Você está na página 1de 7

História de Portugal Medieval

Documento introdutório

1. Premissas da conceção da unidade curricular

Equacionar um semestre letivo espartilhado em treze semanas com quatro


séculos de história levanta três problemas cruciais, nomeadamente:
(I) a decisão inequívoca sobre a perspetiva alargada ou estrita a incutir à
abordagem dos conteúdos;
(II) a obrigatoriedade de eleger as matérias a tratar;
(III) a inevitável escolha da estratégia pedagógica a ativar.
A definição dos pontos I e II foi já expressa na apresentação desta uc no Guia
Informativo, texto que aqui reproduzo.

Esta unidade curricular tem por objetivo oferecer uma perspetiva genérica sobre a
Idade Média no âmbito territorial do reino português, orientando-se pelos seguintes vetores:
1. os momentos chave da história política e a génese e desenvolvimento das instituições
(a coroa, os concelhos, os senhorios);
2. a evolução das estruturas económicas e sociais do reino;
3. os quadros mentais e culturais da medievalidade portuguesa.

Assim, é propósito assumido desta unidade curricular fixar-se num determinado


núcleo de conhecimentos estruturantes sobre o reino de Portugal entre os séculos XI e
XV, como se de uma visão em slides se tratasse. Contudo, a conjugação da perspetiva
generalista e fotográfica deverá ser dotada de coerência e sustentabilidade. Não se
pretende cultivar a história estrutural sem alicerces cronológicos que esteve tão em voga
nos anos 70 do século XX; ao tempo, correspondia à forma extremada de negar a
importância dos acontecimentos, dos reis, das batalhas, dos vencedores1, tendo como
consequência a omissão da coordenada tempo, ficando os estudantes a conhecer
estruturas que “pairavam” no vazio.

1
Neste momento é pacífico que a história política é integrável e valorizável.
A formulação do programa em termos de momentos chave, estruturas e quadros,
não pretende escamotear a existência de uma história das guerras e alianças contra os
muçulmanos e contra os reinos peninsulares, dos acordos matrimoniais, dos milagres,
das paixões e dos vícios que os cronistas consubstanciaram em rainhas santas, amantes
extremadas e esposas aleivosas. E não é apenas a história política e alguma petite
histoire que se encontra ausente. Muitas dimensões do passado medieval são omitidas e
podem (devem!) ser (re)visitadas pelos estudantes, de motu próprio, numa das várias
Histórias de Portugal referidas.
Assim, a reduzida dimensão do programa, baseado na escolha cirúrgica de temas
nucleares, pretende incutir o interesse pela procura, de forma orientada e segura, do que
existe para além do que é mencionado. Reformulada a anterior afirmação ao abrigo das
premissas de Bolonha, visa-se promover a participação ativa dos estudantes, criando
mecanismos que lhes permitam pesquisar, de forma autónoma, mas devidamente
direcionados pelas suas aprendizagens e competências adquiridas
Chegados a este ponto, conclui-se que é propósito desta unidade curricular
conceder determinado tipo de ferramentas concetuais que facilitem a apreensão da
medievalidade portuguesa. Tais ferramentas adquirem-se quer pela familiaridade com o
conhecimento produzido por historiadores quanto pelo contacto com a matérias prima
da História, a documentação coeva.
Assim, pretende-se impulsionar os estudantes a contactarem com as fontes
medievais e a adquirirem competências de exploração das mesmas. O encontro direto
com os documentos, quando realizado nos Arquivos, salda-se pela ilusão de uma
viagem ao passado, como muito bem transmitem as palavras de Georges Duby que
alguns dos estudantes já conhecem. Neste uc têm a possibilidade de simular a
experiência descrita por este historiador, uma vez que o mítico toque na pele de
pergaminho é de mais difícil concretização.

"Ficara sozinho. Tinha finalmente conseguido que me trouxessem uma caixa para a
mesa. O que iria sair de dentro dela? Tirei o primeiro maço. Desfiz o nó, a minha mão deslizava
por entre as peças de pergaminho. Pegando numa delas, desenrolei-a, e tudo isto já com algum
prazer: muitas vezes, estas peles, ao tacto, são de uma suavidade delicada. Acrescento a
sensação de me introduzir num lugar reservado, secreto. Destas folhas macias, alisadas, parece
propagar-se no silêncio o perfume de vidas há muito extintas. Mantém-se forte a presença do
homem que, oitocentos anos antes, agarrou numa pena de pato, a mergulhou na tinta, começou a
desenhar as letras, pausadamente, como uma inscrição gravada para a eternidade, e o texto está
lá, à minha frente, na sua força plena. Quem, desde então, pôde passar os olhos sobre estas
palavras? Quatro, cinco pessoas no máximo. Happy few. Outro prazer excitante este, o prazer da
decifração, que não é, na verdade, senão um jogo de paciência. No final da tarde, uma mão-
cheia de dados, leves. Mas só nos pertencem a nós, que os soubemos fazer saltar, e a caçada
teve muito mais importância do que a caça. O historiador nunca se encontra tão perto da
realidade concreta, dessa verdade que morre por alcançar, e que lhe escapa sempre, como
quando tem à sua frente, examinando com os seus próprios olhos, estes fragmentos de escritos
vindos do final dos tempos, como destroços sobrevindos a um completo naufrágio, estes
objectos, cobertos de sinais, que se podem tocar, cheirar, olhar à lupa, a que ele chama, no seu
calão, as «fontes»".
Georges Duby, A História continua, Lisboa, Edições Asa, 1992, pp. 25-26.

Outro utensílio concetual de grande importância corresponde a uma apreciação


do estado da arte da Historiografia portuguesa no que à Idade Média se refere. Quando
se inicia o estudo de um período histórico, de uma época, de um tema, a inicial pergunta
a fazer terá de ser a seguinte: que caminhos têm vindo a ser seguidos na historiografia
neste campo? A questão não será omitida.
Por fim, o último utensílio crucial para apreender a própria organização da
unidade curricular e, em última instância, do curriculum do curso de História é a
variável tempo. A questão das escolhas cronológicas e dos seus marcos internos não
será descurada.
2. A organização da uc História de Portugal Medieval: competências, programa
e recursos de aprendizagem

Competências Gerais

● Domínio dos conceitos chave de interpretação da época medieval portuguesa.

● Conhecimento estruturado dos quadros económicos, sociais, políticos, mentais e


culturais da Idade Média portuguesa.

● Capacidade de analisar criticamente fontes (publicadas) da Idade Média


portuguesa.

Programa
I. 1096-1325
1. As estruturas de organização sócio-política do reino: senhorios e concelhos
(definição e mutações);
2. A estruturação do poder da coroa e a relação com outros poderes territoriais.
II. 1325-1480
1. As estruturas económicas e sociais
1.1. O território, os recursos naturais, a base demográfica e as tecnologias.
1.2. Os grupos sociais e o sustentáculo económico
2. Os poderes: coroa, senhorios, concelhos.
3. A cultura e os meios culturais
3.1. O ensino: Universidades e escolas
3.2. A literatura e a arte

O confronto entre as competências a adquirir/desenvolver e o programa a cumprir


reitera o perfil sintético e direcionado que irá orientar esta uc, sem que os níveis de
exigência sejam descurados. Tal exigência não se traduz num domínio acrescido de
conhecimentos mas numa perspetiva específica de os apreender. Com efeito, é nosso
objectivo expresso que, no fim desta unidade curricular, as competências mais
intensivamente treinadas sejam:
● a capacidade de reflexão sobre a Idade Média;
● a capacidade de desmontar os fatores que explicam a variação nas formas com que
a historiografia foi “construindo” o saber sobre a Idade Média;
● a capacidade de pesquisa segura (para já bibliográfica) de mais informação sobre
estes temas.

Para atingir tal finalidade, deverá existir uma gestão equilibrada (mas militante) dos
recursos de aprendizagem por parte dos estudantes. Como é já do vosso conhecimento,
a bibliografia obrigatória não corresponde ao instrumento de aprendizagem único. O
docente elabora um programa com o propósito de veicular certos conteúdos e de
desenvolver outras tantas capacidades2 e todos os recursos concorrem, para permitir, de
forma integrada, o sucesso na frequência da uc.

Recursos
O livro preferencial que irá funcionar como guia básico de estudo é História de
Portugal, dir. de José Mattoso, vol. II, A Monarquia Feudal (1096-1480), coord. de
José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993.

A eleição desta obra deve-se ao facto de os seus autores - José Mattoso e


Armindo de Sousa – transmitirem uma forma, respetivamente consagrada e peculiar, de
construir a história de Portugal medieval.

Contudo, outras perspetivas, explicitações e dúvidas se podem (e devem) retirar


de obras que vêm referidas como bibliografia complementar. São elas:

● Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, 6 vols., Porto, Livraria


Figueirinhas, 1990 (reedição).

● Marques, A H. De Oliveira, A sociedade medieval portuguesa. Aspectos da vida


quotidiana, 3ª ed., Lisboa, 1974.

● Mattoso, José, Identificação de um País. Ensaio sobre as Origens de Portugal. 1096-


1325, vol. I, Oposição, vol. II, Composição, Lisboa, Editorial Estampa, 1995 (5ª.
edição revista e actualizada).

2
Programa este que não tem de coincidir com o índice do(s) livro(s) adoptado(s).
● Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III,
Portugal em Definição de Fronteiras (1096-1325). Do Condado Portucalense à
Crise do Século XIV, coord. de Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de
Carvalho Homem, vol. IV, Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, por A. H. de
Oliveira Marques, Lisboa, Editorial Presença, 1996 e 1987.

Os recursos de aprendizagem seguintes funcionam como um roteiro de estudo,


cumprindo o seguinte esquema de apresentação:
a) a anteceder o estudo de cada uma das partes do programa (e do livro-
base) introduz-se um texto sob o título – Chave de Leitura – onde se
enunciam os passos do raciocínio do autor e as bases da sua
interpretação;
b) para cada um dos tópicos do programa, indicam-se as competências
específicas que devem ser adquiridas ou treinadas e os recursos de
aprendizagem bibliográficos e documentais.

Através da enunciação das competências a desenvolver, sobretudo quando estas


remetem para o domínio de conhecimentos, será possível estabelecer vários níveis de
leitura do livro-base, permitindo apreender o que deve ser analisado em detalhe.
Saliente-se, também, que alguns capítulos do livro-base não serão objeto de avaliação,
encontrando-se tais informações devidamente expressas nos vários recursos
disponibilizados ao longo do semestre.
Por princípio, economizo na oferta de recursos de aprendizagem. Não porque seja
adepta de um estudo restritivo mas porque considero que nem sempre a multiplicidade e
o excesso de informação conduzem a uma correcta interiorização dos
conhecimentos/competências que, respetivamente, se devem adquirir e desenvolver.
Paradoxalmente, o mais extenso texto apresentado nesta sala virtual é apenas de
consulta (as razões adiante nomeadas que justificam a sua inclusão anulam este carácter
paradoxal). Para além dele, juntam-se pequenos textos, citações significativas de autores
sobre as temáticas em análise.
Quanto ao propósito da divulgação de recursos de aprendizagem documentais, o
objetivo não é o de fornecer “ilustrações” mas instrumentos de trabalho. De facto, é
fundamental para a frequência com êxito desta uc que se confrontem com a matéria-
prima que os historiadores utilizam para elaborarem um discurso historiográfico
coerente.

Você também pode gostar