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Educação em

Direitos Humanos
Unidade I – Introdução à Educação
em Direitos Humanos
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autor
VITTORIO LO BIANCO
O AUTOR
Vittorio Lo Bianco
Olá. Meu nome é Vittorio Lo Bianco. Sou formado em Relações
Internacionais, com Mestrado em Políticas Públicas, Estratégia e
Desenvolvimento e Doutorado em Educação, com experiência técnico-
profissional na área de educação de mais de 10 anos. Sou servidor do
Estado do Rio de Janeiro. Trabalho com educação na Secretaria de Ciência
e Tecnologia. Sou apaixonado pelo que faço e adoro transmitir minha
experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões.
Por isso fui convidado pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de
autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase
de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

INTRODUÇÃO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Delimitações teóricas e metodológicas da educação em
Direitos Humanos.........................................................................................12

Delimitações teóricas da educação em Direitos Humanos.............................. 12

A educação em Direitos Humanos.................................................................. 15

Delimitações metodológicas da educação em Direitos Humanos............. 16

Tratados Internacionais de Direitos Humano.................................. 20

Educação em Direitos Humanos e o Contexto Brasileiro........... 27

Contexto histórico............................................................................................................................27

Contexto brasileiro da educação em Direitos Humanos....................................28

Educação em Direitos Humanos na Contemporaneidade ........33

Conexão entre Direitos Humanos e educação atualmente..............................33

Estratégias para a conexão entre Direitos Humanos e educação

atualmente........................................................................................................................................... 36
Educação em Direitos Humanos 7

01
UNIDADE

INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS


8 Educação em Direitos Humanos

INTRODUÇÃO
Prezado aluno, o que você entende por “Direitos Humanos”? Muito
se fala atualmente sobre o conjunto de direitos individuais e coletivos
que regem nossa vida em sociedade, porém nem todos sabem precisar
do que se trata. Para os educadores, compreender de quais direitos
tratamos quando usamos essa expressão e como trabalhar com o tema
em suas aulas é fundamental. Nesta unidade iremos refletir juntos sobre
o surgimento do que se concebe como Direitos Humanos, sua aplicação
e sobre como conjugar esse conhecimento com a área de educação. Na
atualidade, de onde surgiu o que conhecemos hoje como esse conjunto
de direitos?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, surgida


como resposta às atrocidades cometidas pelo fascismo durante a
Segunda Guerra Mundial, foi o marco inicial para alçar os direitos
humanos a um patamar de guia ético para a ordem internacional. Era o
momento de reconstruir os direitos interrompidos pela guerra, através da
universalização dos direitos individuais e coletivos do ser humano, tirando
do domínio exclusivo dos Estados a questão da garantia destes direitos.

Além do caráter universal, uma vez que a condição de pessoa é


o único requisito para ter direitos, os direitos humanos têm também a
característica da indivisibilidade, dado que apenas garantindo os direitos
civis e políticos pode-se garantir os direitos econômicos, sociais e culturais,
e vice-versa. Foi a primeira declaração moderna de direitos que conjugou
o discurso liberal de cidadania com o discurso social. Esse processo de
universalização dos direitos humanos, reafirmado pela Declaração de
Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos humanos como indivisíveis e
universais), dá origem a um sistema normativo internacional de proteção
aos direitos.

Vamos acompanhar essa trajetória juntos nesta unidade.


Educação em Direitos Humanos 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso propósito é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o
término desta etapa de estudos:

1. Apontar as delimitações teóricas e metodológicas da educação


em direitos humanos;

2. Identificar os Tratados internacionais de direitos humanos;

3. Reconhecer a educação em direitos humanos e o contexto


brasileiro;

4. Refletir sobre a educação em direitos humanos na contempora-


neidade.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Ao trabalho!
10 Educação em Direitos Humanos

Delimitações teóricas e metodológicas da


educação em Direitos Humanos

INTRODUÇÃO:

Ao término deste capítulo você será capaz de identificar


as delimitações do campo de estudos da educação em
direitos humanos. Isso será fundamental para o exercício
de sua profissão. A compreensão da interseção entre o
processo de ensino-aprendizagem e o tema transversal
direitos humanos é essencial para educadores que buscam
desenvolver a capacidade crítica de seus alunos em um
contexto de educação para a cidadania. A compreensão
dos direitos básicos dos seres humanos é fundamental
para uma inserção plena dos indivíduos em sociedade.
E então? Motivado para desenvolver esta competência?
Então, vamos lá. Avante!

Delimitações teóricas da educação em


Direitos Humanos
Quando pensamos os direitos humanos em âmbito internacional, o
que vem à sua mente?

A concepção dos direitos humanos como universais somente


ganhou esse real escopo com a Carta das Nações Unidas em 1945. A
partir de então, o novo direito internacional reconhecia que a proteção
dos indivíduos deveria se dar também no âmbito internacional, não mais
somente pelos Estados como fora produzido desde a formação dos
Estados Nacionais.
Educação em Direitos Humanos 11

Figura 1: Símbolo da Organização das Nações Unidas

Fonte: Pixabay

A história dos direitos atribuídos aos seres humanos data desde


a antiguidade, quando o poder do Estado não era limitado, logo os
indivíduos não possuíam direitos frente ao poder do soberano. Foi a
Magna Carta inglesa que em 1215 apresentou uma limitação ao poder de
atuação do soberano, dando início ao constitucionalismo e às conquistas
liberais culminadas nas Revoluções Francesa e Americana.

VOCÊ SABIA?

John Locke foi um filósofo inglês, considerado um dos “pais”


do liberalismo filosófico. Foi um dos principais teóricos do
que ficou conhecido como teoria do “contrato social”.

O jusnaturalismo de Locke deu um caráter mais universal aos


recém-criados direitos da Inglaterra. Segundo o pensamento político de
Locke, o ser humano constitui a base e origem do poder que é transferido
ao soberano mediante o contrato social, reconhecendo assim a base
dos direitos como dos homens. Nas revoluções americana e francesa,
os direitos do homem e do cidadão são instituídos em um conteúdo de
12 Educação em Direitos Humanos

característica individualista, apesar do universalismo da fraternidade,


igualdade e liberdade. Objetivavam uma República democrática que,
através do contrato social, garantiriam os direitos dos homens.

Segundo Massaro, o jusnaturalismo ou o direito natural

É a corrente de pensamento jurídico-filosófica que pressupõe


a existência de uma norma de conduta intersubjetiva
universalmente válida e imutável, fundada sobre a peculiar
ideia da natureza preexistente em qualquer forma de direito
positivo que possa formar o melhor ordenamento possível para
regular a sociedade humana, principalmente no que se refere
aos conflitos entre os Estados, governos e suas populações.
(MASSARO, 2019, on-line)

Assim, surge a Declaração Universal dos Direitos dos Homens,


que dava prioridade à liberdade em detrimento do poder estatal. Com a
Declaração da ONU em 1945 e os tratados e as convenções posteriores
que traziam de fato um caráter internacional à legislação dos direitos
humanos, a jurisdição doméstica deixou de ser a única responsável pelas
garantias dos direitos.

Após o totalitarismo da guerra, com elevado número de mortes


e ainda o Holocausto, os Estados objetivavam construir um sistema
internacional seguro, onde a garantia da paz viria através do cumprimento
da legislação internacional e da vigilância dos demais Estados. A questão
da etnia judaica foi fundamental para a redação dos direitos humanos na
Carta da ONU, pois o “problema judeu” apresentado pelas autoridades
nazistas alemãs fez com que o povo judeu fosse desprovido de seus
direitos estatais através da desnacionalização. Sem Estado, os judeus não
possuíam garantias de respeito aos direitos, assim como outras minorias.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 surgia como


resposta às atrocidades cometidas pelo fascismo durante a Segunda
Guerra Mundial e foi o marco inicial para alçar os direitos humanos a um
patamar de guia ético para a ordem internacional.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em sua introdução, diz:


Educação em Direitos Humanos 13

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações


Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos cujo texto, na íntegra, pode ser lido a seguir. Logo
após, a Assembleia Geral solicitou a todos os países-membros
que publicassem o texto da Declaração para que ele fosse
divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas
escolas e em outras instituições educacionais, sem distinção
nenhuma baseada na situação política ou econômica dos
Países ou Estados. (UNICEF, 1948)

ACESSE:

Conheça a declaração na página da Organização das


Nações Unidas: https://bit.ly/2APIx5U.

A educação em Direitos Humanos


O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, publicado
pelo Governo Federal brasileiro em 2003, define que a educação em
direitos humanos é:

Compreendida como um processo sistemático e multidimen-


sional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulan-
do as seguintes dimensões:

• apreensão de conhecimentos historicamente construídos


sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos in-
ternacional, nacional e local;

• afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expres-


sem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da
sociedade;

• formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer pre-


sente em níveis cognitivo, social, ético e político;
14 Educação em Direitos Humanos

• desenvolvimento de processos metodológicos participativos


e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais di-
dáticos contextualizados;

• fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem


ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e
da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das
violações. (BRASIL, 2018, p. 11)

Para a área de estudos da educação em direitos humanos, a


educação além de ser um direito por si, possibilita o conhecimento, o
acesso e a compreensão a respeito dos demais direitos, permitindo que
o cidadão possa se inserir plenamente em sociedade, ciente do conjunto
de seus direitos. A partir do estudo da educação em direitos humanos,
é possível que a cultura criada em torno da valorização dos direitos
humanos permita o respeito às diversidades, seja de ordem religiosa,
cultural, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade,
entre outras.

Para Maria Victoria Benevides (BENEVIDES, 2000, p. 1), três pontos


são premissas para a educação em direitos humanos: “a educação
continuada, a educação para a mudança e a educação compreensiva, no
sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção”.

A autora enfatiza ainda a ideia de que a educação em direitos


humanos também é a educação para a cidadania, de formação de
cidadãos participativos e, além disso, solidários. É necessário que os
educadores conheçam, por suposto, os direitos humanos e as instituições
relacionadas à promoção dos mesmos.

Delimitações metodológicas da educação


em Direitos Humanos
Como vimos na seção anterior, quando tratamos da educação em
direitos humanos estamos abordando diretamente a questão da formação
de discentes e docentes para compreenderem a realidade à sua volta
a partir dos pressupostos teóricos dos direitos humanos. Partindo da
ideia de que essa educação pressupõe a educação para a cidadania e
Educação em Direitos Humanos 15

para a concepção de democracia com participação popular, podemos


considerar a concepção de Adorno a respeito do tema:

A seguir, e assumido o risco, gostaria de apresentar a minha


concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim
chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito
de modelar pessoas a partir do exterior; mas também não a
mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de
coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção
de uma consciência verdadeira. Isso seria inclusive da maior
importância política; sua ideia, se é permitido dizer assim, é
uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever
de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito,
demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva
só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é
emancipado”. (ADORNO, 2003, p. 142)

Dentro dessa concepção, a metodologia relacionada à educação


em direitos humanos diz respeito a uma prática de ensino-aprendizagem
que seja orientada para a educação em direitos humanos, considerando o
caráter transversal e articulando conhecimentos e práticas com os demais
atores sociais, para além dos espaços formais de educação.

Para isso, é importante a integração dos objetivos previstos para


a educação em direitos humanos em todo o processo de ensino-
aprendizagem, inclusive em diferentes formas de avaliação. Também se
faz necessário o desenvolvimento de programas e metodologias voltados
para estimular a reflexão e a formação do tema, estabelecendo a troca
de informações e experiências entre os atores governamentais e demais
membros da sociedade civil organizada, inclusive os relacionados à
educação não formal, a fim de construírem conjuntamente estratégias de
formação.

A resolução CNE/CP do Governo Federal, nº 1, de 30 de maio de


2012, prevê em seu artigo 6º que:

A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal,


deverá ser considerada na construção dos Projetos Político-
16 Educação em Direitos Humanos

Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares; dos Planos


de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas
Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Educação
Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo
de ensino, pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos
diferentes processos de avaliação. (BRASIL, 2012, p. 2)

Em seu artigo 7º, prevê as seguintes formas de inserção dos


conhecimentos nas diferentes etapas da educação formal:

I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos


Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente;

II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já


existentes no currículo escolar;

III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e


disciplinaridade [...]. (BRASIL, 2012, p. 48)

SAIBA MAIS:

Projeto de pesquisa financiado pelo MEC em parceira com


a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) estimula alunos de escola pública sobre
Direitos Humanos. Saiba mais em: https://bit.ly/2YPc2Dx.

Segundo Bittar (2007, on-line), uma das formas de incentivar a


educação em direitos humanos é a partir do “desenvolvimento e da
valorização da pesquisa”, que vise o “desenvolvimento da consciência
crítica e enraizadora” e, ainda, seja capaz de:

aprofundar a consciência sobre a importância dos direitos


humanos e de sua universalização; provocar a abertura
criativa de horizontes para a auto compreensão; incentivar a
reinvenção criativa permanente das próprias técnicas; habilitar
à criticidade; desenvolver o reconhecimento histórico dos
problemas sociais; incentivar o conhecimento multidisciplinar,
interdisciplinar e transdisciplinar sobre a condição humana;
habilitar a uma compreensão segundo a qual a conquista de
Educação em Direitos Humanos 17

direitos depende da luta pelos direitos; valorizar a sensibilidade


em torno do que é humano; aprofundar a conscientização
sobre questões de justiça social; recuperar a memória e a
consciência de si no tempo e no espaço; habilitar para a
ação e para a interação conjunta e coordenada de esforços;
desenvolver o indivíduo como um todo, como forma de
humanização e de sensibilização; capacitar para o diálogo e
a interação social construtiva, plural e democrática. (BITTAR,
2007, on-line)

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu


mesmo? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo, vamos resumir tudo
o que vimos. Você deve ter aprendido que a forma como
compreendemos hodiernamente o que são os direitos
humanos, compreendidos como universais, ganhou essa
dimensão com a Carta das Nações Unidas em 1945. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi a
primeira Declaração que conjugou o discurso liberal de
cidadania com o discurso social. Oficialmente no Brasil, a
educação em direitos humanos é compreendida a partir da
consideração de uma organização sistemática e com mais
de uma dimensão orientada para a formação de sujeitos
de direitos. Algumas premissas teóricas da educação em
direitos humanos dizem respeito à compreensão da área
como educação continuada para a mudança compreensiva.
Metodologicamente, a educação em direitos humanos se
estabelece de forma transversal na educação formal e na não
formal, por meio de estratégias de ensino-aprendizagem,
como o desenvolvimento do reconhecimento histórico dos
problemas sociais, a valorização da sensibilidade em torno
do que é humano e o aprofundamento da conscientização
sobre questões de justiça social.
18 Educação em Direitos Humanos

Tratados Internacionais de Direitos


Humano

INTRODUÇÃO:

Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos de


1948, como já vimos, há outros documentos importantes
para o processo de universalização desses direitos. A
Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos
humanos como indivisíveis e universais), dá origem a um
sistema normativo internacional de proteção aos direitos.
Esse processo, por sua vez, foi responsável por apresentar
questionamentos à noção de soberania estatal ao introduzir
o tema de uma “cidadania global”, uma vez que o interesse
sobre o respeito ao indivíduo era internacional, e não mais
apenas assunto de jurisdição doméstica.

Figura 2: Sede das Nações Unidas em Nova York/EUA

Fonte: Pixabay

Desse modo, as necessidades consideradas fundamentais dos


seres humanos, em grande parte contempladas pelos direitos de segunda
geração, conhecidos como direitos coletivos, devem de fato ser definidos
Educação em Direitos Humanos 19

como direitos, dado que acima de tudo protegem grupos vulneráveis da


sociedade.

Apesar de estar claro em âmbito internacional que os direitos são


indivisíveis, os direitos econômicos, sociais e culturais ainda necessitam
de implementação e garantias. A Declaração de Viena é bastante clara na
defesa dessa concepção ao definir a interdependência entre os Direitos
Humanos, a Democracia e o Desenvolvimento.

Os direitos da segunda geração surgiram nas duas primeiras


décadas do século XX, quando a Constituição Mexicana de 1917, a
Revolução Russa, a Constituição da República de Weimar em 1919 e a
criação da Organização Internacional do Trabalho levaram os Direitos
Humanos a ter uma abrangência maior, incorporando essa nova gama de
direitos que exigem a ação positiva do Estado (e não somente a negativa,
ou seja, a ausência de interferência do Estado na garantia dos direitos
individuais, como é o caso dos direitos de primeira geração).

Assim como a garantia dos direitos da primeira geração foi fruto


da luta contra o absolutismo feudal durante os séculos XVII e XVIII, a
garantia dos direitos de segunda geração foi fruto das lutas sociais contra
a exploração do trabalho, por novos espaços para a liberdade coletiva e
por uma igualdade material maior que possibilitasse a dignidade humana.

No final da Guerra Fria, surgem ainda novas demandas dos novos


movimentos sociais. Tais demandas deram origem aos Direitos dos Povos,
ou Direitos da Solidariedade, a terceira geração dos Direitos Humanos,
que são ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos, demandantes de
um esforço coletivo entre indivíduos e Estados e demais atores da ordem
mundial atual. Na terceira geração estão o Direito ao Desenvolvimento, o
Direito à Paz, o Direito à Autodeterminação dos Povos, ao Desenvolvimento
Sustentável, entre outros.
20 Educação em Direitos Humanos

IMPORTANTE:

Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estão


garantidos não só pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos e pela Declaração de Viena, mas também por
tratados internacionais como o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas
de Discriminação contra a Mulher, a Convenção sobre os
Direitos das Crianças, entre outros.

Ainda sobre isso, salientamos o papel-chave da Declaração sobre


o Direito ao Desenvolvimento, de 1986. Vale apontar que, apesar de já ter
sido reconhecida pela Comissão da ONU de Direitos Humanos em 1977,
a Declaração foi consagrada pela Assembleia Geral da organização em
1986. Ao vincular os Estados ao dever de adotarem medidas efetivas, em
âmbito individual ou coletivo, voltadas para políticas de desenvolvimento
internacional a fim de realizar plenamente os direitos e acrescentando
que a cooperação internacional é uma peça-chave no quebra-cabeça
do desenvolvimento, em seu artigo 4º, o Direito ao Desenvolvimento
apresenta a importância de uma globalização inclusiva, solidária e que
garanta o respeito aos direitos humanos.

Todavia, para garantir esse respeito, a Declaração Universal de 1948


não era suficiente, uma vez que não possui força jurídica vinculante, logo, foi
necessária a criação de tratados internacionais que fossem juridicamente
obrigatórios no plano do direito internacional. Surgem então, em 1966, o
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os dois pactos, em conjunto
com a Declaração Universal formam a Carta Internacional dos Direitos
Humanos, ou International Bill of Rights.
Educação em Direitos Humanos 21

ACESSE:

Conheça um pouco mais sobre a Carta Internacional dos


Direitos Humanos (International Bill of Rights) acessando o
link: https://bit.ly/2Pu5Jkq.

Continuando, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais (PIDESC) inclui deveres para os Estados, ao contrário
do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que lista os
direitos referentes aos indivíduos.

Os direitos da segunda geração (PIDESC) representam um esforço


dos Estados a fim de progressivamente assegurar esses direitos, que
incluem, entre outros, o direito à previdência social, à moradia, à educação,
ao trabalho e à justa remuneração, à formação e filiação a sindicatos, à
saúde física e mental adequadas e a um nível de vida adequado e ao gozo
dos benefícios da liberdade cultural e do progresso científico.

O mecanismo disponível para o monitoramento e a implementação


é o de relatórios periódicos, em que os Estados apontam que medidas
estão sendo tomadas em âmbito interno para a observância dos direitos,
assim como dificuldades que assegurem uma real efetivação. Os relatórios
são encaminhados ao Secretário-Geral da ONU e depois repassados para
análise por parte do Conselho Econômico e Social (ECOSOC).

Quando o mecanismo de exigibilidade implementado pelo Estado


Parte não é suficiente, a ONU recomenda mecanismos mais eficazes. A
Declaração de Viena recomenda que seja criado também o direito de
petição com relação aos direitos previstos no Pacto, através de Protocolo
Adicional. Ela ainda sugere que sejam estabelecidos indicadores para o
acompanhamento da garantia dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(DESC), assim como um esforço integrado pelo seu reconhecimento.

No âmbito da OEA, existe o Protocolo de San Salvador de 1999, que


estabelece deveres jurídicos dos Estados Parte com relação aos direitos
sociais. Segundo o protocolo, os Estados Parte devem dispor ao máximo
de recursos disponíveis para progressivamente alcançarem a plena
22 Educação em Direitos Humanos

realização dos DESC. No Protocolo de San Salvador, existe a possibilidade


de petição individual a instâncias internacionais com relação ao direito à
educação e aos direitos sindicais. Com o fim da Guerra Fria e o avanço
nas telecomunicações, o surgimento dos novos temas e o aumento da
cooperação internacional, o tema dos direitos humanos passou a ter mais
destaque como pauta da agenda internacional.

Todavia, mesmo com a ratificação dos principais instrumentos


de proteção dos direitos humanos em âmbito internacional (a Carta de
Direitos e os Pactos Internacionais de 1966), o caráter social da jurisdição
internacional em prol da garantia dos direitos humanos só passou a
se consolidar com a Conferência do Cairo de 1944, sobre População e
Desenvolvimento (onde surgiu a expressão “Agenda Social da ONU”), que
deu origem ao Programa de Ação do Cairo, como um conjunto de medidas
a serem implementadas de forma conjunta em prol das questões sociais
relativas ao tema principal da Conferência.

A Conferência do Cairo foi essencial para a evolução da proteção


aos DESC, uma vez que concluiu que famílias que possuem os direitos
fundamentais garantidos são capazes de planejar a fecundidade e ga-
rantir a sustentabilidade dos filhos, recriando assim o conceito de Direito
Reprodutivo. Em Copenhague, 1995, na Cúpula Mundial sobre Desenvol-
vimento Social, os países em desenvolvimento resistiram aos condicio-
nantes que os países desenvolvidos apresentavam para a consecução de
investimentos, entre eles o de possuir uma “boa governança”.

Na Cúpula Mundial de 1995, podemos apontar as bases para a


Declaração do Milênio de 2000, em especial sobre os compromissos
de redução da pobreza e miséria absoluta em 2015, através de medidas
como a destinação de 0,7% do PIB dos países desenvolvidos à Assistência
Oficial ao Desenvolvimento. Foram estabelecidas também as bases para
as metas relativas à igualdade de gênero, à redução da mortalidade infantil
e à educação. Ainda na década de 90 podemos apontar a Conferência de
Beijing, de 1995, sobre os Direitos da Mulher e a Habitat II (Conferência
sobre Assentamentos Humanos) de 1996, em Istambul.
Educação em Direitos Humanos 23

Figura 3: Sala da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas

Fonte: Wikimedia

O principal resultado dessas conferências foi o fortalecimento do


conceito de empowerment das mulheres e o fortalecimento do direito
à moradia como direito humano. Na agenda da Habitat, houve ainda a
inovação da participação de outros atores como ONGs, sindicatos e
diversos movimentos sociais e a repetição das soluções apontadas em
Copenhague para o financiamento das propostas, que foi essencialmente
a questão dos 0,7% de investimento do PIB dos países desenvolvidos na
Assistência Oficial ao Desenvolvimento.

Diante da situação apresentada pelas Conferências da década de


90, surge a Declaração do Milênio, no ano 2000, com metas a serem
alcançadas até o ano de 2015, complementando e tomando como base as
diversas Conferências previamente citadas. A Conferência de Monterrey,
de 2002, apresenta soluções de como viabilizar a implementação dos
acordos de 2000, fechando a série de Conferências sobre as questões
sociais no âmbito das Nações Unidas.

Também devemos destacar, em 2001, a Conferência de Durban


contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Intolerância Correlata, que
24 Educação em Direitos Humanos

apesar da resistência dos países desenvolvidos, as recomendações de


Durban têm se mostrado positivas para a implementação da proteção e
medidas de reparação contra o racismo em âmbito interno de Estados em
desenvolvimento.

RESUMINDO:

Gostou do que lhe mostramos? Ainda temos muita coisa


para aprender! Vamos resumir tudo o que vimos até agora.
Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, como já vimos, há outros documentos importantes
para o processo de universalização dos direitos humanos. A
Declaração de Viena de 1993 (que de fato coloca os direitos
humanos como indivisíveis e universais), dá origem a um
sistema normativo internacional de proteção aos direitos.
Apesar de estar claro em âmbito internacional que os
direitos são indivisíveis, os direitos econômicos, sociais e
culturais ainda necessitam de implementação e garantias.
Assim como a garantia dos direitos da primeira geração
foi um fruto da luta contra o absolutismo feudal durante
os séculos XVII e XVIII, a garantia dos direitos de segunda
geração foi fruto das lutas sociais contra a exploração
do trabalho, por novos espaços para a liberdade coletiva
e por uma igualdade material maior que possibilitasse
a dignidade humana. No final da Guerra Fria, surgem
ainda novas demandas dos novos movimentos sociais,
que deram origem aos Direitos dos Povos ou Direitos da
Solidariedade, a terceira geração dos Direitos Humanos,
que são ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos,
demandantes de um esforço coletivo entre indivíduos e
Estados e demais atores da ordem mundial atual.
Educação em Direitos Humanos 25

Educação em Direitos Humanos e o


Contexto Brasileiro
Contexto histórico
O tema dos direitos humanos no Brasil passou por contextos
diferenciados nas últimas décadas. Previamente ao contexto do governo
militar de 1964, a discussão sobre os direitos humanos e suas garantias
não era um tema central no país, focado nas questões ligadas ao
desenvolvimento e seus possíveis desdobramentos. Até então, desde
Getúlio Vargas a discussão girava em torno dos direitos trabalhistas
e das conquistas sociais relacionadas ao mundo do trabalho, como na
Consolidação das Leis do Trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a unificação das


leis trabalhistas até então em vigência no país. Foi criada pelo Presidente
Getúlio Vargas em 1º de março de 1943. A CLT regulamenta as leis
individuais e coletivas relacionadas ao trabalho no Brasil.
Figura 4: Carteira de Trabalho e Previdência Social

Fonte: Wikimedia
26 Educação em Direitos Humanos

A repressão aos direitos durante o governo militar instaurado em


1964 inaugurou uma nova etapa na consideração a respeito dos direitos
humanos no país. O cerceamento às liberdades individuais e coletivas
como a proibição da organização sindical, a censura à liberdade de
expressão e o cerco à imprensa, além da tortura e da prisão de oponentes
políticos violava não apenas os direitos civis e políticos, mas também
os direitos econômicos, sociais e culturais. A reação a esse contexto de
violações de direitos trouxe ao contexto nacional de forma mais evidente
o debate internacional sobre a necessidade de respeito e da garantia dos
direitos humanos.

O período seguinte, da transição democrática após o fim do regime


militar, insere o país em um processo de abertura comercial. No mesmo
contexto em que a “Constituição Cidadã” de 1988 foi promulgada, a
inserção do país na globalização econômica internacional colocava em
cheque a previsão de garantia de direitos, em especial os de ordem
econômica e social previstos na Constituição Federal de 1988.

SAIBA MAIS:

A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como


a “Constituição Cidadã” por marcar a transição entre o
regime autoritário e a reconquista da democracia, além de
conter princípios constitucionais e garantias de direitos que
consolidam direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais, entre outros. Para mais informações acesse:
https://bit.ly/2KLG1CD.

Contexto brasileiro da educação em


Direitos Humanos
Como observamos durante o período do regime militar de 1964 a
abordagem ao tema dos direitos humanos conforme compreendido em
âmbito internacional ganhou mais relevo no país. Comissões de direitos
humanos foram organizados por membros da Igreja Católica, movimentos
sociais, entre outros. Após a transição democrática, o tema foi incorporado
Educação em Direitos Humanos 27

à discussão sobre a democracia em si. Nos espaços formais de educação


o tema passou a ser abordado de forma transversal, além da organização
de cursos, palestras e outras ações nos espaços não formais.

Na atualidade, a discussão sobre os direitos humanos enfrenta dois


grandes desafios, o que atravessa diretamente a abordagem da educação
sobre o tema, perpassando limitações:

Duas ordens de limitações pesam sobre o conceito de direitos


humanos e sua capacidade de constituir força educadora
significativa na consciência das pessoas. A primeira vem do
choque desses direitos com o forte impulso repressivo que
as reiteradas – e, via de regra, sensacionalistas – denúncias
de casos de crimes violentos aponta, para a acentuação das
condenações e penalizações, como se o aumento das penas
pudesse, por si só, ter efeito importante na luta contra a
impunidade e a imposição do Estado de Direito [...]

A outra grande dificuldade consiste na consideração dos


direitos humanos de forma restrita, separado dos outros
direitos – sobretudo econômicos e sociais. A origem do
conceito contemporâneo permitiu essa fragmentação,
porque ele nasceu na resistência à ditadura militar, com essa
conotação, além do marco internacional, de hegemonia das
concepções liberais, quer apontam nessa direção [...]. (SADER,
2007, p. 82-83)

Sader (2007) argumenta que apenas uma abordagem que considere


o tema dos direitos humanos de forma mais abrangente pode superar
os desafios propostos. Conforme já foi estabelecido internacionalmente,
os direitos humanos são indivisíveis, portanto a não garantia dos direitos
sociais, econômicos e culturais ou dos direitos coletivos, impacta
diretamente na garantia dos direitos individuais e vice-versa.

No que tange às ações oficiais sobre o tema da educação em


direitos humanos devemos pontuar a previsão da Constituição Federal de
1988, além da Lei Darcy Ribeiro, a lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) a respeito da centralidade do exercício da
28 Educação em Direitos Humanos

cidadania como um dos objetivos da educação em nosso país, prevendo,


para esse fim um processo de ensino-aprendizagem inspirado “nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a
finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996,
Atr. 2º).

Conforme falamos anteriormente, em 2003 foi lançado o Plano


Nacional de Educação em Direitos Humanos a partir dos parâmetros
internacionais e nacionais sobre o tema, em especial a consideração do
Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH). No
Plano Nacional, o governo brasileiro em conjunto com as organizações da
sociedade civil estabeleceu como objetivos em seu artigo 2º:

a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fun-


damentais; b) promover o pleno desenvolvimento da perso-
nalidade e dignidade humana; c) fomentar o entendimento, a
tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as na-
ções, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos,
religiosos e linguísticos; d) estimular a participação efetiva das
pessoas em uma sociedade livre e democrática governada
pelo Estado de Direito; e) construir, promover e manter a paz.

ACESSE:

Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos


(PMEDH) disponibilizado em português, conheça a
primeira e a segunda fase dos planos de ação. Acesse:
https://bit.ly/2Z2JYI5.
Educação em Direitos Humanos 29

Figura 5: 70 anos da Declaração Internacional dos Direitos Humanos

Fonte: https://bit.ly/3fXODXS

Nas reflexões sobre o contexto da educação em direitos humanos


no Brasil é sempre importante lembrar que a desigualdade, em especial a
social, que marca a sociedade brasileira, representa um desafio potencial
e, ao mesmo tempo, evoca a necessidade da reflexão, discussão e
implementação de ações sobre o tema. A educação que estimule a
consciência para os processos que geram e legitimam a desigualdade
podem fomentar a reflexão sobre a necessidade da solidariedade e da
tolerância entre aqueles “diferentes”.

A exclusão social marca também o distanciamento de ampla


parcela da sociedade brasileira de seu conjunto de direitos, relacionando
diretamente a falta de acesso à educação de qualidade ao processo de
não reconhecimento do papel de cidadão em sociedade.

O obstáculo ao exercício da cidadania perpassa não apenas a


assimetria com relação à informação, à educação e à participação
política, mas às condições básicas de existência, como a alimentação, o
saneamento básico, entre outros fatores, evidenciando a importância das
discussões sobre os direitos humanos perpassarem os processos formais
e informais de educação.
30 Educação em Direitos Humanos

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo?


Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir
tudo o que vimos. O tema dos direitos humanos no Brasil
passou por contextos diferenciados nas últimas décadas.
Previamente ao contexto do governo militar de 1964 a
discussão sobre os direitos humanos e suas garantias não
era um tema central no país, focado nas questões ligadas
ao desenvolvimento e seus possíveis desdobramentos. A
repressão aos direitos durante o governo militar instaurado
em 1964 inaugurou uma nova etapa na consideração
a respeito dos direitos humanos no país, ensejando a
organização de movimentos que pleiteassem o respeito
e a garantia de direitos diante das violações identificadas
naquele período histórico. No mesmo contexto em que a
Constituição Cidadã de 1988 foi promulgada, a inserção do
país na globalização econômica internacional colocava em
cheque a previsão de garantia de direitos, em especial os de
ordem econômica e social previstos na Constituição Federal
de 1988. Atualmente, debatemos a consideração de que os
direitos humanos são indivisíveis, portanto a não garantia
dos direitos sociais, econômicos e culturais ou dos direitos
coletivos, impacta diretamente na garantia dos direitos
individuais e vice-versa, o que está diretamente relacionado
a dois grandes desafios dos direitos humanos no Brasil: a
questão da violência e a fragmentação de direitos. Desde
2003 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
tem buscado balizar a orientação oficial sobre o tema, após
discussões com entidades da sociedade civil.
Educação em Direitos Humanos 31

Educação em Direitos Humanos na


Contemporaneidade
Conexão entre Direitos Humanos e
educação atualmente
Atualmente, a necessária conexão entre os direitos humanos e a
educação em direitos humanos torna-se ainda mais importante diante
dos inúmeros desafios impostos a ambos, como a grande defasagem na
educação formal, reflexo da desigualdade social, o modelo tradicional de
educação e a resistência a pressupostos teóricos e práticas inovadoras
que considerem o tema dos direitos humanos de forma transversal, a não
implementação das ações previstas no Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, especialmente no que tange à abordagem do tema na
formação continuada dos docentes e os desafios aos direitos humanos
como a resistência devido ao quadro de insegurança pública e o privilégio
dado à consideração dos direitos civis e políticos em detrimento dos
demais.

A excessiva ênfase na consideração da educação como instrumento


exclusivo de formação de mão de obra, desconsiderando o caráter de
inclusão, estímulo à reflexão crítica e inserção plena do cidadão em
sociedade representa um desafio extra à educação em direitos humanos
nos tempos atuais. Em paralelo, as sucessivas crises, em especial na
educação pública nas últimas décadas, fruto de uma (re)consideração
do papel do Estado e de crises orçamentárias do setor público, agravam
ainda mais o cenário, impondo uma agenda do “mínimo” às condições
adversas enfrentadas pela educação pública, considerando projetos e
tarefas “extras” como podem vir a ser consideradas as que levam o tema
dos direitos humanos à centralidade (em uma visão que não concebe a
questão desde o início do planejamento escolar).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a educação


enquanto direito humano fundamental, em seu artigo 26, que prevê que:
32 Educação em Direitos Humanos

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será


gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais.
A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-
profissional será acessível a todos, bem como a instrução
superior, esta baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento


da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos
direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução
promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre
todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz
[...]. (UNICEF, 1948)

Dentro desse contexto, o direito à educação pressupõe, dentro da


concepção da educação em direitos humanos, que o aluno seja visto
como sujeito detentor de direitos e deveres, que deve ser respeitado em
suas características étnicas, culturais, econômicas, entre outras. O direito
à educação recebe a missão de ser uma “porta de entrada” aos demais
direitos, pois a reflexão do papel do indivíduo enquanto membro de uma
coletividade, da sociedade, desperta a reflexão crítica necessária para
compreensão dos direitos, além dos deveres.

Cabe ressaltarmos que no Brasil, para além da educação formal,


desde a década de 80 há um trabalho intenso das organizações da
sociedade civil organizada, como as organizações não governamentais
e movimentos sociais. Conforme vimos, a mobilização inicial em torno da
garantia dos direitos civis e políticos no contexto do regime militar de 1964
despertaram o ativismo pelos direitos humanos e a mobilização em torno
do tema. Esse trabalho ocorre em consonância com o poder público,
porém, muitas vezes, busca suprir lacunas que a oferta de políticas
públicas deixa no país.
Educação em Direitos Humanos 33

SAIBA MAIS:

A sociedade civil designa todas as formas de ação


social levadas a cabo por indivíduos ou grupos que não
emanam do Estado nem são por ele determinadas. Uma
sociedade civil organizada é uma estrutura organizativa
cujos membros servem o interesse geral através de um
processo democrático, atuando como intermediários
entre os poderes públicos e os cidadãos. Disponível em:
https://bit.ly/2Sh96ch.

Assim, tanto em espaços de educação não formal quanto, e


principalmente, em espaços de educação formal, um dos desafios
contemporâneos à educação em direitos humanos é a formação de
professores habilitados a considerar o tema em seus planejamentos
de aula, a partir de uma formação deles mesmos em direitos humanos
e a compreensão de como, metodologicamente, trabalhar as questões
relacionadas. Apesar do Plano Nacional em Direitos Humanos prever
ações no sentido da educação em direitos humanos integrar o currículo
das instituições de formação de professores, ainda há lacunas nessa
formação.

Outra questão correlata, conforme debatemos no início desta


unidade, é a necessidade da superação de uma educação meramente
tecnicista, voltada exclusivamente para a capacitação específica para um
ofício. É essencial a consideração dos professores também como cidadão
capaz de não apenas participar do processo de ensino-aprendizagem,
mas também enquanto agente fundamental de mobilização para os
direitos humanos.

Cabe ressaltarmos que nos espaços de educação não formal como


presídios, organizações não governamentais, espaços de educação
religiosa, entre outros, também cabe a mobilização dos docentes para o
tema, pois estes, muitas vezes, lidam diretamente com grupos excluídos e
marginalizados em nossa sociedade, justamente onde a conscientização
para a cidadania plena pode fazer ainda mais diferença.
34 Educação em Direitos Humanos

Hodiernamente também é fundamental a conceptualização e a


promoção da reflexão a respeito dos direitos de igualdade e os de diferença
que compreendem especificidades das pautas identitárias relacionadas
a temas como sexualidade, étnico-raciais, entre outras. Esses são temas
que têm mobilizado a sociedade devido a diferentes visões sobre como o
direito à diferença deve ser tratado. Todavia, se consideramos a questão
da educação em direitos humanos devemos sempre lembrar que estamos
partindo de pressupostos teóricos e metodológicos consolidados nacional
e internacionalmente a partir da garantia e da promoção de direitos,
estabelecendo um roteiro mínimo e que busca ser consensual para estes
temas. Para além de disputas políticas e ideológicas, há seres humanos
que necessitam da intervenção da sociedade para terem o direito à vida e
à inclusão social garantidos.

IMPORTANTE:

Algumas estratégias para a superação das questões aqui


tratadas relacionadas aos desafios da educação em direitos
humanos na contemporaneidade passam pelo trabalho
de formação dos professores, para a consideração da
temática na educação desde o ensino fundamental, pelo
reconhecimento das diferenças e do tratamento básico
dado a essa questão e a efetivação do direito em direitos
humanos em espaços formais e não formais de ensino.

Estratégias para a conexão entre Direitos


Humanos e educação atualmente
O desafio da implementação e da garantia dos direitos humanos
na sociedade moderna é permanente. Demanda educação e mobilização
de indivíduos conscientes de seu papel na sociedade moderna e que
possam, para além da consciência, ter acesso a mecanismos efetivos
de garantia desses direitos. Como vimos ao longo da unidade 1, há
tanto em âmbito internacional quanto em âmbito nacional no que tange
à construção de direitos positivados, marcos legais que subsidiam e
efetivam os direitos humanos. Todavia, é importante que a sociedade
Educação em Direitos Humanos 35

tenha a seu dispor a concepção de uma reflexão crítica contínua, além de


instrumentos práticos.

No Brasil, é importante irmos além do Plano Nacional de Educação


em Direitos Humanos, fundamental em sua concepção e estratégias.
Porém, enquanto fruto de discussão e implementação de políticas
públicas é um instrumento que baliza as discussões e as ações sobre o
tema, demandando o investimento público e privado, tanto em termos de
recursos financeiros quanto na concepção de estratégias e planejamentos
de efetivação.

Para isso, iniciativas de valorização de projetos e experiências que


já lidam como o tema são fundamentais, assim como a parceria entre
os diferentes setores da sociedade. Por fim, é necessária a reflexão
constante sobre a formação de professores, a pesquisa científica na área
e a implementação pedagógica em educação em direitos humanos, a fim
de que os processos teóricos e metodológicos sejam constantemente
revistos e melhorados em prol da consolidação e ampliação de direitos.
Figura 6: Formação em Direitos Humanos

Fonte: https://bit.ly/3uzVYRC

EXEMPLO: Um exemplo de iniciativa de formação e valorização


da educação em direitos humanos é o “Prêmio Municipal Educação em
Direitos Humanos da Cidade de São Paulo”, que divide a premiação de
boas práticas em categorias de projetos feitos por professores, estudantes,
da unidade escolar como um todo, entre outros.

ACESSE:

Para mais informações sobre o prêmio acesse:


https://bit.ly/3uDvHBS.
36 Educação em Direitos Humanos

RESUMINDO:

Nossa primeira unidade está chegando ao fim. Então, gostou


do que lhe mostramos? Agora, só para termos certeza de
que você realmente entendeu o tema de estudo deste
capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Atualmente, a
necessária conexão entre os direitos humanos e a educação
em direitos humanos torna-se ainda mais importante diante
dos inúmeros desafios impostos a ambos, como a grande
defasagem na educação formal, o reflexo da desigualdade
social, o modelo tradicional de educação e a resistência a
pressupostos teóricos e práticas inovadoras que considerem
o tema dos direitos humanos de forma transversal e a não
implementação das ações previstas no Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos. As sucessivas crises nas
últimas décadas, em especial na educação pública, fruto
de uma reconsideração do papel do Estado e de crises
orçamentárias do setor público, agravam ainda mais o
cenário. Tanto em espaços de educação não formal quanto,
e principalmente, em espaços de educação formal, um dos
desafios contemporâneos à educação em direitos humanos
é a formação de professores habilitados a considerar o tema
em seus planejamentos de aula. Iniciativas de valorização
de projetos e experiências que já lidam com o tema são
fundamentais, assim como a parceria entre os diferentes
setores da sociedade. Para isso, é necessária a reflexão
constante sobre a formação de professores, a pesquisa
científica na área e a implementação pedagógica em
educação em direitos humanos, a fim de que os processos
teóricos e metodológicos sejam constantemente revistos
e melhorados em prol da consolidação e ampliação de
direitos.
Educação em Direitos Humanos 37

REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W. Educação e emancipação. 3. ed. Tradução de
Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

BITTAR, E. Educação e metodologia para os direitos humanos:


cultura democrática, autonomia e ensino jurídico. In: SILVEIRA, R. M. G. et
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João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2007. Disponível em: http://
www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm.
Acesso em: 10 maio 2019.

BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. 2007


Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional-
pdf/file. Acesso em: 06 abr. 2021.

BRASIL. Resolução CNE/CP 1/2012. Diário Oficial da União, Brasília,


31 de maio de 2012. Seção 1. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
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MASSARO, V.  Reflexões sobre o jusnaturalismo.  Revista Jus


Navigandi, ISSN 1518-4862, Tresina, ano 22, n. 5198, 24 set. 2017. Disponível
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SADER, E. Contexto histórico e educação em direitos humanos


no Brasil: da ditadura à atualidade. In: SILVEIRA, R. M. G. et al. Educação
em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológico. João Pessoa:
Editora Universitária/UFPB, 2007. Disponível em: http://www.dhnet.org.
br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm . Acesso em: 22 abr.
2011. Acesso em: 10 maio 2019.

UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948.


Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-
direitos-humanos. Acesso em: 07 maio 2019.

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