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Direito de Família

Livro Didático Digital


Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
RODRIGO GONÇALVES
AUTORIA
Rodrigo Gonçalves
Rodrigo Gonçalves Sou formado em Direito desde 2012, com
experiência técnico-profissional na área de Direito Civil, principalmente na
área de Direito de Família. Passei por alguns escritórios privados, porém,
atualmente possuo meu próprio escritório, litigando em favor dos que
me procuram. Sou apaixonado pelo que faço e adoro transmitir minha
experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por
isso, fui convidado pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de
autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta
fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
União Estável e suas Atribuições........................................................... 10
Considerações Gerais sobre a Matéria.............................................................................10

Elementos que Caracterizam uma União Estável .................................................. 15

Dissolução da Sociedade Conjugal...................................................... 23


Questões Gerais ..............................................................................................................................23

Histórico do Instituto do Divórcio.........................................................................................24

A importância da Emenda Constitucional nº 66/2010.........................................29

Considerações Específicas Acerca do Divórcio Judicial.................................... 30

Parentesco e Filiação................................................................................. 33
Considerações Iniciais..................................................................................................................33

Noções Conceituais sobre o Parentesco.......................................................................33

O Vínculo Parental do Ponto de Vista de Linhas e Graus...................................34

Efeitos Jurídicos Decorrentes dos Parentescos........................................................37

Espécie de Parentesco............................................................................................................... 38

Considerações Gerais sobre Filiação............................................................................... 40

Alimentos, Tutela e Curatela................................................................... 42


Breves Considerações sobre Este Capítulo.................................................................42

Parte Um: Dos Alimentos............................................................................................................42

O Trinômio Determinante nas Relações Alimentares .......................45

Características dos Alimentos Civis................................................................ 46

Parte Dois: Da Tutela e da Curatela................................................................................... 48


Direito de Família 7

04
UNIDADE
8 Direito de Família

INTRODUÇÃO
Estamos entrando na etapa final de nosso curso de Direito de
Família. Nesta unidade, separamos tópicos que são constantemente
vistos na atividade jurídica. No transcurso destas páginas eletrônicas,
darei breves pinceladas de situações cotidianas para que você, aluno, ao
cair no campo de trabalho, não se sinta tão desnorteado. Aprofundaremos
questões referentes às relações de parentesco, à união estável, à filiação,
aos direitos sobre alimentos, ao divórcio, à curatela e tutela. Com isso,
você terá visto situações suficientes para que, ao término do seu curso,
possa cair em campo nesta área tão rica de aprendizados. Entendeu? Ao
longo desta unidade letiva, você vai mergulhar neste universo!
Direito de Família 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 04. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o
término desta etapa de estudos:

1. Inventariar questões de dissolução da sociedade conjugal.

2. Discernir sobre as questões legais atinentes à união estável.

3. Definir parentesco e filiação e suas peculiaridades.

4. Constituir argumentos e impetrar ações sobre alimentos, tutela e


curatela.

Concorda comigo que são muitos temas interessantes? Então,


preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao
trabalho! Espero que, ao final, você se sinta sedento por se aprofundar
mais e mais sobre os temas aqui propostos
10 Direito de Família

União Estável e suas Atribuições

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender o


que é a união estável. Isso será fundamental para o exercício
de sua profissão. As pessoas que tentaram ingressar no
meio jurídico sem a devida instrução tiveram problemas ao
ajuizar ações, como reconhecimento e dissolução desse
tipo de união. E então, motivado para desenvolver esta
competência? Vamos lá. Avante!.

Considerações Gerais sobre a Matéria


As uniões estáveis são aquelas em que um casal, por vínculos
afetivos, passou a conferir alguns elementos de estado de posse de
casados, constituindo família, filhos e, muitas vezes, sólido patrimônio,
porém, por diversos motivos, nunca não solidificou essa união pelo meio
estatal que é promovido pelo casamento.

Como se pode ver, reside nesse tipo de situação familiar uma


ausência de tutela do Estado e, assim, de uma gama de garantias que
este poderia promover.

Na verdade, historicamente, esse tipo de união foi por muito tempo


relegado, uma vez que, no ideário construído através de séculos pelo
pensamento religioso, tinha-se em mente que só poderia ser legítima
a união consolidada pelo casamento na modalidade religiosa. Esse
pensamento perdurou, inclusive, por muitos anos, ainda mesmo após a
ascensão dos estados democráticos de direito, como já estudamos.

Nesse sentido, as famílias que eram geradas sob a ótica de uma


união estável eram chamadas de relações concubinárias, ou seja, em
termos bem populares, eram relações construídas através de amantes.
Direito de Família 11

Sintetizando, uma relação legítima só poderia ser constituída através


de um processo legítimo de casamento, já uma relação concubinária
jamais poderia ter esse tom, ganhando o estigma de ser uma relação
ilegítima.

Porém, os operadores do direito começaram a observar que as


relações tidas como ilegítimas também produziam seus efeitos, pois já
era inconcebível não notar que em muitas relações extraconjugais, por
exemplo, havia questões como presença de filhos e constituição de
patrimônio.

Após muitas batalhas travadas no judiciário e debates no plano


legislativo, observando esses fatores, o Estado pouco a pouco precisou
intervir, reposicionando direitos e garantias fundamentais anteriormente
denegados (por exemplo, direito à moradia, direito ao nome, direito a uma
herança etc.) a essas relações e seus frutos.

Perceba-se, por exemplo, antigamente um filho de uma relação


extraconjugal jamais poderia ter o nome de seu genitor, casado de forma
legítima, e, assim, não poderia concorrer aos bens como os outros filhos
advindos de forma ilegítima, da mesma forma, a companheira não poderia
nada ter.

Após a Constituição Federal (CF) de 1988, houve uma maciça


e manifesta modificação de entendimento junto aos tribunais que
acarretaram posteriormente em uma legislação que viria a proteger mais
essas pessoas.

É justo dizermos que isso não ocorreu de 1988 para cá, devemos
sempre reforçar que houve uma paulatina mudança do último século para
cá. A CF de 1988 apenas acelerou e alargou os debates. Um exemplo
disso é o Decreto-lei nº 7.036, de 1944, que atribuiu à concubina uma justa
indenização pela morte do companheiro em acidente, conforme ressalva
Sílvio De Salvo Venosa:
Concedeu-se à companheira o direito de perceber a
indenização do companheiro morto por acidente de
trabalho e de trânsito, desde que não fosse casado e a
tivesse incluído como beneficiária (Decreto-lei n. 7.036/44;
Lei n. 8.213/91). No mesmo diapasão foram consolidados
12 Direito de Família

os direitos previdenciários da companheira na legislação


respectiva (Leis n. 4.297/63 e 6.194/74), permitindo que
ela fosse designada beneficiária do contribuinte falecido,
tendo a orientação jurisprudencial encarregado-se de
alargar o conceito, permitindo o mesmo direito também na
falta de designação expressa, se provada a convivência ou
a existência de filhos comuns. Nesse sentido, permitiu-se a
divisão da pensão entre a esposa legítima e a companheira
(Súmula 159 do extinto TFR). (VENOSA 2003, p. 51)

Outro exemplo que podemos dar é o que fora estabelecido na Lei


nº 4.297/63, que, em seu art. 3º, assim prelecionava:
Art. 3.º Se falecer o ex-combatente segurado de Instituto
de Aposentadoria e Pensões ou Caixa de Aposentadoria e
Pensões, aposentado ou não, será concedida, ao conjunto
de seus dependentes, pensão mensal, reversível, de valor
total igual a 70% (setenta por cento) do salário integral
realmente percebido pelo segurado e na seguinte ordem
de preferência:

a) metade à viúva, e a outra metade, repartidamente,


aos filhos de qualquer condição, se varões — enquanto
menores não emancipados, interditados ou inválidos — se
mulheres, enquanto solteiras, incluindo-se o filho póstumo;

b) não deixando viúva, terão direito à pensão integral os


filhos menores na letra a deste artigo;

c) se não houver filhos caberá a pensão integral a viúva;

d) à companheira, desde que com o segurado tenha


convivido maritalmente por prazo não inferior a 5 anos e
até a data de seu óbito;

e) se não deixar viúva, companheira, nem filho, caberá a


pensão à mãe viúva, solteira, ou desquitada, que estivesse
sob a dependência econômica do segurado;

f) se nas condições da letra anterior deixar pai ou mãe que


vivessem às suas expensas, estando aquele inválido ou
valetudinário, a pensão lhe será concedida, ou a ambos,
repartidamente;

g) os irmãos, desde que estivessem sob a dependência


econômica do contribuinte e, se varões, enquanto menores
não emancipados, interditos ou totalmente inválidos e, se
mulheres quando solteiras, viúvas ou desquitadas;
Direito de Família 13

h) em qualquer época as filhas viúvas, casadas ou


desquitadas, reconhecidamente privadas de recursos para
sua manutenção, serão equiparadas aos filhos ou filhas
indicados na letra a deste artigo e com eles concorrentes
à pensão;

i) o desquite somente prejudicará o direito à pensão quando


a sentença for condenatória ao cônjuge beneficiário.
(BRASIL, 1963)

Veja, pela redação do referido dispositivo, aqui se reconhece


expressamente a companheira como destinatária de tutela estatal.

Mesmo juridicamente as famílias em união estável pouco a pouco


sendo guarnecidas, foi preciso primeiro desconstruir um concubinato.
Os debates jurídicos permearam o entendimento, não o tornando um
comportamento socialmente aceitável, mas um juridicamente tutelável,
até porque precisou-se separar a compreensão de quem apenas
não queria ou não teve a oportunidade de se casar de quem vivia em
relações extraconjugais. Somente mais tarde passou-se a entender que
algumas relações extraconjugais tinham características de união estável,
quebrando de vez certos paradigmas.

Primeiramente, fez-se constar isso no plano constitucional:


Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.

[...]

§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a


união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento. (BRASIL, 1988)

Isso foi de suma importância ao nosso ver, pois retirou um


pensamento de hierarquia entre modalidades de família, agora
uniões estáveis e aquelas constituídas através do casamento estavam
resguardadas em uma especial tutela do Estado. Pensando dessa mesma
forma, assim nos endossa Gagliano (2019):
14 Direito de Família

(...)a normatização constitucional consagrou um sistema


aberto, inclusivo e não discriminatório, não se afigurando
admissível permanecer de fora do seu âmbito de tutela
uma forma de união familiar tão (ou mais) antiga quanto o
casamento. (GAGLIANO 2019, p. 466)

É de extrema utilidade frisar que, ao consagrar a união estável


como forma de família, o legislador constituinte equiparou-a, mas não
a identificou ao casamento, daí por exemplo existir a figura jurídica da
ação de conversão de união estável em casamento. Portanto, são dois
institutos semelhantes na prática, porém juridicamente guardam certa
diferenciação.

Nesse sentido, ao dizer que não há hierarquia entre os institutos,


estamos dizendo não haverá tratamento diferenciado entre eles. Entenda,
não há um instituto acima dos outros. Aqui, os dois institutos devem
ter tratamentos iguais, mesmo que sejam um tanto diferentes entre si,
conforme veremos. Lembre-se, estimado aluno, o que constitui uma
família é o vínculo afetivo que habita nela, não um ato em si.

Ainda sobre essas lições, sabiamente fala a grande civilista Maria


Berenice Dias:
O fato de mencionar primeiro o casamento, depois a
união estável e após a família monoparental, não significa
qualquer preferência e nem revela escala de prioridade
entre elas. Ainda que a união estável não se confunda
com o casamento, ocorreu a equiparação das duas
entidades familiares, merecedoras da mesma proteção. A
Constituição acabou por reconhecer juridicidade ao afeto,
ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade
à categoria de entidade família. (DIAS, 2005, p. 163)

Nesse sentido, tudo que aqui fora dito foi para entregarmos a ti,
aluno, uma base conceitual sobre a união estável.

Primeiro, devemos perceber que o direito evoluiu da mesma forma


que a sociedade mitigou seu posicionamento acerca do concubinato
(relação entre amantes).
Direito de Família 15

Hoje, do prisma da união estável, embora esta de certa forma


comungue ainda com a perspectiva de ser oriunda de um concubinato,
nem todo concubinato gera uma união estável.

Vejamos a dicção do art. 1.727 do CC/2002, que disciplina que as


relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato. Claro que nessa altura de nossos estudos,
a expressão “o homem e a mulher” contempla também as relações de
concubinato entre pessoas do mesmo sexo.

Dessa forma, a união estável, por sua vez, não se comporta


com a mera eventualidade em uma relação e, por conta disso, tem
reconhecimento jurídico tal qual o casamento (CF/1988, § 3º do art. 226).

DEFINIÇÃO:

A união estável trata-se de uma relação afetiva de


convivência pública e duradoura entre duas pessoas, do
mesmo sexo ou não, com o objetivo imediato de constituição
de família. Diferencia-se do cerne de um concubinato, que
tem o centro em uma relação extraconjugal.

Elementos que Caracterizam uma União


Estável
Tomando posse da definição acima mostrada, alguns pontos-chave
devem ser detectados para a confirmação de uma união estável, de modo
que a falta de um deles pode, no caso concreto, descaracterizar o instituto
em comento.

a. A publicidade, também chamada pela doutrina como convivência


pública, é para nós a chave para diferenciar de um concubinato,
pois uma relação tida em segredo transmite o senso de relação
clandestina, distanciando-se dos preceitos de uma união estável,
conforme os tópicos à frente tratados.
16 Direito de Família

O aluno pode até apresentar um ou dois casos de relações


concubinárias (extraconjugais) públicas, pois isso não é difícil de se ver. Em
nossa experiência advocatícia, é curioso apontar que na grande parte das
vezes em que isso ocorre, existe um senso entre os participantes dessa
relação, em que uma vai se colocar como relação originária legítima e
outra como secundária ilegítima.

Na dúvida, ainda que se reste alguma, a relação primeira será


aquela que em ordem cronológica se iniciou, e a concubinária a que se
iniciou em segundo.

a. A continuidade, ou convivência contínua, é aquela constituída de


um animus de permanência e definitividade. Isso é o que diferencia
uma união estável de um namoro.

b. A estabilidade, ou convivência duradoura, é também um outro


elemento diferenciador da união estável de um relacionamento
transitório, como um namoro ou “ficar”.

c. Por fim, objetivo de constituição de família é, portanto, a essência


do instituto aqui constitucionalizado, diferenciando uma união
estável de uma relação meramente obrigacional.

Note que esses elementos se diferenciam do casamento, em que


existe uma obrigatoriedade de convivência em um mesmo domicílio,
como já vimos. Outras diferenças também podem ser apresentadas, como
a forma em que a entidade familiar é constituída, pois, diferentemente do
casamento, que é formado essencialmente por um ato solene, formal, a
união estável é desprovida dessa maneira de constituição, o que nos leva
a dizer que a união estável é formada por um caráter fático e informal.

Embora os elementos estejam firmemente nítidos para entendermos


uma união estável, muitas questões de ordem conceitual ainda pairam
nos dias de hoje. Um exemplo disso é sobre os casais de namorados que
resolvem viver sob o mesmo teto, vivendo como se em união estável
estivessem.
Direito de Família 17

Essa questão é um tanto polêmica e tem gerado controvérsias nos


tribunais pátrios. Todavia, tem-se entendido que seja preciso demonstrar,
em um eventual processo de reconhecimento de união estável, a
finalidade de constituição de um núcleo estável familiar. Corrobora com
essa tese, por exemplo, essa ementa do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul:
EMENTA: Apelação cível. União estável. Requisitos.
Insuficiência de provas. Para a caracterização da união
estável é imprescindível a existência de convivência
pública, contínua, duradoura e estabelecida com objetivo
de constituir família. No caso dos autos, o relacionamento
ostentou contornos de um namoro, inexistindo, portanto,
o objetivo de constituição de família. Sentença de
improcedência mantida. Recurso improvido” (TJRS,
Apelação Cível 70034815902, rel. Claudir Fidelis Faccenda,
julgado em 18-3-2010, 8.ª Câm. Cív.).

NOTA:

Vale-nos fazer uma observação de algo que começa a


ficar comum nos dias de hoje. Casais que namoram nesse
nível, assim como os que acima citamos, têm procurado
os cartórios de tabelionato para celebrarem o que tem se
chamado de “contrato de namoro”. Esse contrato tem força
de negócio jurídico, firmado com o límpido propósito de
afastarem o regramento do direito de família. Ou seja, aqui o
casal afirma em cartório não ter interesse de firmarem algo
mais sério, nesse sentido, enquanto o instrumento estiver
válido, entende-se que não há ali união estável.

Parte da doutrina entende como um ato infrutífero vindo desses


casais, pois, se a união estável é um fato jurídico que nasce pelo convívio
dos conviventes, “não será uma simples declaração negocial de vontade
instrumento hábil para afastar o regramento de ordem pública que rege
este tipo de entidade familiar”, como pontua Gagliano (2019, p. 483).
18 Direito de Família

Ao nosso ver, tal contrato é uma forte prova da autonomia da


vontade dos namorados, e, nesse aspecto, acreditamos que devemos
olhar pelos princípios gerais dos contratos, ou seja, uma vez respeitadas
as formalidades regidas por lei, o contrato faz-se lei entre as partes (pacta
sunt servanda).

Ao nosso ver, não podemos forçar uma união estável para quem
não quer. Porém, isso deve ser melhor avaliado caso a caso, pois uma
coisa é um namoro de um lapso curto de tempo, como dois ou três anos,
outra coisa é uma convivência de muitos anos, como 10, 15, 20, 30 anos.
Somente o caso concreto poderá definir melhor as circunstâncias.

O operador do direito deverá também estar atento a alguns


elementos caracterizadores acidentais que ainda não tratamos e que são
importantes para resolvermos deslindes dessa natureza, e outras tantas
acerca do reconhecimento da união estável.

IMPORTANTE:

Esses elementos acidentais representam circunstâncias de


fato que, embora não sejam tidas como essenciais para a
caracterização da união estável, são também perceptíveis,
facilitando ao operador do direito sua demonstração
judicial, avigorando enormemente a tese da sua existência.

O primeiro desses elementos, já dissemos, é o tempo de


convivência. Esse elemento é um dos aspectos decisivos, muitas vezes,
para identificarmos uma união estável, considerando a perspectiva de
que quanto mais contínua e duradoura, mais sólida é.

Outrora, legislações esparsas, como a Lei nº 8.971, de 1994,


considerava união estável somente em determinadas situações:
Art. 1.º A companheira comprovada de um homem solteiro,
separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele
viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá
valer-se do disposto na Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968,
enquanto não constituir nova união e desde que prove a
necessidade.
Direito de Família 19

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é


reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada
judicialmente, divorciada ou viúva.

Art. 2.º As pessoas referidas no artigo anterior participarão


da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes
condições:

I — o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto


não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos
bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns;

II — o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto


não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens
do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam
ascendentes;

III — na falta de descendentes e de ascendentes, o(a)


companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da
herança.

Art. 3.º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da


herança resultarem de atividade em que haja colaboração
do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade
dos bens.

Art. 4.º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5.º Revogam-se as disposições em contrário. (BRASIL,


1994)

Conforme leitura desse mesmo texto, considerava-se companheira


aquela que tivesse convivido há mais de cinco anos, ou se da união
adviesse prole comum.

Como se pode mesmo prever, atualmente tais critérios caíram


por terra. Porém, o preceito dos cinco anos, que girava em torno da
união estável, perdurou por anos, até a vinda do CC de 2002, que
definitivamente não colocou dentro do quadro geral o tempo como algo a
ser preponderantemente visto para caracterizar uma união estável.
Ementa: Apelação. União estável. Tempo. Convívio
duradouro. A legislação atual referente à união estável,
inclusive o Novo Código Civil, não mais exige tempo
mínimo de convivência para que a relação caracterize
união estável, bastando que seja duradoura, presentes
os demais requisitos legais. In casu, a convivência
sob o mesmo teto, como marido e mulher, durou
20 Direito de Família

aproximadamente dezoito meses, período insuficiente à


caracterização da união estável em tantos outros casos,
mas que na espécie não obstaculiza o reconhecimento
pretendido. Apelo desprovido” (TJRS, Apelação Cível
70010253904, rel. Rui Portanova, julgado em 23-12-2004,
8.ª Câm. Cív.).

Isso de certa forma gera questões que até hoje são debatidas pela
doutrina e pela jurisprudência. Nesse sentido, nos filiamos a Gagliano
(2019), quando este afirma:
Se, por um lado, levanta-se o argumento crítico no sentido
da insegurança gerada pela ausência de um critério
temporal, por outro, afirma-se que a exigência de um
lapso mínimo desembocaria em situações de inequívoca
injustiça, a exemplo do casal que não teve a união estável
reconhecida por terem desfeito o vínculo dias antes de
atingirem o limite mínimo de tempo. (GAGLIANO, 2019, p.
487)

Dessa forma, o tempo, embora seja um forte indício de união


estável, em casos concretos ele pode ser dispensado como critério,
porém, advertimos que o critério tempo ainda é um instrumento probatório
preponderante, no sentido de que quanto mais tempo em torno do casal
convivente, mais provas estes confeccionam para provar o período de
união.

Questão relevante é sobre a coabitação, que, diferentemente do


casamento, em que é algo elementar e necessário um domicílio em
comum, nas uniões estáveis isso é um elemento muitas vezes irrelevante.

Portanto, conclui-se aqui que, mesmo vivendo em moradias


separadas, pode haver constituído a união estável aos conviventes.

Também uma prole em comum, embora seja um forte indício de


união estável, não é elemento indispensável, posto que existem números
vetores que podem levar um casal convivente a não ter filhos, portanto,
isso não pode ser elemento indispensável para comprovar uma união
estável.
Direito de Família 21

IMPORTANTE:

Dito isso, o CC em vigor é taxativo ao afirmar que a união


estável não se constituirá caso concorram qualquer dos
impedimentos constantes no art. 1.521, já estudado em
unidades passadas; todavia, as causas suspensivas do art.
1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Contudo, praticamente os mesmos deveres de um casamento


estão presentes na união estável, que segundo o art. 1.724 do CC são:

•• Dever de lealdade.

•• Dever de respeito.

•• Dever de assistência.

•• Dever de guarda, sustento e educação dos filhos.

VOCÊ SABIA?

Sobre os efeitos patrimoniais da união estável, ou seja, seu


regime de bens, aqui é onde reside sempre as maiores
questões polêmicas, pois, como o instituto da união estável
é baseado na informalidade, não há como identificar
bens do casal, uma vez que os patrimônios se encontram
extremamente embaralhados, salvo se a união esteja
reconhecida em cartório na modalidade extrajudicial, ou
judicial.

Interessante é pontuar que a Lei nº 9.278, de 1996, em seu art. 5º,


assim estabelecia:
Art. 5.º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por
ambos os conviventes, na constância da união estável e
a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da
colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em
22 Direito de Família

condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária


em contrato escrito.

§ 1.º Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição


patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos
anteriormente ao início da união.

§ 2.º A administração do patrimônio comum dos


conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária
em contrato escrito. (BRASIL, 1996)

Esse dispositivo tornou-se um grande norteador nas decisões


anteriores ao CC atual, que mais tarde traria, no art. 1.725 do vigente CC,
o seguinte texto:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que
couber, o regime da comunhão parcial de bens. (BRASIL,
2002)

Dessa forma, esse artigo hoje é o grande norteador em lides


patrimoniais sobre o instituto da união estável.

Por fim, caso os companheiros assim queiram, o art. 1.726 do CC


preleciona que a união estável poderá converter-se em casamento
mediante pedido destes ao juiz, que, se concedida, determinará assento
no registro civil.

RESUMINDO:

A união estável é um instituto novo em nosso ordenamento


e ainda está em constante transformação social e legislativa.
Trata-se de uma relação afetiva de convivência pública e
duradoura entre duas pessoas, do mesmo sexo ou não,
com o objetivo imediato de constituição de família.
Direito de Família 23

Dissolução da Sociedade Conjugal

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender


as diversas formas de extinção do vínculo conjugal,
principalmente o divórcio. Isso será fundamental para
o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram
ingressar no meio jurídico sem a devida instrução tiveram
problemas ao ajuizar demandas inerentes ao tema aqui
proposto. E então, motivado para desenvolver esta
competência? Vamos lá. Avante!

Questões Gerais
É certo, aluno, que tudo na vida tem um fim, ou seja, tudo tende
a atingir sua finalidade, isso é óbvio, pois nem tudo pode durar para
sempre. Neste capítulo, faremos reflexões sobre esse assunto dentro do
panorama legal do direito de família brasileiro, no sentido de que iremos
analisar, dentro de nossa disciplina, quais são as formas de extinção do
vínculo conjugal.

A rigor, são três as formas de extinção do vínculo conjugal, são elas:

•• Morte de um dos cônjuges — podemos dizer que é a mais natural


de todas, e por muito tempo entendida como a única forma de
extinção do vínculo conjugal. Quando contraímos matrimônio ou
nos unimos a uma pessoa de forma a querer compartilhar uma
vida em comum, sabemos que é um vínculo que deve perdurar
por toda a vida. Alguns viúvos optam a devotar seu amor para a
eternidade e preferem não se casar mais; já outros preferem abrir-
se para novas possibilidades. Mas o certo é que, através do evento
morte, o vínculo contratual se extingue.

•• Invalidade do casamento — foi um tema que insurgiu em


todas as nossas unidades e, portanto, carece pouco de nossas
considerações agora, por acreditarmos que tudo foi já falado.
24 Direito de Família

Lembramos somente que a invalidade do casamento promove a


nulidade deste, e por ato nulo entende-se que ele não deveria ter
ocorrido e todos os seus efeitos são inválidos.

•• A terceira e última forma de extinção da sociedade conjugal é


o divórcio, e é neste tópico que devemos nos ater com maior
tenacidade neste capítulo, nos termos que veremos a seguir.

Histórico do Instituto do Divórcio


A doutrina tem levantado como conceito de divórcio a medida pela
qual se dissolve um vínculo matrimonial tido como válido, extinguindo,
assim, os deveres conjugais.

Trata-se, logo, de um ato voluntário de extinção da relação


conjugal, que não precisa de uma causa jurídica específica, bastando-
se, assim, de uma simples manifestação de vontade de um ou ambos os
cônjuges, tendo como um dos seus principais efeitos a permissão de uma
constituição de novos vínculos matrimoniais.

VOCÊ SABIA?

O divórcio como entendemos hoje é uma construção


histórica, pois, como o aluno já deve presumir,
historicamente as culturas, incluindo, principalmente, as
judaico-cristãs, adotaram o paradigma da indissolubilidade
absoluta do vínculo conjugal.

Para nós, no direito brasileiro as previsões de admissibilidade do


instituto da extinção do vínculo conjugal iniciaram de fato com o CC de
1916, que previa além da extinção pela morte de um dos cônjuges ou pela
nulidade ou anulação do casamento. Também havia a possibilidade do
desquite, amigável ou judicial. Entenda-se por desquite uma separação
de corpos, e não separação judicial propriamente dita.

O desquite só poderia ser fundado basicamente nos casos em


que houvesse adultério, tentativa de morte, sevícia (maus-tratos), ou
Direito de Família 25

injúria grave, ou abandono voluntário do lar conjugal durante dois anos


contínuos.

NOTA:

Aqui não se falava em divórcio propriamente dito, pois como


o casamento era indissolúvel, o desquite apenas separava o
casal factualmente, ou seja, não extinguia completamente
o vínculo matrimonial, posto que, por exemplo, o casal era
impedido de contrair novas bodas.

Isso permaneceu no direito brasileiro até o advento da Lei nº 6.515,


de 26 de dezembro de 1977 (lei do divórcio), já acobertada pela Emenda
Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, que deu nova redação ao § 1º
do art. 175 da CF vigente na época. Nesse sentido, o casamento somente
poderá ser dissolvido nos casos expressos em lei, desde que haja prévia
separação judicial por mais de três anos.

Aqui, embora houvesse um considerável avanço, o processo era


deveras tortuoso, pois primeiro deveria haver o desquite (separação de
corpos), requerida a separação judicial e, assim, caso fosse concedida, o
casal deveria aguardar três anos o trânsito em julgado da sentença para
só então pedir o divórcio.

Isso gerava situações factuais aberrantes, pois o lapso de tempo


para contrair novas núpcias era enorme. Todavia, muitas vezes havia a
reconciliação do casal nesse ínterim de tempo.

As alterações desse quadro só começaram a ser esboçadas com a


CF de 1988, que começou uma ampliação da possibilidade de o divórcio
ser iniciado pela conversão da separação judicial; em outras palavras,
o casamento civil, nos termos da CF atual, passou a ser dissolvido pelo
divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos
expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois
anos.

Anos mais tarde, através da Emenda Constitucional nº 66/2010, a


matéria do divórcio teve seu último salto, a separação judicial deixou de
26 Direito de Família

ser contemplada pela CF, com isso, os requerentes puderam pleitear de


forma direta o divórcio, exercendo em plenitude seu direito potestativo.

Todavia, esses saltos de evolução são resultantes de inúmeros


debates nas mais variadas cortes no Brasil, que clamavam por algo mais
simples e direto. Veja, na situação em que apontamos a lei do divórcio, era
necessário o desquite, perpassando por uma separação judicial e, logo
em seguida, a conversão do divórcio, e nisso, em termos processuais,
havia grandes celeumas.

A primeira delas é que poucas mulheres haviam chegado ao


mercado de trabalho ainda, portanto, muitas aguardavam incansáveis
meses para receber alimentos provisórios de seus ex-cônjuges. Além
disso, dentro do decurso sugerido pela mesma lei em comento, os ex-
consortes só estariam de fato divorciados em uma média de cinco anos
após a separação de fato, o que era um transtorno, pois nesse ínterim
muitos já estavam convivendo com outras pessoas, e esperavam com
muita paciência uma sentença procedente para poderem contrair novas
núpcias. Além disso, com um decurso de tempo alargado, os maridos, em
geral, se desfaziam maliciosamente do patrimônio do casal, para não ter
que partilharem.

Uma questão muito debatida nos tribunais era quanto à necessidade


de demonstrar em termos processuais uma evidente insuportabilidade
da vida em comum, o que muitas vezes era difícil. Por exemplo, como
demonstrar no âmbito da década de 1970 que era incômodo conviver
com quem não gostou?

Imagine a seguinte situação: Geraldo e Carla, depois de dois anos


de namoro, decidem se casar. Geraldo era evidentemente muito mais
apaixonado por Carla, mais do que Carla demonstra quando está com
Geraldo, providencia todo o enxoval, comprando casa e automóvel. Eles
se casam sem nenhuma intercorrência. Três anos após o casamento,
Carla não aguenta mais alguns hábitos de Geraldo, e por ele toda sua
paixão e romance se esvaem. Carla começa a viver um relacionamento
infeliz, mesmo tendo tudo de que precisa. Geraldo, por seu turno, ainda
tão apaixonado por Carla, não entende por que ela ainda está tão triste.
Nos termos das leis civis sobre separação e divórcio que aqui vimos,
Direito de Família 27

desamor não era causa para pleitear judicialmente a extinção do enlace


matrimonial. Carla era condenada a conviver com isso.

Situações como essas só começaram a ser mais bem interpretadas


quando surgiu um precedente jurisprudencial que chegou a ser enfrentado
no Superior Tribunal de Justiça, quando este julgou o Recurso Especial
467.184 de São Paulo, atuando como relator o Min. Ruy Rosado de Aguiar.
Frise-se que esse julgamento ocorreu em 2002, quando o CC ainda não
estava em vigor, uma vez que este só passaria a ter sua eficácia legal a
partir de 2003.

Na ocasião, os ministros declinaram pela separação do casal,


desconsiderando a reivindicação legal no sentido de ter de demonstrar
questões como violação de dever conjugal ou cometimento de conduta
desonrosa, dessa forma, entenderam que o simples desamor é suficiente
para pôr fim e dissolver a sociedade conjugal.

Um grande avanço, temos de concordar.

A Lei nº 11.441, de 2007, é um ponto histórico que carece destaque


em nossos estudos. Através dela, casais, sem filhos menores ou incapazes,
de maneira consensual, poderiam requerer separação ou divórcio em
qualquer tabelionato de notas do país. Com essa medida, promoveu-se
um certo desaforamento de muitos processos. Essa lei, inclusive, está
ainda em vigor.

Um detalhe importante sobre essa lei é do que temos visto na prática


forense que muitos advogados não indicam essa medida, algumas vezes
por desconhecimento, outras vezes por existir um certo preconceito.

Esse preconceito se dá, pelo que visualizamos, pelo fato de tanto


advogados como as partes sentem-se mais bem assistidos quando
estão perante uma figura jurisdicional estatal. Porém, isso é uma grande
bobagem. Temos visto em nossa carreira, em situações por nós vistas,
como as que são abraçadas pela lei, que ganhamos em muito, no que
tange a celeridade processual. Processos como esses, que demorariam
alguns meses para serem resolvidos, uma vez que não há litígio, nos
cartórios, em poucas semanas ou em até poucos dias, o termos lavrado
de divórcio extrajudicial é confeccionado.

Entretanto, infelizmente precisamos reconhecer que nem todos


os cartórios competentes são encontrados tabeliões preparados para a
28 Direito de Família

realização de tal feito, muitas vezes gerando transtornos maiores. Todavia,


continuamos optando pela via extrajudicial nos casos que couberem por
entender, mesmo assim, ser uma oportunidade mais célere de divórcio.
E mais, ao final, é visível a satisfação dos clientes em seus olhos ao ver o
termo de divórcio nas mãos.

IMPORTANTE:
É importante pontuar que esse tipo de extinção de vínculo
conjugal é também chamado por alguns como divórcio
administrativo.

Esta previsão foi anos mais tarde apregoada no art. 733 do novo
Código de Processo Civil, que disciplina que o divórcio consensual, a
separação consensual e a extinção consensual de união estável, não
havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais,
poderão ser realizados por escritura pública.

Tal código ainda dispõe, em seu art. 731, que para a homologação
são necessários alguns requisitos, in verbis:
Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação
consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser
requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da
qual constarão:

I — as disposições relativas à descrição e à partilha dos


bens comuns;

II — as disposições relativas à pensão alimentícia entre os


cônjuges;

III — o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao


regime de visitas; e

IV — o valor da contribuição para criar e educar os filhos.

Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a


partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado
o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.
(BRASIL, 2015)

A celeridade atual sobre os divórcios extrajudiciais é tamanha


que o § 1º do mencionado art. 733 do Código de Processo Civil de
Direito de Família 29

2015 disciplina que a escritura não depende de homologação judicial


e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras, o
que já desburocratiza, em muito, a vida das partes.

Vale o destaque, que, assim como no divórcio judicial convencional,


o § 2º do mesmo art. 733 do CPC/2015, preleciona que a assistência de
advogados (ou defensor público) é obrigatória para a lavratura da escritura
pública.

A importância da Emenda Constitucional


nº 66/2010
Basicamente, como já falamos acima, a Emenda Constitucional
nº 66/2010 pretendeu facilitar a implementação do divórcio no Brasil,
alterando dois pontos fundamentais, quais sejam:

•• Extinção da separação judicial.

•• Extinção da exigência de prazo de separação de fato para a


dissolução do vínculo matrimonial.

Com isso, entendemos que tacitamente alguns dispositivos do CC


foram revogados

IMPORTANTE:

A partir da promulgação da Emenda, o instituto da


separação judicial pereceu em nosso sistema jurídico e, por
consequência, toda a legislação (que o regulava) sucumbiu,
tornando-se textos sem eficácia, por conta de uma não
recepção constitucional.

Estes são os motivos pelos quais consideramos que tacitamente


foram revogados os arts. 1.572 a 1.578 e, em partes, perdeu sentido
também a redação do art. 1.571 no que tange à referência feita ao instituto
da separação.
30 Direito de Família

Portanto, consideramos que a Emenda em comento também


suprimiu o prazo de separação de fato para efeito de decretação do
divórcio direto, pois até a entrada em vigor desta, exigia-se, para as partes
fossem legítimas ao divórcio, que os cônjuges deveriam estar separados
de fato por mais de dois anos, sem que houvesse, no período, efetiva
reconciliação entre o casal.

Considerações Específicas Acerca do


Divórcio Judicial
Diversos estados no mundo, principalmente os democráticos,
aderiram ao divórcio judicial, e o nosso estado não ficou muito atrás dessa
inovação em direito de família. Devido a isso, carece ainda de nós algumas
palavras sobre o divórcio judicial.

Primeiro, é preciso saber que existem, em nosso ordenamento, o


divórcio indireto, adotado inicialmente pelo texto constitucional, e o direto,
modalidade hoje adotada em nosso CC.

Remontemos primeiramente ao do divórcio judicial indireto


constante na redação original do § 6º do art. 226, da CF:
O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após
prévia separação judicial por mais de um ano nos casos
expressos em lei, ou comprovada separação de fato por
mais de dois anos. (BRASIL, 1988)

A propósito, esse texto está cingido no art. 1.580 do CC:


Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da
sentença que houver decretado a separação judicial, ou
da decisão concessiva da medida cautelar de separação
de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua
conversão em divórcio.

§ 1.º A conversão em divórcio da separação judicial dos


cônjuges será decretada por sentença, da qual não
constará referência à causa que a determinou.

§ 2.º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos


os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato
por mais de dois anos. (BRASIL, 2002)
Direito de Família 31

Embora essa modalidade de divórcio seja um tanto rara de ocorrer,


ainda é possível encontrar na prática casais que só foram separados
judiciais e que necessitam pedir a conversão da separação para divórcio.

EXPLICANDO MELHOR:

Entenda, alguns casais se acomodam após a separação


judicial e não pedem a conversão em divórcio, e muitas
vezes seguem suas vidas dessa maneira, e só atentam em
fazer a alteração de status quando precisam resolver algum
problema de ordem patrimonial, por exemplo.

Porém, de toda sorte, hoje a prática é o divórcio judicial direto,


que, dada sua importância, ainda será preciso fazermos considerações
importantes.

Tratamos de certo ponto da sua modalidade consensual, que


de forma geral, caso não haja filhos menores ou incapazes, existe essa
possibilidade tanto pela via judicial como pela via extrajudicial, mas em
nossa prática vemos que, quando o casamento se rompe, é sempre com
grandes rusgas e intrigas, restando a opção do divórcio litigioso, e, dessa
forma, torna-se a modalidade mais comum no campo de trabalho para os
que querem enveredar nesta área de família.

Atualmente, o divórcio resguarda-se como o exercício de um direito


protestativo, logo, não precisa de uma causa específica para exercê-
lo. Todavia, em nossa carreira, vemos que a causa mais comum é a
infidelidade.

NOTA:

Também muitas vezes o divórcio litigioso é o meio cabível


para discutir a eventual guarda, direito de visitação e as
questões relacionadas aos bens. A propósito, esses três
tópicos sempre são os mais suscitados nos embates nas
varas de família. Todavia, tais temas podem ser alvos de
ações individuais, geralmente unimos esses temas por
questões de economia processual.
32 Direito de Família

Destacamos que, durante o período de trâmite da ação de divórcio,


é o momento propício para questões referentes à subsistência jurídica da
separação de corpos.

Para entender melhor, imaginemos o exemplo: João e Maria


resolvem se separar, uma vez que no ambiente conjugal além de haver
muita desarmonia, o cônjuge varão (marido) agredia verbal e fisicamente
seu cônjuge varão (esposa). Maria tinha um trabalho de meio turno,
e ganhava cerca de um salário mínimo. João ganhava cerca de sete
salários mínimos. Como na ação de divórcio há a suspensão do dever
conjugal de coabitação, Maria sai de casa levando consigo seus filhos.
Sozinha, Maria não tem condições de sustentar sua prole, portanto, ela
poderá requerer alimentos provisórios na ação de divórcio, para que João
promova o sustento da prole, inclusive podendo pagar aluguéis, vestuário,
mensalidades escolares e outras coisas dentro de suas possibilidades, até
o final da lide.

Sobre o uso do nome pós-divórcio, o CC deixa a possibilidade


de que, declarado dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por
conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo evidente
prejuízo para a sua identificação; manifesta distinção entre o seu nome de
família e o dos filhos havidos da união dissolvida; dano grave reconhecido
na decisão judicial.

RESUMINDO:

O divórcio é o ato jurídico que declara a rescisão legal


e em definitivo do casamento civil. Esse ato é fruto de
uma construção histórica, e de certa forma é recente
em no nosso ordenamento. Ele pode ser por duas vias,
extrajudicial, em casos bem específicos da lei, e judicial,
que é o mais comum de ser visto na prática.
Direito de Família 33

Parentesco e Filiação

OBJETIVO:

Neste capítulo, iremos debater e nos aprofundar em


questões referentes às relações de parentesco, bem
como filiação. Isso será fundamental para o exercício de
sua profissão. As pessoas que tentaram ingressar no meio
jurídico sem a devida instrução tiveram problemas ao ajuizar
demandas inerentes ao tema aqui proposto, tanto em varas
de família quanto em varas da infância e juventude. E então,
motivado para desenvolver esta competência? Vamos lá.
Avante!

Considerações Iniciais
Embora tenhamos esboçado em outras unidades um quadro sobre
questões relativas ao parentesco, é necessário de nós certo empenho
em tratarmos sobre o tema, posto nossa legislação civil sempre trazê-lo
à baila, no que tange ao direito de família, dando a esse tema uma parte
específica para cuidar desse assunto.

Já sabemos que por muitos anos, quiçá por séculos, o parentesco


foi delimitado por traços de consanguinidade e, pouco a pouco, com
as alterações sofridas pela nossa sociedade, foi-se mudando essa
concepção para atender aos critérios voltados para afetividade.

Para entender melhor a construção legal que hoje coabita nossa


sociedade, é necessário fazer um passeio sobre alguns fatos históricos e
legais, medida essa que tomaremos agora.

Noções Conceituais sobre o Parentesco


No ordenamento pátrio, a primeira legislação que tratou sobre o
tema com maior afirmação foi o CC de 1916. Através da dicção dele, o
parentesco dava-se decorrente da descendência em linha reta derivada
34 Direito de Família

de um ancestral comum. Essa assertiva ainda se mantém tão constante no


meio jurídico que autores, como Eduardo Espíndola (2001, p. 485), ainda
afirmam: “Parentesco é o vínculo entre pessoas descendentes umas das
outras, ou oriundas de um tronco em comum.”.

Embora não esteja incorreta, aos dias de hoje nos apresenta


como incompleta a definição do autor supramencionado. Dessa forma,
acreditamos ser mais pertinente as palavras de Pontes de Miranda sobre
parentesco, in verbis:
A relação que vincula entre si pessoas que descendem
umas das outras, ou de autor comum, que aproxima
cada um dos cônjuges dos parentes do outro ou que
estabelece, por fictio iuris, entre o adotado e adotante.
(MIRANDA, 2001 p. 23)

Esta concepção está intrínseca nas palavras do CC, que


sinteticamente assim dispôs: “Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil,
conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

IMPORTANTE:

Estão abraçadas por essas definições todas as formas


de parentesco que hoje são compreendidas como o
parentesco por reprodução assistida, por socioafetividade,
por afinidade e outras tantas que couberem.

O Vínculo Parental do Ponto de Vista de


Linhas e Graus
O aluno que chegou até aqui já deve ter percebido que nos estudos
de direito de família reside uma necessidade profunda de sabermos os
vínculos de parentesco. Primeiramente por uma preservação genética
e por fim, desembocando em segundo plano, por questões de cunhos
patrimoniais, como é o caso de partilha de bens ou para finalidades
sucessórias.
Direito de Família 35

Chamamos de parentes em linha reta aqueles que mantêm entre


si uma relação de descendência direta, ou seja, decorrente ou não de
vínculos de natureza biológica. Procede, portanto, direta e sucessivamente
de cada pessoa para os seus antepassados e para seus descendentes,
sendo essa também a definição do CC: “Art. 1.591. São parentes em
linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de
ascendentes e descendentes.”.

Ao dizermos que são parentes em linha reta, por mais óbvio que
seja, para análises, o parentesco pode ser analisado tanto de forma
ascendente quanto descendente, logo, partindo tanto do avô para o neto
quanto do neto para o avô.

A linha reta, por vezes, pode bifurcar, para demonstrar as linhas


paterna e materna, dizendo respeito ao parentesco relativo ao pai e à mãe
e, por conseguinte, aos parentes de cada um deles.

Os traços consanguíneos são bastante extensivos, por isso, devem


ser analisados de forma transversal, ou como é mais comumente chamado
na doutrina, de forma colateral.

Esse parentesco decorre de um entroncamento comum entre


os parentes sem que estejam ligados a nenhum ponto de intersecção
que gere assim uma descendência direta. Aqui, os códigos genéticos,
dependendo de quem queira analisar, podem ser bastantes semelhantes.
Estamos falando basicamente dos irmãos, tios e primos.

Todavia, por disposição legal, esse parentesco persiste nos


vínculos socioafetivos. Por exemplo, João e Maria têm Pedro e Guilherme,
e resolvem adotar Catarina. Catarina, Pedro e Guilherme são irmãos e,
por consequência, parentes colaterais. Nesse sentido, o CC ensina: “Art.
1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as
pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”.

Alguns alunos pensam que chegar ao quarto grau é algo


extremamente complexo e longínquo, porém, rapidamente olhando uma
árvore genealógica, esse grau é perceptível, veja a figura a seguir:
36 Direito de Família

Figura 1 – Árvore genealógica

AVÔ
2º GRAU

PAI TIO
1º GRAU 3º GRAU

PRIMO
EU 4º GRAU

Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

Por essa figura, podemos também ver as questões relativas aos


impedimentos já estudados. Como isso é uma matéria já vista, vamos
somente lembrar que o CC coloca limites. Um deles é que só podem
contrair matrimônio parentes a partir do quarto grau.

Exemplo: É por isso que é permitido que primos se casem, por


exemplo.

Outros limites que poderemos citar, que até aqui não citamos, é que
o direito de requerer alimentos pode ser cobrado entre colaterais até o
segundo grau, conforme previsão do art. 1.697 do CC, in verbis:
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos
descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando
estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
(BRASIL, 2002)

No entanto, essa matéria será mais bem estudada em momento


oportuno.
Direito de Família 37

Só a título de curiosidade, outro limite legal imposto aos colaterais


está no direito sucessório, que só podem habilitar-se na herança parentes
até quarto grau, conforme previsão do CC:
Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas
condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a
suceder os colaterais até o quarto grau. (BRASIL, 2002)

Uma questão bastante curiosa é a referente ao parentesco que


não pode ser desfeito por qualquer que seja o ato de vontade. Isso é
interessante, pois é comum em alguma novela ou em outras atividades
midiáticas ouvirmos expressões, como “fulano não é mais meu filho”, ou
“ele não é mais meu pai”. A única força legal que pode destituir o pátrio
poder é uma ação de adoção, quando não só a guarda dos filhos é retirada,
mas sim todo o poder patriarcal sobre o menor.

Sobre o termo grau, caso ainda o aluno esteja com alguma dúvida,
ele representa a distância entre um parente e outro em linha reta ou
colateral. São as lições que retiramos da redação do art. 1.594 do CC,
conforme disposto a seguir:
Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco
pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo
número delas, subindo de um dos parentes até ao
ascendente comum, e descendo até encontrar o outro
parente. (BRASIL, 2002)

Efeitos Jurídicos Decorrentes dos


Parentescos
Os efeitos jurídicos decorrentes dos parentescos são inúmeros. O
primeiro deles, a título de exemplo, é o mais evidente diante de tudo o
que já dissemos, é a imposição dos impedimentos matrimoniais, e, no
âmbito do direito sucessório, questões inerentes à herança.

Podemos citar de maneira honrosa, já que nos deteremos mais a


fundo neste tema em capítulo oportuno, as relações de parentesco que
influem diretamente em questões relativas à guarda e visita.

Porém, na ordem do direito instrumental, do direito processual


existem outras questões que também aqui cabem ser colocadas.
38 Direito de Família

Exemplo: Por exemplo, o parentesco influencia em questões


relativas à suspeição do juiz nos processos em que ele atue.

Não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito de


cônjuge, de companheiro ou de qualquer parente do morto, consanguíneo
ou afim, em linha reta ou na linha colateral em segundo grau, no dia do
falecimento e nos sete dias seguintes (CPC, art. 244, inc. II).

Além disso, são impedidos o cônjuge, o companheiro, o ascendente


e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de
alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o
interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa,
não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao
julgamento do mérito (CPC, art. 447, § 2º).

No que concerne ao direito eleitoral, o parentesco pode gerar a


inelegibilidade eleitoral (CF, art. 14, § 7º).

No direito administrativo, existem regras rígidas sobre o nepotismo


no serviço público, afastando a contratação, sem concurso, de parentes
para cargos de confiança.

No direito penal, não se constituirá crime contra o patrimônio se


praticado por ascendente ou descendente, seja por parentesco natural
ou civil (CP, art. 181). Além disso, são circunstâncias que sempre agravam a
pena quando não constituem ou qualificam o crime, o agente ter cometido
o crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge (CP, art. 61, II, e).

Só por isso, se vê como as relações de parentesco afetam a vida


não só no aspecto civil, mas em muitas áreas do direito.

Espécie de Parentesco
•• Parentesco natural, como se pode presumir, é aquele gerado a
partir dos vínculos de consanguinidade. Sobre esse tema, afirma
Clóvis Beviláqua, um dos mais antigos e respeitados civilistas:
O parentesco criado pela natureza é sempre a cognação ou
consanguinidade, porque é a união produzida pelo mesmo
sangue. O vínculo do parentesco estabelece-se por linhas.
Linha é a série de pessoas provindas por filiação de um
antepassado. É a irradiação das relações consanguíneas.
(BEVILÁQUA 1975, p. 769)
Direito de Família 39

•• O parentesco civil tem uma natureza mais complexa, pois


ele surge do resultado de uma ação judiciária. Seu exemplo
mais típico é o da adoção, cujo instituto está firmado em nossa
legislação desde o CC brasileiro de 1916, em seu art. 336: “Art. 336.
A adoção estabelece parentesco meramente civil entre o adotante
e o adotado”.

Porém, muitos civilistas têm ampliado essa ideia na


contemporaneidade, dentre eles a renomada Maria Berenice Dias, que
afirma:
O desenvolvimento das modernas técnicas de reprodução
assistida ensejou a desbiologização da parentalidade,
impondo o reconhecimento de outros vínculos de
parentesco. Assim, parentesco civil é o que resulta de
qualquer outra origem que não seja a biológica. Não há
como deixar de reconhecer que a concepção decorrente
de fecundação heteróloga (1.597 V) gera parentesco civil.
(DIAS, 2009, p. 317)

Em outras palavras, se o parentesco natural decorre do vínculo da


consanguinidade, o então denominado parentesco civil resulta de um
termo muito novo, chamado socioafetividade.

A socioafetividade é um fenômeno que vem transformando


jurisprudências. Por ela, entende-se que seja um vínculo que se estabelece
em face do reconhecimento social e afetivo de uma relação entre entes
de uma mesma família. Esse conceito tem sido aplicado principalmente
nos casos em que há segundas uniões com filhos.

Para entender melhor esse instituto, usaremos um exemplo. Maria


é mãe de Guilherme e casa-se com Júlio. Através de um convívio forte
com a criança, Júlio deixa a situação de mero padrasto, depreendendo
amor ao seu enteado como se filho seu fosse. Por onde passa, Júlio
apresenta Guilherme para todos como se fosse seu filho, inclusive para
seus familiares. A família de Maria aceita isso sem nenhuma intercorrência,
inclusive a própria Maria é a favor de que Guilherme chame Júlio de pai e
tenha por ele esse afeto. Nesse sentido, Júlio pode requer extrajudicial ou
judicialmente o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Procedente
40 Direito de Família

o pedido, Guilherme poderá inclusive ter o sobrenome de seu pai


socioafetivo.

São inúmeros os casos que se alastram no judiciário sobre o tema,


e pouco a pouco ele tem tomado força. Porém, temos visualizado uma
certa banalização desse instituto, pois a linha que separa o padrasto com
o da paternidade socioafetiva é muito tênue, e só quem pode mensurar o
tamanho do afeto é aquele quem a requer.

Temos acompanhado alguns casos de requerimentos de


paternidade socioafetiva post mortem, aquele em que o pretenso filho
requer a filiação socioafetiva de um pai ou mãe já falecidos.

Temos visto que, nesses casos, não se busca o reconhecimento de


um afeto, mas sim de eventuais direitos patrimoniais, como heranças e
pensões. Esse tipo de pleito, ao nosso ver, desvirtua totalmente o conceito
do instituto que foi criado não para essa finalidade em específico, mas
para reconhecer algo que existe ou existiu no mundo dos fatos.

•• O parentesco por afinidade é aquele constituído por consequência


lógica de uma relação de afeto. Aqui estão incluídos os exemplos
do núcleo familiar do cônjuge ou companheiro, como sogros,
cunhados e outros tantos que poderíamos citar.

Considerações Gerais sobre Filiação


Uma vez que estamos falando de parentesco, o CC também dedica
um capítulo específico à filiação. Dado o tema ter relevância para sua
vida profissional, devemos tecer algumas considerações gerais sobre o
assunto.

A primeira consideração é a do art. 1.596 do CC/2002. Através da


dicção dele, podemos afirmar que os filhos, havidos ou não da relação
de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Isso é de extrema relevância e avanço, pois diminuiu uma


distinção histórica de filhos tidos como legítimos, ou seja, advindos de
um casamento legítimo. Nessa ótica, filhos adotivos eram historicamente
Direito de Família 41

desprivilegiados, porém, mais do que eles estavam os filhos bastardos,


ou seja, oriundos de relações extraconjugais. Com a afirmação proposta
no texto civil, ficam proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.

Embora tenhamos hoje técnicas científicas que atestem a


paternidade do indivíduo, através de exames de DNA, o CC, em seu
art. 1.597, deixa claro que se presumem concebidos na constância do
casamento os filhos.

Inclusive, graças à evolução da medicina nesse quesito, muitas


questões sobre filiação puderam ser resolvidas de forma mais direta.

Por exemplo, a prova da impotência do cônjuge para gerar, à época


da concepção, retira a presunção da paternidade. A propósito, cabe ao
marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, sendo tal ação imprescritível, ou seja, não há prazo para entrar
com a demanda cabível.

Nesse sentido, não basta a confissão materna para excluir a


paternidade, é preciso que haja provas contundentes que excluam a
paternidade do indivíduo.

Por fim, é preciso dizer que o CC coloca com todos os méritos a


eficácia erga omnes da certidão de nascimento. Desse modo, a filiação
prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no registro
civil, e ninguém pode vindicar, ou seja, arguir estado contrário ao que
resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade
do registro.

Essas são as lições básicas que podemos extrair do texto civil e que
servirão de base para nosso próximo capítulo.

RESUMINDO:

As relações de parentesco são o sustentáculo da família,


é a partir delas que os membros se conectam, sendo a
relação mais sólida de parentesco a de filiação.
42 Direito de Família

Alimentos, Tutela e Curatela

OBJETIVO:

Neste capítulo, iremos constituir teoricamente os conceitos


legais de alimentos, tutela e curatela. Isso será fundamental
para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram
ingressar no meio jurídico sem a devida instrução tiveram
problemas ao ajuizar demandas inerentes ao tema aqui
proposto, tanto em varas de família quanto em varas da
infância e juventude. E então, motivado para desenvolver
esta competência? Vamos lá. Avante!.

Breves Considerações sobre Este Capítulo


Chegamos ao nosso último capítulo desta jornada, que tentou
condensar a vastidão de assuntos do direito de família. Tentamos mostrar
a todo instante que a família existe para servir aos seus membros, dizendo-
se, assim, que ela tem uma função social que carece ser atingida.

Para fins pedagógicos, como os assuntos são muito difusos, iremos


separar em duas partes este capítulo. Na primeira parte, iremos nos
debruçar na matéria referente ao direito de alimentos, e na segunda parte,
às noções que entendemos relevantes aos institutos da tutela e curatela.

Parte Um: Dos Alimentos


Um dos préstimos de que se vale a família está no direito/dever de
alimentação.

Existe uma confusão de forma geral, talvez pela ignorância das


pessoas, de que se acaso venha a se extinguir a sociedade conjugal,
cessam também os direitos alimentícios, o que não é uma verdade. Uma
vez constituída, alguns deveres são perenes, ou seja, permanentes, outros
cessam com uns anos, outros se extinguem com as inúmeras causas que
já estudamos.
Direito de Família 43

Para se ter alguma ideia, dentre os deveres que são perenes, é o


caso de o filho sempre prestar assistência aos seus pais, seja de ordem
financeira ou com cuidados médicos, caso precisem, por exemplo. Outros,
como veremos, se extinguem com a maioridade dos filhos, como é o caso
de prestar alimentos. Sobre esses pontos, iremos nos ater nesta primeira
parte deste capítulo.

Para entender sobre os alimentos, precisamos nos desprender da


ideia de que eles se tratam somente de gêneros alimentícios. Nas lições
de GOMES (2001, p. 427), “alimentos são prestações para satisfação das
necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”. Portanto, quando
tratamos de alimentos, podemos nos referir a qualquer coisa que acautele
as necessidades de quem assim precise.

Nesse sentido, podem ser roupas, calçados, despesas escolares,


de locomoção, além de, claro, alimentos.

Ademais, o direito alimentar não se restringe somente à esposa e


aos filhos, conforme as lições do art. 1.694 do CC, in verbis:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou
companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua
condição social, inclusive para atender às necessidades
de sua educação. (BRASIL, 2002)

No tocante à natureza jurídica, a doutrina especializada tem


entendido o direito aos alimentos dentro dos direitos da personalidade,
pois a partir deles existe uma pretensão de atingir a dignidade da pessoa
humana, muito embora não seja um tema totalmente pacífico, pois parte
da doutrina entende que seja um direito de conteúdo eclético, voltado
ao plano patrimonial, apresentando uma relação de crédito–débito ou de
credor–devedor.

Na nossa opinião, acredito que sejam teorias complementares e


que não se excluem.

Levando-se em conta que sempre existe um credor (alimentado) e


um devedor (alimentante) na relação alimentar, vamos analisar algumas
circunstâncias que são comumente vistas.
44 Direito de Família

•• Alimentos entre cônjuges ou companheiros: Embora essa


obrigação subsista no intercurso da relação, é após a extinção
dos vínculos matrimoniais que ela toma contornos interessantes,
pois antigamente existia uma obrigatoriedade de o cônjuge varão
promover alimentos para a cônjuge varoa mesmo após o desquite.
Com a evolução social, essa perspectiva, embora ainda seja aceita,
é necessário que o cônjuge que precise de alimentos comprove
com robustez que ainda os precise. Nas lides, geralmente são
concedidos quando o cônjuge atingiu uma idade avançada, que
o impede de se engajar no mercado de trabalho ou com algumas
enfermidades que o impossibilitam de trabalhar.

Frise-se que, pelo princípio da igualdade, que rege nosso


ordenamento, o cônjuge varão pode pedir alimentos à varoa sem nenhum
óbice.

•• Alimentos decorrentes das relações de parentesco: Apesar de


bem incomuns, como a família deve atender sua destinação
social, este tipo de prestação é extremamente plausível. Encontra
respaldo no seguinte texto do CC:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco
entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes,
recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em
falta de outros. (BRASIL, 2002)

Inicialmente, a obrigação recai nos parentes conectados em linha


reta (avós ou pai para filho, filhos para pais ou avós) e, na ausência destes,
para os colaterais mais próximos.

•• Alimentos em favor do nascituro: Sabemos que a vida por nascer


também precisa de cuidados, portanto, inspirado no art. 2º do CC,
qual seja:
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro. (BRASIL, 2002)
Direito de Família 45

IMPORTANTE:

Outras leis coadunam com a tese da necessidade de


alimentos gravídicos em favor do nascituro, uma delas
é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 27,
que inclusive garante, dentre outras coisas, direito à
herança. Também a Lei nº 11.804/08, chamada de lei dos
alimentos gravídicos, complementa o entendimento do
CC, reconhecendo definitivamente a personalidade do
nascituro e seus direitos.

O Trinômio Determinante nas Relações Alimentares


Antes de adentrarmos em características que tornam nosso tema
tão importante e de grande relevância para a atividade jurídica, precisamos
ver um conceito do trinômio que determina a relação alimentar.

Chama-se trinômio a necessidade de quem recebe x capacidade


contributiva de quem x proporcionalidade. Parte da doutrina irá simplificar
colocando apenas como binômio necessidade x capacidade. Não há aqui
certo ou errado, tanto o trinômio quanto o binômio recaem no mesmo
resultado; sabendo isso, vejamos.

Dentro de uma relação familiar, levando-se em consideração a


composição pai–mãe–filho(os), por exemplo, essas questões passam
despercebidas, pois toda a renda presume-se em prol da família. Porém,
quando pensamos em uma situação de divórcio, outras despesas surgem.
Para visualizar melhor essa questão vamos ilustrar com o seguinte caso:

Joana e Paulo resolveram se divorciar, dessa união advieram dois


filhos. Joana possui uma renda equivalente a dois salários mínimos de
professora, Paulo, microempresário, dono de um mercadinho de bairro,
tem um faturamento médio de sete salários mínimos. Com a fusão dessas
rendas, eles conseguem viver, mantendo suas contas em dia, dentre
elas a mensalidade escolar dos filhos e sustentar dois veículos. Aqui
visualizamos o potencial de capacidade de ambos os cônjuges.
46 Direito de Família

Agora divorciados, Paulo fica responsável de arcar a título de


alimentos porcentagem equivalente a três salários mínimos, pelo fato de
ter uma renda superior, e Joana contribuindo com R$ 800,00 (oitocentos
reais). No entanto, diante da recente pandemia do novo corona vírus, o
comércio de Paulo enfraqueceu seus proventos, de forma que ele só
pode arcar com um salário mínimo a título de alimentos para seus filhos.
Além disso, descobriram uma enfermidade congênita no filho mais novo,
que acarretará em um aumento sensível nos alimentos recebidos por
esse, por causa das despesas com remédios.

Nesse ponto, descobrimos a necessidade dos filhos, que


inicialmente chegava a um valor próximo a quatro salários mínimos,
assim como vemos a proporcionalidade que cada um dos pais deverá
arcar. Porém, pagando um valor menor do que consta em sentença,
Paulo torna-se devedor de alimentos, cabendo aqui duas providências:
ou Joana ingressa com uma ação judicial para reaver os proventos que
Paulo deixou de contribuir, ou Paulo ingressa com uma ação de revisão
de alimentos para provar que não consegue adimplir sua dívida alimentar
para com seus filhos, motivado pelo decréscimo de seus proventos.

Em síntese, os alimentos devem ser convencionados observados


proporcionalmente à necessidade dos alimentados e à capacidade de
pagar dos alimentantes.

Características dos Alimentos Civis


Entendidas as palavras acima, passemos a agora ver características
inerentes aos alimentos de acordo com o CC.

•• Caráter personalíssimo: Se o aluno pôde entender nossa mensagem


acerca do tema aqui tratado, fica evidente que os alimentos são
destinados a preservar a integridade física e psíquica de quem os
aufere, portanto, eles são destinados apenas a quem de direito.

•• Irrenunciabilidade: Uma vez fixado, o direito aos alimentos é


irrenunciável. Isso é um dos avanços conferidos no nosso CC.
Antigamente, era bem comum os alimentados assinarem termos,
muitas vezes sem ler, desonerando-se desse direito. Com a
consolidação desse entendimento, o devedor é obrigado a pagar
sua prestação alimentar ao credor.
Direito de Família 47

•• Atualidade: A prestação alimentar pode ser fruto de atualizações


monetárias.

•• Futuridade: Os alimentos se prestam para pagar despesas


presentes e futuras, e não pretéritas. Caso o devedor alimentar
deva despesas pretéritas, estas são passíveis de serem executadas.

•• Imprescritibilidade: O direito de pleitear alimentos não prescreve.


Imagine a situação. Carlos, no auge de seus 30 anos, descobre
que teve um filho com Claudia há 10 anos. Nesse sentido, Carlos
tem o dever de prover alimentos em favor desse filho. O direito
desse filho não prescreve com o tempo.

•• (In)transmissibilidade: Aqui está um efeito da obrigação


personalíssima, ou seja, o credor não pode transferir para alguém
a dívida alimentar. Ou seja, ninguém, a rigor, poderá suceder essa
dívida. Porém, é possível requerer tal dívida a outros credores,
por exemplo. No caso acima, caso Carlos não pudesse pagar
os devidos alimentos ao seu filho, esse menor poderia requerer
essa dívida aos seus avós, e caso esses não pudessem, a algum
colateral.

•• Irrepetibilidade: A dívida alimentar não serve como/para retribuição.


Explicando melhor: Entenda, o credor de alimentos não precisa, por
exemplo, trabalhar para agradecer ou retribuir ao préstimo alimentar
ao devedor. Ou, ainda, é impossível vincular a prestação alimentar
com regras do tipo “só pago se tirar notas boas”.

•• Incompensabilidade: Outra característica decorrente do direito


alimentar advir de direito personalíssimo. A dívida de alimentos
não pode ser compensada com outras despesas que pode se
vir a ter. Um exemplo disso, Manuel paga R$ 2.000,00 a título de
alimentos para seu filho, todavia, em virtude de seu filho conseguir
ótimas notas, bancou uma viagem para a Disney, nos Estados
Unidos. Manuel não pode futuramente compensar (descontar) os
gastos tidos com a viagem de seu filho na prestação alimentar.

•• Impenhorabilidade: O débito alimentar não pode ser passível de


penhora.
48 Direito de Família

Parte Dois: Da Tutela e da Curatela


Nesta segunda parte de nosso capítulo, iremos fazer um breve
passeio sobre esses dois grandes institutos. O aluno provavelmente já
deve ter estudado a tutela e a curatela na Parte Geral do CC, e lá ter visto
que eles constituem institutos de direito de natureza assistencial para
defesa dos interesses dos incapazes, visando à realização de atos civis
em seu nome.

Aqui trataremos desses institutos remontando aos ensinamentos


conferidos no direito de família.

Iniciando pela tutela, como já dito, tem como grande objetivo a


administração dos bens patrimoniais do menor, cujos pais sejam dados
como falecidos, ou sendo estes julgados ausentes; em caso de os pais
decaírem do poder familiar.

A tutela pode ser encontrada na modalidade documental, quando


os pais, sozinhos ou conjuntamente, através de instrumento público
ou particular, indicam uma pessoa habilitada a servir como tutor; ou na
possibilidade testamentária, quando os pais instruem via testamento ou
codicilo um tutor.

Também podemos encontrar outras modalidades de tutela, estas,


por sua vez, são mais fáceis de se ver na prática. A modalidade legítima é
aquela decorrente por força de lei, ou seja, quando a própria lei determina
que naquele caso em específico seja nomeado o tutor. Ou na modalidade
dativa, esta advém por uma deliberação judicial, após ouvidos Ministério
Público, Assistência Social e um psicólogo.

São considerados incapazes de exercer o cargo de tutores,


segundo o art. 1.735 do CC, aqueles que não tiverem a livre administração
de seus bens; aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se
acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que
fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges
tiverem demanda contra o menor; os inimigos do menor, ou de seus
pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela;
os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra
Direito de Família 49

a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena; as pessoas de


mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em
tutorias anteriores; aqueles que exercerem função pública incompatível
com a boa administração da tutela.

No exercício da tutela em relação ao tutelado, o tutor poderá dirigir-


lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus
haveres e condição, reclamar do juiz que providencie, como houver por
bem, quando o menor haja mister correção; e, por fim, adimplir os demais
deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se
este já contar 12 anos de idade (GOMES, 2001).

IMPORTANTE:

O tutor poderá fazer algumas coisas que independem de


autorização judicial, são elas: representar o menor, até os
16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade,
nos atos em que for parte; receber as rendas e pensões do
menor, e as quantias a ele devidas; fazer-lhe as despesas de
subsistência e educação, bem como as de administração,
conservação e melhoramentos de seus bens; alienar
os bens do menor destinados à venda; promover-lhe,
mediante preço conveniente, o arrendamento de bens de
raiz, ou seja, bens relativos à atividade rural (GOMES, 2001).

Porém, é oportuno falar que o tutor deverá ter a autorização judicial,


sob pena de nulidade, para adquirir por si, bens móveis ou imóveis
pertencentes ao menor; ou dispor dos bens do menor a título gratuito,
como por doação; ou constituir-se cessionário de crédito ou de direito
contra o menor, ou seja, terá que pedir autorização ao juiz para transferir
créditos a um estranho à relação obrigacional (GOMES, 2001).

Essas medidas, como pode-se perceber, visam proteger o


patrimônio do tutelado.

Acerca da curatela, podemos dizer que é um instituto que guarda


muita semelhança com a tutela. A sua diferença mais asseverada é que,
enquanto a tutela nasce para proteger o patrimônio de menores, a curatela
50 Direito de Família

protege o patrimônio de pessoas que tenham alguma incapacidade. Ela


foi modificada de forma expressiva depois da promulgação do CC, com
leis como o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

A alteração foi tão significativa, que muitos artigos tiveram seu texto
totalmente modificado, veja um exemplo:

A redação do CC originária constava o seguinte texto:


Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não


tiverem o necessário discernimento para a prática desses
atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem


exprimir sua vontade. (BRASIL, 2002)

Agora, o texto que consta para esse mesmo artigo:


Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16
(dezesseis) anos. (BRASIL, 2002)

Como o regramento legal para o tutor e o curador é basicamente o


mesmo, vamos agora focar nas espécies de curatela à luz do Estatuto da
Pessoa com Deficiência.

Primeiro, são sujeitos passíveis de curatela, segundo o CC:


I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não


puderem exprimir sua vontade;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será


regulada por legislação especial. (BRASIL, 2002)
Direito de Família 51

VOCÊ SABIA?

O inciso II anteriormente tinha a seguinte redação: “os ébrios


habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência
mental, tenham o discernimento reduzido”; porém, como o
termo deficiência mental sofreu certa relativização, assim
como o termo discernimento reduzido, o legislador os
retirou pela força da Lei nº 13.146, de 2015.

Também o inciso III sofreu alterações, antes tinha a seguinte


redação “os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo”,
muito embora a doutrina tivesse suas convicções firmadas sobre os
termos, foram mudados de forma adequada, pois os termos anteriores
não definiam bem as pessoas que sofriam de enfermidades psíquicas de
forma transitória ou permanente.

Mas sem dúvidas o maior avanço das alterações do instituto da


curatela foi a criação do procedimento especial de Tomada de Decisão
Apoiada (TDA), que praticamente sucateou o instituto em comento.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência acresceu um novo artigo ao


CC, qual seja, o art. 1.783-A. Para entender melhor a diferença, deveremos
ver amiúde o que é a TDA.

A TDA é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo


menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que
gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão
sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações
necessários para que possa exercer sua capacidade (GOMES, 2001).

Então, enquanto na curatela o curador é quem promove a ação


para administrar os bens, na TDA percebe-se que isso é um ato volitivo
daquele que será “curatelado”, passando poderes para o “curador”.
52 Direito de Família

RESUMINDO:

Os alimentos pertencem a um rol de direitos das


personalidades e cercam o âmbito da família. Em alguns
casos, eles podem ser perenes, algumas vezes eles podem
ser temporários. Tutela e curatela são importantes institutos
do direito civil, que buscam defender os interesses dos
incapazes, visando à realização de atos civis em seus
nomes.
Direito de Família 53

REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
Apelação Cível 70034815902, Relator. Claudir Fidelis Faccenda, julgado
em 18-3-2010, 8.ª Câm. Cív.)

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,


Apelação Cível 70010253904, Relator. Rui Portanova, julgado em 23-12-
2004, 8.ª Câm. Cív.

BRASIL. LEI Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916. Código Civil de


1916. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Presidência da República [1916].
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm.
Acesso em: 12 jun. 2020.

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil


de 2002. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Presidência da República
[2002]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
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Janeiro: Ed. Rio, 1975.

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DIAS, M.B. Manual de Direitos das Famílias, 3. ed., rev., atual. e


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ESPÍNDOLA, E. A família no direito civil brasileiro. Campinas:


Bookseller, 2001.

GOMES, O. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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VENOSA, S.S. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003.

GAGLIANO, P.S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil:


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