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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 4

2 AS BASES DO PENSAMENTO MODERNO ................................................................... 5

2.1 A FILOSOFIA NA IDADE MODERNA .............................................................................. 5


2.2 A CIÊNCIA NA IDADE MODERNA ................................................................................. 8
2.3 OS ESTADOS NACIONAIS E O MERCANTILISMO.......................................................... 12

3 HUMANISMO, RENASCIMENTO E REVOLUÇÃO CIENTÍFICA .................................. 16

3.1 HUMANISMO ..........................................................................................................16


3.2 RENASCIMENTO..................................................................................................... 17
3.3 REFORMA PROTESTANTE E CONTRARREFORMA ....................................................... 20
3.4 CONTRARREFORMA ............................................................................................... 22
3.5 NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527)......................................................................... 25
3.6 MICHEL DE MONTAIGNE (1533-1592) ..................................................................... 29
3.7 FILOSOFAR É APRENDER A MORRER ........................................................................ 31
3.8 REVOLUÇÃO CIENTÍFICA......................................................................................... 33

4 O PROBLEMA DO CONHECIMENTO ........................................................................... 34

4.1 RACIONALISMO ...................................................................................................... 35


4.2 O PROJETO FILOSÓFICO CARTESIANO ...................................................................... 36
4.3 O MÉTODO.............. ............................................................................................. 38
4.4 O COGITO, FUNDAMENTO DA FILOSOFIA CARTESIANA ................................................ 41
4.5 MÉTODO GEOMÉTRICO ........................................................................................... 43
4.6 EMPIRISMO ..........................................................................................................46
4.7 O EMPIRISMO A PARTIR DE BACON E O MÉTODO INDUTIVO......................................... 48
4.8 PENSAMENTO CRÍTICO – TEORIA DOS ÍDOLOS .......................................................... 49
4.9 O EMPIRISMO A PARTIR DE LOCKE (1632 – 1704) .................................................... 50
4.10 CRÍTICA ÀS IDEIAS INATAS .................................................................................. 51
4.11 CETICISMO ....................................................................................................... 53

5 IDEALISMO ALEMÃO .................................................................................................... 57

5.1 ILUMINISMO........... ................................................................................................ 57


5.2 ROMANTISMO ........................................................................................................ 60
5.3 IDEALISMO TRANSCENDENTAL A PARTIR DE IMMANUEL KANT ..................................... 63
2
5.4 O QUE É CONHECER?............................................................................................. 65

6 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ................................................................................................ 73

6.1 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR .................................................................... 73

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 AS BASES DO PENSAMENTO MODERNO

A Idade Moderna foi um período marcado por continuidades e transformações


em relação ao mundo medieval. A cultura, a economia, a política e a sociedade foram
afetadas por novas visões de mundo e novos questionamentos. Em alguns aspectos,
coexistiam traços do medievo com características que poderíamos atribuir à
modernidade.
Neste capítulo, você vai aprender a comparar e diferenciar as linhas de
pensamento que surgiram na Idade Moderna com a filosofia medieval. Para isso, verá
de que forma a ciência influenciou as mudanças na concepção dos indivíduos sobre
sua subjetividade, sobre suas relações com a natureza e sobre o mundo e, por fim,
vai analisar a relação dos Estados Nacionais com a prática mercantilista.

2.1 A filosofia na Idade Moderna

Do ponto de vista cultural, compreendendo “cultura” em suas diferentes


manifestações (artísticas, filosóficas, religiosas), a Idade Moderna se caracterizou
pela emergência de novas visões de mundo e novos valores, que transformaram a
forma de compreender o ser humano e sua relação com a natureza por meio da
mescla com a cultura medieval, ou em sua total transformação.
Nesse sentido, a emergência do humanismo é um marco significativo no
pensamento moderno. Os humanistas, para Sevcenko (1994, p. 14), eram:

[...] um conjunto de indivíduos que desde o século anterior [século XIV] vinha
se esforçando para modificar e renovar o padrão de estudos ministrados
tradicionalmente nas universidades medievais. Esses centros de formação
intelectual e profissional eram dominados pela cultura da Igreja e voltados
para as três carreiras tradicionais: direito, medicina e teologia. Estavam,
portanto, empenhados em transmitir aos seus alunos uma concepção
estática, hierárquica e dogmática da sociedade, da natureza e das coisas
sagradas, de forma a preservar a ordem feudal.

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Essa forma de ensino não era mais condizente com as transformações
econômicas, políticas e sociais ocorridas na Europa Ocidental.
Os humanistas, portanto, surgiram como um “movimento” para atualizar,
dinamizar e revitalizar os estudos universitários, incluindo os “estudos humanísticos”
nos currículos, ou seja, a filosofia, a história, a matemática e a retórica. Para o estudo
dessas disciplinas, era necessário o domínio das línguas clássicas (grego e latim) e
do árabe, do aramaico e do hebraico, o que significava, também, que esses estudos
deveriam ser realizados a partir de textos dos autores da Antiguidade Clássica,
excluindo-se os manuais de textos medievais. “Significava, pois, um desafio para a
cultura dominante e uma tentativa de abolir a tradição intelectual medieval e de buscar
novas raízes para a elaboração de uma nova cultura” (SEVCENKO, 1994, p. 15).
Nesse sentido, o projeto humanista chocava-se diretamente com as práticas e
os valores da Igreja Católica. Isso não quer dizer que os humanistas fossem ateus ou
pagãos: “[...] eram todos cristãos e apenas desejavam reinterpretar a mensagem do
Evangelho à luz da experiência e dos valores da Antiguidade. Valores esses que
exaltavam o indivíduo, os feitos históricos, a vontade e a capacidade de ação do
homem, sua liberdade de atuação e de participação na vida das cidades”
(SEVCENKO, 1994, p. 15). É a partir dessa proposta que se desenvolve uma das
características do pensamento moderno, o antropocentrismo, pois os humanistas
acreditavam nas capacidades espirituais e físicas dos seres humanos em detrimento
de uma cultura teocêntrica. Essa compreensão sobre os indivíduos e sobre o mundo
encontrava uma enorme receptividade nos estratos burgueses da sociedade.
Os “antigos” eram, para esses pensadores, uma inspiração em seus atos, suas
crenças e suas realizações para o comportamento dos europeus, “[...] um
comportamento calcado na determinação da vontade, no desejo de conquistas e no
anseio do novo” (SEVCENKO, 1994, p. 15). Souza e Öelze (1998, p. 178) identificam
nesse comportamento um “espírito de aventura”, que seria característico ao indivíduo
moderno:

Na aventura, procedemos de um modo diametralmente oposto: apostamos


tudo justamente na chance flutuante, no destino e no que é impreciso,
derrubamos a ponte atrás de nós, adentramos o nevoeiro, como se o caminho
devesse nos conduzir sob quaisquer circunstâncias; [...] por isso a atividade
do aventureiro frequentemente parece loucura aos olhos do homem sóbrio,
porque, para que tenha sentido, ela parece ter como pré-requisito o que o
insondável seja sabido.
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Fique Atento!

Como surge o interesse dos humanistas pela crítica histórica? Francesco Petrarca,
um dos precursores do “movimento” humanista, afirmava que os autores e obras da
Antiguidade Clássica deveriam ser recuperados a partir de uma crítica filológica
(estudo da linguagem e dos textos), estabelecendo “[...] a mais perfeita versão e a
leitura mais cristalina” (SEVCENKO, 1994, p. 16), pois a cultura medieval poderia
ter deturpado seus sentidos. Da crítica interna a essas obras, derivou a
preocupação com as circunstâncias e os períodos em que foram escritas,
buscando-se as características das sociedades antigas, ou seja, a crítica histórica.

Entretanto, as contribuições dos humanistas à cultura e ao pensamento


moderno não se restringiram ao âmbito educativo e à temática da antiguidade. De
acordo com Sevcenko (1994, p. 16), os humanistas “[...] estabeleceram em primeiro
lugar as bases das línguas nacionais da Europa moderna e passaram, em seguida,
ao estudo histórico das novas sociedades urbanas e dos novos Estados monárquicos.
Eles davam assim sua contribuição para a consolidação dos Estados-nações
modernos”. Assim, “humanistas” deixou de ser um termo utilizado para designar o
movimento de renovação dos estudos universitários para abranger todos aqueles que
criticavam a cultura tradicional e apoiavam um novo código comportamental e de
valores, centrado no indivíduo e em sua capacidade realizadora.
Mas de que forma o pensamento humanista se confrontava com a cultura
medieval? Primeiramente, em relação a seu espírito crítico, voltado para a percepção
da mudança e para a transformação das tradições e dos costumes. Essa atividade
crítica se chocava diretamente com o pensamento medieval e os valores da Igreja
Católica, caracterizados pela estabilidade, pela imutabilidade e pela preocupação com
o mundo transcendental. O clero reforçava a submissão dos seres humanos a Deus,
ao clero e à nobreza, exaltando valores como a disciplina, a mansidão e a piedade.

Os humanistas, por sua vez, voltavam-se para o aqui e o agora, para o mundo
concreto dos seres humanos em luta entre si e com a natureza, a fim de terem
um controle maior sobre o próprio destino [...] valorizavam o que de divino
havia em cada homem, induzindo-o a expandir suas forças, a criar e a
produzir, agindo sobre o mundo para transformá-lo de acordo com sua
vontade e seu interesse (SEVCENKO, 1994, p. 17).

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A reação da Igreja Católica ao pensamento humanista foi voraz. Sevcenko
(1994, p. 17-18) lembra as penas às quais foram submetidos uma série de
humanistas: alguns, como Dante e Maquiavel, sofreram com o exílio, outros, como
Campanella e Galileu “foram submetidos à prisão e tortura, Thomas Morus foi
decapitado por ordem de Henrique VIII, Giordano Bruno e Étienne Dolet foram
condenados à fogueira pela Inquisição, Miguel de Servet foi igualmente queimado vivo
pelos calvinistas de Genebra, para só mencionarmos o destino trágico de alguns dos
mais famosos representantes do humanismo”.

2.2 A ciência na Idade Moderna

https://farolbi.com.br/o-que-e-ciencia-dos-dados/

Durante a Idade Média na Europa Ocidental, boa parte das explicações sobre
os fenômenos astrológicos, climáticos e naturais era dada por componentes de fé e
pela providência divina. O conhecimento era especulativo e tinha como base o
dogmatismo a partir de interpretações bíblicas.
Podemos afirmar que a ciência na Idade Moderna influenciou e foi influenciada
pelas transformações no âmbito da cultura, já que uma de suas principais
características, a experimentação, decorre de uma nova concepção de homem como

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ser de conhecimento, ao mesmo tempo que permite reforçar a laicização, a
racionalidade e a secularização da ciência.

O traço mais característico da ciência moderna é a ideia de método, e mais


especificamente de método hipotético-dedutivo. Tornam-se necessárias
hipóteses como tentativas de solução de problemas; hipóteses das quais se
deduzem consequências experimentais publicamente controláveis. É a ideia
de ciência metodologicamente controlada e publicamente controlável que, de
um lado, exige as novas instituições – sedes de discussões, confrontos e
controles – como as academias e os laboratórios, e de outro funda a
autonomia da ciência em relação à fé; [...] (REALE; ANTISERI, 2004, p. 139).

Com Copérnico e Galilei, a Terra é deslocada do centro do universo,


contrariando um dos principais dogmas da Igreja Católica, que compreendia o planeta
como centro do universo criado por Deus, em que os seres humanos seriam o cume
do processo de criação. Os impactos dessa “revolução científica” podem ser medidos
a partir das seguintes perguntas, que questionavam as certezas provenientes da
cultura medieval:

E se a terra não é mais o lugar privilegiado da criação e se ela não é diferente


dos outros corpos celestes, então não poderia haver outros homens também
em outros planetas? E, ocorrendo isso, como poderia resistir a verdade da
narração bíblica sobre a descendência de todos os homens de Adão e Eva?
E como é que Deus, que desceu nesta terra para redimir os homens, poderia
ter redimido outros eventuais homens? (REALE; ANTISERI, 2004, p. 143).

Saiba mais!

O surgimento e a disseminação da teoria heliocêntrica levou a profundas


transformações na cultura. Blaise Pascal, pensador francês, afirmava que o silêncio
eterno desses espaços infinitos lhe apavorava, o que, segundo Porto e Porto (2008,
p. 4.600-4.601), seria um indício “[...] do sentimento de estranhamento do ser
humano em face de um universo com o qual não mais se comunicava
simbolicamente”. Com a destruição do cosmos geocêntrico, o homem moderno foi
tomado por um sentimento de intensa perplexidade diante de um novo universo,
impessoal e refratário à atribuição de qualquer significado simbólico.

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As descobertas e os inventos científicos da modernidade, juntamente com as
descobertas e as conquistas de outros territórios no planeta, levaram a mudanças
econômicas e políticas, mas também a profundas transformações antropológicas e
religiosas. Os indivíduos modernos interpretaram a revolução científica “[...] como uma
confirmação de sua situação singular no Universo, pela sua aparentemente ilimitada
capacidade de compreensão da realidade a sua volta, cuja máxima expressão se deu
com a previsibilidade e o determinismo causal da mecânica newtoniana” (PORTO;
PORTO, 2009, p. 4.601-4.602).
Nesse sentido, torna-se importante a discussão sobre a relação entre o homem
e a natureza, em que o mundo é objetivado, e “[...] a natureza transforma-se na fonte
única, para a técnica, a ciência e a indústria” (BATISTELA; BONETI, 2008, documento
on-line).

O entendimento da modernidade, especialmente pela perspectiva do padrão


relacional sociedade/natureza, depende, fundamentalmente, da
compreensão da instauração de algumas ideias-chave, a partir das quais
edifica-se o construto ideacional moderno, que serve como cosmovisão
norteadora do desenvolvimento das sociedades humanas a partir do século
XVII.

O humanismo e o antropocentrismo, dessa forma, contribuem para o


desenvolvimento de uma percepção do potencial humano para compreender a
realidade e não se limitar às concepções dogmáticas religiosas.

A modernidade se instaura, portanto, sobre o desvelamento dessa


indeterminação existencial no humano; quer dizer, sobre a perspectiva de que
nada parece prescrever, deterministicamente, nosso devir histórico. Não
precisamos estar, então, necessariamente, atrelados à dinâmica natural;
podemos transbordá-la, subvertê-la, subjugá-la: eis o ideário liberal da
modernidade, vivenciado pelo liberalismo, que rompeu com a visão da
providência divina, dando ao homem um caráter histórico e livre (BATISTELA;
BONETI, 2008, documento on-line).

Nesse sentido, um dos principais contribuidores para o desenvolvimento da


ciência moderna foi Galileu Galilei, no sentido de sua crença no potencial cognoscente
do ser humano a partir da aposta na experimentação como forma de compreensão e
transformação do real. Com Galileu, ocorre “[...] uma intensificação singular no
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processo de conhecimento humano da realidade, fundamentado na ênfase na
medição da concretude do real pelo aporte do método quantitativo” (BATISTELA;
BONETI, 2008, documento on-line). Segundo sua ideia, certamente original, o ser
humano pode desvendar a realidade ao dirigir a atenção para as propriedades
quantificáveis da matéria. “É o que empreende Galileu, cujo êxito é conhecido
historicamente. Sua defesa da teoria heliocêntrica é que acaba provocando toda a
revolução científica que está na base da edificação da modernidade” (BATISTELA;
BONETI, 2008, documento on-line).
Essa compreensão é desenvolvida, filosoficamente, por René Descartes (1596-
1650), filósofo francês do século XVII que pode ser considerado um pensador que
demarca as bases do pensamento moderno, que teoriza sobre a essência do ser
humano e da realidade. Segundo Batistela e Boneti (2008, documento on-line)
Descartes objetivava, assim,

[...] a construção de uma ciência radicalmente nova, alicerçada em bases


sólidas e inabaláveis, cuja essência seria sua redutibilidade matemática e sua
consequente indubitabilidade científica. Para tanto, embrenhou-se Descartes
no famoso método da dúvida metódica, revendo sistematicamente todos os
seus conhecimentos à procura de toda forma de dúvida e/ou certezas
inabaláveis. Ao cabo do processo deparou-se com infindáveis meandros de
dúvidas e uma única certeza indubitável, inabalável, matemática, sintetizada
na frase “cogito, ergo sum” (penso, logo existo).

Assim, podemos afirmar que tanto a ciência quanto a filosofia moderna foram
constituídas paulatinamente por meio de elementos presentes na cultura medieval da
Europa Ocidental, do contato cultural com outros povos a partir das rotas comerciais
e dos descobrimentos e da recuperação de autores e obras da Antiguidade Clássica.
Dessa forma, foi-se desenvolvendo um ideal de liberdade e de razão como formas de
orientação do conhecimento, aliadas ao antropocentrismo, com a autonomia e a
responsabilidade do sujeito, em contraposição ao mundo revelado da Igreja Católica
e característico da cultura medieval. As verdades não seriam mais dogmas revelados
a partir das escrituras ou fenômenos espirituais, mas era necessário fabricar o
conhecimento (CALDAS; 2018).

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2.3 Os Estados Nacionais e o mercantilismo

O processo de formação dos Estados Modernos se deu a partir de uma série


de transformações culturais, econômicas, políticas e sociais ocorridas desde a Baixa
Idade Média, todas de mútua influência.

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A organização do sistema bancário, as grandes navegações e


descobrimentos, o desenvolvimento das cidades, a perda por parte da Igreja
do monopólio de explicação dos fenômenos naturais e humanos, o declínio
do poder dos senhores feudais e da Igreja, tornou o homem moderno mais
crente em si mesmo, deixando de almejar tanto Deus e passando a prestar
mais atenção aos semelhantes e ao ambiente que o rodeava. Liberto da
onipresença divina o homem se tornou livre para ser e construir o que quiser
(GODINHO, 2012, documento on-line)

Sabemos que o fortalecimento do poder real, com a expansão de suas


atribuições, influências e poderes, decorre da perda de poder econômico e político da
nobreza feudal e do apoio recebido da burguesia, que via no monarca

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[...] um recurso legítimo contra as arbitrariedades da nobreza e um defensor
de seus mercados contra a penetração de concorrentes estrangeiros. A
unificação política significava também a unificação das moedas e dos
impostos, das leis e normas, de pesos e medidas, fronteiras e aduanas. [...]
Com a grande expansão do comércio, a monarquia nacional criaria a
condição política indispensável à definição dos mercados nacionais e à
regularização da economia internacional (SEVCENKO, 1994, p. 9).

De acordo com Nunes (2007, p. 302):

Na base das concepções fundamentais dos mercantilistas está, no entanto,


uma filosofia individualista de busca do máximo lucro a partir do aumento da
produção e do comércio. A atuação dos regimes mercantilistas caracterizou-
-se, de resto, pela ajuda prestada às atividades privadas, incentivando-as e
protegendo-as nos primeiros passos do seu desenvolvimento em moldes
capitalistas. [...] Historicamente, o mercantilismo contribuiu, no plano doutrinal
e no plano da ação política, para a acumulação de capitais necessária à
implantação do capitalismo como modo de produção dominante.

É durante esse período da Idade Moderna que a economia passa a ter um


caráter nacional, ou seja, ser desenvolvida entre nações, e não entre indivíduos. Esse
caráter se dá a partir das funções que os soberanos dos Estados Modernos passam
a desempenhar em relação à economia, considerados como condutores do sistema
econômico.
Veja, a seguir, algumas das características da política econômica mercantilista
de acordo com Nunes (2007):

 política de incentivo à exportação de produtos manufaturados;


 proibição da exportação de matérias-primas e dos capitais necessários
à indústria nacional;
 limitação da importação de produtos estrangeiros, excetos os de
utilidade para a indústria nacional;
 reserva de mercado para os comerciantes nacionais;
 política de fomento às manufaturas;
 liberdade de comércio interno, unificando o mercado dentro das
fronteiras dos reinos;

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 práticas colonialistas como busca de novos mercados e novas fontes de
matérias-primas.
A faceta metalista do mercantilismo, ou seja, a adoção da quantidade de metais
preciosos que uma nação possui como forma de riqueza, estabeleceu- -se a partir do
renascimento comercial das cidades e da emergência de uma classe comerciante e
manufatureira que transformou as relações de trabalho (BAUER, 2020).
A política mercantil entendia a riqueza e o desenvolvimento como dependentes
de um Estado, que deveria unificar a tributação, controlar a atividade produtiva e
estabelecer um sistema alfandegário para proteger os produtores do seu país. O
Estado deveria manter uma balança comercial favorável, ou seja, exportar mais do
que importar. Devido à necessidade de manutenção dessa balança favorável,
associada ao metalismo, os governos mercantilistas foram levados a argumentar em
favor da autossuficiência interna e da prática do monopólio, o direito exclusivo do
monarca sobre a economia.
Foram subvencionadas indústrias para garantir o abastecimento do mercado
interno, mas, como a riqueza só podia ser medida a partir do comércio exterior e do
fluxo de metais em seu território, a sustentação do sistema mercantil vai depender do
sistema colonial. Assim, o governo vai licenciar companhias para o comércio
ultramarino e promover a organização dos territórios ocupados.
Diferentes tipos de mercantilismo foram adotados nos países europeus, e o
critério para definir cada tipo de mercantilismo foi a posse ou não de territórios
coloniais e o tipo de produto que forneciam. A expansão marítima europeia trouxe o
domínio de novos territórios, novas fontes de riquezas e novos braços de trabalho ao
antigo continente. A estruturação do sistema de exploração colonial só foi possível
após o entendimento da necessidade de gerar riqueza neste território.
No entanto, a relação entre os Estados Nacionais e a burguesia não se limitou
somente ao âmbito econômico. De acordo com Sevcenko (1994, p. 9), para a criação
e manutenção do poder, era preciso, nesse momento, “contar com um grande e
temível exército de mercenários, um vasto corpo de funcionários burocráticos de corte
e de província, um círculo de juristas que instituísse, legitimasse e zelasse por uma
nova ordem sócio-político-econômica e um quadro fiel de diplomatas e espiões,
ocultos e eficientes”. Segundo o autor, esses homens mais provavelmente estariam
nos escalões da burguesia.

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Saiba mais

De que forma as casas comerciais burguesas lucravam com sua inserção no Estado
Moderno? Sevcenko (1994, p. 10-11) nos responde essa questão, afirmando que o
Estado se tornou uma vasta empresa:

Todas essas casas comerciais possuíam uma enorme burocracia, que


abrangia dimensões tanto nacionais como internacionais, graças às suas
inúmeras agências, feitorias e entrepostos. Desenvolviam igualmente um
sistema completo de contabilidade e de administração empresarial e
financeira. Não relutavam, mesmo quando necessário, em contratar com
companhias especializadas os serviços de corpos de mercenários para a
guerra, para combater revoltas populares ou para simples ameaça. E o que
era o Estado moderno senão a ampliação de uma empresa comercial, cujo
controle decisório estava nas mãos o rei, sendo que este se aconselhava
com os assessores financeiros, fiscais, comerciais, militares, com os
diplomatas e espiões antes de qualquer gesto? Era natural, portanto, que
os monarcas buscassem o apoio, a inspiração e encontrassem parte de
seu pessoal junto a essas grandes casas comerciais. Normalmente o
acordo incluía a concessão dos direitos de exploração de minas de metais
preciosos e ordinários, de sal e alume, o monopólio sobre certos artigos
comerciais e o arrendamento da cobrança de impostos. Os lucros e o poder
que tais privilégios propiciavam a seus detentores eram extraordinários e
faziam com que eles se tornassem verdadeiros patronos dos Estados aos
quais se associavam. Tem-se, dessa forma, a imagem de um Estado
transformado numa vasta empresa e ele próprio dominado por uma ou
algumas casas financeiras.

Não podemos esquecer, portanto, que a passagem da Idade Média para a


Idade Moderna, com a ascensão da burguesia e o desenvolvimento de práticas
mercantilistas, marca, também, o desenvolvimento do conceito moderno de Estado,
como estudou Skinner (1996, p. 10): “O poder do Estado, e não o do governante,
passou a ser considerado a base do governo. E isso, por sua vez, permitiu que o
Estado fosse conceitualizado em termos caracteristicamente modernos — como a
única fonte da lei e da força legítima dentro de seu território, e como o único objeto
adequado da lealdade de seus súditos”.

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3 HUMANISMO, RENASCIMENTO E REVOLUÇÃO CIENTÍFICA

3.1 Humanismo

De acordo com Abbagnano (2007, p. 602), o Humanismo, característico da


modernidade, se apresenta sob duas abordagens distintas: histórica e filosófica.
No panorama histórico, o Humanismo representa um movimento artístico,
filosófico e literário originário da segunda metade do século XIV na Itália, alastrando-
se por toda a Europa e tornando-se um aspecto essencial do Renascimento – período
histórico do qual partiremos para constituirmos nossas pesquisas sobre a Filosofia
Moderna. Isto é, introduz uma nova maneira de pensar, que tem como interesse
desvencilhar-se das bases metafísicas do pensamento medieval a partir do
reconhecimento do valor do homem em sua totalidade. O homem passa a ser
compreendido como natural e histórico.
No ponto de vista filosófico, denomina-se humanista toda filosofia que assume
como eixo central o homem, que se baseie na natureza humana ponderando seus
interesses e seus limites, e, assentando-se nisso, redimensione os problemas
filosóficos. Nas palavras de Abbagnano (2007, p. 603):

No léxico filosófico atual fala-se de Humanismo a propósito: a) das teorias


que veem no homem – e não fora do homem – o centro da realidade e do
saber; b) das teorias que visam a salvaguardar a “dignidade” do homem
diante das forças que a ameaçam (nesta acepção costuma-se falar em
Humanismo existencialista, cristão, marxista etc.).

De forma geral, podemos garantir que o Humanismo é uma atitude filosófica


que confere ao homem um valor supremo, dispondo-o como medida na procura pelo
conhecimento. São frequentemente conferidas como características do Humanismo:
o reconhecimento do homem como ser composto de corpo e alma, que tem lugar
central na natureza, que é dotado de liberdade e tem seu futuro desenhado pelo poder
de domínio sobre a natureza; a assimilação do homem como ser social e histórico,
que possui conexões com o passado (tais conexões tanto podem aproximar quanto
distinguir o homem desse passado); mais uma característica relevante do Humanismo
conserva com a própria origem do termo uma relação muito estreita, trata-se da

16
valorização da palavra humanistas, traço característico da paidéia grega; enfim, o
reconhecimento do homem como ser natural, para o qual o conhecimento da natureza
é fator imprescindível para a vida.

3.2 Renascimento

As transformações sucedidas na Europa a partir do século XII, como o


desenvolvimento das cidades, do comércio e a expansão marítima, foram
acompanhadas por um intenso movimento cultural. Diferente do que se via na Idade
Média, nos séculos XV e XVI apareceram numerosos escritores, pintores e escultores
que procuravam retratar os valores daquela nova era, isto é, propagavam em suas
obras as modificações advindas na maneira de interpretar o mundo europeu
renascentista (CALDAS; 2018).
É possível apontar como pontos comuns de toda a produção renascentista, em
primeiro lugar, a retomada da cultura greco-romana, por avaliarem que estes
possuíam um saber muito mais extenso no que concerne à vida e suas possibilidades,
distinta da visão de mundo predominante na Idade Média. Em segundo lugar,
podemos direcionar como ponto comum a valorização do ser humano. Este compõe-
se como um ponto de essencial relevância neste período, pois é a partir da
compreensão do homem como eixo central para o entendimento do universo que vai
se ampliar o antropocentrismo, ideia que se contrapõe ao teocentrismo, predominante
na Idade Média, quando o mundo era interpretado como manifestação divina. Outro
ponto importante a avaliar, é a mudança de valores em relação à vida. Em função da
compreensão espalhada até então, a vida das pessoas se reduzia à prática religiosa
ou à prática da guerra, mas com as modificações sucedidas, outras maneiras de vida
passaram a ser valorizadas, tornando possível uma vida voltada a diferentes
interesses como a literatura, as artes e a vida pública. Uma figura de ampla
importância para o Renascimento, e de grande representatividade desse novo modelo
de vida, é Leonardo Da Vinci (pintor, escultor, literato e cientista). Por fim, temos,
também como ponto comum, a valorização da razão e da natureza. O Renascimento,
conforme veremos, foi caracterizado pelo racionalismo, que se traduziu na elaboração
e aplicação de métodos experimentais e na observação da natureza.

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Figura 1 - O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci

https://gq.globo.com

Atenção!

O Homem Vitruviano é uma obra de 1490 e foi primeiramente fundamentada na


obra do arquiteto romano Marcus Vitruvius. A obra faz menção às proporções
anatômicas divinas perfeitas, demonstrando a perspectiva do ideal humano. É,
também, uma retomada dos traços característicos da cultura greco-romana, como
o realismo e a perfeição das formas.

O Renascimento aconteceu primeiramente em determinadas cidades da Itália,


em função do desenvolvimento comercial, se difundindo em seguida por toda a
Europa. Na Itália, os nomes de maiores destaques foram: Leonardo da Vinci (1452-
1519), Michelangelo Buonarroti (1475-1564), Rafael Sanzio (1483-1520), Sandro
Botticelli (1444-1510), Galileu Galilei (1564-1642) e Nicolau Maquiavel (1469-1527).

18
No restante da Europa, o Renascimento adquiriu contornos distintos daqueles
adquiridos na península Itálica. O historiador Edward Burns, interpreta as diferenças
existentes nas manifestações do Renascimento pelas várias regiões da Europa em
sua obra História da Civilização Ocidental:

Na península itálica, alegres, descuidados e despidas de rigidez moral, as


pessoas inclinavam-se a procurar na arte e na literatura o meio mais propício
para expressão de seus sentimentos. Além disso eram herdeiras das
tradições clássicas que ainda alimentavam mais seus interesses estéticos.
Por outro lado, o europeu setentrional (do Norte), devido à luta mais árdua
pela existência, tendia para objetivos mais sérios e práticos. Inclinava-se a
encarar os problemas da vida de um ângulo moral e religioso: tudo era
questão de bem ou de mal, a nada se atribuía valor só por ser belo. (BURNS,
1970, p. 421).

Abaixo temos os demais países europeus onde o Renascimento se


estabeleceu e seus principais representantes:
• Países Baixos – Considerado um dos mais ilustres humanistas da
renascença, Erasmo de Roterdã (1466-1536) elabora ferrenha crítica à sociedade em
que vivia na obra Elogio da Loucura;
• França – Os principais representantes do Renascimento francês foram
François Rabelais (1494-1555), que escarneceu a monarquia e o Cristianismo em
suas obras, e Michel de Montaigne (1533-1592) autor da obra Ensaios;
• Inglaterra – O principal representante do Renascimento inglês foi William
Shakespeare (1564-1616);
• Espanha – Na literatura renascentista espanhola, temos como principal
expoente Miguel de Cervantes (1547-1616), autor de Dom Quixote de la Mancha.

Tabela 1 – Quadro sinótico


Plano econômico Plano religioso Plano político-social
Transição da economia Crise na Igreja, Substituição do estado
feudal para a economia de ocasionada pela baixa feudal pelos estados
mercado confiança passada pelo nacionais centralizados
clero aos fiéis
Revolução comercial Insatisfação da burguesia Substituição da sociedade
estimulada pelas (classe em ascensão) em rural pela urbana
navegações função das restrições do (nascimento das cidades)
19
clero ao comércio e ao
lucro
*** Reforma Protestante e ***
Contrarreforma
RENASCIMENTO – Movimento intelectual que consistia numa forma laica de expressão da cultura
burguesa, abarcando os campos literário, artístico, filosófico e científico.
Fonte: Elaborada pela Autora

Saiba mais!

William Shakespeare foi o maior poeta e dramaturgo da Inglaterra e um dos maiores


de todos os tempos. Entre suas obras destacam-se aquelas pertencentes aos
gêneros da comédia e tragédia: Romeu e Julieta, Hamlet, Muito barulho por nada,
Júlio César, Otelo etc. Em suas obras, descreve de maneira maravilhosa os
sentimentos e as paixões humanas.

3.3 Reforma Protestante e Contrarreforma

No século XVI, o poder e a grande influência da Igreja Católica foram abalados


de forma profunda, por um movimento de contestação à sua autoridade e doutrina.
Esse movimento, teve como principais representantes: Martinho Lutero (1483-1546),
fundador do Luteranismo no Sacro Império; João Calvino (1509-1564), que fundou o
Calvinismo na Suíça; e Henrique VIII (1491-1547), que criou o Anglicanismo depois
dos movimentos de protesto e rebeldia na Inglaterra. Todos esses movimentos
receberam o nome de Reforma Protestante.
A Reforma Protestante colaborou também para modificações, a principal,
podemos citar, foi a desestabilização do domínio da Igreja Católica Romana ao fazer-
se apelo à consciência de cada um. A Reforma proclama o retorno à Escritura e a
primazia da Bíblia. Fé e graça ocasionam a salvação aos homens. A adesão profunda
do coração é muito mais relevante que as obras. Nesse caso, o destaque é colocado
no sujeito e na pessoa, no ser humano distinto dos outros. Acontece, portanto, uma

20
drástica revolução espiritual visto que o conhecimento direto da Escritura é muito mais
importante que a tradição da igreja (CALDAS; 2018).

https://gustoporlahistoria.com

Vários foram os fatores que colaboraram para a irrupção da Reforma, não


apenas questões religiosas, mas questões políticas, econômicas e culturais. Dessa
forma, foram inúmeras as implicações derivadas desses movimentos. No campo
religioso, via-se até a época da Reforma, a vida das pessoas serem tomadas pelos
sentimentos de medo e culpa ocasionados pela ideia de pecado, o que gerava a
procura incessante pela salvação por meios de orações e doações de bens e dinheiro
à igreja, enquanto os papas e bispos habitavam no luxo tendo como preocupação
apenas os seus ganhos e descuidando-se das suas obrigações religiosas. No campo
econômico, a Igreja condenava as atividades burguesas afirmando que a prática
comercial desagradava a Deus. Atividades como o comércio, a procura de lucro e a
usura eram interpretadas como pecado, isso provocava ampla insatisfação na classe
burguesa, que se via prejudicada pela permanência de um pensamento tipicamente
feudal causado pelo posicionamento tomado pela igreja. No campo político, o poder
que antes concentrava-se na figura do papa em várias regiões da Europa, passa a ser

21
concentrado nas “mãos” do rei, originando violenta oposição à interferência
estrangeira, por conseguinte, ao papa. No campo cultural, podemos apontar, em
primeiro lugar, a centralidade ocupada pelo homem em suas preocupações, que se
difundiu pela Europa pondo em discussão várias crenças católicas; em segundo lugar,
temos a invenção da imprensa, por meio da qual difundiram-se conhecimentos e
hábitos de leitura, privilégio de uma minoria durante muito tempo. A difusão do saber
cooperou para que os indivíduos consentissem de aceitar passivamente a doutrina da
Igreja (CALDAS; 2018).
Todos os abusos feitos pelo clero eram malvistos pelos fiéis, que solicitavam a
aproximação entre o que era pregado e o que de fato era praticado, ou seja, era
imprescindível uma reforma da igreja:

As consequências da Reforma foram:

 O enfraquecimento político da Igreja Católica;


 Fortalecimento dos ideais burgueses;
 Ampliação do poder dos reis;
 Transmissão da instrução religiosa fundamentada no estudo da Bíblia;
 Origem de conflitos religiosos entre católicos e protestantes;
 A reação da Igreja Católica à Reforma originou um movimento
chamado de:

3.4 Contrarreforma

Como reação aos movimentos reformistas, que apresentaram como


decorrência, entre outras coisas, a redução do poderio do clero nas mais distintas
áreas, a Igreja Católica adotou uma série de medidas que ficaram conhecidas como
Contrarreforma. Dentre as medidas adotadas estavam: a convocação do Concílio de
Trento, a criação da Companhia de Jesus e o asseveramento das atividades no
Tribunal do Santo Ofício (Inquisição).

22
Figura 2 - Concílio de Trento

https://conhecimentocientifico.r7.com

Atenção!

O Concílio de Trento é uma reunião de todos os bispos da igreja, sob a direção do


papa, para definir assuntos relevantes da doutrina católica. No referido período, o
Concílio decidiu pela condenação da doutrina protestante, reafirmando a doutrina
católica; constituiu a necessidade de formação de sacerdotes em escolas especiais
(seminários); estabeleceu o Index, relação de livros proibidos e reafirmou o valor
das indulgências.

23
Figura 3 – Companhia de Jesus

https://ohistoriante.com.br

Atenção!

Seu criador foi Inácio de Loyola (1491-1556). Ele estruturou a Companhia em


moldes militares (por ter sido um militar espanhol), subordinando seus membros
(jesuítas) a uma rígida disciplina e obediência ao papa. Os jesuítas combatiam os
ideais protestantes e dedicavam-se à educação dos jovens e à conversão de
distintos povos ao Cristianismo.

24
Figura 4 – Tribunal do Santo Ofício (Inquisição)

http://cvc.instituto-camoes.pt/

3.5 Nicolau Maquiavel (1469-1527)

Pudemos analisar até aqui, a ruína – ou pelo menos o enfraquecimento – da


república cristã e o ato de nascer dos Estados Nacionais, repúblicas e senhorias, duas
formas de governo que, permitindo maior liberdade, preocupam-se mais com as
questões materiais do que espirituais dos seus cidadãos. Então, nessa conjuntura de
perda de autoridade política do papado, a atenção dos governantes volta-se para os
próprios súditos e para interesses limitados, não mais para Deus e para a Igreja como
na Idade Média (CALDAS; 2018).

25
https://moaciralencarjunior.wordpress.com

É justamente com a política que serão comprovadas as novas concepções de


homem e de mundo que compõem o espírito do Renascimento, e será na obra de
Nicolau Maquiavel que teremos sua representação mais fiel. Em sua obra O Príncipe,
o autor amplia uma teoria realista com a finalidade de implantar uma nova ordem
política – dominada pela liberdade moral e física – capaz de tornar os homens
melhores, derrubados de sua pequenez natural. Em Discurso sobre a primeira década
de Tito Lívio, outra relevante obra de Maquiavel, o autor mostra-se admirado e
admirado ao compreender tamanha inspiração ocasionada pelos antigos, seja no que
diz respeito às artes, costumes ou à política, ao passo que lamentava o fato de tais
atos admiráveis de virtudes e de dedicação à grandeza da pátria fossem “mais
friamente admirados do que imitados”. (MAQUIAVEL, 2007, p. 16). Maquiavel
assegura ver os homens servindo-se dos ensinos dos antigos em múltiplos segmentos
sociais, a exemplo das leis e da própria medicina, no entanto, quando se trata de
“ordenar a república, conservar o Estado, governar um reino, comandar exércitos e
administrar guerra” (MAQUIAVEL, 2007, p. 16), não se viu um só governante apoiar-
se no exemplo dos antigos. O filósofo florentino, entretanto, aponta uma possível
causa para o fenômeno relatado, em suas palavras:
26
A causa disto, na minha opinião, está menos na fraqueza do que a moderna
religião fez mergulhar o mundo, e nos vícios que levaram tantos Estados e
cidades da Cristandade a uma forma orgulhosa de preguiça, do que na
ignorância do espírito genuíno da história. Ignorância que nos impede de
aprender o sentido real, e de nutrir nosso espírito com a sua substância. O
resultado é que os que se dedicam a ler a história ficam limitados à satisfação
de ver desfilar os acontecimentos sob os olhos sem procurar imitá-los,
julgando tal imitação mais do que difícil, impossível. Como se o sol, o céu, os
homens, os elementos não fossem os mesmos de outrora; como se a sua
ordem, seu rumo e seu poder tivessem sido alterados. (MAQUIAVEL, 2007,
p. 18).

O fundamento do pensamento político de Maquiavel está no seu olhar


pessimista em relação à natureza humana, visão transmitida, em grande parte, de sua
análise pessoal. Ele afirma, fundamentando-se nos exemplos históricos e na tradição
política, que aqueles que preparam a forma de um Estado devem partir do
pressuposto “de que todos os homens são maus, estando dispostos a agir com
perversidade sempre que haja ocasião” (MAQUIAVEL, 2007, p. 29), pois se esta (a
maldade) não é compreendida de imediato deve-se a alguma causa desconhecida
que a experiência ainda não permitiu proclamar, mas que de maneira inevitável será
manifestada com o tempo.
A exemplo do que acontecera com a queda da monarquia romana, a
consequente expulsão do último rei de Roma, Lúcio Tarquínio Soberbo, e a fundação
da República Romana, Maquiavel explana como os nobres encobriram-se de
falsidade para forjar uma proximidade amistosa com a população mais modesta
enquanto ainda não desfrutavam de plena liberdade. Assim que os Tarquínios
morrem, os nobres perderam o medo e derramaram sobre o povo todo o veneno que
preservavam em seus corações, agredindo com todas as vexações possíveis. Com
isso, o autor reitera sua compreensão acerca da perversidade natural do homem:

Os homens só fazem o bem quando é necessário; quando cada um tem a


liberdade de agir com abandono e licença, a confusão e a desordem não
tardam a se manifestar por toda parte. Por isto se diz que a fome e a miséria
despertam a operosidade, e que as leis tornam os homens bons. Quando
uma causa qualquer produz boas consequências sem a interveniência da lei,
esta é inútil; mas quando tal disposição propícia não existe, a lei é
indispensável. (MAQUIAVEL, 2007, p. 29).

27
Segundo Maquiavel, o remédio mais eficaz contra a corrupção humana é o
Estado, pois apenas este permite a cumprimento de todas as demais medidas
possíveis. É importante observarmos que, mesmo partindo de uma visão pessimista
sobre a natureza humana, o autor pondera a probabilidade de melhoramento político.
Podemos indagar, contudo, como seria possível tal melhoramento? Por meio da firme
disciplina, pela educação, pelas leis e pelos bons costumes, pois são estas ações que
separam o homem de sua crueldade natural, tornando-os aptos ao convívio ordenado.
Battista Mondin, em seus escritos sobre os filósofos da renascença, corrobora
a compreensão de Estado exibida pelo autor florentino:

Deve-se entender por Estado, antes de tudo, não tanto como organismo ético
quanto como força, como poder de mando e de coerção, como vontade
dominadora que se impõe mais pelo amor do que pelo amor, sem ou quase
sem consideração pelos valores de ordem superior, graças aos quais o poder
político se justifica. Os Estados são criados, todavia, pela “virtude” de poucos
homens superiores, virtude que é, ao mesmo tempo, sabedoria capaz de
conceber uma ordem política e firme vontade de execução que, empregando
qualquer meio, sabe traduzir esta ordem em formas concretas, em
instituições úteis e vitais. Esta virtude se comunica aos cidadãos ou aos
súditos quando eles se tornam cônscios dos seus deveres de membros de
uma sociedade civil bem organizada. (MONDIN, 1982, p. 10).

Como descrevemos inicialmente, Maquiavel inaugura uma maneira de pensar,


que marca determinantemente a política mundial ao romper com o idealismo da
tradição, inserindo a concepção política realista:

[...] pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos


e não à imaginação dos mesmos, pois muitos conceberam repúblicas e
principados jamais vistos ou conhecidos como tendo realmente existido. Em
verdade, há tanta diferença entre como se vive e como se deveria viver, que
aquele que abandone o que faz por aquilo que deveria fazer aprenderá antes
o caminho de sua ruína do que o de sua preservação. (MAQUIAVEL, 2009,
p.123-124).

Segundo ele, a política não deve ajustar-se na moralidade, – pois, assim como
os idealistas políticos sugerem, a concepção de um bom governante seria aquela que
admite virtudes cristãs e que as insere no exercício do poder político – mas deve ser

28
autônoma, porque localiza em si a própria justificação ao garantir uma existência
ordenada aos súditos. Isso não significa que o chefe político (o príncipe) deva ser
imoral ou indiferente ao bem e ao mal, mas às vezes o que para um indivíduo é ruim,
torna-se necessário ao Estado, precisando ser feito mesmo a duras penas.
Com a tomada de conhecimento da teoria política maquiaveliana, o
pensamento político europeu inicia um processo de mudança da antiga ideia do direito
natural, pois o escritor florentino demonstra que a convivência em comunidades justas
não faz parte da realidade social dos homens, pelo oposto, os homens habitam em
sociedades desconexas onde “o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos
poderosos, e estes desejam governar e oprimir o povo”. (MAQUIAVEL, 2009, p. 83-
84). Ao mesmo tempo, Maquiavel mostra também que o Estado não surge da razão,
nem do sentimento natural de justiça, nem de um decreto divino, mas da lógica de
forças e conflitos que governam a vida social. Dito de outra forma, surge
independentemente de qualquer sistema ético ou religioso.

3.6 Michel de Montaigne (1533-1592)

Ao pensarmos o Renascimento como momento de profundas e decisivas


modificações, é indispensável que tenhamos consciência que a necessidade de
mudanças é sempre gerada num momento de crise, e era justamente esse o cenário
que se tinha entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. O resultado
desse estado de transição, crise e indefinição, de acordo com vários historiadores, foi
o chamado ceticismo filosófico, cujos maiores expoentes teriam sido Montaigne e
Erasmo.
Nesse ambiente, Montaigne, representante do Renascimento francês que
inventou o gênero literário chamado ensaio, procura uma sabedoria capaz de
promover a arte de viver bem para o ser humano, para isso, ele elabora a partir do
Ceticismo, Estoicismo e Epicurismo sua própria concepção de sabedoria. Por sua
influência cética (pirrônica), várias vezes faz suspensão de juízo em sua obra em
relação à verdade. Em sua obra Ensaios (Essais), Montaigne difunde uma advertência
ao leitor informando ser aquela uma obra auto analítica, cujo foco de investigação era

29
ele próprio, isso porque o autor jazia radicado numa experiência pessoal e social muito
forte.

https://www.pensador.com/

Montaigne apresenta um pensamento organizado numa perspectiva contrária


ao ideal humanístico: da dignidade humana e confiança nas capacidades criativas e
intelectuais do homem; o homem para Montaigne pode pouco, pois sua racionalidade
não consegue obter a essência das coisas. O saber é concebido como um processo
parcial que acontece dentro do curso universal e, deste modo, sujeito às leis que
dirigem o cosmos. Nessa medida, o homem se exibe como nada mais que um pedaço
do universo, onde se há de questionar: como é possível que as leis reguladoras
universais sejam provenientes desse fragmento? O autor responde a isso de maneira
negativa e original. Segundo Montaigne, o homem não é um ser privilegiado como
acreditavam os medievais, ao crerem que Deus revela ao homem a verdade sobre a
natureza, para ele, era demasiado pretenciosa a crença na capacidade do homem
avaliar a totalidade da qual faz parte. Para ele, o homem sabe bem pouco sobre si
mesmo (CALDAS; 2018).

30
A grosso modo, podemos afirmar que, para Montaigne, o mundo é marcado
pela diversidade e perante a diversidade não cabe juízo de valor, mas juízo de fato. O
importante é reconhecer a multiplicidade que compõe a universalidade,
reconhecimento esse característico do Ceticismo renascentista. Se existe
multiplicidade de pensamentos, todos são do mesmo modo legítimos, uma vez que,
para cada argumento formado existe outro igualmente válido. A postura cética
adotada pelo filósofo francês, assim sendo, é marcada pela suspensão de juízo, que
significa não nomear entre quem está certo e quem está errado. No período em que
escolhe pela suspensão de juízo alcança-se a imperturbabilidade da alma e ausência
de inquietações (ataraxia), entre os céticos deve-se praticar a ataraxia, porque não se
conhece a natureza daquilo que se deseja ou se teme.

3.7 Filosofar é aprender a morrer

Uma das mais difundidas ideias apresentadas por Montaigne é a de que,


retomando Cícero: “filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte”.
(MONTAIGNE, 2010, p. 50). A meditação sobre a morte é a temática do primeiro
ensaio, ofertando a essa parte um caráter – em alguma medida – pessimista. Contudo,
no terceiro ensaio, é possível analisar otimismo – do mesmo modo, em alguma medida
– quando exibe-se um aprendizado sobre o “bem viver”. A referida temática é
oferecida na célebre passagem que se segue:

Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. É
assim porque, de certo modo, o estudo e a contemplação retiram nossa alma
de nós e a ocupam separada do corpo, o que constitui certo aprendizado da
morte e tem semelhança com ela; ou então, é porque toda a sabedoria e a
razão do mundo se concentram, afinal, nesse ponto de nos ensinar a não ter
medo de morrer. Na verdade, ou a razão está escarnecendo de nós ou seu
objetivo deve ser apenas o nosso contentamento, e todo o seu trabalho deve
tender, em suma, a fazer-nos viver bem e a nosso gosto, como dizem as
Sagradas Escrituras. (MONTAIGNE, 2010, p. 50).

Refletir sobre a morte é a melhor maneira, afinal, de localizar a fonte da vida.


Ao avaliar o tema da morte, Montaigne alerta para o fato de que muitos apavoram-se
ao pensar na morte e recebem como remédio para a ansiedade que os destrói, não
31
pensar nela, assim, o autor interroga: “Mas de que estupidez brutal pode vir cegueira
tão grosseira? ”. (MONTAIGNE, 2010, p. 54). Atrelar à morte tamanho pavor e
desprezo, confere vantagem a esta em relação à própria vida. Nesse sentido:

[...] para começar a tirar-lhe sua grande vantagem sobre nós, tomemos um
caminho totalmente oposto ao comum. Tiremos-lhe a estranheza,
frequentemola, acostumemo-nos com ela, não tenhamos nada de tão
presente na cabeça como a morte: a todo instante a representemos em nossa
imaginação e em todos os aspectos. (MONTAIGNE, 2010, p. 58).

Dessa forma, Montaigne aconselha: “considera como teu último dia aquele que
brilha para ti” (MONTAIGNE, 2010, p. 58), pois na medida em que vivemos cada dia
como o único (ou o último), todos os outros que vierem serão tomados como graça.
Se não sabemos como, quando ou onde seremos descobertos pela morte, precisamos
contar que ela possa aparecer em toda parte. Por não ser capaz de expressar de
maneira mais clara e significativa o ensinamento montaigniano, vejamos o que ele
garante sobre aprender a morrer: “quem aprendeu a morrer desaprendeu a se
subjugar. Não há nenhum mal na vida para aquele que bem compreendeu que a
privação da vida não é um mal. Saber morrer liberta-nos de toda sujeição e
imposição”. (MONTAIGNE, 2010, p. 58). Com isso, quer dizer que ao habituar-nos
com a morte afastamos dela o componente mais poderoso contra nós, que é o fato de
considerá-la como inimiga. Portanto: “Meditar previamente sobre a morte é meditar
previamente sobre a liberdade”. (MONTAIGNE, 2010, p. 58). De nada adianta
passarmos a vida inteira tentando evitar o inevitável, compreender isso é libertar-se
de apreensões e privações vãs e inúteis. Não são os acasos e perigos que nos
aproximam da morte, do mesmo modo que o vigor ou mesmo a segurança do nosso
lar não nos separa dela. A morte é um processo pelo qual passaremos e não existe
nada que possamos fazer para evadir isto, assim sendo, precisamos lembrar sempre
o que Montaigne nos ensina “tudo o que pode ser feito um outro dia pode ser feito
hoje”. (MONTAIGNE, 2010, p. 60).

32
Saiba mais!

A principal obra deixada por Montaigne foi Ensaios (Essais). Ela é composta por
três livros, tendo sido a primeira edição (contendo os livros I e II) publicada em 1580;
em seguida, em junho de 1588 é publicada uma nova edição com o livro III; mesmo
tendo completado os três livros, Montaigne continuou trabalhando para o
enriquecimento da obra até o ano de sua morte em 1592; por fim, em 1595, é
lançada postumamente a versão final dos Ensaios.

3.8 Revolução Científica

Ao discorrermos em Revolução Científica, o primeiro ponto a ser elucidado é o


pioneirismo no uso deste termo, pois esta expressão passou a ser empregada a partir
de 1939, quando Alexandre Koyré, historiador francês, o cunhou para designar o
momento de mudanças intelectuais radicais. Dentre tais mudanças intelectuais
podemos citar o nascimento da ciência moderna como a principal delas, ciência sobre
a qual se debruça toda a modernidade.
Conforme vimos no início desta Unidade, o Renascimento (período de transição
entre a Idade Média e a Idade Moderna, propriamente dita) trouxe modificações
radicais no que tange à relação do homem com o conhecimento da realidade, das
coisas e do próprio homem, tais modificações, como não poderia deixar de ser,
intervieram de forma profunda na produção dessa nova compreensão de ciência.
Podemos elencar, de forma inicial, aspectos característicos da ciência moderna no
período do seu surgimento:
 O afastamento de objetivos transcendentais em detrimento do foco em
objetivos imanentes;
 A substituição do objetivismo dos antigos e medievais pelo subjetivismo
dos modernos;
 O desejo moderno pela dominação e subjugação se sobrepõe à relação
de contemplação da natureza e do ser, característica dos antigos e medievais.

33
O progresso científico, que estabelece uma das maiores glórias da Idade
Moderna, percorreu sempre ao lado do estudo do método mais apropriado. Deste
tema ocuparam-se Galileu Galilei, Descartes, Spinoza, Pascal, Vico, Hume, Leibniz e
Kant, assemelhando-se em alguns pontos e diferindo-se em outros. Para o
desenvolvimento da ciência é preciso, além de um bom método, também um critério
seguro de verdade.
A ciência ativa moderna rompe com a separação antiga entre a ciência
(episteme), o conhecimento teórico, a técnica (téchne) e o saber aplicado, agregando
ciência e técnica, fazendo com que problemas práticos no campo da técnica levem ao
desenvolvimento científico, bem como com que hipóteses teóricas sejam testadas na
prática, a partir de sua aplicação na técnica (CALDAS; 2018).

4 O PROBLEMA DO CONHECIMENTO

A modernidade, como foi visto, é um momento que se exibe de modo muito


complexo. Seu nascimento é caracterizado pela procura de uma ruptura com a
tradição, especialmente no que tange à compreensão da racionalidade, além de ser
um momento de profundas modificações históricas. Essas mudanças têm sua raiz na
valorização da razão, aspecto primordial desse período em função do
antropocentrismo. Desse modo, sendo a razão componente comum a todos os seres
humanos, torna-se o fundamento a partir do qual o mundo deve ser compreendido e
organizado.
A Filosofia preocupa-se com as questões do conhecer capazes de produzir a
nova ciência, ou seja, recursos que pudessem proporcionar a passagem da
especulação metafísica para os esclarecimentos experimentais.
De forma geral, podemos dizer que o problema do conhecimento se desenvolve
ao longo de três fases bem demarcadas em relação às suas preocupações, mas
interligadas entre si, são elas:
1) Teoria do Conhecimento, que estuda a natureza do saber de forma geral;
2) Epistemologia, que estuda a natureza a base do conhecimento científico;
3) Metodologia Científica, que trata dos processos lógicos de obtenção do
conhecimento científico.

34
Nesta Unidade, nos ateremos à Teoria do Conhecimento, exibiremos as
principais correntes filosóficas que se ocuparam de investigações que têm por objetivo
responder a questões como o “que é o conhecimento?”, “qual a probabilidade de obter
o conhecimento?”, “qual o fundamento do conhecimento?”, além de investigar as suas
origens e seu valor. As correntes estudadas serão: Racionalismo, Empirismo e
Ceticismo.

4.1 Racionalismo

O pensamento moderno tem como marca característica a preocupação com o


homem, sua capacidade de conhecer o mundo e transformá-lo. Isto é, procura-se pôr
o valor do conhecimento humano e descobrir um método (ou percorrer uma
metodologia) capaz de bem guiar o pensamento, ou melhor, um método apropriado
para proceder na investigação filosófica. René Descartes, estimado pai do
Racionalismo, pondera que o único conhecimento válido é aquele que está inato na
alma, assim sendo, que não provém dos sentidos. O pensamento racional parte do
universal e necessário, tornando possível o saber da natureza verdadeira e imutável
das coisas. Nas palavras de Mondin (1995, p. 200-201), “o homem atinge a perfeita
felicidade fazendo triunfar o poder da razão sobre os instintos e as paixões, e
dedicando-se à contemplação amorosa de Deus (amor intellectualis Dei, segundo a
bela expressão de Spinoza)”.
Racionalismo vem do latim Ratio, que significa razão ou entrosamento. Nesse
fluxo de pensamento avalia-se a razão como a fonte de todos os saberes e estes, por
sua vez, podem ser: universalmente válidos (intuição) ou contingentes (sentidos e
experiências). Os racionalistas esperavam na existência de um mundo
intrinsecamente verdadeiro e capaz de ser intuído pela inteligência humana.
Dessa forma, o conhecimento verdadeiro seria oriundo de processos racionais,
da intuição pura e abstrata. O conhecimento originário das experiências, de acordo
com os racionalistas, não pode ser considerado verdadeiro, pois sofre as mudanças
dos fenômenos e se transforma com as alterações deles. Os principais representantes

35
dessa corrente de pensamento são: Descartes, Spinoza e Leibniz, cujos sistemas
conheceremos a seguir.

Saiba mais

A abstração, incide num processo intelectual por meio do qual um objeto só pode
ser entendido quando isolado de fatores unidos à realidade. Referente ao fluxo
racionalista, trata-se da aquisição de um saber em relação às experiências, isto é,
alcançado sem a interferência da experiência.

René Descartes (1596 – 1650)

René Descartes é um relevante pensador moderno, chegando a ser


considerado iniciador da Filosofia Moderna. De acordo com Jacqueline Russ (2015,
p. 134). “o homem [...] está em condições de conquistar por si mesmo, pelas próprias
forças e por um bom uso da razão, o que é verdadeiro: ao recorrer à dúvida metódica
e ao conservar à distância a autoridade, Descartes estabelece o racionalismo
moderno”. Conheceremos um pouco sobre seu desempenho no pensamento
moderno, especialmente no que tange às questões referentes ao saber, seu valor e
sua contribuição, e estudaremos o projeto filosófico cartesiano nos atendo aos
seguintes pontos: o método e a metafísica (cogito).

4.2 O projeto filosófico cartesiano

Descartes, em seu projeto filosófico, constitui a razão como uma bússola


fundamental do homem. Todos os traços característicos do pensamento moderno que
vimos aparecer no decorrer do Renascimento, encontram-se solidificados na
elaboração do pensamento cartesiano, na medida em que delineia-se a autonomia da
filosofia em relação à teologia; o direcionamento do pensamento seguindo de forma
prioritária a via do conhecimento (gnosiológica), conservando a metafísica em
segundo plano – não quero dizer com isso que exista algum desinteresse pela

36
metafísica, mas que têm prioridade em resolver o problema do saber; por fim, a
preocupação com o método (CALDAS; 2018).
Em todas as obras que compõem o seu sistema filosófico, fica evidente a
preocupação de Descartes em saber se existe um método capaz de evitar o erro. Para
isso, o autor partia de questões como: é possível estabelecer proposições que sejam
categoricamente verdadeiras? Quando é possível dizer que uma afirmação é
verdadeira? Há algo do qual não podemos duvidar? Como ocorre o processo de
raciocinar? Como se deve proceder para obter o saber científico?
Nas Meditações sobre a filosofia primeira ou Meditações metafísicas (1641),
dá-se conta de que vários dos ensinamentos que há muito lhe foram advindos eram
falsos, é justamente a partir daí que Descartes começa sua procura pelo saber
verdadeiro. O autor interrogava se era possível avaliar todas as nossas crenças,
apartando aquelas que nos fazem incidir em erros. A solução descoberta foi assumir
um posicionamento cético, com a finalidade de que pudesse localizar algo do qual não
se pudesse duvidar, mas como é possível descobrir o que é indubitável?

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37
Em sua obra Princípios da Filosofia (1644), Descartes garante ter em nós
liberdade suficiente para que, no exercício correto da razão, fujamos de ser ludibriados
e, por conseguinte, nos aproximemos e/ou alcancemos o saber verdadeiro. Diz ele:

[...] mesmo no caso de ser, aquele que nos criou, todo-poderoso, e ainda que
sentisse prazer em nos iludir, não deixamos por essa razão de sentir em nós
uma liberdade tal que, sempre que nos seja agradável, possamos evitar
receber, em nossa convicção, as coisas que não conhecemos bem, e desse
modo evitar de nunca sermos enganados. (DESCARTES, 2010, p. 71).

4.3 O Método

Descartes, na primeira parte do Discurso do Método (1637), faz considerações


acerca das ciências, o autor parte da seguinte questão: se o bom senso e a
racionalidade são naturais ao homem, sendo divididas por todos, o que esclarece a
probabilidade e a ocorrência do erro, do engano e da falsidade? O autor ainda expõe
que:

O bom senso é a coisa melhor dividida no mundo, pois cada um se julga tão
bem dotado dele que ainda os mais difíceis de serem satisfeitos em outras
coisas não costumam querê-lo mais do que têm. E, a esse propósito, não é
verossímil que todos se enganem. Isso prova, pelo contrário, que o poder de
bem aquilatar e diferenciar o verdadeiro do falso, quer dizer, o chamado bom
senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens e assim, que
multiplicidade de nossas opiniões não deriva do fato de uns serem mais
razoáveis do que outros, porém somente do fato de encaminharmos nossos
pensamentos por diversos caminhos e não levarmos em conta as mesmas
coisas. Não é suficiente ter o espírito bom, o essencial é bem aplicá-lo. As
maiores almas são capazes dos maiores vícios como das maiores virtudes e
os que caminham muito vagarosamente podem adiantar muito mais, se
prosseguirem sempre em seu caminho reto, do que os que correm e dele se
afastam. (DESCARTES, 2010, p. 9).

Como provável resposta ao autor, pronunciamos que o erro resulta na realidade


do mau uso da razão, de seu aproveitamento incorreto em nosso conhecimento do
mundo.
No momento em que Descartes amplia seus escritos, existem dois métodos
possíveis: indutivo e dedutivo. O primeiro, parte da experiência, enquanto que o

38
segundo, parte de princípios universais. É justamente do método dedutivo que
Descartes irá se ocupar.

Atenção

Finalidade do método: Pôr a razão no bom caminho evitando assim o erro.

Etimologicamente, a palavra “método” tem sua raiz no Grego, Methodos,


composta de meta (por meio de, através de) e de hodos (caminho, via). Geralmente é
usada para referir-se a um certo caminho que consente chegar a um fim.
Na conjuntura ao qual estamos nos referindo, método incide num procedimento
que tende a garantir o sucesso de uma tentativa de conhecimento, da elaboração de
uma teoria científica. Constitui-se de regras e princípios que são os caminhos desse
procedimento. Apesar de Descartes não dê nome a essas regras, seus estudiosos as
denominaram da seguinte maneira: evidência (ou intuição), análise, síntese e
enumeração, respectivamente.
Descartes no Discurso do método, descreve sua procura solitária – “e, como
não tivesse, além do mais, felizmente, preocupação alguma ou paixão que me
perturbassem, passei o dia só” (DESCARTES, 2010, p.15) – por respostas às
questões divulgadas no início deste item (é possível formular proposições que sejam
absolutamente verdadeiras? Quando é possível dizer que uma afirmação é
verdadeira? Existe algo do qual não podemos duvidar? Como se produz o processo
de raciocinar? Como se precisa proceder para obter o saber científico?), ele seleciona
pela procura solitária, por considerar que “as construções que apenas um arquiteto
empreendeu e levou ao fim costumam ser mais belas e melhor localizadas do que
aquelas que muitos tentaram restaurar usando velhas paredes edificadas para outras
finalidades”. (DESCARTES, 2010, p. 17).
Em seguida, avaliando as dificuldades de empreender uma procura por
caminhos obscuros e nunca percorridos, Descartes explica que escolhe por caminhar
pausadamente, mesmo que isso procrastine sua chegada ao destino desejado
(entenda por destino pretendido o alcance do verdadeiro método para chegar ao saber
de todas as coisas de que seu espírito fosse capaz), pois assim “evita pelo menos
cair”. O autor assegura não ter, pelo menos primeiramente, renunciado

39
completamente nenhuma das ideias que nasceram em sua mente, sem que sua razão
as tivesse investigado. No excerto abaixo, Descartes apresenta as regras do método:

E como o excesso de leis dá desculpas, muitas vezes, aos vícios, de forma


que um Estado é muito melhor regido quando, possuindo apenas muito
poucas, elas são rigorosamente observadas, acreditei, por isso, que, em vez
dos inúmeros preceitos de que a lógica se compõe, ser-me-iam suficientes
os quatro seguintes, logo que tomasse a firme e constante resolução de não
deixar de observá-los nenhuma vez. O primeiro consistia em jamais aceitar
como verdadeira coisa alguma que eu não conhecesse à evidência como tal,
quer dizer, em evitar, cuidadosamente, a precipitação e a prevenção,
incluindo apenas nos meus juízos o que se apresentasse ao espírito de modo
tão claro e distinto que não subsistisse dúvida alguma. O segundo consistia
em dividir cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto possível
e necessário para melhor resolvê-las. O terceiro, pôr ordem em meus
pensamentos, começando pelos assuntos mais simples e mais fáceis de
serem conhecidos, para atingir paulatinamente, gradativamente, o
conhecimento dos mais complexos e, supondo ainda uma ordem entre os que
não se precedem normalmente uns aos outros. E o último, fazer, em cada
caso, enumerações tão exatas e revisões tão gerais que estivesse certo de
não ter esquecido nada.

Essas extensas cadeias de razões simples e fáceis, das quais os geômetras


costumam servir-se para alcançar as suas mais complexas demonstrações, deram a
oportunidade de imaginar que todas as coisas que podem cair sob o conhecimento
dos homens, seguem-se umas às outras da mesma forma e que, contanto apenas
que se impeça tomar por verdadeira alguma que não o seja e que se respeite sempre
a ordem estabelecida para deduzir umas das outras, não pode haver nenhuma tão
distante que por fim não se alcance nem tão oculta que não se descubra.

Método indutivo: aquele segundo o qual uma lei geral é constituída a partir da
observação e repetição de regularidades em casos particulares. Embora o método
indutivo não admita o estabelecimento da verdade da conclusão em caráter
definitivo, fornece, no entanto, razões para a sua aceitação, que se tornam mais
seguras quanto maior o número de observações realizadas. A indução é assim
essencialmente probabilística. Este método se torna relevante na ciência
experimental, especialmente a partir de sua defesa por Francis Bacon, sendo
posteriormente sistematizado por J. Stuart Mill. (Cf. Dicionário básico de filosofia,
Hilton Japiassú e Danilo Marcondes).
Método dedutivo: entende-se por esse termo aquele método que consiste em
buscar a confirmação de uma hipótese por meio da verificação das consequências
40
previsíveis da própria hipótese. Reichenbach mostrou o caráter complicado desse
método e a sua irredutibilidade à verdadeira e própria dedução. Admitir que existe
uma relação dedutiva entre a hipótese e os dados analisados, significaria admitir
que a implicação A/B nos autorize a considerar a como provável quando b é dado
[...]. (Cf. Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano).

4.4 O cogito, fundamento da filosofia cartesiana

Dadas as regras das quais se deveria empreender a caminhada em procura do


saber verdadeiro, e tomadas como critério de verdade a clareza e a distinção,
Descartes enxerga na dúvida metódica um momento preliminar do conhecimento. O
a sua finalidade, com isso, não é evidenciar a impossibilidade de qualquer afirmação,
mas remover todos os preconceitos que impedem o correto desenvolvimento do
raciocínio. É relevante, termos em mente, no entanto, que apesar de Descartes se
usufrua de um posicionamento cético, a dúvida empreendida por ele não é absoluta
como nos céticos pirrônicos, que previam a suspensão de todos os juízos num
movimento denominado epoché (CALDAS; 2018).
A preocupação de Descartes, é antes com as questões referentes ao valor do
conhecimento do que propriamente com os estudos das coisas particulares. Desta
forma, o filósofo procura localizar um embasamento garantido para o saber (e nesse
caso precisa considerar a procura pelo saber científico), por meio da refutação do
Ceticismo. Para isso, amplia o chamado “argumento do cogito” cuja principal
conclusão é entendida a partir da célebre expressão filosófica “Cogito, ergo sum”.
Assim, podemos nos interrogar, se o objetivo fundamental do argumento do
cogito é proporcionar um embasamento seguro para o conhecimento por meio da
refutação do Ceticismo, qual a intensão de Descartes ao adquirir um posicionamento
cético? A intensão de Descartes é refutar o Ceticismo a partir de seus próprios apoios,
isto é, adotando um posicionamento cético e exibindo ao crivo do Ceticismo todo seu
saber, de tal modo seria possível localizar uma certeza imune às dúvidas céticas.
Deparando a certeza “absoluta” e usando um método seguro, é possível restituir o
conhecimento em fundamentos sólidos (seguros). Vejamos como Descartes procede
nessa procura.

41
Fazendo uma analogia da nossa mente com um cesto contendo determinadas
maçãs podres e outras em perfeito estado, o filósofo francês argumenta que:
igualmente em nossa mente existe determinados saberes não cofiáveis e que apenas
poderemos apontar estes dos realmente seguros por meio do exame minucioso de
cada um desses saberes. Nas Meditações Metafísicas (1641), os argumentos são
aplicados em graus de intensidade cética crescentes, da maneira como veremos a
seguir:
• Argumento contra a ilusão dos sentidos: os sentidos várias vezes nos
enganam;
• Argumento dos sonhos: tudo o que experimentamos acordados, podemos
experimentar dormindo, em sonhos não temos nenhum critério para distinguir um
estado do outro;
• Argumento do “gênio maligno”: poderia ocorrer que determinado espírito
maligno, algum demônio, nos confundisse, fazendo-nos, por exemplo, crer que 2+3=6
e não 5.
Podemos analisar a dúvida sendo empregada como método de comprovação
de validade das certezas avaliadas. Diante da apresentação dos argumentos citados
acima, nos encaminhamos para a primeira certeza: até para que tenha um Deus
enganador (“dúvida hiperbólica”), que me ludibrie acerca de tudo que eu creio
conhecer, é preciso que eu exista. Marcondes (2010, p.172), referindo-se ao
argumento do cogito, profere: “chegamos assim à primeira certeza, à verdade precisa
do cogito. Se até mesmo para duvidar é preciso pensar, a existência do pensamento,
do ser pensante, não está sujeita à dúvida: é mais básica, mais originária do que está,
é um pressuposto dela”.

Saiba mais

O vocábulo “cogito” é usado de maneira primordial com Descartes, e por isso


merece uma maior explicação acerca do que, de fato, significa esse termo no projeto
filosófico cartesiano. Battista Mondin se fixa de forma breve à discussão atribuindo
significado ao cogito no acesso que se segue:

42
A propósito do cogito, é preciso notar que não se trata de uma demonstração,
mas sim de uma intuição. O logo (ergo) não tem valor de consequência, mas
é simplesmente pleonástico. Se o cogito fosse a conclusão de uma
demonstração, ou seja, um entimema, então seria preciso subentender uma
premissa universal (por exemplo: em toda parte conhecimento é existência)
e não seria, portanto, mais possível considerar o Cogito como a primeira
verdade metafísica. Quanto à existência provada pelo cogito não se pode
tratar senão da existência do pensamento, da realidade pensante (res
cogitans), e não da realidade distinta dos pensamentos. (MONDIN, 1995, p.
272).

Spinoza é outro relevante representante do Racionalismo moderno. Por meio


de uma ordem matemática e geométrica, o filósofo holandês fala do tema Deus,
enquanto substância única e infinita da qual deriva toda a realidade, a partir da tese
do monismo substancial e opondo-se ao dualismo cartesiano. O autor ocasiona ainda
no seio de sua principal obra (Ética) o tema da liberdade, que se torna provável pelo
saber. O cerne da problemática do saber depara-se na maior obra de Spinoza: A Ética
demonstrada à maneira dos geômetras (publicada postumamente), composta por
definições, axiomas, proposições, revelações, escólios e, em determinados casos,
corolários e lemas. A obra está dividida em cinco partes: De Deus; A natureza e a
origem da mente; A origem e natureza dos afetos; A servidão humana e a força dos
afetos; A potência do intelecto ou a liberdade humana, respectivamente.

4.5 Método geométrico

A argumentação filosófica identifica-se de distintas maneiras ao decorrer da


História da Filosofia. Gêneros como a poesia, o diálogo, o tratado, o ensaio, o
aforismo, o romance literário, o conto, e ao mesmo tempo o método geométrico se
mostram presentes ao decorre-se de seu curso. O método geométrico está presente
como forma de exposição ao longo de toda História da Filosofia, sendo encontrado
algumas vezes de forma plena, usando todos os elementos do método, e outras
somente parcialmente.

Benedictus de Spinoza

43
O more geométrico adquire grande importância no século XVI e começo do
século XVII com o desmoronamento do sistema medieval, o que deu início a uma
intensa procura por um método para obter o saber verdadeiro e indubitável. Dois
autores podem ser destacados como os principais filósofos a empregarem o método
geométrico, são eles: René Descartes e Benedictus de Spinoza. Embora ambos
façam uso do mesmo método, a maneira como este é aplicado por cada um é
distinguida. Descartes faz utilização do método geométrico analítico, enquanto
Spinoza aproveita o método geométrico sintético. Mas em que versa, prioritariamente,
a justificativa para opção do método geométrico adotando vertentes diferenciadas
pelos autores supracitados? (CALDAS; 2018).

http://benedictusdespinoza.pro.br

As principais características da filosofia de Descartes que justificam o emprego


do método geométrico analítico são: a transcendência, o dualismo substancial e o
entendimento finito. A análise versa na procura da verdade, que parte do saber dos
afeitos para se chegar ao conhecimento dos motivos (inicia-se sempre por aquilo que
é mais conhecido, para chegar àquilo que é menos conhecido).
44
Spinoza, conquanto tenha sido influenciado pela teoria filosófica cartesiana,
pode ser dito contraditor das principais teses desenvolvidas por Descartes. Em vez de
transcendência, Spinoza amplia a tese da imanência, enquanto Descartes falava em
dualismo substancial, o autor holandês amplia sua tese acerca do monismo
substancial, além de admitir a probabilidade de um entendimento infinito, ao passo
que Descartes amparava a tese de conhecimento finito. Todas as considerações
preparadas por Spinoza amparam e/ou justificam o uso do método geométrico
sintético, que consiste em partir do saber da causa para se chegar ao conhecimento
dos efeitos (começa pelas coisas mais gerais e simples, para chegar às coisas menos
gerais e mais complexas).
A explicação para o emprego do método geométrico por Spinoza, vai além das
características já mencionadas, pois o método geométrico não é somente produto de
uma tendência presente no mundo no século XVII ou simples imitação de seus
precursores. É preciso procurar esclarecimento e justificativa para a aplicação do
more geométrico, já que os aspectos mencionados anteriormente não a elucidam de
forma completa. O possível esclarecimento para tal questão pode ser avaliada tanto
por um aspecto extrínseco, quanto por um aspecto intrínseco ao sistema, como nos
diz Fragoso:

A resposta a esta pergunta, ou esta outra explicação para a utilização do


método geométrico, pode ser considerada sob dois aspectos distintos: no
primeiro método geométrico, enquanto extrínseco ao sistema, foi utilizado por
Spinoza apenas como um simples recurso literário; no segundo, enquanto
intrínseco ao próprio sistema, o método geométrico foi empregado por
Spinoza por ser uma necessidade interna do próprio sistema [...].
(FRAGOSO, 2011, p. 117 – 118).

O caráter extrínseco, atribuído à opção de Spinoza, versa numa simples


alternativa por um recurso literário determinado por razões pedagógicas e, por ser de
caráter extrínseco ao sistema, não está ligada com sua filosofia. Wolfson, citado por
Fragoso (2011, p. 121), destaca que “Se não há nenhuma ligação lógica entre a
substância da filosofia de Spinoza e a forma na qual ela está redigida, sua escolha da
forma geométrica euclidiana deve ser explicada sob outra base”. Essa outra base
seria composta por três razões principais, são elas: a primeira razão, pedagógica, a
segunda, uma reação contra as novas formas literárias importadas, e a terceira razão
teria sido impedir discussão com os adversários.

45
No que diz respeito ao caráter intrínseco, o método é exibido como necessidade
do sistema. O método, nesse aspecto, se ofereceria de maneira essencial e precisa
para o desenvolvimento do pensamento filosófico. Spinoza usa o método geométrico
sintético para diferenciar-se do analítico oferecido por Descartes, método esse que é
recusado por fazer o movimento contrário ao pensamento de Spinoza, ou seja, em
vez de partir de uma ideia verdadeira dada, ele ambiciona chegar a ela. Gueroult,
citado por Fragoso (2011, p. 128) destaca que “[...] não se trata de uma disposição
exterior das demonstrações da doutrina, mas da demonstração mesma pela qual ela
se engendra de dentro, a partir de uma ideia verdadeira dada [...]”.
O método geométrico é na verdade um componente imanente ao cerne do
projeto da Ética. Existia uma espécie de apoio, de uma visão comum que admira o
método geométrico como o mais eficiente método pedagógico para apresentação de
argumentos racionais, além de seu formato ser menos propenso a gerar polêmicas.
Spinoza opta pelo método sintético euclidiano, em detrimento do método analítico
ultimamente desenvolvido e difundido por René Descartes. De tal modo, Spinoza
assume uma visão distinto da imagem dominante entre seus contemporâneos.
Spinoza adota, em seu método, a arquitetura metodológica dos antigos
geômetras. Sintético, o método geométrico euclidiano compõe-se num peregrinar em
que o lugar onde postulamos chegar é o lugar em que já nos deparamos. Com o
método geométrico não separamos, nem são exibidas coisas que não estavam de
determinada maneira previstas nas definições e nos axiomas iniciais. A elaboração
das proposições tende sempre o retorno à ideia inicial, e esse retorno deve vir
acrescido de uma consciência real de seu significado.

4.6 Empirismo

O Empirismo compõe-se, assim como o Racionalismo, a partir do século XVI


como uma das principais correntes que cooperam para a formação do pensamento
moderno, as duas, debruçam-se sobre o problema do conhecimento. No entanto,
apesar de ter sido apelidadas dessa maneira pelos historiadores da Filosofia, os

46
termos Empirismo e Racionalismo, não foram usados pelos filósofos dessas
correntes.
A corrente de pensamento empirista, teve como origem para o seu
desenvolvimento a Inglaterra, cujos principais representantes são Bacon e Locke.
Diferentes fatores influenciaram o desenvolvimento do Empirismo, mas é no campo
político-econômico que podemos notar sua influência mais determinante. Nessa
ocasião, na Inglaterra, vive-se o intenso desenvolvimento da atividade comercial e a
expansão dos papéis políticos do parlamento na monarquia absolutista, os dois
reflexos da crescente influência da classe burguesa. Em função das modificações
políticas e econômicas do país, viu-se a queda da dinastia dos Stuarts e a Revolução
Gloriosa engatilharem a Revolução Industrial que se deflagraria no século seguinte.
Marcondes (2010) pondera que o desenvolvimento do Empirismo precisa ser
compreendido a partir da associação desses pensadores com a Royal Society of
London for the Improvement of Natural Know-ledge, nas palavras do autor:

Fundada em 1660 e patrocinada pelos ricos comerciantes de Londres, que


tinham interesses nas possíveis aplicações técnicas desses conhecimentos,
desde as questões de navegação até os estudos sobre as linguagens que
permitiriam a comunicação com os povos das novas terras com quem
negociavam. Muitos desses filósofos, como John Locke, tiveram uma ligação
direta com a Royal Society. A ciência experimental teve um grande
desenvolvimento nesse período na Inglaterra, e certamente isso se deveu à
sua interação com a filosofia de caráter empirista. (2010, p. 182).

Em linhas gerais, o Empirismo é a corrente filosófica segundo a qual a


experiência é adotada como critério de validade do saber. O vocábulo tem sua origem
na palavra grega empeiria, que constitui uma maneira de conhecimento proveniente
da experiência sensível e/ou dos dados acumulados com essa experiência. Um dos
atributos principais dessa corrente é a negação de que a verdade compreensível ao
homem ser dono de caráter absoluto (tal como acreditavam os racionalistas), pois se
de tal modo o fosse seria inútil submetê-la à prova, assim sendo – e este é um ponto
importantíssimo – o Empirismo não se contrapõe à razão ou a nega, mas é contrário
tão apenas à tentativa de estabelecimento de verdades necessárias.
Toda essa discussão gira em torno de um segundo ponto característico do
Empirismo, que pode ser revelado numa frase de estro aristotélico: nada existe no

47
intelecto sem que antes tenha passado pelos sentidos. Como resultado disso, toda
verdade (oriunda da experiência sensível) pode e precisa ser colocada à prova.
Conclui-se daí a rejeição dos empiristas à noção de ideias inatas.

4.7 O Empirismo a partir de Bacon e o método indutivo

Como vimos na primeira Unidade (Humanismo, Renascimento e Revolução


Científica), na era vivido por Bacon (1561 – 1626) acontecem várias mudanças no
âmbito das ciências. Com o crescente desenvolvimento das ciências experimentais,
Bacon se dedica a procurar um método capaz de auxiliar a ciência para que não seja
apenas alcance de saber, mas uma maneira de transformação para o mundo.

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Para isso, o filósofo inglês parte de forma inicial da recusa do dedutivismo –


método adotado amplamente pelos filósofos racionalistas – e aplicação do
indutivismo, por crer ser este verdadeiramente científico, à medida que parte de dados
analisáveis. Ademais, a defesa do método experimental é reflexo de sua recusa à

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ciência teórica e especulativa. Toda sua obra é dedicada ao progresso da ciência
antiespeculativa e sua associação com a técnica.
Em linhas gerais, podemos considerar Bacon como introdutor da concepção de
ciência ativa (espírito da nova Ciência Moderna) em detrimento da concepção
medieval de ciência contemplativa e desinteressada.
Em relação ao desenvolvimento científico, é na obra Novum Organum (1620)
que Bacon evidencia de forma mais expressiva seu pensamento. O título Organum
faz clara alusão ao Organon de Aristóteles, assim como Novum aludi-se à oposição
feita por ele (Bacon) aos velhos tratados lógicos aristotélicos. A proposta baconiana é
de recomendar direções para a descoberta e a justificação das artes e das ciências,
isto é, de um método para a construção do saber. Bacon almejava a um saber
instrumental que permitisse o controle e domínio da natureza, daí a máxima: “Saber é
Poder”.

4.8 Pensamento crítico – Teoria dos Ídolos

De tal modo como Descartes, a preocupação de Bacon é com a formulação de


um método capaz de bem nortear a razão, a fim de livrá-la dos chamados ídolos. Os
ídolos são noções falsas que ocupam o intelecto humano e nele se entendem
implantados de tal forma que não só atrapalham o acesso da verdade, como, mesmo
depois de reconhecidos como danosos poderão ressurgir como obstáculo à própria
instauração das ciências. Resta aos homens, prevenidos contra os ídolos, cuidarem-
se o máximo que possam para combatê-los.
Mas teria uma maneira correta para combatê-los? Segundo Bacon, a forma
adequada para afastar os ídolos é estabelecer as noções e axiomas a partir da
indução. Será, apesar disso, relevante indicar no que consistem, uma vez que a
doutrina dos ídolos diz respeito à interpretação da natureza. São quatro os gêneros
dos ídolos que dificultam a mente humana, denominados por Bacon como: ídolos da
tribo; ídolos da caverna; ídolos do foro e ídolos do teatro.

• Os ídolos da tribo: são noções falsas originárias da própria natureza


humana, na própria tribo ou espécie humana. Bacon reflete sobre os limites do saber

49
humano ao considerar que – diferentemente do que fora postulado no Renascimento
– por sua própria natureza o homem não pode conhecer o mundo tal como ele é, uma
vez que as percepções têm analogia com a natureza humana e não com o universo.
Nesse sentido, nas palavras do autor inglês: “O intelecto humano é semelhante a um
espelho que reflete desigualmente os raios das coisas e, dessa forma, as distorce e
corrompe”. (NOVUM ORGANUM, XLI);
• Os ídolos da caverna: são noções falsas decorrentes dos homens, não
enquanto “espécie”, mas enquanto indivíduos. Pois, “cada um [...] tem uma caverna
ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza: seja devido à natureza
própria e singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros;
seja pela leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram
[...]”. (NOVUM ORGANUM, XLII). Bacon cita o filósofo Heráclito, que criticava as
pessoas por buscarem a ciência em seus pequenos mundos, e não no universal, que
seria o mesmo para todos;
• Os ídolos do foro: são noções falsas decorrentes do intercurso e da
associação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si. O autor exibe de
forma básica uma crítica à retórica, pois apesar de reconhecer a relevância da
linguagem para o estabelecimento das relações interpessoais, alerta para o perigo
que o jogo de palavras pode ocasionar ao intelecto. “As palavras forçam o intelecto e
o perturbam por completo. E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis
controvérsias e fantasias”. (NOVUM ORGANUM, XLIII);
• Ídolos do teatro: são noções falsas decorrentes das representações
filosóficas e/ou científicas criadas em forma de fábulas ou teatros para explanar a
realidade. Segundo Bacon “numerosos princípios e axiomas das ciências entraram
em vigor, à mercê da tradição, da credulidade e da negligência”. (NOVUM ORGANUM,
XLIV).

4.9 O Empirismo a partir de Locke (1632 – 1704)

É na obra denominada Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690) que John


Locke vai desenvolver sua teoria acerca do saber. Empirista, no livro I da referida obra,

50
o autor critica a teoria das ideias inatas de Descartes e assegura, no livro II, que as
fontes de todo saber são a experiência sensível e a reflexão. Veja, que não é imposto
à experiência sensível e à reflexão o caráter do saber, mas de processo que fornecem
à mente os materiais do conhecimento. Esses materiais, de acordo com Locke nada
mais são que ideias e estas devem ser entendidas como conteúdo do processo
cognitivo, logo, objeto do entendimento.

John Locke

4.10 Crítica às ideias inatas

Contra as ideias inatas, Locke (1999, p.37) assegura de forma categórica “não
há princípios inatos na mente”. Ele expõe uma série de argumentos para amparar sua
tese de que não tem evidências em favor da existência das ideias inatas. Segundo
ele, se existissem ideias inatas, como avaliavam os racionalistas, então todos os seres
humanos, sem distinção, precisariam ter as mesmas ideias, o que não acontece e isso
pode ser corroborado por meio da análise. De outro modo, avalia Locke, para que se
pudesse avaliar a existência dessas opiniões, precisaríamos admitir que muitas
pessoas não teriam consciência da sua existência, o que igualmente é um erro, pois
não é possível dizer que alguma pessoa possui uma ideia e que, mesmo desta forma,
não tem consciência dela – a descoberta do inconsciente por Freud em meados do
século XX, aparece a fragilidade, ou melhor, a superficialidade da tese lockeana. Nas
palavras de Locke:

51
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A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente


prova de que não é inato. Consiste numa opinião estabelecida entre alguns
homens que o entendimento comporta certos princípios inatos, certas noções
primárias, koinai énoiai, caracteres, os quais estariam estampados na mente
do homem, cuja alma os recebera em seu ser primordial e os transportara
consigo ao mundo. Seria suficiente para convencer os leitores sem
preconceito da falsidade desta hipótese se pudesse apenas mostrar (o que
espero fazer nas outras partes deste tratado) como os homens, simplesmente
pelo uso de suas faculdades naturais, podem adquirir todo conhecimento que
possuem sem a ajuda de impressões inatas e podem alcançar a certeza sem
nenhuma destas noções ou princípios originais. (LOCKE, 1999, p. 37).

Assim sendo, para Locke, a fonte de todo o conhecimento está nas


experiências, de modo que as ideias nunca poderiam ser consideradas a priori, mas
sempre a posteriori, criticando assim o conceito de ideias inatas. A crítica ao inatismo,
realizada por Locke, levou-o a conceber a alma humana, na ocasião do nascimento,
como uma “tábula rasa”, uma espécie de papel em branco, no qual primeiramente
nada se encontra escrito. Dessa maneira, se o homem tem conhecimento, todo ele
deve ser proveniente da experiência.
Locke procurou, então, descobrir quais seriam os elementos constitutivos do
conhecimento, quais as suas origens e processo de formação, e qual a amplitude de
sua aplicabilidade. Em outras palavras, se o homem não possui ideias inatas, convém
questionarmos, em primeiro lugar: como elas (as ideias) são apreendidas? A resposta

52
é posta de maneira clara: “todas as ideias derivam da sensação ou reflexão”. E
continua:

Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco,


desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia, como ela será
suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada
fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde
apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo,
numa palavra: da experiência. (LOCKE, 1999, p. 57).

Todo o nosso saber está estabelecido na experiência, e dela deriva


precisamente o próprio saber. Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como
nas operações internas de nossas mentes, que são por nós mesmos compreendidas
e refletidas, nessa análise provê nossos entendimentos com todos os materiais do
pensamento. Dessas duas fontes de saber jorram todas as nossas ideias, ou as que
possivelmente teremos.

4.11 Ceticismo

O Ceticismo é originalmente uma tendência filosófica também conhecida como


Pirronismo, que adverte uma atitude de pensamento que eleva a dúvida a sistema, na
convicção de que não têm afirmações totalmente seguras. O representante mais
expressivo desta corrente é o filósofo grego Pirro (365-275 a.C.), iniciador desse
movimento filosófico segundo o qual assegura ser impossível ao homem conhecer a
verdade, pois tanto os sentidos nos induzem a muitas ilusões quanto a razão nos
induzem ao erro por exibir opiniões muito contraditórias sobre os mesmos assuntos,
revelando, portanto, os limites de nossa inteligência. A essa corrente inicial do
Ceticismo, que nega de maneira total a possibilidade do saber verdadeiro, assumindo
a suspensão de qualquer discurso afirmativo (em grego, epoché), dá-se o nome de
Ceticismo Absoluto.
Existe, no entanto, uma outra corrente cética que consiste numa posição
moderada, que nega parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade, é o
chamado Ceticismo Relativo. Este exibe-se de maneira subjetivista e de forma
probabilística. Um dos representantes do Ceticismo Relativo Subjetivista é Protágoras

53
(séc. V a.C.) que proferia “o homem é a medida de todas as coisas”, ou seja, o
conhecimento é uma relação subjetiva e pessoal, logo o conhecimento limita-se às
ideias e representações preparadas pelo próprio sujeito. Já o Ceticismo Relativo
Probabilístico, tem seu representante da Idade Moderna: o filósofo inglês David Hume.
Essa forma de ceticismo relativo assegura que o máximo que podemos obter é o
conhecimento de uma verdade provável, nunca uma certeza completa. Sobre a
perspectiva cética humana, veremos a seguir como se compõe e quais principais
características estão presentes no seio de sua teoria.

Atenção!
Sobre a compreensão do termo epoché, consideremos o que nos diz Nicola (2005,
p. 105): “Epoché é o termo grego utilizado por Pirro e pelos céticos para denominar
a dúvida, a necessária suspensão de juízo que caracterizava a sua posição: nem
aceitar, nem negar. A epoché cética nasce da consideração de que sempre é
possível demonstrar o contrário de cada afirmação e que, portanto, uma posição
nunca pode dizer-se verdadeira em absoluto. Todo saber, mesmo o socrático saber
de não saber, reduz-se a um opinável ponto de vista. Diferentemente da epoché
fenomenológica, a epoché cética é um procedimento destrutivo, cuja conclusão é a
afasia, o silêncio”.

Ceticismo de David Hume (1711 – 1776)

Na Idade Moderna, o filósofo escocês David Hume, levou o Empirismo às


últimas implicações adotando, portanto, um posicionamento cético. É importante
lembrar que na filosofia do século XVIII uma das principais questões discutidas na
época expunha respeito aos limites do conhecimento humano, isto é, até onde pode
ir à capacidade do homem na procura pelo conhecimento do mundo.
Em uma de suas principais obras designada Investigação sobre o entendimento
humano (1749), Hume desenvolve sua tese cética a partir de uma contundente
tentativa de resolver um problema clássico da Filosofia: o problema da metafísica.
Para isso, difunde dura crítica ao racionalismo dogmático do século XVII, que
procurava desenvolver ciência especulativa a partir de fundamentos metafísicos. Dois

54
serão os principais pontos da crítica humeana: os objetos da metafísica e a
causalidade.
Hume vai propor nessa obra que a metafísica não é propriamente uma ciência,
procurando explanar que o entendimento humano nas suas faculdades de
conhecimento não está capacitado a conhecer eventos que extrapolam o domínio da
experiência, nesse sentido é que se identifica o Empirismo em sua obra. No campo
da mente humana, Hume vai dizer que só têm percepções e que estas se expõem em
dois gêneros diferentes: as impressões e as ideias.

Em consequência, podemos aqui dividir todas as percepções da mente em


duas classes ou espécies que se distinguem por seus diferentes graus de
força e vivacidade. As que são menos fortes e vivazes são comumente
denominadas pensamentos ou ideias. A outra espécie carece de nome em
nossa língua, assim como na maioria das outras, e suponho que isto se dá
porque nunca foi necessário para qualquer propósito, exceto os de ordem
filosófica, agrupálas sob algum termo ou denominação geral. Vamos então
tomar uma pequena liberdade e chamá-las impressões, empregando a
palavra num sentido um pouco diferente do usual. Entendo pelo termo
impressão, portanto, todas as nossas percepções mais vívidas, sempre que
ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos ou
exercemos nossa vontade. E impressões são distintas das ideias, que são as
percepções menos vívidas, das quais estamos conscientes quando refletimos
sobre quaisquer umas das sensações ou atividades já mencionadas. (HUME,
2004, p. 34).

As ideias são as imagens aumentadas de nossas impressões, enquanto estas


são percepções fundamentadas e vivas que se atribuem à mente. Os elementos que
operam em nosso intelecto têm sua origem nos fatos, na experiência sensível. As
impressões fornecem, assim sendo, o material fundamental do saber. Desse modo,
torna-se evidente que existe um princípio de conexão entre os diversos pensamentos
ou ideias da mente. Na medida em que nascem na memória ou na imaginação, eles
se introduzem uns aos outros com um adequado grau de “método” e regularidade, o
que permite compreender a presente associação de ideias.

55
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A causalidade é outro componente de crítica trazido à discussão por Hume,


segundo ele, longe de ser alcançada pela razão a causalidade é fruto do hábito-
comportamento adquirido pela repetição. Ele conecta à causalidade a noção de
possibilidade, diz que quando esta é “associada às causas, acontece o mesmo que
com a probabilidade que se associa ao acaso” (HUME, 2004, p. 93), pois existem
causas das quais decorrem implicações inteiramente uniformes e constantes, isto é,
dos quais ainda não houve nenhuma falha ou irregularidade em sua operação, por
exemplo: “O fogo sempre queimou e a água sempre afogou qualquer criatura humana”
(HUME, 2004, p. 93); mas também têm casos em que essas mesmas causas
apresentam-se irregulares e incertas, por exemplo: “o ruibarbo nem sempre funcionou
como um purgante ou o ópio como um soporífero para todos os que ingeriram esses
medicamentos”. (HUME, 2004, p. 93). Dessa forma, diz ele, é por hábito e não em
implicação de uma necessidade inerente às coisas, que eu infiro, tão logo nasça um
determinado objeto, que irá nascer essencialmente outro.

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Como o hábito nos leva, em todas as nossas inferências, a transferir o
passado para o futuro, todas as vezes em que o passado mostrou-se
inteiramente regular e uniforme esperamos o acontecimento com a máxima
segurança, e não deixamos lugar para qualquer suposição em contrário.
(HUME, 2004, p. 93).

Com isso, podemos analisar que diferentemente dos pirrônicos, o ceticismo de


Hume é moderado. Se o entendimento humano é incapaz, seja pela experiência ou
pela razão, de obter a natureza absoluta das coisas, diz Jacqueline Russ (2015, p.
206), “ela dispõe, todavia, de regras de ação para agir na existência, graças ao
princípio de 'causalidade-hábito', trata-se, sob certo prisma, de um verdadeiro
pragmatismo que se pode encontrar na moral de Hume”.

5 IDEALISMO ALEMÃO

5.1 Iluminismo

O século XVIII foi um momento repleto de revoluções e movimentos culturais,


no entanto, o Iluminismo se sobressai e em toda a Europa depara-se como filosofia
hegemônica. O Iluminismo foi um movimento prioritariamente filosófico, mas envolvia
as dimensões política, artística, pedagógica e literária. Distingui-se pela defesa da
ciência e da racionalidade crítica, estabelecendo obstáculo à fé, superstições e
dogmas religiosos. Alastrou-se nas mais variadas tradições, conquistando
paulatinamente as camadas cultas e a burguesia (em ascensão) dos países da
Europa, inicialmente. Nas palavras de Reale (1999, p. 670):

O Iluminismo configurou-se não tanto como um compacto sistema doutrinário,


mas muito mais como um movimento em cuja base está na confiança na
razão humana, cujo desenvolvimento representa o progresso da humanidade
e a libertação em relação aos vínculos cegos e absurdos da tradição, da
ignorância, da superstição, do mito e da opressão.

57
Os aspectos que distinguem o movimento iluminista são provenientes do que
Cassirer (1992, p. 21) vai chamar “uma nova força” que age nesse período fazendo
com que tenha mais interesse pelo processo do pensamento do que por sua
consequência. É exatamente nesse sentido, marca Cassirer, que se expõe para o
contexto do século XVIII a problemática do progresso intelectual e garante garantindo
que “não existe um século que tenha sido tão profundamente penetrado e empolgado
pela ideia de progresso intelectual quanto o século das Luzes”. (1992, p. 22).
Mas, poderíamos interrogar: que força é esta que originou tanta reviravolta na
maneira de refletir desse século? A resposta é única: a razão. A razão é a nervura de
toda a problemática do século XVIII, pois crê-se em sua imutabilidade e unidade. Ela
é ponto de partida e de convergência de todos os esforços, procuras, desejos e
realizações desse período. Sobre a compreensão da razão Cassirer (1992, p. 23) nos
diz:

A razão é una e idêntica para todo o indivíduo pensante, para toda a nação,
toda a época, toda a cultura. De todas as variações dos dogmas religiosos,
das máximas e convicções morais, das ideias e dos julgamentos teóricos,
destacase um conteúdo firme e imutável, consistente, e sua unidade e sua
consistência são justamente a expressão da essência própria da razão.

Cumpre saber que, diferente do século XVII em que se procurava ultrapassar


os limites da experiência, a potência da razão no século XVIII versa em guiar a
“percorrer” e habitar o domínio empírico com segurança. Os grandes sistemas
metafísicos seiscentistas entendem a razão como o domínio das “verdades eternas”,
que são o elo entre o humano e o divino, isto é, “cada ato da razão asseguramos a
nossa participação na essência divina, franqueia-nos a entrada ao domínio do
inteligível, do suprassensível puro e simples”. (CASSIRER, 1992, p. 32). A mudança
de sentido que a ideia de razão adquire no século XVIII, define-se pelo fato da razão
ser entendida como uma maneira de aquisição, “ela não é o erário, a tesouraria do
espírito, onde a verdade é depositada como moeda sonante, mas o poder original e
primitivo que nos leva a descobrir, a estabelecer e a consolidar a verdade”.
(CASSIRER, 1992, p. 32). Neste sentido, é provável garantir que a ideia de razão se

58
constitui como um fazer, pois, como vimos primeiramente, concentra-se mais no
processo do pensamento do que a consequência deste.
Para tratarmos especificamente do tema do esclarecimento, recorreremos a
Immanuel Kant, pois em sua obra veremos reunidas as principais características do
sujeito moderno. Em seu opúsculo Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento,
publicado em 1783, Kant responde a uma questão proposta por um jornal de Berlim
ao público intelectual. Não obstante de seu caráter circunstancial, é um texto muito
relevante pois abrange a nervura da problemática moderna em questão, que é a
elucidação ou o Iluminismo. Nesse sentido, Kant escreveu:

Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menoridade,


da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso
de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio
culpado dessa menoridade se a sua causa não estiver na ausência de
entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servir-se de si
mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tenha a ousadia de fazer
uso de teu próprio entendimento – tal é o lema do Esclarecimento
(Aufklärung). (KANT, 2002, p. 115).

A menoridade é o estado de infantilidade intelectual do homem, cuja principal


característica é a incapacidade de refletir e atuar sem o auxílio de outras pessoas ou
instituições. A explicação, por sua vez, é, antes de tudo, uma questão de coragem e
ousadia, pois são precisamente a preguiça e a covardia as causas da permanência
de ampla parte dos homens na menoridade mesmo quando existe muito libertos da
tutela alheia.
Apontadas as causas da menoridade, o que seria preciso para obter o
Esclarecimento? Kant, garante que a elucidação não ordena nada além de liberdade.
E, ponderando que ao conceito de liberdade possam ser impostas compreensões
distintas, o filósofo prussiano aponta que a liberdade precisa para a elucidação
consiste em fazer uso público da razão em todos os assuntos. Mas por toda parte,
assegura Kant, estabelece-se limitações a liberdade:

Ouço agora, porém, exclamações de todos os lados: “não raciocineis!” O


oficial diz: "não raciocineis, mas exercitai-vos". O financista exclama: “não
raciocineis, mas pagai!”. O sacerdote proclama: “não raciocineis, mas
acreditai!” (Um único senhor no mundo diz: “raciocinai, tanto quanto

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quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!”). Eis aqui por toda parte
a limitação da liberdade. (KANT, 2002, p. 117).

Apesar disso, resta esclarecer o que Kant compreende por uso público e
privado da razão. Por uso público, entendido como aquele que pode realizar o
esclarecimento, Kant define como “aquele que qualquer homem, na condição de
sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado” (KANT, 2002, p. 117). O
uso privado da razão, é compreendido como “aquele que o sábio pode fazer dela em
determinado cargo púbico ou função a ele confiada”. (KANT, 2002, p. 117). A
capacidade de racionar por si mesmo é uma capacidade inerente à natureza humana,
por isso é possível que, individualmente, um homem deseje delongar seu
esclarecimento, mas renunciar a ele é ferir um direito da humanidade. Na passagem
que se segue fica claro o pensamento do autor:

Um homem pode, sem dúvida, no que diz respeito à sua pessoa, e mesmo
assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento
(Aufklärung). Mas renunciar a ele, quer para si mesmo, quer ainda mais para
sua descendência, significa ferir e atar aos pés os sagrados direitos da
humanidade. (KANT, 2002, p. 120).

Para Kant, o esclarecimento é um direito da humanidade. A humanidade vive


no estado de heteronomia, onde os indivíduos ainda se subordinam à direção de
outrem, não um direcionamento físico e espacial, mas intelectual, isto é, os indivíduos
seguem acriticamente o que diz o Estado, o professor, o guru, o médico. A autonomia,
por sua vez, acontece por meio do uso público da razão, quando a humanidade
começa a refletir por si própria. O pensar por si próprio, nada tem a ver com
individualismo, com aceitar apenas aquilo que lhe convém, trata-se de utilizar a razão
de maneira “republicana”.

5.2 Romantismo

Antes que a Revolução Francesa redesenhasse o itinerário intelectual da época


– o que acontece no início do século XIX, quando o Iluminismo é anestesiado pelo
movimento do Romantismo e posteriormente “superado” pelo Idealismo – nasce um
movimento que gera várias mudanças de cunho cultural e intelectual no contexto

60
alemão, inicialmente. Esse movimento ficou conhecido pelo nome de Sturm und
Drang, que significa “Tempestade e ímpeto
”. Reale (2005) aponta como características desse movimento: a redescoberta da
natureza; a relação entre esta (a natureza) e o “gênio” entendido como força originária;
o panteísmo tomado como contraponto ao deísmo enquanto razão suprema, próprio
do Iluminismo; a exaltação da liberdade; e o apreço pelos sentimentos fortes e
impetuosos. É relevante ter clareza em relação ao lugar que este movimento ocupa
na história do Romantismo, o Sturm und Drang é uma etapa pré-Romântica
posicionando-se historicamente antes do Romantismo germânico, que transcende os
limites do aspecto literário.
Opondo-se ao Racionalismo demarcado e supervalorizado no século XVII, e
afamado no século XVIII pelo Iluminismo; e contrapondo-se também ao Classicismo,
de quem a estética alemã sofre ampla influência até aquele período, a essência do
movimento incidiu na criação fundamentada no impulso irracional, característica
comum às estéticas românticas. O combate ao convencionalismo no campo estético
figura como umas das principais características desse movimento, cujos lemas eram:
natureza, gênio e originalidade. Destacaram-se nomes como os de Maximilian von
Klinger (1752-1831), Johan von Goethe (1749-1832), Jacob Lenz (1751-1792) e
Friedrich Schiller (1759- 1805).

Guinzburg, em seu livro denominado O Romantismo, destaca:

O Romantismo é, antes de tudo, um movimento de oposição violenta ao


classicismo e à época da Ilustração, ou seja, àquele período do século XVIII
que é tido, em geral, como o da preponderância de um forte racionalismo.
Embora o mesmo contexto temporal apresente outros aspectos não menos
marcantes, está mais ou menos estabelecido o consenso de que se trata de
um século cuja característica maior é a da “iluminação”, do “Iluminismo”,
como dizem alguns, ou ainda das “Luzes” por causa do vulto que nele tomam
as ideias racionalistas. Enfocadas e defendidas por uma plêiade de
pensadores brilhantes, como Voltaire, Diderot, os Enciclopedistas, Rousseau,
traduzem, na sua luta “esclarecedora” contra o “obscurantismo”, a
“ignorância”, o “atraso”, a “irracionalidade”, não só o engenho e o espírito
lúcidos de seus paladinos, como as aspirações de uma classe e mesmo de
uma sociedade emergente, constituindo-se num dos principais fermentos, no
plano ideológico, para a eclosão da Revolução Francesa. (GUINZBURG,
1978, p. 261-262).

61
Guinzburg (1978, p. 51) atribui ao Romantismo duas categorias implícitas em
seu conceito: “a psicológica, que diz respeito a um modo de sensibilidade, e a
histórica, referente a um movimento literário e artístico datado”. Na categoria
psicológica do Romantismo o sentimento é identificado como objeto da ação do sujeito
e não mais simples condição ou estado afetivo. Quer dizer, a sensibilidade romântica
é conduzida pela irresolução e ambivalência, o que é o mesmo que afirmar que os
sujeitos têm um “elemento reflexivo de ilimitação, de inquietude, e de insatisfação
permanentes”. (GUINZBURG, 1978, p. 52). São justamente essas caraterísticas que
nos fazem compreender o real sentido do Sturm und Drang, pois representa um modo
de sentir que sugere uma maneira de visão de mundo.
De acordo com a história, é provável assegurar que o Romantismo teve sua
primeira manifestação na revista Atheaneum (1798-1800), que reunia os principais
intelectuais do movimento romancista. O Romantismo inicia-se na Alemanha, em
seguida é levado à França onde se alastra pelo resto do mundo. Apesar disso, o
caráter filosófico e o ideológico manifestam-se sobremaneira no Romantismo alemão,
do qual iremos tratar neste tópico.
Com o Romantismo alemão, a Filosofia ganha ênfase no panorama
romântico geral, pois é o único movimento que parte conscientemente de uma posição
filosófica, tornando o pensamento filosófico seu traço característico, motivo pelo qual
o tema do Romantismo se faz presente nesta Unidade. O Romantismo na Alemanha
conta com as contribuições de Fichte (mesmo este não se propondo a criar uma
escola romântica), que se torna fundamental para a evolução do movimento, pois é
em volta de sua obra Teoria da Ciência que um “grupo romântico” liderado pelos
irmãos Schlegel descobrirão sua unidade e posterior autonomia do pensamento
romântico.
Outro ponto que merece destaque é o espírito romântico. Schleiermacher, outro
importante representante do Romantismo alemão, é essencial para compreendermos
o lugar privilegiado que o sentimento ocupa na postura romântica. Ele nega ou pelo
menos menospreza fortemente o “cogito ergo sum” cartesiano, afirmando em sentido
diametralmente oposto: “sinto, logo sou”, e vai além quando aponta que a única via
para a salvação do homem é a via dos sentimentos. Mas que sentimento é este que
o faz ser? Ele responde, o Universo (sentimento forte de dependência do todo).

62
Figura 5 - Revista O Atheaneum

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5.3 Idealismo transcendental a partir de Immanuel Kant

Na modernidade estabelece a necessidade de reavaliar as crenças comuns a


fim de aproximá-las das questões da razão, isto é, procura-se aproximação entre os
saberes formados por elementos fornecidos pela intuição sensível e aqueles
organizados mediante os princípios constitutivos da razão, mas o posicionamento (ou
negativa) de Hume sobre a possibilidade de isso acontecer deu origem à necessidade
de um exame crítico da própria atividade racional. A tarefa da filosofia passa a ser,
então, demonstrar que Hume fracassou em impor à razão a incapacidade de orientar
e determinar o comportamento humano, bem como ao constituir que os seres
humanos não são livres. É sobre essa problemática que Kant se desdobra em sua
Crítica da Razão Pura, “cujo objetivo central é proporcionar a defesa da liberdade e
da moralidade, e assim fazendo preservar a perspectiva do Iluminismo e da
modernidade”. (DUDLEY, 2013, p. 26).
63
O Idealismo transcendental foi uma implicação da sua nova posição elaborada
na crítica da razão de Kant. O posicionamento kantiano influenciou diretamente o
pensamento filosófico daquele período, sobretudo dos demais idealistas alemães que
tentaram pôr em prática o projeto kantiano, “tentando desenvolver uma plena
autocrítica e uma filosofia racional, a fim de por meio dela determinar o significado e
sustentar a possibilidade de uma vida moderna racional e livre”. (DUDLEY, 2013, p.
26).

Figura 6 - Immanuel Kant (1724-1804)

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A fase crítica do pensamento kantiano se prepara sobretudo sobre duas


questões:
1) O conhecimento – metafísico (Crítica da Razão Pura – 1781);
2) O problema da ação humana – problema moral (Crítica da Razão Prática –
1788).

64
Nos prenderemos à primeira questão, onde se procura responder o seguinte: a
metafísica é provável como ciência? (CALDAS; 2018).
Segundo Kant, todo saber é originado na experiência, pois nossa sensibilidade
é afetada a todo momento por ela. Mas, esses dados da experiência por si só não
compõem conhecimento, eles devem ser organizados e o são tanto peças e intuições
da sensibilidade (espaço e tempo) quanto pelas categorias do entendimento (como
veremos no quadro expositivo ao final desta Unidade). Ou seja, não dá para fazer
ciência (epistemologia) partindo somente daquilo que afeta nossa sensibilidade, da
mesma maneira que não é provável fazer ciência sem avaliar aquilo que nos afeta.
Nos prefácios da Crítica da Razão Pura, ele estabelece que pretende investigar
o que as ciências (lógica, matemática e física) têm para serem avaliadas ciências e
uma vez descobertos os fatores definitivos – consenso, método único – aplicá-los à
metafísica para avaliar se ela pode ser avaliada como ciência ou não. Ele aplica à
metafísica e anuncia que a ela não pode ser considerada uma ciência porque não
exibe os fatores definitivos, porque não existe consenso. A Filosofia, para Kant,
precisa ter pretensão universal e precisa, eis o motivo pelo qual a metafísica não pode
ser avaliada ciência. Vejamos como Kant organiza a problemática do conhecimento.

5.4 O que é conhecer?

Para responder a esta questão, Kant propõe a existência de dois tipos de


conhecimento: empírico ou a posteriori, e puro ou a priori (universal e necessário).
Kant avalia como conhecimento a priori todo aquele independente da experiência e
aqui vale um parêntese, pois, independente da experiência é distinto de além da
experiência como pretendia a metafísica. O que a metafísica tradicional sempre tentou
foi ir além da experiência e Kant assegura que ela começa na experiência. Nas
palavras do autor:

Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela


experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação
a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e
que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro
lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a
compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das
impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência?
65
Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a
experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. (KANT,
2001, p. 62).

Kant os adverte para o seguinte: o fato de o conhecimento começar com a


experiência, não significa que esta gere o conhecimento, pois é provável que o nosso
conhecimento seja um composto das impressões sensíveis somadas ao conteúdo que
a nossa própria capacidade de conhecer determina por si mesma. Então, o grande
problema do conhecimento estabelece no fato de não reconhecermos os elementos
dessa composição, tal separação só seria provável por meio de um intenso exercício
da mente. Toda essa problemática leva Kant a perguntar-se “se haverá um
conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos
sentidos” (KANT, 2001, p. 62), e ele mesmo aponta uma resposta que conduzirá todo
seu Idealismo, diz ele: “denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do
empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência”. (KANT, 2001, p. 62).
O Idealismo de Kant sintetiza no pensamento a realidade, não reconhece a
coisa em si, isso caracteriza o Idealismo transcendental. Kant constitui o que muitos
comentadores denominam “tribunal da razão”, que procura investigar a razão antes
deinvestigar aquilo a que a razão pode levar. Dito de outro modo, propõe submeter a
razão ao seu próprio julgamento a fim de conhecer-se a si mesma, tutelando suas
legítimas pretensões e eliminando aquelas desprovidas de fundamento. Trata-se de
uma crítica da razão pura.
Para Kant, o ato cognitivo não consiste numa acomodação da mente ao objeto
conhecido, mas em planos mentais preexistentes que optam as modalidades da
realidade que podem ser apreendidas pela mente, determinando o que podemos
conhecer do objeto. Assim sendo, a base do conhecimento deve estar localizada na
própria mente, não no mundo externo.
Kant opõe mundo sensível (ou da natureza) e mundo espiritual. O real sensível
é objeto de ciência. No quadro abaixo podemos analisar os elementos que compõem
a sensibilidade ≡ experiência ≡ fenômeno.

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Figura 7 - Esquema explicativo: Elementos constitutivos da sensibilidade
 MATÉRIA

----------------------------------- FENÔMENO

 FORMA

Forma: formas a priori (espaço e tempo) tornam possível ordenar o material da


experiência, convertendo-o em objeto do saber.
Matéria: no fenômeno corresponde à sensação (natureza); sobre ela se impõe
a forma para ordená-la.
A forma não pode ser conhecida no âmbito da experiência, pois trata-se de uma
intuição racional geradas pelas potencialidades do Eu transcendental (sujeito lógico
localizado exclusivamente no plano mental). Não pode ser conhecido no âmbito da
sensibilidade. O verdadeiro saber é aquele possibilitado pelo Eu transcendental, pois
objetos como a alma, Deus e mundo na sua totalidade não podem ser apreendidos
pelo espaço e tempo, podem somente ser pensados pela razão, mas não
verdadeiramente conhecidos (CALDAS; 2018).
Dessa forma, o conhecimento consiste numa espécie de síntese entre o sujeito
cognoscente e o objeto cognoscível, e acontece como uma representação do mundo
provocada por estímulos exteriores ao sujeito. No entanto, se considerarmos o fator
representação, teremos de acolher o caráter subjetivo que o saber adquire, uma vez
que está condicionado ao olhar humano. Aqui, incorpora-se uma questão que consiste
em demonstrar como se dá a apreensão e a representação do mundo pelo sujeito.
Para o filósofo prussiano, isto é admissível a partir de uma instância denominada
sujeito transcendental, composto por três elementos: sensibilidade, entendimento e
razão.

 Sensibilidade: é a disposição de sentir ou perceber as coisas no mundo. É o


elemento responsável pela formação do saber imediato, composto por imagens
intuitivas que vão sendo capturadas pelo sujeito no tempo e no espaço;

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 Entendimento: é a capacidade de raciocinar, atribuir ou submeter conceitos
às coisas, a partir das chamadas “categorias do entendimento” – que podem
ser conferidas no quadro abaixo. As categorias consentem a transformação das
intuições originadas pelo saber empírico, isto é, compõe-se em uma espécie
de filtro para análise dos estímulos sensoriais (imagens) trazidos à mente pela
sensibilidade. A partir delas o entendimento é capaz de executar uma espécie
desíntese dos dados sensoriais da intuição formando o objeto do
conhecimento;

Figura 8 – Quadro explicativo: Categorias do entendimento

• Categorias de qualidade: realidade, negação e limitação;

• Categorias de quantidade: unidade, pluralidade e totalidade;

• Categorias de relação: substância, causalidade e comunidade;

• Categorias de modalidade: possibilidade, existência e necessidade.

 Razão: é a instância responsável pela avaliação das categorias do


entendimento, a fim de que não tenham conflitos lógicos, exageros ou
desequilíbrios entre elas. A razão, na instância do processo mental humano, é
aquela em que o saber é submetido a uma espécie de tribunal para ser
ponderado, avaliado e julgado (CALDAS; 2018).

O projeto kantiano desenvolvido em sua fase crítica procura responder a três


questões eficazes formuladas da seguinte forma:

O que posso conhecer?


O que devo fazer?
O que me é permitido esperar?

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A primeira questão responde ao problema da metafísica, a segunda ao
problema da moral e a terceira ao problema da religião. Nesta Unidade nos ativemos
à primeira questão, desenvolvida na primeira crítica. Ao fazer a distinção entre juízos
sintéticos e analíticos, Kant vai atribuir aos juízos sintéticos a priori (puro) o
embasamento da ciência.

Figura 9 - Quadro conceitual: juízos sintéticos e analíticos


Diferença entre juízos sintéticos e analíticos:

• Analíticos: os juízos (os afirmativos) são analíticos, quando a ligação do sujeito


com o predicado é pensada por identidade [...] poderiam igualmente denominar-se
juízos explicativos [...] porque o predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito e
somente pela análise o decompõe nos conceitos parciais, que já nele estavam
pensados (embora confusamente). (KANT, 2001, p. 69);

•Sintéticos: aqueles, porém, em que essa ligação é pensada sem identidade,


deverão chamar-se juízos sintéticos [...], juízos extensivos [...] porque acrescentam
ao conceito de sujeito um predicado que nele não estava pensado e dele não podia
ser extraído por qualquer decomposição. (KANT, 2001, p. 69).

Idealismo absoluto a partir de Hegel

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A separação feita por Kant entre as instâncias passíveis de saber em númeno
(coisa-em-si) e fenômeno, assim como a afirmação de que o númeno está além da
probabilidade de conhecimento, ocasionaram bastante críticas ao seu sistema. A mais
representativa e direta oposição ao sistema kantiano foi organizada na Filosofia de
outro relevante teórico do Idealismo alemão, Hegel. Esse, que é situado pelos
historiadores da Filosofia como aquele que conclui as discussões que levaram ao
desenvolvimento do Idealismo alemão, nunca aceitou esta limitação e procurou
evidenciar em seu sistema filosófico que é provável assegurar a plena compreensão
do real.
Em sua obra Fenomenologia do Espírito, Hegel refletia as fases da consciência
que apreendem o mundo e localiza a si mesma para obter a totalidade e ao absoluto.
Vejamos quais elementos competem para a elaboração do Idealismo absoluto e como
ele se desenvolve.
No Idealismo transcendental vimos que o mundo surge dividido em razão e
experiência, formas a priori e a posteriori, sujeito e objeto. A coisa em si (númeno) é
apontada como a característica ou o aspecto mais interior das coisas e que por
compor essa espécie de “ser em si” das coisas, não a podemos conhecer, pois
extrapola o ponto de partida de todo saber: a experiência. Assim, só conhecemos a
maneira como as coisas se expõem para nós, isto é, os fenômenos. É precisamente
essa cisão constituída por Kant que será contestada pelos idealistas alemães
póskantianos, sobretudo por Hegel. Para Hegel, a separação entre sujeito e objeto
está incorreta, pois existe uma identidade entre ambos e nada existe além do
pensamento. O conhecimento não se limita ao conhecimento do fenômeno, o
conhecimento é total, absoluto (CALDAS; 2018).
O sistema de Hegel é revelado a partir do método dialético, que pode ser
esclarecido da seguinte maneira: para que um pensamento seja formado é preciso
que se parta de uma proposição (tese) que em seguida é negada por uma proposição
contrária (antítese) e a partir desse confronto nasce uma nova proposição (síntese)
com dados de cada uma das precedentes. Esse processo de formação do
pensamento, no entanto, não é estanque, mas contínuo e cíclico. A síntese toma
maneira de uma nova tese, que novamente é contrariada por uma nova antítese e daí
nasce uma nova síntese, e novamente o processo se refaz como um ciclo
permanente. Este ciclo pode ser representado de maneira espiral, pois a cada vez que

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se retorna para o ponto de partida (tese) o que outrora estava implícito torna-se
explícito e é justamente essa característica que faz com que este ciclo não seja vicioso
e se possa a partir dele produzir conhecimento.
Na dialética hegeliana a realidade se oferece de maneira dinâmica e toda
modificação é ocasionada por um processo de contradição. A dialética não é um
método para pensar a realidade, mas o movimento da própria realidade.
Para Hegel, só existe o espírito e tudo o mais que tem são manifestações do
espírito, exteriorizações do espírito e todas essas manifestações serão reunidas e
reconciliadas na interioridade. Esse movimento de manifestação do espírito se chama
história, como vida do espírito. E o movimento do espírito pelo qual ele produz o
mundo (da cultura ou natureza) conhece sua produção e se reconhece como produto.
O espírito objetivo é o espírito exterior do homem, enquanto expressão de uma
vontade coletiva, por meio da moral, do direito e da política, ou seja, é o mundo da
cultura. O espírito absoluto é a categoria que torna provável a formatação do real.

Hegel intenta mostrar que a fundamentação absoluta do saber é resultado de


uma gênese ou de uma história cujas vicissitudes são assinaladas, no plano
da aparição ou do fenômeno ao qual tem acesso o olhar do Filósofo (o para
nós na terminologia hegeliana) pelas oposições sucessivas e dialeticamente
articuladas entre a certeza do sujeito e a verdade do objeto. (LIMA VAZ, 1992,
p. 10).

Hegel (1992, p. 64) assegura que “só o absoluto é verdadeiro, ou só o


verdadeiro é absoluto”, advertindo que o absoluto é a totalidade do real, não existe
nada exterior ao real. Por isso, o absoluto é o conceito (intuição) que rompe com a
dicotomia metafísica entre os planos da transcendência e da imanência. A partir do
estabelecimento do absoluto como intuição que determina a realidade, Hegel rompe
com a dicotomia kantiana.
O sistema de Hegel dá conta desse processo dialético em três fases:

 Lógica;
 Filosofia da Natureza;
 Filosofia do Espírito.

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Figura 10 – Esquema explicativo: Lógica das ciências
Lógica das ciências (do pensamento):

ABSOLUTO--------- Lógica= ideia em si (logos)

Natureza= ideia fora de si

Espírito = ideia que retorna a si

Fonte: Elaborada pela Autora

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6 BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ARANHA, Maria Luciade. A Filosofia da Educação. São Paulo, Moderna, 2006.

GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8ªed. São Paulo: Ática,

2011.
GAUTHIER, Clermont; TARDIF, Maurice. A Pedagogia: teorias e práticas da
Antiguidade aos nossos dias. Petropolis: EditoraVozes, 2010.

6.1 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BATISTELA, A. C.; BONETI, L. W. A relação homem/natureza no pensamento


moderno. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 8., 2008, Curitiba. Anais
[…]. Paraná: PUCPR, 2008. Disponível em:
www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/ pdf/1424_959.pdf. Acesso em: 9
jan. 2020.

GODINHO, R. S. Renascimento: uma nova concepção de mundo através de um novo


olhar para a natureza, DataGramaZero, v. 13, n. 1, 2012. Disponível em: http://www.
brapci.inf.br/index.php/res/download/45740. Acesso em: 9 jan. 2020.

NUNES, A. Uma introdução à economia política. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

PORTO, C. M.; PORTO, M. B. D. S. M. A evolução do pensamento cosmológico e o


nascimento da ciência moderna. Revista Brasileira de Ensino de Físca, v. 30, n. 4,
2008.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do humanismo a Descartes. São Paulo:


Paulus, 2004. v. 3.

SEVCENKO, N. O renascimento. 8. ed. São Paulo: Atual Editora, 1994.


SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.

SOUZA, J.; ÖELZE, B. (org.). Simmel e a modernidade. Brasília: Editora UnB, 1998.

BAUER; C. S. HISTÓRIA MODERNA. SAGAH – Soluções Educacionais Integradas,


2020.

CALDAS; F. S. História da Filosofia Moderna. São Luís: UEMA; UEMAnet, 2018.

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