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Direito Empresarial

Unidade 3
Dissolução, recuperação judicial e falência
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
LIVIA REGINA DE FIGUEIREDO
AUTORIA
Livia Regina de Figueiredo
Sou formada em Direito, pós-graduada em Magistério Superior em
Direito, cursei o mestrado em Direito e Desenvolvimento e, atualmente,
curso o Doutorado em Direito Privado na Universidade de Salamanca,
Espanha. Advogo, desde 1989, e há alguns anos presto serviços para
grandes grupos econômicos na área de medicamentos e alimentos.
Amo advogar e sou apaixonada pela docência. Também gosto muito de
compartilhar minha experiência com aqueles que estão iniciando suas
vidas profissionais. Em razão da minha experiência e qualificação, fui
convidada pela Editora TeleSapiens para integrar o seu elenco de autores
independentes e me sinto muito honrada com esse convite. Estou feliz
por ajudá-lo nessa fase de estudo e trabalho. Tenho certeza que o seu
esforço e empenho nos estudos lhe trará muito sucesso.
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Dissolução da sociedade ......................................................................... 12
Dissolução das sociedades...................................................................................................... 12

Transformação.................................................................................................................................... 13

Incorporação........................................................................................................................................ 13

Fusão......................................................................................................................................................... 15

Cisão.......................................................................................................................................................... 15

Direito de terceiros.......................................................................................................................... 16

Regras para a dissolução da sociedade......................................................................... 18

Dissolução Parcial da Sociedade...................................................................... 21

Dissolução total da sociedade............................................................................23

Liquidação das sociedades......................................................................................................24

Desconsideração da personalidade jurídica....................................29


Entendendo o que é a personalidade jurídica...........................................................29

Direito civil das pessoas jurídicas.........................................................................................32

A desconsideração da pessoa jurídica.............................................................................33

Recuperação de empresas......................................................................38
Lei de Recuperação e Falência de Empresas............................................................ 38

Pessoas jurídicas na lei 11.101/2005 - LRF................................................................... 40

Aspectos processuais relevantes da LRF......................................................................42

Comitê de credores....................................................................................................................... 46

Assembleia-geral de credores...............................................................................................47

Recuperação judicial.................................................................................................................... 48

Microempresas e empresas de pequeno porte........................................................54


Falência............................................................................................................56
Compreendendo o significado da falência ................................................................. 56

A falência pelo fracasso dos negócios............................................................................57


Direito Empresarial 9

03
UNIDADE
10 Direito Empresarial

INTRODUÇÃO
A dissolução se apresenta sob várias formas nas sociedades, as
quais têm forte impacto para sócios, credores e no nicho de mercado
no qual estão inseridas. As sociedades podem ser transformadas,
incorporadas, fundidas, cindidas e dissolvidas total ou parcialmente.
A extinção total ou parcial das pessoas jurídicas, a morte de sócios ou
mesmo a retirada de um sócio da sociedade são exemplos de situações
com impacto patrimonial para os sócios. Tais exemplos, via de regra, são
precedidos da fase de liquidação, que pode ser judicial ou extrajudicial.
Da mesma forma, a recuperação das empresas em dificuldade pode
ser judicial ou extrajudicial, e ter impacto no patrimônio particular dos
sócios quando decretada a falência. Todas essas alternativas estão
inseridas num universo de possibilidades legais interessantíssimas e
muito importantes para os advogados que pretendem trabalhar para
pessoas jurídicas ou que venham a ser sócios de uma empresa jurídica
ou de um escritório de advocacia. Vamos estudar e refletir sobre os
conceitos do Direito Empresarial e as previsões legais para diferentes
situações que podem surgir durante a vida das sociedades? Esses são
temas apaixonantes. Acho que você irá gostar muito deste estudo e
terá muito sucesso nesse aprendizado. Bom estudo!
Direito Empresarial 11

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3 - Dissolução das sociedades.
Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes
competências profissionais até o término desta etapa de estudos:

1. Interpretar as alterações nos diferentes tipos empresariais.

2. Identificar as consequências jurídicas nas mudanças societárias.

3. Identificar e compreender a recuperação judicial e extrajudicial.

4. Explicar a falência e suas consequências.

Então, preparado para uma viagem sem volta rumo ao


conhecimento? Ao trabalho!
12 Direito Empresarial

Dissolução da sociedade
OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender


todos os aspectos e tipos de alterações societárias, suas
peculiaridades e consequências. E então, motivado para
desenvolver esta competência? Vamos lá, avante!

Dissolução das sociedades


O início de uma sociedade tem viés positivo de gênese, nascimento,
início da affectio societatis, empenho dos sócios em torno de um objetivo
comum, esperança de bons negócios e de lucratividade, etc. O fim de
uma sociedade, por sua vez, tem viés contrário, negativo, de morte,
encerramento de atividades, fim da affectio societatis, afastamento dos
sócios por desinteresse pelo objetivo que era comum ou pela mudança
de interesses, e, não raro, conflito entre as partes, dentre outros.

Por isso, popularmente se diz que o início de uma sociedade


equivale ao casamento, momento em que tudo são flores; e o fim de
uma sociedade empresarial equivale a um divórcio, o ponto de ruptura
de uma relação com desgastes e/ou prejuízos reiterados ao longo do
tempo. A exceção é para as sociedades com propósito específico, que
têm tempo de vida pré-determinado e cuja dissolução se dá por força do
contratualmente acordado.

No entanto, seja pelo afastamento de um sócio, continuando a


sociedade com os demais ou com um novo sócio, seja pelo fim da empresa
e liquidação da sociedade pela vontade dos sócios ou acionistas, e ainda
pela incorporação por outra empresa ou pela falência, todas as situações
de ruptura empresária têm implicações fiscais e jurídicas importantes.

Vale salientar, entretanto, que entre o nascimento e a dissolução


de uma empresa várias modificações podem ocorrer na sua constituição
social. Chamadas operações societárias, essas modificações são a
transformação, a incorporação, a fusão e a cisão, previstas no Capítulo
XVIII, da Lei de Sociedades Anônimas.
Direito Empresarial 13

Transformação
A transformação ocorre quando uma sociedade passa de um
tipo societário para outro. Essa modificação ou alteração independe da
dissolução e liquidação das sociedades e deve ser feita de acordo com as
regras estabelecidas na lei para constituição e registro da nova sociedade
(art. 220, Lei 6.404/76 e 1.113, CC).

Na falta de previsão contratual ou estatutária, é imperiosa a


autorização de todos os sócios ou da maioria dos acionistas. Porém,
havendo previsão contratual nas sociedades em que a affectio societatis
esteja presente, o sócio dissidente pode retirar-se da sociedade, aplicando-
se, no que couber, as regras do art. 1.031 do Código Civil (art. 1.114, CC).

Há ainda os casos em que a transformação é obrigatória por lei. É


o caso do MEI que atinge faturamento bruto acima do excedente de 20%
sobre o faturamento legal permitido - R$81.000,00, em 2019, totalizando
R$97.200,00 -, contrata mais de um funcionário, soma mais um sócio,
abre filial ou outra empresa no nome empresário responsável, ou passa a
exercer atividades não permitidas. Em qualquer dessas hipóteses, a MEI
deve ser desenquadrada e transformada em microempresa.

Da mesma forma, a Microempresa que, em 2019, alcançar


faturamento anual superior a R$360.000,00 deve ser transformada em
Empresa de Pequeno Porte.

Independente do enquadramento da empresa, porém, o direito dos


credores nunca é afetado pela transformação. (art. 222, Lei 6.404/76, e art.
1.115, CC).

Incorporação
A incorporação é um fenômeno de concentração empresarial
característico do capitalismo, que pode ocorrer entre quaisquer tipos de
empresas. E são muitas as razões que levam as sociedades exploradoras
de um mesmo segmento industrial ou comercial a se fundirem: conquista
de novos nichos de mercado, melhoria na logística de distribuição,
aumento da competitividade, domínio de novas tecnologias etc.
14 Direito Empresarial

Esse instituto é definido no art. 116, do CC, como a absorção de


uma ou várias sociedades por outra, que as “sucede em todos os direitos
e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida, para os
respectivos tipos”.

A Lei 6.404/76, por sua vez, no art. 227, a define como “a operação
pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes
sucede em todos os direitos e obrigações”.

Ou seja, na incorporação há uma absorção total da incorporada


pela incorporadora, que assume todas as obrigações, direitos, ativo e
passivo. Os credores de ambas empresas não são prejudicados, pois a
incorporadora, ao integrar a estrutura da integrada na sua totalidade e
integrá-la no seu patrimônio, assume também a obrigação de pagar todas
as dívidas.

IMPORTANTE:

Entretanto, atenção! As regras são diferentes para as


sociedades de pessoas e as sociedades de capital. Na
primeira, a deliberação de incorporar ou ser incorporada
emana da vontade da maioria dos sócios, que estabelece as
bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo
(art. 1.117 e 1.118, CC). Na segunda, incorporadora e
incorporada devem aprovar a incorporação em assembleia
geral, as bases da operação e o projeto de reforma do ato
constitutivo, levando tudo a registro na Junta Comercial (art.
135 e 136 c/c 223, Lei 6.404/76).

Concluídos os atos da integração, a sociedade de pessoa será


declarada extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no
registro próprio.

As sociedades de capital abertas deverão ser sucedidas por


sociedades também de capital aberto, negociando novas ações conforme
as regras da Comissão de Valores Mobiliários, no prazo máximo de 120
dias a contar da assembleia-geral que aprovou a operação, sob pena de
reembolsar os acionistas que quiserem deixar a empresa no valor das
suas ações (art. 45 c/c parágrafos 3° e 4°, e art. 223, Lei 6.404/76).
Direito Empresarial 15

Fusão
Na fusão, duas ou mais sociedades empresariais se fundem,
são extintas, e uma nova empresa é formada, congregando direitos e
obrigações, passivo e ativo das empresas fundidas (art. 1.119, CC, e art.
228, Lei 6.404/76).

A exemplo do que ocorre na incorporação, nas sociedades de


capital, a fusão também deve ser aprovada em assembleia geral, de todas
as empresas interessadas, pelo consenso da maioria dos acionistas com
direito a voto. As regras gerais da fusão no Código Civil, praticamente,
replicam as regras estabelecidas na Lei das Sociedades Anônimas.

Diz o art. 1.120, do Código Civil:


Art. 1.120. A fusão será decidida, na forma estabelecida para
os respectivos tipos, pelas sociedades que pretendam
unir-se.

§ 1. Em reunião ou assembleia dos sócios de cada


sociedade, deliberada a fusão e aprovado o projeto do
ato constitutivo da nova sociedade, bem como o plano de
distribuição do capital social, serão nomeados os peritos
para a avaliação do patrimônio da sociedade.

§ 2. Apresentados os laudos, os administradores


convocarão reunião ou assembleia dos sócios para tomar
conhecimento deles, decidindo sobre a constituição
definitiva da nova sociedade.

§ 3. É vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do


patrimônio da sociedade de que façam parte. (BRASIL, 2002)

Cisão
Esta figura jurídica foi incorporada ao direito brasileiro, em 1976, pela
Lei das Sociedades Anônimas, no art. 229, que também define o instituto.
Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia
transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais
sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes,
extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de
todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se
parcial a versão. (BRASIL, 1976)
16 Direito Empresarial

Nesta forma de sucessão empresarial, apenas quando todo o


patrimônio da empresa cindida é absorvido por outras ocorre a extinção.
Os direitos e obrigações da empresa cindida são divididos da seguinte
forma:

a. Cisão total - 100% do patrimônio é incorporado a duas ou mais


empresas, a serem criadas ou já existentes, sendo irrelevante em
qualquer dos casos o tipo empresarial. Nesse caso, a empresa
cindida é extinta e as sucessoras assumem a totalidade dos
direitos e obrigações.

b. Cisão parcial - o patrimônio da empresa cindida é desmembrado e


parte dele é transferido para uma ou mais empresas incorporadoras,
já existentes ou a serem criadas, sendo irrelevante o tipo social de
umas e outras. A empresa cindida não é extinta. Mas, como o seu
patrimônio é transferido para terceiro, o seu capital é reduzido. Os
direitos e obrigações são divididos entre as partes.

IMPORTANTE:

Atenção: é importante não confundir diminuição do capital


da cindida com diminuição do seu valor de mercado. Afastar
parte do patrimônio com pouca ou nenhuma lucratividade
pode, ao contrário, valorizar a cindida no nicho de mercado
que ela ocupa.

Direito de terceiros
Os credores que se sentirem prejudicados podem requerer a
anulação dos atos autorizadores da incorporação, fusão ou cisão no prazo
de 90 dias após a publicação.

O art. 232, da Lei 6.404/76, que fixa prazo de 60 dias para o pleito de
anulação das fusões, incorporações e cisões foi parcialmente revogado
pelo Código Civil, que prevê prazo mais benéfico, de 90 dias para a ação
anulatória. Esse prazo é decadencial.

Impetrada a ação de anulação dos atos de fusão, incorporação


ou cisão, os demandados podem consignar judicialmente os valores
Direito Empresarial 17

reclamados, caso em que estará prejudicado o pedido anulatório pelo


cumprimento da obrigação.

Quanto aos direitos trabalhistas, em nenhuma das formas, haverá


rescisão de contratos de trabalho como consequência imediata das
mudanças societárias.

O comum é que, no decorrer ou logo após concluída a transição,


as empresas ofereçam aos empregados planos de demissão voluntária.
O excedente da mão de obra que não aderir aos planos é demitido ao
longo dos dois anos seguintes, em razão de reorganização administrativa
e extinção de postos de trabalho.

Isso, porém, não ilide a obrigação trabalhista subsidiária dos sócios


e empresas remanescentes ou novas, de todos os tipos societários, e
solidária entre os sócios em caso de fraude. O empregador que sucede
o anterior, por força de lei, precisa garantir aos empregados todos os
direitos laborais vigentes no momento da sucessão, inclusive as previstas
em acordos ou convenções coletivas do trabalho.

Nesse sentido, os arts. 10 e 448 c/c os arts 10-A e 448-A da


Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa
não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente


pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao
período em que figurou como sócio, somente em ações
ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação
do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

II - os sócios atuais; e

III - os sócios retirantes.

Parágrafo único. O sócio retirante responderá


solidariamente com os demais quando ficar comprovada
fraude na alteração societária decorrente da modificação
do contrato.

Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura


jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho
dos respectivos empregados.
18 Direito Empresarial

Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou


de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta
Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as
contraídas à época em que os empregados trabalhavam
para a empresa sucedida, são de responsabilidade do
sucessor.

Parágrafo único. A empresa sucedida responderá


solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada
fraude na transferência. (BRASIL, 1943)

Finalmente, em caso de fiança locatícia prestada pelos sócios para


a própria sociedade, ou pela sociedade para terceiros, a exoneração
das obrigações só ocorre após a notificação dos locadores (art.39, Lei
8.245/91, c/c 835 do CC/2002).

Regras para a dissolução da sociedade


Em sentido amplo, a dissolução de uma sociedade é genericamente
definida como o fim da personalidade jurídica de uma sociedade
empresária, e, em sentido estrito, pela assinatura do documento de
encerramento pelos sócios ou acionistas, ou pelo trânsito em julgado da
sentença de anulação dos atos de constituição ou de falência ordenando
o encerramento.

Sendo assim, as formas de dissolução empresarial são: parcial


e total. No entanto, a perda da personalidade jurídica só ocorre após a
liquidação, com a extinção, etapas imediatamente posteriores aos atos
de dissolução.

DEFINIÇÃO:

A liquidação é a fase de realização do ativo, quitação do


passivo, partilha ou transferência do saldo para sócios ou
acionistas. A extinção é o réquiem, o ato final dos sócios ou
acionistas para desfazer os vínculos humanos e materiais
que integravam a sociedade, concretizado pela assinatura
do distrato ou inclusão do ato de vontade na ata da
assembleia para dissolução da empresa.
Direito Empresarial 19

No instrumento de dissolução, deve constar a nomeação de um


liquidante, para proceder aos atos de liquidação e, a final, de extinção
da sociedade. A inobservância desses atos, por sua vez, tem implicações
diretas quanto ao direito de terceiros, em especial nas execuções fiscais
e não-fiscais.

Nos termos da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, pode-


se ler: ”Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar
de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos
competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o
sócio-gerente”.

Entende a jurisprudência majoritária e pacífica do STJ ser obrigação


dos gestores a manutenção dos cadastros atualizados das empresas,
desde uma simples mudança de endereço até as informações contábeis
mais relevantes e/ou complexas.

A regularidade dos registros das empresas nas Juntas Comerciais,


especialmente no caso de dissolução das sociedades, parcial ou total,
tem por objetivo demonstrar que a resolução foi feita de acordo com os
ritos e as formalidades legais, ou seja, através da regular liquidação da
sociedade e pagamento dos credores na ordem de preferência ou de
acordo com a Lei 11.101/2005, se houver falência (arts. 1.033 a 1.038, e arts.
1.102 a 1.112, CC).

IMPORTANTE:

Não existe “dissolução irregular de sociedade” sob aspecto


estritamente legal. O STJ, na súmula 435, reconhece, por
presunção, uma situação fática irregular caracterizada
como ilícito civil que, por sua vez, tem reflexos jurídicos.
Ou seja, quando há inobservância da lei, a consequência
direta e imediata é o cometimento de um ilícito com
consequências para o infrator. A desobediência à norma
cogente civil caracteriza um ilícito civil ensejador de
responsabilidade civil, sem prejuízo de eventuais reflexos
penais, tributários e/ou administrativos.
20 Direito Empresarial

Nessa linha de pensamento do STJ, pouco importa se os débitos


são fiscais ou não-fiscais, pois diante do ilícito se aplica o brocardo “Ubi
eadem ratio ibi eadem legis dispositio” (Onde existe a mesma razão, aí se
aplica o mesmo dispositivo legal). A responsabilidade dos sócios com a
quitação dos débitos da sociedade independe de dolo, sendo suficiente
a culpa (art. 135, III, CTN, c/c art. 10, Dec. 3.078/19 e art. 158, Lei 6.404/78).

Quanto ao regime, o de constituição das sociedades determina


também o da dissolução, nos termos do art. 472, do Código Civil, são dois,
a saber:

a. Contratual - as sociedades constituídas pela vontade dos


sócios, através de um contrato social, são dissolvidas também
contratualmente, por meio de um distrato social.

b. Institucional - a dissolução das sociedades criadas por meio


institucional ou estatutário é feita em assembleia-geral, através da
aprovação dos acionistas que possuam no mínimo metade das
ações com direito a voto, se quórum superior não for exigido no
estatuto de empresa que não tenha ações negociadas em bolsa
ou no mercado de balcão.

Quanto à dissolução das sociedades anônimas, ela pode se dar


judicial ou extrajudicialmente, nas seguintes circunstâncias (art. 206, Lei
6.404/76):

a. De pleno direito - acontece à revelia da vontade das partes,


seja pela previsão do tempo de vida da empresa no contrato ou
estatuto, pela deliberação da assembleia geral, ou mesmo pela
existência de único acionista nas datas das assembleias-gerais
com interregno de um ano, e ainda pela extinção por imposição
ou previsão legal.

b. Por decisão judicial - se dá sempre através de sentença transitada


em julgado. Dessa forma, são exemplos: a ação anulatória de
constituição da empresa, que pode ser impetrada por qualquer
acionista prejudicado, a decisão que reconheça o não preenchimento
da finalidade da empresa em ação proposta por no mínimo 5% dos
acionistas; ou ainda em decisão que decrete a falência.
Direito Empresarial 21

c. Por decisão de autoridade administrativa - é possível mediante


previsão legal pela inobservância de exigência legais administrativas.
Tem-se, como exemplos, a não renovação ou cassação de alvará,
a interdição de estabelecimento comercial ou industrial pelos
bombeiros ou pela segurança civil; a proibição do exercício da
atividade empresarial no local onde a empresa está estabelecida etc.

Dissolução Parcial da Sociedade


A dissolução parcial da sociedade, também denominada resolução
parcial, não extingue a sociedade. Após a saída do sócio retirante, ela
segue ativa com os sócios remanescentes ou com a entrada de novos
sócios. As quotas pertencentes ao sócio retirante são liquidadas e o valor
patrimonial correspondente é entregue a ele ou, conforme o caso, a seus
herdeiros, curador ou tutor.

A consequência imediata da dissolução parcial é a diminuição do


patrimônio da empresa, decorrente da redução do capital social, o que
pode ser evitado se os sócios remanescentes optarem por integralizar o
valor equivalente ao capital liquidado ou por admitir um novo sócio que
integralize o capital dissolvido.

Com o novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, as datas de


resolução parcial da sociedade passaram a ser aquelas estabelecidas no art.
605 e não mais a data do registro na Junta Comercial, inclusive para o cálculo
do interregno de dois anos de responsabilidade do sócio. Afirma o CPC,
Art. 605. A data da resolução da sociedade será:

I - no caso de falecimento do sócio, a do óbito.

II - na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao


do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio
retirante.

III - no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da


notificação do sócio dissidente.

IV - na retirada por justa causa de sociedade por prazo


determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito
em julgado da decisão que dissolver a sociedade.

V - na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da


reunião de sócios que a tiver deliberado. (BRASIL, 2015)
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A dissolução parcial é possível nos seguintes casos:

a. Morte de sócio - a resolução, nesse caso, depende do acordado


no contrato social (art. 1.028, I, CC). São três as opções: a sociedade
pode ser dissolvida, liquidada e as quotas divididas entre os sócios
remanescentes e os herdeiros do sócio morto (art. 1.028, II, CC); as
quotas pertencentes ao sócio morto são liquidadas e o dinheiro
entregue aos herdeiros (art. 1.028, caput, CC), prosseguindo a
sociedade com os sócios remanescentes; ou a transferência das
quotas do sócio morto para os herdeiros, que o substituirão na
sociedade (art. 1.028, III, CC).

b. Direito de retirada - o Código Civil resguarda o princípio da


liberdade das convenções, segundo o qual as pessoas são livres
para contratar e distratar, sem a necessidade do consentimento
dos demais sócios (art. 1.029, CC, c/c 599, CPC). O sócio que
pretende retirar-se de uma sociedade por prazo indeterminado
deve notificar os demais sócios com antecedência de 60 dias.
Como esta notificação precisa ser inequívoca, o melhor é fazê-la
por notificação extrajudicial, em Cartório de Títulos e Documentos.
No caso da sociedade por prazo determinado, o afastamento
de sócio só pode ocorrer por sentença judicial que reconheça a
justa causa como mote para o distrato. As causas mais comuns
são: a quebra da affectio societatis, a incompatibilidade de
objetivos e ideias, o desentendimento grave e a insatisfação por
descumprimento do acordado. A decisão judicial que autoriza o
afastamento do sócio por justa causa tanto pode ser liminar, se
presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, como definitiva,
após transitada em julgado.

Nada impede, porém, a opção dos sócios pela dissolução total


da sociedade (parágrafo único, art. 1.029, CC). Isso acontece, não raro,
quando o sócio retirante é o responsável pela administração societária ou
é o único com a capacitação técnica exigida para a sua existência.

O sócio que sai também pode ceder suas quotas a terceiros, a


título oneroso ou gratuito, mas, nesse caso, não há dissolução parcial da
sociedade, e sim em alienação ou doação.
Direito Empresarial 23

c. Exclusão ou Expulsão de sócio - somente por sentença judicial,


em ação impetrada pela maioria dos sócios, é possível excluir ou
expulsar um deles, provando-se o cometimento de falta grave no
cumprimento das suas obrigações ou incapacidade superveniente
do retirante (art. 1.030, CC).

É possível o afastamento liminar do sócio das atividades societárias


até decisão final, em tutela de urgência, quando presentes o fumus boni
iuri e o periculum in mora. Nesse caso, no exame e deferimento do pedido
liminar, o juiz leva em consideração os princípios da preservação e da
função social da empresa (art. 1.085, CC).

Como a lei não define falta grave, o leque de possibilidades é


muito amplo. As mais comuns são: fraude, desvio de caixa, uso mal-
intencionado dos recursos da empresa e dos clientes, conduta desleal,
descumprimento das obrigações societárias, uso do nome da empresa
e dos recursos societários para fins ilícitos, interesses próprios ou de
terceiros etc.

Dissolução total da sociedade


A dissolução total da sociedade resulta no fim da personalidade
empresária pelo rompimento definitivo dos vínculos contratuais.

Uma das possibilidades é o fim do ciclo de vida da empresa


contratualmente estabelecido, quando opera de pleno direito. O legislador,
entretanto, com base nos princípios da preservação da empresa e da função
social, estabeleceu, como exceção, à vigência por prazo indeterminado
na inércia dos sócios, pela falta de liquidação da sociedade. Nesse caso,
a sociedade ainda poderá ser extinta, total ou parcialmente extinta, mas
somente nas demais hipóteses previstas em lei e não mais pelo vencimento
do prazo de vida estabelecido no contrato (art. 1.033, CC).

Além do prazo contratual, pode-se dissolver totalmente uma


sociedade: por consenso dos sócios, deliberação por maioria absoluta,
falta de pluralidade de sócios por mais de 180 dias, por extinção ou não
renovação da autorização do Estado para funcionar (caso de bancos,
seguradoras, determinação da defesa civil etc.).
24 Direito Empresarial

IMPORTANTE:

Não se dissolve a sociedade por falta de pluralidade de


sócios se o sócio remanescente, dentro do prazo de 180
dias, registrar na Junta Comercial pedido de transformação
da sociedade para empresário individual ou empresa
individual de responsabilidade limitada – EIRELI (parágrafo
único, art. 1.033, CC).

Outras possibilidades para a dissolução são o trânsito em julgado de


ação que julga procedente pedido de anulação da constituição societária,
reconhece o exaurimento do seu fim social (exemplo são as Sociedade
de Propósito Específico – SPE) ou da sua inexequibilidade (art. 1.034, CC).

A lei permite, expressamente, a possibilidade de inserção de outros


motivos para a resolução das sociedades nos documentos constitutivos,
a critério dos sócios, mas cada caso será examinado individualmente pelo
Judiciário (art. 135, CC).

Finalmente, a sociedade pode ser totalmente dissolvida pela


decretação judicial de falência (arts. 1.044 e 1.087, CC, c/c, Lei 11.101/2005).

Liquidação das sociedades


Encerrada a fase de dissolução, inicia-se a fase de liquidação das
sociedades que, por sua vez, antecede a extinção da pessoa jurídica. Ela
pode ser definida como uma sequência de atos e providências legais e
administrativas a serem tomadas pelo liquidante nomeado, com o objetivo
de realizar o ativo, ou seja, converter em dinheiro tudo o que for possível,
quitar o passivo e dividir o eventual saldo entre os sócios e acionistas.

Nessa fase, todas as negociações da sociedade são suspensas, à


exceção das iniciadas antes da dissolução, que devem ser obrigatoriamente
ultimadas. A liquidação pode ser:

a. Extrajudicial (voluntária, consensual ou amigável) - Ocorre quando,


no ato da dissolução, em comum acordo, os sócios nomeiam o
liquidante e estabelecem as regras para os trâmites da liquidação.
Vale considerar que este acordo é imutável e perene, e só pode
Direito Empresarial 25

ser alterado excepcionalmente por consenso unânime entre as


partes ou por anulação judicial, provada a existência de vício de
consentimento, simulação, etc.

b. Judicial - Se a dissolução for feita judicialmente, a liquidação


também deve ser judicial. E, ainda quando feita extrajudicialmente,
na falta de consenso entre os sócios sobre a nomeação do
liquidante e/ou sobre as regras da liquidação, a via judicial é o
caminho. Conforme as regras previstas na Lei de Falências, a
liquidação judicial é sempre feita pelo procedimento comum
(parágrafo 3°, arts. 1.046 e 318, CPC, c/c art. 1.111, CC).

No decorrer do processo de liquidação, o juiz convocará e presidirá


reunião ou assembleia, sempre que necessário, resolvendo sumariamente
as questões suscitadas. As atas, autenticadas, serão apensadas ao
processo judicial (1.112, CC).

Para manter a transparência e preservar o direito de terceiros, o


liquidante usará a denominação social acrescida do termo “em liquidação”
(art. 212, Lei 6.404/76).

Quanto ao liquidante, ele só é obrigatório nos casos de dissolução


total da sociedade. Nas dissoluções parciais, é comum o próprio contador
da empresa, assistido por outro da confiança do sócio retirante, proceder
a liquidação.

Ele pode ser definido como um profissional contratado pela


sociedade a ser dissolvida ou nomeado pelo juiz para, de forma isenta,
administrar o processo de liquidação, eventualmente cumulando a
administração da sociedade, até a extinção, levantando balanços,
arrecadando ativos, quitando passivos e, a final, partilhando o saldo entre
os sócios, depositando os valores em conta judicial, etc.

Pode ser pessoa estranha à sociedade ou um dos sócios, mas a


sua atuação não configura mandato. Os poderes que necessita para a
prática dos atos de liquidação vêm da lei, como transigir, receber e dar
quitação, alienar bens móveis ou imóveis, dentre outros. Esses poderes
também são limitados pela própria lei, que impede o liquidante de gravar
de ônus reais móveis ou imóveis, contrair dívidas em nome da sociedade
26 Direito Empresarial

sem autorização no contrato social ou nas regras estabelecidas para


a liquidação, pelos sócios ou pelo juiz, excetuando a contratação de
empréstimos bancários indispensáveis para o pagamento de obrigações
inadiáveis (art. 1.105, CC).

A isenção e a liberdade no desenvolvimento do trabalho são


essenciais para que o liquidante possa tomar as melhores decisões
patrimoniais. As obrigações e as responsabilidades dos liquidantes são
equiparados às dos administradores da sociedade liquidanda (art. 1.104,
CC), e seus deveres estão elencadas no art. 1.103, do Código Civil, que,
entretanto, não são exaustivos.

Reza o art. 1.103, do Código Civil.


Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante:

I - averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de


dissolução da sociedade;

II - arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade,


onde quer que estejam;

III - proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua


investidura e com a assistência, sempre que possível, dos
administradores, à elaboração do inventário e do balanço
geral do ativo e do passivo;

IV - ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo,


pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios
ou acionistas;

V - exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à


solução do passivo, a integralização de suas quotas
e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da
responsabilidade de cada um e proporcionalmente à
respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre
os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo
insolvente;

VI - convocar assembleia dos quotistas, cada seis


meses, para apresentar relatório e balanço do estado da
liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o
semestre, ou sempre que necessário;

VII - confessar a falência da sociedade e pedir concordata,


de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de
sociedade liquidanda;
Direito Empresarial 27

VIII - finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da


liquidação e as suas contas finais;

IX - averbar a ata da reunião ou da assembleia, ou


o instrumento firmado pelos sócios, que considerar
encerrada a liquidação.

Parágrafo único. Em todos os atos, documentos


ou publicações, o liquidante empregará a firma ou
denominação social sempre seguida da cláusula “em
liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração
de sua qualidade. (BRASIL, 2002)

Sobre a remuneração do liquidante, quando a contratação é privada,


não há maiores problemas, pois prevalece o acordo entre os interessados.
Porém, no caso da nomeação judicial, como inexiste previsão legal para
a remuneração desse profissional, aplica-se, por analogia, a remuneração
do administrador judicial fixada na Lei de Recuperação e Falências – LRF
(Lei 11.101/2005).

Nesse diapasão, a remuneração do liquidante, na liquidação judicial,


não ultrapassa 5% do valor da venda dos bens da sociedade, reduzindo
para 2% no caso das Microempresas - ME e das Empresas de Pequeno
Porte – EPP (art. 24, LRF).

Entretanto, como o trabalho do liquidante, mesmo nomeado


judicialmente, é de natureza privada, o percentual inicialmente arbitrado
pelo juiz pode ser impugnado pelas partes ou ser objeto de negociação
e acordo entre partes e liquidante, posteriormente homologado pelo juiz.

A remuneração arbitrada em porcentagem sobre o valor arrecadado


tem por objetivo estimular o liquidante a obter melhor preço pelos
bens. Quanto melhor ele vende, maior a sua remuneração. Finalmente,
é obrigação do liquidante prestar contas e responder pelos atos que
praticou perante sócios, credores e Juízo (arts. 154 e 155, LRF, c/c 217, Lei
6.404/76).

Aprovadas as contas em assembleia-geral ou por aceitação


dos sócios, na liquidação extrajudicial, a fase de liquidação é dada
por encerrada, a sociedade declarada extinta por distrato ou na ata da
assembleia-geral, documentos que devem ser levados a registro na Junta
Comercial.
28 Direito Empresarial

Na liquidação judicial, é observada a lei processual (art. 1.111, CC).


Em resumo, o juiz julga as contas e a liquidação e, estando tudo de acordo
com a lei, sentencia a extinção da sociedade, oficiando a Junta Comercial.

RESUMINDO:

E então, gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo,
vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido
que os aspectos e tipos de alterações societárias, suas
peculiaridades e consequências.
Direito Empresarial 29

Desconsideração da personalidade jurídica


OBJETIVO:

Ao término deste novo capítulo, você será capaz de


entender o funcionamento da personalidade jurídica e
seus trâmites no processo de desconsideração. Estes
conhecimentos serão fundamentais para o exercício de
sua profissão. E então? Motivado para desenvolver esta
competência? Vamos lá. Avante!

Entendendo o que é a personalidade


jurídica
Desde crianças é comum que aprendamos na escola qual é o
conceito de cidadania e o que é ser um cidadão. Sabemos que cada
cidadão tem direitos e deveres e essas condições independem da
classe social, da cor da pele, da etnia ou da religião. Cada cidadão tem
direitos e deveres no vigente das regras sociais brasileiras, que devem ser
cumpridos para o bom exercício da cidadania nacional.

A Constituição Federal (CF), de 1988, destaca em suas


determinações, os direitos e deveres do cidadão brasileiro, que devem
sempre andar em conformidade, uma vez que quando um cidadão age,
suas ações individuais provocam efeitos coletivos que interferem na
liberdade e nos direitos do outro.

Sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, o artigo 5º, da


Constituição Federal, um dos principais da CF, defende que todos os
cidadãos e seres humanos são iguais perante a lei, sem nenhuma distinção
entre as pessoas. Além disso, esse artigo da constituição menciona
a garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à
propriedade e a outros direitos tidos como fundamentais.

Entre as diversas previsões do artigo 5, da Constituição, e seus


princípios legais da cidadania, é possível destacar alguns pontos
importantes, tais como:
30 Direito Empresarial

1. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

2. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em


virtude da lei.

3. Ninguém será submetido à tortura ou tratamento desumano.

4. O pensamento, as crenças e cultos religiosos são livres.

5. A expressão intelectual, artística, científica e de comunicação é


livre, ou seja, sem censura.

6. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem, as


correspondências e o sigilo telefônico.

7. O trabalho e a profissão são livres.

8. O acesso à informação é livre.

9. A locomoção no país é livre.

10. A reunião pacífica em lugares abertos ao público é livre.

11. A propriedade é um direito.

12. A pequena propriedade rural, que seja trabalhada pela a família,


não pode ser penhorada.

13. O direito da herança.

14. A defesa do consumidor.

15. O direito de acesso direto ao Poder Judiciário.

16. Os crimes de racismo, tortura e tráfico de drogas são inafiançáveis.

17. Não haverá pena de morte.

18. Não haverá condenação sem sentença judicial.

Além disso, a Constituição determina alguns deveres que devem


ser cumpridos como:

1. Escolher os governantes do país.

2. Cumprir todas as leis e a Constituição.


Direito Empresarial 31

3. Proteger o meio ambiente e todo o patrimônio público e social


do Brasil.

4. Respeitar os direitos das outras pessoas.

5. Fazer as contribuições tributárias e previdenciárias devidas.

6. Educar e proteger os seus semelhantes.

7. Contribuir com as autoridades.

Mas, você deve estar se perguntando: O que é uma personalidade


jurídica? De acordo com Normas Legais, a “personalidade jurídica é a ideia
de que uma pessoa, seja física (pessoa natural), seja jurídica (empresa,
ente público, associação sem fins lucrativos) tenha capacidade de adquirir
direitos e contrair deveres na sociedade (Direito Civil).”

No contexto de nosso tema de estudo, podemos mencionar que


no caso de empresas, temos o exemplo de uma personalidade jurídica,
uma vez que se trata de uma existência diversa em relação aos sócios,
sendo então uma entidade jurídica individualizada e autônoma. Essa
personalidade pode ser adquirida por meio da inscrição do ato constitutivo
da sociedade, quando ocorre o registro da iniciação de uma empresa, que
pode ser realizada de duas formas:

• Na Sociedade Empresária - Registro Público das Empresas


Mercantis (Junta Comercial) e

• Na Sociedade Simples - Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Com base no Código Civil Brasileiro de 2002, artigos 1, 45, 985 e


1.150, os efeitos advindos com a concepção de uma personalidade
jurídica decorrem do fato de essa nova instituição poder constituir: nome
próprio e adequado a sua empresa, patrimônio próprio, domicílio próprio
etc., acarretando desta forma, a separação patrimonial da sociedade
em relação aos seus sócios, para efeitos de responsabilidade quanto às
obrigações assumidas pela sociedade.
32 Direito Empresarial

Direito civil das pessoas jurídicas


Quanto aos direitos e deveres, a pessoa jurídica tem as mesmas
obrigações de uma pessoa física. Veja o que diz Santos (2017):
As pessoas jurídicas são entes criadas por lei, sendo
atribuída a capacidade de serem entes de direitos e
deveres, atuando na sociedade com personalidade
jurídica diferente das pessoas naturais, porém como são
imateriais necessitam de representantes, ou seja, de um
indivíduo humano. (SANTOS, 2017)

Com base no artigo 40, do Código Civil de 2002, as pessoas


jurídicas são de direito público, interno, quando são um dos seguintes
entes: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, as Autarquias
e as demais entidades de caráter público criada por lei; ou externo,
quando são os Estados estrangeiros e as pessoas que forem regidas
pelo Direito Internacional Público; por fim, as pessoas jurídicas de direito
privado, compreendem: as associações, as sociedades, as fundações, as
organizações religiosas e os partidos políticos.

De acordo com Santos (2017), as sociedades são pessoas que


se obrigam a contribuir, com serviços, para o exercício de atividades
negociais. O Código Civil de 2002 juntou obrigações civis e econômicas.
As sociedades são simples e empresárias. As sociedades simples são as
que têm finalidade econômica ou lucrativa, repartindo entre os sócios tal
lucro. Por exemplo: advogados e médicos, que exploram sua atividade
de modo não empresarial. De acordo com a lei, a pessoa jurídica deve
estar atenta a garantir os direitos de seus associados de maneira justa e
igualitária. Veja a seguir o que Santos (2017) menciona sobre esse aspecto:
CC - Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas
o estatuto poderá instituir categorias com vantagens
especiais.

CC - Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se


o estatuto não dispuser o contrário.

Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou


fração ideal do patrimônio da associação, a transferência
daquela não importará, de per si, na atribuição da
qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro,
salvo disposição diversa do estatuto. (SANTOS, 2017)
Direito Empresarial 33

Santos (2017) comenta também que o início de uma pessoa jurídica


faz-se por um ato jurídico. As pessoas jurídicas de Direito Público iniciam sua
atividade em razão da criação constitucional, de lei especial e de tratados
internacionais, pois a personalidade é conferida pela norma jurídica. Para
a pessoa jurídica de Direito Privado são necessários três aspectos formais
para sua existência: vontade humana criadora, obediência aos requisitos
e licitude de finalidade. Começa a existência legal das pessoas jurídicas
de Direito Privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo órgão.
CC - Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas
de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-
se no registro todas as alterações por que passar o ato
constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a


constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por
defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação
de sua inscrição no registro. (SANTOS, 2017)

O processo constitutivo de uma pessoa jurídica é um ato complexo,


composto por atos subjetivos e objetivos que se unem no sentido
do reconhecimento da personalidade autônoma, emprestada pelo
regular registro que tem prazo, retroativo de 30 dias para regularidade
aos atos praticados. Aplica às pessoas jurídicas a proteção dos direitos
da personalidade, consubstanciados nos artigos 11 a 21, do Código
Civil. Nos efeitos da personalização, três são consequências dessa
personalização: titularidade obrigacional (capacidade para assumir um
dos polos da relação negocial); titularidade processual (capacidade para
ser parte processual; responsabilidade patrimonial (patrimônio próprio,
inconfundível e incomunicável com o patrimônio de cada um dos sócios).

A desconsideração da pessoa jurídica


Antes de partir para esse instituto sofreu profunda mudança com a
recente Lei 13.874, sancionada em 20 de setembro de 2019, que alterou
vários artigos do Código Civil e outras leis que regulamentam o Direito
Empresarial.
34 Direito Empresarial

A extinção da personalidade jurídica ocorre, com a averbação da


dissolução e respectiva liquidação da sociedade, no mesmo órgão de
registro de sua abertura.

A desconsideração da pessoa jurídica, também denominada de


desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, segue
sendo uma medida judicial extrema, que atinge os bens particulares dos
sócios e administradores para o pagamento de credores da sociedade,
prejudicados pelo abuso da personalidade jurídica, praticado com desvio
de finalidade ou confusão patrimonial (art. 50, CC). A seguir, tem-se a nova
redação do art. 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou
do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1° Para os fins do disposto neste artigo, desvio de


finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito
de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza.

§ 2° Entende-se por confusão patrimonial a ausência de


separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações


do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas


contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia


patrimonial.

§ 3° O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo


também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou
de administradores à pessoa jurídica.

§ 4° A mera existência de grupo econômico sem a presença


dos requisitos de que trata o caput deste artigo não
autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa
jurídica.
Direito Empresarial 35

§ 5° Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou


a alteração da finalidade original da atividade econômica
específica da pessoa jurídica. (BRASIL, 2002)

Houve uma preocupação do legislador em delimitar a


responsabilidade e, consequentemente, os bens particulares dos sócios
e administradores que podem ser atingidos pela desconsideração,
condicionando-a ao benefício direto ou indireto do abuso da
personalidade jurídica. Ou seja, os sócios e administradores que não
tenham se beneficiado do abuso estão naturalmente excluídos e seus
bens particulares não podem ser atingidos para o pagamento de dívidas
da sociedade. Pela redação anterior, o simples fato de ser sócio de
sociedade fraudulenta autorizava o perdimento de bens para indenização
dos prejudicados.

Também restaram definidos e bem delimitados o abuso de finalidade


e a confusão patrimonial, assim como os casos em que a personalidade
jurídica não pode ser desconsiderada. A atual definição legal do desvio
de finalidade é utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar
credores e/ou praticar atos ilícitos de qualquer natureza.

IMPORTANTE:

A Medida Provisória n° 881/2019 previa expressamente


a necessidade da conduta dolosa para configuração do
abuso da personalidade, o que foi suprimido na Lei n°
13.874 sancionada. Mas, essa supressão é irrelevante, pois
o texto da lei exige o propósito, ou seja, o dolo, a vontade
livre e consciente de praticar o ato abusivo e obter o
resultado danoso. A culpa, caracterizada pela negligência,
imprudência ou imperícia, não autoriza a desconsideração
da pessoa jurídica.

Para a caracterização da confusão patrimonial, por sua vez, é preciso


haver a ausência real de separação dos bens dos sócios e administradores
dos bens da pessoa jurídica e prática reiterada de atos que indiquem
confusão de obrigações dos particulares e da empresa, transferência
de ativos que não configurem dividendos, e a prática de outros atos que
deixem clara a ausência de autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
36 Direito Empresarial

A lei também desautoriza a desconsideração da pessoa jurídica


pelo simples fato das empresas integrarem grupo econômico, limitando a
responsabilidade àquelas que real e efetivamente tenham se beneficiado
do abuso da personalidade.

Tampouco autoriza a desconsideração da pessoa jurídica a simples


alteração de finalidade da atividade econômica das empresas ou a
expansão das atividades empresariais.

O objetivo da alteração na lei foi dar segurança jurídica aos sócios e


administradores, especificando, de forma clara, como e de qual modo os
seus bens pessoais podem ser atingidos para pagamento de dívidas da
sociedade. Entretanto, por outro lado, tornou mais difícil para os credores
fazer a prova das condutas abusivas das empresas.

A jurisprudência, nos próximos anos, se encarregará de equacionar


a atual hipossuficiência dos credores frente às empresas que praticam
condutas abusivas.

Processualmente, a desconsideração da pessoa jurídica deve


ser pleiteada através de incidente processual, inclusive nos juizados
especiais, à exceção de quando o pedido for feito na inicial (arts. 133 a 137
e 1.062, CPC).
Direito Empresarial 37

RESUMINDO:

E então? Gostou dessa primeira competência do capítulo


3? Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir
tudo o que vimos. Você deve ter aprendido o conceito
basilar de cidadania e a sua relação com o sistema de
direitos e deveres de uma pessoa jurídica. Além disso,
vimos que a personalidade jurídica compreende a ideia
de que uma pessoa, seja física (pessoa natural), seja
jurídica (empresa, ente público, associação sem fins
lucrativos) tenha capacidade de adquirir direitos e contrair
deveres na sociedade (direito civil). Quanto aos direitos e
deveres, a pessoa jurídica tem as mesmas obrigações
de uma pessoa física. Posteriormente, compreendemos
que a personalidade jurídica, formada por dois ou mais
sócios, pode ser extinta ou desconsiderada, e que para
isso acontecer basta, buscar o órgão de registro que
oficializou o seu nascimento, e averbar a sua dissolução.
Por fim, compreendemos os regimes vigentes na lei
para procedimentos de dissolução e alterações que
proporcionam segurança jurídica aos sócios, durante esse
procedimento.
38 Direito Empresarial

Recuperação de empresas
OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender


sobre a recuperação de empresas. Isso será fundamental
para o exercício de sua profissão. E então, motivado para
desenvolver esta competência?

Lei de Recuperação e Falência de


Empresas
A Lei de Recuperação e Falência de Empresas, Lei 11.101/2005, é
uma norma eclética, pois reúne, no seu texto, diretrizes administrativas,
civis, processuais e penais, com o objetivo de disciplinar recuperações
extrajudiciais e judiciais, bem como a falência do empresário individual
e da sociedade empresária, lastreada no princípio da preservação da
empresa e da sua função social, com norte na proteção da atividade
econômica, através da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa,
aliando preservação dos empregos e justiça social à recompensa do lucro
e saúde da economia nacional, nos termos do art. 170, da Constituição
Federal. Nessa linha, assevera o art. 47, da Lei 11.101/2005:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar
a superação da situação de crise econômico-financeira
do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses
dos credores, promovendo, assim, a preservação da
empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica. (BRASIL, 2005)

As crises empresariais, patrimoniais, econômicas ou financeiras


podem ter várias razões: má administração, desentendimento entre
sócios, fenômenos naturais, concorrência desleal, falta ou excesso de
insumos, diminuição do consumo, atraso tecnológico, linha de produção
ultrapassada, dentre outros.
Direito Empresarial 39

O objetivo primeiro da Lei 11.101 é ajudar as empresas a sanar essas


crises para que possam continuar atuando no mercado, restringindo a
falência aos casos de real impossibilidade de recomposição dos ativos
empresariais.

Caracteriza-se como crise econômica quando a empresa não vende


produtos e serviços em quantidade que lhe permita pagar os seus custos,
ensejando inadimplemento eventual, ou seja, incapacidade de cumprir
obrigações líquidas e certas nos prazos corretos.

A crise financeira é mais grave e ocorre quando o fluxo de caixa é


insuficiente para o pagamento das obrigações empresariais, caracterizando
iliquidez e incapacidade provisória do devedor para cumprir as obrigações,
em que pese a empresa possua ativo em quantidade suficiente para quitar
dívidas vencidas e vincendas.

A crise patrimonial, por sua vez, é muito grave e ocorre quando o


ativo da empresa é inferior ao seu passivo, ou seja, quando há insolvência,
incapacidade definitiva para o pagamento das obrigações, pela falta de
bens e direitos suficientes para cobrá-las.

IMPORTANTE:

Atenção: a insolvência civil é a incapacidade econômica e


financeira de pessoa física para pagar dívidas contraídas e
que superam os seus ganhos e o seu patrimônio disponível
ou penhorável. Ao fim do processo, a pessoa física pode
se recuperar e tornar-se solvente ou, persistindo a
inadimplência, ser declarada definitivamente insolvente
por sentença judicial. Por força do art. 1.052 do CPC/2015,
até a edição de lei especial que regulamente o tema, a
insolvência civil continua sendo processada e julgada de
acordo com os arts. 758 a 786-A do CPC/1939.

O endurecimento da desconsideração da pessoa jurídica pela Lei


13.874/2019, que também aumentou a rigidez na separação patrimonial
das empresas e dos empresários, limitando responsabilidades, tem por
objetivo incentivar o empreendedorismo. O empresário pode empenhar-
se mais e melhor para recuperar a sua empresa sabendo que o seu
40 Direito Empresarial

patrimônio pessoal não só responderá pelas dívidas societárias se provado


o abuso de finalidade e a confusão patrimonial.

Pessoas jurídicas na lei 11.101/2005 - LRF


Todas as pessoas jurídicas que desenvolvem atividades empresariais
estão sob a égide da Lei de Recuperação e Falência de Empresas,
excetuando as elencadas no art. 2°, em rol não exaustivo, já que há outras
pessoas jurídicas não sujeitas à falência por previsão no Código Civil e em
leis especiais. Assim, afirma o art. 2°, da Lei 11.101/2005:
Art. 2° Esta Lei não se aplica a:

I – empresa pública e sociedade de economia mista;

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de


crédito, consórcio, entidade de previdência complementar,
sociedade operadora de plano de assistência à saúde,
sociedade seguradora, sociedade de capitalização e
outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
(BRASIL, 2005)

Relembrando, o parágrafo único, do art. 966, do Código Civil,


especifica que não são empresários:
Quem exerce profissão intelectual, de natureza científica,
literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir
elemento de empresa. (BRASIL, 2002)

Para fins falimentares, porém, é irrelevante que o empresário


individual ou a sociedade empresária estejam regularmente registrados
na Junta Comercial. Ou seja, as sociedades não personificadas, e mesmo
aquelas com alguma irregularidade registral, podem ter a sua falência
decretada.

O que a lei lhes veda é o pleito de autofalência, de recuperação


judicial ou de falência de outro empresário do qual sejam credores, pois,
para isso, precisam atender às exigências dos arts. 105 e 106, c/c art. 97,
da Lei 11.101/2005.

Só as empresas regularmente registradas na Junta Comercial


alcançam essas benesses legais.
Direito Empresarial 41

As atividades rurais, por sua vez, só estão sujeitas à recuperação


judicial e à falência se o trabalhador rural optar por fazer a sua inscrição na
Junta Comercial e se equiparar à sociedade empresária (arts. 971 e 984,
CC). Nada impede, contudo, que o trabalhador rural devedor pleiteie a
declaração judicial da sua insolvência civil.

Entretanto, seja por desconhecimento da lei, seja pelo preconceito


em se autodeclarar devedor, ou ainda pelo alto custo processual, a
insolvência civil raramente é utilizada pelas pessoas físicas devedoras,
em que pese possa ser uma medida extremamente benéfica, por lhes dar
tempo e condições favoráveis para renegociar dívidas, preservar o seu
patrimônio e recuperar sua saúde financeira.

Com relação às cooperativas em geral, há um aparente vácuo legal


no que diz respeito à possibilidade da recuperação judicial ou extrajudicial,
já que o instituto não existia em 1976, quando sancionada a Lei 5.764, que
define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das
sociedades cooperativas e dá outras providências. E é aparente, porque,
mesmo há muitos anos, o legislador se preocupou em proteger e ajudar
as cooperativas em dificuldade econômico-financeira a se recuperar, em
razão da sua importância social.

As cooperativas de crédito, nos termos do art. 2°, não estão sob


a égide da Lei 11.101/2005, pois todas as instituições que têm natureza
jurídica de instituição financeira, não bancária, se submetem diretamente
à Lei 6.024/74, que trata da intervenção e liquidação extrajudicial das
instituições financeiras. A Lei de Falências é usada apenas subsidiariamente
na omissão da Lei 6.024/74. As cooperativas de crédito também estão sob
fiscalização direta do Banco Central, nos termos do Decreto 2.321/1987, que
prevê um regime de administração especial temporária, nas instituições
financeiras públicas e privadas não federais, à guisa de recuperação.

As cooperativas em geral, por sua vez, não estão sujeitas à falência


por serem sociedades de pessoas, nos termos do art. 4°, da Lei 5.764/1971.

Em contrapartida, é importante ressalvar que o art. 76, da Lei


n. 5.764/71, prevê uma espécie de recuperação econômica para as
cooperativas em geral. Após a publicação da ata da assembleia que
42 Direito Empresarial

autoriza a liquidação, com vistas à manutenção da integridade do sistema


cooperativo, a bem do interesse público e para facilitar uma eventual
recuperação econômica, as cooperativas têm moratória de um ano,
período no qual ficam suspensas todas as ações judiciais contra elas.

Assim como no caso das cooperativas de crédito, a Lei de


Recuperação e Falências não se aplica, in totum, às cooperativas em
geral. Ela é usada apenas de forma subsidiária, no silêncio da lei especial
5.764/71 e no que não afrontam as determinações expressas do legislador
em normas que lhe digam respeito diretamente.

Aspectos processuais relevantes da LRF


A competência para o processo de recuperação judicial ou da
falência é do juízo da comarca estadual no qual está instalado o principal
estabelecimento do devedor ou da filial que tenha sede no estrangeiro,
que também fica prevento para quaisquer outros pedidos de recuperação
judicial ou de falência, relacionados ao mesmo devedor (art. 3° c/c
parágrafo 8°, art. 6°, LRF).

A exceção diz respeito à constrição de bens não abrangidos pelo


plano de recuperação da empresa, nos termos da Súmula 480, do STJ,
in verbis: “O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir
sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação
da empresa.”

Quanto ao curso do prazo prescricional, com o deferimento da


recuperação judicial, ele é suspenso, assim como todas as ações e
execuções judiciais contra o devedor, à exceção das ações ilíquidas, das
trabalhistas e das execuções fiscais, cujo trâmite, na fase de conhecimento,
prossegue normalmente nas justiças especializadas (art. 6º e parágrafos
1º, 2º e 7º, LRF).

A suspensão é de no máximo 180 dias, a contar do deferimento do


processamento da recuperação e, após o seu decurso, os credores podem
impetrar ou prosseguir com suas ações e execuções, independente de
novo pronunciamento judicial (parágrafo 4°, art. 6°, LRF).
Direito Empresarial 43

IMPORTANTE:

Atenção: O caput do art. 6° suspende a prescrição, não a


interrompe. Na suspensão, o prazo para e depois volta a
correr pelo tempo restante. Na interrupção, o prazo para e,
na volta, a contagem é reiniciada, como se nunca tivesse
corrido antes. E, apenas para relembrar, a decadência,
perda de um direito protestativo, não pode ser suspensa e
nem interrompida.

Os créditos alimentares, tanto trabalhistas como honorários


advocatícios, devem ser habilitados na recuperação e na falência
em concurso com os demais credores. Um credor individualmente
considerado, em que pese a relevância da natureza jurídica da verba a
que tem direito, não pode sobrepor-se a todos os interesses envolvidos no
processo recuperatório ou falimentar. Por essa razão, as ações trabalhistas
e outras que tenham caráter alimentar, apesar da proteção constitucional
de que gozam, devem ser julgadas nas Justiças Especializadas e
executadas no Juízo Universal Falimentar. A própria lei falimentar as
coloca em patamar superior no momento do pagamento dos créditos.

Imediatamente após a nomeação, o administrador judicial precisa


providenciar um levantamento contábil de todos os créditos e débitos
existentes contra o devedor, com base nos documentos apresentados
pelos credores, livros contábeis, documentos comerciais e fiscais da
empresa, etc. (art. 7°, LRF).

O balanço deve ser publicado em edital, dando início ao prazo de


15 dias para os credores habilitarem eventuais créditos não indicados no
edital ou apresentarem divergências sobre os créditos publicados, em
documento no qual conste o nome e o endereço do credor, o valor do
crédito, comprovantes, etc. (parágrafo 1°, art. 7°, c/c art. 9°, LRF).

Apresentadas as habilitações e divergências, o administrador


judicial deve publicar novo edital com a relação consolidada dos credores
(parágrafo 2°, art. 7°, LRF). Eventual omissão do Administrador pode ser
sanada por determinação judicial.
44 Direito Empresarial

Mesmo após a publicação editalícia da relação consolidada de


credores, a lei admite a habilitação de credores retardatários, que,
entretanto, não gozarão do direito a voto nas deliberações da assembleia-
geral de credores na recuperação judicial, e sem terão direito a rateios na
falência (parágrafos 1° e 2°, art. 10, LRF).

O Ministério Público, o próprio devedor e quaisquer credores, no


prazo de 10 dias da publicação do edital da relação consolidada, podem
impugnar a relação de credores alegando ilegitimidade, ausência de
crédito, valores divergentes, prescrição, etc. (art. 8°, LRF).

As impugnações são autuadas em autos apartados e apenas à ação


principal (parágrafo único, art. 13, LRF)

Cabe ressalvar que, na recuperação judicial e na falência, o


administrador judicial não representa credores, nem devedores. Ele é um
auxiliar judicial, pessoa física ou jurídica da confiança do juiz, nomeado
para conduzir os trâmites administrativos e fiscalizar a gestão na fase
de recuperação, e efetivamente administrar o negócio na fase falência,
sozinho ou em concurso com auxiliares (art. 21, LRF).

Essa nomeação traz consigo deveres comuns ou não à recuperação


e à falência.

a. Comuns: enviar correspondência aos credores; fornecer,


com presteza, todas as informações pedidas pelos credores
interessados; dar extratos dos livros do devedor, que merecerão
fé de ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e
impugnações de créditos; exigir dos credores, do devedor ou seus
administradores quaisquer informações; etc. (art. 22, inciso I, letras
“a” a “i”, LRF).

b. Específicos na Recuperação Judicial: “fiscalizar as atividades


do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;
requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação
assumida no plano de recuperação; apresentar ao juiz, para
juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;
apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação”
(art. 22, inciso II, letras “a” a “d”).
Direito Empresarial 45

c. Específicos na Falência: avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora


em que, diariamente, os credores terão à sua disposição os livros
e documentos do falido; examinar a escrituração do devedor;
relacionar os processos e assumir a representação judicial da
massa falida; receber e abrir a correspondência dirigida ao
devedor, entregando a ele o que não for de interesse da massa;
etc. (art. 22, inciso III, letras “a” a “r”).

Incorrendo o administrador judicial em desobediência a qualquer


obrigação legal ou desacato à ordem judicial, o juiz ordenará que seja
intimado para, no prazo de 05 dias, sanar a pendência. Decorrido o
prazo in albis ou não atendida a pendência a contento, o administrador
é destituído em decisão motivada e justificada e, preferencialmente, no
mesmo despacho, o juiz “nomeará substituto para elaborar relatórios ou
organizar as contas, explicitando as responsabilidades de seu antecessor”
(art. 23 e parágrafo único, LRF).

O administrador também pode livremente renunciar ao cargo para


o qual foi nomeado (parágrafo 3°, art. 24, c/c inciso III, art. 22, LRF), sem
perda dos honorários até o momento da renúncia.

A remuneração do administrador é fixada pelo juiz, inclusive quanto


à periodicidade dos pagamentos, mas 40% somente são pagos após a
apresentação das contas e do relatório final (art. 24, c/c 24, LRF).

É ônus do devedor ou da massa falida o pagamento ao administrador


judicial e das pessoas contratadas para ajudá-lo (art. 25, LRF).

Assim como na renúncia, na destituição, o administrador recebe


proporcionalmente ao trabalho realizado, exceto se houver inércia, culpa,
dolo ou descumprimento das obrigações previstas na lei, quando perderá
o direito a ela (parágrafo 3°, art. 24, LRF).

A remuneração do administrador judicial e dos seus auxiliares é


crédito extraconcursal, ou seja, deve ser paga antes de qualquer outro
pagamento a credores do falido (art. 25, LRF).
46 Direito Empresarial

Comitê de credores
O Comitê de Credores é um órgão facultativo, fiscalizatório e de
representação dos credores na recuperação judicial e na falência, dotado
de poderes decisórios e remunerado com eventuais sobras de caixa.

Ele é um colegiado composto por credores, com composição


prevista no art. 26, da LRF.

A formação do comitê supre a necessidade de convocação da


universalidade de credores na tomada de decisões simples ou complexas.

E, ainda que não haja sobra de caixa nem remuneração, isso


não o escusa de total empenho no cumprimento das suas obrigações
fiscalizatórias, sob pena de responsabilidade.

São algumas atribuições do Comitê de Credores, em rol não


exaustivo: fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador
judicial, zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento
da lei, comunicar ao juiz eventuais violações de direitos ou prejuízo aos
interesses dos credores; etc. (art. 27, LRF).

Não havendo comitê de credores, o administrador judicial, e na sua


incompatibilidade o juiz, exercerão as atribuições a ele conferidas pela lei
(art. 28, LRF).

Tão logo nomeados, administrador e membros do comitê de


credores são intimados pessoalmente para assinarem, na sede do juízo, em
48 horas, um “termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o
cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes” (art. 33, LRF).

Se o administrador não assinar no prazo, o juiz nomeará outro (art.


34, LRF). No art. 30, da Lei 11.101, estão elencados os impedimentos para
o exercício da função de administrador judicial e de membro do comitê
de credores.

IMPORTANTE:

O caput do art. 30, da LEF, não se aplica no caso de renúncia


do administrador.
Direito Empresarial 47

Finalmente, cabe ressaltar que tanto o administrador judicial como


os membros do comitê respondem pelos prejuízos que causarem no
exercício das suas atividades por dolo ou culpa (art. 32, LRF).

Assembleia-geral de credores
A assembleia de credores é um colegiado composto por credores
trabalhistas, acidentários, com garantias reais, privilegiados (geral e
especial), quirografários, subordinados, microempresa ou empresa de
pequeno porte do devedor, para, soberanamente, cumprir as seguintes
atribuições previstas no art. 35, da LRF.

É vedado ao juiz mudar as decisões da assembleia, exceto nos


casos comprovados de fraude ou violação de normas cogentes, com
destaque para os preceitos de ordem pública.

Quando necessário, o juiz convoca a assembleia-geral de credores


por edital, com antecedência mínima de 15 dias, nele, fazendo constar
local, hora e data da realização da assembleia, ordem do dia, etc. (art. 36,
LRF).

A assembleia é presidida pelo administrador judicial, que designará


um secretário entre os presentes, e a instalará, em primeira convocação,
“com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos
de cada classe, computados pelo valor, e, em segunda convocação, com
qualquer número” (caput e parágrafo 2°, art. 37, LRF).

O voto de cada credor é proporcional ao seu crédito, exceto para a


aprovação do plano de recuperação, quando os votos dos trabalhadores,
microempresários e empresas de pequeno porte serão contabilizados
unitariamente, sem importar o valor do crédito de cada um (art.38 e
parágrafo 2°, art. 45 c/c incisos I e IV, art 41, LRF).

Podem participar da assembleia, mas sem direito a voto, os sócios


do devedor, as sociedades coligadas e controladas, aquelas que tenham
sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do
capital social do devedor ou nas quais o devedor ou algum de seus
sócios tenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital
social, cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, colateral até o 2º grau,
48 Direito Empresarial

ascendente ou descendente do devedor, de administrador, do sócio


controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhantes
da sociedade devedora, e a sociedade em que quaisquer dessas pessoas
exerçam essas funções, podem participar na assembleia (art. 43, LRF).

Recuperação judicial
A recuperação judicial é uma tentativa opcional, do empresário ou
da sociedade empresária em estado pré-falencial, para restabelecer a
sua saúde econômico-financeira através de uma ação judicial.

Os credores, trabalhadores, sindicatos e/ou governo não têm


legitimidade para pleitear a recuperação judicial de empresas, ainda que
possuam um maravilhoso e muito bem estruturado plano para reorganizá-
las e tirá-las do estado pré-falencial.

Esse não é, inclusive, o caminho apropriado para todas as


empresas, pois a reorganização administrativa e produtiva é cara e resulta
inequivocamente em prejuízo parcial ou total para os credores.

Como o repasse dos riscos associados a atrasos nos pagamentos


é política, monetária e de gestão financeira no Brasil, a recuperação
judicial ou extrajudicial resulta em aumento de preços dos produtos e
serviços, juros bancários, impostos, etc. A conta final é sempre paga pela
sociedade, em geral. Além disso, esse contínuo repassar de custos cria um
círculo vicioso que prejudica pessoas físicas, empresários e sociedades
empresárias no curto, médio e longo prazos.

Diante desse quadro, somente o empresário ou a sociedade


empresária com real probabilidade de recuperação deve ter o pedido
judicial deferido. Os demais devem requerer falência.

As sociedades em comum, de economia mista, cooperativa ou


simples não têm legitimidade para impetrar Ação de Recuperação
Judicial justamente porque não podem ter a falência decretada. Com
isso, são também carentes de legitimidade as instituições financeiras, as
integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no
mercado de capitais e as corretoras de câmbio (art. 53, Lei 6.024/74), as
seguradoras integrantes do Sistema Nacional de Seguros Privados (art.26,
Direito Empresarial 49

Decreto-lei n. 73/66) e as operadoras e seguradoras de planos privados


de assistência à saúde (art. 23, Lei 9.656/98).

Pode requerer a Recuperação Judicial o empresário ou sociedade


empresária devedora que, no momento da distribuição da ação, contar
com mais de dois anos de exercício da atividade empresarial e que,
cumulativamente: não seja falido, ou tenha falência anterior extinta por
sentença transitada em julgado; não tenha pedido recuperação judicial,
ou sendo microempresa ou empresa de pequeno porte não tenha obtido
concessão de recuperação judicial com plano especial nos cinco anos
anteriores à distribuição da ação; e, não ter sido condenada, nem ter
administrador ou sócio controlador condenados por crimes falimentares
(art. 48, incisos I a IV, LRF).

Ressalvada a preferência dos créditos extraconcursais


discriminados no art. 84, da LRF (remunerações do administrador
judicial e auxiliares, créditos pagos por credores da recuperanda, custas
judiciais e extrajudiciais, obrigações resultantes de atos jurídicos válidos),
o pagamento dos credores se dá na ordem estrita do art. 83 da LRF:
trabalhistas até 150 salários mínimos por credor e acidentários, seguidos
pela garantia real até o limite do bem gravado, tributários exceto multas,
créditos com privilégio especial discriminados em lei (art. 964, CC, com
direito de retenção, devidos a microempreendedores individuais e das
microempresas e empresas de pequeno porte, etc.), créditos com privilégio
geral (art. 965, CC, art. 65, LRF, e outros previstos em leis especiais),
créditos quirografários, multas diversas e créditos subordinados.

Cabe ao autor a demonstração inicial da viabilidade do cumprimento


dessas obrigações e a condição posterior de prosseguimento do negócio,
sob pena do plano de recuperação ser judicialmente recusado.

O exame da viabilidade é feito pelo critério do risco, com base nos


níveis do ativo e passivo da empresa, o seu porte econômico, o seu tempo
de existência e a sua importância social no nicho de mercado que ocupa,
em especial o número de mão de obra que emprega, sem prejuízo de
outras características importantes e a serem consideradas caso a caso.
50 Direito Empresarial

Os meios de recuperação judicial da atividade econômica, ou seja,


algumas providências financeiras, administrativas e jurídicas possíveis,
não exaustivas, estão elencadas no art. 50, da LRF.

É ônus do administrador da sociedade empresária, ao impetrar a


recuperação judicial, informar ao juiz os meios que escolheu e que julga
aptos e eficazes à restauração econômico-financeira da recuperanda.

O procedimento judicial da recuperação de empresas se divide


em três fases muito bem demarcadas: a postulatória, a deliberativa e a
executiva.

a. Fase Postulatória - tem início com a distribuição da inicial da Ação


de Recuperação Judicial pelo empresário ou pela sociedade
empresária. Reiterando: só são legitimados a interpor Recuperação
Judicial aqueles que podem legitimamente figurar no polo passivo
de ação de falência.

A recuperanda deve tornar imediatamente acessíveis aos credores


suas demonstrações contábeis, a fim de que lhes seja possível verificar a
sua real situação econômica, financeira e patrimonial.

Também em atenção ao princípio da transparência e da boa-fé, a


recuperanda deve, obrigatoriamente, instruir a petição inicial com os atos
constitutivos (art. 51, I a IX, LEF).

Na falta ou incompletude de documentos, o juiz pode dar prazo para


que sejam disponibilizados. Decorrido o prazo in albis, o juiz extinguirá a
ação sem resolução do mérito (art. 317, CPC). O autor não poderá propor
novamente a ação sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os
honorários a que tiver sido condenado (art. 92, CPC).

Se a inicial estiver instruída corretamente, o juiz irá despachar


ordenando o processamento do pedido de recuperação judicial, nomeará
um administrador judicial da sua confiança, determinará vista ao Ministério
Público, dispensará a apresentação de certidões negativas para o exercício
das atividades empresariais – exceto no caso de contratação com o Poder
Público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios -, determinará a entrega pela recuperanda de demonstrativos
contábeis mensais durante todo o trâmite processual, ordenará a notificação
Direito Empresarial 51

por carta das Fazendas Federal, estaduais em todo o Brasil, e municipais


onde o devedor tiver estabelecimentos e, finalmente, determinará a
expedição de edital para publicitar o pedido de recuperação.

Importante considerar, desse modo, que as ações com pedido de


falência contra a recuperanda são suspensas pela simples alegação da
existência da ação de recuperação em preliminar de contestação ou em
petição simples, mas acompanhadas da prova de existência do processo
de Recuperação Judicial (art. 95, LRF). Essa prova deve ser feita através de
certidão do cartório do Juízo da Falência.

IMPORTANTE:

Decisão concessiva da recuperação judicial não se con-


funde com o despacho inicial de processamento. Nesse,
o juiz apenas verifica o pedido vestibular, a legitimidade
ativa do autor, a regularidade da documentação que a
instrui e dá início à ação recuperatória (art. 6° e 52, LRF);
aquela, por sua vez, é própria da fase deliberatória e inicia
com a aprovação do plano pelos credores reunidos em
assembleia, seguida da concessão da recuperação por
sentença judicial (arts. 57 e 58, caput) ou, excepcionalmente,
pela concessão forçada da recuperação pelo juiz - Cram
Down (parágrafo 1°, art. 58, LRF), configurando título
executivo judicial impugnável pela via do Agravo de
Instrumento (art. 59, parágrafos 1º e 2°).

b. Fase Deliberatória - o mais importante nessa fase, que se inicia com


a publicação do despacho de processamento, é a apresentação
do plano no prazo de 60 dias e a verificação dos créditos, seguida
da votação do plano de recuperação judicial pela assembleia de
credores.

Em que pese não seja garantia de recuperação da empresa, que


sofre diversos fatores extra autos como inflação, demanda de mercado,
fatores concorrenciais etc., ou até mesmo a má gestão durante o processo,
todo o trâmite da ação recuperatória, e a própria recuperação da empresa,
depende da aprovação do plano, da sua consistência e de sua viabilidade.
52 Direito Empresarial

Um plano inócuo é mera formalidade processual e não ajuda na


recuperação judicial, resultando, ao final, na falência da empresa com
prejuízo para todos os credores.

Além dos meios, há algumas diretrizes que devem ser


obrigatoriamente observadas no plano: o pagamento do saldo de salários
até cinco salários mínimos por trabalhador, vencidos na da data do pedido
de recuperação, em até 30 dias, e a previsão do pagamento dos direitos
trabalhistas vencidos no prazo de um ano; proposta de parcelamento de
créditos fiscais (art. 155-A, CTN); alienação de bens gravados com hipoteca
ou penhor, e a supressão ou substituição da garantia real após aprovação
pelos credores, com ou sem voto do titular da garantia.

Após a aprovação do plano pelos credores, o juiz homologará


a decisão. Porém, se houver votação expressiva, mas com quórum
insuficiente, o juiz pode, discricionariamente, acatar – Cram Down - ou
rejeitar o plano.

O Cram Down, um instituto falencial similar ao Crem Down americano,


parcialmente incorporado ao ordenamento pátrio, permite ao juiz ignorar
a decisão de rejeição do plano de recuperação pela Assembleia-geral
de Credores e, a um só tempo, lhe dá poderes para, discricionariamente,
homologá-lo se estiver acorde com as determinações objetivas
discriminadas nas leis cogentes (parágrafo 1°, art. 58, LRF).

Cram Down significa, literalmente, “empurrar o plano goela abaixo”


da maior parte dos credores que integram a Assembleia-Geral e não
concordam com o proposto pelo devedor para a recuperação.

Em que pese possa parecer excessivamente impositivo, e até


ditatorial, é um instituto útil, especialmente quando os credores não se
entendem e essa dissonância coloca em risco a eventual recuperação
da sociedade empresária devedora, com prejuízo para o universo de
credores e a sociedade em geral.

Também discricionariamente ou em aceitação à Assembleia-Geral


de Credores, o juiz pode recusar o plano e decretar a falência da parte
autora.
Direito Empresarial 53

c. Fase Executória - essa fase inicia com a publicação da decisão


de concessão da recuperação judicial, no Diário Oficial, e dura até
dois anos, ou até que se cumpram as metas e obrigações previstas
no plano (art. 61, caput, LRF).

IMPORTANTE:

A fase executória é o tempo da execução prática do


plano de recuperação aprovado pelo Juízo, que somente
pode ser alterado para mantença do reequilíbrio da
condição econômico-financeira da recuperanda, por meio
de aditamento votado pela assembleia de credores e
homologado pelo juiz ou por Cram Down. A regra geral é de
não alteração do plano e de obediência estrita aos meios e
obrigações nele previstas. A alteração do plano no curso do
processo é medida excepcional.

Se a gestão da empresa se afastar do plano, a parte autora pode


ter a falência decretada a pedido de qualquer um dos credores (art. 61,
parágrafo 1°, LRF).

Decretada a falência, os credores são reconstituídos nos seus direitos


e garantias, nos termos contratados, deduzidos valores recebidos a igual
título, mantidos os atos válidos praticados no decorrer da recuperação
judicial (art. 61, parágrafo 2°, LRF).

O empresário ou a sociedade empresária devedora mantém


indelével a sua personalidade jurídica durante toda a fase executória,
podendo contrair obrigações e titularizar créditos, mas não alienar ou onerar
bens ou direitos, a menos que haja previsão no plano e essa alienação
seja útil à recuperação. Na falta de previsão no plano, excepcionalmente,
o juiz pode autorizar a venda após ouvir o comitê.

Em atenção ao princípio da publicidade e da moralidade, a


recuperanda deve incluir no nome empresarial a expressão “em
recuperação judicial” e usá-la durante toda a fase executória, sob pena de
responsabilidade civil direta e pessoal do administrador.
54 Direito Empresarial

A fase executória se encerra pelo cumprimento do plano de


recuperação no prazo de dois anos, pela manifestação de desistência
do empresário ou da sociedade empresária, a qualquer tempo, sujeita
à aprovação da assembleia de credores, ou ainda pela decretação da
falência.

Microempresas e empresas de pequeno


porte
A recuperação judicial da microempresa ou empresa de pequeno
porte possui regras especiais em decorrência da pouca complexidade de
que se reveste.

A inicial deve conter declaração expressa de apresentação do Plano


Especial no prazo legal, bem como ser instruída com livros e escrituração
contábil simplificada (par. 1°, art. 70, c/c 2°, art. 51, LRF).

No Plano Especial da ME e da EPP, deve constar, obrigatoriamente


(art. 71, LRF):

a. Eventual proposta de abatimento das dívidas.

b. Previsão do pagamento parcelado de todas elas, vencidas ou não


até a data da distribuição da ação, para pagamento em 180 dias e
em até 36 parcelas mensais iguais e sucessivas, com acréscimo de
juros pela taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia
– SELIC.

c. O reconhecimento expresso da necessidade de autorização do juiz


para aumento de despesas ou contratação de novos empregados,
após oitiva do administrador judicial e do Comitê de Credores.

Dívidas trabalhistas e fiscais não entram no plano especial e devem


ser quitadas. A suspensão da prescrição alcança somente as ações e
execuções discriminadas no plano especial (par. 2°, art. 71). Os credores
podem objetar a proposta de parcelamento e, nesse caso, o juiz dará
oportunidade ao autor para retificar o plano (parágrafo único, art. 72, c/c
art. 55, LRF).
Direito Empresarial 55

Na falta de retificação, o juiz decidirá o conflito. Porém, se mais da


metade dos credores apresentarem objeções, a falência será decretada.
Dada a singeleza do procedimento e do plano, a assembleia-geral de
credores é dispensável.

Em apertada síntese, o próprio juiz da causa examina o plano e,


discricionariamente, após ouvir os credores, determina a sua retificação,
se estiver em desconformidade com a lei, dá prazo para juntada de novos
documentos e, ao final, o homologa, dando início à fase executória, ou o
rejeita, decretando de plano a falência da micro ou da pequena empresa.

Homologado o plano, os efeitos imediatos da sentença


homologatória são: a suspensão das ações e execuções e a novação das
obrigações nele discriminadas.

RESUMINDO:

E então, gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo,
vamos resumir o que vimos. Você deve ter aprendido sobre
a recuperação judicial e extrajudicial.
56 Direito Empresarial

Falência
OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender


o que significa a falência, seus determinantes e as suas
consequências. Isso será fundamental para o exercício de
sua profissão. E então, motivado para desenvolver essa
competência? Vamos lá, avante!

Compreendendo o significado da falência


A falência é o reconhecimento judicial da incapacidade da empresa
em cumprir os seus compromissos econômico-financeiros, com o
afastamento do devedor das atividades empresariais e o vencimento
antecipado de todas as suas dívidas.

Sobre isso, o art. 75, da LRF, afirma:


Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor
de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização
produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive
os intangíveis, da empresa.

Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos


princípios da celeridade e da economia processual.
(BRASIL, 2000)

O início da falência se dá em duas etapas: a primeira, objetiva,


consiste na arrecadação de todos os bens da falida, com exceção dos
impenhoráveis, em seu conjunto denominados massa falida e, a segunda,
subjetiva, consiste na apuração e habilitação dos créditos.

Em princípio, os efeitos da falência atingem somente o empresário


ou a sociedade empresária falida. Mas a desconsideração da pessoa
jurídica é possível, nos casos de desvio de finalidade ou confusão
patrimonial (art. 50, CC).

Decretada a falência, o administrador judicial segue gerindo a agora


massa falida, permanecendo o juízo falimentar com a competência para
conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios da falida, com
Direito Empresarial 57

exceção das ações trabalhistas e acidentárias. O administrador judicial


precisa obrigatoriamente ser intimado para proceder à defesa da massa
falida em todas as ações judiciais em que ela figurar como ré, sob pena de
nulidade (art. 76 e parágrafo único, LRF).

São naturalmente considerados habilitados na falência os créditos


remanescentes da recuperação judicial incluídos no quadro-geral de
credores (art. 80, LRF).

IMPORTANTE:

Decretada a falência das sociedades empresárias com


sócios solidária ou ilimitadamente responsáveis, estes
sócios também são decretados falidos e sofrem os mesmos
efeitos jurídicos da sociedade empresária falida. Por isso,
devem ser citados no processo de falência para apresentar
contestação. São considerados sócios falidos, inclusive
os retirados voluntariamente ou excluídos da sociedade
menos de 02 anos antes do arquivamento da alteração
contratual na Junta Comercial: no caso das sociedades em
nome coletivo, todos os sócios (art. 1039, CC); na sociedade
por comandita simples, os sócios comanditados (art. 1.045,
CC); na sociedade em comandita por ações, o acionista-
diretor (art. 1.091, CC); e na sociedade em comum, ou
sociedade irregular, todos os sócios (art. 990, CC).

Prescreve em dois anos, a partir do trânsito em julgado da sentença


de encerramento da falência, a ação de responsabilidade pessoal contra
os sócios de responsabilidade limitada, controladores e administradores
da falida.

A falência pelo fracasso dos negócios


As entidades ou a constituição das pessoas jurídicas são formadas
como organizações em andamento, e isso acontece até o momento em que
eventos contraditórios em suas atividades designam a descontinuidade
da instituição.
58 Direito Empresarial

De acordo com a Resolução CFC nº 1.226/09:


a continuidade operacional de uma organização como
fundamental para que a entidade esteja em operação
no futuro. Entretanto, em determinadas situações, a
descontinuidade das operações acomete as entidades,
principalmente, a partir do fracasso nos negócios. Estudo
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE, em 2010, de cada 100 empresas que iniciaram suas
atividades no ano de 2007, 48 não estavam no mercado
em 2010. (IBGE, 2012)

Na literatura, os termos “falência”, “fracasso”, “insolvência”,


“liquidação”, “inadimplência”, “risco de crédito”, “perigo corporativo” e
“dificuldades financeiras” vêm sendo mencionados para se referir à
mortalidade das empresas e o encerramento das atividades profissionais
executadas por elas.

O ponto de falência pode ser atingido por diversos fatores. Severo


et al. (2014) demonstra o ponto de vista em que o fracasso das entidades é
atribuído a situações comuns, mas relacionadas a diversos contextos, por
exemplo: a interrupção por qualquer motivo nos negócios, a desistência
em fazer novas negociações, o fato de ter credores ativos ou a venda e
repasse do negócio, com o objetivo de evitar novas perdas.

Os motivos para atingir o estado de falência envolvem tanto aspectos


financeiros quanto não financeiros. No primeiro caso, muitas vezes, as
organizações com dificuldades financeiras são caracterizadas como àquelas
com nível de fluxo de caixa não satisfatório em que incorrem perdas, porém
não se caracterizam como insolventes. Por outro lado, aponta-se, com
muita frequência, a relação entre o fracasso, na continuidade das empresas,
e o aspecto enfrentado pelos agentes econômicos, sejam tomadores de
decisão, com governos e a comunidade em geral.

Não é incomum encontrar casos em que o fracasso empresarial é


um resultado de um conjunto de determinantes distintos e complexos,
de aspecto interno e externo, que pode ser resultado de deficiência na
estrutura organizacional, erros de estratégia própria da organização,
inovações tecnológicas inadequadas ou o desenrolar de circunstâncias
econômicas.
Direito Empresarial 59

Para Gitman (2004, p. 624), “a falência ocorre quando o valor


contábil dos passivos supera o valor justo de mercado de seus ativos.
Uma empresa falida tem patrimônio líquido negativo”. O termo “falência”
normalmente indica que os compromissos financeiros das empresas não
poderão ser liquidados, pois o valor líquido dos ativos não consegue estar
em equilíbrio com o valor contábil, necessário para o financiamento das
atividades empresariais praticadas. Para Severo et al. (2014):
A falência pode ser entendida, de acordo com Thornill e
Amit (2003), quando as organizações apresentam falta
de recursos suficientes para cumprir suas obrigações nos
negócios. Segundo os autores, a idade da entidade tem
uma ligação direta com a falência, no entanto, embora
exista esta aproximação, a idade pode não ser a condição
predominante, mas sim como os recursos e a capacitação
estão alinhados com o processo em um ambiente
competitivo.

A empresa é considerada em situação financeira crítica,


não só quando há indicativo de falência, mas, também,
no momento que os fluxos de caixa operacionais são
menores que as despesas financeiras ou quando o valor
de mercado está em declínio persistentemente (Pindado
et al., 2008). As organizações que não conseguem detectar
dificuldades financeiras e adotar procedimentos numa
fase inicial serão executadas em falência (SUN e LI, 2009).
Portanto, tormento financeiro é um indicativo do fracasso
nos negócios e deve ser diagnosticado em fase inicial para
impedir a falência. (SEVERO et al., 2014, p.26)

No cenário brasileiro, o SEBRAE informa que a principal razão da


mortalidade das pequenas e médias empresas é a falta de capital de giro
e a falta de planejamento, antes de iniciar o negócio.

Por outro lado, Baixauli e Módica-Milo (2010) revelaram que as


pequenas e médias empresas da Europa têm restrições financeiras e
baixa propensão ao mercado de capitais. Além disso, o sistema de crédito
para essas entidades utiliza técnicas com base em modelos, para produzir
a probabilidade de falência nas empresas de pequeno e médio porte, ou
seja, dificultando o acesso ao crédito com altas taxas e difíceis condições
de adesão.
60 Direito Empresarial

Algumas dificuldades envolvendo as MPE são pontos comuns


e característicos do seu porte, tanto físico, quanto de faturamento. De
acordo com Grapeggia et al. (2011):
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), 2003), as MPE se caracterizam por: baixa
intensidade de capital, altas taxas de natalidade e de
mortalidade, forte presença de proprietários e/ou sócios
dos negócios, centralização de poder, dificuldade de
acesso a crédito, confusão entre pessoa física e jurídica,
registros contábeis pouco adequados, contratação
direta de mão de obra, utilização de mão de obra não
qualificada ou pouco qualificada, baixo investimento em
inovação tecnológica, relação de complementaridade
e subordinação com as empresas de grande porte.
(GRAPEGGIA et al., 2011, p.446)

Nesse cenário, um ponto bastante comentado é a questão voltada


para a insolvência por parte das empresas, sendo esta uma forte razão
para o aumento da mortalidade das pequenas e médias empresas.

DEFINIÇÃO:

A insolvência corresponde à incapacidade de saldar dívidas


e indica o momento em que o valor das dívidas é superior
ao valor dos bens e direitos do devedor.

De acordo com Gitman (2004), o estado de insolvência ocorre,


quando a organização é incapaz de saldar seus compromissos no
vencimento, ou seja, a empresa encontra-se em estado de insolvência,
quando seus titulares declaram a suspensão de pagamentos ou quebra e
não podem honrar suas dívidas, devido à ausência de valores monetários
em seu patrimônio. De acordo com Severo et al. (2014), há fatores que vão
ao encontro do estado de insolvência e são discutidos sob perspectivas
distintas. As condições econômicas e as medidas políticas desempenham
influência sobre uma ocorrência de solvência ou de insolvência. Já em
relação a organizações de crédito, o autor destacou que a insolvência
é detectada por ocorrências de fraudes, imprudência administrativa ou
ocorrência de prejuízos consecutivos, além da influência dos aspectos
macroeconômicos.
Direito Empresarial 61

Severo et al. (2014) afirma que em, 9 de junho de 2005, entrou


em vigor no Brasil, a Lei n° 11.101, denominada de “Lei de Falências” e
estabeleceu no artigo 47, a Recuperação Judicial, instituindo prerrogativas
para a recuperação de empresas viáveis, como aquelas que, de acordo
com a, encontram-se em dificuldades transitórias. Além disso, na Lei
11.101/05, observou-se mutações de termo. Pela Lei anterior, o que era
aclamado de concordata preventiva passou a ser denominado, pela Lei
nº 11.101/05, de recuperação judicial e o que antes se denominava de
liquidação, passou a ser falência.

Outro relevante aspecto está no objeto. De acordo com a legislação


anterior, os desejos e comportamentos do credor deveriam ser observados
em primazia, propondo a falência das organizações, com o advento da
Lei de 11.101/05, consagra-se a recuperação judicial como determinante.
Assim, o artigo 47 estabelece que:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira
do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses
dos credores, promovendo, assim, a preservação da
empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica. (BRASIL, 2005, art. 47)

Já o artigo 48, da Lei nº 11.101/05, estabelece condições para a


decretação de recuperação judicial para as entidades quando institui que:
Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no
momento do pedido, exerça regularmente suas atividades
há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes
requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi,
estejam declaradas extintas, por sentença transitada em
julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não
ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de
recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito)
anos, obtido concessão de recuperação judicial com base
no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV
– não ter sido condenado ou não ter, como administrador
ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos
crimes previstos nesta Lei. Parágrafo único. A recuperação
judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge
sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio
remanescente. (BRASIL, 2005, art.48)
62 Direito Empresarial

Severo et al. (2014) demonstra que os pressupostos encontram-se


argumentados, no artigo 170, da Constituição, que considera “a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social” (BRASIL, 1988).

Além disso, segundo o autor, a recuperação judicial é uma


importante novidade que trouxe a legislação e visa desenvolver o
interesse não somente dos credores, mas também de toda a sociedade,
do governo e dos trabalhadores.

A então, chamada “Nova Lei de Falências” vem balizar o recebimento


dos empregados e fornece, aos credores segurados, prioridades sobre
o Fisco. Já aos credores não segurados, impôs prioridades sobre alguns
créditos fiscais, primazia na venda da firma como um todo e não em partes.
Desta forma, a Lei de Falências, nº 11.101/05 tem pretensões para um
acréscimo da confiança por parte do credor e acionista, diminuindo efeitos
negativos, decorrentes de baixa governança. “Em um país emergente,
tal mudança tende a aumentar o enforcement privado no curto prazo,
substituindo mecanismos de governança corporativa” (SOUZA, FUNCHAL
e BATISPTA, 2009, p. 2).
Direito Empresarial 63

RESUMINDO:

E então, gostou do conteúdo? Aprendeu tudo sobre a


Dissolução das Sociedades? Agora, só para termos certeza
de que você realmente entendeu o tema de estudo
deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você
certamente aprendeu que a dissolução de uma sociedade
é uma ruptura contratualmente acordada ou decretada
por sentença judicial, mas que entre o nascimento e a
morte da sociedade empresária muitas modificações
podem ocorrer na sua constituição social, como fusões,
transformação, incorporação e cisão, e que tudo isso
envolve direito de terceiros. Aprendeu que a dissolução de
uma empresa não é algo simples, que é preciso liquidá-la
e dividir ativos e passivos entre os sócios, e também que,
em épocas de dificuldade, para evitar a falência é possível
requerer judicialmente a recuperação judicial ou fazê-la
extrajudicialmente. Aprendeu que as micro e pequenas
empresas têm normas especiais para a sua recuperação.
E, finalmente, aprendeu que se a empresa não conseguir
se recuperar econômica-financeiramente é decretada
judicialmente a sua falência. Agora, você está preparado
para seguir adiante e aprender um pouco mais sobre o
Direito Empresarial.
64 Direito Empresarial

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