade de atividades à sociedade, empresas ou mesmo no âmbito
estatal. Dentre as formas existentes de atuação em projetos sociais,
existem as que controlam e as que executam as políticas públicas, as que
autonomamente realizam projetos sociais, bem como as que influenciam
processos legislativos e o poder executivo (TEODÓSIO, 2001).

De todo modo, é importante salientar que as diferentes formas nas


quais as organizações desse setor atuam não são excludentes. Isto é, existe
a possibilidade de instituições mesclarem essas funções e construírem
uma realidade ampla de atuação social com muitas frentes e combates,
já que em determinados momentos pode fazer o controle da execução de
políticas públicas, mas em outros exercê-las simultaneamente.

O controle da execução de políticas públicas através da difusão de


valores é uma função essencial para a manutenção de uma sociedade
democrática. Muitas organizações do Terceiro Setor estão atuando
Direito do Terceiro Setor 45

nessa área, promovendo movimentos que defendem direitos humanos


e confrontam a corrupção, uma abordagem existente tanto em ONGs
internacionais como as que atuam no cenário brasileiro.

A finalidade de organizações nesse campo de atuação é exigir


do governo, empresas e mesmo da sociedade as posturas e propostas
condizentes com as acordadas entre eles e o cumprimento das leis, a fim
de manter uma harmônica convivência social.

Uma das ferramentas mais usadas para esse controle tem sido
a internet, por ser uma forma democrática de fiscalização por parte da
sociedade sobre a máquina pública e as organizações privadas existentes.
Esse auxílio tecnológico advindo das últimas décadas tem fortalecido os
meios de combate a fraudes e desvios.

É possível observar as organizações sob duas óticas de atuação,


através de atividades ampliadas ou restritas. A propagação de valores
e a busca em cumprir metas associadas a transformações sociais mais
longas e profundas caracteriza uma organização de atividade ampliada,
enquanto estruturações sociais restritas recaem sobre metas específicas,
atividades geralmente materiais e realizáveis a curto prazo.

O plano de ação traçado pelas organizações é uma temática


muito debatida. As técnicas gerenciais utilizadas nesse setor comumente
têm relação com pressupostos típicos do gerenciamento privado,
realidade constantemente veiculada pela mídia e defendida por muitos
como caminho privilegiado para a modernização. Outros pressupostos
característicos do setor privado muito difundidos nessas instituições são
o pragmatismo, a análise entre meios e fins, a disciplina financeira, o foco
na eficiência, entre tantos outros.

O questionamento que reside ao analisar essa realidade é quanto


aos reflexos da expansão dessa racionalidade gerencial sobre o Terceiro
Setor, que pode acarretar na limitação das metas, na medida em que
transformações sociais mais amplas tendem a ser complexas para
realizar. A grande dificuldade passa a residir quando o foco se volta
apenas para práticas pragmáticas, pois ganhos concretos no curto prazo
46 Direito do Terceiro Setor

são mais fáceis e rápidos, de repercussão positiva direta sobre a imagem


construída junto à comunidade.

Uma forma de atuação recorrente no Terceiro Setor é a aproximação


com o Estado, com grandes empresas privadas ou mesmo com outras
organizações do setor para viabilizar a execução de políticas públicas.
Essas parcerias entre Estado, empresas privadas, ONGs internacionais e
organizações é marcada por trocas contínuas de recursos financeiros e
humanos, conhecimento, tecnologia e informações.

Infelizmente, é necessário ressaltar que existem parcerias criadas


sob essa denominação, mas que na realidade se torna uma captura da
organização do Terceiro Setor. Em alguns casos é desenvolvida uma
relação de submissão ao Estado, às empresas privadas ou aos organismos
internacionais mais fortes (TEODÓSIO, 2001).

Não é permitido terceirizar as políticas públicas ao Terceiro Setor,


pois cabe ao Estado a sua persecução. Essas organizações buscam realizar
programas sociais à medida que somam à função pública. É essencial
que a postura do Estado seja aberta para dialogar com os movimentos
sociais, impondo regras, mas sem olvidar as grandes possibilidades de
crescimento mútuo e interação democrática com a sociedade.

Problema de dinâmica semelhante precisa ser combatido também


na relação com a iniciativa privada, pois organizações não devem atuar
como subservientes da empresa junto à sociedade, mas ativamente
no enfrentamento dos problemas sociais. Nessa relação, em algumas
situações, observam-se problemas e defendem-se valores, que
representam mais um querer empresarial do que pontos relevantes para
a comunidade. Não se espera do setor privado atitudes completamente
desinteressadas, mas há uma diferença gigante entre a empresa ter
lucro com seus programas sociais e o estabelecimento de seus valores e
filosofia (TEODÓSIO, 2001).

O relacionamento entre ONGs amplamente reconhecidas e


organizações menores pode também gerar problemas. Essa realidade
é mais recorrente do que se imagina, principalmente com relação a
órgãos de financiamento de alcance mundial, que ao intencionalmente
Direito do Terceiro Setor 47

abordarem uma instituição de pequeno porte seduzem com auxílios


financeiros. Outras vezes compelem a execução de atividades prioritárias
dentro das circunstâncias típicas de países desenvolvidos, mas que não
representam a realidade brasileira.

Existe, ainda, uma outra forma de atuação social, que é através


da execução autônoma. Esse modo de operação é extremamente
trabalhoso, visto que a obtenção de recursos para o funcionamento é uma
das maiores dificuldades enfrentadas pelo Terceiro Setor, o que influencia
na celebração de muitas parcerias.

A sociedade simpatiza muito com esses tipos de organizações


que atuam de modo autônomo por passarem mais credibilidade para o
público. No entanto, são poucas que conseguem solucionar esse grande
dilema do Terceiro Setor, que é a captação de recursos.

Dentre as ferramentas para alcançar uma percepção regular


de recursos está desde a venda de itens relacionados à causa social
empreendida até o recebimento de doações. No entanto, essas estratégias
de ganho de provimentos muitas vezes geram desvirtuamento do objetivo
principal da organização, já que fazem com que energias sejam gastas
mais para sobreviver do que na atuação das causas sociais propriamente
ditas.

Em razão dessa realidade é que cabe ponderar sempre a


programação de ações de forma cautelosa para adequá-las às finalidades
basilares da organização. Longe de ser um fenômeno residual, essa
tendência é um dilema que precisa ser combatido para que a sua própria
sobrevivência não dependa de atitudes desprendidas do objetivo social
que deve ser a atenção principal.

Uma possível forma de ação das organizações sem fins lucrativos é


através das tentativas de influenciar os processos legislativos e decisórios
executivos. Nessa perspectiva, nota-se como é múltiplo o espaço de
atuação desse setor, já que existem ONGs com forte força na base para
influir nas agendas internacionais, como aquelas que possuem unidades
ao redor do mundo.
48 Direito do Terceiro Setor

Os atores do Terceiro Setor


Sabe-se que um ponto essencial e característico do Terceiro Setor
é sua heterogeneidade, influenciando na falta de consonância no que
se refere ao alcance de seu conceito e às terminologias usadas para se
referir às organizações que o compõem.

Essa categoria da economia pode ser compreendida como uma


mescla de fatores de difícil apreensão total de sua complexidade. Isso
porque tem traços públicos e privados entrelaçados na prática de suas
atividades. Contornos como esses demonstram como o Terceiro Setor
possui semelhanças com o Primeiro Setor, já que sua finalidade de
atuação é o espaço público, mas também guarda divergências com o
governo, uma vez que se trata de uma iniciativa da própria sociedade. Sob
outro ângulo, é possível notar que o Terceiro Setor é diverso da iniciativa
privada, marcada pelo Segundo Setor, porque tem uma finalidade, o
benefício de toda a sociedade.

Nessa perspectiva, uma configuração frequentemente observada


são os campos estatal, privado e público não governamental como
diferentes, porém com interpenetrações e sobreposições.
Figura 5 - Setores socioeconômicos

Segundo
Primeiro
Setor
Setor
INICITIVA
ESTADO
PRIVADA

Terceiro Setor
SOCIEDADE
CIVIL

Fonte: Teodósio, 2003, p. 1.

Essa multiplicidade de conceitos aproxima-se, em muitas situações,


mais das características da categoria privada do que pública. Esse embate
ocorre em diversas empresas, mas não significa que o oposto inexiste.
Há muitas vezes a existência do privado, porém público voltado para
Direito do Terceiro Setor 49

o Estado, como quando os recursos, as metodologias ou as formas de


estruturação majoritariamente advêm do setor público.

De fato, dentre o universo do Terceiro Setor existem organizações


de diferentes matizes. É possível elencar alguns exemplos a partir de suas
iniciativas que se enquadram na definição, como instituições filantrópicas,
grupos de igrejas e projetos comunitários.

A compreensão de diversas dimensões das sociedades capitalistas


contemporâneas, por meio da divisão entre categorias, a corporativa e a
não estatal, sendo este membro do Terceiro Setor, gera a exclusão de um
vasto número de organizações profissionais, sindicatos e grupos que se
pautam pelo caráter não governamental, a defesa de direitos específicos
e a não lucrativa. Essa realidade traz perdas para o setor à medida que
os interesses ora convergem em direção aos de outros grupos e atores
sociais, ora se contrapõem.

A dicotomia entre esferas da sociedade atual não é tão clara, de


modo que existem campos cinzentos de interface entre mercado, estado
e sociedade civil. Exemplo disso é o conceito de Quasi Non-Governmental
Organizations, também chamado pela sigla QUANGOs.

Essa expressão em inglês pretende designar as organizações


que iniciaram a atuar com a reforma estatal no Reino Unido. Elas atuam
na área social, especialmente nos setores da saúde e da educação,
com recursos regularmente enviados pelo Estado, delineando formato
jurídico-contratual com contornos semelhantes a algumas organizações
existentes no Brasil (TEODÓSIO, 2001).

É possível imaginar as organizações a partir da ideia de que as


dificuldades sociais e econômicas enfrentadas pela população deveriam
ser resolvidas a partir da lógica dos atores que compõem o mercado,
cabendo ao Estado apenas regular essa esfera. Ocorre que, na prática,
as mil facetas existentes nessas entidades promovem muitas formas de
sistematização de suas atividades.

Algumas organizações atuam de forma assistencialista, outras


focam prioritariamente no desenvolvimento social. Certas instituições
atuam diretamente na área de enfoque que realizam seus projetos, outras
50 Direito do Terceiro Setor

são intermediárias que viabilizam a execução de programas sociais. A


verdade é que inexiste modo específico e delimitado para atuar nesse
setor desde que haja a finalidade social.

É nessa perspectiva que ao pensar em Terceiro Setor é possível


observar tanto as organizações formalizadas juridicamente quanto as
informais. Existem não só as organizações com uma gestão estruturada e
profissionalizada, mas também as sem estrutura e profissionalização. Há
organizações de grande porte, de tamanhos médio e pequeno. Encontra-
se organizações de caráter nacional ou internacional. Quanto à forma de
financiamento, elas podem ter como fontes recursos públicos e repasses
privados. Essas transferências podem, ainda, ser fontes regulares de
financiamento de suas atividades ou variáveis quando não possuem certa
frequência (TEODÓSIO, 2001).

Características comuns dentre diversas organizações que compõem


o Terceiro Setor parece ser a falta de lucro, bem como o objetivo maior
da execução de suas atividades, que é a promoção de benefícios para
toda a comunidade. Diante dos aspectos caracterizadores desses grupos,
encontram-se opções não excludentes entre si, como a localização
geográfica, a etnia, a ideologia, a condição financeira, a orientação
religiosa, a opção sexual, entre outros.

Assim, a definição de Terceiro Setor abarca uma multiplicidade


de atores com objetivos diversos. É nesse ponto que ocorrem mesclas,
gerando dificuldades na delimitação entre o não governamental de origem
comunitária contraposto às origens estatais e de mercado. Esse quadro
se apresenta bastante complexo, especialmente na prática, quando tais
atores se misturam.
Direito do Terceiro Setor 51

RESUMINDO:

Dentre as acepções estudadas do Terceiro Setor, ressalta-


se a multiplicidade de atores, agendas e interesses. Os
conflitos advindos da modernização constroem a justiça
social através da participação popular, da mídia e de
estudos acadêmicos. O resultado do confronto entre
diferentes participantes dessa categoria traz tanto as
possibilidades de mudança social, tão ansiada no país,
quanto o constrangimento à uma cidadania integral,
gerando um crescimento que ora pode se observar sob
a perspectiva conservadora, ora como modernizante por
meio de políticas sociais. Ponderar a disposição do Terceiro
Setor e seus atores e funções no cenário brasileiro significa
avaliar formas estruturais de gestão social, a fim de alcançar
meios de garantir a eficiência operacional e expansão
da efetividade dos direitos sociais no país. Diversos
entraves existem na execução das políticas públicas e
que reverbera diante dos múltiplos interesses envolvidos,
que se enquadram numa perspectiva não governamental
ora influenciada pelo espaço público, ora marcada pelo
mercado e ora refletida nas ambições individuais dos
atores que compõem as organizações. De toda forma,
não se pode negar as conquistas atingidas pelas ONGs
nas últimas décadas através da mobilização social e o seu
potencial modernizador das relações sociais existentes
no Terceiro Setor. Em muitas nações, essas organizações
estiveram associadas tanto ao recuo estatal, ao aumento da
participação popular. Esse cenário dicotômico do Terceiro
Setor é bem retratado no Brasil, visto que a administração
pública e a cidadania sempre se apresentaram de modo
incompleto.
Ademais, o impasse entre participação e eficiência bastante
inerente à relação das ONGs na realidade junto ao poder
público pode ser observado internamente. A gestão dessas
organizações precisa discutir a noção da percepção entre
o capital privado e a sociedade civil em meio aos seus
interesses cruzados, ora convergentes, ora divergentes,
pelos fatores conjunturais. Assim, o Terceiro Setor e seus
múltiplos atores carregam dilemas a serem enfrentados
e avanços a serem alcançados à medida que as diversas
realidades existentes demandam uma carga extensa de
soluções a serem aplicadas.
52 Direito do Terceiro Setor

REFERÊNCIAS
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