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GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 4
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1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
Bons estudos!
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2 AS BASES DO PENSAMENTO MODERNO
[...] um conjunto de indivíduos que desde o século anterior [século XIV] vinha
se esforçando para modificar e renovar o padrão de estudos ministrados
tradicionalmente nas universidades medievais. Esses centros de formação
intelectual e profissional eram dominados pela cultura da Igreja e voltados
para as três carreiras tradicionais: direito, medicina e teologia. Estavam,
portanto, empenhados em transmitir aos seus alunos uma concepção
estática, hierárquica e dogmática da sociedade, da natureza e das coisas
sagradas, de forma a preservar a ordem feudal.
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Essa forma de ensino não era mais condizente com as transformações
econômicas, políticas e sociais ocorridas na Europa Ocidental.
Os humanistas, portanto, surgiram como um “movimento” para atualizar,
dinamizar e revitalizar os estudos universitários, incluindo os “estudos humanísticos”
nos currículos, ou seja, a filosofia, a história, a matemática e a retórica. Para o estudo
dessas disciplinas, era necessário o domínio das línguas clássicas (grego e latim) e
do árabe, do aramaico e do hebraico, o que significava, também, que esses estudos
deveriam ser realizados a partir de textos dos autores da Antiguidade Clássica,
excluindo-se os manuais de textos medievais. “Significava, pois, um desafio para a
cultura dominante e uma tentativa de abolir a tradição intelectual medieval e de buscar
novas raízes para a elaboração de uma nova cultura” (SEVCENKO, 1994, p. 15).
Nesse sentido, o projeto humanista chocava-se diretamente com as práticas e
os valores da Igreja Católica. Isso não quer dizer que os humanistas fossem ateus ou
pagãos: “[...] eram todos cristãos e apenas desejavam reinterpretar a mensagem do
Evangelho à luz da experiência e dos valores da Antiguidade. Valores esses que
exaltavam o indivíduo, os feitos históricos, a vontade e a capacidade de ação do
homem, sua liberdade de atuação e de participação na vida das cidades”
(SEVCENKO, 1994, p. 15). É a partir dessa proposta que se desenvolve uma das
características do pensamento moderno, o antropocentrismo, pois os humanistas
acreditavam nas capacidades espirituais e físicas dos seres humanos em detrimento
de uma cultura teocêntrica. Essa compreensão sobre os indivíduos e sobre o mundo
encontrava uma enorme receptividade nos estratos burgueses da sociedade.
Os “antigos” eram, para esses pensadores, uma inspiração em seus atos, suas
crenças e suas realizações para o comportamento dos europeus, “[...] um
comportamento calcado na determinação da vontade, no desejo de conquistas e no
anseio do novo” (SEVCENKO, 1994, p. 15). Souza e Öelze (1998, p. 178) identificam
nesse comportamento um “espírito de aventura”, que seria característico ao indivíduo
moderno:
Como surge o interesse dos humanistas pela crítica histórica? Francesco Petrarca,
um dos precursores do “movimento” humanista, afirmava que os autores e obras da
Antiguidade Clássica deveriam ser recuperados a partir de uma crítica filológica
(estudo da linguagem e dos textos), estabelecendo “[...] a mais perfeita versão e a
leitura mais cristalina” (SEVCENKO, 1994, p. 16), pois a cultura medieval poderia
ter deturpado seus sentidos. Da crítica interna a essas obras, derivou a
preocupação com as circunstâncias e os períodos em que foram escritas,
buscando-se as características das sociedades antigas, ou seja, a crítica histórica.
Os humanistas, por sua vez, voltavam-se para o aqui e o agora, para o mundo
concreto dos seres humanos em luta entre si e com a natureza, a fim de terem
um controle maior sobre o próprio destino [...] valorizavam o que de divino
havia em cada homem, induzindo-o a expandir suas forças, a criar e a
produzir, agindo sobre o mundo para transformá-lo de acordo com sua
vontade e seu interesse (SEVCENKO, 1994, p. 17).
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A reação da Igreja Católica ao pensamento humanista foi voraz. Sevcenko
(1994, p. 17-18) lembra as penas às quais foram submetidos uma série de
humanistas: alguns, como Dante e Maquiavel, sofreram com o exílio, outros, como
Campanella e Galileu “foram submetidos à prisão e tortura, Thomas Morus foi
decapitado por ordem de Henrique VIII, Giordano Bruno e Étienne Dolet foram
condenados à fogueira pela Inquisição, Miguel de Servet foi igualmente queimado vivo
pelos calvinistas de Genebra, para só mencionarmos o destino trágico de alguns dos
mais famosos representantes do humanismo”.
https://farolbi.com.br/o-que-e-ciencia-dos-dados/
Durante a Idade Média na Europa Ocidental, boa parte das explicações sobre
os fenômenos astrológicos, climáticos e naturais era dada por componentes de fé e
pela providência divina. O conhecimento era especulativo e tinha como base o
dogmatismo a partir de interpretações bíblicas.
Podemos afirmar que a ciência na Idade Moderna influenciou e foi influenciada
pelas transformações no âmbito da cultura, já que uma de suas principais
características, a experimentação, decorre de uma nova concepção de homem como
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ser de conhecimento, ao mesmo tempo que permite reforçar a laicização, a
racionalidade e a secularização da ciência.
Saiba mais!
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As descobertas e os inventos científicos da modernidade, juntamente com as
descobertas e as conquistas de outros territórios no planeta, levaram a mudanças
econômicas e políticas, mas também a profundas transformações antropológicas e
religiosas. Os indivíduos modernos interpretaram a revolução científica “[...] como uma
confirmação de sua situação singular no Universo, pela sua aparentemente ilimitada
capacidade de compreensão da realidade a sua volta, cuja máxima expressão se deu
com a previsibilidade e o determinismo causal da mecânica newtoniana” (PORTO;
PORTO, 2009, p. 4.601-4.602).
Nesse sentido, torna-se importante a discussão sobre a relação entre o homem
e a natureza, em que o mundo é objetivado, e “[...] a natureza transforma-se na fonte
única, para a técnica, a ciência e a indústria” (BATISTELA; BONETI, 2008, documento
on-line).
Assim, podemos afirmar que tanto a ciência quanto a filosofia moderna foram
constituídas paulatinamente por meio de elementos presentes na cultura medieval da
Europa Ocidental, do contato cultural com outros povos a partir das rotas comerciais
e dos descobrimentos e da recuperação de autores e obras da Antiguidade Clássica.
Dessa forma, foi-se desenvolvendo um ideal de liberdade e de razão como formas de
orientação do conhecimento, aliadas ao antropocentrismo, com a autonomia e a
responsabilidade do sujeito, em contraposição ao mundo revelado da Igreja Católica
e característico da cultura medieval. As verdades não seriam mais dogmas revelados
a partir das escrituras ou fenômenos espirituais, mas era necessário fabricar o
conhecimento (CALDAS; 2018).
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2.3 Os Estados Nacionais e o mercantilismo
https://www.educamaisbrasil.com.br
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[...] um recurso legítimo contra as arbitrariedades da nobreza e um defensor
de seus mercados contra a penetração de concorrentes estrangeiros. A
unificação política significava também a unificação das moedas e dos
impostos, das leis e normas, de pesos e medidas, fronteiras e aduanas. [...]
Com a grande expansão do comércio, a monarquia nacional criaria a
condição política indispensável à definição dos mercados nacionais e à
regularização da economia internacional (SEVCENKO, 1994, p. 9).
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práticas colonialistas como busca de novos mercados e novas fontes de
matérias-primas.
A faceta metalista do mercantilismo, ou seja, a adoção da quantidade de metais
preciosos que uma nação possui como forma de riqueza, estabeleceu- -se a partir do
renascimento comercial das cidades e da emergência de uma classe comerciante e
manufatureira que transformou as relações de trabalho (BAUER, 2020).
A política mercantil entendia a riqueza e o desenvolvimento como dependentes
de um Estado, que deveria unificar a tributação, controlar a atividade produtiva e
estabelecer um sistema alfandegário para proteger os produtores do seu país. O
Estado deveria manter uma balança comercial favorável, ou seja, exportar mais do
que importar. Devido à necessidade de manutenção dessa balança favorável,
associada ao metalismo, os governos mercantilistas foram levados a argumentar em
favor da autossuficiência interna e da prática do monopólio, o direito exclusivo do
monarca sobre a economia.
Foram subvencionadas indústrias para garantir o abastecimento do mercado
interno, mas, como a riqueza só podia ser medida a partir do comércio exterior e do
fluxo de metais em seu território, a sustentação do sistema mercantil vai depender do
sistema colonial. Assim, o governo vai licenciar companhias para o comércio
ultramarino e promover a organização dos territórios ocupados.
Diferentes tipos de mercantilismo foram adotados nos países europeus, e o
critério para definir cada tipo de mercantilismo foi a posse ou não de territórios
coloniais e o tipo de produto que forneciam. A expansão marítima europeia trouxe o
domínio de novos territórios, novas fontes de riquezas e novos braços de trabalho ao
antigo continente. A estruturação do sistema de exploração colonial só foi possível
após o entendimento da necessidade de gerar riqueza neste território.
No entanto, a relação entre os Estados Nacionais e a burguesia não se limitou
somente ao âmbito econômico. De acordo com Sevcenko (1994, p. 9), para a criação
e manutenção do poder, era preciso, nesse momento, “contar com um grande e
temível exército de mercenários, um vasto corpo de funcionários burocráticos de corte
e de província, um círculo de juristas que instituísse, legitimasse e zelasse por uma
nova ordem sócio-político-econômica e um quadro fiel de diplomatas e espiões,
ocultos e eficientes”. Segundo o autor, esses homens mais provavelmente estariam
nos escalões da burguesia.
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Saiba mais
De que forma as casas comerciais burguesas lucravam com sua inserção no Estado
Moderno? Sevcenko (1994, p. 10-11) nos responde essa questão, afirmando que o
Estado se tornou uma vasta empresa:
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3 HUMANISMO, RENASCIMENTO E REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
3.1 Humanismo
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valorização da palavra humanistas, traço característico da paidéia grega; enfim, o
reconhecimento do homem como ser natural, para o qual o conhecimento da natureza
é fator imprescindível para a vida.
3.2 Renascimento
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Figura 1 - O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci
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Atenção!
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No restante da Europa, o Renascimento adquiriu contornos distintos daqueles
adquiridos na península Itálica. O historiador Edward Burns, interpreta as diferenças
existentes nas manifestações do Renascimento pelas várias regiões da Europa em
sua obra História da Civilização Ocidental:
Saiba mais!
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drástica revolução espiritual visto que o conhecimento direto da Escritura é muito mais
importante que a tradição da igreja (CALDAS; 2018).
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concentrado nas “mãos” do rei, originando violenta oposição à interferência
estrangeira, por conseguinte, ao papa. No campo cultural, podemos apontar, em
primeiro lugar, a centralidade ocupada pelo homem em suas preocupações, que se
difundiu pela Europa pondo em discussão várias crenças católicas; em segundo lugar,
temos a invenção da imprensa, por meio da qual difundiram-se conhecimentos e
hábitos de leitura, privilégio de uma minoria durante muito tempo. A difusão do saber
cooperou para que os indivíduos consentissem de aceitar passivamente a doutrina da
Igreja (CALDAS; 2018).
Todos os abusos feitos pelo clero eram malvistos pelos fiéis, que solicitavam a
aproximação entre o que era pregado e o que de fato era praticado, ou seja, era
imprescindível uma reforma da igreja:
3.4 Contrarreforma
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Figura 2 - Concílio de Trento
https://conhecimentocientifico.r7.com
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Figura 3 – Companhia de Jesus
https://ohistoriante.com.br
Atenção!
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Figura 4 – Tribunal do Santo Ofício (Inquisição)
http://cvc.instituto-camoes.pt/
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Segundo Maquiavel, o remédio mais eficaz contra a corrupção humana é o
Estado, pois apenas este permite a cumprimento de todas as demais medidas
possíveis. É importante observarmos que, mesmo partindo de uma visão pessimista
sobre a natureza humana, o autor pondera a probabilidade de melhoramento político.
Podemos indagar, contudo, como seria possível tal melhoramento? Por meio da firme
disciplina, pela educação, pelas leis e pelos bons costumes, pois são estas ações que
separam o homem de sua crueldade natural, tornando-os aptos ao convívio ordenado.
Battista Mondin, em seus escritos sobre os filósofos da renascença, corrobora
a compreensão de Estado exibida pelo autor florentino:
Deve-se entender por Estado, antes de tudo, não tanto como organismo ético
quanto como força, como poder de mando e de coerção, como vontade
dominadora que se impõe mais pelo amor do que pelo amor, sem ou quase
sem consideração pelos valores de ordem superior, graças aos quais o poder
político se justifica. Os Estados são criados, todavia, pela “virtude” de poucos
homens superiores, virtude que é, ao mesmo tempo, sabedoria capaz de
conceber uma ordem política e firme vontade de execução que, empregando
qualquer meio, sabe traduzir esta ordem em formas concretas, em
instituições úteis e vitais. Esta virtude se comunica aos cidadãos ou aos
súditos quando eles se tornam cônscios dos seus deveres de membros de
uma sociedade civil bem organizada. (MONDIN, 1982, p. 10).
Segundo ele, a política não deve ajustar-se na moralidade, – pois, assim como
os idealistas políticos sugerem, a concepção de um bom governante seria aquela que
admite virtudes cristãs e que as insere no exercício do poder político – mas deve ser
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autônoma, porque localiza em si a própria justificação ao garantir uma existência
ordenada aos súditos. Isso não significa que o chefe político (o príncipe) deva ser
imoral ou indiferente ao bem e ao mal, mas às vezes o que para um indivíduo é ruim,
torna-se necessário ao Estado, precisando ser feito mesmo a duras penas.
Com a tomada de conhecimento da teoria política maquiaveliana, o
pensamento político europeu inicia um processo de mudança da antiga ideia do direito
natural, pois o escritor florentino demonstra que a convivência em comunidades justas
não faz parte da realidade social dos homens, pelo oposto, os homens habitam em
sociedades desconexas onde “o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos
poderosos, e estes desejam governar e oprimir o povo”. (MAQUIAVEL, 2009, p. 83-
84). Ao mesmo tempo, Maquiavel mostra também que o Estado não surge da razão,
nem do sentimento natural de justiça, nem de um decreto divino, mas da lógica de
forças e conflitos que governam a vida social. Dito de outra forma, surge
independentemente de qualquer sistema ético ou religioso.
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ele próprio, isso porque o autor jazia radicado numa experiência pessoal e social muito
forte.
https://www.pensador.com/
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A grosso modo, podemos afirmar que, para Montaigne, o mundo é marcado
pela diversidade e perante a diversidade não cabe juízo de valor, mas juízo de fato. O
importante é reconhecer a multiplicidade que compõe a universalidade,
reconhecimento esse característico do Ceticismo renascentista. Se existe
multiplicidade de pensamentos, todos são do mesmo modo legítimos, uma vez que,
para cada argumento formado existe outro igualmente válido. A postura cética
adotada pelo filósofo francês, assim sendo, é marcada pela suspensão de juízo, que
significa não nomear entre quem está certo e quem está errado. No período em que
escolhe pela suspensão de juízo alcança-se a imperturbabilidade da alma e ausência
de inquietações (ataraxia), entre os céticos deve-se praticar a ataraxia, porque não se
conhece a natureza daquilo que se deseja ou se teme.
Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. É
assim porque, de certo modo, o estudo e a contemplação retiram nossa alma
de nós e a ocupam separada do corpo, o que constitui certo aprendizado da
morte e tem semelhança com ela; ou então, é porque toda a sabedoria e a
razão do mundo se concentram, afinal, nesse ponto de nos ensinar a não ter
medo de morrer. Na verdade, ou a razão está escarnecendo de nós ou seu
objetivo deve ser apenas o nosso contentamento, e todo o seu trabalho deve
tender, em suma, a fazer-nos viver bem e a nosso gosto, como dizem as
Sagradas Escrituras. (MONTAIGNE, 2010, p. 50).
[...] para começar a tirar-lhe sua grande vantagem sobre nós, tomemos um
caminho totalmente oposto ao comum. Tiremos-lhe a estranheza,
frequentemola, acostumemo-nos com ela, não tenhamos nada de tão
presente na cabeça como a morte: a todo instante a representemos em nossa
imaginação e em todos os aspectos. (MONTAIGNE, 2010, p. 58).
Dessa forma, Montaigne aconselha: “considera como teu último dia aquele que
brilha para ti” (MONTAIGNE, 2010, p. 58), pois na medida em que vivemos cada dia
como o único (ou o último), todos os outros que vierem serão tomados como graça.
Se não sabemos como, quando ou onde seremos descobertos pela morte, precisamos
contar que ela possa aparecer em toda parte. Por não ser capaz de expressar de
maneira mais clara e significativa o ensinamento montaigniano, vejamos o que ele
garante sobre aprender a morrer: “quem aprendeu a morrer desaprendeu a se
subjugar. Não há nenhum mal na vida para aquele que bem compreendeu que a
privação da vida não é um mal. Saber morrer liberta-nos de toda sujeição e
imposição”. (MONTAIGNE, 2010, p. 58). Com isso, quer dizer que ao habituar-nos
com a morte afastamos dela o componente mais poderoso contra nós, que é o fato de
considerá-la como inimiga. Portanto: “Meditar previamente sobre a morte é meditar
previamente sobre a liberdade”. (MONTAIGNE, 2010, p. 58). De nada adianta
passarmos a vida inteira tentando evitar o inevitável, compreender isso é libertar-se
de apreensões e privações vãs e inúteis. Não são os acasos e perigos que nos
aproximam da morte, do mesmo modo que o vigor ou mesmo a segurança do nosso
lar não nos separa dela. A morte é um processo pelo qual passaremos e não existe
nada que possamos fazer para evadir isto, assim sendo, precisamos lembrar sempre
o que Montaigne nos ensina “tudo o que pode ser feito um outro dia pode ser feito
hoje”. (MONTAIGNE, 2010, p. 60).
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Saiba mais!
A principal obra deixada por Montaigne foi Ensaios (Essais). Ela é composta por
três livros, tendo sido a primeira edição (contendo os livros I e II) publicada em 1580;
em seguida, em junho de 1588 é publicada uma nova edição com o livro III; mesmo
tendo completado os três livros, Montaigne continuou trabalhando para o
enriquecimento da obra até o ano de sua morte em 1592; por fim, em 1595, é
lançada postumamente a versão final dos Ensaios.
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O progresso científico, que estabelece uma das maiores glórias da Idade
Moderna, percorreu sempre ao lado do estudo do método mais apropriado. Deste
tema ocuparam-se Galileu Galilei, Descartes, Spinoza, Pascal, Vico, Hume, Leibniz e
Kant, assemelhando-se em alguns pontos e diferindo-se em outros. Para o
desenvolvimento da ciência é preciso, além de um bom método, também um critério
seguro de verdade.
A ciência ativa moderna rompe com a separação antiga entre a ciência
(episteme), o conhecimento teórico, a técnica (téchne) e o saber aplicado, agregando
ciência e técnica, fazendo com que problemas práticos no campo da técnica levem ao
desenvolvimento científico, bem como com que hipóteses teóricas sejam testadas na
prática, a partir de sua aplicação na técnica (CALDAS; 2018).
4 O PROBLEMA DO CONHECIMENTO
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Nesta Unidade, nos ateremos à Teoria do Conhecimento, exibiremos as
principais correntes filosóficas que se ocuparam de investigações que têm por objetivo
responder a questões como o “que é o conhecimento?”, “qual a probabilidade de obter
o conhecimento?”, “qual o fundamento do conhecimento?”, além de investigar as suas
origens e seu valor. As correntes estudadas serão: Racionalismo, Empirismo e
Ceticismo.
4.1 Racionalismo
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dessa corrente de pensamento são: Descartes, Spinoza e Leibniz, cujos sistemas
conheceremos a seguir.
Saiba mais
A abstração, incide num processo intelectual por meio do qual um objeto só pode
ser entendido quando isolado de fatores unidos à realidade. Referente ao fluxo
racionalista, trata-se da aquisição de um saber em relação às experiências, isto é,
alcançado sem a interferência da experiência.
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metafísica, mas que têm prioridade em resolver o problema do saber; por fim, a
preocupação com o método (CALDAS; 2018).
Em todas as obras que compõem o seu sistema filosófico, fica evidente a
preocupação de Descartes em saber se existe um método capaz de evitar o erro. Para
isso, o autor partia de questões como: é possível estabelecer proposições que sejam
categoricamente verdadeiras? Quando é possível dizer que uma afirmação é
verdadeira? Há algo do qual não podemos duvidar? Como ocorre o processo de
raciocinar? Como se deve proceder para obter o saber científico?
Nas Meditações sobre a filosofia primeira ou Meditações metafísicas (1641),
dá-se conta de que vários dos ensinamentos que há muito lhe foram advindos eram
falsos, é justamente a partir daí que Descartes começa sua procura pelo saber
verdadeiro. O autor interrogava se era possível avaliar todas as nossas crenças,
apartando aquelas que nos fazem incidir em erros. A solução descoberta foi assumir
um posicionamento cético, com a finalidade de que pudesse localizar algo do qual não
se pudesse duvidar, mas como é possível descobrir o que é indubitável?
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Em sua obra Princípios da Filosofia (1644), Descartes garante ter em nós
liberdade suficiente para que, no exercício correto da razão, fujamos de ser ludibriados
e, por conseguinte, nos aproximemos e/ou alcancemos o saber verdadeiro. Diz ele:
[...] mesmo no caso de ser, aquele que nos criou, todo-poderoso, e ainda que
sentisse prazer em nos iludir, não deixamos por essa razão de sentir em nós
uma liberdade tal que, sempre que nos seja agradável, possamos evitar
receber, em nossa convicção, as coisas que não conhecemos bem, e desse
modo evitar de nunca sermos enganados. (DESCARTES, 2010, p. 71).
4.3 O Método
O bom senso é a coisa melhor dividida no mundo, pois cada um se julga tão
bem dotado dele que ainda os mais difíceis de serem satisfeitos em outras
coisas não costumam querê-lo mais do que têm. E, a esse propósito, não é
verossímil que todos se enganem. Isso prova, pelo contrário, que o poder de
bem aquilatar e diferenciar o verdadeiro do falso, quer dizer, o chamado bom
senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens e assim, que
multiplicidade de nossas opiniões não deriva do fato de uns serem mais
razoáveis do que outros, porém somente do fato de encaminharmos nossos
pensamentos por diversos caminhos e não levarmos em conta as mesmas
coisas. Não é suficiente ter o espírito bom, o essencial é bem aplicá-lo. As
maiores almas são capazes dos maiores vícios como das maiores virtudes e
os que caminham muito vagarosamente podem adiantar muito mais, se
prosseguirem sempre em seu caminho reto, do que os que correm e dele se
afastam. (DESCARTES, 2010, p. 9).
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segundo, parte de princípios universais. É justamente do método dedutivo que
Descartes irá se ocupar.
Atenção
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completamente nenhuma das ideias que nasceram em sua mente, sem que sua razão
as tivesse investigado. No excerto abaixo, Descartes apresenta as regras do método:
Método indutivo: aquele segundo o qual uma lei geral é constituída a partir da
observação e repetição de regularidades em casos particulares. Embora o método
indutivo não admita o estabelecimento da verdade da conclusão em caráter
definitivo, fornece, no entanto, razões para a sua aceitação, que se tornam mais
seguras quanto maior o número de observações realizadas. A indução é assim
essencialmente probabilística. Este método se torna relevante na ciência
experimental, especialmente a partir de sua defesa por Francis Bacon, sendo
posteriormente sistematizado por J. Stuart Mill. (Cf. Dicionário básico de filosofia,
Hilton Japiassú e Danilo Marcondes).
Método dedutivo: entende-se por esse termo aquele método que consiste em
buscar a confirmação de uma hipótese por meio da verificação das consequências
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previsíveis da própria hipótese. Reichenbach mostrou o caráter complicado desse
método e a sua irredutibilidade à verdadeira e própria dedução. Admitir que existe
uma relação dedutiva entre a hipótese e os dados analisados, significaria admitir
que a implicação A/B nos autorize a considerar a como provável quando b é dado
[...]. (Cf. Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano).
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Fazendo uma analogia da nossa mente com um cesto contendo determinadas
maçãs podres e outras em perfeito estado, o filósofo francês argumenta que:
igualmente em nossa mente existe determinados saberes não cofiáveis e que apenas
poderemos apontar estes dos realmente seguros por meio do exame minucioso de
cada um desses saberes. Nas Meditações Metafísicas (1641), os argumentos são
aplicados em graus de intensidade cética crescentes, da maneira como veremos a
seguir:
• Argumento contra a ilusão dos sentidos: os sentidos várias vezes nos
enganam;
• Argumento dos sonhos: tudo o que experimentamos acordados, podemos
experimentar dormindo, em sonhos não temos nenhum critério para distinguir um
estado do outro;
• Argumento do “gênio maligno”: poderia ocorrer que determinado espírito
maligno, algum demônio, nos confundisse, fazendo-nos, por exemplo, crer que 2+3=6
e não 5.
Podemos analisar a dúvida sendo empregada como método de comprovação
de validade das certezas avaliadas. Diante da apresentação dos argumentos citados
acima, nos encaminhamos para a primeira certeza: até para que tenha um Deus
enganador (“dúvida hiperbólica”), que me ludibrie acerca de tudo que eu creio
conhecer, é preciso que eu exista. Marcondes (2010, p.172), referindo-se ao
argumento do cogito, profere: “chegamos assim à primeira certeza, à verdade precisa
do cogito. Se até mesmo para duvidar é preciso pensar, a existência do pensamento,
do ser pensante, não está sujeita à dúvida: é mais básica, mais originária do que está,
é um pressuposto dela”.
Saiba mais
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A propósito do cogito, é preciso notar que não se trata de uma demonstração,
mas sim de uma intuição. O logo (ergo) não tem valor de consequência, mas
é simplesmente pleonástico. Se o cogito fosse a conclusão de uma
demonstração, ou seja, um entimema, então seria preciso subentender uma
premissa universal (por exemplo: em toda parte conhecimento é existência)
e não seria, portanto, mais possível considerar o Cogito como a primeira
verdade metafísica. Quanto à existência provada pelo cogito não se pode
tratar senão da existência do pensamento, da realidade pensante (res
cogitans), e não da realidade distinta dos pensamentos. (MONDIN, 1995, p.
272).
Benedictus de Spinoza
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O more geométrico adquire grande importância no século XVI e começo do
século XVII com o desmoronamento do sistema medieval, o que deu início a uma
intensa procura por um método para obter o saber verdadeiro e indubitável. Dois
autores podem ser destacados como os principais filósofos a empregarem o método
geométrico, são eles: René Descartes e Benedictus de Spinoza. Embora ambos
façam uso do mesmo método, a maneira como este é aplicado por cada um é
distinguida. Descartes faz utilização do método geométrico analítico, enquanto
Spinoza aproveita o método geométrico sintético. Mas em que versa, prioritariamente,
a justificativa para opção do método geométrico adotando vertentes diferenciadas
pelos autores supracitados? (CALDAS; 2018).
http://benedictusdespinoza.pro.br
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No que diz respeito ao caráter intrínseco, o método é exibido como necessidade
do sistema. O método, nesse aspecto, se ofereceria de maneira essencial e precisa
para o desenvolvimento do pensamento filosófico. Spinoza usa o método geométrico
sintético para diferenciar-se do analítico oferecido por Descartes, método esse que é
recusado por fazer o movimento contrário ao pensamento de Spinoza, ou seja, em
vez de partir de uma ideia verdadeira dada, ele ambiciona chegar a ela. Gueroult,
citado por Fragoso (2011, p. 128) destaca que “[...] não se trata de uma disposição
exterior das demonstrações da doutrina, mas da demonstração mesma pela qual ela
se engendra de dentro, a partir de uma ideia verdadeira dada [...]”.
O método geométrico é na verdade um componente imanente ao cerne do
projeto da Ética. Existia uma espécie de apoio, de uma visão comum que admira o
método geométrico como o mais eficiente método pedagógico para apresentação de
argumentos racionais, além de seu formato ser menos propenso a gerar polêmicas.
Spinoza opta pelo método sintético euclidiano, em detrimento do método analítico
ultimamente desenvolvido e difundido por René Descartes. De tal modo, Spinoza
assume uma visão distinto da imagem dominante entre seus contemporâneos.
Spinoza adota, em seu método, a arquitetura metodológica dos antigos
geômetras. Sintético, o método geométrico euclidiano compõe-se num peregrinar em
que o lugar onde postulamos chegar é o lugar em que já nos deparamos. Com o
método geométrico não separamos, nem são exibidas coisas que não estavam de
determinada maneira previstas nas definições e nos axiomas iniciais. A elaboração
das proposições tende sempre o retorno à ideia inicial, e esse retorno deve vir
acrescido de uma consciência real de seu significado.
4.6 Empirismo
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termos Empirismo e Racionalismo, não foram usados pelos filósofos dessas
correntes.
A corrente de pensamento empirista, teve como origem para o seu
desenvolvimento a Inglaterra, cujos principais representantes são Bacon e Locke.
Diferentes fatores influenciaram o desenvolvimento do Empirismo, mas é no campo
político-econômico que podemos notar sua influência mais determinante. Nessa
ocasião, na Inglaterra, vive-se o intenso desenvolvimento da atividade comercial e a
expansão dos papéis políticos do parlamento na monarquia absolutista, os dois
reflexos da crescente influência da classe burguesa. Em função das modificações
políticas e econômicas do país, viu-se a queda da dinastia dos Stuarts e a Revolução
Gloriosa engatilharem a Revolução Industrial que se deflagraria no século seguinte.
Marcondes (2010) pondera que o desenvolvimento do Empirismo precisa ser
compreendido a partir da associação desses pensadores com a Royal Society of
London for the Improvement of Natural Know-ledge, nas palavras do autor:
47
intelecto sem que antes tenha passado pelos sentidos. Como resultado disso, toda
verdade (oriunda da experiência sensível) pode e precisa ser colocada à prova.
Conclui-se daí a rejeição dos empiristas à noção de ideias inatas.
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ciência teórica e especulativa. Toda sua obra é dedicada ao progresso da ciência
antiespeculativa e sua associação com a técnica.
Em linhas gerais, podemos considerar Bacon como introdutor da concepção de
ciência ativa (espírito da nova Ciência Moderna) em detrimento da concepção
medieval de ciência contemplativa e desinteressada.
Em relação ao desenvolvimento científico, é na obra Novum Organum (1620)
que Bacon evidencia de forma mais expressiva seu pensamento. O título Organum
faz clara alusão ao Organon de Aristóteles, assim como Novum aludi-se à oposição
feita por ele (Bacon) aos velhos tratados lógicos aristotélicos. A proposta baconiana é
de recomendar direções para a descoberta e a justificação das artes e das ciências,
isto é, de um método para a construção do saber. Bacon almejava a um saber
instrumental que permitisse o controle e domínio da natureza, daí a máxima: “Saber é
Poder”.
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humano ao considerar que – diferentemente do que fora postulado no Renascimento
– por sua própria natureza o homem não pode conhecer o mundo tal como ele é, uma
vez que as percepções têm analogia com a natureza humana e não com o universo.
Nesse sentido, nas palavras do autor inglês: “O intelecto humano é semelhante a um
espelho que reflete desigualmente os raios das coisas e, dessa forma, as distorce e
corrompe”. (NOVUM ORGANUM, XLI);
• Os ídolos da caverna: são noções falsas decorrentes dos homens, não
enquanto “espécie”, mas enquanto indivíduos. Pois, “cada um [...] tem uma caverna
ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza: seja devido à natureza
própria e singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros;
seja pela leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram
[...]”. (NOVUM ORGANUM, XLII). Bacon cita o filósofo Heráclito, que criticava as
pessoas por buscarem a ciência em seus pequenos mundos, e não no universal, que
seria o mesmo para todos;
• Os ídolos do foro: são noções falsas decorrentes do intercurso e da
associação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si. O autor exibe de
forma básica uma crítica à retórica, pois apesar de reconhecer a relevância da
linguagem para o estabelecimento das relações interpessoais, alerta para o perigo
que o jogo de palavras pode ocasionar ao intelecto. “As palavras forçam o intelecto e
o perturbam por completo. E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis
controvérsias e fantasias”. (NOVUM ORGANUM, XLIII);
• Ídolos do teatro: são noções falsas decorrentes das representações
filosóficas e/ou científicas criadas em forma de fábulas ou teatros para explanar a
realidade. Segundo Bacon “numerosos princípios e axiomas das ciências entraram
em vigor, à mercê da tradição, da credulidade e da negligência”. (NOVUM ORGANUM,
XLIV).
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o autor critica a teoria das ideias inatas de Descartes e assegura, no livro II, que as
fontes de todo saber são a experiência sensível e a reflexão. Veja, que não é imposto
à experiência sensível e à reflexão o caráter do saber, mas de processo que fornecem
à mente os materiais do conhecimento. Esses materiais, de acordo com Locke nada
mais são que ideias e estas devem ser entendidas como conteúdo do processo
cognitivo, logo, objeto do entendimento.
John Locke
Contra as ideias inatas, Locke (1999, p.37) assegura de forma categórica “não
há princípios inatos na mente”. Ele expõe uma série de argumentos para amparar sua
tese de que não tem evidências em favor da existência das ideias inatas. Segundo
ele, se existissem ideias inatas, como avaliavam os racionalistas, então todos os seres
humanos, sem distinção, precisariam ter as mesmas ideias, o que não acontece e isso
pode ser corroborado por meio da análise. De outro modo, avalia Locke, para que se
pudesse avaliar a existência dessas opiniões, precisaríamos admitir que muitas
pessoas não teriam consciência da sua existência, o que igualmente é um erro, pois
não é possível dizer que alguma pessoa possui uma ideia e que, mesmo desta forma,
não tem consciência dela – a descoberta do inconsciente por Freud em meados do
século XX, aparece a fragilidade, ou melhor, a superficialidade da tese lockeana. Nas
palavras de Locke:
51
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é posta de maneira clara: “todas as ideias derivam da sensação ou reflexão”. E
continua:
4.11 Ceticismo
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(séc. V a.C.) que proferia “o homem é a medida de todas as coisas”, ou seja, o
conhecimento é uma relação subjetiva e pessoal, logo o conhecimento limita-se às
ideias e representações preparadas pelo próprio sujeito. Já o Ceticismo Relativo
Probabilístico, tem seu representante da Idade Moderna: o filósofo inglês David Hume.
Essa forma de ceticismo relativo assegura que o máximo que podemos obter é o
conhecimento de uma verdade provável, nunca uma certeza completa. Sobre a
perspectiva cética humana, veremos a seguir como se compõe e quais principais
características estão presentes no seio de sua teoria.
Atenção!
Sobre a compreensão do termo epoché, consideremos o que nos diz Nicola (2005,
p. 105): “Epoché é o termo grego utilizado por Pirro e pelos céticos para denominar
a dúvida, a necessária suspensão de juízo que caracterizava a sua posição: nem
aceitar, nem negar. A epoché cética nasce da consideração de que sempre é
possível demonstrar o contrário de cada afirmação e que, portanto, uma posição
nunca pode dizer-se verdadeira em absoluto. Todo saber, mesmo o socrático saber
de não saber, reduz-se a um opinável ponto de vista. Diferentemente da epoché
fenomenológica, a epoché cética é um procedimento destrutivo, cuja conclusão é a
afasia, o silêncio”.
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serão os principais pontos da crítica humeana: os objetos da metafísica e a
causalidade.
Hume vai propor nessa obra que a metafísica não é propriamente uma ciência,
procurando explanar que o entendimento humano nas suas faculdades de
conhecimento não está capacitado a conhecer eventos que extrapolam o domínio da
experiência, nesse sentido é que se identifica o Empirismo em sua obra. No campo
da mente humana, Hume vai dizer que só têm percepções e que estas se expõem em
dois gêneros diferentes: as impressões e as ideias.
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Como o hábito nos leva, em todas as nossas inferências, a transferir o
passado para o futuro, todas as vezes em que o passado mostrou-se
inteiramente regular e uniforme esperamos o acontecimento com a máxima
segurança, e não deixamos lugar para qualquer suposição em contrário.
(HUME, 2004, p. 93).
5 IDEALISMO ALEMÃO
5.1 Iluminismo
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Os aspectos que distinguem o movimento iluminista são provenientes do que
Cassirer (1992, p. 21) vai chamar “uma nova força” que age nesse período fazendo
com que tenha mais interesse pelo processo do pensamento do que por sua
consequência. É exatamente nesse sentido, marca Cassirer, que se expõe para o
contexto do século XVIII a problemática do progresso intelectual e garante garantindo
que “não existe um século que tenha sido tão profundamente penetrado e empolgado
pela ideia de progresso intelectual quanto o século das Luzes”. (1992, p. 22).
Mas, poderíamos interrogar: que força é esta que originou tanta reviravolta na
maneira de refletir desse século? A resposta é única: a razão. A razão é a nervura de
toda a problemática do século XVIII, pois crê-se em sua imutabilidade e unidade. Ela
é ponto de partida e de convergência de todos os esforços, procuras, desejos e
realizações desse período. Sobre a compreensão da razão Cassirer (1992, p. 23) nos
diz:
A razão é una e idêntica para todo o indivíduo pensante, para toda a nação,
toda a época, toda a cultura. De todas as variações dos dogmas religiosos,
das máximas e convicções morais, das ideias e dos julgamentos teóricos,
destacase um conteúdo firme e imutável, consistente, e sua unidade e sua
consistência são justamente a expressão da essência própria da razão.
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constitui como um fazer, pois, como vimos primeiramente, concentra-se mais no
processo do pensamento do que a consequência deste.
Para tratarmos especificamente do tema do esclarecimento, recorreremos a
Immanuel Kant, pois em sua obra veremos reunidas as principais características do
sujeito moderno. Em seu opúsculo Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento,
publicado em 1783, Kant responde a uma questão proposta por um jornal de Berlim
ao público intelectual. Não obstante de seu caráter circunstancial, é um texto muito
relevante pois abrange a nervura da problemática moderna em questão, que é a
elucidação ou o Iluminismo. Nesse sentido, Kant escreveu:
59
quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!”). Eis aqui por toda parte
a limitação da liberdade. (KANT, 2002, p. 117).
Apesar disso, resta esclarecer o que Kant compreende por uso público e
privado da razão. Por uso público, entendido como aquele que pode realizar o
esclarecimento, Kant define como “aquele que qualquer homem, na condição de
sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado” (KANT, 2002, p. 117). O
uso privado da razão, é compreendido como “aquele que o sábio pode fazer dela em
determinado cargo púbico ou função a ele confiada”. (KANT, 2002, p. 117). A
capacidade de racionar por si mesmo é uma capacidade inerente à natureza humana,
por isso é possível que, individualmente, um homem deseje delongar seu
esclarecimento, mas renunciar a ele é ferir um direito da humanidade. Na passagem
que se segue fica claro o pensamento do autor:
Um homem pode, sem dúvida, no que diz respeito à sua pessoa, e mesmo
assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento
(Aufklärung). Mas renunciar a ele, quer para si mesmo, quer ainda mais para
sua descendência, significa ferir e atar aos pés os sagrados direitos da
humanidade. (KANT, 2002, p. 120).
5.2 Romantismo
60
alemão, inicialmente. Esse movimento ficou conhecido pelo nome de Sturm und
Drang, que significa “Tempestade e ímpeto
”. Reale (2005) aponta como características desse movimento: a redescoberta da
natureza; a relação entre esta (a natureza) e o “gênio” entendido como força originária;
o panteísmo tomado como contraponto ao deísmo enquanto razão suprema, próprio
do Iluminismo; a exaltação da liberdade; e o apreço pelos sentimentos fortes e
impetuosos. É relevante ter clareza em relação ao lugar que este movimento ocupa
na história do Romantismo, o Sturm und Drang é uma etapa pré-Romântica
posicionando-se historicamente antes do Romantismo germânico, que transcende os
limites do aspecto literário.
Opondo-se ao Racionalismo demarcado e supervalorizado no século XVII, e
afamado no século XVIII pelo Iluminismo; e contrapondo-se também ao Classicismo,
de quem a estética alemã sofre ampla influência até aquele período, a essência do
movimento incidiu na criação fundamentada no impulso irracional, característica
comum às estéticas românticas. O combate ao convencionalismo no campo estético
figura como umas das principais características desse movimento, cujos lemas eram:
natureza, gênio e originalidade. Destacaram-se nomes como os de Maximilian von
Klinger (1752-1831), Johan von Goethe (1749-1832), Jacob Lenz (1751-1792) e
Friedrich Schiller (1759- 1805).
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Guinzburg (1978, p. 51) atribui ao Romantismo duas categorias implícitas em
seu conceito: “a psicológica, que diz respeito a um modo de sensibilidade, e a
histórica, referente a um movimento literário e artístico datado”. Na categoria
psicológica do Romantismo o sentimento é identificado como objeto da ação do sujeito
e não mais simples condição ou estado afetivo. Quer dizer, a sensibilidade romântica
é conduzida pela irresolução e ambivalência, o que é o mesmo que afirmar que os
sujeitos têm um “elemento reflexivo de ilimitação, de inquietude, e de insatisfação
permanentes”. (GUINZBURG, 1978, p. 52). São justamente essas caraterísticas que
nos fazem compreender o real sentido do Sturm und Drang, pois representa um modo
de sentir que sugere uma maneira de visão de mundo.
De acordo com a história, é provável assegurar que o Romantismo teve sua
primeira manifestação na revista Atheaneum (1798-1800), que reunia os principais
intelectuais do movimento romancista. O Romantismo inicia-se na Alemanha, em
seguida é levado à França onde se alastra pelo resto do mundo. Apesar disso, o
caráter filosófico e o ideológico manifestam-se sobremaneira no Romantismo alemão,
do qual iremos tratar neste tópico.
Com o Romantismo alemão, a Filosofia ganha ênfase no panorama
romântico geral, pois é o único movimento que parte conscientemente de uma posição
filosófica, tornando o pensamento filosófico seu traço característico, motivo pelo qual
o tema do Romantismo se faz presente nesta Unidade. O Romantismo na Alemanha
conta com as contribuições de Fichte (mesmo este não se propondo a criar uma
escola romântica), que se torna fundamental para a evolução do movimento, pois é
em volta de sua obra Teoria da Ciência que um “grupo romântico” liderado pelos
irmãos Schlegel descobrirão sua unidade e posterior autonomia do pensamento
romântico.
Outro ponto que merece destaque é o espírito romântico. Schleiermacher, outro
importante representante do Romantismo alemão, é essencial para compreendermos
o lugar privilegiado que o sentimento ocupa na postura romântica. Ele nega ou pelo
menos menospreza fortemente o “cogito ergo sum” cartesiano, afirmando em sentido
diametralmente oposto: “sinto, logo sou”, e vai além quando aponta que a única via
para a salvação do homem é a via dos sentimentos. Mas que sentimento é este que
o faz ser? Ele responde, o Universo (sentimento forte de dependência do todo).
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Figura 5 - Revista O Atheaneum
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Nos prenderemos à primeira questão, onde se procura responder o seguinte: a
metafísica é provável como ciência? (CALDAS; 2018).
Segundo Kant, todo saber é originado na experiência, pois nossa sensibilidade
é afetada a todo momento por ela. Mas, esses dados da experiência por si só não
compõem conhecimento, eles devem ser organizados e o são tanto peças e intuições
da sensibilidade (espaço e tempo) quanto pelas categorias do entendimento (como
veremos no quadro expositivo ao final desta Unidade). Ou seja, não dá para fazer
ciência (epistemologia) partindo somente daquilo que afeta nossa sensibilidade, da
mesma maneira que não é provável fazer ciência sem avaliar aquilo que nos afeta.
Nos prefácios da Crítica da Razão Pura, ele estabelece que pretende investigar
o que as ciências (lógica, matemática e física) têm para serem avaliadas ciências e
uma vez descobertos os fatores definitivos – consenso, método único – aplicá-los à
metafísica para avaliar se ela pode ser avaliada como ciência ou não. Ele aplica à
metafísica e anuncia que a ela não pode ser considerada uma ciência porque não
exibe os fatores definitivos, porque não existe consenso. A Filosofia, para Kant,
precisa ter pretensão universal e precisa, eis o motivo pelo qual a metafísica não pode
ser avaliada ciência. Vejamos como Kant organiza a problemática do conhecimento.
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Figura 7 - Esquema explicativo: Elementos constitutivos da sensibilidade
MATÉRIA
----------------------------------- FENÔMENO
FORMA
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Entendimento: é a capacidade de raciocinar, atribuir ou submeter conceitos
às coisas, a partir das chamadas “categorias do entendimento” – que podem
ser conferidas no quadro abaixo. As categorias consentem a transformação das
intuições originadas pelo saber empírico, isto é, compõe-se em uma espécie
de filtro para análise dos estímulos sensoriais (imagens) trazidos à mente pela
sensibilidade. A partir delas o entendimento é capaz de executar uma espécie
desíntese dos dados sensoriais da intuição formando o objeto do
conhecimento;
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A primeira questão responde ao problema da metafísica, a segunda ao
problema da moral e a terceira ao problema da religião. Nesta Unidade nos ativemos
à primeira questão, desenvolvida na primeira crítica. Ao fazer a distinção entre juízos
sintéticos e analíticos, Kant vai atribuir aos juízos sintéticos a priori (puro) o
embasamento da ciência.
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A separação feita por Kant entre as instâncias passíveis de saber em númeno
(coisa-em-si) e fenômeno, assim como a afirmação de que o númeno está além da
probabilidade de conhecimento, ocasionaram bastante críticas ao seu sistema. A mais
representativa e direta oposição ao sistema kantiano foi organizada na Filosofia de
outro relevante teórico do Idealismo alemão, Hegel. Esse, que é situado pelos
historiadores da Filosofia como aquele que conclui as discussões que levaram ao
desenvolvimento do Idealismo alemão, nunca aceitou esta limitação e procurou
evidenciar em seu sistema filosófico que é provável assegurar a plena compreensão
do real.
Em sua obra Fenomenologia do Espírito, Hegel refletia as fases da consciência
que apreendem o mundo e localiza a si mesma para obter a totalidade e ao absoluto.
Vejamos quais elementos competem para a elaboração do Idealismo absoluto e como
ele se desenvolve.
No Idealismo transcendental vimos que o mundo surge dividido em razão e
experiência, formas a priori e a posteriori, sujeito e objeto. A coisa em si (númeno) é
apontada como a característica ou o aspecto mais interior das coisas e que por
compor essa espécie de “ser em si” das coisas, não a podemos conhecer, pois
extrapola o ponto de partida de todo saber: a experiência. Assim, só conhecemos a
maneira como as coisas se expõem para nós, isto é, os fenômenos. É precisamente
essa cisão constituída por Kant que será contestada pelos idealistas alemães
póskantianos, sobretudo por Hegel. Para Hegel, a separação entre sujeito e objeto
está incorreta, pois existe uma identidade entre ambos e nada existe além do
pensamento. O conhecimento não se limita ao conhecimento do fenômeno, o
conhecimento é total, absoluto (CALDAS; 2018).
O sistema de Hegel é revelado a partir do método dialético, que pode ser
esclarecido da seguinte maneira: para que um pensamento seja formado é preciso
que se parta de uma proposição (tese) que em seguida é negada por uma proposição
contrária (antítese) e a partir desse confronto nasce uma nova proposição (síntese)
com dados de cada uma das precedentes. Esse processo de formação do
pensamento, no entanto, não é estanque, mas contínuo e cíclico. A síntese toma
maneira de uma nova tese, que novamente é contrariada por uma nova antítese e daí
nasce uma nova síntese, e novamente o processo se refaz como um ciclo
permanente. Este ciclo pode ser representado de maneira espiral, pois a cada vez que
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se retorna para o ponto de partida (tese) o que outrora estava implícito torna-se
explícito e é justamente essa característica que faz com que este ciclo não seja vicioso
e se possa a partir dele produzir conhecimento.
Na dialética hegeliana a realidade se oferece de maneira dinâmica e toda
modificação é ocasionada por um processo de contradição. A dialética não é um
método para pensar a realidade, mas o movimento da própria realidade.
Para Hegel, só existe o espírito e tudo o mais que tem são manifestações do
espírito, exteriorizações do espírito e todas essas manifestações serão reunidas e
reconciliadas na interioridade. Esse movimento de manifestação do espírito se chama
história, como vida do espírito. E o movimento do espírito pelo qual ele produz o
mundo (da cultura ou natureza) conhece sua produção e se reconhece como produto.
O espírito objetivo é o espírito exterior do homem, enquanto expressão de uma
vontade coletiva, por meio da moral, do direito e da política, ou seja, é o mundo da
cultura. O espírito absoluto é a categoria que torna provável a formatação do real.
Lógica;
Filosofia da Natureza;
Filosofia do Espírito.
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Figura 10 – Esquema explicativo: Lógica das ciências
Lógica das ciências (do pensamento):
72
6 BIBLIOGRAFIA BÁSICA
GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8ªed. São Paulo: Ática,
2011.
GAUTHIER, Clermont; TARDIF, Maurice. A Pedagogia: teorias e práticas da
Antiguidade aos nossos dias. Petropolis: EditoraVozes, 2010.
NUNES, A. Uma introdução à economia política. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
SOUZA, J.; ÖELZE, B. (org.). Simmel e a modernidade. Brasília: Editora UnB, 1998.
73