Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CIA LIZA
CO MER
Epistemologia
Planos de aula
3
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Epistemologia
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 30 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
Ética
Ética Aplicada
3
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
EPISTEMOLOGIA – A TEORIA DO
CONHECIMENTO
Em Filosofia, epistemologia é o estudo do conhecimento. Algumas questões pertinentes ao
tema são:
Quão certos precisamos estar acerca de uma crença para que possamos considerá-la como
conhecimento?
Vocabulário importante
Empírico:fatos empíricos são a posteriori. Eles são estabelecidos através do acúmulo de ex-
periências/evidências.
© EPISTEMOLOGIA 5
Referência
Donald Palmer, Does the Center Hold? An Introduction to Western Philosophy. McGraw Hill,
1991.
6 PLANO DE AULA
DIA 1 – INTRODUÇÃO À TEORIA DO CONHECIMENTO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é promover a reflexão dos alunos sobre crenças e conhecimento e dar
uma breve introdução para a leitura num próximo momento. Estamos propositalmente adian-
do uma visão geral da seção para o Dia 2. Dar tempo para refletirem no que eles acreditam
primeiro vai ajudá-los a se envolver mais ativamente com o material. Eles precisam de algum
conhecimento sobre Descartes para ajudá-los a entender o porquê de ele buscar o que busca.
Objetivos
• Os estudantes devem compreender quem foi Descartes e suas motivações para escrever
“Meditações”.
Reflexão
Escreva algo que você acredite ser uma verdade, mas que você não tem certeza. Por que
você não tem certeza que isto é verdadeiro?
Escreva algo que você sabe que é uma verdade. Por que você se sente confiante para afir-
marque isso é verdadeiro?
Em duplas
Compare suas respostas ao quesito (3) acima. Vocês conseguem encontrar umaregra que-
sirva de “teste” de veracidade?
Discussão
Faça com que cada dupla coloque sua regra na lousa. Realce semelhanças e diferenças.
Tenha alguém para documentar toda a lista – será proveitoso retornar a ela mais adiante no
decorrer do curso. Se possível (se houver tempo hábil), classifique as regras de acordo com
os tópicos que você adentrará nesta seção. Por exemplo, marque aquela que parece ser rela-
tivista, racionalista, empirista ou transcendentalista (se possível). Faça isso como sugestão,
não como afirmação.
Quando chegar a esse tópico, pergunte aos alunos se concordam com o que quiseram dizer.
Se não houver tempo, traga as respostas deles de volta à discussão quando você adentrar essa
posição (pode ser útil fazer com que anotem suas respostas e as armazenem para facilitar o
acesso posteriormente).
© ÉTICA 7
2. APRESENTANDO DESCARTES
Descartes (1596-1650). Ele foi contemporâneo de Galileu, e o caso “Galileu x Igreja Cató-
lica” o afetou.
Galileu afirmou que a teoria heliocêntrica de Copérnico, onde a Terra gira em torno do Sol,
estava correta. Naquela época, a Igreja Católica levava as palavras da Bíblia ao pé da letra,
quando ela dizia que Deus colocara a Terra no centro do universo e sua posição era imutável1.
Galileu foi julgado por heresia e foi concedida a ele a escolha entre a morte ou reconside-
rar suas crenças. Ele reconsiderou. É fácil desejar acusar a Igreja por colocar seu poderio e
crenças acima do conhecimento científico, mas as coisas não são tão simples quanto parecem.
Lembre-se, a Igreja, além de seusinteresses religiosos, tinha dois argumentos poderosos a seu
favor. Em primeiro lugar, Ptolomeu desenvolveu uma teoria astronômica que continha evidên-
cias que apoiavam a ideia de que a Terra era o centro do universo. Em segundo lugar, o senso
comum da época acreditava que a Terra não estava se movendo. Pense – quando foi a primeira
vez que lhe disseram que a Terra está se movendo ao redor do sol? Toda sua experiência lhe
faz crer no contrário. Quando você sai de casa, seus olhos lhe dizem que o sol se move, e as
sombras o acompanham. Não parece que é você quem está se movendo.
Descartes foi um cientista e um matemático (plano cartesiano em geometria? Foi ele quem
criou!). Ele foi um prodígio, pertencente à nobreza, e foi educado pelos padres jesuítas – o
melhor da educação daquele tempo! Por volta de seus 20 anos, ele começou a acreditar que
seus professores não estavam lhe transmitindo conhecimento, só suas meras opiniões. Quando
ele soube que Galileu fora acusado de heresia, ficou realmente preocupado. Ele conhecia as
teorias de Galileu e acreditava nelas.
Seus professores diziam coisas, mas agora que ele buscava o conhecimento por conta pró-
pria, ele descobriu que algumas coisas que aprendera eram falsas. Ele passou a desconfiar de
todo seu conhecimento – como ele poderia confiar em qualquer coisa que lhe fora ensinada?
Como ele poderia discernir o verdadeiro do falso? Isso é o que está em sua mente no começo
de “Meditações Um”. Ele está interessado se pode realmente conhecer algo. Então, ele decide
levar seu ceticismo a sério.
Qual a principal razão que ele pode encontrar para apoiar a ideia de que não podemos co-
nhecer nada? Ele está invocando o princípio da caridade2.Ele pretende atribuir ao ceticismo
toda possibilidade de manobra. Ele tentará refutá-las em Meditação 2, mas quer ter certeza
de que não está sendo injusto. Pense num jogo de futebol – a glória da vitória é maior quando
você vence o jogo sabendo que os melhores jogadores do time adversário estavam em campo.
De modo semelhante, um filósofo se vangloria quando consegue demonstrar que o ponto de
vista oposto está errado, mesmo quando lhe são concedidas todas as possibilidades de defesa
possíveis.
A leitura
Esta leitura é difícil. Alguns alunos acham que ler em voz alta (ou ler como se estivessem
lendo em voz alta) os ajuda a compreender o texto. Aparentemente, colocamos ênfase nas
palavras corretamente quando fazemos isso. Faça referências ao “como ler filosofia” contida
na seção Métodos do curso. Este provavelmente será um texto que deverá ser lido mais de
uma vez.
Cf. http://plato.stanford.edu/entries/galileo/
1
Recorde o princípio da caridade da seção Métodos – abordar a fala de seu oponente com a melhor interpretação possível.
2
8 PLANO DE AULA
DIA 2 – SUBJETIVISMO E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
As discussões do Dia 2 serão direcionadas pelas respostas a este material de leitura, por-
tanto, enfatize que seu empenho será importante para a próxima aula.
Orientações ao professor
Falaremos novamente a respeito das diferenças entre racionalismo e empirismo após Des-
cartes (e Kant após os empiristas), mas os alunos devem ter uma noção do cenário antes de
mergulharem em Descartes.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem poder entender e serem capazes de criticar a noção de que o conheci-
mento é justificável, verdadeira crença.
• Os alunos devem ter uma noção básica de quais são as três abordagens primárias à epis-
temologia (além do ceticismo): racionalismo, empirismo e o transcendentalismo kantiano.
© ÉTICA 9
1. VISÃO GERAL DA EPISTEMOLOGIA1
• Justificada:se você sabe algo, quer dizer que necessita de uma boa razão para acreditar.
Alguém pode acreditar que um triângulo tem três lados, mas, se a razão para crer nisso é
a de que seu cachorro lhe disse, não consideraríamos isso como conhecimento (diríamos que
alguém tem uma crença que é acidentalmente verdadeira, mas não a contaríamos como co-
nhecimento).
Existe um famoso problema com essa interpretação do conhecimento (ao menos entre os
filósofos), mas evitaremos adentrá-lo por hora.2Qual desses conceitos é o mais difícil de deter-
minar? A verdade. Você pode descobrir as crenças de alguém perguntando a ela, e podemos
facilmente determinar padrões de justificativas. Mas a verdade é difícil – e encontrar uma for-
ma de justificá-la é o que orienta as teorias que vamos examinar.
Ceticismo é a posição de que não podemos ter conhecimento real das coisas. O cético
acredita que temos uma sensação do que é necessário para se ter conhecimento, mas não po-
demos definir nenhum critério (céticos são espertos o suficiente para evitarem dizer que eles
sabem que não podemos ter conhecimento!).
Descartes, em Meditação 1, apresenta o ponto de vista cético. Veremos outro com Hume
adiante.
10 PLANO DE AULA
O Transcendentalismo Kantiano sustenta que o conhecimento requer uma complicada
interação entre os dois.
Relacionada a ambas as questões e à questão cética está a questão: mesmo que possamos
ter conhecimento, quando o adquirimos? Relacionada a essa última está a questão: onde es-
tabelecemos um padrão para o conhecimento? Nosso interesse se volta ao onde estabelecer
um padrão para diferenciar a mera crença de conhecimento. Notaremos que, mesmo nesse
quesito, os filósofos discordam.
2. DESCARTES, MEDITAÇÃO 1
Agrupe os alunos em duplas para que eles comparem suas anotações como a primeira parte
da discussão.
Preliminares
Isto não está no guia de leitura, mas qual é o método de Descartes? Como ele se propõe
a avaliar suas crenças para encontrar a verdade? Ele vai examinar tudo em que acredita e se
perguntar se é verdade? Resposta: Não.
Por que rejeita esse método? Resposta: porque levaria muito tempo! Ele tem inúmeras
crenças!
Revisão do Questionário
1. Descartes sugere usar uma ideia em particular que funcionaria para se encontrar a
verdade. E qual é? (Ou, caso não se encontre essa ideia, seria um indício de que essa
crença deve ser abandonada como candidata ao conhecimento).Resposta: certeza – isto
é, se ele encontrar razões para duvidar de algo, não o aceitará como conhecimento.
(Cf. p. 1, coluna da esquerda) Minha razão me diz que além de desaprovar proposi-
ções que são obviamente falsas, eu também devo desaprovar aquelas que não são
completamente certas e acima de qualquer suspeita. Sendo assim, tudo o que preci-
so pra rejeitar todas as minhas opiniões é encontrar em qualquer delas uma sombra
de dúvida.
2. Há duas coisas que ele acreditava saber através de seus sentidos. Como diferenciá-las?
(Isto é complicado e nos escapa facilmente. Talvez você deva resolvê-la juntamente com
a questão três – escolha-as pelas razões que você tenha para duvidar delas).
3. Quais razões ele tem para duvidar do que ele acreditava saber? (Nota: as duas primeiras
são difíceis de separar. Faça seu melhor e tente descrever o que ele está fazendo).
a) Via sentidos (1): normalmente, duvidamos deles – fazemos esse tipo de raciocínio
errado o tempo todo.
a) Via sentidos (2): essas coisas parecem óbvias; normalmente, não duvido delas. Mas
como saber que não estou sonhando?
© ÉTICA 11
Pergunte à sala: alguém já teve um sonho tão vívido a ponto de ficar em dúvida se aquilo
realmente aconteceu ou não? Alguém já ficou confuso a ponto de não se lembrar se disse algo
a alguém ou se só sonhou que disse? (Comum: alguém sonha com uma conversa por telefone,
e não se lembra se ela realmente aconteceu).
• O problema para qualquer possível solução é de que você poderia estar sonhando em
estar procurando as provas.
5. Por que seria benéfico para seu plano geral fazer assim?
Este é Descartes aplicando o princípio da caridade. Ele provavelmente não está SERIAMEN-
TE interessado em saber se está dormindo, mas ele não pode provar que não esteja. Como
ele está interessado em demonstrar a falsidade do ceticismo, ele vai procurar construir o ar-
gumento mais convincente possível A FAVOR do ceticismo. Sendo assim, como ele não pode
provar que ele não está sonhando (mesmo que esteja quase convencido de que não está), ele
não vai permitir que nenhuma experiência sensorial contamine seu argumento.
De volta à 3C.
3. C. Via razão:
Ele quer falar de coisas que sãonecessariamente verdadeiras,como, por exemplo, arit-
mética e geometria (2+3=5, quadrados têm quatro lados).
Porque eu não posso desconsiderar que talvez haja um espírito do mal que faça as coi-
sas parecerem verdadeiras quando elas são na realidade falsas.
Com isso, ele questionou praticamente todo o conhecimento. O que sobreviverá a esse
questionamento?
6. No final de Meditação 1, parece que o ceticismo venceu. O que Descartes precisa fazer
para demonstrar que o ceticismo está errado?
Ele precisa encontrar algo que não possa ser passível de dúvida! Isto não vai ser fácil. Em
Meditação 2, é por isso que ele vai procurar.
12 PLANO DE AULA
DIA 3 – MEDITAÇÃO 2
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Infelizmente, sua vitória é quase insignificante. Tudo que ele consegue demonstrar é uma
única verdade: ele existe. Ele pode até dourar a pílula um pouco – ele é uma coisa que pensa,
mas fica por aí.
Em M2, encontramos três argumentos. O primeiro é o Cogito. Esse é seu argumento contra
o ceticismo. Mesmo que ele nunca tenha dito “eu penso, portanto eu sou” (ou o pouco de latim
que a maioria das pessoas possam entender: cogito ergo sum), essa é uma boa síntese de seu
argumento.
A segunda parte de M2 é sua discussão sobre que tipo de coisa ele é (chamamos de o argu-
mento “Coisa Pensante”). Ele costumava pensar que era um homem, talvez um animal racional,
mas essas ideias não conseguem irromper sabre os argumentos do ceticismo presentes em MI.
Tudo que ele pode dizer é que ele existe, e que essa coisa que existe é fundamentalmente uma
coisa pensante. Ele retomará mais tarde essa reflexão para defender uma postura dualista. Ele
é fundamentalmente uma mente. Se ele tem um corpo (o que ele não pode afirmar por hora,
mas o fará em breve), ele não é algo tão central para sua identidade.
A seção final dessa peça é sobre sua discussão acerca do “Pedaço de Cera”. É um argumento
suplementar para forçar seu racionalismo. Ele entende que o que argumentou até agora é con-
traintuitivo, e que a maioria das pessoas está presa à ideia de que podemos realmente duvidar
de nossos sentidos. Esse argumento é para reforçar o caráter central da razão para se chegar
ao conhecimento, em detrimento da experiência sensorial.
Objetivos
Novamente, como os estudantes devem ter concluído a leitura do guia de estudos, seria
melhor que eles pudessem dar a interpretação de sua leitura aqui. O instrutor pode ajudar a
preencher as lacunas.
© ÉTICA 13
1. COGITO
A maneira para se destruir as boas razões para se duvidar é encontrar algo do qual NÃO
se possa duvidar. Enquanto ele se senta e se ocupa em descobrir se pode conhecer algo, ele
se espanta com a ideia de que talvez ele nem exista. Afinal de contas, parece que ele pode
duvidar de seus sentidos e, portanto, duvidar que ele sequer tenha um corpo. Temos que nos
preocupar se estamos sendo iludidos por esse corpo, assim como ele pode estar causando to-
dos esses pensamentos, MAS, mesmo que ele tenha todas essas dúvidas, precisa haver ALGO
que está duvidando ou que está sendo iludido. Logo, ele PRECISA existir.
Você NÃO pode duvidar, por um bom motivo, da afirmação “eu sou, eu existo”, porque,
mesmo que se tente duvidar dela, há algo que realiza esse pensamento, e esse algo precisa
necessariamente existir.
Esse argumento geralmente é dado como “penso, logo existo” – ele nunca disse essa frase,
mas essa frase dá nome ao argumento: “cogito” – nome em latim para esse argumento (em
latim, o argumento é cogito ergo sum, que é “penso, logo existo”).
1. Eu agora penso;
Portanto,
Mesmo que ele esteja certo sobre esse raciocínio, pode ele sustentar o resto de todo seuco-
nhecimento (do qual ele se livrou através do ceticismo, mas que espera poder reaver)?
O espírito do mal ainda pode ser uma preocupação real; uma vez que você o retire da gar-
rafa, é difícil colocá-lo de volta (mas Descartes está convencido de que o EM não conseguirá
destruir o Cogito).
2. COISA PENSANTE
Então, agora ele sabe QUE ele é. A questão agora é, O QUE ele é?
Ele começa por listar todas suas crenças prévias sobre o que ele era: ele era um corpo com
uma alma.
Qual é o ponto aqui? Queremos saber quais coisas são NECESSARIAMENTE parte de você.
Re: Homem/Animal racional: muitas ideias envolvidas nessa ideia. Comece com algo mais
básico.
Re: corpo – “rosto, mãos, braços” etc. (e a alma é sua causa – comer e andar, alma é o que
“anima” o corpo – o que faz ele funcionar – não é como nossa ideia de alma).
Ele admite que nunca houve um bom motivo para ele duvidar de seu corpo antes: “Eu acre-
ditava que eu conhecia sua natureza claramente” (p. 134a).
Mas,
Agora nos preocupamos com a ilusão. Todas essas coisas podem ser falsas, eu posso du-
vidar delas. E, mais importante, mesmo que ASSUMA que são falsas, ainda há um “eu” aqui,
então, eu (em essência) devo ser diferente dessas coisas (ele quer atingir o “núcleo necessá-
rio” da ideia do que ele deve ser). A única coisa que ele não pode separar de si é o pensamento
(pois, mesmo que se duvide dele, você está pensando!).
14 PLANO DE AULA
Logo, sou uma coisa pensante – eu sou algo que essencialmente pensa (minha natureza é
pensar).
Por exemplo, o essencial no triângulo não é seu tamanho, cor etc., mas que ele é uma “fi-
gura plana, fechada, de três lados”.
3. PEDAÇO DE CERA
Ele tem um pedaço de cera que tem um determinado formato (figura), cheiro, cor, gosto
doce, é um pouco frio e, se você bater nele, faz um ruído (é meio duro). Resumindo, ele tem
várias qualidades físicas particulares que usamos para reconhecê-lo como um corpo.
Mas, à medida que ele o aproxima do fogo, todas essas propriedades mudam. O cheiro
muda, o gosto desaparece, a cor muda, ele fica mole.
E, mesmo assim, não tenho NENHUMA dúvida (adicional) de que é a mesma cera. Como eu
sei isso?
• Não pode ser através dos sentidos – todas as informações colhidas através dos sentidos
mudaram.
Eu abstraio da cera e tento captar o que é necessário nela, ou seja, o que permanece quan-
do eu retiro tudo o que eu posso e mesmo assim continuo com um pedaço de cera. É da mesma
maneira que fizemos quando procuramos por definições anteriormente (por exemplo, quando
observamos um triângulo).
Todo o remanescente da cera é uma certa coisa estendida (um corpo, uma massa) que é
flexível e deformável. O que quero dizer com flexível e deformável?
Será que posso imaginar todas as possíveis formas que ele pode tomar? Não, pois ele pode
tomar uma infinidade de formas, e eu não posso imaginar a infinidade.
Logo, como eu tenho uma ideia da cera, que eu posso adquirir através dos sentidos e da
imaginação, eu devo percebê-la (a ideia) somente por intermédio da minha mente (razão).
Ele é forçado a concluir que, mesmo que tenha começado por dizer que PARECIA que ele
conhecia melhor as coisas através dos sentidos, e que nesse caso isso não é verdadeiro, ele
deve conhecer as coisas apenas através de sua mente. E deliberando acerca dessas coisas, ele
está aprendendo mais acerca da natureza de sua mente.
Nota do instrutor: alguém pode chegar a outra conclusão após revisar esse material, sa-
lientando o conceito de “ideias inatas” e a força relativa das crenças racionais sobre as crenças
baseadas nos sentidos. Você pode contra-argumentar que a natureza do conhecimento pro-
vada em M2 é de que ela é necessariamente verdadeira (não pode ser duvidada) e que, para
Descartes, enquanto ele reconstrói o conhecimento, as verdades mais próximas a isso serão
mais “firmes” (mantendo a noção fundacionalista) que as verdades sensoriais.
(Uma sugestão é você resumir o seguinte com base em quanto tempo você acredita ter
disponível.
Não é necessário entrar em detalhes acerca do argumento Ontológico. Você pode voltar a
esse argumento durante a seção de filosofia da religião do curso).
© ÉTICA 15
Meditação 3
A vitória sobre o ceticismo em M2 é, de alguma forma, técnica: sim, ele provou que po-
demos ter conhecimento, mas há apenas UMA COISA que podemos conhecer (talvez duas,
dependendo de sua abordagem): eu existo e sou uma coisa pensante.
Mas ele busca uma teoria do conhecimento. Como ele vai reconstruí-la?
Ele percebe que há um aspecto novo em seu conhecimento. Ele tem “clareza e distinção” – e
espera poder usar essas características para reconhecer outras verdades.
Como ele vai reconstruir o Conhecimento? Bem, “ele analisou os conteúdos de sua mente
e descobriu que nela contém certas ideias inatas, incluindo “self”, “substância”, “identidade” e
“Deus”3.Essas ideias inatas compartilham as mesmas qualidades de serem “claras e distintas”
que a noção do “eu” tem (como em “eu existo”). Então, ele tem algumas ideias inatas, mas
como descartar a noção do Espírito do Mal?
O que é preciso para derrotar um demônio? Deus. Então ele tenta provar que um Deus
onipotente, benevolente e perfeito existe, e não permitiria a existência de um Espírito do Mal.
Assim que ele conseguir provar sua existência, ele poderá confiar que as ideias “claras e
distintas” serão verdadeiras.
Esse é seu argumento. Discutiremos argumentos sobre Deus na parte de filosofia da religião
do curso. É suficiente salientar por hora que ele faz uma boa tentativa, mas, ao final das con-
tas, seu argumento é redundante.
(A causa da ideia de Deus deve explicar não apenas por que eu tenho a ideia, mas também
por que eu tenho uma ideia de Deus em particular).
3. A causa da minha ideia do ser infinito (Deus) não pode ser finita, e deve também ser
infinita.
(Reivindicação: a única maneira que podemos ter uma ideia de um ser infinito é a existência
de uma causa infinita dessa ideia. Isso é uma suposição problemática.
Se você não estivesse previamente predisposto a acreditar na existência de Deus, você pro-
vavelmente não aceitaria essa premissa).
7. Deus é perfeito.
Donald Palmer, Looking At Philosophy: The Unbearable Heaviness of Philosophy Made Lighter, 3. ed. (McGraw-Hill
3
16 PLANO DE AULA
(Novamente, uma suposição bastante problemática).
Se Deus existe, e não é uma ilusão, podemos, a partir daí, abstrair uma regra: todas as
ideias claras e distintas são verdadeiras (e são inatas – são a marca registrada de Deus). A
partir daí, podemos reconstruir o Conhecimento.
Descartes nega a possibilidade de se ter uma noção do infinito por meios finitos, mas não é
certo se isso é verdadeiro.
• Ele levanta essa questão ao menos em dois momentos durante sua argumentação. (#3
& #8)
• Mas essa noção (Deus não ilusório) lhe possibilita a reconstrução do mundo.
• Uma vez que temos um Deus que existe e não é ilusório, podemos contar com Ele.
Resposta: porque não confiamos em Deus, ou não prestamos a devida atenção no que es-
tamos fazendo. É sempre nossa culpa.
Mas não parece estranho no caso do erro dos sentidos? (Quando não posso ver com nitidez
se é um fiapo de roupa ou uma pequena aranha? Como isso pode ser minha culpa?)
© ÉTICA 17
DIA 4 – DO RACIONALISMO AO EMPIRISMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem poder formular um raciocínio sobre qual eles acham mais convincente
e por quê.
1. EMPIRISMO X RACIONALISMO
Vocabulário
“todos os triângulos têm três lados” você não sabe isso através da comparação com triân-
gulos reais – você sabe através da análise do que as palavras significam.
“a égua é a fêmea do cavalo” isso seria verdadeiro mesmo que não existissem cavalos,
18 PLANO DE AULA
porque esse é o único significado da palavra “égua”.
“há uma mesa nesta sala” temos de dar uma olhada na sala pra verificar se isso é ver-
dadeiro.
“estou usando sapatos” temos de olhar para meus pés para confirmar.
Racionalismo Idealizado
“Idealizado” porque, em sua maior parte, é verdadeiro, mas provavelmente deve haver ra-
cionalistas que não concordam com todas as suas partes.
Isso não é sobre apenas dizer coisas que são verdadeiras por definição, por exemplo: “O
solteiro é o homem (adulto) não casado” ou “o triângulo tem três lados”. Racionalistas defen-
dem que verdades como “tudo tem uma causa” são, ao mesmo tempo, a priori (conhecíveis
independentemente da experiência), além de nos informar sobre fatos reais do mundo.
4. Existem ideias inatas. Ou seja, temos ideias que nascem com a gente (geralmente, serão
as verdades correspondentes ao #1 acima).
Empirismo Idealizado
Da mesma forma, nem todos os empiristas vão concordar com tudo aqui descrito, mas isso
nos dará uma boa visão geral.
1. Negam que as verdades sejam a priori. Todas as verdades informativas são a posteriori.
3. Enfatizam o papel das ciências naturais como frutos da observação sensorial. O tipo de
conhecimento que estamos realmente interessados é aquele que nos revela o mundo – e
é esse que a ciência nos proporciona.
© ÉTICA 19
(Para os empiristas, ciência é conhecimento do “real”. A lógica e a matemática são úteis e
importantes, mas não tão importantes quanto a ciência, que nos ajuda a descobrir as verdades
sobre o mundo).
4. NÃO existem ideias inatas. Toda ideia que temos adquirimos através da experiência.
Não podemos conhecer verdades informativas (isto é, verdades sobre o mundo) através
da razão. Conhecemos as verdades informativas através das experiências sensoriais, ou
seja, a posteriori.
Tenha isso em mente enquanto nos preparamos para adentrar a seção de epistemologia.
Rodada 1: o aluno deve descrever sucintamente o que ele/ela acredita ser o conhecimento.
(Pode ser um rearranjo do que eles escreveram no primeiro dia, a não ser que tenham mu-
dado de opinião).
Rodada 2: leia e analise – você pensa que essa visão se assemelha mais à visão racionalista
ou empirista? Que evidências apoiam sua resposta?
Rodada 3: leia APENAS a afirmação original e analise – você pensa que essa visão se asse-
melha mais à visão racionalista ou empirista? Que evidências apoiam sua resposta?
Rodada 4: leia as respostas. Você concorda? O que você acrescentaria para fortalecer seu
ponto de vista?
Debate em grupos pequenos: vocês conseguem entrar num acordo com o racionalismo ou
empirismo?
Se sim, qual vocês acreditam ser a melhor razão para escolher esse ponto de vista? Se não,
qual o ponto maior de discordância entre vocês?
20 PLANO DE AULA
DIA 5 – LOCKE: ENSAIO REFERENTE AO
ENTENDIMENTO HUMANO
Conteúdo: Método:
Nota sobre a leitura: essa leitura compreende o argumento de Locke contra as ideias inatas,
assim como sua visão de onde vem nossas ideias. Os alunos devem estar preparados para
apontar os argumentos de Locke contra as ideias inatas e debater sobre de onde ele acredita
surgir nossas ideias.
Orientações ao professor
Com Descartes, vimos que o sarrafo para se obter o conhecimento foi colocado muito alto:
precisamos de certeza para adquirir conhecimento. Para que se possa conhecer, ele tem de
contar com a existência de um Deus que criou um mundo que seja capaz de nos prover com
a certeza. Ele também conta com as ideias inatas como sendo parte da fundação do conheci-
mento.
Locke pensa que tudo isso é tolice. Ele tem uma abordagem muito mais tranquila para o
conhecimento. Ele vai baixar o sarrafo consideravelmente.
Ele foi o primeiro a criticar a epistemologia de Descartes. De início, ele ataca a noção de que
há ideias inatas e, em seguida, sugere uma noção alternativa de onde nosso conhecimento
brota. É de Locke que adquirimos a noção de tabula rasa: ele argumenta que, quando nasce-
mos, nossa mente é uma “página em branco”, que é escrita pela experiência.
© ÉTICA 21
Por que acreditar nisso? Bem, pense em como as teorias (ou argumentos) funcionam. Cada
ideia ou entidade proposta em uma teoria precisa ser justificada, e todo adendo à teoria tam-
bém adiciona uma fragilidade e possibilidade maior de erro (porque você adiciona algo mais
que precisa ser justificado). Sendo assim, dadas duas teorias, aquela com menos “bagagem”
(ideias e entidades injustificadas) é mais provável de estar correta.
Muito pode ser aprendido ao prestar atenção como Locke procede neste momento. Ele se
move vagarosa e cuidadosamente através dessas ideias. Mesmo que estejamos descontextua-
lizando parte de seus argumentos, os alunos podem notar como ele procura ser justo com as
visões contra as quais argumenta.
Objetivos e Conceitos-chave
“Introdução”
1. Há muito entusiasmo nos escritos de Locke que abordaremos. “Nosso estudo será ao
mesmo tempo útil e agradável”. Ótimo material!
Ele está explicando sua tarefa aqui – estudar o entendimento. Isto é, estudaremos o conhe-
cimento. Mas é complicado. É como tentar ver o seu olho – em condições normais (sem espe-
lho, sem reflexo), você não consegue. Seu olho percebe o mundo, mas não pode SE perceber.
A mente também opera dessa forma, eventualmente: “Requer arte e esforço para colocá-la a
uma certa distância e torná-la objeto de si mesma”.
“Não posso dizer” “Ok, se me forçar a di- “Acho que sim, mas “Tenho certeza e digo o “Não tenho dú-
zer, então sim” sem certeza” porquê” vidas”
Uma das grandes diferenças aqui é: onde repousa o conhecimento neste espectro?
Eis a questão com a qual Locke principia – como diferenciá-las, e onde repousa o conheci-
mento?
Seu objetivo: “dar qualquer consideração sobre a qual nossos entendimentos alcançam as
noções que temos das coisas; e poder estabelecer qualquer medida de certeza de nosso co-
nhecimento; ou os terrenos dessas persuasões que devem ser encontradas entre os homens,
tão variadas, diferentes, e completamente contraditórias” e mesmo assim tão arraigadas, que
nos faz cogitar que “ou não existe essa coisa de ‘verdade’ ou a raça humana não possui a ca-
pacidade de atingir um determinado conhecimento dela”.
Novamente, como em Descartes, ele quer saber se os céticos estão certos. E, se estiverem
errados, quais são os limites sobre o que podemos dizer que sabemos? Para responder a essa
pergunta, ele vai demonstrar como chegamos a nossas noções e de que forma julgamos como
essas noções contam como conhecimento, crença, opinião ou consentimento.
22 PLANO DE AULA
3. Método: distinguir as fronteiras entre opiniões e conhecimento e descobrir uma maneira
de julgar em que grau podemos aceitar aquelas noções sobre as quais não podemos ter
certeza (por exemplo, o caso da aterrissagem na Lua).
• Descubra o porquê de assentirmos a proposições que não podemos saber com certeza.
Livro 1
1. Ideias Inatas
Ele está levando em consideração a ideia de que alguns aspectos do conhecimento são im-
pressos em nosso cérebro durante o nascimento.
Ele demonstra que essa ideia é falsa ao mostrar que podemos adquirir todo nosso conhe-
cimento sem ela (isso é o que ele vai explorar mais no Livro Dois). Ele quer demostrar que a
ideia de “ideias inatas” é inútil.
Por exemplo: não presumimos que as cores são inatas ao olho, porque entendemos que há
um mecanismo que permite ao olho captar a cor do mundo externo. De forma semelhante,
talvez o entendimento possa captar as ideias/conhecimento do mundo externo também.
Ele vai argumentar, inicialmente, que não temos um bom motivo para aceitar essa ideia,
para começo de conversa. Mas o simples fato de que ela conflita com o senso comum não é
bom o suficiente, precisamos realizar uma investigação cuidadosa [princípio da caridade].
→ Talvez valha a pena ter um debate acerca da Lâmina de Ockham aqui, ou em algum ponto
durante o Livro 2, quando suas conclusões pendem ao empirismo. A noção de ideias inatas é
complicada, pois ela requer que tenhamos conhecimento desde o nascimento (apesar do fato
de que as crianças não saibam muita coisa). Se ele puder demonstrar que a aquisição do co-
nhecimento não requer esse tipo de complicação, isso falará a seu favor.
Esta NÃO é a visão de Locke! Esta é a visão com a qual ele vai contra-argumentar. Ele vai
descrever esse ponto de vista e depois vai mostrar que ele está errado. (Os alunos às vezes
têm dificuldade em entender que ele inicialmente está descrevendo o ponto de vista OPOSTO.
Este é um bom momento para reforçar a ideia do princípio da caridade).
Ideias inatas são normalmente defendidas pelo apontamento de que existem ideias (prin-
cípios) que parecem ser universalmente aceitas pelas pessoas – tanto as ideias especulativas
(ou seja, noções abstratas) quanto as práticas. A ideia defendida é: como elas podem ser tão
universais se não forem inatas?
© ÉTICA 23
3. Problemas com o Argumento:
Primeiramente, mesmo que seja verdade que existam princípios que “gozem” de consenti-
mento universal, isso não prova a veracidade das ideias inatas se houver outra explicação (que
ele acredita poder dar).
Mas, de qualquer maneira, não parece termos um bom motivo para concordar com ela. Mes-
mo com verdades lógicas (por exemplo: “tudo o que é, é” e “É impossível para a mesma coisa
ser e não ser”), que aparentam ser inatas, não parece haver um consenso universal sobre elas.
Há vários lugares onde as pessoas nunca pensaram ou ouviram falar delas. Como isso seria
possível se fossem inatas?
Para começar, “crianças e idiotas” não sabem delas, e apenas essa observação é o suficiente
para “destruir o assentimento universal que precisa ser o companheiro necessário de todas as
verdades inatas”.
Ou seja, há muitas pessoas que não sabem das coisas que são tidas como inatas. Uma das
defesas a esse fato é: “elas estão lá, eles só não conseguem acessá-las”. Sendo assim, parece
quase contraditório afirmar que existem verdades inatas, “impressas na alma”, mas que a alma
não percebe nem compreende. Não faz sentido dizer que elas estão lá, mas você não sabe. Tal
reivindicação faz da noção de “inato” sem significado.
Algumas pessoas tentam se livrar desse argumento, afirmando que as ideias inatas são,
na realidade, uma “capacidade para o conhecimento”. Se não forem cuidadosos, essa linha de
raciocínio os leva à conclusão indesejada de que todo conhecimento é inato.
E se você (defensor das ideias inatas) trilhar esse caminho, estará apenas usando a lingua-
gem de forma equivocada porque, em último caso, você estará dizendo a mesma coisa que
aquele que rejeita as ideias inatas, exceto pelo fato de que estará acrescentando “mas elas são
inatas” ao final de sua declaração.
Sendo assim, alguns tentam dizer que a capacidade é inata, e o conhecimento, adquirido,
mas, a partir daí, você perde as “máximas inatas” que lhe deram motivos para justificar as
ideias inatas no início.
Aparentemente, não há bons motivos para pensar que as ideias inatas existam.
Livro 2, Capítulo 1
O livro 1 foi a construção de seu argumento negativo contra o racionalismo. Agora o ônus
está sobre ele para construir um argumento positivo sobre o que seja o conhecimento, já que
não é baseado em ideias inatas.
Debate provável:
Vale a pena debater com os alunos as diferenças entre argumentos negativos e positivos.
Algumas vezes eles levam para o lado pessoal, ou querem defender aqueles que se en-
contram “sob ataque” com argumentos negativos. Mas, se alguém tem uma boa teoria, ela
por si própria terá em seu cerne os meios para se defender dos ataques. Aprendemos o quão
consistente ela é ao observá-la se defender do criticismo. Criticamos teorias para avaliar sua
força, não para vencer um argumento barato ou para fazê-la parecer burra. O objetivo final
é a verdade. Mesmo que Locke não tivesse uma teoria a favor de uma determinada visão do
conhecimento, isso não diminuiria a validade de sua crítica ao racionalismo. Os alunos costu-
mam achar injusto quando um filósofo “destrói” uma teoria, sem oferecer outra para colocar
no lugar. Ajudá-los a identificar essas ideias pode ser valioso.
24 PLANO DE AULA
1. A mente possui várias ideias – de onde elas vêm?
2. A mente principia como um papel em branco (ou tabula rasa) – sem características –
então, de onde ela adquire o material da razão e do conhecimento? Da experiência éa
resposta de Locke. Existem duas fontes de conhecimento.
(Questão para debate: quais são as razões para acreditar na noção de tabula rasa? Parece
correto que só podemos conhecer as coisas através da experiência?).
Por exemplo, percepção, sede, duvidar, acreditar, raciocinar... E outros atos de nossa própria
mente.
5. Não há ideias em sua mente que não provêm dos sentidos ou da reflexão.
6. Se você pensar sobre uma criança, terá poucos motivos para acreditar que eles tenham
ideias inatas. Elas as adquirem através da experiência. Se um garoto for criado em um
ambiente em preto e branco apenas, ele não saberá o que é verde.
Debate: liste itens que podem ser classificados como sensação ou reflexão. Alguém pode
pensar em qualquer ideia cuja ”fonte” não seja das sensações ou reflexão?
Se você tiver uma boa turma: pergunte por histórias engraçadas sobre coisas que eles de-
moraram a entender além do normal, por conta da falta de experiência. Por exemplo, minha
tia foi criada em São Paulo capital e depois se mudou para o interior de Minas Gerais durante
o Ensino Médio.
Ao visitar uma fazenda um dia, ela perguntou ao meu pai o que era aquilo que estava sen-
do “retirado” da vaca por um homem sentado em frente a ela. Ela não sabia que o leite era
extraído daquela forma.
© ÉTICA 25
GUIA DE LEITURA DE DESCARTES – MEDITAÇÃO 1
Nota:títulos de livro e termos chave estarão em itálico. Pode ser interessante fazer anota-
ções, pelo menos dos termos chave. Como já deve ter notado, na Filosofia, tem muito vocabu-
lário envolvido! Não é só porque é legal e interessante aprender palavras novas – isso também
nos ajuda a pensar de maneira mais precisa.
A motivação de Descartes para escrever essas Meditações é que ele está sinceramente
interessado em descobrir se podemos de fato ter algum conhecimento (deste modo, ele está
interessado em uma área da Filosofia chamada epistemologia – isto é, o estudo da natureza
do conhecimento), e o que esse conhecimento nos diz acerca da natureza do mundo (e este é
seu interesse em outra área da Filosofia, chamada metafísica – o estudo da natureza da rea-
lidade). Veremos ele em seu embate com a epistemologia em Meditação 1 (M1) e Meditação
2 (M2) e veremos o começo de sua metafísica em M2, quando ele vai começar a construir seu
dualismo. Dualismo é a crença de que a mente e o corpo (cérebro) são, necessariamente, en-
tidades separadas (ou seja, elas podem ser relacionadas e interagir, mas são, inerentemente,
coisas diferentes).
1. Descartes sugere usar uma ideia em particular que pode ajudar a estabelecer a verdade.
E qual é? (ou, por outro lado, ele sugere que a falta dela indica que a crença deve ser
descartada como candidata ao conhecimento) Descartes pensa que podemos diferenciar
entre dois tipos de conhecimentos que temos através da experiência sensorial – também
chamado de conhecimento a posteriori. Esse tipo de conhecimento depende da experiência
para se determinar seu valor de verdade (ou seja, pra saber se é verdadeiro, você precisa
ir ver, ou fazer um experimento). Também temos o conhecimento através da razão –
também chamado de a priori (isso teria a ver com saber a verdade que tem a ver com a
própria ideia, ou com sua definição. Por exemplo, você não precisa encontrar um solteiro
para saber que solteiros são homens adultos não casados, ou que um triângulo tem três
lados – essas coisas são verdadeiras por definição).
a) Existem tipos de crenças que ele conhecia através dos sentidos. Como elas diferem
entre si? Isso é complicado – passa desapercebido num piscar de olhos. Talvez você
tenha de fazer a questão três ao mesmo tempo – escolha elas pelas razões que você
tenha pra duvidar delas.
A. (Descreva):
B. (Descreva):
b) Que razões ele tem para duvidar do que ele achava que sabia? (Nota: as duas primei-
ras são difíceis de separar. Faça seu melhor e tente descrever o que ele está fazendo.)
2. Ele está disposto a aceitar um estado de coisas bastante improvável a favor do argumento
cético, em particular, aquele relacionado às razões que temos para duvidar de nosso
conhecimento baseado na razão (mas isso também é verdade para um de seus argumentos
contra o conhecimento através da experiência sensorial). Ele faz isso por dois motivos.
Uma delas é por conta de seu entendimento sobre o que requer o conhecimento. Outra
26 PLANO DE AULA
é porque, no final, será benéfico ao argumento que ele vai propor (seu objetivo final é
demonstrar que PODEMOS ter conhecimento – ele só está se passando por cético por um
curto período).
© ÉTICA 27
GUIA DE LEITURA DE DESCARTES – MEDITAÇÃO 2
Meditação 2: este trabalho tem três seções distintas. O objetivo de Descartes aquié refutar
o argumento cético que ele construiu ao longo de Meditação 1, assim como adquirir um enten-
dimento sobre a natureza do conhecimento que ele defendeu.
Seção 1 – o que eu sei: Descartes começa dizendo que, mesmo com todas as considerações
em Meditação 1, tem uma coisa que ele pode saber que é necessariamente verdadeiro.
2. Como ele pode saber isso, dadas todas as razões que ele tenha para duvidar disso? (Ou
seja, por que isso é necessariamente verdadeiro?).
Seção Dois – qual é a natureza disso? Ele acreditava que o pouco de conhecimento que ele
necessariamente tem existia com algumas propriedades determinadas. Ele ainda não descar-
tou os motivos que tem para duvidar, então ele precisa agora saber o que ele pode efetivamen-
te conhecer. Ele começa por examinar todas as coisas que ele acreditava serem verdadeiras e,
em seguida, as reavalia para certificar se ainda pode continuar acreditando nelas. (Note que
ele está começando sua defesa do dualismo aqui).
1. Liste as propriedades que ele acreditava que essa coisa tinha, e como ele pode duvidar
delas agora. (Você pode listar três propriedades ou duas propriedades principais com uma
delas possuindo subpropriedades. Não se esforce demais tentando fazer isso de forma
perfeita, apenas demonstre o ponto de vista dele!)
Seção Três: o pedaço de cera: Descartes se dá conta de que muito do que ele diz não com-
bina com a maneira como normalmente pensamos sobre essas coisas. No entanto, ele quer
dar outro exemplo para demonstrar que, apesar do que ele diz desafiar o “senso comum”, ele
acredita poder demonstrar que mesmo assim ele está certo (assim como Galileu, talvez?).
2. Por que minha experiência dos sentidos não é a fonte de meu conhecimento de que é o
mesmo pedaço de cera?
3. Por que minha imaginação não é a fonte? (Lembre-se – ele tem uma noção bastante
particular sobre o que é imaginação!)
4. Esta é complicada – como é que minha razão deve ser a fonte de meu conhecimento?
Note – ele está construindo a ideia de conhecimento inato.
Ou seja, conhecimento com o qual você nasce. (NÃO confundir com instintos, que são res-
postas pré-programadas para estímulos específicos. Ele fala sobre nascer SABENDO coisas).
Pensamentos resumidos
Então, ao final de Meditação 2, ele prova que os céticos estão errados, porque podemos
conhecer algo. No entanto:
28 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Estética
Planos de aula
4
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Estética
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 22 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
Ética
Ética Aplicada
4
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
DIA 1 – O QUE É A ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE?
Introdução
Sugestões de implementação
1. Pergunte aos alunos se eles estão familiarizados com a ideia de estética. Defina o termo
e depois solicite exemplos de cada um dos cinco sentidos de uma experiência estética.
Faça um gráfico ou escreva cada modalidade de sentido no quadro e compile uma lista de
exemplos.
• Como você define “beleza”? Ou seja, por que você diz que um objeto particular é lindo?
© ESTÉTICA 5
Veja o anexo Beautiful or Ugly e discuta por que você escolheu uma designação em vez de
outra.
A filosofia da arte levanta muitas questões de estética que focam objetos de arte. Desde
o século XIX, os filósofos tendem a dividir a estética da filosofia da arte como duas questões
distintas, mas relacionadas. Para começar sua aventura filosófica, comece com a coleta de
perguntas e problemas.
Perguntas de reunião
1. O que faz com que um objeto seja um objeto de arte? O que é considerado uma obra
de arte na música, literatura, pintura, escultura, arquitetura ou dança? Essas questões
indagam sobre a ontologia da arte.
2. Como os artistas criam? Eles sabem o que eles significam em suas obras? Qual o papel
que a intenção desempenha? O gênio artístico é um presente ou pode ser adquirido,
aprendido? O que é criatividade artística?
3. O que é um julgamento estético? Os críticos sabem mais do que outras pessoas? O que o
público contribui para o trabalho?
5. Nós precisamos de arte? Qual papel ela desempenha na sociedade? E em nossas vidas
individuais? A arte pode ser imoral?
Essas questões constituirão a base das próximas unidades. Solicite outras perguntas que
os alunos possam ter sobre pensar a arte filosoficamente. Crie uma lista de todas as questões
geradas pela classe para servir como “roteiro” em futuras sessões.
Atividade “É arte?”
Nesta aula, examinaremos o que pode ser classificado como um objeto de arte.
1. Peça aos alunos que façam uma lista de todos os tipos de arte que possam pensar.
2. Apresente a eles o vídeo «É arte?» e peça que discutam por que classificariam cada
exemplo como arte ou não arte. Se tudo ou qualquer coisa pode ser arte, a arte perde o
seu significado?
a) Uma colcha.
b) Um garfo e uma faca.
c) Um jardim.
d) Um jantar de sushi.
e) Um vestido desenhado por Calvin Klein.
f) Uma lata de sopa antiga.
g) Uma escultura de neve.
Utilize uma cópia de Why do Cats Paint? A theory of Feline Aesthetics, por Heather Busch e
Burton Silver (Ten Speed Press,
1994).1
1
A obra citada, assim como as demais referências em língua inglesa, é utilizada no texto original. Devido à especificidade
dos textos e a carência de versões traduzidas deles, não pudemos adaptar as leituras para a língua portuguesa. Assim,
deixamos a critério do professor fazer adaptações de leituras ou utilizá-las em seu idioma original.
6 PLANO DE AULA
Leitura Crítica: qual a diferença entre as Belas Artes e outros tipos de arte?
Apresente uma cópia de The Fine arts reduced to a single principle, de Abbe Batteux (1746),
que pode ser encontrada no Oxford Reader de Aesthetics.
Peça aos alunos que leiam isso em casa ou juntos na sala de aula.
Como Batteux classifica diferentes tipos de arte? Eles concordam com as distinções que ele
introduz? Como ele pode lidar com novas formas de arte? Vídeo? Música popular? Fotografia?
Estendendo a reflexão
Leia ou assista à peça A R T, de Yasmina Reza. Muitas de nossas questões atuais surgem
nesse debate entre amigos sobre o status questionável da pintura de um quadrado branco. O
vídeo está disponível em: <http://vimeo.com/6789494>. Último acesso em 10 jun. 2019.
Você pode, até mesmo, convidar os alunos para que produzam a peça como uma atividade
contínua.
© ESTÉTICA 7
DIA 2 – O STATUS DO OBJETO DE ARTE
Introdução
À primeira vista, pensamos em objetos de arte como objetos visuais que podem ser pendu-
rados na parede, colocados num pedestal. Eles são únicos. No entanto, a arte é uma categoria
muito mais ampla do que simplesmente as artes visuais, como descobrimos na última vez,
quando exploramos toda a gama do que poderia contar como um objeto de arte. Incluímos
todas as formas de literatura, teatro, música, dança, arquitetura, fotografia, talvez até mesmo
o design de uma página da web. Cada gênero oferece um conjunto diferente de questões e
problemas em termos de determinar o status do “objeto de arte”. A autenticidade é de grande
importância nas artes, mas é um conceito escorregadio quando se trata de literatura, fotografia
ou dança. Onde está o original? A autêntica obra de arte?
Plano de discussão
Discuta quais critérios você usaria para determinar o objeto de arte original ou autêntico
nos seguintes exemplos:
5. Star Trek.
7. O musical Rent.
Primeiro, peça aos alunos que descrevam o texto e trabalhem para reconhecer as principais
ideias.
• Quais são alguns dos falsificadores mais famosos? Se um falsificador é realmente bom,
por que o trabalho resultante não é considerado uma ótima arte?
8 PLANO DE AULA
Fotografia de Ansel Adams.
© ESTÉTICA 9
DIA 3 – A NATUREZA DA CRIATIVIDADE ARTÍSTICA
Introdução
Os antigos gregos consideravam que os artistas eram inspirados pelas musas. O gênio ar-
tístico era um presente, um talento concedido a alguns, mas não a outros. Essa noção de arte
desapareceu na Idade Média, em que os artistas eram vistos como artesãos com treinamento,
e o trabalho duro era a chave para o sucesso. Os artistas eram simplesmente trabalhadores
contratados. Essa visão de artesanato persistiu, com variações ocasionais, até o século XIX na
Europa. Seus patronos aristocráticos viam a maioria dos artistas e compositores reverenciados
do Renascimento até os últimos períodos do Iluminismo como mãos contratadas, embora es-
peciais. Somente com o Romantismo do século XIX os artistas recuperaram seu status como
seres especiais que se comunicam com Deus e a Natureza de formas misteriosas e maravilho-
sas e podem compartilhar sua visão conosco, “pessoas comuns”.
O que os gênios artísticos precisam para criar as magníficas obras que eles fazem? Dois
critérios-chave são: o talento e a habilidade. As habilidades incluem a ampla gama de práticas
que se relacionam com o domínio de qualquer forma de arte. O talento é mais obscuro. Neste
momento, vamos convidar os alunos a explorar como a habilidade, a inspiração, o talento e,
talvez, a sorte convergem para tornar a pessoa “um(a) artista”.
Juntamente com o criador original ou autor do trabalho de arte estão os intérpretes. Em que
medida eles são também “artistas” e que relação existe entre o criador original e o intérprete
necessário?
I. O Artista
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Habilidades e disposições: o que você precisa para se tornar um artista? Exercício: ve-
rifique qual dos seguintes “itens” um artista precisa para ser um grande artista:
Ideias
Ótimas ideias
Ideias estranhas
Tintas e pincéis
Sentimentos profundos
Lona
Talento inato
Treinamento
Dinheiro
Personalidade
10 PLANO DE AULA
Veja os itens que você marcou:
Atividade
Em grupo, liste as habilidades específicas necessárias para se tornar um artista nas seguin-
tes artes.
1. Balé
2. Compositor de músicas
3. Ficção narrativa
4. Poesia
5. Teatro
6. Arquitetura
7. Artes visuais
8. Moda
9. Direção de cinema
Pergunta de discussão
Leitura Crítica: o professor pode discutir com os alunos a passagem de Kant da Crítica do
Juízo sobre o gênio artístico ou alguma outra referente ao tema.
Antes de apresentar essa questão, mostre aos alunos o seguinte vídeo: https://www.youtu-
be.com/watch?v=datcxAFC_x4. Pergunte o que a música expressa e transmite.
Conclusão: esta é uma banda de meninos mexicanos que toca com material reciclado.
Filme e discussão: assista ao filme My Child Can Paint That2 e peça aos alunos que discutam
se Marla, de quatro anos de idade, é uma artista e suas obras devem ser consideradas como
arte ou não. Este é um filme fascinante, que começou como uma característica sobre um incri-
velmente talentoso quatro anos em Binghamton, Nova York. O cineasta começou a ter dúvidas
à medida que o filme progrediu.
II. O Intérprete
Algumas artes precisam de um intermediário para nos permitir acessar: música, teatro,
dança são exemplos clássicos de artes do desempenho. De que forma um artista é um artista
em seu próprio direito? Sua responsabilidade é transmitir as intenções dos artistas? Para adi-
2
Filme indicado no texto original, em inglês. O professor pode substitui-lo por outro relevante ou abordar a questão com
os alunos da forma que achar conveniente. O importante é que eles reflitam sobre o assunto.
© ESTÉTICA 11
cionar suas próprias ideias ao trabalho? O que faz um artista excelente? Convide seus alunos
a considerar a natureza da criatividade artística como encontrada em artistas.
Toda música precisa de alguém para “arremeçá-la” para nós, mesmo que esse seja o pró-
prio ser. Assim, ao contrário das imagens, a música tem um intermediário entre o ouvinte e a
obra de arte. É uma questão intrigante perseguir o que faz um excelente artista: talento, trei-
namento, outra coisa? Existem músicos com muito treinamento que ainda não parecem fazer
justiça à música que realizam. Por que isso? Outros artistas têm pouco ou nenhum treinamen-
to e ainda são conhecidos por suas interpretações. Como é que os diferentes artistas podem
tocar a mesma peça com efeitos tão variados? E como podemos julgar entre eles? (Isto liga a
próxima lição sobre críticas de arte).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Adiciona sentimentos
Adiciona ideias
Interpreta
Traduz
Faça a coleta de amostras de músicos executando a mesma peça. Ouça todas as amostras
e discuta as variações no desempenho. Como cada um é único dos outros? Por que favorecer
um sobre o outro?
12 PLANO DE AULA
DIA 4 – PODEMOS JULGAR A ARTE? PAPEL DA
CRÍTICA E AUDIÊNCIA
Introdução
Nós já apresentamos a ideia de que, quando ouvimos música, olhamos para uma pintura,
lemos um poema, estamos fazendo certos julgamentos sobre se gostamos ou se é uma obra
de arte que vale a pena. De fato, chamar algo de “arte” pode ter dois significados básicos:
Afirmar que uma determinada obra de arte é um bom trabalho implica que temos um con-
junto de critérios contra os quais medimos o sucesso do trabalho dado. Nossa própria noção
do que o “trabalho de arte” pode ser é revelada em nossos critérios e nos nossos julgamentos
subsequentes. As distinções mais amplas aqui são entre arte como subjetivamente valo-
rada e arte como objetivamente valorizada. O primeiro representa a visão típica de que
o que faz um trabalho de arte bom é o nosso gosto. Como tal, o valor reside completamente
nas atitudes e reações do público/observador. Não existe um padrão independente ou externo
para avaliar seu valor. O último permite que haja alguns critérios objetivos que poderiam levar
a reivindicar que o Trabalho A é uma ótima obra de arte, independentemente das preferências
pessoais. A posição padrão comum parece ser a visão subjetiva, mas você não quer começar a
assumir que isso seja verdade. Podemos nos confundir com muitas coisas em nossas próprias
experiências. Eu posso ver meu melhor amigo do quintal e em seguida perceber que minha fe-
liz saudação foi enviada a um completo estranho. “Eu acho que você chamou meu nome.” Mas
não. Acredito que minha namorada seja fiel, mas, infelizmente, ela conheceu outra pessoa.
Embora confiemos em nossos sentidos e crenças, pois estes tendem a se enquadrar em nossos
padrões regulares de vida, percebemos que podemos nos enganar. Esses erros muitas vezes
confirmam nossas decisões adequadas para confiarmos no que experimentamos. Mas quando
se trata de arte, rapidamente assumimos que qualquer coisa pode acontecer, isso depende
apenas da vontade alguém. Para problematizar esse ponto de vista padrão, queremos que
os alunos adotem uma atitude mais crítica e reflexiva sobre o mundo da arte. Talvez existam
critérios legítimos para medir uma obra de arte. Se escolhermos exemplos extremos, talvez
possamos ajudá-los a fazer a distinção entre essas duas reivindicações:
Convide seus alunos a explicar qual é a diferença entre essas duas reivindicações –
por favor, escolha um trabalho que possa ser familiar para a aula se os Beatles tive-
rem envelhecido.
Plano de discussão
© ESTÉTICA 13
3. Quais desses motivos estão disponíveis apenas para você? O que pode ser compartilhado
por outros?
4. Você poderia amar um trabalho de arte particular, mas concorda que realmente não é
muito bom? Se sim, dê um exemplo. Se não, por que não?
5. Você poderia ser indiferente a uma obra de arte, mas permitir que ainda seja uma
excelente obra de arte? Novamente, se sim, dê um exemplo e explique por que é bom e
por que você não gosta disso. Se não, por que não?
Os filósofos são perplexos sobre o significado da arte desde Platão, e já apresentaram uma
ampla gama de papéis ou funções sugeridos para ela. Se adotarmos uma noção particular do
que a arte é ou deveria ser, então, juntamente com essa definição, adquiriremos um conjunto
de critérios para determinar se ela está sendo bem sucedida em sua tarefa de viver para ser
considerada “arte”. Assim, poderemos criticar seu valor relativo. A seguinte lista nos dará um
roteiro para seguir à medida que seus alunos começarem a articular o que acreditam que a
arte está fazendo, de tal forma que se possa medir isso como efetivo e bem-sucedido. Cada
definição de arte traz consigo um conjunto de critérios ocultos pelos quais podemos medir sua
eficácia.
Usando fontes on-line e impressas, os estudantes devem, em grupos, pesquisar cada uma
dessas definições filosóficas da arte e apresentar sua definição para a classe. Cada grupo
também deve apresentar alguns exemplos de arte (no sentido mais completo do termo) que
exemplifiquem a definição. Para tornar isso mais desafiante, peça-lhes que também encontrem
alguns trabalhos para os quais essa definição não parece ser adequada ou não funcionar.
14 PLANO DE AULA
O público: o que você precisa para apreciar uma obra de arte?
Compartilhe o seguinte folheto com os alunos e peça-lhes que completem o formulário pri-
meiro.
���������������������������������������������������������������������������������������������
Alguém pode olhar para qualquer pintura e entender ou captar algo? Precisamos nos prepa-
rar para apreciar a arte? Verifique quais das seguintes declarações você concorda em termos
do que você precisa descobrir sobre uma pintura:
estar na escola
ser um adulto
ser paciente
ser humano
Outros?
Forme um grupo e discuta quais critérios você marcou ou adicionou. Você concordou com
os critérios estabelecidos? Houve algum que todos consideraram importante? Ou que não
fosse importante de modo algum? Como podemos entender como ser um “bom juiz” da arte?
Qualquer coisa pode ser uma ótima arte se alguém acredita que seja? Tente encontrar alguns
contraexemplos, ou seja, arte realmente ruim!
���������������������������������������������������������������������������������������������
© ESTÉTICA 15
O crítico de arte
Há um papel reconhecido na nossa sociedade para o crítico de arte. Esses indivíduos são
geralmente conhecedores do campo da arte o qual eles julgam. Às vezes, eles simplesmente
demonstram um grande interesse no gênero e adquirem uma reputação de análise inteligente
e útil. É claro que, na medida em que alguém estima o valor do trabalho, essa pessoa é críti-
ca. Qual o papel dos críticos de arte (lembre-se: estamos usando o termo “arte” aqui em seu
sentido mais amplo) em nossa cultura?
Qual dos seguintes critérios você consideraria necessário para um crítico ser considerado
confiável, um bom crítico? Discuta por que você acha que um ponto particular é necessário,
opcional ou irrelevante.
3. As habilidades necessárias para produzir o tipo de arte que ele/ela está julgando
8. Humor
Cada aluno deve trazer dois exemplos (imagem, peça de música, videoclipe etc.) de obras
de arte. Uma que eles consideram ser de qualidade genuína e a outra que eles pensam ser,
francamente, terrível, e apresentá-los ao resto da classe para discussão. Eles devem justificar
suas classificações.
Peça à classe inteira que faça uma lista dos critérios que emergem para cada trabalho. Exis-
tem elementos comuns? Nenhum?
16 PLANO DE AULA
DIA 5 – A FUNÇÃO DA ARTE NA SOCIEDADE
A arte por causa da arte é uma ideia relativamente recente entre filósofos da arte e da so-
ciedade em geral. Em algumas sociedades hoje, a arte ainda é vista como uma afirmação pú-
blica dos valores culturais em comum. A relação entre arte e moral tem uma longa história de
romance novamente. Os objetos de arte com os quais nos cercamos nos ajudam a nos tornar
pessoas melhores ou piores? Na República, Platão argumentou que a arte era tão poderosa
que poderia driblar a razão e, portanto, deve ser rigorosamente controlada pelo bem público.
Como uma imitação de uma imitação (o mundo físico que nos rodeia), a arte nos oferece um
acesso duas vezes extraído do real a ser valorizado. Isto o coloca no último lugar no sistema
educacional desejado de Platão. Na verdade, a arte é intrinsecamente enganadora.
Aristóteles apresenta uma função mais positiva para a arte como parte importante da edu-
cação moral. Ele afirma que a arte nos oferece formas de envolver nossos corações e mentes
sobre a virtude e os vícios, moldando efetivamente nosso caráter de forma positiva, mas tam-
bém negativa. Para Aristóteles, é importante que música você escuta, quais artistas e poetas
você admira. Por exemplo, em sua Política, Aristóteles3 oferece um extenso argumento para
um papel positivo na música em seu projeto educacional maior. Ele detalha os vários modos
musicais e como eles podem ser usados para acalmar ou excitar. Ele ressalta no livro VIII que
o valor da música pode ser visto de três maneiras:
3. A música pode contribuir para o prazer do nosso tempo de lazer e para além
do nosso desenvolvimento mental. Essa última visão sugere que a música
serve como um enriquecimento da experiência humana e sua função é mais
ampla do que simplesmente a de desenvolvimento de personagens ou mera
jogada.
Séculos mais tarde, Leon Tolstói argumentaria que a arte deve aumentar o bem na socieda-
de ou então deve ser banida ou censurada. Karl Marx e a última ideologia soviética abraçaram
especialmente o ideal da função da arte para apoiar o estado.
Na medida em que a arte pode de fato poderosamente expressar e mesmo suscitar emo-
ções, podemos apreciar as questões filosóficas relativas ao seu impacto moral. Juntamente
com esta é a questão da arte ofensiva. A arte pode ser má? Promover ações malévolas? Pes-
soas prejudicadas?
3
Aristóteles, Política, VIII, 1339. Das Obras Básicas de Aristóteles, Richard McKeon (Editor,) Casa Aleatória, 1941, p. 1310.
© ESTÉTICA 17
Leitura e Discussão
Considere dar a seus alunos o trecho referenciado acima da Política de Aristóteles ou algu-
mas passagens do ensaio de Tolstói “O que é Arte”: http://www.csulb.edu/~jvancamp/361r14.
html, para leitura crítica e discussão. [Esta leitura está incluída no pacote com crédito conce-
dido ao autor].
Em 1996, o prefeito da cidade de Nova York instigou um protesto contra o Museu de Arte
do Brooklyn por exibir uma obra do artista nigeriano Chris Ofili que representava a Virgem
Maria (um ícone católico romano) com esterco de elefante. O professor de arte Michael Da-
vis do Monte, da Holyoke College, oferece um estudo profissional em seu site: http://www.
mtholyoke.edu/offices/comm/csj/991008/madonna.html
Leia o artigo sobre a controvérsia sobre o financiamento público para a arte que ofendeu o
sentimento público: http://www.publiceye.org/theocrat/Mapplethorpe_Chrono.html
Em 1992, a banda Bodycount, com o cantor principal Ice-T, saiu com uma música intitulada
“Cop Killer”, que alegadamente expressou a indignação do cantor com a brutalidade policial e
seu desejo de lutar contra tal fato matando policiais – certamente uma solução radical. Isso
gerou uma onda de protesto e muita condenação do rap em geral como incitação à violência,
à ilegalidade e à terrível música para jovens impressionáveis.
Peça a seus alunos que pesquisem a história desta música4 ou outras que foram condenadas
por glorificar a violência ou a misoginia. A música deveria ser censurada? Para pessoas com
menos de uma certa idade ou para todos?
A arte também foi elogiada por promover a paz, curar cismas e reunir pessoas em tempos
de dor, tanto pessoais como comunitárias. Essa função da arte pode ser considerada indepen-
dentemente do seu valor estético. Considere as seguintes perguntas em grupos:
3. Em exemplos de arte como o cinema e a literatura, o bem sempre deve triunfar sobre o
mal?
4. Devemos censurar a arte? Para todos ou apenas para crianças? Por que ou por que não?
Se sim, quem deveria fazer a determinação da censura?
4
Atenção: as letras incluem linguagem ruim e referências à violência.
18 PLANO DE AULA
Papel maior para as artes na sociedade: teste da música
Aristóteles pode ter tido um ponto em que ele destaca o poder da música para nos mover
para a calma ou a excitação. Qual o propósito que os seguintes exemplos oferecem em seu
contexto? Você pode encontrar alguns exemplos para ilustrar cada tipo de evento ou situação?
3. Música em desfiles
9. Outros locais.
10. Nós estaremos (mal)utilizando a arte se considerarmos que ela desempenha uma função
não estética?
Até agora, você provavelmente se concentrou na arte das tradições ocidentais (europeias
e americanas). Se houver tempo, considere dedicar uma discussão à arte de diferentes socie-
dades. Como funciona a arte dentro das culturas tribais nativas americanas? O antigo maia?
Como as diferentes culturas do continente africano fazem e usam a arte? Essa discussão seria
melhor desenvolvida a partir do exame de exemplos de trabalhos de uma ampla gama de cul-
turas, com pesquisas gerais sobre o papel da arte dentro dessas culturas.
Atividade
Peça aos alunos que pesquisem e tragam exemplos (imagens ou gravações) de obras de
arte de culturas não ocidentais, históricas ou contemporâneas.
• Que critérios estéticos são utilizados para julgar arte “boa” nessa tradição? Ou o conceito
de “boa arte” não funciona lá?
Parabéns! Você e seus alunos exploraram uma ampla gama de tópicos estéticos e come-
çaram a perceber a rica confusão que a filosofia da arte introduz nas nossas vidas. Revise a
lista original de perguntas da primeira aula e peça aos alunos que escrevam um documento de
reação para suas experiências.
© ESTÉTICA 19
Como sua experiência de arte será semelhante ou diferente de ter explorado esses tópicos?
Possíveis projetos
1. Peça aos alunos que criem uma obra de arte que capture algumas das questões que
discutiram. Uma opção pode ser dar a cada aluno uma câmera ou incentivá-los a usar
suas próprias câmeras (ou telefones celulares) e criar uma exibição que ilustra suas
aventuras filosóficas.
2. Peça aos alunos que apresentem um painel para a escola sobre estética e filosofia de arte
em que alguns deles trabalham em trabalhos e apresentações para compartilhar com a
comunidade escolar mais ampla.
3. Peça aos alunos que desempenhem o jogo ART para a comunidade escolar e façam uma
discussão depois.
20 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Ética
Aplicada
Planos de aula
2
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Ética Aplicada
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 24 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 5 – BIOÉTICA: CONCEBENDO UMA VIDA PARA SALVAR OUTRA: O CASO DA BEBÊ MARISSA.......... 17
INTRODUÇÃO AO CASO........................................................................................................................................... 17
PROCEDIMENTO PARA ANALISAR O CASO............................................................................................................. 18
AMOSTRA DE ANÁLISE DO CASO............................................................................................................................ 18
PROLONGAMENTO DO CASO: TIRAR UMA VIDA PARA SALVAR OUTRA................................................................... 19
Ética
Ética Aplicada
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
INTRODUÇÃO
Este módulo aborda questões em três tópicos extraídos da ética aplicada: o status moral dos
animais, as cotas raciais nas universidades e a bioética (maternidade comercial: barriga de alu-
guel, conceber uma vida para salvar outra). O formato deste módulo é consistente entre uma
pergunta e outra. São sugeridos dois dias para cada pergunta, embora seja possível discutir
casos relevantes em um dia ou ampliar a análise para uma unidade mais longa. Cada pergunta
começa com os casos destinados a dois alunos para provocar e ancorar discussões. Os casos
são seguidos por considerações importantes e questões orientadoras, bem como orientações
para a análise dos argumentos relevantes. Embora as leituras sejam sugeridas para cada per-
gunta, é possível desenvolver boas discussões apenas com os casos. As notas ao final do mó-
dulo também direcionam os professores para fontes adicionais para sua própria leitura de base.
© ÉTICA APLICADA 5
DIA 1 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES
PREFERENCIAIS
O problema
Revise com os alunos o seguinte resumo do caso Hopwood, incluindo seu histórico pessoal
e acadêmico, a política de admissão da Faculdade de Direito da Universidade do Texas (UT),
a base para sua decisão de não admitir Hopwood e o caso de Hopwood contra a Faculdade de
Direito da UT:
Cheryl Hopwood não veio de uma família rica. Criada por uma mãe solteira, ela pas-
sou pelo colégio, a faculdade comunitária e a Universidade Estadual da Califórnia em
Sacramento. Mudou-se para o Texas e candidatou-se à Faculdade de Direito da Uni-
versidade do Texas, a melhor escola de Direito do estado e uma das principais escolas
de Direito do país. Embora Hopwood tenha conseguido uma nota média de 3,8 e foi
razoavelmente bem no teste de admissão da escola de Direito, ela não foi admitida.
Hopwood, que é branca, achou que sua rejeição foi injusta. Alguns dos admitidos
concordaram que os estudantes afro-americanos e mexicano-americanos obtiveram
notas e pontuação no teste inferiores às dela. A escola utilizou uma política de ação
afirmativa que deu preferência aos candidatos minoritários. Na verdade, todos os
alunos minoritários com notas e pontuações iguais à de Hopwood foram admitidos.
Hopwood levou seu caso ao tribunal federal, argumentando que ela havia sido vítima
de discriminação. A universidade respondeu que parte da missão da faculdade de
Direito era aumentar a diversidade racial e étnica na profissão jurídica do Texas,
incluindo-se não apenas escritórios de advocacia, mas também na legislatura e nos
tribunais. No Texas, os afro-americanos e os mexicano-americanos fazem parte dos
quarenta por cento da população, mas uma proporção muito pequena está na profis-
são legal. Quando Hopwood se inscreveu, a faculdade de Direito da Universidade do
Texas usou uma política de admissão de ação afirmativa que visava inscrever cerca
de quinze por cento da classe entre os candidatos minoritários. Para atingir esse obje-
tivo, a universidade estabeleceu padrões de admissão mais baixos para os candidatos
minoritários do que para os candidatos não pertencentes à minoria. Funcionários da
universidade argumentaram, no entanto, que todos os estudantes minoritários que
foram admitidos foram qualificados para fazer o teste, e quase todos conseguiram se
formar na faculdade de Direito e passar no exame final do estado, que é controlado
pela Suprema Corte. Mas isso foi apenas um pequeno conforto para Hopwood, que
acreditava que ela tinha sido tratada injustamente e deveria ter sido admitida3.
1
“Hopwood versus Estado do Texas” pode ser encontrado na Justiça: A Reader, ed. Michael Sandel. Nova York: Oxford
University Press, 2007, p. 240-243.
2
Os professores também podem introduzir o caso Bakke. Em 1978, o Supremo Tribunal dos EUA manteve uma política
de admissão de ação afirmativa da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Davis. O caso de Bakke é
discutido na leitura de Ronald Dworkin, sugerida para o Dia 2.
3
SANDEL, Michael J. Justiça: qual é a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009, p. 67-68.
6 PLANO DE AULA
Discussão guiada de argumentos a favor e contra Hopwood
Ignorando a dimensão legal, Hopwood tem um caso legítimo do ponto de vista moral? Fo-
ram seus direitos violados pela política de admissão da UT?
Considere o seguinte:
2. Quais os fatores que devem ser levados em conta nas admissões da faculdade? Se a
raça não deve ser tida em conta, que outros fatores também devem ser excluídos? Quais
fatores devem ser a única base para admissões na universidade ou faculdade?
5. O conceito de direitos pode ser aplicado com justificativa tanto para a coletividade como
individualmente?
MARTINS, U. L Análise crítica sobre o entendimento de Ronald Dworkin sobre “o caso Bakke:
as quotas são injustas?” Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.
php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9515> . Acesso: 20 out. 2018.
4 DWORKIN, Ronald. Bakke’s Case: Are Quotas Unfair? In: Justice: a reader. ed. Michael Sandel. Nova York: Oxford,
2007, p. 248-255.
© ÉTICA APLICADA 7
DIA 2 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES
PREFERENCIAIS
Passe o segundo dia sondando com os alunos os argumentos retrógados e os argumentos
mais inovadores que permeiam as admissões preferenciais. Note que ambos, os apoiadores e
críticos, compartilham a suposição de que as admissões são justificadas em termos do princípio
da igualdade de oportunidades. Os defensores das admissões preferenciais argumentam que o
princípio deve ser aplicado para eliminar práticas discriminatórias. Os críticos argumentam que
um padrão de grupo é inconsistente para com o ideal básico do mérito individual, subjacente
ao princípio da igualdade de oportunidades.
Provoque uma resposta crítica dos alunos para os argumentos esboçados abaixo: qual o
conjunto de argumentos é mais forte? Que objeções podem ser levantadas contra cada argu-
mento? Como o defensor das admissões preferenciais responderia a cada objeção?
Objeções: em seguida, explore com os alunos possíveis objeções aos argumentos ante-
riores: (a) a legislação, destinada a eliminar a presente discriminação contra indivíduos, é
suficiente para enfrentar os efeitos do preconceito racial histórico. É melhor acabar com a dis-
criminação atual do que introduzir uma política sensível, e que assim justifique um tratamento
especial para esses grupos historicamente oprimidos; (b) por que as admissões preferenciais
consideram especialmente alguns grupos historicamente discriminados, mas não outros (por
exemplo, italianos, irlandeses)?; (c) se uma dívida é devida, os seus custos são um encargo
injusto para os descendentes imigrantes não discriminados que não foram vítimas nem bene-
ficiários da escravidão; (d) por que os membros afluentes de grupos historicamente oprimidos
se beneficiam de admissões preferenciais, quando as mesmas oportunidades estão fechadas
para homens brancos economicamente desfavorecidos, mas igualmente talentosos? Qualquer
política de admissão preferencial sensível ao grupo deve ser orientada por diferenças socioe-
conômicas em vez de raça ou sexo.
5
Esta visão geral dos principais argumentos retrógrados e inovadores são demonstradas extensivamente a partir de
duas fontes: veja BOXILL, Bernard; BOXILL, Jan. A Companion to Applied Ethics. ed. R.G. Frey e Christopher Heath
Wellman. Oxford: Blackwell, 2005, p.118-141; FEINBERG, Walter. The Oxford Handbook of Practical Ethics. ed. Hugh
LaFollette. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 272-297.
8 PLANO DE AULA
Responder: os alunos, em seguida, podem querer oferecer respostas às objeções acima:
comparando a situação dos escravos com grupos de imigrantes, ignora-se a distinção entre
imigração forçada e voluntária. O comércio de escravos também foi muito pior do que a dis-
criminação dirigida a outros grupos de imigrantes. Finalmente, a cor da pele dos imigrantes
brancos permitiu que eles se integrassem com outras raças brancas. O argumento para as
admissões preferenciais baseadas nas necessidades ignora o papel dos profundos estigmas
culturais que estão baseados na privação cultural e econômica.
Argumentos inovadores
Os argumentos orientados para o futuro dizem que o futuro se beneficiará da ação afirma-
tiva, ambientes educacionais melhorados e redução da estratificação racial e preconceito. De
acordo com esse argumento, as consequências da ação afirmativa ajudam a tornar as oportu-
nidades mais iguais. De acordo com o princípio da igualdade de oportunidades, lugares e po-
sições devem ser concedidos para aqueles que estão melhor qualificados, todos os indivíduos
devem ser avaliados para esses cargos estritamente com base em suas qualificações e proíbe a
discriminação com base em considerações irrelevantes. Convide os alunos a discutir a questão
sobre o que torna um candidato mais altamente qualificado do que outro. Em seguida, intro-
duza os seguintes argumentos.
Se as pessoas com aptidões não possuem uma educação adequada, a sociedade não es-
tará fazendo o melhor uso dos talentos disponíveis. Aqueles que defendem a ação afirmativa
dizem que a igualdade formal de oportunidades não é suficiente. Ser permitido a entrar em
uma corrida em que a linha de partida não seja necessariamente uma oportunidade igual para
se competir ou vencer, será o caso de quem nunca tenha tido oportunidade para fazer um
treinamento adequado para competir em igualdade de condições. Por exemplo, se os estereó-
tipos históricos desencorajarem as mulheres de estudar engenharia, é necessária uma ação
afirmativa para oferecer às mulheres maiores oportunidades de se qualificarem e competir por
cargos na profissão.
Objeção: o Juiz Harlan fez uma célebre declaração dizendo que a Constituição norte-ameri-
cana é daltônica. Em sua opinião, o princípio de igualdade de oportunidades é violado quando:
(a) presumimos que os cidadãos têm o direito de serem avaliados para posições desejáveis
unicamente com base em suas qualificações e: (b) a cor e sexo são fatores usados de forma
irrelevantes para justificar um tratamento desigual. Se considerarmos a raça, o gênero ou a
etnia, nós apenas perpetuamos as práticas discriminatórias de distribuição de oportunidades
de forma desigual e injusta. As consequências da ação afirmativa podem ser desejáveis para os
afrodescendentes e as mulheres, mas a prática ainda é inaceitável porque viola os direitos dos
brancos para serem avaliados unicamente com base em suas qualificações. Se aceitarmos esse
argumento, a ação afirmativa é razoavelmente caracterizada como “discriminação reversa”.
© ÉTICA APLICADA 9
altos possíveis. As diferenças de experiência, os pressupostos de base e as atitudes sociais são
criticamente importantes para uma atmosfera educativa de pluralismo, diálogo e abertura para
questionamentos.
Resposta: pode ser verdade que a redução da estratificação racial não seja suficiente para
justificar admissões preferenciais. Mas o que deve ser considerado não são apenas as atitudes
racistas dos brancos, mas o efeito das admissões preferenciais na resposta dos afrodescen-
dentes ao preconceito racial: “Com a eliminação da estratificação racial, não será mais racional
para os afrodescendentes inferir que podem ter sucesso... a ação afirmativa se justifica porque
prevê uma compensação na forma de esperança restaurada... o que realmente roubou a es-
perança dos afrodescendentes não foi só o racismo, mas os efeitos aparentes de racismo em
mantê-los inferiores”6. Shelby Steele, negro e conservador, expressa uma visão divergente de
que as admissões preferenciais são um “remédio” para a culpa sentida pelos liberais brancos,
que patrocinam os afrodescendentes, reforçando, assim, sua condição de dependência.
Depois de discutir os argumentos acima, volte para o caso de Cheryl Hopwood. Faça uma
segunda pesquisa para ver se os estudantes mudaram de opinião ou encontraram novos mo-
tivos para sua posição. Os direitos de Hopwood foram violados? Especificamente, quais direi-
tos? As respostas possíveis incluem: (a) o direito de não ser julgada de acordo com fatores fora
de seu controle; (b) o direito de ser julgada de acordo apenas com mérito acadêmico.
10 PLANO DE AULA
Expectativa Legítima de Benefício: uma atribuição sólida dos benefícios para a sociedade
baseada em uma declaração pública das metas sociais.
8
SANDEL, Michael J. Justiça: qual é a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009, p. 174.
© ÉTICA APLICADA 11
DIA 3 – O ESTATUTO MORAL DOS ANI-
MAIS
O problema
Os animais sofrem nas mãos humanas e são mortos em grande número por falta de alimen-
to e também quando são usados em esportes ou sacrificados em pesquisas científicas. Ambos,
filósofos e ativistas morais, têm se mantido dispostos há décadas em condenar essas práticas e
defender os «direitos dos animais». Mas o que significa dizer que os animais têm «direitos»? E,
se os animais têm direitos, como devem ser medidos contra os direitos e os interesses dos
seres humanos? Quais são as implicações morais de casos marginais, quando alguns seres
humanos que são atingidos por doenças mentais como a demência, retardo grave ou doença
debilitante em que eles não possuem, nem mesmo, as capacidades de alguns animais? Em
que fundamentos os direitos mais robustos, ou de maior posição moral, serão atribuídos a se-
res humanos mais debilitados do que a muitos animais? Estimule uma discussão sobre essas
questões em relação aos dois casos que se seguem.
Dois casos
Carne de vitela
Peça aos alunos que levantem as mãos se comeriam vitela. Em seguida, leia a seguinte
descrição de como os bezerros são preparados para consumo humano. Depois disso, pergunte
aos alunos que levantaram as mãos se continuariam comendo vitela e, em caso afirmativo,
por quê?
Os bezerros passam suas vidas em currais muito estreitos, de um modo que possam
apenas se virar ou se deitar confortavelmente – mas, do ponto de vista dos produto-
res, isso é bom, porque o exercício endurece os músculos, o que reduz a “qualidade”
da carne; e, além disso, permitindo que eles vivam em um espaço pequeno, torna
a atividade de criar animais bem barata. Nessas canaletas, os bezerros não podem
realizar ações básicas como se lamberem para se limparem, algo que fazem natu-
ralmente, porque não há espaço para eles virarem a cabeça. É claro que os bezerros
sentem falta de suas mães e, como os bebês humanos, eles querem algo para sugar,
assim, os bezerros podem ser vistos tentando em vão sugar as madeiras que cercam
os seus currais. A fim de manter sua carne pálida e saborosa, eles são alimentados
com uma dieta líquida deficiente em ferro, que é insuficiente também no pasto animal
(forragem). E, é claro, eles desenvolvem desejos por esses alimentos. O desejo de
consumir um mineral como o ferro torna-se tão forte que, se ele conseguisse virar
a cabeça, ele lamberia a própria urina, embora os bezerros normalmente achem
isso repugnante. A pequena canaleta em que ele vive impede o animal de se virar,
“resolvendo esse problema”. O desejo de forragem é especialmente forte, uma vez
que, sem ele, o animal não pode ruminar. Não pode ser dada qualquer palha em que
ele possa se deitar, uma vez que o animal seria levado a comê-lo, e isso afetaria a
carne. Então, para esses animais, o matadouro não é um final desagradável para uma
existência tão miserável. Por mais aterrador que o processo de abate seja, para eles
pode ser, na verdade, uma libertação misericordiosa.9
9
RACHELS, James. The Elements of Moral Philosophy. 2. ed. New York: McGraw Hill, 1996, p.100-101.
12 PLANO DE AULA
Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos
que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os france-
ses já descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja
irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que um
dia se reconheça que o número de pernas... [é] motivo insuficiente para abandonar
um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível?
A faculdade da razão, ou talvez a capacidade de linguagem? Mas um cavalo ou um cão
adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de
um dia, de uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas
não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é “Eles são capazes
de raciocinar?” nem “São capazes de falar?”, mas sim: “Eles são capazes de sofrer?”.10
Considere o seguinte: os estudantes que se opõem ao modo de tratamento dado aos bezer-
ros, no entanto, podem comer carne. Note-se que milhões de animais são mortos a cada ano
para o consumo humano e que a grande maioria deles são criados em condições de “fazenda
industrial” em que seu bem-estar é sistematicamente sacrificado para reduzir gastos e maxi-
mizar os lucros. Se esses animais vivem vidas de contínua miséria, todos os humanos têm a
obrigação de se tornar vegetarianos? Qual é a diferença entre o prazer que temos em comer
carne e o prazer que o se deitaremapenas se virarempoderia começar a partir de uma dieta
totalmente vegetariana? Pode-se argumentar que o estreitamento das opções alimentares
seria mais do que compensado pela vitalidade, saúde e bem-estar humano, reforçados, por
exemplo, por taxas significativamente mais baixas de obesidade, diabetes, doenças cardiovas-
culares e alguns tipos de câncer?
Cães experimentais
Em seu livro Libertação Animal (1975), o contemporâneo utilitarista Peter Singer usou o
exemplo a seguir em condenar o uso de animais em experiências:
Na Universidade de Harvard, R. Solomon, L. Kamin e L. Wynne testaram os efeitos
de choques elétricos no comportamento de cães. Eles colocaram quarenta cães num
dispositivo chamado shuttlebox (caixa de transporte), que consiste numa caixa divi-
dida em dois compartimentos, separados por uma barreira. Inicialmente, a barreira
foi colocada à altura das [costas] dos cães. Foram desferidos centenas de choques
elétricos intensos nas patas dos cães através de uma rede no chão. No começo, os
cães conseguiam escapar ao choque se aprendessem a pular a barreira e passar
para o outro compartimento. Na tentativa de “desencorajar” um cão de saltar, os
especialistas forçaram o cão a saltar cem vezes para a rede eletrificada. Afirmaram
que quando o cão saltava dava um “guincho agudo de antecipação que se transfor-
mava num ganido quando aterrava [caía] na rede eletrificada”. Por fim, bloquearam
a passagem entre os compartimentos com uma placa de vidro e testaram de novo o
mesmo cão. O cão “saltava e batia com a cabeça de encontro ao vidro”. Inicialmente,
os cães revelaram sintomas tais como “defecar, urinar, ganir e guinchar, tremer, e
atacar o aparelho” e assim por diante, mas após dez ou doze dias de testes os cães
que foram impedidos de escapar aos choques deixaram de resistir. Os especialistas
afirmaram-se “impressionados” com este fato, e concluíram que a combinação da
barreira de vidro e dos choques nas patas era “muito eficaz” na eliminação dos saltos
dos cães.11
Os cientistas devem adotar uma posição “qualquer coisa serve” em relação ao uso de ani-
mais na experiência? A defesa dessa posição dependeria das duvidosas afirmações de que os
animais não humanos: (a) não sentem dor, (b) há inexistência de posição moral, (c) e vivem
vidas sem valor. Os estudantes podem sentir repulsa a partir da experiência demonstrada aci-
ma, especialmente aqueles que têm cães como animais de estimação e não veem benefício
humano significativo. Pergunte à classe se outras experiências, que tem o ato de infligir dor
aos animais e tirar suas vidas, podem contribuir significativamente para a pesquisa médica e
10
BENTHAM [s.d.] apud RACHELS, 1996, p. 97-98.
11
CANTOR [s.d.] apud RACHELS, 1996, p. 99-100.
© ÉTICA APLICADA 13
tratamento de doenças humanas?12 Para os alunos que acreditam que tais experiências são
justificadas, pergunte se em um importante benefício para humanidade, poderá ser adotado
em experiências com animais a abordagem dos “três R”:
• Recusar animais para experimentos trocando-os por modelos não animais (por exemplo,
culturas de tecidos), o tanto quanto possível.
Note-se que aqueles que defendem a abolição (abolicionismo animal) imediatamente veem
a posição gradualista como não mais justificada do que o encerramento gradual dos campos
de concentração.
Para o Dia 2, atribua a leitura de OLIVEIRA, G. D. A teoria dos direitos animais humanos
e não-humanos, de Tom Regan. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/
article/viewFile/14917/13584>. Acesso: 20 out. 2018.
14 PLANO DE AULA
DIA 4 – As diferenças entre os seres
humanos e outros animais: questão de
postura moral13
Enunciado do problema
Justificação para os recursos de pesquisa com animais para o benefício humano, esse apelo
precisa ser complementado com um argumento que mostre o que pode torná-lo errado, ao se
ter o direito de usar animais ao invés de se usar humanos em experiências.
Considere o seguinte: os alunos deverão abordar as seguintes considerações na resposta à questão anterior.
1. Se a ciência é compartilhada por animais e seres humanos, por que não deveria a dor
sofrida por um animal ser levada moralmente em conta? E se uma dor animal não conta
moralmente, por que não deveria uma vida animal, arruinada por uma experimentação,
também contar moralmente? A sensibilidade, tanto em seres humanos como em animais
não humanos, justificaria impedir toda e qualquer experimentação em animais?
2. Se houvesse alguma característica que fosse impedir seres humanos de serem usados em
experiências médicas, como, por exemplo, em sua capacidade mental ou de produção, e
que fosse adquirida alguma anomalia por alguns seres humanos em uma escala inferior,
como em bebês anencefálicos, ou vítimas de Alzheimer, poderiam ambos, os seres
humanos e animais serem usados em experiências médicas.
Peça aos alunos para identificar uma única característica ou conjunto de características que
podem distinguir uma criatura que conta moralmente (ou seja, que lhe confere autoridade mo-
ral ou torna merecedor de consideração moral) e outra que não. E quais, se houver, nos itens
mencionados no seguinte desafio, os que se posicionam em uma posição extrema em que os
seres humanos desfrutam exclusivamente de idoneidade moral, que pertençam a uma comu-
nidade moral e que levam vidas valiosas?
• Valor inerente
• Posse de interesses
• Assunto experiencial
Agora, volte para a leitura atribuída por Tom Regan em defesa dos direitos como base para
a posição moral dos animais não humanos. Peça aos alunos para analisar o argumento Regan
à luz das seguintes questões.
2. Como é que Regan defende a ideia de que todos os animais, incluindo os animais não
humanos e animais humanos que são profundamente retardados, como parte igual, va-
lor inerente? Você acha essa parte de seu argumento persuasiva?
13
A análise que se segue se baseia extensamente a partir de FREY, R. G. Animais. In: FREY, R. G. The Handbook of
Practical Oxford Ética. ed. Hugh LaFollette. Nova York: Oxford University Press, 2005. p. 171-185.
© ÉTICA APLICADA 15
3. O argumento de Regan pelos direitos dos animais efetivamente complementa o apelo
para o benefício humano?
4. Regan diz que é imoral para os seres humanos comer carne? Ele também diz que é imo-
ral, em todas as circunstâncias, usar animais não humanos em experimentos? Como ele
defende sua posição? Você acha seu(s) argumento(s) persuasivo(s)?
Agora volte para o apelo de Frey para o assunto experiencial. Frey afirma que a quali-
dade comparativa e valor das decisões de vida podem ser feitas sobre os seres humanos e
animais. Embora ambos os animais e seres humanos sintam dor e prazer, Frey afirma que a
maioria dos seres humanos são capazes de sentir e saber que tem abundância, e que tem a
vida mais completa do que a maioria dos animais. Características específicas da experiência
humana que Frey tem em mente incluem talentos intelectuais e artísticos; experiências sociais
de amor, amizade e família; autossuficiência em moldar-se a si mesmo de acordo com uma
concepção de vida boa; e participando da comunidade moral como agentes com deveres e
responsabilidades plenas para com os outros. De acordo com Frey, os animais não pertencem
à comunidade moral, mas eles têm menos posicionamento moral que os seres humanos nor-
mais. Discuta as seguintes questões sobre a posição moral na avaliação do argumento de Frey:
2. Será que a posição de Frey, de que os animais têm um posicionamento menos moral do que os seres humanos
normais, pode justificar o uso de animais em experiências? Será que o seu argumento com base no assunto expe-
riencial efetivamente complementa o apelo para o benefício humano?
3. Será que o argumento de Frey apela implicitamente para a distinção que faz Mill en-
tre prazeres “inferiores” e “superiores” (“É melhor ser um ser humano insatisfeito que um
porco satisfeito”)? Você acha que Mill aplicaria sua distinção em defesa da experimenta-
ção em animais?
4. Podemos dizer com confiança que os seres humanos normais têm experiências mais ricas,
dado o pouco que sabemos sobre a vida interna dos animais?
16 PLANO DE AULA
DIA 5 – BIOÉTICA: CONCEBENDO UMA
VIDA PARA SALVAR OUTRA: O CASO DA
BEBÊ MARISSA
Introdução ao caso
1. Quais são as considerações relevantes para julgar a moralidade de conceber Marissa para
salvar Anissa?
2. Eles concordam com a ética médica de que Marissa não foi concebida como um “fim em
si mesmo”?
3. Conceber um filho para salvar outro seria justificado para um utilitarista? Se sim, por quê?
4. Considere as várias razões pelas quais os pais têm filhos (como, por exemplo, descen-
dentes apenas para continuar o nome de família; fonte de apoio na velhice; trabalho para
cuidar dos campos; garantia de um herdeiro do trono; cura para um casamento em difi-
culdades). Quando esses pais não conseguem conceber crianças como “fim em si”?
6. Faça uma enquete entre os estudantes para ver quantos aprovam e quantos desaprovam
a decisão dos Agola.
14
HARRIS JR., C. E. Applying Ethical Theories. 3. ed. Belmont: Wadsworth, 1997. p.156-57.
© ÉTICA APLICADA 17
Procedimento para analisar o caso
Em seguida, peça aos alunos que avaliem o caso metodicamente seguindo um procedimento
inspirado nas duas formulações de Kant sobre o imperativo categórico.15 O procedimento, que
tem três etapas, modifica um pouco as formulações de Kant para permitir uma flexibilidade
maior na avaliação de consequências morais relevantes:
1. Identificar a regra relevante pressuposta pela ação em causa. A regra deverá ter ampla
aplicação, aplicar-se ao caso particular e não incluir considerações diferentes. Harris
propõe a seguinte regra: “Os pais podem conceber filhos, cujo tecido orgânico humano
dessas crianças deverá ser usado para salvar a vida de outra pessoa, desde que a criança
não seja prejudicada pelo uso desse tecido.”16
Poderá ser atribuída para toda a classe ou em pequenos grupos. Os alunos deverão (1) for-
mular e avaliar regras alternativas para o caso, (2) aplicar o teste autodestrutivo e (3) aplicar
os testes de meios-fim negativo e positivo. Harris oferece sua própria análise e julgamento,
que pode servir de modelo ou ponto de partida para o debate em sala de aula:
Pergunta: os Agola passariam no teste meios-fim negativo? Eles realizaram a ação com o
desejo de salvar a vida de sua filha. A única pessoa cuja liberdade e bem-estar está ameaça-
da é a da própria Marissa. O fato de que o Sr. Agola teve de se submeter a uma vasectomia
reversa indica que o casal não pretendia ter mais filhos. A concepção de Marissa surgiu prin-
cipalmente porque o casal queria salvar a vida de Anissa. Nesse sentido, Marissa foi “usada”
para salvar a vida de Anissa. No entanto, é difícil ver como Marissa será usada como um sim-
ples meio, porque, caso contrário, ela não teria sido concebida. Além disso, ela não será pre-
judicada permanentemente pelo procedimento médico. A dor, se houver, será temporária. E
é duvidoso que ela seja prejudicada emocionalmente, mesmo porque não temos motivo para
questionar a afirmação de Agola de que amará Marissa como ama Anissa.
Objeção: se Anissa morre, Marissa terá falhado na única tarefa para a qual nasceu. Mesmo
que Anissa viva, ela poderá sofrer emocionalmente em um certo momento de sua vida, por
causa das circunstâncias de seu nascimento.
Os alunos também podem apontar para o grande perigo, ou seja, se todos começarem a
15
HARRIS, Applying Ethical Theories. 1997, p. 158-164.
16
Ibid., p. 175-178.
18 PLANO DE AULA
utilizar desse procedimento, a concepção para salvar a vida de outrem, a vida humana pode-
rá ter menos valor. Talvez as crianças possam ser concebidas para uso médico em algumas
circunstâncias, em que as expectativas de vida das crianças seriam gravemente prejudicadas
pelos procedimentos médicos ao se fazer uso de seus tecidos orgânicos. Ou, até mesmo, crian-
ças pudessem ser mortas para serem usadas apenas para o transplante de tecidos e órgãos.
Resposta: embora a objeção não deva ser tomada de forma branda, é claro que esse proce-
dimento não deverá incentivar ou permitir que esses tipos de práticas possam ser prejudiciais
para o doador.
Pergunta: os Agola passariam no teste meios-fim positivo? Como pais de Marissa e Anissa,
eles têm uma obrigação especial de promover sua própria liberdade e bem-estar. Uma vez que
a ação é uma tentativa de ajudar Anissa, a única questão tem a ver com Marissa. Ela nunca
teria nascido além do desejo de seus pais para ajudar sua irmã, e existem todas as indicações
de que ela será criada em um ambiente em que sua ação moral será plenamente respeita-
da. Portanto, não temos motivos claros para acreditar que o teste positivo tenha sido violado.
Revise a questão para saber se os Agola não conseguiram tratar Marissa como um “fim em
si” à luz de sua análise do caso. Repita a pesquisa para avaliar por que os alunos mudaram de
ideia ou se tornaram mais firmemente unidos à sua posição original.
À luz do caso do bebê Marissa, discuta um caso mais recente que introduz uma perspectiva
religiosa à questão de se tirar uma vida em favor de outra. Como poderá ou deverá o procedi-
mento acima ser aplicado a este segundo caso resumido abaixo?
Os pais de duas gêmeas que nasceram unidas pelos quadris viajaram de sua casa
em Malta para Manchester, na Inglaterra, para procurar cuidados médicos de quali-
dade para suas filhas que ainda estavam no útero materno. Após o nascimento, os
médicos esclareceram ao casal que seria necessário separar as gêmeas, e que seria
fatal para uma delas. Os pais protestaram e disseram que essa não seria a vontade
de Deus, que um filho fosse morto para que o outro pudesse sobreviver. O tribunal
inglês decidiu contra os desejos dos pais, invocando um argumento utilitarista justi-
ficado com base em testemunho médico. Os especialistas concordaram que a gêmea
mais forte e mais alerta, conhecida como Jodie, tinha uma chance entre 80 a 90 por
cento de sobreviver por apenas alguns meses se ela continuasse a alimentar o cora-
ção e os pulmões enfraquecidos de Mary, cujo cérebro já se encontrava danificado. O
advogado nomeado pelo tribunal para representar Jodie insistiu que Mary, naquele
momento, já era uma “vida inútil.”17
17
SIRICO, Robert. An unjust sacrifice. Op-ed. New York Times, 28 set. 2000.
© ÉTICA APLICADA 19
DIA 6 – Barriga de aluguel: o caso do
bebê “M”
Introdução ao caso bebê “M”
Peça aos alunos para discutirem essa questão à luz do caso do bebê “M”, resumido abaixo
por Michael Sandel:
William e Elizabeth Stern eram um casal que morava em Tenafly, Nova Jersey – ele
era um bioquímico, ela era pediatra. Eles queriam um bebê, mas não podiam ter, pelo
menos não sem risco médico para Elizabeth, que tinha esclerose múltipla. Então eles
foram até um centro de infertilidade que organizava barrigas “de aluguel”. O centro
gerava anúncios que procuravam “mães de aluguel” – as mulheres que desejavam
engravidar para outra pessoa, em troca de um pagamento monetário. Uma das mu-
lheres que responderam aos anúncios foi Mary Beth Whitehead, de vinte e nove
anos, mãe de duas crianças, casada com um trabalhador do saneamento básico da
cidade. Em fevereiro de 1985, William Stern e Mary Beth Whitehead assinaram um
contrato. Mary Beth concordou em ser artificialmente inseminada com o esperma
de William, para gerar a criança em seu útero e entregá-la a William ao nascer. Ela
também concordou em desistir de seus direitos maternos, para que Elizabeth Stern
pudesse adotar a criança. Por sua parte, William concordou em pagar a Mary Beth
uma quantia de US $ 10.000,00 (a ser paga no momento da entrega do bebê), além
das despesas médicas. (Ele também pagou um valor de US $ 7.500,00 para o centro
de infertilidade para organizar o negócio.) Após várias inseminações artificiais, Mary
Beth ficou grávida e, em março de 1986, deu à luz uma menina. O casal Stern, pre-
vendo sua futura filha adotada, deu o nome ao bebê de Melissa. Entretanto, Mary
Beth Whitehead decidiu que não iria se separar da criança e queria tê-la para si. Ela
fugiu para a Flórida com o bebê, mas os Sterns conseguiram uma ordem judicial exi-
gindo que ela retornasse com a criança. A polícia da Flórida encontrou Mary Beth, o
bebê foi entregue ao casal Stern, e a luta pela custódia foi à corte em Nova Jersey.18
Decisões judiciais
20 PLANO DE AULA
consentimento de Whitehead não foi informado, o contrato não era verdadeiramente
voluntário. Ele também julgou que o contrato constituía venda de bebê. No último
ponto, Wilentz escreveu: “Há, em uma sociedade civilizada, algumas coisas que o
dinheiro não pode comprar [...] E esta é a venda do direito que a mãe tem sobre seu
filho, o único fator atenuante é que um dos compradores é o pai [...] [Um] revendedor,
impulsionado pelo lucro, promove a venda. Seja qual for o idealismo que possa ter
motivado qualquer um dos participantes, a motivação do lucro predomina, permeia
e, finalmente, governa a transação.”19 A Corte Suprema de Nova Jersey reconheceu
Mary Beth Whitehead como a mãe natural e legal, mas permitiu que os Sterns man-
tivessem a custódia temporária, devido aos problemas que ela tinha em família.20
Análise do Caso
1. Será que o tribunal inferior decidiu corretamente que “negócio é negócio”, já que dois
adultos entraram em um acordo voluntário? O consentimento de Whitehead foi realmen-
te informado? Ou será que a decisão do tribunal superior foi distorcida quando julgou
ambas as situações: a necessidade financeira de Whitehead e sua incapacidade de prever
suas emoções quando chegasse a hora de entregar o bebê?
3. Será que o julgamento da primeira instância foi correto, (a) pelo fato de que no contrato
houve uma troca razoável de serviço, quando o pai biológico da criança obteve um serviço
de gestação por um pagamento de US$ 10.000,00; e (b) que, sob a igualdade de prote-
ção da lei, desde que os homens estão autorizados a vender seu esperma, as mulheres
têm o direito de vender sua capacidade reprodutiva, ou foi o tribunal superior correto
ao argumentar que o contrato de barriga de aluguel era inválido, pois nem a capacidade
reprodutiva de uma mulher e nem a criança que ela gera devem ser considerados como
uma mercadoria a ser comprada e vendida no mercado?
• Se a mãe de aluguel for inibir o crescimento de sentimento de amor maternal pela criança,
deverá o contrato exigir dela uma maneira em que “não haja uma ligação sentimental”?
© ÉTICA APLICADA 21
Extensão: desenvolvimentos recentes e suas implicações éticas
• Dividir o papel de mãe em três maneiras acaba com a polêmica de quem tem maior direito
sobre a criança?
• Ao remover o vínculo antigo entre óvulo, útero e mãe, a gestação in vitro reduz o risco
emocional que envolvia a mãe de aluguel tradicional?
• Uma vez que a substituta não fornece o óvulo e a criança não é geneticamente dela,
podemos concluir, nesse caso, que nenhum bebê está sendo comercializado?
viewFile/466/563>. Acesso: 20 out. 2018. PAIANO, D. P. et al. A cessão do útero e suas implicações na ordem contratual.
Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_cessao_do_utero_e_suas_implicacoes_na_
ordem_contratual.pdf>. Acesso: 20 out. 2018.
23
Tong, “Surrogate Motherhood”, p. 370.
24
Por exemplo, Sandel relata que “Suman Dodia, aos vinte e seis anos de idade, Indiana, que era uma substituta
gestacional para um casal britânico, já havia ganhado uns US$ 25 por mês de trabalho como empregada doméstica. Para
ela, a perspectiva de ganhar $ 4.500 por nove meses de trabalho deve ter sido muito atraente para resistir”. Veja Justice:
What Is the Right Thing to Do? p. 101.
22 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Ética
Planos de aula
1
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Ética
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 46 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 8 – UTILITARISMO............................................................................................................................. 30
1. CONTEXTO DE JEREMY BENTHAM..................................................................................................................... 30
2. UTILITARISMO E INTRODUÇÃO AOS PRINCÍPIOS MORAIS E LEGISLAÇÃO......................................................... 30
3. O DESAFIO DE MILL AO HEDONISMO DE BENTHAM........................................................................................... 32
4. APLICAÇÃO......................................................................................................................................................... 32
Ética
Ética Aplicada
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
APRESENTAÇÃO
Os passos iniciais que culminaram na realização dessa publicação ocorreram no ano de
2016. Nesse momento nos encontrávamos diante de uma demanda muito frequente apresen-
tada por ex-alunos do curso de Filosofia – Licenciatura. Preocupados com a qualidade de suas
aulas, visto que muitos desses ex-alunos passaram a atuar como docentes, eles entravam em
contato conosco e nos questionavam a respeito da existência de planos de aula de filosofia que
pudessem ser utilizados na prática docente e reclamavam da dificuldade de encontrá-los nas
mídias físicas e virtuais.
Ainda que a literatura nacional seja repleta de livros didáticos de filosofia, muitos deles dis-
poníveis on-line, existia um vácuo a ser preenchido para propostas didáticas que realizassem
uma relação viável entre a Filosofia e a realidade existente, ou seja, que não se limitasse tão
somente à aquisição de conceitos.
A partir dessa dificuldade, iniciamos uma pesquisa nas mídias digitais em língua inglesa e
espanhola com a finalidade de localizar planos de aulas que atendessem a demanda. Das inú-
meras buscas realizadas, deparamo-nos com os planos de aula propostos pela Johns Hopkins
Center for Talented Youth e que, mais tarde, obtivemos a informação de que foram produzidos
a pedido da fundação Squire Family Foundation.
Após um primeiro contato, percebemos que os materiais eram muito bem estruturados e
dinâmicos e, a partir dessa constatação, disponibilizamos – para professores que possuíssem
fluência em língua inglesa e que estivessem dispostos a experimentá-los – o módulo de Ética
para uma eventual análise.
Esse módulo foi aplicado a alunos do Ensino Médio e, mais especificamente, a alunos da EJA
(Educação de Jovens e Adultos). Das análises iniciais advindas dessa aplicação, consideramos
que os resultados foram muito proveitosos, no entanto, como se encontravam em língua in-
glesa e foram produzidos por uma instituição estrangeira, havia dificuldades interpretativas e
legais para a disponibilização aos professores de filosofia em nosso país.
Dessa iniciativa, efetivamos o contato com o pesquisador Stuart Gluck, diretor de Investiga-
ção Institucional da Johns Hopkins e ele nos informou que atuou na produção desse material e
que este foi feito a pedido da Squire Family Foundation, que seria a instituição proprietária dos
direitos de uso desse material.
Após essa informação, contatamos a referida instituição e apresentamos nosso pedido, que
foi efusivamente autorizado pela sua diretora, a pesquisadora Roberta Israeloff, diretora da
instituição. A única solicitação que nos foi apresentada era a de que esse material fosse dispo-
nibilizado gratuitamente aos professores interessados.
Após isso, aventamos a possibilidade de inserirmos alunos do curso de filosofia que possuís-
sem fluência na língua inglesa e que desejassem participar dessa iniciativa. Para nossa felicida-
de, constatamos um grande número de interessados e, desde então, dedicamo-nos à tradução
desse material.
Este é o resultado final desse trabalho e, por meio dele, esperamos que possam contribuir
para o florescimento de um ensino de filosofia de qualidade.
© ÉTICA 5
Terminamos essa breve introdução com um especial agradecimento aos alunos que parti-
ciparam do processo de tradução: Marco Antonio Domenici, Fagner Antonio da Costa Mendes,
Johnathan Resende Santos Gusmão, Flaviana Zilio, Rafael Campos de Figueiredo, Lucas Krauss
Pinto, Sidney César Dias Gonçalves, Alair Barcelar De Santana Júnior, Rafael Campos de Figuei-
redo, Luis Cesar Ogg, Washington Luiz Sebastião Nunes, Karen Nunes Montes D’Oca e Renato
Romeo.
6 PLANO DE AULA
ÉTICA
Em filosofia nos preocupamos não só com quais ações são moralmente corretas e moral-
mente erradas, mas o que as torna moralmente corretas ou erradas. A chave é entender o tipo
de raciocínio que empregamos na tomada de decisões éticas. Os alunos geralmente abordarão
essa questão de uma das duas posições depreciativas: (1) que não há razões amparando as
decisões éticas, que é meramente uma questão de preferência pessoal; ou (2) todas as ques-
tões éticas já estão solucionadas e existe um meio absoluto de determinar todas as respostas,
muitas vezes através da adesão a doutrinas religiosas. Nesta seção, passaremos por três eta-
pas. A primeira é eliminar as barreiras à deliberação moral racional. A segunda é olhar para os
cinco fatores diferentes aos quais apelamos para decidir qual é a melhor maneira de agir mo-
ralmente. Em terceiro lugar, analisaremos os casos sendo claros e cuidadosos para podermos
explicar por que acreditamos que certas escolhas são as corretas.
1. Ética das virtudes: o que é moralmente certo é o que nos faz a melhor pessoa que
poderíamos ser.
3. Utilitarismo: o que é moralmente certo é o que gera o melhor equilíbrio entre prazer e
dor quando todos são considerados iguais.
Vocabulário importante:
1. Moralmente necessário: status de uma ação que uma pessoa é moralmente obrigada
a realizar.
2. Moralmente permissível: status de uma ação que uma pessoa é moralmente livre para
realizar ou não.
3. Moralmente inadmissível: status de uma ação que uma pessoa é obrigada a evitar.
4. Sistema ético: uma definição de termos morais que nos permite determinar o status
moral de uma ação.
5. Subjetivismo ético: o sistema moral por meio do qual uma ação é moralmente permissível
para um indivíduo se e somente se ele pensa que é.
6. Relativismo cultural: o sistema moral por meio do qual uma ação é moralmente aceitável
numa determinada cultura se e somente se é aprovada por essa cultura.
7. Egoísmo ético: o sistema moral em que uma ação é moralmente necessária se promove
as melhores consequências para o agente.
10. Imperativo categórico: a regra que promove normas éticas que devem ser seguidas
independentemente da situação.
11. Imperativo hipotético: uma declaração de vantagem numa situação que levaria um
© ÉTICA 7
indivíduo a preferir uma certa ação; é uma frase do tipo «Você deve fazer x, para obter
y». Contrasta com o imperativo categórico que afirma simplesmente que «Você deve
fazer x».
• Explorar e refletir sobre os meios pelos quais raciocinam sobre questões morais.
Recursos
BLACKBURN, Simon. Being Good: a short introduction to Ethics. [S.l.]: Oxford University Press, 2009.
WILLIAMS, Bernard. Morality: an Introduction to Ethics. [S.l.]: Cambridge University Press, 1993.
8 PLANO DE AULA
DIA 1 – INTRODUÇÃO À ÉTICA
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
O objetivo de hoje é fazer com que os alunos comecem a perceber que a deliberação moral
envolve o uso da razão. Muitos estudantes abordarão a ética com o equívoco de que as esco-
lhas éticas são simplesmente uma questão de preferência pessoal, que não há nada a pensar
cuidadosamente ao abordar dilemas morais. Começaremos com os alunos debatendo questões
morais simples em termos dos motivos de sua posição.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender que existem melhores e piores razões para tomar uma decisão
moral.
• Os alunos devem ser capazes de explicar a diferença entre uma ação ser moralmente
admissível e ser moralmente necessária.
1. APRESENTANDO A ÉTICA
• É moralmente errado pôr fogo no irmão menor do seu amigo por diversão.
Pergunte aos estudantes: essas frases são verdadeiras? (Sim, ambas são). Como sabe-
mos que a primeira é verdadeira? Como sabemos que a segunda é verdadeira? (Escreva as
razões dadas). Qual a diferença entre essas frases? (Nós sabemos o que queremos dizer sobre
“estar vivo”, mas o que queremos dizer sobre “ser moralmente errado”? O que é que faz uma
ação moralmente correta ou moralmente errada? Como podemos testar isso?).
Divida os alunos em seis grupos. Cada grupo deve eleger um porta-voz. Atribua, aleatoria-
mente, a cada grupo, uma das três ações abaixo, bem como se devem argumentar se a ação
é moralmente aceitável ou não.
• Você mente para seu melhor amigo para levá-lo a uma festa surpresa.
• Alguém numa festa bebeu e pretende dirigir. Então, você tira as chaves do bolso do ca-
saco dele e as esconde.
• Alguém está doente e você tem permissão especial para transportar remédios para você
que ajudariam essa pessoa; contrariando as regras, você dá à pessoa alguns de seus
medicamentos.
Dê aos grupos cinco minutos para encontrar a defesa mais forte para a sua posição. Em se-
guida, traga os porta-vozes com as posições opostas e dê a cada um dois minutos para fazer a
sua defesa. Depois que ambos falarem, coloque em votação (os membros dos grupos fazendo
© ÉTICA 9
as defesas não votam). Providencie o debate das três ações.
Uma vez finalizada a votação, considere se a classe ficou dividida nessas questões ou se
houve consenso geral. Pode-se estar moralmente em dúvida a respeito de qualquer uma delas,
ou seja, não ter certeza do que é certo fazer? Você já esteve moralmente em dúvida sobre
alguma coisa? Como resolvemos isso? O que você levaria em conta como bons motivos para
se decidir sobre uma dúvida moral?
3. STATUS ÉTICO
Quando julgamos uma ação, tendemos a pensar em termos de um ato como sendo “mo-
ralmente correto” ou “moralmente errado”. Na verdade, precisamos pensar em termos de três
status morais. Um ato é moralmente necessário se formos moralmente obrigados a fazê-lo.
Para fazer o que é certo, você precisa fazer isso. Uma ação é moralmente admissível se puder-
mos optar por fazê-la. Não é moralmente problemático fazê-la, mas também não é moralmen-
te problemático não fazê-la. Um ato é moralmente proibido se não pudermos fazê-lo.
Peça aos alunos para nomear ações que se encaixam claramente em cada categoria.
10 PLANO DE AULA
DIA 2 – SUBJETIVISMO E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
Antes de começarmos uma discussão rigorosa sobre as maneiras por meio das quais for-
necemos razões para reivindicações morais, precisamos eliminar vários pontos de vista que
muitos estudantes têm, ou seja, que não há motivos para escolhas morais, apenas simples
preferências. Estes são o subjetivismo ético e egoísmo psicológico. O subjetivismo é a visão
de que um ato é moralmente aceitável para mim se eu pensar que é. Não existem declarações
éticas significativas além das próprias crenças pessoais. O egoísmo psicológico é a visão de que
os seres humanos só podem agir em seu próprio interesse, que somos computadores egoístas
programados.
Ambas são posições incorretas, mas há uma percepção de que estão conectadas com uma
visão que precisa ser exposta. As perguntas éticas muitas vezes não possuem respostas sim-
ples e, no final, temos que ter uma visão realista das deliberações éticas já que pessoas pon-
deradas e cuidadosas podem discordar sobre questões morais difíceis. Ter a mente aberta e ser
tolerante com as diferenças de crenças é algo bom, mas isso não leva, como muitos acreditam,
ao subjetivismo ou ao egoísmo.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem ter a sensação de que não ter uma resposta clara e fácil a um problema
não significa que o problema não tenha uma resposta.
1. SUBJETIVISMO ÉTICO
Selecione quatro estudantes. Peça que dois leiam um diálogo e que os outros dois leiam o
outro.
Diálogo 1:
B: É doce demais, e adoro os pedaços de frutas no sorvete de morango, que dão uma con-
sistência gostosa e ainda destacam bem o gosto do morango. São como pequenos pedaços
deliciosamente maravilhosos.
A: Ah sim, e esses pedaços ficam presos nos dentes – o que não acontece com o chocolate
cremoso.
B: Mas isso é que é legal, você continua a saboreá-los mesmo mais tarde.
© ÉTICA 11
Diálogo 2:
A: Eu acho que é injusto obrigar estudantes do ensino médio a realizar projetos de serviço
comunitário como requisito para se formar. Estamos na escola para aprender e, se o fizermos
bem, devemos receber o diploma.
B: Mas você é um membro da comunidade e, portanto, você tem o dever moral de ajudá-la.
Sua escola é financiada com os impostos da comunidade e é justo, então, que você faça algo
para retribuir o apoio que está lhe dando.
A: Nunca pedi ajuda deles. Eles não têm o direito de me dizer o que fazer ou não fazer com
o meu tempo livre. É a minha vida e não a deles. Se eu escolher fazer serviço comunitário, é
uma coisa muito boa e espero que muitas pessoas escolham isso, mas precisa ser uma escolha
e não um mandado que eles não têm o direito de emitir.
O que cada pessoa reivindica em cada um desses diálogos? (No primeiro diálogo, “A” não
está argumentando que o chocolate é melhor do que o morango, mas sim que “A” gosta mais
de chocolate do que o morango). Enquanto as quatro pessoas dão motivos para suas esco-
lhas, seria possível por motivos racionais fazer você mudar seu sabor favorito de sorvete? As
questões de preferência de gosto são abertas à razão ou algumas coisas simplesmente têm o
gosto melhor do que outras coisas para você? Agora, é possível que você possa mudar de ideia
sobre uma questão moral porque alguém lhe deu uma razão melhor do que você tinha? A ética
é diferente do gosto porque está aberta à razão.
Afirmar que a ética é como o gosto é defender o subjetivismo ético. O subjetivismo ético é
a visão de que um ato é moralmente correto ou errado para mim se eu acreditar que é. Exis-
tem dois elementos importantes nessa definição. Primeiro, é uma definição relativista, ou seja,
torna a aceitação moral, a necessidade e a não aceitação diferentes para cada pessoa. Não há
declarações éticas universais que devem ser válidas para todos.
Em segundo lugar, significa que é impossível que alguém se confunda sobre um questiona-
mento moral. Escreva as seguintes frases no quadro:
• Quando eu era pequeno, achava certo bater nas pessoas quando eu estava com raiva,
mas agora percebo que é errado.
No primeiro caso, você estava errado sobre os espargos quando era criança? Não, eles não
eram saborosos para você como são agora. No segundo caso, você estava errado? Sim, você
percebeu algo. Sua crença moral estava errada e foi corrigida, provavelmente, pela razão.
O subjetivismo ético torna o questionamento moral impossível. Você não pode se perguntar
se uma ação é moralmente permitida ou não se qualquer decisão aleatória simplesmente re-
solveria o problema. Muitas vezes sentimos ansiedade profunda sobre decisões morais difíceis.
Se pudéssemos resolvê-las simplesmente jogando uma moeda (cara é moralmente correto e
coroa não é), então, não haveria a sensação de que algumas questões éticas são realmente
complicadas.
Embora o subjetivismo ético seja errado, muitas vezes se dá por motivos nobres, como o
desejo de ser uma pessoa aberta e tolerante. Ser aberto e tolerante é positivo, mas na verdade
não leva ao subjetivismo ético. Ter a mente aberta significa que, enquanto você tem uma visão
e um bom motivo para acreditar, você ainda escutará o raciocínio por trás de visões opostas, e,
12 PLANO DE AULA
se lhe mostrassem que suas razões não são boas e lhe oferecessem motivos melhores, então,
você estaria disposto a mudar de ideia. Para se ter uma mente aberta, deve-se começar admi-
tindo que, enquanto você é uma pessoa ponderada e atenciosa, você pode estar errado e que-
rer refletir muito sobre os diferentes lados da questão. De fato, o subjetivismo ético não é ter
a mente aberta, porque a necessidade moral, a aceitação e a não aceitação são uma questão
de preferência pessoal, e nunca precisamos ouvir ninguém. Ao contrário da crença comum, o
subjetivismo ético é ter uma mentalidade fechada porque você não precisa abrir a mente para
os motivos das outras pessoas.
Ser tolerante não significa que uma pessoa não possa ter uma opinião sobre questões mo-
rais e acreditar que uma pessoa tenha valores considerados universalmente verdadeiros. To-
lerância significa que você admitirá que certos pontos não são totalmente determinados e que
pode haver pessoas ponderadas e cuidadosas que não concordam com alguns pontos difíceis.
Mas isso não significa que todas as questões éticas sejam amplas. Existem motivos melhores
e piores e algumas questões são claramente respostas erradas. A tolerância não significa que
se tenha que permitir que o assassinato em massa seja moralmente aceitável para o assassino
em massa se o assassino em massa acreditar que seja. Precisamos ter certeza de que existe
um espaço na discussão ética para que pessoas ponderadas e cuidadosas discordem, mas isso
não significa que não existam verdades morais universais
2. EGOÍSMO
O subjetivismo ético deve ser distinguido em dois tipos de egoísmo. O egoísmo ético é a
visão de que uma ação é moralmente correta para mim se proporcionar o melhor para mim.
Como o subjetivismo ético, a definição é relativa, tornando a aceitação moral, a necessidade
e a não aceitação diferentes de pessoa para pessoa, mas ao contrário do subjetivismo ético, o
status moral não é uma questão de preferência, mas de um fato objetivo no mundo. Nós ana-
lisamos as consequências da ação e determinamos se foram úteis ou prejudiciais para você.
Enquanto o egoísmo ético é uma perspectiva ética porque determina o status moral de uma
ação, o egoísmo psicológico é uma abordagem que torna a ética impossível. O egoísmo psico-
lógico é a visão de que os seres humanos só podem agir em seu próprio interesse. Assim, o
altruísmo, agir pelo outro, é impossível, pois só podemos fazer o que é melhor para nós.
Jogue o jogo do egoísta psicológico. Questione a classe sobre qualquer ação. Veja como ela
pode beneficiá-lo(a). O egoísta psicológico conclui que é esse benefício que deve ser a verda-
deira motivação para a sua ação.
Mude o jogo. Cite qualquer ação e o custo ou desvantagem que acarretam para você. O
que você não poderia fazer porque fez isso? Nossa motivação sempre pode ser autodestrutiva,
já que sempre podemos encontrar uma maneira de que cada ação nos prive de obter outros
benefícios?
Inverta o jogo. Escolha uma pessoa na sala. Para cada ação, pergunte de que maneira po-
deria ter beneficiado essa pessoa. A motivação de todo o mundo para cada ação poderia agir
ao encontro do melhor interesse dessa pessoa? Não podemos fazer exatamente o mesmo em
relação a essa perspectiva absurda como podemos no caso do egoísmo psicológico?
© ÉTICA 13
DIA 3 – RELATIVISMO CULTURAL
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem ser capazes de diferenciar normas culturais, leis e preceitos morais.
1. RELATIVISMO CULTURAL
O relativismo cultural é a visão de que um ato é moralmente admissível para uma sociedade
se e somente se essa sociedade aceitá-lo (moralmente necessário se a sociedade o exigir e
inadmissível se a sociedade o proibir). Como o subjetivismo ético, o relativismo cultural é uma
noção relativa, isto é, não há reivindicações éticas universais, mas relativização. Para o sub-
jetivismo ético, o status moral de uma ação é relativizado para cada indivíduo, enquanto para
o relativismo cultural, o status moral é relativizado para uma sociedade e, portanto, abrange
todas as ações de todos os membros dessa sociedade.
O relativismo cultural sofre dos mesmos problemas que encontramos no subjetivismo ético
devido à sua natureza relativista. Se o relativismo cultural fosse correto, então, seria impos-
sível para uma cultura errar sobre quais práticas são moralmente aceitáveis, necessárias ou
inadmissíveis. Mas as práticas culturais mudam ao longo do tempo, às vezes, por razões mo-
rais. Isso seria impossível se o relativismo cultural fosse correto.
Existe claramente um problema com essa declaração. Se você afirmar algo, certamente
você acredita nisso. Recusar-se a acreditar em algo que você sabe ser verdadeiro é desonesto
ou irracional. Em ambos os casos, esse orador não deve ser confiável.
Mas agora considere a seguinte frase dita por um abolicionista do sul antes da Guerra Civil:
• A minha sociedade aprova a escravidão, mas acredito que não é moralmente aceitável.
Esta frase certamente não é bobagem, de fato, a acharíamos louvável. Mas se o relativismo
cultural fosse verdadeiro, a aprovação social seria a mesma coisa que ser moralmente aceitá-
vel. Isso significaria que a frase acima significaria exatamente a mesma coisa que:
14 PLANO DE AULA
Essa frase não significa o mesmo que a de cima, então, a aprovação social e a aceitação
moral devem ser coisas diferentes.
Na verdade, se o relativismo cultural fosse verdadeiro, seria impossível desafiar os atos so-
cialmente aceitos baseados em motivos morais. No entanto, fazemos isso o tempo todo.
Peça ao aluno que cite práticas atuais ou do passado que são socialmente aceitas, mas mo-
ralmente questionáveis ou ações socialmente desaprovadas, mas moralmente admissíveis ou
necessárias.
Um dos impedimentos para uma boa discussão ética é o fato de termos vários significados
diferentes para as palavras “certo” e “errado”. Esta é uma das razões pelas quais preferimos
usar as frases “moralmente admissíveis”, “moralmente necessárias” e “moralmente inadmis-
sível “. Isso nos impede de confundir os conceitos com outros que são diferentes, mas seme-
lhantes.
O que torna as coisas ainda mais confusas é que usamos as mesmas palavras “certo”
e “errado” para cobrir esses diferentes significados. O que queremos fazer aqui é elaborar
alguns desses sentidos diferentes do certo e errado e ver como eles são independentes.
Uma afirmação é factualmente correta se o que diz sobre o mundo é verdadeiro e factualmente
errada se o que diz sobre o mundo é falso. Isso é claramente diferente das noções morais, pois
não há nada de antiético em responder a uma pergunta em um teste de matemática incorre-
tamente, desde que seja seu próprio trabalho, é claro.
Mas também há dois sentidos normativos de certo e errado, que são diferentes, mas muitas
vezes confundidos com conceitos éticos. O primeiro é legalmente correto ou legalmente erra-
do. As leis são feitas por um processo legislativo. Pode ser um único monarca ou ditador que
faça regras de acordo com a sua vontade. Pode ser uma democracia representativa em que as
leis são feitas por legisladores eleitos para o bem do povo ou por subornos pagos a membros
influentes do partido. Pode ser uma democracia direta onde as pessoas votam por dever ou
para satisfazer seus próprios interesses. Em todos esses casos, podem-se ter leis que exijam
que os cidadãos atuem de forma moralmente admissível ou moralmente inadmissível. Espera-
mos que nossas leis não nos impeçam de fazer coisas que são moralmente necessárias, mas há
muitos exemplos de legislação eticamente problemática e admiramos pessoas com a coragem
ética de enfrentar as sanções legais em oposição a tais regras. Considere, por exemplo, Rosa
Parks.
Mas estranho não é necessariamente errado. Às vezes, é inofensivo, outras vezes constitui
uma posição contra práticas sociais problemáticas. Às vezes, vemos o mal que fazemos aos
outros porque é tão normal. Nesses casos, muitas vezes é preciso alguém que está disposto a
parecer incomum para nos fazer questionar se devemos estar fazendo algo que todos fazem
sem pensar.
Peça aos alunos para se agruparem em pares e apresentarem atos moralmente permitidos
ou necessários, mas são, ou já foram, legal e/ou socialmente errados e atos que são moral-
mente inadmissíveis, mas são legal e/ou socialmente corretos. Depois peça que retornem e
listem esses atos.
© ÉTICA 15
DIA 4 – TEORIA DO COMANDO DIVINO
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
A Teoria do Comando Divino é a visão de que uma ação é moralmente necessária se Deus
a ordena e moralmente inadmissível se Deus a proíbe. Enquanto os códigos morais da maioria
das religiões são maravilhosos guias para a vida, surgem problemas quando uma declaração
fundamentada em textos sagrados significa que não há necessidade de uma deliberação éti-
ca séria. Mesmo se alguém olha para as crenças religiosas de alguém como um guia para o
certo e o errado, ainda há motivos para fazer as escolhas que se faz. Vamos analisar vários
problemas com o argumento de que recorrer à vontade de Deus torna desnecessário pensar
cuidadosamente sobre ética.
Objetivos e conceitos-chave
A Teoria do Comando Divino presume que a existência de um Deus ou deuses e valores onde
o comportamento humano moralmente aceitável é o que está de acordo com a Vontade Divina.
Um ato é moralmente necessário se Deus ou os deuses o ordenarem. Um ato é moralmente
admissível se agradar a Deus ou aos deuses; um ato é moralmente inadmissível se Deus ou
os deuses o proibirem.
Certamente é verdade que não matar, não roubar, honrar os pais e não apresentar teste-
munho falso contribuiria para tornar a vida moralmente bem vivida. Ver outros seres como
seus irmãos e protegê-los é ser moralmente exemplar. O Sermão da Montanha deve ser visto
pelos crentes e pelos não crentes como inspiração em termos de viver eticamente. Enquanto
os apelos à crença são um bom ponto de partida para pensar em problemas éticos difíceis, tais
recursos não eliminam os problemas filosóficos subjacentes a eles. Ainda precisamos de razões
para apoiar nossas escolhas e essas razões exigem pensamento filosófico.
O movimento das Teorias do Comando Divino em face a este problema é apelar aos textos
sagrados. Argumentam que nossos livros sagrados podem ser vistos como manuais de instru-
ções éticas. Mas esses livros não são a mente de Deus, são conjuntos de palavras e para que
as palavras tenham significado, elas devem ser interpretadas. Considere as leis do estado.
Legisladores elaboram leis e, quando são promulgadas, se tornam regras de comportamento
16 PLANO DE AULA
ditadas pelo governo. Mas, inevitavelmente, surgirá uma situação em que a lei se aplica de
forma clara, mas não está exatamente claro num contexto particular. Ou, pode haver uma
situação em que uma lei prevê um resultado, onde uma segunda lei determina uma resolução
diferente. Nesses casos, existem os juízes que consideram a lei e a circunstância para decidir o
caso. Esta decisão exige que o juiz interprete a lei, para dizer como aplicá-la numa circunstân-
cia que não foi claramente discutida pelo legislador. Ninguém pode pensar em todos os casos
possíveis, então precisamos apelar para que alguém nos diga de forma imparcial o que a lei
deve significar nesse contexto imprevisto.
Esse tipo de preocupação surgirá sempre que você estiver lidando com um conjunto de
regras abstratas que você está tentando aplicar na vida, que é complicada. Isso inclui regras
encontradas em textos sagrados. As regras que são aplicáveis de maneira geral sempre en-
contrarão circunstâncias em que não está totalmente claro como se aplicam. Isso requer in-
terpretar a regra e sempre haverá diferentes interpretações possíveis. Como decidimos entre
essas interpretações? Razão.
Note que essas interpretações são o trabalho dos seres humanos. Os teóricos do Comando
Divino querem colocar todo o peso moral das decisões no domínio do Divino, mas quando se
trata da vida real, as coisas nem sempre são claras e fáceis.
Considere o oitavo mandamento, “Não roubarás”. Poucos discordariam com isso como sen-
do um preceito moral legítimo. Há casos claros de roubo e nós os condenamos. Mas o que
exatamente significa roubar algo? Suponha que você veja uma nota de cem reais saindo do
bolso de alguém e você agarra e coloca no seu bolso. Roubando? Certamente. E se você vê a
nota cair por baixo da cadeira da pessoa e você a pega? Suponha que você a veja sob a cadei-
ra, mas não a viu cair? Todos se tratam de roubo claramente. Suponha que você a encontre
no estacionamento de um shopping na véspera de Natal e, enquanto há pessoas em todos os
lugares, ninguém está procurando por ela e você não tem ideia de quem é. Suponha que esteja
numa biblioteca com um grupo de pessoas. Suponha que tenha sido jogada por alguém que
você sabe que a roubou mesmo. Esses são exemplos de roubo? Faria a diferença se fosse uma
moeda de dez centavos em vez de uma nota de cem reais?
O conceito de roubo no momento da redação do Antigo Testamento era tomar algo que per-
tencesse a outra pessoa para que não tivesse mais isso. Mas e quanto ao download de músicas
ou cópias de CDs ou DVDs? Quem tinha isso ainda tem tudo o que tinha antes. A Igreja empre-
gava escribas cujo único trabalho era fazer cópias de livros. Isso foi pensado como uma ótima
coisa. Agora é plágio ou pirataria. A noção de propriedade intelectual é puramente moderna.
Devemos reinterpretar a noção bíblica para incluí-la ou isto a altera?
A ideia aqui é que não há dúvida de que não se deve roubar. É só que o que significa roubar
fica complicado quando olhamos para casos difíceis. Com isso, precisamos retomar o nosso
discurso ético com base na razão, já que a crença baseada na fé na verdade dos textos sagra-
dos não responde completamente à pergunta, ainda há necessidade de pensar.
Divida os alunos em oito grupos. Dê a cada grupo um dos seguintes mandamentos e o con-
texto associado. Peça-lhes que pensem no argumento mais forte para uma situação em que
o mandamento se aplica e no argumento mais forte para uma situação em que não se aplica.
1. «Honre seu pai e sua mãe». Uma criança tem um dos pais morrendo de câncer de pulmão
que pede à criança para ir à loja e comprar cigarros para eles. Você quer agradar seus
pais, você vai?
3. «Não matarás». Alguém de quem você gosta profundamente está morrendo de uma
© ÉTICA 17
doença terminal muito dolorosa. A pessoa só tem um dia e não há absolutamente nenhuma
chance de uma cura ou chance de que a pessoa viva além desse dia. Você tem um veneno
de ação lenta que coloca a vítima em coma e causa a morte em quase um dia. Se você der
o veneno para esta pessoa, ela morrerá do veneno e não da doença. É assassinato dar o
veneno e livrar a dor desse dia?
4. «Não cobiçarás nada que pertença ao seu próximo». Seu vizinho acaba de comprar
um carro esportivo incrível, aquele que você sempre quis. Vê-lo pessoalmente faz você
trabalhar mais, ser mais responsável e economizar seu dinheiro em vez de gastá-lo com
coisas que você realmente não precisava. Você quer o seu próprio, não o do seu vizinho,
mas ver o carro esportivo dele é motivador para você. Você está cobiçando o que é do
seu vizinho?
5. «Honre seu pai e sua mãe». Depois de um casamento na família, seu pai, que bebeu
muito, pede que você jogue fora algo que você sabe que ele gostaria de manter se não
tivesse bebido. Se você deve honrar seus pais, você jogaria fora?
6. «Não cometerás adultério». Uma esposa encontra o marido sentado e beijando outra
mulher, mas nada mais aconteceu entre eles. O marido pensava seriamente em fazer
mais do que beijar. Isto é adultério?
7. «Não roubarás». Você é um músico profissional e ouve alguém que toca apenas por
hobby, que está apenas dedilhando, e não tem interesse em ser um profissional. Você
pega esses acordes, acrescenta letras e um solo de guitarra, e o transforma em um
grande sucesso. Você roubou a música?
8. «Não matarás». Você está passando por uma piscina quando vê alguém cair que você
conhece e que não sabe nadar. Você poderia facilmente retirá-lo com pouco esforço. É
assassinato se você não retira?
Reúna a classe novamente e faça com que eles compartilhem e discutam seus pensamentos.
Dizer que Deus é onipotente, ou todo-poderoso, é dizer que não há nada que possa ser feito
que Deus não possa fazer. Existe, portanto, uma varinha de medição externa para fazer sentido
a reivindicação da onipotência. Mas dizer que Deus é todo-bom no sentido moral do bem exigi-
ria, também, que existisse uma concepção externa de bem na qual Deus é o exemplo máximo.
Mas a Teoria do Comando Divino define a bondade como a que segue a vontade de Deus, isto
é, os desejos de Deus definem o que nossas noções morais significam. Portanto, não há uma
medida externa para dar sentido às reivindicações da bondade de Deus.
Pense novamente no subjetivismo ético. Porque o subjetivista ético definiu a bondade moral
para a pessoa em termos das próprias crenças dessa pessoa sobre o que é permitido, necessá-
rio ou inadmissível, ninguém jamais pode agir de forma imoral porque todos sempre atuam a
partir de suas próprias crenças. O subjetivismo ético torna a ética trivial. O certo e o errado não
significam mais nada. Da mesma forma, o Teórico do Comando Divino nos deu uma versão do
subjetivismo ético onde Deus é o único assunto. Assim como nunca poderíamos, em princípio,
condenar um ato como moralmente impróprio se o subjetivismo ético fosse verdadeiro, tam-
bém nós nunca poderíamos, em princípio, condenar um ato de Deus se a Teoria do Comando
Divino fosse verdadeira. Os atos de Deus não são nem moralmente aceitáveis nem inadmis-
síveis porque, quando se trata de Deus, aquele que determina o certo e o errado, os atos são
moralmente aceitáveis por definição. Mas, então, isto torna qualquer afirmação de que Deus
é um ser moralmente bom, isto é, Ele sempre faz a escolha certa, um resultado trivial. O fato
de ele escolher isto faz com que isto seja correto por definição, assim é insignificante dizer que
Deus é bom se a Teoria do Comando Divino for verdadeira.
18 PLANO DE AULA
Uma preocupação semelhante aparece no diálogo Eutífron, de Platão. Nesse diálogo, o per-
sonagem principal, Sócrates, está prestes a entrar no tribunal, tendo sido acusado de crimes
quando vê um jovem que conhece, Eutífron. Ele pergunta a Eutífron por que ele está no tribu-
nal e ele responde que está lá para acusar seu pai de assassinato por matar um escravo. Este
seria um ato chocante de impudência para os gregos, algo estranho e inédito.
Sócrates pergunta a Eutífron o que aconteceu. Ele explica que o escravo fez algo que irritou
seu pai, que, como castigo, o amarrou, o amordaçou e o jogou numa vala. O pai foi trabalhar
e se esqueceu do escravo. Quando ele finalmente se lembrou e foi ao fosso, o escravo estava
morto.
Sócrates comenta que é uma coisa incomum o que Eutífron está fazendo, o qual diz que está
fazendo o que é moral. Sócrates pergunta-lhe como sabe o que é moral e Eutífron responde
que sabe o que é a moral. Sócrates, impressionado que alguém tão jovem conheça algo tão
profundo e difícil, faz uma série de perguntas para tentar fazer com que Eutífron lhe diga o que
é a moral. Eventualmente, Eutífron responde com o coração a teoria do Comando Divino, que
um ato moralmente bom é aquele que agrada aos deuses. Sócrates coloca o dilema, os deuses
(ou Deus) gostam porque é bom, ou é um ato bom porque os deuses (ou Deus) gostam dele?
Se você considerasse que os deuses (ou Deus) gostam porque é bom, então esse bem
está antes da preferência de Deus. Há alguma razão pela qual é bom e os deuses (ou Deus)
o preferem por esse motivo. Nesse caso, é a razão que é importante, não a vontade de Deus.
A preferência divina é o resultado de outra coisa e é essa outra coisa que define se um ato é
bom ou não. Como tal, a ética não está preocupada com os deuses (ou com Deus), mas com
essa outra coisa. Este não é um bom resultado para aqueles que querem que o Divino seja um
elemento essencial da ética.
Por outro lado, se você dissesse que uma ação é moralmente admissível ou necessária por-
que agrada aos deuses (ou Deus), então não há absolutamente nenhuma razão pela qual uma
ação é moralmente necessária em vez de outra. Se os deuses (ou Deus) preferissem que tor-
turássemos crianças, então isso seria bom. “Mas, é claro”, pode-se dizer, “os deuses (ou Deus)
nunca desejariam tal coisa”. Por que não? “Porque é imoral”. Mas você não pode dizer isso sem
considerar o outro lado do dilema, isto é, dizer que existe uma razão externa pela qual isso é
bom e isso significa que é bom, independentemente da vontade de Deus, e que é exatamente o
que esse lado do dilema nega. Então, se você pode explicar porque qualquer ato é moralmente
necessário ou moralmente inadmissível, se você pode dar razões para que alguém acredite que
você deve ou não deve fazer alguma ação, então você não pode aceitar esse lado do dilema.
Platão está argumentando no Eutífron que o Teórico do Comando Divino quer renunciar ao
núcleo de sua abordagem moral de que a Vontade Divina é a base para determinar o status
moral de uma ação ou tem que desistir da ideia de que podemos ter qualquer sentido de ética;
essa ética é completamente arbitrária e não há razão para que não devemos assassinar o ou-
tro, então é assim que Deus quer e amanhã, se ele escolher, poderia mudar de opinião. Nenhu-
ma dessas opções parece ser atraente. O outro caminho é dizer que o status ético é o resultado
de razões e de pensar cuidadosamente sobre o tipo de razão que deve ser levada em conta.
© ÉTICA 19
DIA 5 – SISTEMAS ÉTICOS
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
Esta lição nos afasta dos impedimentos ao discurso ético, indo ao encontro de sua estrutura.
Quando você olha para as formas em que defendemos a aceitação moral ou a necessidade de
uma ação, apelamos para diferentes aspectos do contexto moral. Os filósofos desenvolveram
sistemas morais que correspondem a cada um dos elementos. Esta aula visa dar uma visão
geral do que é um sistema ético e criar intuições relacionadas à relevância moral de cada parte
do contexto ético de uma ação.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem poder enumerar os elementos do contexto ético de uma ação e explicar
por que são moralmente relevantes.
1. SISTEMAS ÉTICOS
Durante séculos, os filósofos tentaram encontrar o que devemos considerar para determinar
se uma ação é moralmente admissível, moralmente necessária ou moralmente inadmissível.
Diferentes filósofos assumiram elementos diferentes e os desenvolveram no que chamamos
de sistemas éticos. Um sistema ético é realmente apenas uma definição de noções morais
básicas, mas pode ser pensado como uma máquina com um slot de um lado e três luzes no
outro: um vermelho, um amarelo e um verde. Você coloca uma ação no slot e uma das luzes
se acende: verde, se a ação for moralmente necessária, amarela, se for moralmente admissí-
vel e vermelha se for moralmente inadmissível. Diferentes filósofos apresentaram diferentes
sistemas éticos que para eles seriam os meios corretos e completos para determinar o status
moral de qualquer ação.
Existem duas preocupações principais para os éticos: (1) de todos os sistemas propostos,
alguns deles são perfeitos? Alguma das caixas acende a luz adequada para toda a ação? (2)
Se abrimos a caixa, qual é o mecanismo dentro? Como determinamos o status moral de uma
ação?
Jennifer queria ir ao baile com Roberto, mas ele estava saindo com Samanta por várias
semanas e a convidou. Depois de semanas sem conseguir um parceiro para o baile, Jennifer
recebeu o convite de Jim e aceitou, apesar de nunca ter pretendido ir com ele. Jim está muito
entusiasmado com o encontro, muito mais do que Jennifer, que se sente incomodada quando
Jim está por perto, o que provavelmente causará tensão entre eles durante a noite toda. Além
disso, Jennifer sabe que Robin, que ainda está sem um parceiro, estava esperando que Jim
a convidasse, mas ele não se manifestou. A relação entre Jennifer e Robin esfriou porque ela
concordou em ir ao baile com Jim sabendo que Robin queria. Hoje, Roberto e Samanta se sepa-
raram e não estão indo ao baile juntos. Roberto enviou uma mensagem a Jennifer e pediu-lhe
que fosse com ele. O que Jennifer deve fazer?
20 PLANO DE AULA
Peça a cada dupla para identificar qual é a ação moralmente adequada para Jennifer nesta
situação, e para descobrir em que parte do contexto se baseou para tomar essa decisão.
Reúna a classe e analise cada relatório, acompanhando a razão pela qual Jennifer deveria
ter feito o que recomendaram. Pergunte à classe se esses motivos se mantêm universalmen-
te, se existe alguma situação em que a coisa moralmente correta seja se recusar a seguir o
motivo dado, por exemplo, para aqueles que dizem que ela fez um acordo ou contrato, existe
sempre um caso em que a coisa moralmente necessária a fazer é quebrar um contrato; para
aqueles que dizem que as consequências gerais de abandonar Jim e ir com Roberto serão me-
lhores para todos, pergunte se os fins sempre justificam os meios ou há casos em que o certo
não é a solução mais prazerosa. Para aqueles que dizem que ela deve inventar uma desculpa
para não ir com Jim, lhe poupar e salvar a amizade deles, pergunte se há momentos em que
é necessário afastar-se do que seria melhor para as pessoas com as quais você se preocupa e
fazer coisa certa.
Existem cinco elementos importantes de uma situação moral que são considera-
dos como as principais características dos sistemas éticos: (1) quem fez isso? (2) o
que foi feito? (3) qual a consequência de fazer isso? (4) para quem foi feito? e (5) como
isso afetou as relações do agente com outras pessoas? Cada um desses elementos é re-
levante para determinar se o ato era moralmente necessário, admissível ou inadmissível.
Uma das coisas que muitas vezes pedimos às pessoas que estão prestes a fazer algo que
sabemos que é errado é “Que tipo de pessoa isso iria fazer de você?” Quem somos eticamen-
te é uma função do que fazemos. Nossas ações definem nosso caráter moral. Somos apenas
generosos se doamos aos outros. Somos trabalhadores dedicados se realmente trabalhamos
duro. Somos ponderados apenas se consideramos os outros. Você não pode se chamar de co-
rajoso se você não faz coisas difíceis diante de desafios. Então, uma das coisas que precisamos
considerar ao olhar para uma situação e determinar como agir é o que esse ato significaria em
termos de nosso caráter. Aristóteles nos dá um sistema ético chamado ética das virtudes, que
se baseia na consideração de “quem fez isso”, ou seja, qual é o efeito da ação sobre o caráter
do agente.
Ao julgar o status moral de uma ação, certamente o primeiro lugar a olhar é o próprio ato. Ser
azul é uma propriedade intrínseca do jeans azul, talvez a necessidade moral, a admissibilidade
ou a inadmissibilidade seja uma característica do próprio ato. Mentir é errado, não por causa da
pessoa que é magoada ou o que significa sobre o caráter do mentiroso, mas porque há algo em
mentir que é inerentemente problemático; é o ato que é errado e não precisamos olhar mais do
que o ato para determiná-lo. Emmanuel Kant nos deu um sistema ético chamado deontologia,
em que há deveres morais absolutos e onde um ato é moralmente necessário se tivermos o
dever de fazê-lo e moralmente inadmissível se tivermos o dever de não fazê-lo. Existem regras
morais absolutas e precisamos segui-las, independentemente da situação.
Vivemos num mundo com outros seres que são afetados por nossas ações. Quando agimos,
mudamos a vida de outras pessoas, trazemos prazer ou dor, damos oportunidades a elas ou
acabamos com as suas possibilidades. As escolhas que fazemos ao nos comportarmos de uma
forma ou de outra podem tornar o mundo um lugar melhor ou um lugar pior.
Jeremy Bentham defendeu um sistema ético chamado utilitarismo, segundo o qual o status
moral de uma ação é determinado pelo resultado dessa ação. Uma vez que mudamos o mundo
agindo ou escolhendo não agir, nossas escolhas precisam ser guiadas pelo desejo de tornar
© ÉTICA 21
esse o melhor mundo possível para todos.
Se você quer saber se uma ação deve ser moralmente aceitável ou não, certamente você
precisa olhar para a pessoa a quem foi feito. Oliver Wendell Holmes disse que o direito do meu
punho termina no nariz do meu vizinho. O que podemos e não podemos fazer é limitado pelos
direitos de outros. A ética baseada em direitos afirma que temos liberdade para fazer o que
quisermos, desde que não se infrinja os direitos de terceiros.
Os seres humanos não são desconectados dos átomos éticos que saltam no mundo, inde-
pendentemente uns dos outros. Nós temos relacionamentos e com eles vêm responsabilidades
morais. Os pais têm que cuidar das crianças. Os amigos têm que estar atentos às necessidades
dos outros. Os relacionamentos românticos vêm com a responsabilidade de cuidar da felici-
dade do outro parceiro. Os defensores da ética baseada no cuidado afirmam que parte de ser
humano é ter e promover essas relações interpessoais profundas e as necessidades daqueles
com quem nos preocupamos significam que teremos obrigações morais de fazer ou não fazer
certas coisas.
22 PLANO DE AULA
DIA 6 – ÉTICA DAS VIRTUDES DE ARISTÓTELES
Conteúdo: Método:
2. Ética das Virtudes na Ética a Nicômaco 2. Aula, reflexão escrita (35 minutos)
Apresentação do instrutor
Esta lição discute a ética da virtude de Aristóteles, como ele descreve no livro II da Ética a
Nicômaco. Depois de dar alguns antecedentes sobre a vida de Aristóteles, seu sistema ético é
examinado, e os alunos devem aplicá-lo aos casos.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem ser capazes de explicar e aplicar a ética das virtudes de Aristóteles às
situações.
1. CONTEXTO
Aristóteles nasceu na Macedônia em 384 a.C, filho do médico do rei. Ele foi enviado para
Atenas em 402 para estudar na Academia, a escola de Platão. Apesar de ter sido discípulo de
Platão, não concordou com tudo o que ele lhe ensinou. Para Platão, a realidade não era en-
contrada no mundo material, mas no mundo eterno, imutável e perfeito das formas, as ideias
das quais as coisas materiais são representações imperfeitas e que são vistas com o olho da
mente através do pensamento. Para Aristóteles, a realidade deveria ser encontrada no mundo.
E, depois da morte de Platão, ele saiu de Atenas e começou seu trabalho científico, examinando
fenômenos naturais e pesquisando suas causas.
À medida que esse trabalho progrediu, ele foi convocado de volta à Macedônia pelo novo rei,
Phillip, onde foi conselheiro científico do rei e tutor de seu filho Alexandre (mais tarde conhe-
cido como Alexandre, o Grande).
Ele saiu da Macedônia e voltou para Atenas, onde abriu sua própria escola, o Liceu. Aqui,
ele estudou e lecionou sobre temas de todo o espectro intelectual. Ele escreveu diálogos, pe-
ças destinadas a examinar questões científicas e filosóficas, mas nenhuma delas restou. Tudo
o que temos das obras de Aristóteles são notas de aulas. Mas nelas, encontramos o início de
praticamente todos os principais campos de estudo, da astronomia, física, química, biologia,
psicologia e lógica à ética, à ciência política e à teoria literária.
O trabalho de Aristóteles sobre ética está presente em dois livros, e o mais conhecido é a
Ética a Nicômaco (seu pai foi nomeado Nicômaco). Aqui encontramos o relato de Aristóteles
sobre o que veio a ser conhecido como ética das virtudes.
A ética é o estudo do que é para um ser humano viver uma boa a vida. O professor de Aris-
tóteles, Platão, tinha uma visão em que toda a verdade derivava de um único conceito de bem.
A forma de bem é o conceito mais alto e exaltado que a mente humana pode vislumbrar e tudo
o que é real, verdadeiro ou apenas participa da forma do bem.
© ÉTICA 23
Aristóteles objetou que essa noção singular do bem estava errada. Devemos estabelecer
uma distinção entre “bom para” e “bom em si mesmo”. Algo que é bom para outra coisa é um
meio, mas o objetivo da vida boa é algo que é um fim. Não se vive a vida boa para obter outra
coisa; a vida boa é o objetivo humano supremo.
Então, qual poderia ser esse fim em si mesmo? Não é riqueza ou poder. Ambos são meios.
Precisamos de dinheiro para comprar coisas ou poder para exigir que os outros façam coisas,
então, vidas almejando riqueza e poder não serão vidas que nos permitem ser os humanos
completos que poderíamos ser. Não é fama e adoração. Isto vem de outras pessoas. A boa vida
é a que nos permite tornar real o eu perfeito possível dentro de nós mesmos. Essa atualização
do nosso potencial vem do nosso próprio fazer, não da maneira como os outros nos consi-
deram. Não é prazer físico. Isso, diz Aristóteles, é uma vida para o gado. Os animais podem
experimentar o prazer corporal, e uma vida que o busca está abaixo dos seres humanos, pois
não atualiza nosso potencial humano, mas nos diminui para o nível de um animal.
O único bem verdadeiro para si em relação à vida humana é a felicidade. Você pode pergun-
tar às pessoas por que elas estão trabalhando por dinheiro ou por que elas estão se exercitan-
do tanto e elas provavelmente dirão que é um passo para alcançar a felicidade. Mas se você
lhes perguntasse por que querem toda essa felicidade, achariam estranho. A felicidade é seu
próprio fim, não um meio para outra coisa.
Mas o que traz a verdadeira felicidade para um ser humano é uma questão de natureza hu-
mana. Nós temos um tipo muito particular de mente que nos torna exclusivamente humanos.
Uma parte é semelhante às plantas, na medida em que controla o crescimento e funciona como
a respiração. Outra parte é semelhante aos animais, conferindo-nos percepção, locomoção e
apetite corporal. Mas os seres humanos sozinhos têm uma parte racional em suas mentes e
é alcançando nosso potencial racional que a verdadeira felicidade humana é encontrada. Essa
característica que nos aproxima do ser potencialmente perfeito que temos dentro de nós é
chamada de virtude. As características que nos afastam do nosso ser potencial perfeito são
chamadas de vícios.
Peça aos alunos que anotem as palavras que descrevem seus eus perfeitos. Imagine que
você é tudo o que poderia ser, que você atualizou todo o seu potencial. Que adjetivos você
usaria para se descrever?
Livro II
Seção 1
As virtudes humanas são comuns a todas as pessoas. Elas pertencem a todos nós porque
somos membros de uma espécie e todas as espécies têm o mesmo esforço, um senso comum
de perfeição que todos os membros tentam perceber. Mas, embora essas virtudes sejam co-
muns a todos nós, elas não estão naturalmente dentro de nós. Não nos tornamos virtuosos
se deixados sozinhos. As virtudes devem ser ensinadas e praticadas, como artesanato, como
um músico que aprende seu instrumento. Devemos observá-las em outros e, em seguida,
replicá-las em nossas próprias ações, a tal ponto que se tornem parte do nosso caráter ao se
tornarem habituais.
Seção 2
No livro I, Aristóteles distinguiu partes da mente racional. Uma parte trata do raciocínio
abstrato, pois essas virtudes devem ser encontradas no extremo – é sempre melhor ser mais
inteligente, ter melhores habilidades para resolver problemas, ter mais conhecimento do
mundo. Aqui no livro II, seção 2, ele examina as virtudes da parte prática da mente e essas
virtudes devem ser encontradas como a média entre dois extremos. Muito ou muito pouco
constitui um vício, mas o significado é justo. Se você correr de todo o perigo, você é covarde.
Se você se apressar em todas as situações perigosas, você é imprudente. A pessoa corajosa
é aquela que vai pelo caminho do meio. O excesso de prazeres corporais é ser desregrado.
24 PLANO DE AULA
Abster-se de todos os prazeres corporais é ser um rústico. A pessoa ponderada sabe quando
deve se manifestar.
Seção 3
Quando alguém tiver sido devidamente treinado nos caminhos da virtude, então, ser virtuo-
so será prazeroso e experimentar o vício será algo doloroso. Da mesma forma, quando alguém
tem um caráter corrompido, quando o vício se manifesta regularmente, atos virtuosos pare-
cerão desconfortáveis. Queremos nos treinar para adquirir hábitos de virtude, porque então
obteremos o prazer de fazer o que é certo.
Seção 4
Nossos atos determinam nosso caráter. Os atos virtuosos levam a um caráter virtuoso, pois
nos tornamos a pessoa mais perfeita que poderíamos ser, mas somente se forem feitos corre-
tamente. Para impactar o caráter de alguém, um ato virtuoso deve ser feito (1) com o conhe-
cimento da virtude que é incorporada; (2) deve ser praticado por livre escolha, e (3) deve ser
feito de bom grado, não de má vontade; feito porque é o certo, não pelo fato de que se espera
de alguém que faço isso.
Seção 5
As virtudes não são sentimentos. Sentimentos nos acontecem, as ações acontecem de nós.
Todo mundo fica com raiva. Não se pode ser admirado ou culpado por isso. A virtude deve ser
encontrada no que se faz quando alguém está bravo.
Seção 6
Existem algumas ações viciosas que não têm um significado, por exemplo, assassinato,
adultério ou roubo. Enquanto, em geral, o caminho moderado é sempre o melhor, não implica
considerar que assassinar a metade das pessoas que você conhece seja virtuoso porque está
no meio do caminho entre assassinar todos ou ninguém.
Seção 7
3. APLICAÇÃO
Jennifer queria ir ao baile com Roberto, mas ele estava saindo com Samanta por várias
© ÉTICA 25
semanas e a convidou. Depois de semanas sem conseguir um parceiro para o baile, Jennifer
recebeu o convite de Jim e aceitou, apesar de nunca ter pretendido ir com ele. Jim está muito
entusiasmado com o encontro, muito mais do que Jennifer, que se sente incomodada quando
Jim está por perto, o que provavelmente causará tensão entre eles a noite toda. Além disso,
Jennifer sabe que Robin, que ainda está sem um parceiro, estava esperando que Jim a convi-
dasse, mas ele não se manifestou. A relação entre Jennifer e Robin esfriou porque ela concor-
dou em ir ao baile com Jim sabendo que Robin queria. Hoje, Roberto e Samanta se separaram
e não estão indo ao baile juntos. Roberto enviou uma mensagem a Jennifer e pediu-lhe que
fosse com ele. O que Jennifer deve fazer?
O que Aristóteles deveria dizer para Jennifer fazer? Se Jennifer deixasse Jim, o que Aristó-
teles diria de como deveriam ser a reação dele e outras ações?
26 PLANO DE AULA
DIA 7 – DEONTOLOGIA DE KANT
Conteúdo: Método:
Instruções de instrutor
Ler Kant é muito difícil, mas seu sistema moral não é. Kant argumenta que a ética das vir-
tudes de Aristóteles não explica o que entendemos por necessidade moral, permissibilidade
e inadmissibilidade. Para isso, devemos explicar o próprio ato em termos de deveres morais.
Kant nos fornece um sistema baseado em regras em que todas as regras morais derivam de
uma única super-regra, o Imperativo Categórico.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem ser capazes de explicar a crítica de Kant à ética das virtudes de Aristó-
teles.
1. CONTEXTO DE KANT
Emmanuel Kant nasceu em 1724 e viveu toda a sua vida na cidade de Königsberg, locali-
zada na Prússia Oriental na época de Kant, mas a área agora é parte da Rússia Oriental e é
conhecida como Kaliningrado (ambos significam “Cidade do Rei” em alemão e russo, respecti-
vamente). Kant viveu uma vida muito estruturada. Todas as suas atividades eram cronometra-
das. Ele caminhava todos os dias precisamente na mesma hora. Pegava exatamente a mesma
rota. Caminhava precisamente o mesmo número de etapas. Dizia-se que era possível acertar
o relógio pela hora que passava pela sua porta.
Kant começou sua carreira como cientista, escrevendo sobre meteorologia e física. Seu
interesse se voltou para a filosofia e seus escritos revolucionaram completamente quase to-
dos os aspectos do campo. Seu pensamento sobre epistemologia, o estudo do conhecimento,
transformou o pensamento e influenciou pensadores como Albert Einstein. O seu pensamento
sobre estética, a filosofia da arte, constitui a base desse campo. Seu trabalho sobre ética foi
extremamente influente e reflete seu estilo de vida rígido.
Primeira Seção
Kant começa atacando Aristóteles. Ele afirma que ser virtuoso não torna necessariamente
uma pessoa moral. Para isso, é preciso boa vontade. Na verdade, sem boa vontade, as virtudes
tornam uma pessoa ainda pior.
Peça aos alunos para nomear vilões famosos reais e fictícios. Anote seus nomes. Peça as
© ÉTICA 27
descrições deles. Observe as virtudes de Aristóteles que se aplicam a eles – por exemplo, co-
rajosos, moderados, pacientes, inteligentes e criativos.
O que é importante para Kant é que a boa vontade é totalmente independente dos resulta-
dos da ação. Uma pessoa age com boa vontade quando alguém quer fazer a coisa certa apenas
porque é o certo, independentemente das consequências da ação. Mentir é errado porque se
está mentindo. Deve-se dizer a verdade, mesmo que machuque alguém, porque agir com boa
vontade significa fazer o que é certo, ou seja, dizer a verdade.
Existem leis morais absolutas. “O dever é a necessidade de uma ação feita por respeito à
lei”. A chave para atuar de maneira moralmente correta é agir de acordo com o dever, isto é,
seguindo as regras morais exclusivamente para cumprir as regras.
• Os atos que estão de acordo com o dever, mas para os quais o agente recebe alguma
recompensa.
• Os atos que estão de acordo com o dever, mas para os quais o agente evita alguma pe-
nalidade.
• Os atos que estão de acordo com o dever, mas para os quais o agente não recebe nenhu-
ma recompensa ou sofre uma penalidade.
É apenas o último tipo que tem qualquer valor moral porque é somente nesse caso que
podemos saber que o agente agiu com boa vontade. Mesmo que o ato apenas faça você se
sentir bem por ter feito a coisa certa ou se você tivesse tido problemas por ter agido de forma
diferente, isso é suficiente para fazer com que o ato não tenha valor moral, uma vez que foi
por uma recompensa ou para evitar uma penalidade.
As circunstâncias não fazem diferença no valor moral da ação. Não importa o quão horrível
é a situação, as regras são regras. Kant escreve: “Quando estou em perigo, posso fazer uma
promessa com a intenção de não mantê-la?” Peça aos alunos para encontrar situações em
que eles fariam uma promessa sem a intenção de mantê-la. Kant está certo de que é a ação
sozinha e não as consequências da ação que deve ser considerada para determinar se o ato é
moralmente permitido, moralmente inadmissível ou moralmente necessário.
Segunda Seção
As regras éticas são imperativos. Um dos imperativos é um dos quatro tipos de sentença.
Pergunte aos alunos se eles conhecem os quatro tipos de frase: declarativo (declarações), in-
terrogativo (perguntas), exclamativo (exclamações) e imperativo (ordens).
Kant distingue dois tipos de imperativos. Os imperativos hipotéticos são frases na forma:
você deve fazer X, se você quiser Y. Os imperativos categóricos são frases na forma: você deve
fazer X. Porque Kant argumenta que a ética não tem nada a ver com consequências; as regras
éticas não podem ser imperativos hipotéticos, mas categóricos.
De onde vêm essas regras? Para Kant, enquanto as regras éticas são na forma de impera-
tivos categóricos, existe uma regra especial, a capital C, capital I Imperativo Categórico, que
é a fonte de todas as outras regras. Kant dá quatro formulações diferentes para o Imperativo
Categórico, mas vamos apenas olhar para as duas que geralmente são consideradas as mais
importantes.
Imperativo Categórico 1: sempre trate pessoas como fins, não como meios.
As pessoas não são ferramentas, são seres com projetos, planos, esperanças e sonhos. É
errado usar outras pessoas para se obter o que deseja. Você precisa pensar neles como pes-
28 PLANO DE AULA
soas dignas de consideração por suas próprias necessidades, e não apenas objetos a serem
manipulados de acordo com os seus desejos.
Imperativo Categórico 2: você deve agir para que a máxima que a sua ação obedeça seja
uma lei universal.
Ao decidir o que fazer, considere a ação potencial e remova todo o contexto. Não se preocupe
com quem, onde, quando, o que aconteceria como resultado, nada. Faça isso com a ação so-
zinha e pergunte se “Sempre faça X” ou “Nunca faça X” deve ser a lei universal. Uma vez que
você descobriu qual deveria ser a lei universal, então ela se torna universal, você deve segui-la
o tempo todo.
3. APLICAÇÃO
1. Um amigo está muito entusiasmado com um novo corte de cabelo que lhe parece horrível.
Seu amigo pergunta o que você acha do corte. O que você diz? Seria diferente se fosse
uma roupa que seu amigo estivesse provando, mas ainda não tivesse comprado?
3. Um amigo pede que você examine seu trabalho de faculdade. Você está muito ocupado
com seu próprio trabalho e não tem tempo para fazer um bom trabalho. Você deve
concordar em fazê-lo?
4. Você esqueceu de fazer a leitura para a aula de filosofia e tem tempo durante o almoço.
Você percebe que esqueceu seu livro, mas vê o de um amigo que você sabe que não vai
usá-lo antes da aula porque estará em aula o tempo todo. Ele não está por perto para
você lhe perguntar se poderia ler o livro e depois devolvê-lo na aula. Você pega o livro
emprestado?
5. Você é abordado por um sem-teto que lhe pediu dinheiro. A pessoa diz que precisa de
dinheiro para uma xícara de café. Você duvida que o dinheiro realmente seja gasto com o
café. Você lhe dá o dinheiro?
© ÉTICA 29
DIA 8 – UTILITARISMO
Conteúdo: Método:
Instruções do instrutor
Objetivos e conceitos-chave
Jeremy Bentham nasceu em 1748, em Londres, onde era um escritor, professor e envolvi-
do com visões políticas radicais que eram revolucionárias para o seu tempo, inclusive dar às
mulheres os mesmos direitos que os homens, eliminar o castigo corporal nas escolas, tornar
ilegais atos cruéis com animais e abolir a escravidão e a pena de morte.
Ele influenciou decisivamente os fundadores da University College London, que eram estu-
dantes de seus discípulos. Ao contrário das universidades de Cambridge e Oxford, admitiam
estudantes independentemente de raça, religião ou ponto de vista político. Acreditando que
alguém deve sempre atuar de uma maneira que beneficie a sociedade, após sua morte, Ben-
tham doou seu corpo à ciência. Foi dissecado por estudantes de medicina, mas a cabeça e o
esqueleto foram preservados. Seu corpo foi embalsamado, vestido com suas roupas, sentado
numa cadeira e colocado numa caixa com vidro onde permanece até hoje na University College
London. De fato, uma câmera mostra os restos de Bentham regularmente e as imagens podem
ser vistas on-line.
Os seres humanos (embora não apenas humanos) experimentam prazer e dor. Este é o fato
que está subjacente a toda a ética. A maneira como agimos tem consequências para os outros,
ou seja, provoca prazer ou dor. A utilidade de um ato é o valor líquido entre prazer e dor que
são causados quando consideramos absolutamente todos os afetados.
30 PLANO DE AULA
Bentham argumenta que a ética se baseia, portanto, no Princípio da Utilidade, que é a que
deve sempre atuar para maximizar a utilidade geral. Em outras palavras, a ação moralmente
correta é aquela que traz o maior equilíbrio de prazer e dor quando todos são considerados.
Ao aplicar o princípio da utilidade, todos contam igualmente. Não importa se você é o rei ou
um servo, sua dor ou prazer é considerada igualmente. Não é que o grau seja irrelevante. É a
quantidade de dor ou prazer que se contabiliza, e não de quem é. Isso inclui não humanos tam-
bém. Como os animais podem sentir prazer e dor, sua utilidade deve ser considerada também.
Então, ao tentar decidir o que fazer, a abordagem utilitária consiste em calcular a utilidade
geral de todas as opções – a dor sendo considerada prazer negativo. Você então escolhe a
opção que tem o maior equilíbrio de prazer sobre a dor, que é a única com as melhores conse-
quências gerais (ou a menos pior).
A certeza mede a probabilidade de ocorrer o prazer ou a dor. Fazer o cálculo utilitário antes
do evento não significa que sempre se pode ter certeza das consequências reais. Qual a proba-
bilidade de que o prazer ou a dor que você está considerando realmente ocorrerá?
A pureza é a noção contrária que considera a probabilidade do prazer dar origem a uma dor
posterior (você colhe o que você semeia) ou a probabilidade da dor dar origem a um prazer
posterior (sem dor, sem ganho).
Quando você considera todos esses fatores juntos, você tem a utilidade real de um ato para
uma pessoa. Quando você considera todas as pessoas (e não pessoas) afetadas, você tem a
utilidade geral ou líquida do ato. Você então seleciona dentre todos os atos possíveis aquele
que maximiza a utilidade geral.
© ÉTICA 31
3. O DESAFIO DE MILL AO HEDONISMO DE BENTHAM
O hedonismo é a visão de que prazer e dor são as únicas medidas relevantes para a de-
terminação do status moral de uma ação. Bentham é um hedonista porque sua versão do
utilitarismo se baseia unicamente nas consequências de uma ação em termos de prazer e dor,
e para ele todos os prazeres e todas as dores são equivalentes. É apenas o montante que é
moralmente relevante, a natureza da fonte é irrelevante.
O seguidor de Bentham, James Mill, teve um filho que se tornou um famoso filósofo, John
Stuart Mill. Mill também era utilitário, mas sua versão diferia em vários aspectos da de Ben-
tham. Uma das diferenças era se afastar de um hedonismo puro. Mill argumenta que os pra-
zeres intelectuais são inerentemente mais valiosos do que os prazeres corporais físicos. Não é
puramente a quantidade, mas o tipo de prazer que importa. Ele escreve: “É melhor ser um ser
humano insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo
satisfeito. E se o tolo, ou o porco, são de uma opinião diferente, é porque eles só conhecem o
seu lado da questão (UTILITARIANISM. Indianapolis: Hackett, 2001, p. 10)”.
Pergunte aos alunos: “Ele diz que pessoas inteligentes, aqueles que experimentaram os
dois tipos, preferirão os prazeres do intelecto, tornando-os mais valiosos. Isso é verdade? Os
prazeres da mente são mais valiosos do que os prazeres do corpo, ou isso é apenas o viés de
uma pessoa inteligente?”
4. APLICAÇÃO
Peça para que os alunos formem duplas e retomem os cinco casos da última lição, desta
vez decidindo o que um utilitarista diria para se fazer em cada um. Em que casos a abordagem
utilitária é mais razoável e em que casos não é? Informe sobre cada caso.
32 PLANO DE AULA
DIA 9 – ÉTICA BASEADA EM DIREITOS
Conteúdo: Método:
Instruções do instrutor
A noção de direitos também ocorre da forma como falamos sobre ética, por exemplo, direi-
tos humanos, direitos das mulheres, direitos dos animais. Alguns discursos são políticos, mas
alguns deles são morais. A ideia de que todas as pessoas têm certos direitos inalienáveis e
estão ligadas por um contrato social está implícita em muitos dos nossos pensamentos sobre a
moralidade. Os direitos são como cercas ao redor do seu quintal. Eles mantêm uma distância
moral ao seu redor dentro da qual você pode fazer o que quiser sem medo de interferências
externas. A ética baseada em direitos ou a teoria do contrato social usa os direitos como o me-
canismo central para determinar quando um ato é moralmente permitido. O relato de Hobbes
sobre o surgimento do contrato social a partir do estado de natureza será usado como reflexão
para ver os direitos como garantidores da ordem moral.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos serão capazes de explicar o que é o direito e a diferença entre direitos aliená-
veis e inalienáveis e como os direitos alienáveis são concedidos dentro do contrato social.
Talvez nenhum outro conceito tenha sido mais ativo na criação de uma sociedade mais mo-
ral e equitativa que a noção de direitos. Os direitos civis, os direitos das mulheres e os direitos
humanos são conceitos que levaram à libertação de grupos minoritários que sofreram opres-
são. Mas, apesar de historicamente poderoso como conceito, a ideia de direitos é na verdade
uma noção moralmente fraca. Meus direitos me permitem uma variedade de liberdade para fa-
zer o que escolho e evitar que você possa fazer certas coisas para mim, mas nunca nos forçam
a fazer nada. Em outras palavras, ter direitos tornará certas ações moralmente inadmissíveis
e outras moralmente aceitáveis, mas nunca moralmente necessárias. Dessa forma, os direitos
estão ligados a noções de liberdade, mas não a obrigações e responsabilidades.
Violações dos direitos concedidos no âmbito do contrato social faz com que o agente receba
sanções da sociedade. Essa sanção pode ser um olhar desagradável, comentários reprovado-
res, a perda de privilégios ou a expulsão da sociedade.
© ÉTICA 33
2. O CONTRATO SOCIAL DE HOBBES E O ESTADO DE NATUREZA NO LEVIATÃ
Livro I, Capítulo 13
Um fato básico da vida humana é que todos nós estamos potencialmente em perigo em
relação a nós mesmos. Não importa que você seja uma pessoa valente, qualquer pessoa pode
ameaçar qualquer outra pessoa a atacando ou com armas.
No estado da natureza, onde não há sociedade, não há ordem, quando as pessoas tentam
obter o que precisam e o que querem, haverá outros que também desejam a mesma coisa.
Isso causa conflitos e, como todos estão ameaçados por todos, isso dá origem a um estado de
guerra de um contra todos. No estado da natureza, não há arte, nem ciência, nem proprieda-
de, nada que enriqueça a vida. A vida no estado de natureza é “pobre, solitária, desagradável,
brutal e curta”.
Capítulo 14
O direito natural é o direito àquilo que ajudará uma pessoa a sobreviver. Você tem o direito
a qualquer coisa que o ajude a preservar sua vida. A lei da natureza é que todas as pessoas
devem buscar o que as ajudará a sobreviver e evitar o que é provável que termine com suas
vidas. No estado da natureza, todos têm o direito da natureza e, como tudo poderia potencial-
mente ajudá-lo a sobreviver, o direito da natureza dá a todos o direito a tudo. Isso dá origem
a conflitos, o estado de guerra constante que é o estado da natureza. Mas viver nesse estado
de guerra torna mais provável que uma pessoa perca a vida.
Isso leva à lei fundamental da natureza de que se deve buscar a paz. Mas a paz é inalcançá-
vel enquanto todos possuem o direito da natureza. Mas se alguém renunciar ao seu direito da
natureza unilateralmente, isso significaria que essa pessoa será uma presa fácil para todos os
outros. Portanto, ao buscar a paz, buscamos uma maneira pela qual todos renunciem mutua-
mente ao direito da natureza. Isso dá origem à segunda lei da natureza, na qual todos devem
estar dispostos a renunciar ao direito natural em nome da paz na medida em que os outros o
fazem.
Pode-se renunciar aos direitos de alguém de duas maneiras. Primeiro, pode-se renunciar a
um direito, isto é, simplesmente desistir. Alternativamente, pode-se transferir um direito, ou
seja, dar-lhe a outra pessoa. Um contrato é a transferência mútua de direitos. Se os direitos
devem ser transferidos em momentos diferentes, então, quando uma pessoa transferiu o di-
reito para o outro, mas o outro ainda não conseguiu corresponder, existe um pacto ou acordo
entre eles. E a segunda pessoa tem uma obrigação com o primeiro.
Alguns direitos podem ser transferidos, esses são chamados de direitos alienáveis. Outros
são possuídos por todas as pessoas e não podem ser transferidos, independentemente da
oferta. Estes são chamados de direitos inalienáveis. Hobbes afirma que todas as pessoas têm
o direito inalienável de se defender daquilo que põe em perigo a própria vida.
Peça aos alunos que citem direitos que são alienáveis e outros que são inalienáveis.
Capítulo 15
A terceira lei da natureza é que todas as pessoas devem manter seus contratos e cumprir
seus acordos. Se os contratos não forem cumpridos, a outra parte tomará seus direitos e esta
é uma inclinação escorregadia de volta ao estado da natureza. A justiça é o cumprimento dos
contratos e a injustiça é a quebra dos contratos.
Uma vez que algumas pessoas rompem seus contratos, é necessário algum meio de execu-
ção, ou seja, deve haver algum tipo de autoridade universalmente respeitada que garanta que
os acordos sejam satisfeitos. Para isso, deve haver uma estrutura em larga escala envolvendo
todas as pessoas que concordam com um direito de distribuição única. Este é o contrato social.
Dá direitos particulares a indivíduos particulares, certos direitos a todas as pessoas e todas as
34 PLANO DE AULA
pessoas transferem certos direitos a um ou a um pequeno grupo de pessoas que então têm o
poder de usar esses direitos contra as pessoas como punição por injustiças cometidas.
Divida os estudantes em grupos. Peça-lhes que escrevam um contrato social para a sala de
aula que reflita com precisão os direitos de cada membro, os direitos da autoridade que super-
visiona a sociedade da sala de aula e as sanções que a autoridade tem o direito de decretar
devido a injustiças observadas. Quais direitos na sala de aula são alienáveis e quais direitos na
sala de aula são inalienáveis? Compartilhar em grupo.
Pergunte aos alunos o que poderia ser feito para remodelar o contrato social na sala de aula
se alguém o achasse injusto ou que não fosse o melhor?
© ÉTICA 35
DIA 10 – ÉTICA DO CUIDADO
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos serão capazes de explicar a diferença entre cuidado e contrato e como essa
diferença deixa um buraco na teoria ética tradicional.
• Os alunos serão capazes de explicar como as decisões éticas são feitas de acordo com a
ética do cuidado.
1. C UIDADO E CONTRATO
A psicóloga Carol Gilligan, em seu livro In a Different Voice, criticou o quadro tradicional de
desenvolvimento ético proposto pelos psicólogos Sigmund Freud e Lawrence Kohlberg. A ima-
gem de ética que eles usaram foi baseada nos sistemas que estudamos. Gilligan argumentou
que a moralidade como a descreveram é baseada nos tipos de relacionamentos encontrados
no mundo do trabalho. A deontologia e a ética baseada em direitos são modeladas em lei como
se poderia encontrar no tribunal. O utilitarismo é uma contabilidade ética que parece ser o que
se veria no mundo dos negócios.
Todas essas noções de moralidade são baseadas em como se esperaria tratar uma pessoa
aleatoriamente. Mas e as maneiras como nos relacionamos com pessoas que nos preocupam?
Amigos? Família? Certamente, devemos tratá-los de forma diferente. Quando temos um re-
lacionamento como estes, ele vem com tipos especiais de responsabilidades morais. Não dá
para tratar essas pessoas como estranhas. Os relacionamentos vêm com uma posição ética
especial.
Mas quando você está lidando com um relacionamento baseado no cuidado, você não é par-
te por interesse próprio. Ao contrário de um contrato, que você participa pelo ganho pessoal,
quando você se preocupa com alguém, está interessado em suas necessidades. Os pais não
36 PLANO DE AULA
ajudam seus filhos com a ideia de que eles serão retribuídos por seus esforços, eles fazem isso
porque eles amam seus filhos e querem o que é melhor para eles.
Assim, quando você está num relacionamento baseado em cuidado, você não se livra do
relacionamento, mas se aprofunda nele. Pense no caso de um garoto que está interessado num
relacionamento romântico com alguém que não tem interesse por ele. Se ele envia presentes,
por exemplo, chocolates, ela vai recusá-los, não porque ela não gosta de chocolate – ela pode
amar o chocolate –, mas porque, ao aceitá-los, ela permitirá que o relacionamento se apro-
funde.
2. ÉTICA DO CUIDADO
Uma vez que os relacionamentos baseados em cuidados são diferentes das relações con-
tratuais, as dimensões éticas também serão diferentes. Suponha que você esteja dirigindo
para uma entrevista para um estágio de verão que seja muito importante para você. Você não
pode chegar atrasado. O clima é horrível e você passa por um carro quebrado na estrada. Você
pode ver que a pessoa não tem um telefone celular e, conhecendo a estrada, você sabe que
não é provável que passe outro carro por um longo tempo. Mas você está um pouco atrasado.
Se você não parar, você provavelmente se sentiria um pouco mal. Mas agora suponha que a
pessoa no carro é sua melhor amiga desde a infância e ele ou ela vê que é você. Você para?
Você se sentiria diferente?
E quando você cuida de alguém, suas necessidades vêm antes das pessoas com que você
não se importa? Se uma mulher vê dois filhos se afogando em extremidades opostas de uma
piscina e um deles é o filho dela, qual ela salva? Suponha que três crianças se afoguem, duas
em uma extremidade e a dela no outro. Ela ainda não vai resgatar seu filho primeiro? Os utili-
tários argumentariam que você precisa fazer o que oferece as melhores consequências gerais,
mas o sistema ético baseado em cuidado argumenta que, às vezes, o bem maior precisa ser
sacrificado pelo bem contextualizado se houver uma relação preexistente baseada em cuidado.
3. DELIBERAÇÃO MORAL
Agora que estabelecemos os cinco sistemas éticos que correspondem aos diferentes ele-
mentos do contexto ético, podemos ver mais claramente como é que vamos discutir questões
morais. Os pontos de vista opostos argumentarão que diferentes sistemas enfatizam o fator
mais importante nessa situação ou concordarão com o sistema que é mais importante no
contexto, mas discordam sobre o resultado que ele dá. Consequentemente, podemos ver que
o conflito ético não é um ataque ao caráter de alguém e que a dúvida moral não é uma falta
de convicção, mas sim que questões morais difíceis ocorrem porque muitas vezes haverá ele-
mentos diferentes no sistema ético que são importantes, mas cujos sistemas correlacionados
oferecem resultados diferentes.
© ÉTICA 37
Também mostra de onde a percepção que leva as pessoas ao subjetivismo ético vem e é o
seu lugar apropriado. Os problemas morais são muitas vezes difíceis porque vemos a impor-
tância de diferentes elementos do contexto moral e não existe uma maneira fácil de determinar
qual dos fatores deve ser classificado acima dos outros. Pessoas de diferentes lados de um
debate moral complexo terão bons argumentos baseados em diferentes sistemas éticos. Como
tomamos a decisão final sobre qual usar? Com base na razão, não meramente na preferência,
mas as razões serão muitas vezes melhores ou piores, às vezes, aparentemente igualmente
boas em posições opostas. Pessoas boas, ponderadas, cuidadosas e decentes podem, assim,
ter desentendimentos razoáveis sobre qual elemento deve ser considerado primordial em ca-
sos diferentes, isto é, as pessoas que estão tentando fazer o que é certo podem razoavelmente
discordar sobre o que é o certo.
Não há um sistema acima do sistema que ofereça respostas fáceis e diretas a questões
difíceis. As perguntas difíceis são de fato difíceis e o que nossa nova compreensão sobre ética
faz é não reduzi-las a cálculos simples, mas nos permitir ver exatamente o que os torna tão
difíceis. Não resolvemos as dificuldades, mas antes, obtivemos uma visão aprofundada da ori-
gem das dificuldades.
4. APLICAÇÃO
Considere esses estudos de casos baseando-se no que cada um dos nossos sistemas diria
para fazer. Qual deles fornece o melhor motivo para agir?
• Suponha que exista uma droga experimental que estenda a vida das pessoas que sofrem
de uma doença debilitante. Isso não facilita a vida, os sintomas ainda persistem e o sofri-
mento que os acompanha aumenta ao longo do tempo, mas não morrerão tão cedo. Sua
amada avó tem a doença, você tenta levá-la para participar do estudo e receber a droga?
• Um membro da família tem câncer de pulmão em grande parte por causa do tabagismo.
Ele sabe que a doença provavelmente o matará se continuar a fumar. No entanto, ele
gosta de fumar tanto que ele se recusa a parar. Você poderia pegar seus cigarros e des-
truí-los e ele nunca iria lhe pegar porque a falta de capacidade pulmonar o torna lento.
Você destrói seus cigarros?
38 PLANO DE AULA
DIA 11 – CAMPEONATO DE ÉTICA
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
Este será um conjunto de competições de debates sobre uma questão moral usando um
sistema ético prescrito.
Objetivos e conceitos-chave
Divida a classe em dez grupos e dê a cada um deles um número de 1 a 10. Aqueles nos gru-
pos de 1 a 5 apresentarão o estudo de caso 1, enquanto os dos grupos de 6 a 10 apresentarão
o estudo de caso 2. Os grupos 1 e 6 argumentarão a partir da abordagem ética da virtude, 2 e
7 do ponto de vista deontológico, 3 e 8 serão utilitaristas, 4 e 9 serão defensores do contrato
social, e 5 e 10 adotarão a perspectiva da ética do cuidado.
Apresente os casos e permita que os grupos se organizem por 5 minutos. Nesse período,
o grupo deve selecionar um porta-voz e desenvolver o melhor argumento possível usando o
sistema ético que lhe foi atribuído. Após cinco minutos, a classe é reagrupada.
Comece com o caso 1. O porta-voz de cada grupo apresenta seu estudo de caso por não
mais de dois minutos. Depois que todos os cinco grupos apresentarem, aqueles que trabalham
no outro caso devem votar. A votação não deve ser baseada no que você faria ou não, mas
apenas no melhor argumento baseado no seu sistema. Os votos são computados, e os dois
times mais votados permanecem no campeonato. Repita com o estudo de caso 2.
Dos dois vencedores, aquele que recebeu mais votos nas rodadas seleciona o sistema ético
do qual deseja argumentar no campeonato. A única restrição é que não pode ser o mesmo
sistema que argumentou na primeira rodada. Em seguida, o outro vencedor seleciona. No caso
de um empate, uma rodada de “pedra, papel e tesoura” decidirá a primeira escolha. Em segui-
da, as equipes do segundo lugar selecionam um sistema. Dê cinco minutos para selecionar um
porta-voz diferente e desenvolver seus argumentos. Compartilhe e vote como antes. A equipe
que recebe a maioria dos votos ganha, mas se espera que se comporte de uma maneira que
Aristóteles consideraria virtuosa.
Estudo de caso 1
As famílias da sua área querem abrir uma escola de alta qualidade em sua vizinhança. Isto
daria às crianças locais, incluindo seus filhos, uma educação muito melhor do que em qualquer
outro lugar da cidade. Mas é tão cara que apenas uma dessas escolas poderia ser aberta e isso
demandaria recursos das outras escolas, fazendo com que a qualidade do ensino delas decaís-
se. Você participa do movimento para trazer essa escola para o seu bairro?
Estudo de caso 2
© ÉTICA 39
que poderia custar-lhe o trabalho, o trabalho que você ama e tem trabalhado duro todos os
dias nos últimos quinze anos, o trabalho que lhe permite alimentar sua família e garantir a edu-
cação universitária de seus filhos. Tudo o que você já fez foi jogar beisebol e se você perdesse
sua posição, teria que aceitar um trabalho de um salário mínimo que não lhes permitiria pagar
a faculdade de seus filhos. Você também sabe que há efeitos negativos a longo prazo para a
sua saúde e que viola o jogo justo. Você toma os esteroides?
O filósofo Jean-Paul Sartre descreveu um caso em que um estudante veio até ele durante
a Segunda Guerra Mundial depois que os nazistas haviam invadido a França. Sua família era
composta por sua mãe, seu pai, seu irmão mais velho e ele. O pai se tornou um colaborador
nazista e foi expulso da família. O irmão mais velho se juntou à resistência lutando contra os
nazistas pela libertação da França e foi morto em combate. Ele é a única pessoa que a mãe
idosa tem no mundo. Ela vive para ele. Se ele fosse embora, ela morreria, se deixaria levar,
sozinha e com coração partido. Mas ele arde para vingar a morte de seu irmão e quer se opor
ao mal do nazismo. Ao mesmo tempo, se ele se juntasse à resistência, ele teria que viajar para
fora do país para treinar e depois voltar. Ele pode nem chegar lá ou nem voltar para fazer qual-
quer diferença. Ele deveria agir para fazer uma grande diferença na vida de uma pessoa que
ama ou agir para tentar fazer o que, no máximo, seria uma pequena diferença para milhões de
pessoas que vivem no país que ele ama?
40 PLANO DE AULA
DIAS 12-14 – CENAS DE ÉTICA
Conteúdo: Método:
1. Apresentação em grupos e
1. Aplicação das teorias éticas
identificação de sistemas
Apresentação do instrutor
Este será um conjunto de cenas em que os grupos apresentarão pontos de vista diferentes
de questões morais de cada um de nossos sistemas éticos, e o resto da classe terá que identi-
ficá-los e então discutir qual é o mais convincente no contexto.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos aprimorarão sua capacidade de pensar dentro dos sistemas éticos estudados.
Divida a classe em grupos que tenham pelo menos cinco membros. Distribua temas aos
grupos aleatoriamente. Dê-lhes pelo menos 30 minutos para escrever e praticar cenas com
base na sua situação ética. Cada grupo deve ter um personagem do estudo de caso de cada um
dos sistemas éticos. Tenha cada grupo presente. Após cada apresentação, aqueles que estão
assistindo tentam identificar qual personagem estava usando qual sistema. Uma vez que todos
os sistemas foram identificados corretamente, pergunte à classe se qualquer um dos casos po-
deria ter sido feito melhor com aquele sistema. Uma vez que o melhor estudo de caso de cada
sistema tenha sido apresentado, pergunte à classe qual é o melhor argumento no contexto.
Robin Hood está sendo julgado em um tribunal de moral por roubo. Frei Tuck, amigo de
Robin Hood e membro do clero, e um dos pobres aldeões que recebeu o dinheiro e conseguiu
pagar os altos impostos para o malvado e ganancioso Príncipe João e, com isso, permanecer
fora da prisão, testifica em seu nome. O xerife de Nottingham e uma das pessoas ricas que ele
roubou testemunham contra ele.
Estudo de caso 2 – Jantar do Dia de Ação de Graças com a Família de John Brown
John Brown criou uma ideia que ele pensou que poderia acabar com a escravidão. Ele e
seus filhos atacariam o arsenal do Harpers Ferry, Virgínia Ocidental, partindo com uma grande
quantidade de armamentos militares. Eles iriam para o sul até chegar à primeira plantação
que pudessem encontrar. Eles armariam os escravos e os ajudariam a atacar seus senhores.
Eles levariam esses escravos com eles para a próxima plantação, armariam aqueles escravos e
assim por diante até que seu crescente exército de escravos libertos libertasse todos os outros
escravos. É o Dia de Ação de Graças e toda a família Brown está reunida. John fala sobre o
plano dele. Um filho apoia. Sua esposa é contra. Sua sogra gosta. Seu sogro detesta a ideia.
No final de The Cat in the Hat, um irmão e uma irmã, cuja casa foi destruída e, em seguida,
milagrosamente reconstruída pelo Gato no Chapéu, observam a mãe entrar e perguntar o que
eles fizeram e se se divertiram. Todas as atividades na casa violaram claramente as regras
que a mãe estabeleceu. Mas eles não participaram delas de bom grado. Se eles lhe dissessem
o que aconteceu e ela acreditasse neles, ficaria horrorizada e, provavelmente, não acreditaria
que eles não participaram da festa. E, dado que a casa está de volta ao normal, também não
acreditaria neles, pensaria que estão mentindo para ela e os as levaria a ter grandes proble-
© ÉTICA 41
mas. A mãe faz a pergunta e depois entra no cômodo ao lado antes de receber uma resposta,
dando ao irmão, irmã, Gato no Chapéu, Coisa 1 e Coisa 2 tempo para debater o que deveriam
contar a ela.
É a décima nona temporada de Survivor, desta vez é Survivor: Antártica. Em uma trágica
mudança de eventos, o diretor e toda a equipe de filmagem caem numa fenda e morrem, per-
manecendo vivos os concorrentes, mas sem meios de entrar em contato com o mundo exterior.
Está ficando escuro e frio. Existem cinco deles e apenas uma parka, que é de propriedade de
um dos concorrentes, um cara normal de Chicago. Ela não pode ser compartilhada e somente
a pessoa que a usa vai sobreviver. Um dos outros concorrentes é um biatleta olímpico, mas é
solteiro e sem família. A outra é uma mãe de três crianças pequenas. Um terceiro é um pes-
quisador que está trabalhando na cura do câncer. Um quarto é o Papa. Quem pega a jaqueta?
Rodion Romanovich Raskolnikov é pobre e está morrendo de fome. Seu melhor amigo é
Marmeladov, um bêbado que desperdiçou todo o dinheiro de sua própria família. Alyona Iva-
novna é uma agiota e trabalha com penhores tirando proveito dos pobres para seu próprio
enriquecimento. Ela é desagradável, sem coração e causa imenso sofrimento entre aqueles
que já estão sofrendo. A irmã de Rashkolnikov está prestes a se casar com alguém que ela
não gosta, muito menos ama, mas é rico e apoiaria a família. Ela e sua mãe estão vindo para
a cidade com o noivo. Rashkolnikov percebe que, se ele mata Ivanovna e rouba seu dinheiro,
ele poderia sustentar a família sem que sua irmã tenha de se casar e livraria a comunidade de
uma pessoa horrível que apenas a prejudica. Eles estão todos em seu apartamento quando ele
fala sobre o plano dele.
42 PLANO DE AULA
DIA 15 – ÉTICA: REVISÃO
Conteúdo: Método:
Apresentação do instrutor
Tendo passado por muita argumentação, teoria e aplicação por três semanas, esta é uma
chance de revisar e sintetizar o material.
As perguntas éticas às vezes são muito difíceis. Ser capaz de pensar de forma clara, rigoro-
sa e racional só pode tomar nossas decisões melhores. Mas há dois extremos que nos impedem
de abordar essas questões de uma maneira que avalie criticamente as razões em conflito.
Um extremo afirma que não há motivos para nossas crenças morais. O subjetivismo ético
sustenta que as determinações do certo e do errado são semelhantes à escolha do nosso sa-
bor favorito de sorvete. É uma mera preferência. Cada um de nós tem nossa própria moral e
ninguém pode influenciar ninguém.
Peça aos alunos para explicar os problemas do subjetivismo ético. Como o subjetivismo é
diferente do egoísmo ético? Como o egoísmo ético difere do egoísmo psicológico?
O subjetivismo ético está relacionado com o relativismo cultural de acordo com o qual o
certo moral e o errado moral são simplesmente uma questão de aprovação ou desaprovação
social. Cada cultura tem sua própria moralidade, que não precisa ter nenhuma semelhança
com a de qualquer outra cultura.
O outro extremo afirma que não existem visões morais concorrentes, que existe uma única
resposta absoluta a todos os problemas que derivam da vontade de Deus ou dos deuses. A
Teoria do Comando Divino afirma que não há razões para que algo seja moralmente aceitável
ou não além do desejo do Divino.
Peça aos alunos para explicar os problemas com a Teoria do Comando Divino.
2. DELIBERAÇÃO ÉTICA
Os termos “certo” e “errado” são muito amplos, então distinguimos entre as classes de
ações moralmente necessárias, moralmente admissíveis e moralmente inadmissíveis. Peça aos
alunos que expliquem o significado desses termos.
Um sistema ético tem um vocabulário moral básico, é projetado para nos permitir dar um
status moral a cada ação. Existem diferentes sistemas éticos que enfatizam diferentes partes
da situação ética: (1) quem fez isso?, (2) o que foi feito?, (3) o que aconteceu como resul-
tado de fazê-lo?, (4) para quem foi feito?, e (5) como isso afetou as relações do agente com
outras pessoas? Peça aos alunos que nomeiem o sistema que corresponde a cada um desses
elementos.
A ética da virtude se concentra nos efeitos da ação sobre o caráter do agente. Pergunte
aos alunos o que é uma virtude, como determinamos se alguma coisa é uma virtude e como
a ética da virtude determina se um ato é moralmente admissível, moralmente necessário ou
moralmente inadmissível.
© ÉTICA 43
A deontologia é a ética baseada no dever. Pergunte aos alunos o que é um dever e como
Kant usou o Imperativo Categórico para defini-lo. Como a deontologia determina se um ato é
moralmente admissível, moralmente necessário ou moralmente inadmissível?
A ética baseada em direitos utiliza um contrato social para distribuir direitos aos membros
de uma comunidade que, em seguida, define os limites morais. Pergunte aos alunos o que é
um direito? O que é um contrato social? O que é preciso para um direito ser inalienável? O que
é necessário para o direito ser inalienável? Quais direitos são alienáveis e inalienáveis? Como
você pode adquirir um direito? Como você pode desistir de um? Como ética baseada em di-
reitos determina se um ato é moralmente admissível, moralmente necessário ou moralmente
inadmissível?
44 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Filosofia
da Ciência
Planos de aula
8
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Filosofia da Ciência
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 32 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
Ética
Ética Aplicada
8
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
APRESENTAÇÃO
Os estudantes muitas vezes pensam que ciência e filosofia são concorrentes, que poderiam
pensar ou cientificamente ou filosoficamente sobre o mundo. Filosofia da ciência, portanto, pa-
rece uma coisa estranha para muitos estudantes. Mas a ciência usa uma metodologia empírica
e uma argumentação racional para mudar e moldar a forma como vemos o mundo. Como tal,
existem todos os tipos de questões filosóficas a serem feitas.
Algumas dessas questões são epistemológicas. A ciência parece nos dar boas razões para
acreditar que entendemos como o mundo funciona. A ciência gera crenças e parece irracional
rejeitar algumas delas. Qual é a base desse status epistemológico privilegiado que damos à
ciência? Por que os resultados científicos têm uma posição especial em termos de crença ra-
zoável?
Uma segunda abordagem que evita esses problemas considera que a evidência está rela-
cionada à explicação científica. Queremos que a ciência não só nos dê crenças, queremos que
use essas crenças para explicar o que vemos. Mas o que faz uma explicação boa? O que faz
uma explicação científica? E o que faz uma explicação cientificamente boa? Examinaremos,
também, algumas opiniões diferentes, que usem leis para explicar instâncias e que baseiem
explicações científicas em modelos.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 5
existem. Nós sempre podemos eliminá-los para descobrir quais as previsões observáveis que
a teoria faz, de modo que eles são titulares, parte da gramática da teoria, e não parte do con-
teúdo.
O sucesso da ciência fez com que alguns pensassem que a ciência deveria ser considerada o
único meio de ganhar conhecimento sobre o universo. Essa visão é chamada de cientificismo.
Algumas marcas de cientificismo argumentam que, para a ciência ser tão bem-sucedida como
é, o universo deve ser um lugar bem-comportado, com regras definidas de comportamento,
que podem ser definidas como as leis da natureza. Para que isso seja verdade, as leis devem
ser capazes de determinar, completamente, como os sistemas físicos se desenvolverão ao lon-
go do tempo. Tal determinismo tem ramificações profundas para nossas visões do universo e
de nós mesmos.
A ciência não só tem efeitos epistemológicos e metafísicos, mas também possui resultados
éticos. A ciência não só muda a forma como vemos e pensamos o mundo, ela muda a forma
como vivemos nele. A ciência pode mudar a maneira como nos tratamos para o melhor e para
o pior. Como tal, é importante dar aos alunos algum espaço para pensar fortemente sobre os
dilemas éticos que são criados pelas novas maneiras de entender a natureza e as tecnologias
que criamos dentro dela.
Referências
GIMBEL, Steven. Exploring the Scientific Method: cases and questions. Chicago: University of
Chicago Press, 2010.
6 PLANO DE AULA
DIA 1 – O QUE É CIÊNCIA?
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
O objetivo desta aula é extrair as intuições dos alunos sobre a natureza da ciência e agu-
çá-las, focalizando os tipos de questões que dizem respeito à ciência e à metodologia utilizada
pelos cientistas. Na sequência, discutiremos as maneiras pelas quais a ciência difere da mate-
mática e da filosofia, tanto no que ela faz como no modo que ela busca respostas.
Uma vez que temos uma noção do que a ciência é em geral, vamos recorrer às ciências par-
ticulares e examinar quais tipos de questões são consideradas em cada uma e quais questões
filosóficas são levantadas nelas.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem poder expressar claramente que a ciência é o estudo de questões em-
píricas com uma metodologia indutiva e poder distinguir questões científicas de questões
não científicas.
• Os alunos devem poder articular e defender claramente uma posição sobre o reducionis-
mo nas ciências.
Escreva “ciência”, “matemática” e “filosofia” no quadro. Diga à turma que o que você quer
trabalhar é uma declaração clara da diferença entre essas áreas. Peça aos alunos para lhe da-
rem características essenciais de cada uma e anote-as abaixo da categoria designada.
Uma vez que a lista é criada, pergunte aos alunos se a diferença está no que os cientistas,
matemáticos e filósofos estudam ou em como eles a estudam. Eles estudam o mesmo ou coisas
diferentes? Eles se sobrepõem? Um matemático e um filósofo, um matemático e um cientista,
ou um cientista e um filósofo podem fazer a mesma pergunta no princípio do seu trabalho?
Vasculhe as listas e descubra quais respostas se referem ao que cada um estuda e o que se
refere a como cada um estuda. Apague as sugestões e escreva como títulos de linha “objeto
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 7
(o que)” e “método (como)”. Peça aos alunos que tentem formular respostas para cada uma
das áreas.
Objeto (o que)
Método (como)
Os métodos da matemática são dedutivos, isto é, eles não o levam para além do alcance da
entrada, mas necessariamente lhe dão resultados particulares. Você pode usar lógica dedutiva
para provas ou determinados algoritmos para cálculos, mas os resultados serão rigorosamente
determinados.
A metodologia filosófica envolve argumentos – razões para uma conclusão (consulte a uni-
dade de metodologia filosófica). Esses argumentos podem resultar da maneira como usamos
palavras ou podem ter surgido a partir de intuições. Eles podem invocar fatos do mundo ou
podem recorrer para o que o mundo pode ser. Os argumentos filosóficos esclarecem e cate-
gorizam, desenham distinções e fazem prescrições, mas não são diretamente testáveis em
laboratório ou por observação direta. Isso extrapolaria os limites do argumento filosófico.
Ciência: a ciência se preocupa em entender como o mundo e seus vários sistemas funcio-
nam. A ciência procura a causa para os fenômenos observáveis (descrevendo e explicando). O
conteúdo da ciência é constituído por juízos contingentes – sentenças que podem ser verda-
deiras e podem ser falsas. Ao contrário da matemática, a ciência examina coisas que poderiam
ser qualquer número de maneiras diferentes e tenta descobrir de que maneira e por que isso
funciona dessa maneira. Ao contrário da filosofia, o árbitro final dessas questões será algo
empírico, algo que é capaz, em princípio, de ser observado (mesmo que não possamos ob-
servá-lo agora por razões tecnológicas ou mesmo se nunca possamos observá-lo por motivos
históricos).
8 PLANO DE AULA
em teorias (sistemas de hipóteses a partir dos quais outros resultados observáveis podem ser
derivados). As teorias, primeiro, são testadas considerando novas situações possíveis e deter-
minando quais devem ser os efeitos observáveis provocados por essas situações, em seguida,
levantam ou encontram um exemplo dessas situações e veem se a predição da teoria estava
correta. Se for verdadeira, então temos evidências para a teoria. Caso contrário, temos con-
traevidências.
Evidência não é o mesmo que prova. A ciência não prova nada. Prova significa que o resulta-
do é necessariamente verdadeiro, mas na ciência os resultados são sempre contingentes. Uma
teoria, não interessa quão bem estabelecida esteja, pode revelar-se falsa no final. Isso não
significa que não devemos acreditar nas teorias – acreditamos no que é provável que seja ver-
dade, não apenas no que é absolutamente verdadeiro. Certifique-se de que os alunos NUNCA
digam que a ciência prova X. A ciência, na melhor das hipóteses, fornece evidências e boas ra-
zões para acreditar em algo, mas nunca prova. Somente a matemática (ou lógica1) prova algo.
2. CIÊNCIA E CIÊNCIAS
Divida os alunos em nove grupos. Atribua, aleatoriamente, a cada grupo uma das seguin-
tes ciências: astronomia, física, química, biologia, psicologia, sociologia, economia, geologia e
ciência política. Dê-lhes as questões associadas à sua ciência e peça a cada grupo para deter-
minar se cada uma delas é: uma questão científica, uma questão matemática ou uma questão
filosófica de sua disciplina. Peça-lhes que criem mais uma questão para cada categoria. Peça-
-lhes que definam sua ciência; sobre o que é o estudo?
Astronomia
2. Dadas as observações que foram feitas, se pensarmos sobre o sol em repouso, qual a
forma das órbitas dos planetas ao redor do sol?
4. Que critérios devemos usar para considerar algo orbitando o sol como um planeta?
Física
1. Se os objetos acelerarem para a Terra a 9,8 metros por segundo e lançarmos uma maçã
no alto do Empire State Building, quanto tempo levaria para ela atingir o chão?
2. A gravidade é uma força que apenas atrai ou, semelhante ao magnetismo, também pode
repelir certas coisas?
3. Se duas teorias podem explicar todos os efeitos gravitacionais com a mesma exatidão de
resultados – a queda de maçãs, a rotação dos planetas, a deflexão da luz, todos eles –
mas uma diz que o espaço é curvo e a outra diz que o espaço é plano, elas são a mesma
teoria ou não? Elas realmente dizem alguma coisa sobre o espaço ser curvo?
4. Se um trem sem freios descendo uma colina de trinta graus a 500 pés de altura atinge
outro trem de mesma massa em repouso na base da colina, o primeiro trem poderia
avançar com o trem em repouso, ricochetear para trás do trem em repouso ou parar no
ponto de impacto?
1
Algumas pessoas pensam que a matemática é, de fato, parte da lógica!
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 9
Química
1. A água é duas partes de hidrogênio e uma parte de oxigênio, então, se você combinasse
dois galões de hidrogênio e um galão de oxigênio, você obteria um galão de água ou três
galões de água?
2. Se podemos usar o conceito de átomos para dar sentido a tudo o que observamos nas
reações químicas, isso significa que os átomos realmente existem ou poderiam ser apenas
uma maneira fácil de pensar sobre reações, mas, caso não existam, do que as coisas
realmente são feitas?
Biologia
Psicologia
1. Os alunos são mais propensos a lembrar um fato se o professor estiver na sala ou fora da
sala durante uma prova?
3. Se algo se tornar três vezes mais brilhante, só o vemos duas vezes mais brilhante. Se for
nove vezes mais brilhante, vemos isso três vezes mais brilhante. Se uma luz se tornasse
dezesseis vezes tão brilhante, quanto mais brilhante a perceberíamos?
4. Se você tem pensamentos recorrentes de matar alguém, você é uma pessoa ruim?
5. Esta medicação permite que pessoas com depressão funcionem de forma semelhante a
antes do início do episódio depressivo?
Sociologia
2. Um cunhado é um parente?
5. Os programas de educação sexual nas escolas que focam apenas a abstinência sexual
aumentam ou diminuem a ocorrência de gravidez entre adolescentes estudantes?
10 PLANO DE AULA
Economia
2. Um sistema em que a riqueza se transfere daqueles que a adquiriram para seus filhos,
que nunca trabalharam para adquirir, é um sistema justo?
3. Se as taxas de juros forem reduzidas enquanto a oferta monetária for mantida constante,
o desemprego aumenta ou diminui?
4. Se custar R$ 10,00 para produzir um item e R$ 5,00 para enviá-lo para o mercado, qual
seria seu preço se você pudesse vender quinze por dia, cinco dias por semana, e você
precisa de um lucro de R$ 100,00 por semana?
5. Se o proprietário de uma empresa pode ganhar mais dinheiro ao fazer com que seus
trabalhadores trabalhem mais horas em vez de contratar mais funcionários, seria
importante que esses funcionários tivessem famílias com crianças pequenas?
Geologia
2. Se a água escoa duas vezes mais rápido através de calcário do que através de granito e
um lago com um fundo de granito levaria 1000 anos para secar, com a evaporação sendo
reposta pela água da chuva, quanto tempo levaria para um lago cujo fundo é 30% calcário
e 70% granito para secar?
4. A partir da existência de estratos de rocha, mostrou-se que a terra está mudando ou não
é isso o que significa?
Ciência Política
Peça a todos os grupos que relatem seu trabalho à classe e expliquem por que categoriza-
ram cada pergunta do modo que fizeram.
O reducionismo é a posição filosófica de que diferentes ciências podem ser reduzidas umas
às outras, ou seja, que certos campos científicos não requerem mais do que ferramentas de
outro campo para responder a todas as suas questões. A unidade da ciência é a visão de que
todas as ciências podem ser organizadas hierarquicamente de acordo com a ciência da qual se
reduz.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 11
Antes de discutir qualquer um desses termos, escreva todos os nomes das ciências dos di-
ferentes grupos no quadro em ordem aleatória. Peça aos alunos que voltem aos seus grupos e
organizem as ciências da mais geral a menos geral. As listas serão algo assim:
• Física
• Geologia
• Química
• Astronomia
• Biologia
• Psicologia
• Sociologia
• Ciência Política
Tem-se argumentado que não existe apenas uma interconexão entre as ciências, mas,
também, que podemos reduzir as ciências menos gerais para o mais geral. Em outras pala-
vras, quando realmente lidamos com a psicologia, vemos que, de fato, não é nada além de
descrever aspectos de um sistema biológico complexo, o que faz com que a psicologia se torne
um ramo da biologia. Da mesma forma, a biologia será traduzível completamente em termos
químicos e a biologia deixará de existir como um assunto separado. Em última análise, a rei-
vindicação reducionista da unidade das ciências vai, como veremos, dizer que tudo é explicável
exclusivamente em termos de um conjunto de leis básicas da física.
A visão antirreducionista não discorda que tudo é composto de matéria física, mas argumen-
ta que cada ciência possui um nível de complexidade que não pode ser totalmente contabiliza-
do no próximo nível mais geral. Da mesma forma que o xadrez de uma manta que nada mais
é do que cores não é redutível a uma única conversa sobre cores. O padrão é o que diferencia
as xadrezes. Da mesma maneira, as reações químicas envolvem apenas entidades físicas –
átomos –, mas não são completamente compreensíveis em termos de propriedades atômicas.
A evolução ocorre no nível da espécie, quando os membros de uma espécie interagem com o
meio ambiente. Esses animais ou plantas são compostos por químicos que são compostos por
átomos, mas as leis da física não serão responsáveis pela diminuição da população de alces
quando uma seca causar a redução das áreas de boas pastagens.
12 PLANO DE AULA
DIA 2 – EVIDÊNCIA E EXPLICAÇÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
A evidência é a noção central para compreender como a ciência nos dá boas razões para
acreditar em uma teoria. Mas o que exatamente queremos dizer quando falamos de evidências
científicas? Os filósofos tentaram estabelecer com o passar do tempo uma explicação coerente
da lógica que nos leva das observações à crença razoável.
Objetivos e conceitos-chave
1. O QUE É EVIDÊNCIA?
Peça aos alunos que considerem o seguinte cenário: você entra no seu carro, gira a chave
e nada acontece. Você quer saber por que seu carro não liga. Procura hipóteses; obtêm as
óbvias, como “sem gasolina” e “sem bateria”, mas também procura bizarras engraçadas. Es-
creva-as todas no quadro. Pergunte o que conta como prova para cada uma. Discuta por que
cada evidência sugerida não constitui uma prova, mas sim uma base indutiva para a hipótese
(procure explicações alternativas que também possam explicar a observação). Dado que te-
mos uma sensação intuitiva sobre o que é uma evidência e como ela funciona, pergunte o que
faz de uma observação uma evidência para uma hipótese dada.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 13
hipótese mais provável não seja verdade, em notação matemática, isto é, p(h/e) > ½, ou seja,
se a probabilidade de h ser o caso dada a verdade de e é maior do que ½, então, e é evidência
de h. A evidência de apoio é uma noção mais fraca, em que a observação não tem que tornar
uma hipótese provável verdadeira, apenas mais provável. Para colocar isso em notação ma-
temática, p(h/e) > p(h), em outras palavras, a hipótese é mais provável de ser verdade, uma
vez que o relatório de evidências é verdadeiro. Conhecendo a evidência, torna-se razoável ter
maior confiança na verdade da hipótese. Isso não significa que tenhamos razões para pensar
que a hipótese seja verdadeira, apenas mais razões para pensar que poderia ser.
Volte para a evidência sugerida (o caso do “carro que não liga”) e determine qual seria a
evidência conclusiva e qual seria a evidência de apoio.
Michael Jordan come Wheaties (famosa marca de cereal americano): o problema com a
definição de alta probabilidade é que ela considera apenas a probabilidade de verdade da
hipótese dada a evidência pretendida, mas essa probabilidade pode não ser afetada pela de-
claração de evidência. Considere a hipótese: “Michael Jordan não está grávido”. Suponhamos
que observemos a rotina matinal da grande estrela do basquete e observamos que ele come
Wheaties no café da manhã todas as manhãs. Agora, as chances de que Michael Jordan não
esteja grávido, dado que ele come Wheaties é superior a 50:50, mas certamente não quere-
mos dizer que sua escolha de cereais no café da manhã é uma evidência de que ele não está
grávido. Se a hipótese tiver alta probabilidade de iniciar, qualquer sentença teria que contar
como confirmação de evidência.
Parece que precisamos de alguma garantia de que existe alguma relação entre a hipótese
e a observação que consideramos como evidência. Talvez seja necessário que ambas tornem
a hipótese mais provável e mais verossímil. Isso faria com que a confirmação de evidência
dependesse da definição de evidência de apoio. Mas, a adição na prova de probabilidade pode
suportar o peso?
O Paradoxo do Corvo
O filósofo da ciência Carl Hempel encontrou um resultado inquietante para esta prova. Ele
começa por estabelecer duas condições básicas sobre a evidência em que ambas pareçam
verdadeiras.
Mas Hempel ressalta que uma coisa estranha acontece quando os adicionamos ao aumento
de probabilidade da definição de evidência de apoio. Considere a frase: “Todos os corvos são
pretos”. É uma generalização sobre um certo tipo de pássaro. O que seria uma evidência disso?
De acordo com o critério de Nicod, cada observação de um corvo preto seria outra evidência
disso. Não há problema nisso, é exatamente o que esperamos.
Agora considere a condição de equivalência. Qual seria uma maneira logicamente equiva-
14 PLANO DE AULA
lente de dizer “Todos os corvos são pretos”? Bem, qualquer sentença da forma “Todos os A são
B” é equivalente ao seu contrapositivo, “Todos os não B são não A”. Se todos os escoteiros são
meninos, então todos os que não são um menino não são um escoteiro. Se todos os solteiros
não são casados, todas as pessoas casadas não são solteiras. Se todas as rosas não são flores,
então tudo que não é uma flor não será uma rosa. Mas isso significa que “Todos os corvos são
pretos” é equivalente a “Todas as coisas não pretas não são corvos”.
Assim, parece que não há nada muito estranho até que voltemos ao critério de Nicod. O que
conta como evidência de “Todas as coisas não pretas não são corvos”? É uma generalização
universal, então os exemplos contam como evidências. Cada coisa não preta que não é um
corvo seria evidência. Toda vez que você olha um pedaço branco de giz, grama verde ou calça
azul, você tem provas de que todas as coisas não pretas não são corvos. Mas pela condição
de equivalência, porque as duas sentenças são logicamente equivalentes, você tem, de fato,
muitas e fortes evidências de que todos os corvos são pretos. Olhe ao redor da sala e aponte
cada coisa que não é um preto e não corvo. Você parece ter incríveis quantidades de evidên-
cias sem olhar para um único pássaro. O filósofo Nelson Goodman satirizando disse: “A chance
de ser capaz de investigar teorias ornitológicas sem ter que sair na chuva é tão atraente que
sabemos que deve haver alguma complicação nisto”.
Mas qual é a complicação? Uma vez que isso é resultado da adição das duas condições na
definição de probabilidade, parece que temos quatro possibilidades: a) rejeitar o critério de
Nicod, b) rejeitar a condição de equivalência, c) rejeitar o incremento na definição de probabi-
lidade, d) morder a isca e admitir que a observação de um pato branco é, de fato, evidência de
que todos os corvos são negros. Os filósofos sugeriram cada uma dessas possibilidades. Qual
é a melhor ideia?
Falsificasionismo
Um filósofo que propôs uma sugestão ainda mais radical foi Karl Popper. Problemas como os
casos de cereais e corvos continuarão aparecendo, pensou Popper. O problema é com a noção
de evidência em si. Se nos livrarmos da evidência, então nos livraremos das preocupações.
O que a ciência sem evidência parece? Ela é muito parecida com o boxe. Há sempre um
campeão dos pesos pesados reinante, um lutador naquela classe de peso que é o melhor do
mundo. Mas isso não significa que o campeão seja para sempre o melhor boxeador. Chegará
um dia em que ele será nocauteado por alguém que se tornará o novo campeão. Não há nada
absoluto e fixo sobre isso, apenas que ele venceu o antigo campeão para ganhar o cinturão. E
uma vez que ele tem isso, o que ele deve fazer? Lutar contra todos os desafiantes. Se alguém
pensa que é forte o suficiente para derrubar o campeão, deve enfrentar o adversário e vencê-
-lo, para ficar com o cinturão. Ao vencer, ele não recebe nada de novo, só consegue continuar
sendo campeão até perder.
Da mesma forma, na ciência, argumenta Popper, há desafios para as hipóteses: são pre-
visões que a hipótese faz. Como o campeão, se a hipótese falhar, se a predição não se tornar
realidade, então sabemos que a hipótese é falsa. Perde completamente seu status. Mas, até
que a hipótese possa ser mostrada falsa com uma predição imperfeita, ela nunca pode ser
mostrada verdadeira ou provavelmente verdadeira. Não pode ser mostrada verdadeira porque
a ciência não provou nada (é o que discutimos na última vez), mas também não pode ser pro-
vável que seja verdade. Como o campeão do boxe, sabemos que algum dia será derrubada. As
hipóteses científicas são sempre eventualmente eliminadas na evolução histórica da ciência.
Eventualmente será substituído por algo novo, diferente e melhor. Por isso, sabemos que não
é verdade. Mas se ainda não foi derrubado, ainda é o campeão e ainda merece ser celebrado.
Para ser uma adversária, ou seja, ser uma declaração científica, Popper argumenta, deve
ser falsificável, isto é, deve ser possível que seja falsa. Para dizer que uma hipótese ou teoria
é científica, precisamos ser capazes de dizer claramente o que é que podemos observar que
tornaria falsa a teoria ou a hipótese. Não estamos dizendo que é falsa, apenas o que a tornaria
falsa. Nós temos três noções diferentes que precisam ser mantidas separadas:
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 15
• Falso: não é o acontecimento na realidade.
Uma sentença é falsa quando não é verdade para o mundo. Todas as sentenças falsas são
falsificáveis. Mas nem todas as sentenças falsificáveis são falsas. “Todos os compêndios degra-
dam quando abandonam a realidade” é verdade, mas é falsificável. Pode ser de outra forma. O
que o tornaria assim, um exemplo de um compêndio incompatível com a realidade que não foi
abandonado. É falsificável porque podemos dizer o que teríamos que ver para torná-lo falso,
mesmo que não o possamos e nunca o vejamos. É falsificável, mas não foi falsificado.
Considere as seguintes sentenças e determine quais são falsificáveis e quais não são. Para
aquelas que são falsificáveis, o que as falsificaria?
1. Os cães são mamíferos. (Falsificável – se os cachorros fossem vistos sem pele, sem parir
filhotes e cuidar deles).
4. Todas as ações humanas são egoístas. (Infalsificável – qualquer ação altruísta pode ser
explicada em termos de resultados autointeressados, por exemplo, sentimentos internos
de satisfação, melhora da reputação, recompensa monetária. Como você sempre consegue
algum benefício, a sentença é infalsificável e, por isso, não científica).
Uma vez que você tenha uma afirmação falsificável, torna-se uma questão de investigação
científica. Ela precisa ser desafiada. Você olha para todos os exemplos falsificadores, as coisas
que a tornariam falsa e você as testaria. Quando passa num teste, não é mais provável de ser
verdadeira, o teste não é evidência, apenas corrobora a hipótese. Quando uma hipótese fica
cada vez mais corroborada, ela se torna a campeã de seu mundo lógico.
Os verdadeiros campeões, porém, são os que lutaram contra os adversários mais difíceis.
Então, também é esse o caso na ciência. Popper argumenta que as melhores teorias científicas,
as que devemos realmente comemorar são aquelas que possuem os mais possíveis exemplos
de falsificação: as que mais predizem são aquelas que têm o maior risco. A ciência é sobre
ousar e buscar teorias maximamente falsificáveis e que são corroboradas ao máximo. (Este
é um aspecto interessante da abordagem de Popper que você pode querer discutir com uma
turma. A maioria das pessoas pensa que a ciência deve ser muito conservadora e queremos
teorias que provavelmente serão verdadeiras. Devemos propor hipóteses que tenham a maior
probabilidade inicial de serem verdadeiras e tentar aumentar sua probabilidade através das
observações. Popper diz que a ciência deve ser sobre fazer afirmações ousadas que são muito
falsificáveis e, portanto, que tenham probabilidades iniciais baixas. Qual deve ser nosso obje-
tivo na ciência, evitar o erro ou ser ousado? Isso conversa bem com o debate sobre ética de
crenças na unidade da filosofia da religião).
2. EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA
Se Popper estiver certo, a ciência pode nos dizer o que é falso, mas nunca nos dá razão para
pensar que entendemos qualquer coisa. Ele resolve os problemas da evidência, mas parece de-
sistir do verdadeiro objetivo e meta da ciência. Mas como podemos salvar a noção de evidência
dos problemas que vimos? Parece que tanto os casos do cereal como o do corvo dependem da
conexão das sentenças que são irrelevantes para as hipóteses e que são obrigadas a dizer que
são evidências. Talvez precisemos de uma nova prova que exija esse tipo de relevância. Mas
que tipo de conexão faria isso? Parece que precisa haver uma conexão explicativa. A ingestão
de cereais não explica por que Michael Jordan não está grávido, sendo um homem. É por isso
que não pensamos que seja evidência. Talvez o conceito de evidência exija explicação.
16 PLANO DE AULA
Mas o que significa explicar? Volte aos exemplos com o carro que não liga. Por que pensa-
mos que a frase “ficou sem gasolina” explica por que o carro não ligou? Porque ela especifica
um mecanismo. Isso atribui uma causa para o efeito. Toda explicação é determinada por me-
canismos causais?
Considere um livro sem apoio que caiu da mesa. O que explica sua queda? A resposta ób-
via é “gravidade”, mas o que é gravidade? A força que causa a queda das coisas não funciona
porque, então, temos uma circularidade. Talvez apenas precisemos responder ao que é a gra-
vidade. Mas o que é a gravidade além da força que causa a queda das coisas? Quando Newton
foi perguntado, ele simplesmente disse: “Não formulo hipóteses”, em outras palavras, eu não
sei, isso simplesmente funciona desse modo.
Assim, um mecanismo causal não parece ser porque a gravidade, de forma importante, ex-
plica a queda do livro. Uma sugestão é que as explicações científicas podem ser diferentes de
outros tipos de explicações. Explicações científicas, alguns argumentam, envolvem leis cientí-
ficas, leis abrangentes. Uma lei cobre uma observação se a observação for um elemento da lei,
se fosse verdade. Se “todas as pessoas têm narizes” é uma suposta lei da natureza, e você é
uma pessoa, então a lei abrange você. Diz que você tem um nariz. E se alguém pergunta por
que você tem um nariz, agora você pode citar essa lei como uma explicação científica.
“Por que Michael Jordan não está grávido?” você pergunta. “Porque ele come cereal”, sugiro.
Em outras palavras, eu tenho uma lei que diz que todos os comedores de cereais não ficam
grávidos. Se essa lei fosse verdadeira, ela abrangeria Michael Jordan e, assim, explicaria seu
estado biológico. Mas, embora seja uma possível explicação, é uma explicação ruim porque a
lei que uso é comprovadamente falsa. Mostre-me uma pessoa grávida que come cereal e a lei
foi falsificada. Explicações que dependem de leis abrangentes precisam que as leis utilizadas
nas explicações sejam provavelmente verdadeiras. Uma hipótese provavelmente é verdade
quando se tem evidências para apoiá-la, porém, precisávamos da lei para criar uma explicação
para o que é evidência em primeiro lugar. Temos outro problema: a circularidade.
Então, o que, afinal, é evidência científica? Aqui temos uma pergunta que os filósofos da
ciência continuam a discutir.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 17
DIA 3 – EVIDÊNCIA E EXPLICAÇÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Um dos objetivos e das finalidades da ciência é explicar. Uma das ferramentas que os cien-
tistas usam para explicar os fenômenos é um modelo. Um modelo é uma representação de um
sistema usando outra coisa que é estruturalmente similar, mas é mais fácil de trabalhar. Vimos
que havia perguntas quando usamos as leis como o mecanismo operacional em explicações
científicas porque precisamos saber quando temos boas razões para acreditar que a lei prova-
velmente é verdadeira. Não temos tanta preocupação com os modelos porque os modelos não
são verdadeiros ou falsos, eles são melhores ou piores. Um modelo melhor é aquele que tem
uma similaridade mais relevante ao sistema a ser explicado, que é mais útil em uma maior
variedade de situações. Mas a ciência não pretende apenas contar histórias sobre como po-
demos pensar nos sistemas, queremos saber como eles realmente funcionam. Que partes de
nossos modelos científicos devemos acreditar realmente existir? Qualquer um? Isto é o que os
filósofos chamam de debate realismo/instrumentalismo. Numa teoria científica que seja extre-
mamente bem-sucedida, devemos atribuir realidade a algum de seus elementos?
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem ser capazes de explicar o que é um modelo, discutir e distinguir os di-
ferentes tipos de modelos que os cientistas usam.
Um segundo registro da explicação científica se afasta das leis como o mecanismo de ex-
plicação e usa, em vez disso, a noção de modelos. Os cientistas usam modelos o tempo todo
e, nessa forma de pensar, um fenômeno pode ser explicado cientificamente se tivermos um
modelo para ele.
O que é um modelo? Peça à turma para obter exemplos e escreva-os no quadro. Você prova-
velmente terá: modelos de aviões, modelos de roupas, modelos de computador etc. Pergunte
o que os tornam modelos? Qual é a característica essencial de um modelo?
18 PLANO DE AULA
Um modelo é uma representação, isto é, algo diferente daquele que está sendo modelado,
mas que possui importantes semelhanças estruturais. Um modelo de avião não é um avião
(pelo menos não é o modelo modelado, mesmo que possa voar), mas é muito diferente de um
modelo de caminhão de bombeiros. Para que algo seja um modelo de avião, precisa ter certas
semelhanças, precisa parecer um avião. (O exemplo a seguir foi traduzido do original, em in-
glês, mas é importante que o professor adapte a exemplificação ao contexto dos alunos). Qual
é a diferença entre os vários modelos de aviões que se constrói aos 6 anos de idade, modelo
de avião criativo, e aqueles que se constrói aos 14? 35? Os modelos são apenas diferentes ou
são melhores que outros? O que torna um modelo melhor ou pior?
Como podemos usar um modelo para explicar? Pense em um modelo de locomotiva. Que
tipo de perguntas sobre trens reais você poderia explicar com isso? A que tipo de perguntas
sobre a comunidade do design você poderia responder com ele? A que tipo de questões eco-
nômicas você poderia responder com isso?
2. TIPOS DE MODELOS
Existe uma variedade de tipos de modelos em ciência. Cada um tem diferentes usos e pro-
priedades.
Modelos de escala
• Estes são modelos que pretendem representar a estrutura de um sistema, mas são cons-
truídos em uma escala diferente da real para torná-lo evidente para seres do nosso ta-
manho. Às vezes, os modelos são reduzidos – considere os modelos do sistema solar em
que o sol é do tamanho de uma bola – ou ampliados – na química orgânica, os alunos
representam moléculas complexas com traços e bolas, as bolas de várias cores que re-
presentam átomos de diferentes tipos e os traços que representam ligações covalentes
mantendo os átomos juntos em uma molécula.
Modelos analógicos
• Muitas vezes, os cientistas percebem que o sistema investigado é muito parecido com ou-
tro sistema que conhecemos muito. Podemos pensar que a eletricidade flui através de um
fio como se fosse água fluindo através de uma mangueira. A pressão da água é a tensão,
a taxa de fluxo é a corrente, e colocar o polegar sobre o final é como aumentar a resis-
tência. Essa analogia nos permite visualizar o novo sistema de uma forma mais familiar.
Modelos matemáticos
• Nós pensamos nas equações de uma teoria como sentenças que são verdadeiras ou falsas.
Mas poderíamos pensar nelas como modelos. Ao invés de modelos materiais nos quais re-
presentamos o sistema investigado por algum outro sistema material – por exemplo, uma
mangueira cheia de água ou traços e bolas –, nos modelos matemáticos representamos
objetos com termos matemáticos e as relações entre eles com operações matemáticas.
Podemos deixá-los como equações ou programá-los para criar modelos de computador
nos quais podemos inserir condições para ver como o sistema se desenvolveria. Pense na
previsão do tempo. Os meteorologistas usam modelos computacionais complexos para
determinar a probabilidade de chuva.
Peça aos alunos para formarem duplas e solicite que categorizem os seguintes modelos:
2. O modelo do sistema solar do átomo em que o núcleo é como a estrela e os elétrons são
como os planetas em órbita.
3. A lei do gás perfeito PV = nRT, que estabelece a relação entre pressão, volume e
temperatura de um gás.
4. Carros e manequins de teste simulam colisão nas paredes para medir a segurança de uma
determinada marca de carro.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 19
5. Um globo.
7. Uma instrução no planetário (observatório), que demonstra o que procurar no céu noturno
neste mês.
8. A lei de Galileu, que diz o quão longe e rápido um objeto está caindo se você aponta a
altura inicial e a velocidade.
Como podemos usar um modelo para explicar? Pense em um modelo de locomotiva. Que
tipo de perguntas sobre trens reais você poderia explicar com isso? A que tipo de perguntas
sobre a comunidade do design você poderia responder com ele? A que tipo de questões eco-
nômicas você poderia responder com isso?
3. TIPOS DE MODELOS
Existe uma variedade de tipos de modelos em ciência. Cada um tem diferentes usos e pro-
priedades.
Modelos de escala
• Estes são modelos que pretendem representar a estrutura de um sistema, mas são cons-
truídos em uma escala diferente da real para torná-lo evidente para seres do nosso ta-
manho. Às vezes, os modelos são reduzidos – considere os modelos do sistema solar em
que o sol é do tamanho de uma bola – ou ampliados – na química orgânica, os alunos
representam moléculas complexas com traços e bolas, as bolas de várias cores que re-
presentam átomos de diferentes tipos e os traços que representam ligações covalentes
mantendo os átomos juntos em uma molécula.
Modelos analógicos
• Muitas vezes, os cientistas percebem que o sistema investigado é muito parecido com ou-
tro sistema que conhecemos muito. Podemos pensar que a eletricidade flui através de um
fio como se fosse água fluindo através de uma mangueira. A pressão da água é a tensão,
a taxa de fluxo é a corrente, e colocar o polegar sobre o final é como aumentar a resis-
tência. Essa analogia nos permite visualizar o novo sistema de uma forma mais familiar.
Modelos matemáticos
• Nós pensamos nas equações de uma teoria como sentenças que são verdadeiras ou falsas.
Mas poderíamos pensar nelas como modelos. Ao invés de modelos materiais nos quais re-
presentamos o sistema investigado por algum outro sistema material – por exemplo, uma
mangueira cheia de água ou traços e bolas –, nos modelos matemáticos representamos
objetos com termos matemáticos e as relações entre eles com operações matemáticas.
Podemos deixá-los como equações ou programá-los para criar modelos de computador
nos quais podemos inserir condições para ver como o sistema se desenvolveria. Pense na
previsão do tempo. Os meteorologistas usam modelos computacionais complexos para
determinar a probabilidade de chuva.
Peça aos alunos para formarem duplas e solicite que categorizem os seguintes modelos:
2. O modelo do sistema solar do átomo em que o núcleo é como a estrela e os elétrons são
como os planetas em órbita.
3. A lei do gás perfeito PV = nRT, que estabelece a relação entre pressão, volume e
temperatura de um gás.
4. Carros e manequins de teste simulam colisão nas paredes para medir a segurança de uma
20 PLANO DE AULA
determinada marca de carro.
5. Um globo.
7. Uma instrução no planetário (observatório), que demonstra o que procurar no céu noturno
neste mês.
8. A lei de Galileu, que diz o quão longe e rápido um objeto está caindo se você aponta a
altura inicial e a velocidade.
Os modelos são úteis, mas como fazemos ciência com eles? A resposta é que nós tradu-
zimos de uma linguagem para outra. Começamos com um sistema que queremos entender.
Encontramos o que acreditamos ser um modelo apropriado. Em seguida, traduzimos o mundo
real para o modelo a fim de descobrir quais elementos do sistema real se conectam a quais
elementos no sistema modelo. Agora podemos levantar perguntas sobre o modelo que res-
pondemos no idioma do modelo. Depois, traduzimos essa conversa do idioma do modelo para
discutir com o sistema real e temos uma previsão de que podemos entrar no laboratório ou no
campo e testar. Se esse processo nos traz mais e mais previsões bem-sucedidas, aceitamos o
modelo. Mas se as previsões que o modelo oferece não são confirmadas por nossas observa-
ções, dizemos que o modelo é falho e se procura um modelo melhor.
Considere os dez modelos no exercício acima. Como eles podem ter sucesso como modelos
e como eles podem falhar? Que previsões testáveis podemos fazer com eles?
5. REALISMO E INSTRUMENTALISMO
Quando avaliamos um modelo, não podemos dizer que seja verdadeiro ou falso, mas que
é uma representação melhor ou pior do sistema que está sendo modelado. Utilizamos a pre-
visibilidade do modelo como medida disso. Mas, por não podermos dizer que os modelos são
verdadeiros ou falsos, ficamos com um problema. Quando olhamos para a ciência para expli-
car como ocorre um fenômeno, não queremos apenas uma imagem bonita, queremos saber
como as coisas realmente são e como as coisas realmente funcionam. Então a questão é: se
pensarmos teorias como conjuntos de modelos, quais partes dos modelos devemos considerar
reais? Qualquer uma delas?
As teorias científicas são geralmente modelos matemáticos compostos por três tipos de ter-
mos. Um tipo de termo é o de quantidades observáveis, coisas como distâncias que podemos
medir. O outro tipo são os termos matemáticos, partes do idioma das equações que precisamos
por razões gramaticais; considere o sinal de igualdade (=). Ninguém pensa que é para apontar
para qualquer coisa no mundo, é apenas parte do que precisamos para ser capazes de fazer
matemática. O terceiro tipo é o que chamamos de termos teóricos. Estes são termos que não
são mensuráveis diretamente, mas podem ser calculados.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 21
Considere a lei da gravitação universal de Newton:
Os m são as massas de dois objetos e o r é a distância entre eles. Estas são quantidades
mensuráveis e todos concordam que são reais. Existem coisas que têm massa e que estão no
espaço, o qual as separa entre si. Nada é estranho ou controverso aqui.
Então temos o sinal negativo. Isso mostra que a gravidade é uma força atrativa, ou seja,
que a atração dos objetos é “um para o outro”, não se distanciando um do outro. O chamado
vetor unitário é apenas uma indicação de que a direção da força está ao longo da linha que
liga as duas massas. Assim como o sinal de igualdade, não é uma quantidade, nem pretende
ser, apenas nos ajuda a ver a direção em que a atração age. Então temos o sinal de igual, que
novamente é apenas mais uma gramática matemática. G é apenas uma constante, um número
destinado a fazer as unidades funcionarem corretamente. Nada disso é destinado a reconhecer
coisas no universo, mas são ferramentas para nos ajudar a dizer coisas sobre o universo.
Assim, temos a , a força gravitacional. Ela não é algo que pode ser medido. Podemos medir
a aceleração de um objeto que cai. Podemos medir a distância de uma mola a partir da qual
uma coisa está suspensa. Podemos medir o peso. Mas não podemos medir a própria força. É
real? A própria força é uma coisa ou é apenas uma parte da teoria utilizada para inferir pre-
visões? Quem é mais confiável, as quantidades mensuráveis como a massa ou a maquinaria
matemática, como o sinal de igualdade?
Os realistas científicos argumentam que termos teóricos como a força se referem a algo
real. Se uma teoria usa esses termos para fazer previsões e com o passar do tempo as pre-
visões se tornam corretas, então certamente deve haver algo nelas. Parece um milagre que
a teoria simplesmente faça previsões perfeitas todas as vezes com termos fictícios em papéis
centrais na teoria. O sucesso da teoria é um indicativo de que ela pintou uma imagem precisa.
As partes do modelo que não são diretamente observáveis ainda devem corresponder a partes
do sistema que estão sendo modeladas.
Os instrumentalistas científicos, por outro lado, argumentam que esses termos são mais
como termos matemáticos. Eles são elementos, engrenagens na máquina teórica que a aju-
dam a funcionar, mas não pretendem ser pensados como realmente reais. Um instrumentalista
poderia examinar a força gravitacional na lei universal de gravitação de Newton e dizer que
tudo isso significa que podemos usá-la em outras equações para inferir relações entre termos
observáveis que são testados. Considere, por exemplo, a segunda lei do movimento de New-
ton,
De acordo com a qual qualquer força implicada em um objeto faz com que o objeto acelere
proporcionalmente à sua massa. Se o objeto for uma caneta perto da Terra, então poderemos
usar essas duas leis para calcular o que Newton prevê que a aceleração da caneta seria se a
deixasse cair:
A equação obtida é uma relação que envolve exclusivamente termos observáveis e mate-
máticos. Nós sempre podemos eliminar os termos teóricos através do cálculo. Na verdade, é o
que fazemos para criar as previsões da teoria. Como tal, argumentam os instrumentistas, os
termos teóricos não são necessários, são apenas um auxílio. Eles não fazem parte do mundo,
apenas parte do modelo que usamos para descrevê-lo. Quando os estudantes de química usam
as bolas e os traços para construir modelos de moléculas, as diferentes bolas que representam
átomos diferentes são coloridas. Mas isso é apenas para tornar mais fácil reconhecer qual bola
é supostamente o elemento. Ninguém está dizendo que os átomos de hidrogênio são realmen-
te brancos e os átomos de hélio são realmente vermelhos. Não faz parte do modelo que se
destina a ser representativo, apenas útil ao modelador. Do mesmo modo, afirmam os instru-
mentistas, as noções teóricas como as forças não são reais, apenas ficções úteis.
22 PLANO DE AULA
Considere os próprios átomos. Pergunte aos alunos se eles acreditam que os átomos são
reais. Peça-lhes para considerar o por quê. Divida os estudantes aleatoriamente em dois gru-
pos. Atribua a um à visão realista e a outro a visão instrumentista. Peça a cada grupo para
selecionar um porta-voz e apresentar o argumento mais forte para o lado do debate atômico.
Peça a cada porta-voz o melhor argumento do seu lado, e abra-o para obter respostas. Após o
debate, pergunte se alguém mudou seu pensamento? Pergunte aos que acreditam que existem
átomos em que fundamentos eles acham que seu realismo é justificado?
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 23
DIA 4 – DETERMINISMO, CIÊNCIA E CIENTIFICISMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
A realidade dos termos teóricos é uma questão metafísica levantada pela ciência, outra é
a questão do determinismo. Se pudermos desenvolver leis científicas que governem o funcio-
namento do universo, isso significa que o universo funciona de maneira constante? O futuro é
determinado pelas leis da ciência e pelo atual estado do universo? O futuro está descoberto?
As coisas podem ser diferentes do que serão? É apenas pela nossa falta de conhecimento de
como as coisas são feitas que elas parecem indeterminadas para nós? Existe uma diferença
entre sistemas físicos como caixas de bolas de ping pong e seres humanos? Estamos biologica-
mente determinados? Precisamos ser a pessoa que nossos genes nos dizem que devemos ser?
Nosso cérebro é apenas um objeto material sujeito às leis da física e, portanto, completamente
determinado?
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem ser capazes de explicar o princípio da razão suficiente, a crença central
do cientificismo e a forma como a ciência e o cientificismo diferem.
• Os alunos devem ser capazes de explicar por que a teoria do caos não envolve aleatorie-
dade, a mecânica quântica pode, e por que alguns pensam que não.
Gottfried Leibniz postulou o que ele chamou de “Princípio da Razão Suficiente”, isto é, “nada
acontece sem uma razão.” Cada evento tem uma explicação. Nós vemos sombras disso mais
cedo na história filosófica. Tomás de Aquino, por exemplo, em suas provas para a existência
de Deus afirma que todo efeito tem uma causa. Se pensarmos que a causa é a razão da coisa
e que, citando a causa, estamos explicando o surgimento do efeito, então diríamos que, pelo
princípio de uma razão suficiente, tudo pode ser explicado.
Se alguém quiser defender o princípio de uma razão suficiente, então também deve ser
capaz de dizer claramente o que faz uma razão suficiente. Para Leibniz, como ele argumentou
em um longo debate com Isaac Newton, algumas razões suficientes são o tipo de coisa a que
nossos sistemas científicos podem nos levar, mas outras razões suficientes são sobrenaturais.
A vontade de Deus, por exemplo, pode ser razão suficiente.
24 PLANO DE AULA
O sucesso da ciência na contabilização de mais e mais conceitos abstratos e na previsão de
fenômenos cada vez mais abrangentes – alguns dos quais nunca teríamos sonhado em procu-
rar sem as teorias que os predisseram – levaram alguns pensadores a acreditar que razões su-
ficientes só podem ser razões naturalistas, ou seja, o tipo de razões que obtemos da ciência. A
crença de que a ciência é a única fonte de crença razoável sobre o universo e que o universo é
completamente descritível em termos unicamente científicos é a visão chamada “cientificismo”.
Do século XVII ao XIX, os adeptos do cientificismo muitas vezes realizavam uma visão me-
tafísica chamada determinismo. O determinismo é a visão de que o futuro é predeterminado,
que tudo no universo acontece como deve acontecer. O futuro não pode ser diferente do que
será, assim como o passado não poderia ter sido, somente como foi.
Certamente, alguns fenômenos são deterministas. Se você pegar um novo baralho de cartas
e simplesmente dar uma mão de pôquer para dois jogadores, o primeiro jogador sempre ven-
cerá com um flush de espadas terminado por ás e o segundo jogador sempre perderá com um
flush de espadas terminado por rei. As cartas saem da caixa na ordem, começando com o ás
de espadas em baixo e, como consequência, os resultados da mão de pôquer não são incertos.
Mas agora suponha que embaralhamos as cartas uma vez e, em seguida, distribuímos a mão
para os dois jogadores. O resultado dessa mão está predeterminado? Suponha que conheça-
mos todos os detalhes do embaralhamento, por exemplo, quantas cartas em cada mão, quanta
pressão de cada uma, quão rígidas são as cartas. É aleatório ou determinado? Podemos fazer
algo para que o jogo não seja determinado?
Para um pensador determinista cientificista, existem leis da ciência que determinam com-
pletamente a ordem das cartas, uma vez que conhecemos todas as variáveis, e assim estará
completamente determinado quem receberá a mão vencedora. Além disso, tudo no universo
é como aquele baralho de cartas. Se ao menos soubéssemos as leis, poderíamos determinar
completamente todo o futuro.
Teoria do caos
Considere alguém que dirige à escola, zona cheia de crianças pequenas. Se você sair para
a escola com bastante antecedência, passa por todas as paradas de ônibus antes de o ônibus
chegar lá. Como resultado, você chega à escola em, digamos, dez minutos. Mas se você saiu
mais tarde, você acabará atrás do ônibus por algumas paradas, enquanto aguarda as crianças
embarcarem, sentarem e o ônibus arrancar novamente. A viagem levará mais de dez minutos
agora, pois você precisa esperar. E, se você sair tão tarde que o ônibus já chegou à escola para
deixar as crianças, então a viagem será de dez minutos novamente.
Inicialmente, temos um sistema não caótico. Se você sair meia hora antes do ônibus, então,
saindo dez segundos depois te fará chegar à escola dez segundos depois. Mas se você estiver
atrasado cerca de dez segundos ao invés de estar na frente do ônibus, então temos um sistema
caótico. A hora que você sai determina completamente se a viagem terá dez ou quinze minu-
tos, mas a grande diferença entre os tempos de viagem é resultado de uma pequena diferença
nos tempos de saída.
Teoria quântica
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 25
em um determinado momento. O que diferencia essas propriedades de outras propriedades,
por exemplo, a cor das bolas, o dia da semana ou o nome de solteira da mãe da pessoa que
observa, é que elas aparecem no que os cientistas chamam de “equações de estado”, as regras
matemáticas que governam como as bolas de ping pong se movem dentro da caixa.
O que é estranho sobre a mecânica quântica é que ψ não é uma única quantidade men-
surável. Deve ser fixada nos termos de outras coisas mensuráveis, por exemplo, posição ou
impulso. O que é mais estranho ainda é que não é um valor único para essa quantidade ob-
servável, mas uma combinação matemática de todo valor possível dessa quantidade observá-
vel multiplicada por um coeficiente, um número entre zero e um. Em outras palavras, se nós
medimos ψ para algum objeto em termos de posição, então ψ é uma combinação de todas as
posições possíveis que o objeto poderia ocupar (sim, poderia ser uma lista infinita) com uma
fração entre zero e um ligada a ela. A equação de Schrödinger descreve como essa combinação
matemática evolui ao longo do tempo e é determinista. Se você me fornece a combinação de
coeficientes e valores para ψ a qualquer momento e uma descrição da situação física (ou seja,
a energia potencial com a qual a partícula interage), posso determinar de forma completa e
exclusiva os coeficientes e valores para ψ em qualquer tempo, ligando-o à equação de Schrö-
dinger.
O problema é que nunca observamos algo nesse estado combinado, que os físicos chamam
de estado “superposto”. Nós sempre achamos que ele tem exatamente um valor de, digamos,
a localização. Se estamos falando sobre o envio de um fóton de luz em duas fendas, uma à
esquerda e uma à direita, quando não olhamos para ver qual fenda o fóton passa, a equação
de Schrödinger diz que está em uma combinação de esquerda e direita. Acontece que, por
causa do padrão alternativo de bandas claras e escuras que podem ser vistas em uma tela
colocada do outro lado das fendas, sabemos que, de fato, ele precisava estar nesse estado
de combinação que passasse por ambas as fendas esquerda e direita simultaneamente. Isso
ocorre porque a única maneira que esse padrão é gerado é ter mais de uma onda interferindo
entre si e, uma vez que existem duas fendas, cada uma deve ser a origem de uma onda de luz.
Mas quando olhamos para ver qual fenda um fóton passa, digamos, colocando um fotode-
tector no sistema, nunca estará no estado superposto. O fóton sempre atravessará à esquerda
ou à direita e o perímetro revelado desaparecerá da projeção, substituído por uma série de
flashes aleatórios – o que seria de se esperar se cada fenda enviasse partículas como uma
espingarda se os projéteis saíssem um a um. A equação de Schrödinger assegura com abso-
luta segurança até o momento em que olhamos para algo, em que ponto o sistema abandona
inexplicavelmente sua combinação superposta e colapsa instantaneamente em um dos valores
observáveis. Então, a equação de Schrödinger é uma lei da natureza que só se aplica ao uni-
verso quando não estamos olhando para isso. Isso não está bem com os princípios das crenças
cósmicas de Einstein.
Mas piora, porque quando o sistema colapsa em um único valor observável a partir de sua
combinação de valores superpostos, não temos absolutamente nenhuma maneira de saber
qual deles será. Aqui está a aleatoriedade. Temos um evento inteiramente imprevisível, apa-
rentemente governado por uma regra absolutamente não determinista. Isto não quer dizer que
não há apostas melhores e piores. Os coeficientes entre zero e um que são ligados aos valores
na combinação acabam por nos dar a probabilidade de encontrá-lo com esse valor observável.
Se pensarmos em nosso fóton e as duas fendas, podemos ajustá-lo para que os coeficientes
prevejam que metade do tempo passará pela fenda esquerda e metade do tempo pela da fen-
da direita, mas em qualquer observação dada, não há absolutamente nenhuma maneira de
saber o que será. Esta é a probabilidade irredutível na mecânica quântica.
26 PLANO DE AULA
A teoria da relatividade de Einstein obrigou revisões substanciais nas noções básicas da física,
mas algo que continuou da mesma forma foi que as equações que Einstein postulava eram
deterministas. Conecte um conjunto de valores para as variáveis de estado e as equações de
estado determinam completamente como elas mudam ao longo do tempo. Isso não foi aciden-
tal. Einstein acreditava que o universo funcionava assim e que a ciência bem-sucedida tinha
que refletir isso.
Como tal, a mecânica quântica não foi bem-sucedida de acordo com Einstein. Bom, foi bem-
-sucedida até onde foi, mas não foi longe o suficiente. Esses elementos aleatórios desaparece-
riam, afirmou Einstein, uma vez que tínhamos uma teoria quântica completa. Havia variáveis
de estado adicionais que não sabíamos medir. Especificando tais variáveis ocultas, afirmou,
criaríamos uma nova e melhorada teoria da mecânica quântica que seria completamente de-
terminista.
Então, Einstein está certo? O mundo físico deve se comportar deterministicamente? Pode
haver aleatoriedade na física? Qualquer aleatoriedade é o resultado de nossa falta de conheci-
mento – como tirar na moeda (cara ou coroa) ou jogar pôquer com cartas embaralhadas – ou
o próprio mundo é aleatório do seu jeito?
2. DETERMINISMO BIOLÓGICO
O caso muda se mudarmos de física para biologia? Há dois lugares na biologia em que ve-
mos o determinismo levantar a cabeça – determinismo genético e determinismo psicológico.
Sabemos que muitas coisas sobre nós estão determinadas por nossos genes. Pais altos ten-
dem a ter filhos altos. Você não terá olhos azuis, a menos que o gene recessivo seja transmitido
pelos dois lados da sua família. Certas doenças têm componentes genéticos ou mesmo causas
genéticas diretas. Mas e as nossas personalidades? O quanto de quem somos é determinado
pelos nossos genes? Algumas pessoas são geneticamente predispostas a ter temperamentos
rudes? Em caso afirmativo, essas pessoas são mais propensas a serem violentas? Teriam maior
probabilidade de cometer crimes? Algumas pessoas são geneticamente predispostas a serem
gentis e pacientes? Nós escolhemos estar raivosos ou empáticos quando outros estão sofrendo
perto de nós? Algumas pessoas são naturalmente mais carinhosas?
Se existe um componente genético, como nós somos responsáveis? Se alguém está pre-
disposto ao alcoolismo, podemos considerar a doença como resultado de uma escolha livre no
caso de essa pessoa se tornar viciada? Quanto de quem somos é predeterminado por nossa
maquiagem genética, algo completamente fora do nosso controle?
Mas podemos prosseguir com a questão do determinismo um passo adiante. O que pensa-
mos é resultado dos estados do nosso cérebro. Mas o cérebro é um objeto físico sujeito às leis
da química e da física. Mudar a química cerebral com medicação muda o que o cérebro pensa.
Mude o cérebro de alguém estimulando-o com um impulso elétrico no lugar certo e conseguirá
causar a sensação de sentir o cheiro de bolachas com pedaços de chocolate recém-tiradas do
forno sem que elas existam. Então, se a física e a química nos dão teorias que são determinis-
tas – determinadas entradas determinam completamente as saídas – isso significa que nossos
cérebros e, portanto, nossas mentes, estão completamente determinados também? Em caso
afirmativo, isso significa que somos apenas robôs programados que pensam ter livre arbítrio?
A vontade livre significa que há algo não físico na mente, que o cérebro não é apenas a mente,
mas que existe algo como uma alma que não está atrelado pelas leis da física? Se você deseja
adotar a visão do cientificismo, você é forçado a negar que temos livre arbítrio? Os dois podem
ser conciliados? Em caso afirmativo, como?
Prática/dever de casa
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 27
DIA 5 – ÉTICA E CIÊNCIA
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
A ciência não é apenas uma busca abstrata de conhecimento conceitual. A ciência e a conse-
quente tecnologia que ajuda a criar têm ramificações extremamente importantes para a forma
como os seres humanos vivem. A ciência nos dá ferramentas, mas cabe a nós decidir como
usá-las. As questões éticas que resultam da ciência contemporânea devem ser cuidadosamen-
te consideradas para criar um mundo no qual os seres humanos possam florescer.
Objetivos e conceitos-chave
1. ÉTICA DA CIÊNCIA
Divida a turma em dez grupos, designando aleatoriamente a cada grupo argumentar a fa-
vor ou contra as questões a serem debatidas. Cada grupo tem cinco tarefas para realizar em
dez minutos: (1) selecionar alguém para fazer o discurso de abertura, (2) selecionar alguém
para contraditar, (3) elaborar o argumento mais forte a favor de sua posição, (4) trabalhar o
argumento mais forte contra a sua posição, e (5) elaborar uma resposta a esta posição. Seria
vantajoso escolher os grupos antes da aula de hoje para dar-lhes a chance de fazer alguma
pesquisa.
Volte a juntar a turma e começar os debates. Os discursos de abertura não podem durar
mais de 90 segundos e as contradições não mais de 60. Após a refutação final, os membros da
turma que não participaram desse debate votarão em duas questões: primeira, quem ganhou
o debate, ou seja, em qual equipe o argumento foi mais persuasivo, quem fez um argumento
convincente; e segunda questão: independente do seu primeiro voto, qual pensamento for-
nece a resposta correta para essa questão. Certifique-se de que os alunos compreendam que
essas duas questões não estão conectadas. Você pode premiar uma equipe que argumentou
contra sua visão preferida, se acreditasse que eles fizeram um trabalho melhor.
Tais curas seriam extremamente lucrativas para as empresas de biotecnologia que as de-
senvolveriam. Conhecer uma porção do genoma humano em detalhes é o passo-chave no de-
28 PLANO DE AULA
senvolvimento de terapias genéticas que poderiam ajudar a libertar a humanidade de doenças
horríveis que estão conosco há milênios. Mas as empresas são mais propensas a realizar pes-
quisas se tiverem garantidos direitos exclusivos para a pesquisa. Se eles tiverem que competir
contra outros pesquisadores, então, eles podem perder a corrida e todo o tempo e o dinheiro
investido equivaleria a nada.
Assim, as empresas de biotecnologia argumentam que qualquer coisa que descubram sobre
o genoma humano – a sequência de genes em todas as pessoas – deve ser algo que possam
patentear, algo que elas possam manter em segredo e ninguém mais possa usar. O conheci-
mento científico sobre seus genes deveria se tornar sua propriedade privada apenas para seu
uso. É somente assim que o maior uso da informação será feito, dizem elas.
As empresas privadas deveriam ter permissão para patentear informações sobre genes
humanos?
Nós desenvolvemos drogas que afetam o cérebro de maneiras incríveis. Sabemos que o
equilíbrio de substâncias químicas chamadas neurotransmissores pode causar ou aliviar pro-
blemas como a depressão clínica. Esses medicamentos têm a capacidade de mudar radical-
mente como uma pessoa com uma doença psicológica pode viver sua vida.
Mas eles também podem afetar as maneiras pelas quais uma pessoa sem doença psicoló-
gica pode viver sua vida. O psiquiatra Peter Kramer fala de uma paciente dele que não estava
deprimida, não tinha nenhuma doença mental, era simplesmente uma pessoa tímida. Essa era
apenas a personalidade dela. Mas quando ela tomou a medicação Prozac, sua personalidade
mudou. Ela tornou-se mais extrovertida, mais agressiva, mais disposta a falar e procurar o
centro das atenções. Ela tinha um emprego em uma empresa de vendas e essa nova persona-
lidade lhe permitiu fazer um trabalho melhor, vender mais, pois parecia melhor do que outras
pessoas no escritório e, consequentemente, conseguir uma promoção. Isso a ajudou a con-
seguir encontros e se divertir mais neles. Mas isso ocorreu porque ela estava tomando uma
medicação para um problema que ela não tinha.
Devemos ter a possibilidade de usar medicamentos que alterem a química do nosso cérebro
apenas porque gostamos dos resultados? Os medicamentos devem ser utilizados apenas para
curar doenças?
Outros afirmam que essa postura compromete a ciência. A ciência deve ser objetiva e, se os
cientistas estão inseridos pessoalmente nos debates sobre tudo, desde o aquecimento global
até a pobreza global, então, a ciência deixa de ser ciência, tornam-se uma advocacia. O poder
da ciência está em sua capacidade de conceder relatos imparciais e factuais de como as coisas
são e não de como deveriam ser. Se você tiver uma imagem de como eles deveriam estar, isso
poderia colorir as lentes pelas quais você faz sua análise científica.
© FILOSOFIA DA CIÊNCIA 29
Mas se alguém vê como as coisas são e não são como deveriam ser, não deveria fazer algo
a respeito? Isso prejudica sua capacidade de ser um bom cientista?
A NASA vem contemplando uma missão para construir um observatório espacial em Mar-
te por décadas. O voo espacial tripulado é extremamente caro, e algo como uma missão de
Marte programada para estabelecer uma estação habitável em outro planeta exigiria recursos
tremendos que quase monopolizariam os recursos da NASA. Quando fomos para a lua na dé-
cada de 1960, esse acontecimento capturou a imaginação de uma geração inteira de jovens
que continuaram a aspirar carreiras na ciência, engenharia e campos tecnológicos de todos os
tipos. Os problemas técnicos de levar as pessoas através do espaço foram resolvidos através
do desenvolvimento de tecnologias que encontraram usos inesperados e benéficos na Terra.
Mas empreender tal missão criaria oportunidades para muitas outras ciências. O voo espa-
cial não tripulado não é apenas mais barato, mas considerando a grande quantidade de ins-
trumentos a ser alavancados, que retornam muito mais informações do que as pessoas jamais
conseguiriam. O voo espacial tripulado ganha as manchetes, mas o mais rotineiro voo espacial
não tripulado permite aos cientistas publicar mais artigos científicos com ciência de ponta.
O que é melhor para a ciência, a muito mais cara, mas exibicionista missão a Marte ou
gastar os recursos fazendo muitas outras pesquisas que ninguém provavelmente ouvirá falar?
As lojas precisam apenas dizer aos consumidores que os alimentos que comem foram alte-
rados biologicamente ou quimicamente se houver evidências significativas de que isso repre-
senta um risco para a saúde. As maçãs ou o milho que você compra no supermercado podem
ou não ser geneticamente modificados. Você nunca saberia disso porque eles não precisam e
não querem dizer isso a você. O termo “geneticamente modificado” preocupa algumas pessoas
e as lojas temem que isso afugentará seus clientes que disseram em pesquisas preferir ter
variedades naturais de frutas e vegetais. Mas eles também preferem aqueles que se parecem
mais redondos ou simétricos, mais brilhantemente coloridos e mais firmes. Estas são proprie-
dades que a modificação genética pode produzir.
Então, as lojas devem dizer aos consumidores se seus alimentos são geneticamente modifi-
cados se não houver evidência científica de que seja prejudicial para sua saúde?
30 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Filosofia
da Mente
Planos de aula
11
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Filosofia da Mente
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 30 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 5 – FUNCIONALISMO........................................................................................................................ 15
1. OBJEÇÕES À TEORIA DA IDENTIDADE................................................................................................................ 15
2. RESOLVENDO O PROBLEMA DA IDENTIDADE DE TIPO........................................................................................ 16
3. INTRODUÇÃO AO FUNCIONALISMO.................................................................................................................... 16
DIA 10 – CONCLUSÃO.............................................................................................................................. 25
1. EXERCÍCIO ESCRITO EM SALA............................................................................................................................ 25
2. REFERÊNCIAS..................................................................................................................................................... 25
PLANOS DE AULA
Esta série de planos de aula de Filosofia é composta pelos seguintes módulos:
Ética
Ética Aplicada
11
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filoso ia da Mente
APRESENTAÇÃO
Neste plano de aula, os autores têm como tema a Filosofia da Mente. Uma das dificuldades
que tivemos ao realizar a tradução e adaptação para o português ocorreu quando nos depara-
mos com as sugestões de leituras propostas pelos seus autores. Infelizmente, não localizamos
uma literatura robusta o suficiente em língua portuguesa que pudesse substituir adequada-
mente algumas dessas sugestões, no entanto, em algumas delas, mantivemos também a
sugestão original para caso seu aluno possua fluência em língua inglesa, de modo que essa
profundidade não seja perdida.
Mais especificamente quanto ao tema, ainda que algumas de suas reflexões se iniciem com
Platão e com os filósofos modernos, é com o advento dos avanços científicos, advindos da
neurociência, robótica etc. que se apresentam questões cruciais sobre a Filosofia da Mente e,
em razão disso, atrevo-me a dizer que esse é um dos ramos mais recentes e palpitantes na
investigação filosófica contemporânea.
Dentre algumas das questões que perpassam a Filosofia Mente, destaco as questões a
seguir: O que é a mente? A mente está dentro do nosso cérebro? Podemos conhecer outras
mentes? A mente é subjetiva, objetiva ou alguma outra coisa? A mente é diferente da matéria?
O que consideramos ser a mente normal?
Bons estudos!
© FILOSOFIA DA MENTE 5
DIA 1 – SUBJETIVISMO E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
O objetivo deste primeiro dia é fazer os estudantes refletirem os conceitos que possuem a
respeito da natureza da mente e fornecer-lhes uma breve introdução ao problema do dualismo
mente-corpo.
Objetivos e palavras-chave
• Os estudantes devem ser capazes de expressar o que eles acreditam a respeito da natu-
reza da mente.
Reflitir/formar duplas/compartilhar
1. Crie uma lista de atividades nas quais seu cérebro e sua mente são a mesma coisa e uma
lista na qual são diferentes.
2. Descreva o que você acha que sua mente é, prestando particular atenção em como sua
mente e seu cérebro se relacionam.
1. Comparem as respostas do item 2 (anterior) e formulem uma tese para explicar a conexão
entre mente e cérebro.
Organize a descrição das teorias da relação mente-cérebro de cada dupla para a classe.
6 PLANO DE AULA
2. INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DO DUALISMO MENTE-CORPO
Embora seja um ramo da Filosofia, a filosofia da mente abrange muito mais do que o pro-
blema do dualismo mente-corpo. A problemática da natureza da mente e sua relação com o
corpo (especialmente o cérebro) é o cerne das questões sobre as quais os filósofos da mente se
debruçam. Por um lado, mente e corpo parecem ser diferentes; por outro lado, explicar essas
diferenças alegando que a mente é uma entidade diferente (semelhante à alma) não deixa de
ser complicado. Em primeiro lugar, como um corpo material e uma mente imaterial poderiam
interagir entre si? E, no entanto, parece óbvio que eles assim o fazem. Em segundo lugar, a
história está cheia de fenômenos que em um primeiro momento pareciam sobrenaturais, mas,
com o avanço da ciência, tornaram-se fenômenos físicos facilmente explicáveis (como, por
exemplo, os raios, que na antiguidade eram descritos como atos dos deuses). Por que acredi-
taríamos que com o cérebro seria diferente?
O restante do módulo será dedicado à exploração dos vários pontos de vista a respeito da
natureza da mente. Os pontos de vista analisados estão relacionados a duas áreas: dualismo
e fisicalismo (ou materialismo). Dualismo é a tese que mente e corpo são coisas distintas; que
existem dois diferentes “ingredientes” que fazem um ser humano. Materialistas ou fisicalistas
alegam que existe um só ingrediente: nossos corpos físicos. Para eles, todos os aspectos da
vida mental podem ser reduzidos a eventos físicos (ativação de neurônios etc.). Como filósofos
da mente, nós vamos explorar as várias versões dessas posições, cuidadosamente conside-
rando todos os argumentos contrários e a favor. Novamente, a ênfase é em argumentos e não
opiniões. Apesar de serem temas aos quais todos temos fortes intuições e crenças, é importan-
te que consideremos com isenção todas as propostas de solução para o problema do dualismo
mente-corpo e seus respectivos méritos e inconsistências.
© FILOSOFIA DA MENTE 7
DIA 2 – DUALISMO CARTESIANO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição foi desenvolvida para introduzir aos estudantes o dualismo cartesiano e o argu-
mento que ele utiliza para defender essa posição. Embora esse argumento esteja contido na
“Sexta Meditação”, se os estudantes já tiverem trabalhado com a epistemologia de Descartes
(veja o módulo de Epistemologia), eles terão um contexto mais sólido sobre as motivações da
abordagem de Descartes. Se o professor ainda não tiver ministrado o módulo de Epistemo-
logia, será útil trazer algumas informações adicionais para que a turma compreenda melhor
a motivação pela qual Descartes aborda essa questão dessa maneira, particularmente com
respeito à noção de ideias claras e distintas (isto é, se Deus não me engana, tudo o que eu
percebo clara e distintamente deve obrigatoriamente ser verdade). Para maiores informações,
veja o módulo de Epistemologia.
Objetivos e palavras-chave
• Os alunos devem ser capazes de entender o dualismo cartesiano e serem capazes de dis-
correrem sobre a argumentação de Descartes.
1. REVISÃO
2. DUALISMO CARTESIANO
A ideia é trabalhar com excertos da Sexta Meditação com a turma toda. E Descartes é uma
excelente oportunidade para isso, porque sua escrita é desafiadora, mas seus argumentos
podem ser compreendidos de forma bastante direta. Isto facilita tanto a aprendizagem do con-
teúdo quanto, ainda mais importante, faz os alunos se envolverem com o processo filosófico
como um todo
Peça aos estudantes que leiam em silêncio o texto a seguir e reserve alguns minutos para
referenciar os argumentos de Descartes. Trabalhe, então, cada um dos argumentos em con-
junto com a turma toda.
8 PLANO DE AULA
O Argumento Cartesiano da Conceptibilidade
E, primeiramente, porque sei que tudo que clara e distintamente concebo pode ter sido pro-
duzido por Deus exatamente como eu as concebo, basta que eu seja capaz de clara e distinta-
mente conceber uma coisa a parte de outra para que esteja certo de que uma coisa é diferente
de outra. Sabendo que elas, pelo menos, foram criadas para existir separadamente pela onipo-
tência de Deus e, não importando por quais forças essa separação ocorre e que me compelem
a julgá-las separadamente, meramente porque eu sei com certeza que eu existo e, ao mesmo
tempo não observo que nada além de ser um ser que pensa exista na minha essência ou na-
tureza, eu, por direito, concluo que minha essência consiste em ser somente um ser pensante
(ou uma substância cuja essência ou natureza total é meramente um pensar). E, embora eu
possa, ou antes, como resumidamente direi, embora eu certamente possua um corpo ao qual
estou intimamente interligado, não obstante porque, de um lado, eu tenho uma clara e distinta
ideia de mim mesmo como sendo no máximo uma coisa pensante e sem extensão e, por outro
lado, eu possua uma clara e distinta ideia de um corpo como sendo no máximo somente uma
coisa extensa não pensante, é certo que eu (ou seja, minha mente, coisa pela qual eu sou o
que eu sou) sou inteira e verdadeiramente distinto de meu corpo e posso existir sem ele.
1. Se eu posso clara e distintamente conceber duas coisas como sendo diferentes uma da
outra, então é porque elas são realmente diferentes. (Descartes sustenta esse argumento
baseado no fato de que só é logicamente possível que ele possa clara e distintamente
conceber as coisas dessa maneira porque Deus assim o quer).
2. Eu posso clara e distintamente conceber minha mente como sendo distinta do meu corpo.
3. Por conseguinte, minha mente deve obrigatoriamente ser distinta do meu corpo.
Para começar apropriadamente este exame, eu reforço aqui, em primeiro lugar, que existe
uma grande diferença entre mente e corpo, levando em conta que um corpo, devido a sua
natureza, é sempre divisível, ao passo que a mente é totalmente indivisível. Pois, em verda-
de, quando considero minha mente, ou seja, a mim mesmo como no máximo não mais do
que uma coisa pensante, não posso distinguir subdivisões em mim e eu, muito claramente,
discirno que eu sou, de certo modo, uno e inteiro. E, conquanto a totalidade da mente esteja
unida à totalidade do corpo, quando um pé, um braço, ou qualquer outra parte é amputada,
estou consciente de que nada da mente foi subtraído. Também não podem as faculdades de
desejar, perceber, conceber etc. ser apropriadamente designadas como partes separadas dela,
pois é a mesma mente que é exercitada (como um todo único) em desejar, em perceber, em
conceber etc. Mas exatamente o oposto ocorre em coisas corpóreas ou extensas, pois eu não
posso imaginar nenhuma parte delas (não importando quão pequenas possam ser) que eu não
possa separá-las em um exercício de pensamento e que, portanto, não possa considerá-las
como indivisível. Isto em si já seria suficiente para ensinar-me que a mente ou a alma de um
homem é inteiramente diferente do corpo, se já não tivesse consciência disto por fontes outras.
(Agora é uma boa hora para perguntar aos alunos se os argumentos são válidos.
(Sim) Se os argumentos forem válidos, isso significa que as conclusões também o sejam?
© FILOSOFIA DA MENTE 9
(Não) Se os argumentos forem válidos, alguém pode contestar as conclusões? (Mostre que
uma das premissas de Descartes não é verdadeira).
Vamos, por ora, aceitar a conclusão de Descartes de que mente e corpo são entidades dis-
tintas. Como então um corpo interage com alguma coisa que não possui extensão, tal como
o conceito cartesiano de mente? É óbvio que a mente e o corpo interagem entre si. Se eu der
uma martelada no meu dedo, certamente experimentarei uma sensação de dor. Por outro lado,
eu posso pensar em alguma coisa e determinar que meu corpo a execute. Examinemos, por-
tanto, algumas ramificações desse raciocínio:
6. Paralelismo – Esta é talvez a teoria mais estranha. Nesta linha de raciocínio, não existe
nenhuma interação entre mente e corpo. Eles atuam em paralelo, como, por exemplo,
dois cronômetros que são disparados exatamente ao mesmo tempo. Esta teoria não é
muito satisfatória a não ser que explicasse como mente e corpo se coordenam tão bem.
Na maioria das vezes, os defensores desta teoria a sustentam baseados numa harmonia
preestabelecida por Deus para explicar como corpos e mentes interagem em uníssono.
Tarefa
Os argumentos de Descartes em favor do dualismo são válidos, mas suas conclusões podem
ser refutadas se alguém puder demonstrar que uma ou mais de suas premissas são falsas. Es-
colha um dos dois argumentos e redija um parágrafo explicando qual premissa você refutaria
como verdadeira e por quê.
10 PLANO DE AULA
DIA 3 – BEHAVIORISMO LÓGICO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição tem como objetivo apresentar aos estudantes a solução do problema mente-cor-
po apresentada pelos behavioristas lógicos. Se você estiver familiarizado com o behaviorismo
como um método da Psicologia, ficará claro que o behaviorismo lógico está intimamente co-
nectado com essa tradição (embora ser um behaviorista metodológico não obrigue ninguém a
ser um behaviorista lógico). Após serem apresentados ao behaviorismo lógico, os estudantes
terão a oportunidade de tentar expor em primeira mão como seria uma possível solução ao
problema mente-corpo segundo essa tradição. Por último, esta aula apresentará objeções ao
behaviorismo lógico.
Objetivos e palavras-chave
No início do século XX, os psicólogos travavam uma dura batalha para tornar a Psicologia
uma ciência respeitada. Sabemos que as ciências tratam de eventos observáveis. Mais do que
tentar estudar o interior oculto dos processos mentais, os psicólogos tentaram transformar a
disciplina em uma ciência voltando sua atenção para o que pode ser efetivamente observado:
o comportamento humano. O método behaviorista dominará a psicologia a partir de então até
a revolução cognitiva no final daquele século.
Os filósofos também foram influenciados pelos esforços para tornar a Psicologia mais cien-
tífica, influência essa que se manifestou no surgimento do behaviorismo lógico como proposta
para a solução do problema mente-corpo. Para o behaviorista lógico, um termo como “mente”
é apenas significativo na medida em que pode ser observado. Ou seja, quando eu afirmo que
“João está com dor”, eu não estou falando de acontecimentos misteriosos e inobserváveis na
cabeça de Billy. Em vez disso, estou fazendo uma afirmação sobre como João se comportará.
João provavelmente gritará de dor, apontará para a parte do corpo que dói etc.
Nesse sentido, a mente não é uma substância misteriosa que não tem extensão, mas sim-
plesmente uma disposição para se comportar de certas maneiras específicas. (Esta é uma boa
hora para perguntar aos alunos se isto é um conceito fisicalista ou dualista e por quê. A res-
posta óbvia é fisicalista – não há uma mente não física misteriosa, somente pré-disposição de
nossos corpos para agir de modos específicos).
© FILOSOFIA DA MENTE 11
Dor é um tipo de estado mental, assim como as crenças. (Pergunte aos alunos como um
behaviorista lógico entende crença, tais como a crença de que vai nevar amanhã, que Lady
Gaga é melhor que Justin Bieber etc. Essas coisas podem ser explicadas como pré-disposição
para se comportar de um certo modo. Por exemplo, minha crença de que o time “A” ganhará
a copa do mundo pode ser explicada como uma pré-disposição para a formulação de certas
afirmações do tipo “eu acho que o time ‘A’ ganhará o campeonato mundial” ou ir a uma casa
de apostas e apostar nesse time etc.
Disponha os alunos em duplas. Cada estudante deverá apresentar uma lista contendo três
estados mentais para o outro (dor, fome, crenças etc.). Os alunos deverão explicar esses
estados mentais como um behaviorista lógico os explicaria, em termos de pré-disposição de
comportamento.
Comece perguntando aos alunos se eles estão satisfeitos com essa solução do problema
mente-corpo. É bem provável que muitos deles não estejam. Pergunte o porquê. Existem mui-
tas objeções ao behaviorismo lógico. Duas das maiores são as seguintes:
1. Pode não ser possível para mim articular uma descrição completa porque existem
incontáveis exceções.
Objeção da qualia
Esta objeção é a razão pela qual muitos estudiosos não estão satisfeitos com o behaviorismo
lógico. Alguns aspectos da vida mental têm características “qualia”. Qualia são certas relações
de semelhança, um tipo de experiência imediata. São descrições do tipo: nítido, opaco etc.
Estar sofrendo é mais do que uma disposição para se comportar de acordo com a dor – existe
um tipo de experiência mental de estar sofrendo.
12 PLANO DE AULA
DIA 4 – TEORIA DA IDENTIDADE
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta aula introduz os alunos à Teoria da Identidade como solução para o problema mente-
-corpo. Ela começa com os alunos lendo um dos mais importantes artigos sobre a teoria da
identidade, de autoria de John Smart1. Seus artigos deixam claro como a Teoria da Identidade
dá uma resposta aos problemas enfrentados pelas considerações dos behavioristas lógicos.
John Smart se apropria, também, dos avanços científicos que tratam do entendimento da vida
mental humana (isto é, conexões entre o cérebro e estados mentais). Ele acredita que esses
avanços demonstram que, um dia, uma hipótese completa da vida mental humana poderá ser
formulada em termos puramente físicos.
Objetivos e palavras-chave
• Os alunos deverão ser capazes de entender a teoria da identidade como solução aos pro-
blemas mente-corpo e suas alegações principais.
Os alunos devem ler a primeira das duas páginas do artigo em PDF2 de John Smart e res-
ponder às questões do guia de leitura.
John Smart começa seu artigo rejeitando o behaviorismo lógico devido ao argumento da
qualia. (Veja as aulas dos dias anteriores sobre behaviorismo lógico para mais detalhes sobre
essas objeções). Embora rejeite o behaviorismo lógico, Smart não deseja que a mente seja
classificada como uma misteriosa substância não física, porque, em função do progresso da
ciência, particularmente da neurociência, ele acredita que um dia os seres humanos e o com-
portamento humano serão explicados completamente em termos físicos. Ele não aceita que
tudo no mundo possa ser explicado em termos físicos, exceto a mente. Se esse fosse o caso,
estados mentais, tais como as sensações, seriam estranhos “apêndices nomológicos” (ou seja,
que estão fora do âmbito das leis físicas que explicam todos os outros aspectos do nosso mun-
do). As leis fundamentais do universo, ele alega, serão capazes de explicar essas sensações.
1
John Jamieson Carswell “Jack” Smart – Nascido em Cambridge, 16 de setembro de 1920, e falecido em Melbourne,
6 de outubro de 2012, foi um filósofo, professor acadêmico e autor inglês. Nasceu numa família de acadêmicos: seu pai
era professor universitário de Astronomia na Universidade de Cambridge e seus dois irmãos mais novos vieram a se tornar
professores, também de nível superior, de História da arte e Estudos religiosos. Graduou-se na Universidade de Glasgow,
assim como seu pai, e depois adquiriu título de bacharel em Filosofia pela Universidade de Oxford. Foi um dos primeiros
proponentes da Teoria da identidade mente-cérebro. Mudou-se para a Austrália em 1950 quando aceitou um emprego
na Universidade de Adelaide e acabou passando a maior parte de sua vida nesse país, voltando à Inglaterra em algumas
ocasiões, como quando foi eleito membro honorário da Corpus Christi College, faculdade constituinte da Universidade
de Oxford, em 1991, e membro honorário da Queen›s College, também de Oxford, em 2010. Após sua aposentadoria,
recebeu o título de professor emérito da Universidade Monash, em Melbourne, cidade onde veio a falecer. Criado como
episcopal, Smart abandonou a fé e se considerava um “ateu relutante”. (WIKIPEDIA, s/d, s/p).
2
SMART, J. J. C. Sensations and brain process. Philosophical Review, v. LXVIII. Disponível em: <https://pdfs.
semanticscholar.org/07f2/bcbd183c4de13b0a20eb7e45858f185846c6.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.
© FILOSOFIA DA MENTE 13
John Smart afirma que os estados mentais são simplesmente processos cerebrais. Não
que dor signifique a mesma coisa que um processo cerebral do tipo X, por exemplo. Dor é um
processo cerebral do tipo X da mesma forma que um raio é uma descarga elétrica. Para ele,
sensações não são nem mais nem menos que processos cerebrais.
Esta é uma exposição dialógica dirigida para se certificar de que todos os estudantes te-
nham entendido o artigo de John Smart e a teoria da identidade. Uma maneira sugerida de
efetuar essa verificação é fazer com que os alunos compartilhem com a turma as respostas das
questões do guia de leitura. Guiando e direcionando ativamente a discussão, o professor pode
se certificar de que os alunos entenderam tanto a formulação da teoria da identidade quanto
os fatores que incentivam afirmá-la como solução do problema mente-corpo.
Tarefa
A última parte do artigo de John Smart é dedicada a responder a potenciais objeções à teo-
ria da identidade. Peça aos alunos que, em não mais do que uma página:
1. Resumam uma das objeções que John Smart apresenta nesta parte de seu trabalho ou
14 PLANO DE AULA
DIA 5 – FUNCIONALISMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta aula apresenta o funcionalismo como uma solução ao problema mente-corpo. A teoria
funcionalista é um pouco mais amena do que as fortes alegações feitas pelos teóricos da identi-
dade. Assim, ela pode ser um conceito um pouco mais desafiador para seu entendimento pelos
alunos. O funcionalismo não é somente uma solução comum para o problema mente-corpo na
filosofia contemporânea, mas entendê-lo é também de suma importância para compreender as
possibilidades da inteligência artificial etc.
(No endereço a seguir, você terá uma descrição sobre o funcionalismo. Disponível em:
<http://revistas.um.es/daimon/article/download/119491/112551/>. Acesso em: 28 jan.
2019).
Objetivos e conceitos-chave
1. Os alunos devem ser capazes de entender o funcionalismo como uma solução para os
problemas do dualismo mente-corpo e como ele se desenvolve a partir das limitações das
estritas teorias da identidade
© FILOSOFIA DA MENTE 15
2. RESOLVENDO O PROBLEMA DA IDENTIDADE DE TIPO
Divida a sala em pequenos grupos de 3 a 5 alunos. Peça para que trabalhem de 8 a 10 mi-
nutos na tentativa de encontrar um meio de defender o fisicalismo, mas, ao mesmo tempo,
evitando o problema da identidade de tipo enfrentado pela teoria da identidade pura.
Embora seja improvável que os grupos cheguem à conclusão de que o funcionalismo seja
de fato uma solução, isto dará algum tempo a eles para que discutam e trabalhem sobre o
assunto da identidade de tipo.
3. INTRODUÇÃO AO FUNCIONALISMO
Como, então, a noção de dor faria sentido se não fosse apenas um tipo de estado físico? Os
funcionalistas argumentam que antes de ser um estado físico particular (por exemplo, o dispa-
ro de fibras-C), a dor (e todos os outros estados mentais) é um estado funcional que pode ser
estabelecido por uma variedade de condições físicas. Dizer que um estado mental é um estado
funcional é dizer que ele ocupa um certo papel causal dentro de um sistema cognitivo do qual
ele é parte. O que identifica um certo estado mental é a sua relação com estímulos sensoriais,
outros estados mentais e com o comportamento. O seguinte exemplo, da Enciclopédia Stan-
ford de Filosofia (2004), ilustra como o funcionalismo pode definir um estado mental de dor:
Por um, simplisticamente confesso exemplo, a teoria funcionalista pode caracterizar
a dor como um estado que tende a ser causado por lesões corporais que produzem
a crença que algo está errado com o corpo e com o consequente desejo de se sair
deste estado. Produz ansiedade e, na falta de desejos mais fortes e conflituosos, ca-
retas e gemidos. De acordo com esta teoria, somente os seres que possuem estados
internos que atendem estas condições, ou desempenhem estes papéis, são capazes
de sentir dor.
Como este é um posicionamento um pouco discutível, é um bom momento para fazer uma
pausa e confirmar se a turma está confortável com os temas abaixo:
1. Identidade de tipo versus identidade de eventos.
2. A noção de estado mental como um estado funcional.
Tarefa
Peça aos alunos para lerem a seção 1.2 do artigo Problemas com o Funcionalismo, de Ned
Block. Disponível em: <https://www.academia.edu/2745007/Problemas_com_o_funcionalis-
mo>. Acesso em: 31 jan. 2019.
16 PLANO DE AULA
DIA 6 – OBJEÇÕES AO FUNCIONALISMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta aula cobre duas das principais objeções ao funcionalismo: qualia ausente e qualia in-
vertida. A seção do artigo de Ned Block1, referente às tarefas dos dias anteriores, trazem à
tona a argumentação da qualia ausente. A qualia invertida é diferente em essência, mas ainda
relacionada às objeções ao funcionalismo como solução ao problema mente-corpo.
Antes de iniciar, é importante se certificar que os alunos estão confortáveis com o tema dos
estados mentais enquanto estados funcionais. Sem esse entendimento, os estudantes não se-
rão capazes de acompanhar esta aula. Se o professor tiver dúvidas em relação à capacidade
dos alunos de acompanhar esta lição, deve dedicar algum tempo para revê-la antes de abordar
as objeções ao funcionalismo.
Objetivo
• Os estudantes devem ser capazes de entender as objeções dos conceitos de qualia ausen-
te e qualia invertida ao funcionalismo.
Os alunos deverão ler a seção 1.2 do artigo Problemas com o Funcionalismo, de Ned Block, e
completar o guia de leitura. Forme duplas com seus alunos para discutir as questões do guia
de leitura. Após esse trabalho em grupo, analise as questões do guia de leitura com a classe
toda, solicitando que duplas voluntárias contribuam com seus achados.
1. Block argumenta que, à primeira vista, existe uma dúvida de que o sistema chinês sequer
tenha estados mentais, e duvida particularmente que tal sistema possa experienciar algo
como uma qualia. Portanto, estados mentais, em particular a qualia, não são idênticos a
estados funcionais.
1
NED BLOCK (Ph.D., Harvard), professor emérito de Filosofia, Psicologia e Neurociência, nascido em Chicago – 1942.
Em 1971, obteve seu Ph.D. da Universidade de Harvard sob a orientação de Hilary Putnam. Oriundo do MIT, assumiu
a cátedra de Filosofia na Universidade de Nova York em 1996. Trabalha atualmente com a filosofia da percepção e os
fundamentos da neurociência e da ciência cognitiva.
© FILOSOFIA DA MENTE 17
2. QUALIA INVERTIDA
Essa qualia, portanto, não pode ser levada em consideração pelos funcionalistas. A expe-
riência qualitativa não pode ser levada em conta pelo sistema funcional. Qualia é, portanto,
não redutível a estados funcionais.
Tarefa
Peça aos estudantes que leiam o artigo O que Maria não Sabia, de Frank Jackson, desde o co-
meço até o fim da seção 1, “Três Esclarecimentos”, que termina no começo da página 293:
18 PLANO DE AULA
DIA 7 – O ARGUMENTO DO CONHECIMENTO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e palavras-chave:
• Os alunos devem ser capazes de entender a resposta do argumento “sabendo como” ver-
sus “sabendo que” ao argumento do conhecimento.
2. O ARGUMENTO DO CONHECIMENTO
Esse argumento é facilmente assimilável e, portanto, o professor pode articular seus pon-
tos-chave através de uma discussão de classe ao invés de uma exposição teórica.
• Comece pedindo aos alunos que façam um resumo do pensamento de Frank Jackson.
© FILOSOFIA DA MENTE 19
3. Apesar de ter o conhecimento físico total do mundo, Maria aprende algo a mais quando
ela sai do seu quarto preto e branco.
Conceda aos alunos em torno de 5 minutos para que leiam os dois parágrafos completos da
página 194 do artigo de Frank Jackson que apresentam o argumento do “sabendo como” versus
“sabendo que”. Disponha os alunos em duplas ou em pequenos grupos para que façam um
resumo desse assunto. Em seguida, retorne a sala à sua disposição original e peça aos grupos
que exponham seus resumos.
Uma linha de raciocínio contra o argumento do conhecimento é a ideia de que enquanto Ma-
ria aprende alguma coisa, a natureza do que ela aprende não se caracteriza como um problema
para os fisicalistas. Nesse sentido, o que Maria aprende não é um fato sobre o mundo, mas
antes um tipo de habilidade. Não é que Maria aprende alguma coisa nova, o que ela aprende é
uma certa habilidade representacional ou de imaginação. Assim, os fisicalistas podem afirmar
que ela aprende alguma coisa, mas, no entanto, o conhecimento completo dos fatos físicos do
mundo é conhecimento dos fatos do mundo porque não é o conhecimento que Maria tem dos
fatos que é limitado.
Em resposta, Jackson amplia essa experiência de pensamento sobre Maria. Ele conclui que
Maria aprende novas habilidades na forma de habilidades representacionais, mas também
aprende fatos sobre a experiência de outros.
Tarefa
Se os seus alunos possuem fluência na língua inglesa, solicite que leiam o artigo de John
Searle1 É a mente um computador? Peça aos estudantes que criem seus próprios guias de
leitura e que estes contenham, pelo menos, cinco perguntas sobre os pontos principais levan-
tados no artigo em questão.
Se os seus alunos não possuem fluência na língua inglesa, solicite que leiam o artigo a
seguir: Disponível em: <http://www.netmundi.org/filosofia/2014/podem-as-maquinas-
pensar/>. Acesso em: 28 jan. 2019.
1 John Rogers Searle (Denver, 31 de julho de 1932) é um filósofo e escritor norte-americano, professor da Universidade de Berkeley, na
Califórnia, Estados Unidos. Ele é membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia Europeia de Ciência e Arte, destinatário de
oito títulos honoríficos, e é membro da Guggenheim Fellow, conferencista da BBC Reith e duas vezes nomeado Fulbright Fellow.
Searle começou sua filosofia com o estudo do campo da linguagem em Atos da fala, o passo inicial em uma longa viagem ainda inacabada, abraçando
não só a língua, mas também nos domínios da consciência e dos estados mentais, da realidade social e institucional, da racionalidade, da conexão do
“eu” (self) com a intencionalidade individual e coletiva, da percepção e do realismo direto e, mais recentemente, na busca de uma explicação de uma
estrutura racional como base para a existência de livre-arbítrio na filosofia da mente e na filosofia da sociedade. Disponível em: <https://pt.wikipedia.
org/wiki/John_Searle>. Acesso em: 11 jan. 2019.
20 PLANO DE AULA
DIA 8 – O QUARTO CHINÊS
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Essa lição introduz os alunos ao famoso argumento do Quarto Chinês de Searle. Searle
apresenta seu argumento como um argumento contra o que ele chama de tese do “Strong AI”,
não funcionalismo por si. Entretanto, o problema de intencionalidade apresentado pelo Quarto
Chinês deve, certamente, ser anexado pelo funcionalismo, e a natureza intencional da mente
deveria ser explicada/representada por alguma teoria fisicalista.
Objetivos e conceitos-chave
Os alunos devem se organizar em pares e trocar os guias de leitura que criaram. Depois
cada parceiro vai responder às questões no guia de leitura do outro. Por fim, vão discutir suas
respostas entre si.
Com base na atividade de troca de guias de leitura, peça para que os estudantes digam
quais são as principais perguntas a serem respondidas para que se compreenda o argumento
de Searle. Escreva as questões no quadro e vá marcando-as conforme for lhes respondendo
em sua palestra/discussão. As questões devem incluir:
1. O que é intencionalidade?
© FILOSOFIA DA MENTE 21
3. Quais são os desafios que o argumento do Quarto Chinês representa para o funcionalismo?
[O Funcionalismo está intimamente conectado com o “Strong AI” na medida em que qual-
quer sistema com o tipo correto de estrutura input/output tem uma mente. Lembre-se do argu-
mento “Block”]
[O argumento do Quarto Chinês não pratica nenhum dos dois lados. É certamente um
problema para o funcionalismo, mas não necessariamente para o teorista da identidade, que
coloca mais ação não apenas na organização, mas na atual ferramenta. A própria posição de
Searle parece algo relacionado com a teoria da identidade – essa consciência é casualmente
redutível ao nosso sistema biológico de forma muito semelhante à forma que a assimilação é.
Se depois de ler o artigo de Searle você sentir que precisa de mais contexto, a Enciclopédia
de Filosofia de Stanford tem uma excelente entrada na Sala Chinesa, que fornece respostas com-
pletas à essas perguntas.
Tarefa
Em poucos parágrafos, responda às seguintes questões: Como você sabe (com certeza) que
outras pessoas têm mentes? Em outras palavras, como você sabe que elas não são zumbis que
carecem do tipo de experiência consciente que você tem quando sente dor, enxerga o verme-
lho etc.? Informe aos alunos que você pedirá a alguns deles para compartilhar suas respostas
na aula seguinte.
22 PLANO DE AULA
DIA 9 – O PROBLEMA DE OUTRAS MENTES
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição introduz os alunos ao epistemológico problema de outras mentes. (Existe um pro-
blema conceitual também, mas essa lição foca como sabemos que outros têm mente.) A lição
também introduz aos alunos duas soluções padrão ao problema.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender o argumento por analogia e inferência para a melhor solução.
1. INTRODUÇÃO
Defina, brevemente, o problema de outras mentes para os alunos. Introduza a eles o con-
ceito de acesso privilegiado. Acesso privilegiado pode ser entendido como o caminho no qual
nós sabemos precisamente nossos estados mentais. É importante notar que o acesso privile-
giado não é apenas sobre a nossa incapacidade de observar o estado mental de outros. Mesmo
que tivéssemos algum tipo de telepatia e pudéssemos observar seus estados mentais, nós
ainda teríamos um tipo direto, acesso de primeira mão que nós temos à nossa. Nós conhece-
mos nosso próprio estado mental de uma forma que não podemos conhecer o estado mental
de outros. O problema da mente de outros é como nós podemos saber que outros tem aquelas
experiências interiores também.
Nota: se você ainda não tiver feito o módulo de epistemologia, é importante introduzir a
ideia de epistemologia aos alunos como uma parte dessa introdução.
Solicite voluntários para apresentar as soluções que eles prepararam como tarefa. Permita
que outros alunos façam perguntas ao que estiver apresentando. Limite o tempo de cada aluno
que for apresentar, incluindo questões, para 5 minutos. Isso vai permitir mais apresentações.
Após o primeiro voluntário, solicite alunos que apresentem soluções diferentes.
© FILOSOFIA DA MENTE 23
3. DUAS SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA DE OUTRAS MENTES
Outros seres humanos são muito parecidos comigo. Eles se comportam de forma muito pa-
recida com a forma com que eu me comporto em situações similares e têm uma composição
biológica parecida. Quando eu me queimo dói e eu grito e estremeço. Quando outras pessoas
se queimam elas fazem o mesmo. Eu posso, portanto, deduzir que elas estão sentindo dor
também. Eu sei precisamente que eu tenho crenças, sensações e experiências conscientes.
Dadas todas as outras similaridades que eu tenho com os outros, eu posso deduzir que outras
pessoas também têm essas crenças, sensações e experiências conscientes.
Eu vejo outras pessoas gritarem quando sentem dor, proposições absolutas de uma forma
que façam sentido etc. Enquanto eu não tenho evidências precisas, a melhor explicação para o
que eu posso observar é que outras pessoas têm mentes.
Essa ideia de inferência à melhor explanação é muito usada em nosso raciocínio. Por exem-
plo, eu vejo pessoas saindo da escola com guarda-chuvas nas mãos. Eu ouço que o jogo de
baseball à noite foi cancelado. Eu vejo outros alunos se apressando em entrar na escola com
os cabelos molhados e pingando. Qual a melhor explicação para esses fatores? Mesmo que eu
não tenha olhado para fora ainda, eu concluo que está chovendo.
A questão com essa solução é que, no caso do exemplo da chuva, eu posso verificar a con-
clusão. Eu só preciso olhar para fora. Contudo, com o problema da mente dos outros, eu não
tenho como verificar (a princípio) a conclusão para o que eu estou inferindo. A dimensão para a
qual isto é um problema gira em torno de uma discussão bastante técnica, mas existem fortes
argumentos em ambos os lados.
Nota: essa solução evita a generalização por um único caso, encarado pela abordagem
analógica.
Tarefa
Revisar os pontos fortes e fracos das várias soluções para o problema mente-corpo como
preparação para a atividade em sala de amanhã.
24 PLANO DE AULA
DIA 10 – CONCLUSÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esse exercício escrito em sala serve como uma atividade acumulativa para esse módulo.
Duas opções são apresentadas para que você escolha.
Opção 1
Permita que os alunos escolham escrever no período de aula sobre uma das duas questões
a seguir:
3. O que é o problema mente-corpo? Examine criticamente uma das duas soluções para esse
problema descrevendo seus pontos fortes e salientando as objeções mais convincentes.
1. O que exatamente significa “qualia”? Qualia coloca um problema para as teorias fisicalistas
da mente? Por que ou por que não e até que ponto?
Opção 2
Comece fazendo com que os alunos revisem a teoria da mente que eles desenvolveram com
os seus pares no primeiro dia do módulo. Peça aos alunos:
2. Revise a teoria ou desenvolva uma nova, e descreva como essa nova teoria aborda os
problemas da primeira teoria.
2. REFERÊNCIAS
Block, N., 1980, “Troubles with Functionalism”, in Readings in Philosophy of Psychology, Vol. 1,
N. Block (ed.), Cambridge, MA: Harvard University Press.
–––, 1990, “Inverted Earth”, Philosophical Perspectives, 4: 53–79.
–––, 1995, “On a Confusion about a Function of Consciousness”, Behavioral and Brain Sciences,
18: 227–47.
–––, 1996a, “Mental Paint and Mental Latex”, Philosophical Issues, 7: 19–49.
–––, 1996b, “Functionalism”, in The Encyclopedia of Philosophy Supplement, D. Borchert (ed.),
New York: Macmillan.
–––, 1999, “Sexism, Racism, Ageism and the Nature of Consciousness”, in Philosophical Topics,
26 (1&2), 2002, “The Harder Problem of Consciousness”, Journal of Philosophy, 94: 1–35.
–––, 2003, “Mental Paint”, in Reflections and Replies: Essays on the Philosophy of Tyler Burge,
M. Hahn and B. Ramberg (eds.), Cambridge, MA: MIT Press.
–––, 2007, “Wittgenstein and Qualia”, Philosophical Perspectives, 21: 73–115.
Block, N. and Fodor, J., 1972, “What Psychological States Are Not”, Philosophical Review, 81:
159–81.
Block, N. and Stalnaker, R., 1999, “Conceptual Analysis, Dualism, and the Explanatory
Gap”, Philosophical Review 108: 1–46.
© FILOSOFIA DA MENTE 25
Os Argumentos de Descartes a favor do
Dualismo
(Excertos da Sexta Meditação)
Argumento da Conceptibilidade
E, primeiramente, porque sei que tudo que clara e distintamente concebo pode ter sido pro-
duzido por Deus exatamente como eu as concebo, basta que eu seja capaz de clara e distinta-
mente conceber uma coisa a parte de outra para que esteja certo de que uma coisa é diferente
de outra. Sabendo que elas, pelo menos, foram criadas para existir separadamente pela onipo-
tência de Deus e, não importando por quais forças essa separação ocorre e que me compelem
a julgá-las separadamente, meramente porque eu sei com certeza que eu existo, e, ao mesmo
tempo não observo que nada além de ser um ser que pensa exista na minha essência ou natu-
reza, eu, por direito, concluo que minha essência consiste em ser somente um ser pensante (ou
uma substância cuja essência ou natureza total é meramente um pensar). E, embora eu possa,
ou antes, como resumidamente direi, embora eu certamente possua um corpo ao qual estou
intimamente interligado, não obstante porque, de um lado, eu tenho uma clara e distinta ideia
de mim mesmo como sendo no máximo uma coisa pensante e sem extensão e, por outro lado,
eu possua uma clara e distinta ideia de um corpo comos sendo no máximo somente uma coisa
extensa não-pensante, é certo que eu, (ou seja, minha mente, coisa pela qual eu sou o que eu
sou), sou inteira e verdadeiramente distinto de meu corpo, e posso existir sem ele.
Argumento da Divisibilidade
Para começar apropriadamente este exame, eu reforço aqui, em primeiro lugar, que existe
uma grande diferença entre mente e corpo, levando em conta que um corpo, devido a sua na-
tureza, é sempre divisível, ao passo que a mente é totalmente indivisível. Pois, em verdade,
quando considero minha mente, ou seja, a mim mesmo como no máximo não mais do que
uma coisa pensante, não posso distinguir subdivisões em mim e eu, muito claramente, discir-
no que eu sou, de certo modo, uno e inteiro. E, conquanto a totalidade da mente esteja unida
à totalidade do corpo, quando um pé, um braço, ou qualquer outra parte é amputada, estou
consciente de que nada da mente foi subtraído. Também não podem as faculdades de desejar,
perceber, conceber, etc., ser apropriadamente designadas como partes separadas dela, pois é
a mesma mente que é exercitada (como um todo único) em desejar, em perceber, em conce-
ber, etc. Mas exatamente o oposto ocorre em coisas corpóreas ou extensas, pois eu não posso
imaginar nenhuma parte delas (não importando quão pequenas possam ser) que eu não possa
separá-las em um exercício de pensamento, e que, portanto, não possa considerá-las como
indivisível. Isto em si já seria suficiente para ensinar-me que a mente ou a alma de um homem
é inteiramente diferente do corpo, se já não tivesse consciência disto por fontes outras.
26 PLANO DE AULA
Guia de leitura de “Sensações e Proces-
sos Cerebrais”
Como a posição de Smart é informada pelos avanços e descobertas no entendimento cien-
tífico dos seres humanos?
Smart está afirmando que processos cerebrais causam sensações? Por que ou por que não?
Qual é a solução de Smart para o problema mente-corpo? Em outras palavras, o que é men-
te na concepção de Smart?
© FILOSOFIA DA MENTE 27
Guia de leitura de “Problemas com fun-
cionalismo”
O que Block quer dizer quando diz que funcionalistas são culpados de liberalismo?
Na última sentença da seção, Block chama esse argumento contra o funcionalismo de “Ab-
sent Qualia Argument.” Por que ele escolheu esse nome?
28 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Filosofia
da Religião
Planos de aula
5
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Filosofia da Religião
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 62 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 12 – FÉ E RACIONALIDADE............................................................................................................... 49
1. ATIVIDADE: TEORIA DO JOGO E VALOR ESPERADO............................................................................................ 49
2. A APOSTA DE PASCAL........................................................................................................................................ 50
5. OBJEÇÕES PARA A APOSTA DE PASCAL............................................................................................................ 51
DIA 15 – CONCLUSÃO.............................................................................................................................. 60
1. ESCRITA EM CLASSE (OPÇÃO 1)......................................................................................................................... 60
2. DEBATE EM CLASSE (OPÇÃO 2).......................................................................................................................... 60
PLANOS DE AULA
Esta série de planos de aula de Filosofia é composta pelos seguintes módulos:
Ética
Ética Aplicada
5
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
APRESENTAÇÃO
É comum ouvirmos nos diálogos a respeito das possibilidades de investigação e questiona-
mento filosófico sobre os hábitos e preferências culturais que possuímos na sociedade brasilei-
ra atual a questão da dificuldade ou, até mesmo, a impossibilidade de se discutir o fenômeno
da fé ou da religião. Dado o fato de que esse tema lida com crenças, sentimentos e valores
que calam fundo na sensibilidade de muitos, tornou-se, aqui e ali, um verdadeiro tabu a sua
investigação. No entanto, considero que a ausência dessa investigação somente apequena a
grandeza dessas duas grandes manifestações culturais e existenciais humanas. Para responder
a essa necessidade do trato filosófico a respeito do fenômeno religioso, ao longo desse material
didático, a equipe de especialistas que atuou na construção deste material, no projeto formu-
lado pela Squire Family Foundation e levado a cabo pela Johns Hopkins Center for Talented
Youth, produziu um conjunto sistematizado e muito bem estruturado a respeito das grandes
questões produzidas pela filosofia a respeito do fenômeno religioso. Seus autores se destacam
por trazerem a objetividade como característica marcante da abordagem didática adotada nes-
te material, em que são tratados os grandes temas presentes nessa discussão. Dentre estes,
destaco a relação existente entre fé e razão, as especificidades existentes ao teísmo, ateísmo
e agnosticismo, a experiência religiosa, a natureza e o alcance do bem e do mal e os inúmeros
posicionamentos filosóficos que buscaram fundamentar e validar filosoficamente o fenômeno
da fé ou, no caminho inverso, os posicionamentos filosóficos que buscaram questionar essa
possibilidade de fundamentação. Destaco, ainda, a originalidade das atividades propostas e
das tarefas extraclasse, fundamentadas em inúmeros autores que, por si só, dado o fato de
que muitos deles constituem referenciais diferentes dos costumeiramente utilizados em língua
portuguesa, apresentam uma nova possibilidade de análise sobre esses temas. Por meio do
oferecimento deste módulo aos professores de Filosofia, espero que ele contribua para a cons-
trução de uma investigação aprofundada e relevante, que favoreça cada vez mais o floresci-
mento de um ensino que oportunize o debate respeitoso, a exposição bem sustentada de ideias
e o exercício do questionamento tipicamente filosófico dentro do espaço educativo brasileiro.
6 PLANO DE AULA
DIA 2
1 – SUBJETIVISMO
INTRODUÇÃO À E
FILOSOFIA
EGOÍSMO DA
RELIGIÃO
Conteúdo: Método:
Conteúdo:
1. Subjetivismo ético Método:
1. Diálogos, discussão (35 minutos)
1. Discussãopsicológico
2. Egoísmo sobre investigar tópicos 3. Aula e discussão (15 minutos)
1. Discussão dirigida (5 minutos)
sensíveis
4. Fé e razão 4. (5 minutos)
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é fazer com que os alunos reflitam seus pensamentos sobre a religião,
especialmente a natureza de Deus, e introduzir o ramo da filosofia conhecida como filosofia da
religião.
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender quais as questões que estão sendo feitas na filosofia da reli-
gião e posições comuns tomadas sobre essas questões.
• Conceitos-chave: Deus, Teísmo, Ateísmo, Agnosticismo, Fé, Razão, Teísmo clássico, Pan-
teísmo, Concepções da Nova Era.
Dirija uma discussão sobre ser respeitoso ao explorar questões sobre as quais alguns alunos
podem ter crenças fortes. Lembre os alunos de que os filósofos criticam os argumentos em vez
de atacar as pessoas. Consulte a unidade de métodos filosóficos no início do curso. Também
os lembre de que, em filosofia, exploramos grandes e importantes questões para aprender e
porque pode ser significativo, mas que ninguém será obrigado a revelar suas crenças pessoais
se isso o deixa desconfortável. Permita que os alunos discutam mais regras básicas e pontos
de etiqueta para esta unidade.
Peça aos alunos que pensem por alguns minutos sobre o conceito de Deus e escrevam al-
gumas notas sobre as seguintes questões:
2. Que outras concepções de Deus poderiam ter? Quais são as qualidades dessas concepções
de Deus?
Você pode querer pensar sobre o termo que deseja usar ou querer usar mais de um. A ideia
é ser claro quando nos referimos ao Deus do judaísmo, do cristianismo e do Islã, enquanto não
© ÉTICA 7
ofendamos as crenças de ninguém.
Se sua classe é grande, você pode configurar várias estações (grupos) para cada tópico.
Discussão
Use as ideias escritas nos jornais das estações como instruções para discutir esses tópicos.
Os objetivos incluem mostrar a diversidade do que as pessoas podem ter de significado de
Deus; mostrando que mesmo para aqueles que acreditam em um Deus Clássico-Teísta é difícil
chegar a um consenso, definição clara de Deus; mas, ao mesmo tempo, busque criar uma li-
gação sobre o argumento ontológico ao analisar algumas das qualidades mais centrais para a
concepção clássica-teísta de Deus.
a) Teísmo clássico: este é o conceito de Deus abraçado pelas principais religiões mo-
noteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Deus é o criador do universo, e
assim se separa do universo. Deus é como uma pessoa (o homem é feito à imagem
de Deus), mas onisciente, onipotente e onibenevolente. Deus executa atos (milagres).
c) Concepção da Nova Era: esta é uma categoria ampla e difusa que se aplica a muitos
que pensam em Deus como um guia pessoal e espiritual. Muitas vezes, aqueles que
acreditam em um Deus da Nova Era se distinguem entre religião e espiritualidade.
3. FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Realize uma palestra interativa fornecendo um roteiro para o campo da filosofia da religião.
Pergunte aos alunos quais são as questões filosóficas que eles pensam ser importantes para se
perguntar sobre religião. Organize problemas como introdução ao módulo.
Obviamente, um dos objetivos da filosofia da religião é esclarecer o que queremos dizer com
o termo Deus. Além disso, tradicionalmente, muito se concentrou no que a razão nos diz sobre
a verdade ou a falsidade do teísmo clássico, ou se a razão é capaz de resolver a questão. En-
tão, talvez a questão central na filosofia da religião seja: existem bons motivos para acreditar
na existência de Deus? Existem três respostas principais:
a) Teísmo: sim, há boas razões para pensar que existe um ser supremo.
b) Ateísmo: existem boas razões para pensar que não existe um ser supremo.
c) Agnosticismo: a Razão não pode estabelecer se existe ou não um ser supremo; não
podemos saber se Deus existe.
Seguindo o que tradicionalmente tem sido o foco na filosofia da religião, esta unidade se
concentrará em argumentos para e contra o teísmo clássico. Esses argumentos podem ser ca-
tegorizados da seguinte forma:
8 PLANO DE AULA
Argumentos para o teísmo clássico
1. Argumentos a priori
a) Argumento ontológico: é contraditório afirmar que Deus não existe (por causa da
natureza do conceito/definição de Deus).
2. Argumentos a posteriori
3. Argumentos pragmáticos
1. O problema do mal: por que Deus permite o mal (dor e sofrimento de seres inocentes)?
a) O problema lógico do mal: uma vez que Deus é onipotente e onibenevolente, a exis-
tência do mal torna a existência de Deus logicamente impossível.
Há outras questões mais específicas que também fazem parte da filosofia da religião. Por
exemplo, o que é um milagre e como sabemos quando ocorreu? Há também paradoxos da oni-
potência, tais como: Deus pode criar uma rocha tão pesada que mesmo ele não pode levantar?
Seus alunos podem apresentar mais questões.
4. FÉ E RAZÃO
Tendo discutido quais questões são fundamentais para a filosofia da religião – principalmen-
te, se o Deus clássico-teísta existe e quais padrões (de razão) se deve exigir para a crença –
agora você deve abordar brevemente uma questão de como a classe explorará essas questões.
Mais tarde, nesta unidade, haverá várias lições enfocando profundamente a fé e a racionalida-
de – o debate sobre se a crença em Deus, em última análise, requer razões (é realmente um
debate mais amplo sobre o que os padrões devem ser para a crença em geral e, portanto, se
relaciona com a epistemologia). Essa discussão não pretende realmente abordar esse debate
em profundidade ainda. Em vez disso, pretende justificar brevemente a abordagem filosófica
das questões de religião, como é obvio nessas lições.
© ÉTICA 9
Você deve aplicar uma palestra interativa. Reconheça que muitas pessoas sentem que as
crenças religiosas são apenas uma questão de fé pessoal e não devem ser examinadas pelos
pressupostos racionais. Na verdade, alguns intelectuais apoiaram essa abordagem fideísta
(sem dúvida, Kierkegaard, por exemplo). No entanto, ser extremo nessa direção é problemá-
tico. Existem boas razões para pensar que todos nós temos a obrigação de analisar nossas
crenças religiosas por meio da razão, especialmente nesses momentos em que a religião às
vezes é usada para criar divisões ou para fins perigosos. Você pode pedir aos alunos que con-
siderem este exemplo: alguém que o aluno conhece se juntou a um grupo religioso radical
que considera a educação o trabalho do diabo e, portanto, defende a destruição das escolas. O
aluno encontra essa pessoa a caminho da escola com uma bomba. O aluno provavelmente vai
tentar detê-lo. Supondo que o aluno não possa dominá-lo e não há policiais ao redor, o aluno
provavelmente sentirá que ele ou ela precisa convencer essa outra pessoa, através do uso de
argumentos, de que ela está enganada em suas crenças. Então, isso é dizer que o aluno quer
que a outra pessoa se envolva em um exame fundamentado das crenças religiosas. É justo
esperar o mesmo de nós mesmos. No final, você também pode garantir aos alunos que o ob-
jetivo não será tentar convencer qualquer um deles a mudar suas crenças, mas sim explorar
como examinar opiniões em geral.
Prática/dever de casa
Peça aos alunos que imaginem sua própria ilha perfeita. Peça-lhes para escrever uma breve
descrição do que seria a sua ilha perfeita e desenhar uma imagem ou um mapa dela.
10 PLANO DE AULA
DIA 2 – SUBJETIVISMO
ARGUMENTO ONTOLÓGICO
E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. A
Subjetivismo
ilha perfeitaético 1. Diálogos,
Apresentações/atividades
discussão (35 minutos)
abertas (15
minutos)
2. Egoísmo psicológico 3. Aula e discussão (15 minutos)
2. O argumento ontológico 2. Palestra (15 minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
1. A ILHA PERFEITA
Peça aos alunos que coloquem sua descrição, desenho ou mapa da sua ilha perfeita na pa-
rede ao redor da sala. Tire voluntários para apresentar suas ilhas perfeitas ao resto da turma.
A classe pode se reunir em torno da descrição/desenho/mapa. Permita alguns minutos para
que os alunos caminhem e olhem as descrições remanescentes que não foram apresentadas.
Explique que hoje você estará pensando sobre o que significa dizer que Deus é perfeito (ou
maior que qualquer outra coisa), e que, como uma classe, você retornará às ilhas perfeitas
mais tarde hoje.
2. O ARGUMENTO ONTOLÓGICO
O argumento ontológico foi originalmente proposto por São Anselmo (1033-1109). Houve
muitas versões propostas desde então, algumas das quais se tornaram bastante complexas.
No entanto, vamos focar na original, que é mais atraente.
O argumento ontológico começa com a afirmação de que temos uma ideia de Deus. A su-
posição é que mesmo um ateu que nega a existência de Deus deve ter uma ideia do que Deus
é para afirmar que Deus não existe – caso contrário, o que o ateu afirmaria que não existe?
(Se realmente temos uma concepção coerente de Deus é uma boa pergunta à qual voltare-
mos mais adiante). Aqui você pode fazer referência à discussão de ontem sobre a natureza de
© ÉTICA 11
Deus. Anselmo sugere que a ideia mais razoável de Deus (que teístas e ateus podem concor-
dar) é que (ou um ser) é maior que qualquer outro ser que possa ser concebido. Nada pode
ser maior do que Deus, nem mesmo podemos imaginar.
Então, suponhamos que Deus não exista. Então, podemos conceber um ser que é maior,
ou seja, um como Deus, mas que existe. Mas isso contradiz a própria definição de Deus – um
ser do qual nada maior pode ser concebido. Assim, é uma contradição afirmar que Deus não
existe, então Deus deve existir. (Note que o argumento não é que Deus existe, mas que Deus
deve necessariamente existir!).
• Temos uma ideia de Deus, que é, por definição, um ser maior do que qualquer outro ser
que se possa ser concebido.
• Se Deus não existe, então a ideia de Deus existe apenas no entendimento, mas não na
realidade.
1. Assim sendo,
• Se Deus não existe, a ideia de um ser maior do que qualquer outro ser que se possa ser
concebido existe apenas no entendimento, mas não na realidade.
• Se algo existe apenas no entendimento, mas não na realidade, então é possível conceber
algo maior do que este.
2. Assim sendo,
• Se Deus não existe, então é possível conceber algo maior que um ser maior do que qual-
quer outro ser que se possa ser concebido.
• É impossível conceber algo maior do que um ser do qual nada maior pode ser concebido.
3. Assim sendo,
Pergunte aos alunos o que eles pensam do argumento ontológico. Eles estão convencidos?
Pergunte-lhes se há algo que eles possam ver que parece ter dado errado no argumento.
Muitas pessoas respondem intuitivamente que o argumento ontológico parece algum truque
sofisticado. Mas é difícil ver exatamente onde pode ter errado. Usando as respostas dos alu-
nos como ponto de partida, facilite uma discussão sobre as seguintes questões de objeção/
discussão.
O conceito de Deus
Uma crítica simples (que os alunos podem trazer – se não, você deveria) é questionar se
realmente temos uma concepção coerente de Deus. Hume, por exemplo, argumentou que
podemos ter ideias claras de cães ou gatos, uma vez que essas ideias são derivadas de im-
12 PLANO DE AULA
pressões sensoriais, mas esse não é o caso de Deus. Podemos propor uma definição de Deus,
mas, mesmo com uma definição, temos apenas uma ideia difusa de que tipo de Deus é Deus
(consulte a discussão da lição de ontem). Essa crítica questiona o próprio fundamento (pri-
meiro passo) do argumento ontológico, em que temos uma ideia de Deus. Muitas pessoas
contestam que não ter uma impressão sensível ou ser capaz de formar uma imagem mental
não é necessário para entender uma ideia; a definição pode ser suficiente. Lembre-se de que
Hume era um empirista e, assim, ele prioriza conceitos provenientes de impressões sensoriais.
Pergunte aos alunos se eles podem pensar em algo mais para o qual temos uma concepção
clara apenas de uma definição do que uma ideia a partir de uma experiência. Um bom exemplo
é o maior número natural; temos uma boa compreensão desse conceito, que podemos provar
que não existe.
Pergunte aos alunos se eles acham que temos uma concepção clara de Deus dessa manei-
ra, semelhante ao maior número natural, ou se o exercício de ontem fez com que pensassem
que não temos uma ideia tão clara. Se os alunos parecerem fixados em uma lista tradicional
de qualidades para um deus clássico-teísta, você pode fazer o papel do advogado do diabo
para estimular mais discussões, perguntando se os paradoxos da onipotência (por exemplo,
Deus pode criar uma pedra que ele mesmo não consegue levantar?) sugerem que não somos
capazes de compreender um conceito claro de Deus. Se os alunos parecem muito rápidos em
renunciar às pessoas que têm um conceito claro de Deus, faça o papel do advogado do diabo,
perguntando por que a definição (aquilo que nada maior pode ser concebido) não funciona
perfeitamente bem, mesmo que não possamos trabalhar todos os detalhes por causa das limi-
tações do intelecto humano comparado a Deus.
Outro tipo de crítica que Hume criou foi a de que a existência afirma, pela sua natureza, que
não deve ser analítica. (Ou ele poderia dizer que não deveria ser a priori – esses termos não
significam o mesmo, mas, no tempo analítico de Hume e a priori, pensavam que sempre se-
guiam juntos e se pensava que sempre se juntasse à parte sintética e a posteriori. Ler o módu-
lo de epistemologia para definições e mais informações). A ideia é que, quando alguém diz que
algo existe – digamos um urso polar – significa afirmar que existem certos objetos no mundo
que correspondem ao conceito de ursos polares. Para descobrir se isso é verdade, parece que
precisamos fazer mais do que analisar o conceito de ursos polares; precisamos realmente sair
no mundo e observar. Portanto, as afirmações da existência são sintéticas e não analíticas.
(Embora eles provavelmente não usarão essa terminologia e você precisará realmente ajudar
a provocar o ponto principal, os alunos também podem apresentar essa objeção. Obviamente,
se não, você deveria).
© ÉTICA 13
Prática/dever de casa
Para a próxima aula, os alunos devem pensar e escrever respostas curtas para as seguintes
questões:
• A sua ilha perfeita foi realmente perfeita? Se você continuasse pensando nisso, você po-
deria adicionar mais à descrição que o tornaria “mais perfeito”?
• Você acha que sua ilha perfeita realmente existe? Por que ou por que não?
• A existência faz parte da sua descrição da sua ilha perfeita? Por que ou por que não?
14 PLANO DE AULA
DIA 3
2 –– RESPOSTAS
SUBJETIVISMO
AO ARGUMENTO
E EGOÍSMOONTOLÓGICO
Conteúdo: Método:
1. A
Subjetivismo
objeção de Gaunilo
ético 1. Leitura
Diálogos,
(10
discussão
minutos)(35 minutos)
Egoísmo psicológico
2. Resposta à objeção de Gaunilo 3. Discussão
2. Aula e discussão (15 minutos)
(20 minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
Gaunilo era um monge que desenvolveu uma famosa objeção ao argumento ontológico
pouco depois de Anselmo ter publicado sua versão. Gaunilo tentou mostrar que o argumento
ontológico é errado porque, de outra forma, ele estabelece muito. Ele sugeriu que poderíamos
usar basicamente o mesmo argumento para provar a existência de outras entidades perfeitas,
como uma ilha perfeita ou um carro perfeito. Considere a maior ilha possível (perfeita). Se
a maior ilha que podemos pensar não existe, então pode haver uma ilha ainda maior, como
a maior ilha, mas que realmente existe. Mas então, uma vez que essa ilha seria ainda maior
do que a maior ilha que podemos pensar, chegamos, então, a uma contradição. Portanto, a
suposição de que a maior ilha não existe deve ser falsa, o que significa que a maior ilha deve
existir. Poderíamos dar argumentos semelhantes para a existência de outras entidades perfei-
tas, como um carro perfeito ou o que você tem. Como sabemos que ilhas perfeitas e carros
perfeitos realmente não existem, deve haver algo errado com essa maneira de raciocínio usada
pelo argumento ontológico. Gaunilo forneceu um argumento reductio ad absurdum contra o
argumento ontológico; se seguirmos o argumento ontológico para a conclusão final, obtemos
resultados absurdos, então o argumento deve estar com defeito.
Pergunte aos alunos o que eles pensam sobre a objeção de Gaunilo. Muitas pessoas pensam
que é intuitivamente convincente. Pergunte aos alunos como responderam à pergunta 2 na
lição de casa. Presumivelmente, eles disseram que sua ilha perfeita na verdade não existe. Até
agora isso suporta Gaunilo. Pergunte o que eles responderam, por que sim ou por que não.
Discuta suas razões, que provavelmente começarão a levar a pensar que o caso da maior ilha
é bastante diferente do caso de Deus. Pergunte aos alunos quais foram suas respostas para a
pergunta 1 do dever de casa (a sua ilha perfeita foi realmente perfeita? Se você continuasse
pensando nisso, você poderia adicionar mais à descrição que tornaria “mais perfeito”?). Pre-
© ÉTICA 15
sumivelmente, a maioria ou todos responderão que sua ilha perfeita não era realmente per-
feita e eles poderiam continuar imaginando uma ilha ainda maior. À medida que você facilita
a discussão, pressione os alunos para pensar sobre como essa resposta sugere que os dois
casos são fundamentalmente diferentes. Eventualmente, como um grupo, você deve chegar à
visão de que o argumento ontológico se aplica apenas a entidades que têm um máximo. Para
explicar, podemos pensar sobre como Deus é o máximo de bom. Considere todos os seres que
são moralmente bons. Alguns são mais moralmente bons do que outros, mas a propriedade
da bondade moral tem um máximo, e, em uma visão clássica-teísta, Deus é moralmente me-
lhor; o bem moral é definido pela vontade de Deus. Mas, como mostram as próprias respostas
dos alunos, nenhuma ilha é realmente a maior porque sempre podemos imaginar uma ilha
maior – não há máximo. Portanto, o argumento ontológico não pode ser aplicado para provar
a existência de um grande número de coisas perfeitas absurdas, na verdade inexistentes (se
você tiver tempo, você poderia discutir quais tipos de argumentos de entidades como o argu-
mento ontológico ainda poderiam provar). A crítica de Gaunilo não parece mais ameaçadora.
Se necessário, você pode mudar para mais um formato de palestra para apresentar a resposta
à objeção de Gaunilo. No entanto, espero que, através da discussão motivada pelas respostas
de lição de casa e um pouco de direção de você, os estudantes chegarão a essas informações.
Pergunte aos alunos quais foram as suas respostas para a questão 3 da lição de casa. Pre-
sumivelmente, eles não haviam incluído “existente” como parte de suas descrições originais
de suas ilhas perfeitas. Pergunte-os por que não. Muito provavelmente, a maioria deles dirá
algo parecido com “não pareceu que isso acrescentaria algo à descrição”. Avise-os que este é
um ponto importante que descobriram. O que isso significa é que a existência não é realmente
parte da descrição propriamente dita – não é uma propriedade real (por enquanto, podemos
pensar em uma propriedade como uma espécie de adjetivo que ajuda a descrever o que é algo,
que nos ajuda a formar uma imagem mental ou definição). Diga-lhes que esta será base de
outra objeção extremamente importante para o argumento ontológico. Antes de avançar para
explicar essa objeção, também lembre-os de que a objeção de Hume sobre alegações de exis-
tência serem sintéticas, embora não totalmente bem-sucedida, pareceu estar insinuando algo
importante também. Diga-lhes que essas duas ideias serão a base para a próxima objeção.
A crítica de Kant ao argumento ontológico tem sido muito influente. O impacto ultrapassa
o debate sobre o argumento ontológico – sua linha de ataque também influenciou os debates
mais amplos na filosofia. Ele deu origem a um slogan famoso: a existência não é um predicado.
O argumento de Kant, em certo sentido, abrange o mesmo terreno que a segunda crítica
de Hume do argumento ontológico – que a existência afirma, pela sua natureza, não poder
ser analítica – mas de maneira mais fundamental. Ele começa com uma afirmação semelhan-
te: “as verdades necessárias de julgamento não podem ser usadas para explicar a existência
necessária, porque a necessidade é sempre hipotética”. Essa frase pode exigir alguma análise.
(Kant era infame por escrever em um estilo muito formal e complexo que, embora preciso, leva
algum trabalho real para entender.) O que Kant está dizendo é que a análise lógica dos con-
ceitos (“verdades necessárias do julgamento”) não pode nos levar à conclusão de que o objeto
de que temos a concepção realmente existe (“existência necessária é possível”). Quando ele
diz que “a necessidade é sempre hipotética”, ele quer dizer que qualquer propriedade que seja
necessariamente uma parte do conceito (ou seja, uma propriedade que faz parte da definição
da coisa) ainda depende para ser realmente o caso se essa coisa na verdade existe ou não.
Uma propriedade pode ser necessária na medida em que é realmente parte da definição, mas,
na verdade, ela ainda depende se o objeto existe, e essa é uma questão a posteriori, não é
algo que pode ser resolvido pensando apenas na definição.
Aqui ele dá um exemplo para nos ajudar a entender. Considere os triângulos. A propriedade
de ter três lados é uma propriedade necessária de triângulos; faz parte da definição de um
triângulo. No entanto, o fato de pessoas terem o conceito de um triângulo não significa que
16 PLANO DE AULA
existam triângulos no mundo. Em vez disso, temos de observar o mundo para ver se podemos
observar objetos / formas de três lados. Uma vez que observamos triângulos no mundo, pode-
mos dizer que não só esses triângulos existem e têm três lados, mas que ter três lados é uma
propriedade necessária. Não é que descobrimos empiricamente que eles têm essa propriedade
contingentemente, da maneira que descobrimos, digamos, por exemplo, que os tigres têm
listras. Em vez disso, os triângulos têm essa propriedade necessariamente. Se existem triân-
gulos, então eles devem ter três lados. (Esta é uma declaração “hipotética” – se algo for o
caso, então outra coisa também é o caso). Outro exemplo são os unicórnios. Se eles existem,
necessariamente eles têm um chifre. Mas eles (unicórnios) não existem.
Kant concorda que a definição de Deus é tal que, se Deus existe, Deus necessariamente
existe (por causa das características do conceito que discutimos anteriormente – basicamente,
isso é o que Kant acha que o argumento ontológico realmente mostra). Mas, Kant nos lembra,
podemos rejeitar o sujeito com o predicado, e isso não leva a nenhuma contradição. Aqui, Kant
quer dizer o mesmo por “sujeito” e “predicado”, como normalmente fazemos quando falamos
sobre a gramática das frases; “Deus” é o sujeito, e a “perfeição” (ou sendo maior do que qual-
quer outra coisa que pode ser concebida) é o predicado (veja abaixo para entender por que o
predicado não é “existência” diretamente). (Explicando, uma propriedade é um tipo simples de
predicado, os predicados também podem ser relações, isto é, podem relacionar assuntos e ob-
jetos uns com os outros, como “mais alto que”). Assim, podemos imaginar que Deus não exis-
te, e, enquanto necessária (e não contingente), a existência seria uma propriedade de Deus.
Se ele existir, não há contradição em Deus não existir na verdade (o “se” deve ser realmente
levado a sério aqui). É como se não houvesse nenhum triângulo no mundo, ou unicórnios.
Assumir que a existência de Deus não pode ser rejeitada dessa maneira, porque Deus é um
assunto especial, é simplesmente implorar a questão, ressalta Kant (aqui é possível lembrar os
alunos sobre a falácia de implorar a questão no módulo de lógica e métodos filosóficos).
Clarificando mais, Kant diz que, enquanto a existência é um predicado lógico, não é uma
propriedade real – não é uma propriedade que pode ser parte do conceito de coisa. (Em vez
disso, o predicado real, ou propriedade, é a perfeição ou é maior do que tudo). Em uma ter-
minologia mais moderna, agora dizemos que a existência não é um predicado, mas é o que
chamamos de quantificador. (Em linguagem, os quantificadores especificam o escopo a que se
aplica uma declaração; exemplos incluem “existência”, conhecida como o quantificador exis-
tencial, que afirma que há pelo menos uma coisa que existe que possui essa propriedade, e o
quantificador universal, ou “todos”, que afirma que tudo tem essa propriedade. Outros exem-
plos incluem “a maioria” ou “alguns”).
Por que não devemos pensar que a existência é uma propriedade? Kant argumenta que dizer
que algo existe não descreve mais essa coisa, apenas que existe, de fato, algo que satisfaz o
conceito já entendido. Certamente, há uma diferença entre 100 notas de um dólar concebidas
e 100 notas de um dólar que realmente existem, mas essa diferença não é no conceito de 100
notas de um dólar, o que é o mesmo em ambos os casos. Outro exemplo pode ser um carro.
Eu poderia dar uma descrição como vermelho, esportivo, rápido, tendo assentos de couro etc.,
mas dizer: “ah, e também existe” não acrescenta à descrição a imagem mental que você está
criando na sua cabeça. E, portanto, no final, Kant conclui que a existência de algo não pode ser
determinada a priori depois de tudo (devido, em grande parte, ao insight que os alunos fizeram
esperançosamente tiveram ao responder à pergunta 3 da lição de casa!).
Você provavelmente precisará atribuir algum tempo para responder perguntas e voltar para
a objeção de Kant até que todos entendam bem. Pergunte aos alunos o que eles pensam. Eles
acham isso atraente? Existe algo que pareça errado? Embora, como tudo em filosofia, tenha
havido argumentos e críticas sobre a objeção de Kant, tem sido muito significativo e influente
o assunto em questão.
© ÉTICA 17
DIA 4
2–O
SUBJETIVISMO
MUNDO E A RELIGIÃO
E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. Religião
Subjetivismo
e mundo
ético 1. Atividade
Diálogos, discussão
(35 minutos)
(35 minutos)
2. Argumentos
Egoísmo psicológico
de experiências religiosas 3. Discussão/leitura
2. Aula e discussão (15
(5 minutos)
minutos)
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é fazer com que os alunos reflitam sobre o que, nas experiências das
pessoas no mundo, pode levá-los a acreditar na religião, e especificamente se existe um deus
clássico-teísta.
Objetivos
Peça aos alunos para pensar e escrever respostas para as seguintes perguntas:
• O que nas experiências das pessoas pode fazer com que eles sintam que Deus existe?
• Que características de como é o mundo pode fazer alguém pensar que Deus existe?
Crie grupos de aproximadamente quatro alunos cada. Peça a cada grupo que atribua um nú-
mero a cada membro do grupo, um a quatro. Explique que cada grupo irá discutir as questões
e, no final do período de discussão, você escolherá aleatoriamente um número. O membro de
cada grupo cujo número é chamado irá informar de volta a toda classe sobre o que seu grupo
desenvolveu. (A ideia é que ao atribuir números e, em seguida, chamar um número aleatório,
todos os alunos se sentirão motivados a participar ativamente).
18 PLANO DE AULA
2. ARGUMENTOS DE EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS (5 MINUTOS)
Com estes dois segmentos seguintes da lição, você deve resumir e organizar as ideias apre-
sentadas pelos grupos –– que criarão as próximas lições. Ao responder a primeira questão, o
foco deve ser sobre as experiências religiosas que as pessoas têm. Isso pode ser breve. O que
precisa ser apontado é simplesmente que muitas pessoas têm experiências religiosas pessoais
– seja tão dramático quanto Moisés e o arbusto ardente ou simplesmente o sentimento de
uma relação pessoal com Deus. Essas pessoas aproveitam as experiências para fornecer apoio
empírico para a crença em Deus. Deixe os alunos saberem que a próxima lição explorará os
argumentos das experiências religiosas.
Aqui você deve categorizar as respostas da segunda questão em duas grandes categorias
que corresponderão vagamente a argumentos de tipo cosmológico e argumentos de tipo teleo-
lógico. Na categoria anterior, estarão todas as respostas que têm a ver com a explicação das
origens do mundo/universo, a necessidade de haver uma primeira causa que criou o mundo,
de rastrear cadeias de causas de eventos de volta a um evento ou fonte inicial ou explicar por
que há algo em vez de nada (em geral). Geralmente, tudo o que tem a ver com a supressão
de que a ciência ou outros empreendimentos fora da religião são muito limitados para explicar
o mistério da existência do mundo cai nesta categoria. A outra categoria inclui quaisquer res-
postas que giram em torno de ordem ou finalidade no mundo que sugiram um arquiteto inteli-
gente. Qualquer coisa que tenha a ver com a complexidade – por exemplo, a complexidade da
vida –– ou padrões, significado, funções, organização ou ordem cai nesta categoria. Explique
brevemente a motivação para esta taxonomia e que as duas categorias correspondem a estes
dois tipos de argumentos. Deixe os alunos saberem que serão temas de lições futuras.
© ÉTICA 19
DIA
DIA52––ARGUMENTOS
SUBJETIVISMO
DEEEXPERIÊNCIAS
EGOÍSMO
RELIGIOSAS
Conteúdo: Método:
Conteúdo:
1. Subjetivismo ético Método:
1. Diálogos, discussão (35 minutos)
1.
2. Experiências religiosas
Egoísmo psicológico 1.
3. Revisão/discussão (5 minutos)
Aula e discussão (15 minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender como as experiências religiosas são usadas para defender a
existência de Deus.
1. EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS
Revise a lista de respostas dadas à primeira questão da lição anterior. Discuta os vários tipos
de experiências religiosas que as pessoas possuem. Se os alunos se concentraram apenas nas
experiências clássicas-teístas (ou especialmente se apenas em experiências judaicas-cristãs),
certifique-se de direcioná-las para considerar a diversidade de experiências religiosas que as
pessoas têm, tanto em termos de diferentes religiões ou divindades quanto em diferentes mo-
dos de experiência (visões, sentimentos pessoais, etc.).
Há várias maneiras pelas quais se podem usar experiências religiosas para defender a
crença teísta. O mais direto é um argumento simples por indução. Basicamente, o argumento
é enumerar uma longa lista de experiências religiosas a que as pessoas testemunharam, e
então generalizar que a experiência religiosa esteja generalizada no mundo. O problema com
este argumento é que o que especificamente se conclui é que a experiência religiosa é gene-
ralizada, e simplesmente não existe um vínculo claro entre essa afirmação e a conclusão de
que Deus existe. Embora pareça que essas afirmações funcionam de mãos dadas, a última é
uma reivindicação muito mais forte, e um argumento deve ser apresentado para mostrar que
as experiências religiosas mais comuns, de alguma forma, tornam provável que Deus exista.
Existem duas maneiras a partir das quais se pode tentar correlacionar esses dois pontos. A
primeira é usar uma inferência para a melhor explicação. Aqui a ideia é que a melhor explica-
ção para as experiências religiosas é que elas são causadas por Deus. Consulte o módulo de
20 PLANO DE AULA
métodos filosóficos para analisar este tipo de argumento. Aqui está este tipo de argumento
apresentado formalmente:
• Muitas pessoas tiveram experiências religiosas (experiências que parecem ser causadas
por Deus).
Lembre-se de que este é um argumento não dedutivo, por isso, pretende estabelecer que
a conclusão é provavelmente verdade, não que seja verdade. A principal questão é justificar
que Deus exista é a melhor explicação. Há, afinal, outras explicações concorrentes: ilusões ou
alucinações, psicose, privação de sono etc. Para ser bem-sucedido, esse tipo de argumento
precisa estabelecer que são mais prováveis, ou uma melhor explicaçãoes explicações, expe-
riências religiosas que são causadas por Deus em vez de outras possibilidades. Como se pode
tentar fazer isso?
• Tenho experiências que parecem ser causadas por objetos físicos independentes da men-
te.
• A melhor explicação para essas experiências é que objetos físicos independentes da men-
te causaram essas experiências.
(Esses tipos de argumentos são muitas vezes associados a argumentos auxiliares que ten-
tam estabelecer que a existência de argumentos independentes da mente é a melhor explica-
ção das experiências. Por exemplo, Locke descreve quatro características (ou propriedades) de
nossas experiências sensoriais, as “quatro razões simultâneas”, que, em conjunto, ele argu-
menta, são explicadas muito melhor pela existência de objetos físicos independentes da mente
do que por explicações concorrentes. Outros argumentam que explicações concorrentes, como
a de que estou realmente preso na matrix ou que eu sou um cérebro em um tonel, não são
tão boas porque não são tão plausíveis – eles têm probabilidades iniciais mais baixas antes de
considerar a evidência.) Alguns filósofos aceitam o argumento de inferência à melhor explica-
ção na epistemologia, enquanto outros não. Mas é pelo menos um argumento possivelmente
convincente – um que devemos levar a sério. Se o fizermos, podemos realmente estender o
argumento usando a segunda maneira de tentar estabelecer o vínculo entre a experiência reli-
giosa generalizada e a existência de Deus: um argumento por analogia entre o argumento da
experiência religiosa e o argumento de objetos físicos independentes da mente:
• O argumento não dedutivo que tenta estabelecer a existência de objetos físicos inde-
pendentes da mente com base em nossas experiências sensoriais nos proporciona boas
razões para pensar que existem objetos físicos independentes da mente.
• O argumento não dedutivo que tenta estabelecer que Deus existe com base em experiên-
cias religiosas é semelhante ao argumento não dedutivo que tenta estabelecer a existên-
cia de objetos físicos independentes da mente com base em experiências sensoriais [com
semelhança n].
• Portanto: o argumento não dedutivo que tenta estabelecer a existência de Deus com base
em experiências religiosas nos proporciona uma boa razão para acreditar que Deus existe
[com força n].
Como é normalmente o caso com argumentos por analogia, o ponto crucial está avaliando a
semelhança entre os argumentos. Ou, de forma equivalente, se quisermos ainda pensar nisso
© ÉTICA 21
principalmente como uma inferência para a melhor explicação, está avaliando as explicações
concorrentes (e particularmente quão “boa” é a explicação em termos da existência de Deus).
Digamos isso em termos da analogia. Quão semelhantes são os argumentos “objetos físicos
independentes da mente” e o argumento “Deus existe”? Existem diferenças significativas e re-
levantes que prejudicam a analogia? Podemos discutir alguns problemas para tentar entender
melhor isso.
Dirija uma discussão sobre o quão comum ou raras são as experiências religiosas. Inclua
algumas considerações importantes para se certificar de discutir:
• As formas mais comuns de experiência religiosa (por exemplo, alguém “sentindo” a pre-
sença de Deus) não são tão claramente de natureza religiosa e não parecem semelhantes
às nossas experiências de objetos físicos porque não são muito vívidas.
• Experiências de objetos físicos são, em comparação, muito, muito comuns e muito fortes
e vívidas.
• Uma tentativa de salvar algo do argumento por analogia é sugerir que, embora as expe-
riências religiosas fortes sejam raras em comparação com experiências de objetos físicos,
talvez possamos limitar o alcance do argumento às pessoas que tiveram experiências tão
relevantes.
Mostre aos alunos o seguinte videoclipe (você pode substituir por qualquer vídeo seme-
lhante), que analisa uma mãe que assassinou seu filho porque achava que Deus a instruiu a
fazê-lo: <https://www.youtube.com/watch?v=JTVeJg3prjs&t=50s>.
Dirija uma discussão sobre se o testemunho das experiências religiosas é confiável ou não
confiável. O videoclipe deve ajudar a gerar algum envolvimento dos alunos. Parece que muitas
pessoas tendem a considerar o testemunho na Bíblia ou outros textos religiosos antigos como
confiáveis, mas assumir que as reivindicações contemporâneas, como a mãe no videoclipe, são
confiáveis é sinal de insanidade. Explore o porquê e se a diferença se justifica. Caso contrário,
qual é a reação mais defensável? Por quê?
22 PLANO DE AULA
com as luzes apagadas depois de uma noite em um bar. Quando eu começar a fechar os olhos,
acho que percebo um vislumbre repentino de um anjo aparecendo. Assim que eu abrir os olhos
novamente, não vejo nada. Baseando-se no princípio da credulidade, não teria bons motivos
para acreditar que os anjos existam, já que minhas experiências visuais não são confiáveis
quando estou intoxicado, com sono e no escuro. Por outro lado, se eu vejo um corvo branco à
minha frente em plena luz do dia, quando não estou intoxicado ou de outra forma prejudicado,
o princípio sugere que eu tenho uma boa razão para acreditar que existem corvos brancos.
Como o princípio funciona com experiências religiosas? Não é muito claro. Quando se tra-
ta de experiências visuais, temos boas ideias sobre quais fatores afetam a confiabilidade de
nossa visão. O mesmo não é verdade quando se trata de experiências religiosas. Certamente,
se alguém está intoxicado, extremamente cansado, emocionalmente frágil etc., isso pode nos
dar razão para questionar a confiabilidade de suas experiências em geral. Mas, tanto quanto
as experiências religiosas devem ser percepções de uma realidade superior, é impossível sa-
ber em que condições essas percepções são confiáveis. Alguns filósofos e teólogos pensam
que, uma vez que não sabemos que as experiências religiosas não são confiáveis, isso nos dá
uma razão para levá-las como prova. Muitos mais pensam que, como não sabemos quando
as experiências religiosas são confiáveis e não podemos corroborá-las com outras pessoas,
não devemos tratá-las como evidências. Independentemente disso, uma vez que parece claro
que as pessoas são muito melhores para identificar em que condições o nosso sentido normal
experimenta, como a visão, é confiável do que as condições em que as experiências religiosas
são confiáveis, isso parece marcar uma grande diferença – a falta de semelhança – entre os
dois casos (objetos físicos independentes da mente e a existência de Deus), enfraquecendo
severamente o argumento por analogia desenvolvido na seção 2 desta lição acima.
Outra preocupação com o uso de recursos para experiências religiosas é que eles parecem
apoiar alegações contraditórias sobre Deus e a religião. Os cristãos, por exemplo, tendem a
relatar experiências de Jesus ou da Virgem Maria; Muçulmanos de Deus; Hindus de Krishna
etc. É difícil ver por que as experiências religiosas sustentariam uma tradição religiosa sobre
outra e, mesmo que fosse aceita, não estabeleceria a existência de um ser supremo particular.
Pode-se sugerir que, mesmo que essas experiências não suportem que exista um ser supremo,
elas podem sustentar que existe alguma forma de realidade fundamental (religiosa). Mas isso
não faz muito para promover a tentativa de fornecer boas razões para pensar que o teísmo
clássico é verdadeiro. Além disso, o fato de que geralmente as pessoas que já acreditam em
uma forma particular de Deus e uma tradição religiosa específica têm experiências de acordo
com essas crenças, também sugerem que as experiências podem ser devidas a pensamentos
ilusórios, prejudicando sua credibilidade.
William James observou que as experiências religiosas “têm o direito de ser absolutamente
autorizativas sobre o indivíduo a quem elas vieram... [mas] nenhuma autoridade emana delas,
o que deveria ser um dever para aqueles que ficam fora deles para aceitar suas revelações”.
Assim, enquanto uma parte poderosa da vida dos crentes, as experiências religiosas não pare-
cem ser usadas para fornecer boas razões para a crença na existência de Deus para os outros.
Prática/dever de casa
Leia sobre São Tomás de Aquino, As Cinco Vias, da Summa Theologica: <https://www.por-
talsaofrancisco.com.br/filosofia/cinco-vias-da-existencia-de-deus>.
© ÉTICA 23
DIA 6
2 – SUBJETIVISMO
O ARGUMENTO COSMOLÓGICO
E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. As
Subjetivismo
Cinco Vias ético 1. Aula
Diálogos,
Expositiva
discussão
(5 minutos)
(35 minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
A mais famosa apresentação do argumento cosmológico são as Cinco Vias de Santo Tomás
de Aquino, contidas em sua Suma Teológica, que os alunos deveriam ter lido para a tarefa de
casa. O Aquinate examina duas objeções à crença em Deus. A primeira é o problema do mal,
que é o tema de outra lição nesta unidade. A segunda é que Deus é desnecessário para o pro-
pósito de explicar o que se passa no mundo. Em resposta, Tomás oferece cinco “vias” para pro-
var que Deus existe. (Depois de desenvolver as cinco vias, ele responde diretamente às duas
objeções.) Na verdade, as primeiras três vias formam o núcleo do argumento cosmológico,
então focaremos nestas. (A quinta via é uma forma do argumento teológico, que é abordado
em outras lições nesta unidade. A quarta via é um argumento interessante, mas arcaico, que
não tem sido muito influente e, então, deixá-la-emos de lado.)
Divida os alunos em grupos de três. Em cada grupo, será atribuída a cada aluno uma das
três vias. Explique à turma que cada aluno ficará responsável por se tornar um “especialis-
ta” em sua “via” e, então, por explicá-la aos outros dois membros de seu “grupo local”. Para
ajudá-los a tornarem-se especialistas, eles virão trabalhar juntos com os outros alunos que
ficaram responsáveis pela mesma “via”. Em seguida, devemEles irão mudar para o “grupo de
24 PLANO DE AULA
especialistas” e será dado tempo para pesquisa e para que eles discutam suas determinadas
vias entre si. Depois que desenvolverem uma forte compreensão da via, então, eles reforma-
rão seus “grupos locais” e apresentarão para cada um dos membros.
Indique cada aluno dentro de cada um dos “grupos locais” para uma das primeiras três
vias. Você pode fazer isso de qualquer maneira que queira. Você pode deixar que os alunos de
cada grupo decidam por eles mesmos, você pode usar um processo de sorteio, ou você pode
designar determinados alunos para as particulares vias. Para essa questão, você pode dividir
os grupos locais de diferentes modos possíveis. Talvez você queria colocar os alunos mais es-
forçados no mesmo grupo para que, assim, eles impulsionem cada um dos outros em termo de
níveis ou detalhes, por exemplo, ou talvez você queira misturar os alunos. Você provavelmente
vai querer ter certeza de que cada grupo de especialistas possui diferentes níveis representa-
dos, de qualquer modo, os alunos mais esforçados podem ajudar os outros a desenvolver um
entendimento sólido do material.
Uma vez que as tarefas tenham sido atribuídas aos alunos, peça para que eles se reúnam
com seu grupo de especialistas. Além da leitura atribuída, você pode providenciar para cada
grupo recursos adicionais sobre sua “via” para que eles possam conferir e usar. Eles devem
também envolver-se em uma discussão em grupo para tratar detalhadamente do assunto jun-
tos. Você (e, se você tiver, seu assistente) pode passar por entre os grupos e fornecer algumas
orientações e facilitações; mas, de preferência, esta atividade deve ser uma oportunidade
para os alunos desenvolverem seu próprio entendimento e fazer suas próprias descobertas.
Entretanto, você pode reforçar alguns pontos, certificando-se de que eles estão entendendo
as coisas corretamente e direcioná-los à direção correta, se for preciso. Quando os grupos de
especialistas concluírem suas tarefas, reúna os grupos locais e peça aos alunos para que se
revezem na apresentação de suas próprias vias aos outros dois alunos do grupo.
A Primeira Via – é preciso existir uma primeira causa do movimento (ou mudança):
• Algumas coisas estão em movimento (isso inclui movimento, mas também mudança ou
atividade).
• Essa transição deve ser produzida pela atividade de outra coisa (por exemplo, algo poten-
cialmente quente é movido para se tornar verdadeiramente quente por outra coisa que é
verdadeiramente quente).
• Assim, algo não pode “mover” a si mesmo, porque então precisaria possuir o respectível
atributo em potência e, ao mesmo tempo, tê-lo em ato.
• Não pode existir uma sucessão de “motores” estendendo-se no infinitamente para trás
no tempo, cada um sendo movido por um outro antes dele, porque, assim, não haveria
explicações do porquê cada um deles está sendo “movido”.
• Deve existir um “Primeiro Motor” que não é movido por nenhum outro; isto é, Deus.
© ÉTICA 25
• Não pode existir uma sequência infinita de causas (para trás no tempo).
• Se assim fosse, nós não conseguiríamos explicar por que todas as coisas existem em
sequência.
A diferença fundamental entre as duas primeiras vias: a primeira via é sobre a causa da mu-
dança ou movimento de algo, enquanto a segunda via é sobre a causa da existência de algo.
• As coisas que encontramos na natureza existem acidentalmente (visto que elas são en-
contradas para serem geradas e para serem corrompidas).
• Qualquer coisa que possa deixar de existir deve, em algum momento, não existir; é im-
possível que elas existam desde sempre (ou então elas seriam necessárias em vez de
contingentes).
• Portanto, se tudo pode deixar de existir, então, em algum momento não havia nada em
existência.
• Uma vez que algo não pode vir do nada, neste caso, mesmo agora, nada existiria, o que
é absurdo.
• Coisas necessárias podem ter sua necessidade causada por um outro, ou não.
• Não podemos ir ao infinito (para trás no tempo) nas coisas necessárias, pelas mesmas
razões já mencionadas anteriormente.
• Portanto, deve existir algum ser que tenha por si mesmo sua própria necessidade, que
não tenha sido recebida de algum outro e que cause a necessidade nas outras coisas; isto
é Deus.
Prática/dever de casa
Leia o artigo “Is There a God?”, da coluna The Straight Dope, do jornal Chicago Reader, dis-
ponível no link a seguir: <http://www.straightdope.com/columns/read/3021/is-there-a-god>.
Leia, também, artigo “Is There a God (revisited)?”, disponível no link: <http://www.straigh-
tdope.com/columns/read/3025/is-there-a-god-revisited>.
26 PLANO DE AULA
DIA 7
2–– OBJEÇÕES
SUBJETIVISMO
AO ARGUMENTO
E EGOÍSMO
COSMOLÓGICO
Conteúdo: Método:
Conteúdo:
1. Subjetivismo ético Método:
1. Diálogos, discussão (35 minutos)
1.
2. Revisão
Egoísmo psicológico 1.
3. Aula expositiva
e discussãointerativa (10 minutos)
(15 minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e Conceitos-chave
1. REVISÃO
Rapidamente revise as primeiras três vias de Tomás de Aquino, que foram estudadas ontem.
Considerando que os alunos expuseram a informação uns aos outros em seus grupos locais,
essa é uma boa chance para se ter certeza de que todos estão no mesmo grau de entendi-
mento.
© ÉTICA 27
3. SÉRIES INFINITAS
O argumento consegue pelo menos provar que deve existir uma causa primeira? Tomás
afirma que uma série infinita de causas é impossível. Ele sustenta esta premissa apontando
que uma série infinita de causas é uma ideia absurda. Considere uma série causal na qual pos-
samos nomear os elementos com letras:
A→B…W→X→Y→Z
Aqui, Z é algo que existe atualmente. Y causou Z, X causou Y, e assim por diante. O Aquina-
te diz que se A nunca existiu, nenhum dos elementos posteriores da série poderiam ter existi-
do. Então Z não iria existir nesste momento, o que é evidentemente falso. Consequentemente,
Tomás diz que é absurdo não aceitar que exista uma privilegiada primeira causa. Enquanto as
séries precisem ter uma causa primeira, elas não podem ser infinitas. Mas aceitar que possa
existir uma série infinita de causa não é negar que A exista. Mais propriamente é dizer que
A não possui um status privilegiado de ser uma causa primeira. Ao invés disso, poderíamos
imaginar que a série apenas regresse continuamente, sem fim, onde cada elemento é causado
por um outro anterior a ele. Enquanto é difícil para nós imaginar o infinito, o mesmo faz sen-
tido lógico, e usamos tal noção nas ciências matemáticas todo o tempo. Apenas considere os
números naturais, por exemplo.
De certo modo, o problema gira em torno da dificuldade que as pessoas têm em concei-
tualizar o infinito. Imagine que você se depara com um homem que está contando para trás,
“quatro, três, dois, um. Finalmente, eu terminei!” Você pergunta quantos números ele contou
e quanto tempo ele levou. Ele te diz que contou todos os números naturais. Uma vez que
existem infinitamente muitos, nunca houve um ponto em que ele começou. Certamente, você
pensará que isso é absurdo. Mas aqui a questão é que o homem possui uma vida finita e, por-
tanto, não pode contar uma infinidade de números. Mas, enquanto podemos fazer matemática
em um sentido abstrato, podemos usar a noção de infinidade perfeitamente bem. Nós pode-
mos calcular o limite (ou soma) de uma infinita série de números, se eles têm o tipo certo de
propriedades. Por exemplo, 1 + 1/2 + 1/4 + 1/8 + 1/16 +....+ ... converge para o valor 2. Em
cálculo, usamos a integral para encontrar a área sob uma curva. Embora essa não seja real-
mente uma definição rigorosa, de certo modo, podemos pensar que o processo de uso de uma
integral de trabalho é como o de dividir a área sob a curva em um infinito número de retân-
gulos infinitamente pequenos de largura e, em seguida, “adicioná-los” para obter a área total.
Quando passamos a imaginar casos menos abstratos, nós lutamos com nossas intuições.
Por exemplo, uma vez que Paul Edwards disse que os advogados do argumento cosmológico
parecem confundir-se com a possibilidade de uma série infinita por confundir uma série infinita
com uma que é muito longa, mas que é finita. Nós queremos lembrar que as propriedades de
uma série infinita deveriam ser similares a uma série que é finita e extremamente longa, mas
esse não é o caso. As propriedades mudam dramaticamente quando mudamos de uma para a
outra. Suponha que temos um livro, chame-o de Z, que é o que permanece no ar, digamos que
até 100 milhas de altura. Outro livro, Y, está debaixo, servindo de suporte. Y é suportado por
X debaixo dele. Suponha que essa série de suportes prossiga continuamente por 100.,000 ele-
mentos. Então, chega-se a um livro que não está sendo suportado por nenhum outro livro ou
qualquer outro tipo de suporte. Então, toda a coleção começaria a cair. Isso dá a entender que
precisamos de um primeiro elemento, como, por exemplo, a terra, que é diferencial por não
precisar de outro elemento para suportá-la (ela se autossuportaauto suporta). A figura men-
tal que naturalmente formamos exige isso. Mas este tipo de figura não é adequado para uma
série infinita. De fato, uma série finita realmente cairia, mas não acontece a mesma coisa com
uma série infinita. Para cada livro na série, seria necessário outro embaixo para dar suporte.
Então, não teria como desabar. É difícil para nós imaginar essa série simplesmente seguindo
continuamente, com outro livro abaixo de cada um, mas logicamente e conceitualmente não
há nenhum problema.
28 PLANO DE AULA
4. REDE DE CAUSAS
Mesmo se não quisermos nos divertir com a possibilidade de uma série infinita de causas,
outra possibilidade é a rede de causas. Considerando uma cadeia linear de causas, poderia
existir alguma que pareça como uma teia ou uma rede, mais ou menos como uma rede de pes-
ca. Alguns eventos poderiam causar mais do que somente um único evento, ramificando-se. E
alguns eventos podem ser causados pela junção de mais de um evento. Enquanto trabalhamos
os eventos contemporâneos de trás para frente por meio de suas conexões, poderíamos achar
que muitos ramos e vértices significam que a ponta inicial da teia ou rede inclui vários eventos
ou objetos em vez de apenas um. Sim, a rede causal não continuaria infinitamente, mas tam-
bém não haveria uma única causa.
5. RAZÃO SUFICIENTE
• [...] “todo objeto possui uma causa extraordinária, se você insistir na infinidade das sé-
ries. Mas a série de causas extraordinárias é uma explicação insuficiente das séries. Além
disso, as séries não possuem uma causa extraordinária, mas uma causa transcendente...
uma série infinita de seres contingentes será, ao meu ver, incapaz de causar a si mesmo,
enquanto seres contingentes.
O que o Padre Copleston está dizendo é que, mesmo se cedermos e aceitarmos que uma
série infinita é plausível, isso não alcança o que queremos. Nós não queremos uma explicação
para o porquê de algo existir nas séries (o fenômeno que o provocou, ou causa extraordiná-
ria) –- que é simplesmente por causa do elemento ou coisa que vem antes dele dentro da
série –- mas, em vez disso, queremos saber o motivo de ada série como um todo existir (a
causa transcendental). (Isso porque queremos saber por que “as coisas” existem em geral,
não apenas saber como coisas particulares aconteceram) E isso exige outro nível e explicação.
Isso parece basear-se no pressuposto de que uma série é algo acima e além dos elementos
que a compõem. Mas não é. Se explicamos os elementos da série, então não há mais nada
para ser explicado. Paul Edwards propôs o exemplo de ver cinco esquimós em Manhattan. Eu
quero explicar por que o grupo passou a estar em Nova York. Uma investigação rendeu esta
informação:
• A esquimó 1 não gostou do frio extremo na região polar e decidiu se mudar para um clima
mais quente.
• O esquimó 2 é o esposo da esquimó 1. Ele a ama muito e não desejava viver sem ela.
• O esquimó 3 é o filho dos esquimós 1 e 2. Ele é muito fraco e pequeno para opor-se aos
seus pais.
• O esquimó 4 viu um anúncio no New York Times para um esquimó aparecer na televisão.
• O esquimó 5 é um detetive particular contratado pela Agência Pinkerton para ficar de olho
no esquimó 4.
Essta informação parece explicar a causa de cada um dos cinco esquimós estar em Nova
York. Alguém pode perguntar: “tudo bem, mas e quanto ao grupo enquanto um todo; por que
está em Nova York?”. Mas esta é uma pergunta absurda. Não há grupo além e acima dos cinco
membros. Por meio da explicação do porquequê de cada um dos cinco membros estar em Nova
York, explicamos por que o grupo está lá. Do mesmo modo, é tão absurdo perguntar a causa
da série como um todo distinto enquanto pergunta pelas causas dos elementos da série na
qualidade de membros individuais.
Parece que a opinião de Edwards está correta; a procura por uma explicação do que causa
uma série, que está além da explicação do que causa seus elementos, é aparentemente irra-
© ÉTICA 29
cional. Mas, tipicamente, os defensores do argumento cosmológico, quando chegam nesste
ponto, passam da questão das séries (as primeiras duas vias) para a questão da contingência
(a terceira via), a fim de tentar obter o que eles querem em termos de uma explicação. E há
algo realmente interessante que eles estão tentando obter, que é, em muitos aspectos, o cerne
das questões levantadas pelo argumento cosmológico. O que o defensor do argumento cosmo-
lógico realmente quer é uma explicação para o mundo existente. Por que existe algo em vez de
nada? O que eles desejam é uma razão suficiente, uma explicação suficiente para o surgimento
do mundo. Eles são defensores do princípio da razão suficiente – o princípio de que tudo pre-
cisa ter uma razão ou causa: nenhum estado de coisa pode ser obtido, e nenhuma afirmação
pode ser verdadeira, a menos que exista uma razão suficiente para não ser de outra forma.
Outra possibilidade é dizer que o o universo começou com o Big Bang. Alguma versão dessta
teoria parece ser a explicação preferida da física moderna. Então, os defensores do argumento
cosmológico perguntam o que causou o Big Bang. Os físicos podem dizer algumas coisas so-
bre issto, embora essta questão não esteja exatamente concluída. Uma sugestão é que algum
evento físico apenas aconteceu, incausado. Na mecânica quântica, existem eventos, tais como
a desintegração radioativa, que são frutos do acaso. Existe alguma probabilidade de acontecer
durante um determinado período de tempo, mas nós não sabemos quando e não houve algum
evento anterior que o causasse. É possível que a rápida inflação do universo prematuro seja o
resultado de oscilações do vácuo quântico. Esste tipo de explicação está, algumas vezes, unido
com teorias de um multiverso (universos múltiplos) – existem atualmente muitos universos e
um novo pode surgir dentro de outro, mas, em seguida, seu espaço-tempo rapidamente se se-
para. Novamente, não obstante, é improvável que o defensor do argumento cosmológico este-
ja satisfeito. Nessta explicação, não existia nada e, então, de repente, existe um universo que
se expande rapidamente. Isto não parece oferecer uma explicação satisfatória para o universo.
Houve um debate famoso na Rádio BBC, em 1948, entre o Padre Copleston e Bertrand Rus-
sel, sobre a existência de Deus. Eles trataram sobre essa questão do argumento cosmológico
e da noção de razão suficiente (R é Russel e C é Copleston) (Você pode pedir para que alguns
voluntários leiam as seguintes partes ou que a turma toda leia de forma alternada):
R: Então tudo volta para essa questão da razão suficiente, e eu devo dizer que você não
definiu “razão suficiente” de uma forma que eu possa entender – o que você entende por razão
suficiente? Você não entende por causa?
30 PLANO DE AULA
C: Não necessariamente. Causa é um tipo de razão suficiente. Apenas seres contingentes
podem ter uma causa. Deus é sua própria razão suficiente; mas ele não é a causa de si mesmo.
Com razão suficiente, no sentido pleno, euem entendo uma explicação adequada da existência
de algum ser particular.
R: Mas o que é uma explicação adequada? Suponha que eu estou prestes a acender um
fósforo. Você pode dizer que a explicação adequada disso é que eu risquei o fósforo na caixa?
C: Bem, para fins práticos é uma explicação adequada, mas teoricamente, essa é apenas
uma explicação parcial. Uma explicação adequada tem que ser, em última instância, uma ex-
plicação total, para qual nada mais possa ser acrescentado.
R: Então eu só posso dizer que você está em busca de algo que não pode ser achado, e que
ninguém nunca poderá esperar achar.
C: Dizer que não foi encontrado é uma coisa; dizer que não se deve procurar, parece-me
bastante dogmático.
R: Bom, eu não sei. Quer dizer, a explicação de alguma coisa já é uma outra coisa, que
torna a primeira coisa dependente da segunda, e você tem que entender todo esse esquema
dificultoso para atingir seu objetivo, e isto nós não podemos fazer.
C: Mas você vai dizer que não podemos, ou que nem sequer podemos levantar a questão da
existência desse “esquema dificultoso” de coisas – isto é, de todo o universo?
R: Sim, eu não acredito que haja algum sentido nele. Eu acredito que a palavra “universo”
é útil em algumas conexões, mas não acredito que ela represente qualquer coisa que tenha
um significado.
C: Se a palavra não tem sentido, então ela não pode ser tão útil. Em qualquer caso, eu não
digo que o universo é algo diferente dos objetos que o compõe (eu apresentei isso no meu
breve resumo da evidência da existência de Deus). O que eu estou fazendo é procurar pela
razão, neste caso, a causa dos objetos – a totalidade real ou imaginada da qual se constitui o
que chamamos de universo. Você diz, eu penso, que o universo – ou minha existência se você
preferir, ou qualquer outra existência – é ininteligível?
R: Em primeiro lugar, retomo a questão de que se uma palavra não tem sentido, não pode
ser útil. Isso soa bem, mas na verdade não está correto. Pegue, por exemplo, uma palavra
como “o” ou “a”. Você não pode apontar para nenhum objeto que signifique essas palavras,
mas essas palavras são muito úteis. Eu diria a mesma coisa para a palavra “universo”. Mas dei-
xando essa questão de lado, você perguntou se eu considero que o universo seja ininteligível.
Eu não diria ininteligível –- acho que dizer isso não explica nada. Inteligível, na minha concep-
ção, é uma coisa diferente. Inteligível tem a ver com própria coisa em si, intrinsecamente, e
não com suas relações.
C: Bom, no meu ponto de vista aquilo que chamamos nós chamamos de “mundo” é intrinse-
camente ininteligível, em separado da existência de Deus. Veja, eu não acredito que a infinida-
de da série de eventos – quer dizer, as séries horizontais, melhor dizendo –- possa ser provada
e, se tal infinidade pudesse ser provada, estaria no mais mínimo grau de relevância em relação
à nossa situação. Se você pega chocolate e, aos poucos, começace a adicionar mais chocola-
tes, depois de tudo você terá chocolates, e não uma ovelha. Se você adiciona chocolates ao
infinito, hipoteticamente você conseguirá um infinito número de chocolates. Então se você
adiciona uma série de seres contingentes até o infinito, você ainda terá seres contingentes,
não com um Ser Necessário. Uma série infinita de seres contingentes será, de acordo com meu
modo de pensar, tão incapaz de ser a causa de si mesmao quanto um único ser contingente.
No entanto, creio que você diz que é ilegítimo levantar a questão do que explicará a existência
de qualquer objeto particular.
© ÉTICA 31
R: Está muito certo se você entende por explicá-lo, simplesmente encontrando uma causa
para ele.
C: Bem, por que pararmos em um único objeto particular? Por que alguém não deveria le-
vantar a questão da causa da existência de todos os objetos particulares?
R: Porque eu não vejo razão para pensar que haja alguma. Todo o conceito de causa é aque-
le que nós derivamos de nossa observação das coisas particulares; eu não vejo razão qualquer
de supor que a totalidade tenha algum tipo de causa, qualquer que que seja.
C: Bem, dizer que não existe nenhuma causa não é a mesma coisa de dizer que nós não
devemos procurar por uma causa. A declaração de que não existe nenhuma causa deve vir, se
vier, no final da investigação, não no princípio. De qualquer modo, se o total não possui cau-
sa, então, no meu modo de pensar, esste total deve ser sua própria causa, o que me parece
impossível. Além disso, se a declaração de que o mundo “apenas é” for a resposta para uma
pergunta, então pressupõe que a pergunta tem sentido.
R: Não, ele não precisa ser sua própria causa, o que eu estou dizendo é que o conceito de
causa não é aplicável à totalidade.
C: Então você concordaria com Sartre, que diz que o universo é “gratuito”?
R: Bem, a palavra “gratuito” sugere que poderia ser algo mais; eu dira que o universo ape-
nas “está aí”, e isso é tudo.
6. DISCUSSÃO
Organize uma discussão em classe sobre o argumento cosmológico. Você pode abri-la para
todas as perguntas sobre quão plausível os alunos acham que o argumento cosmológico é, mas
a mais interessante provavelmente é se deveríamos aceitar o princípio da razão suficiente. O
que é explicável?
Prática/dever de casa
32 PLANO DE AULA
DIA 8
2 – SUBJETIVISMO
ARGUMENTO TELEOLÓGICO/DESIGN
E EGOÍSMO
INTELIGENTE
Conteúdo: Método:
Conteúdo:
1. Subjetivismo ético Método:
1. Diálogos, discussão (35 minutos)
1.
2. O argumento
Egoísmo teleológico
psicológico 1.
3. Aula expositiva
e discussão(20
(15minutos)
minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
1. O ARGUMENTO TELEOLÓGICO
Teleologia é o estudo filosófico dos propósitos (às vezes também é referido às funções, ou
objetivos, ou causa final). O argumento teológico é, vagamente, que parecem haver propósitos
desenhados na natureza e, assim, nós podemos concluir que existe um designer inteligente do
mundo, que é Deus. Consequentemente, esste argumento também é conhecido como o argu-
mento do design inteligente.
O argumento teleológico foi feito por diversas pessoas em versões ligeiramente diferentes.
As versões mais simples, basicamente, apenas apontam uma ordem e propósitos que parecem
ser aparentes na natureza (por exemplo, o propósito do coração é bombear sangue pelo corpo)
e sugere que a melhor explicação é que existe um designer inteligente. Nós vamos analisar
uma versão apresentada por William Paley, que explicitamente usa um argumento por analogia
para fazer o argumento mais forte.
Paley pede para imaginarmos que estamos atravessando um pântano e encontramos uma
pedra e um relógio. Nós vamos nos perguntar por que eleas estão ali. O relógio precisa de
explicação por causa da forma como suas partes são modeladas, de modo a trabalhar em
conjunto para produzir um resultado específico, que não teria sido alcançado de outra forma.
Paley argumenta que nós devemos concluir que deve existir um relojoeiro. Ele diz que nós não
precisamos saber como os relógios são feitos para saber que eles foram projetados proposi-
talmente. (Além disso: precisamos saber que um relógio contém elementos que sabemos que
foram construídos por mãos humanas e que não ocorrem naturalmente?) Isto não muda o fato
de que nem sempre os relógios funcionam perfeitamente, nem muda nada se não soubermos
o que cada peça faz. Não é plausível dizer que o relógio apenas foi produzido aleatoriamente.
Também não é plausível atribuir sua produção a alguma lei, considerando que uma lei supõe
© ÉTICA 33
um agente. Então não é bom o bastante dizer que é da natureza do metal, do vidro etc...,
tomar essas formas específicas, como a forma de um relógio. A conclusão mais sensata é que
existe um relojoeiro.
Agora, Paley prossegue, suponha que o relógio possapode se reproduzir (como os seres
vivos). Isso fortalece a conclusão (e nossa admiração pelo designer). Então o segundo relógio
(prole) ainda é causado pelo designer, mesmo que seja produzido a partir do primeiro relógio.
Se existe uma longa série de relógios, cada um levanta as mesmas questões da explicação.
Paley diz que, mesmo se a série é infinita, isso não explica a si mesma, porque ela precisa ser
um “inventado” (mas isso é realmente regressivo, porque queremos mostrar que séries infini-
tas não explicam a existência dos relógios como razão para a necessidade do designer). Se o
relógio original deve ser explicado pela existência de um designer, então o fato da replicação
fica ainda mais claro.
Compare um olho com um telescópio. Eles são muito parecidos. Um telescópio é o produto
de um design inteligente. Então, por analogia, o mesmo é provavelmente verdadeiro para o
olho. Paley prossegue comparando, explicitamente, um relógio com um olho (e coisas orgâni-
cas semelhantes). Ele nos lembra que as irregularidades e impurezas pouco importam. Exis-
tem dois problemas: 1) se eles precisam ser explicados por apelo a um designer inteligente; e
2) quanta inteligência e habilidade deve ser atribuída ao designer para que a explicação seja
adequada. Todavia, existe uma aparente lacuna; se Deus é perfeito, então por que os olhos
apodrecem? A resposta é que Deus deve equilibrar a evidência de habilidade, poder e bene-
volência em outros aspectos e, portanto, nós devemos remeter os defeitos para alguma outra
causa, que não seja um defeito no conhecimento ou benevolência do autor.
A resposta ateísta, Paley diz, é que tudo o que vemos deve ser de alguma forma. Então, as
coisas podem estar tanto na forma atual quanto em outra forma. Mas isto é tão improvável que
é absurdo, Paley afirma. (Pense no quão improvável é o fato de que materiais naturais, como
o vento e os outros elementos, formem, de maneira natural, um relógio). Outra explicação
pode ser que cada tipo de forma foi experimentado, mas a maioria morreu. (Lembre-se que
Paley escreveu antes da teoria da evolução ter sido desenvolvida. Este é um tipo de “precursor
natural” da teoria da evolução, mas sem as explicações modernas da produção ou da seleção
natural das variações.) Ele afirma que nenhuma razão pode ser dada para o porquê de essas
espécies perdidas estarem desaparecidas. (De novo, o problema é que não havia nenhuma
descrição, naquele tempo, da seleção natural.) Nem, Paley prossegue, podemos confiar em um
princípio de ordem. Essta abordagem parece uma reformulação da necessidade de um desig-
ner. (Além disso, um princípio de ordem exige uma mente que o crie?) Além do mais, a ordem
não é universal, ela existe apenas onde precisamos dela (por exemplo, um olho é ordenado,
mas uma pedra ou uma montanha não é), portanto, a natureza, em si mesma, não é ordenada.
Então, tendo respondido àsas possíveis objeções dos ateus, nós finalizamos com a seguinte
forma geral do argumento de Paley:
1. Nós vemos um relógio, que é complexo e bem organizado. Existem duas explicações
possíveis:
2. Nós observamos o universo, que é complexo e bem organizado. Existem duas explicações
possíveis:
34 PLANO DE AULA
Por meio de uma analogia com o primeiro argumento, nós podemos concluir que a primeira
explicação é, de longe, a mais plausível.
Hume apresentou uma famosa crítica filosófica ao argumento teleológico. Lembre-se de que
o argumento teleológico é, essencialmente, um argumento por analogia. Nós sabemos que,
para existir um relógio, é preciso existir um relojoeiro. Uma vez que o universo é parecido
com um relógio (no sentido de que ambos são complexos e bem organizados), deve existir um
designer inteligente para o universo. Hume ataca esse argumento dizendo que a analogia não
é tão forte.
O primeiro argumento é muito mais forte que o segundo. Isso porque um argumento por
analogia é tão forte quanto a semelhança:
Hume afirma que o relógio e o universo não são muito semelhantes. Nós sabemos, por
meio da experiência, que os relógios são feitos por relojoeiros. Em geral, uma inferência de
um efeito observado à sua causa conjeturada deve ser baseada na indução. Por exemplo, se
Sally possui uma erupção cutânea, nós inferimos que é de hera venenosa. Essavenosa. Esta
inferência só é plausível se for baseada em um conhecimento a priori de que tais erupções
cutâneas são normalmente causadas por hera venenosa, e isto depende da observação de um
grande número de casos (o número de amostras é importante). Mas, para o universo, nós não
temos nenhuma amostra prévia.! Então, os casos são diferentes.
• Mesmo que exista um “relojoeiro”, não poderia existir mais de um? Poderia existir múlti-
plas deidades, ou o(s) relojoeiro(s) pode(m) não ser o Deus dos teístas.
• O argumento teleológico é a posteriori, mas a maioria dos teólogos quer uma prova a
priori para a existência de Deus (esta objeção está um pouco desatualizada).
• Por que parar em Deus ao explicar a ordem do universo? Nós podemos muito bem, diz
Hume, parar na natureza, no percurso da postulação, porque, então, pelo menos, inter-
rompemos o regresso infinito mais cedo.
© ÉTICA 35
Discussão
Prática/dever de casa
Leia Stephen Jay Gould, “O Polegar do Panda”, do livro de Bonjour e Baker, p. 642-647.
Disponível em: <https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=5_JD1_TJX88C&oi=-
fnd&pg=PA8&dq=bonjour+baker+filosofia&ots=v-FglwaqS4&sig=h5WrAKiPdu7psRFFGc4O-
9TbEheM#v=onepage&q=bonjour%20baker%20filosofia&f=false. Acesso: 19/11/2018>.
36 PLANO DE AULA
DIA 92––ASUBJETIVISMO
DIA EVOLUÇÃO E O ARGUMENTO
E EGOÍSMOTELEOLÓGICO
Conteúdo: Método:
1. Subjetivismo
Atividade: observar
ético a ordem na 1. Atividade
Diálogos, discussão
(15 minutos)
(35 minutos)
natureza
2. Egoísmo psicológico 3. Aula e discussão (15 minutos)
2. Evolução 2. Aula expositiva (10 minutos)
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é entender como a teoria da evolução introduziu uma explicação alterna-
tiva para a ordem na natureza e como isto afeta o argumento teleológico.
Objetivos e conceitos-chave
• Que os alunos entendam como a teoria evolutiva apresenta uma explicação alternativa
para a ordem na natureza a partir do design inteligente e da aleatoriedade.
Peça aos alunos que caminhem para fora e que tomem notas sobre a ordem que eles veem
na natureza. Em particular, eles devem prestar atenção às adaptações que os organismos
têm em seus ambientes, e na forma como suas partes do corpo funcionam para permitir-lhes
sobreviver. Por exemplo, se eles veem pássaros, os alunos devem anotar sobre como tais
pássaros são adaptados para voar e como as asas funcionam para fazer issto. Os alunos não
precisam tentar desenvolver nenhuma nova ideia científica aqui; esta é apenas uma chance
para que eles reflitamos alunos refletirem um pouco sobre o mundo físic, adquiramfísico e ad-
quirirem um quadro mental e, assim, pensemar mais cautelosamente sobre a evolução.
2. EVOLUÇÃO
Os cientistas e os filósofos da biologia têm usado da teoria evolutiva para argumentar con-
tra o argumento teleológico. Embora simplificando um pouco, podemos considerar a teoria da
evolução a partir de dois postulados principais:
• Árvore da vida: tTodas as criaturas vivas evoluíram de uma (ou talvez de algumas) for-
ma(s) de vida simples e original.
O segundo princípio que foi realmente inovador na teoria de Darwin. A ideia de evolução não
era nova, mas Darwin introduziu um poderoso mecanismo, capaz de explicar como a variação
aleatória poderia levar à adaptação funcional e aos sistemas complexos. Organismos descen-
© ÉTICA 37
dentes dos mesmos progenitores variam um do outro. Isto graças aos processos aleatórios.
No tempo de Darwin, ainda não era entendido exatamente como as variações ocorriam, mas
nós, hoje, sabemos mais sobre genética. Indiferentemente da causa da variação aleatória,
Darwin descobriu que as diferenças dariam aos organismos descendentes diferentes probabili-
dades de sobreviver para se reproduzir com êxito – os organismos mais fortes sobreviveriam,
enquanto aqueles menos adaptados não o fariam. A seleção natural – as taxas diferenciais de
sucesso reprodutivo com base nas diferenças genéticas – paulatinamente (ao longo de milhões
de anos) criou e moldou a árvore da vida. Em particular, enquanto a variação nos organismos
descendentes é dada graças ao processo aleatório, a retenção (ou rejeição) dessas variações
não é aleatória. Em vez disso, a seleção natural que ocorre por meio da sobrevivência dos
mais aptos é um processo não aleatório, que não filtra mudanças prejudiciais, mas preserva
e acumula mudanças vantajosas. Essas mudanças vantajosas, portanto, trazem adaptações
– mudanças que melhoram algumas funções para o organismo, e permitem-no adaptar-se ao
meio ambiente.
Voltando ao argumento teleológico, ele pergunta: qual é a melhor explicação para a ordem
que nós vemos no mundo? Nos dias de Paley, as opções pareciam apenas duas: ou que um
designer inteligente criou tudo, ou que foi tudo obra do o acaso. Paley usou uma analogia para
o argumento, que afirma que, da mesma maneira que é mais plausível explicar a existência de
um relógio apelando a um relojoeiro, é mais plausível explicar a ordem observada no mundo
através de um designer. Ao passo que Hume alegou que a analogia era fraca, e, portanto, a
existência de um designer não era uma explicação satisfatória, não estava claro que a aleato-
riedade era uma alternativa melhor. A teoria darwiniana da evolução apresentou uma terceira
explicação possível. Quão aceitável é essta explicação?
Também parece haver uma abundante evidência em forma de registro fóssil, que sugere
que a evolução ocorreu. Por exemplo, existem fósseis de espécies que existiram no passado,
mas que agora não existem mais, como o tigre-de-dentes-de-sabre e o mamute-lanoso. O
criacionismo tradicional defende a ideia de que todas as espécies foram criadas ao mesmo
tempo. Isto parece duvidoso, dadas as evidências paleontológicas. Os criacionistas poderiam
afirmar que o registro fóssil foi criado por Deus para testar nossa fé, mas, de novo, isso só pa-
rece tornar o argumento menos plausível do que a explicação, mais simples, de que o registro
fóssil reflete uma evolução das espécies.
38 PLANO DE AULA
Outro ponto a favor da explicação da evolução é que muitas espécies não estão desenvolvi-
das de forma perfeita. Por exemplo, avestruzes têm asas mesmo que não possam voar. As asas
não atendem a uma função. Por que, então, um designer perfeito, onisciente e onipotente teria
dado asas a elas? Por outro lado, isto faz sentido dentro da perspectiva da seleção natural. A
avestruz, provavelmente, descende de espécies que podiam voar. A avestruz desenvolveu per-
nas mais fortes, que tornaram desnecessária a capacidade de voar. Embora as asas não exer-
çam o mesmo papel que antes, talvez elas ainda sejam úteis ou, pelo menos, não prejudiciais,
então elas não evoluíram mais. Da mesma maneira, os pinguins não usam suas asas para voar,
mas agora usam para locomoção aquática. Embora elas funcionem bem para a tarefa, se um
designer criou os pinguins do zero, é possível indagar por que, então, não foi projetado com
escamas ou algo mais diretamente envolvido para a locomoção aquática. Da mesma forma, o
apêndice humano é um órgão vestigial – não é necessário, mas as pessoas o têm porque, no
passado, tal órgão possivelmente exerceu um papel fundamental para uma espécie ancestral.
Esstas questões são compatíveis com a teoria evolutiva, mas não com o criacionismo.
Discussão
Conduza uma discussão sobre se a teoria da evolução é uma explicação melhor da ordem
na natureza do que haver um designer inteligentede. Essas teorias poderiam ser mescladas?
Poderia um designer inteligente ter regido a evolução? A navalha de Occam (simplicidade) cor-
robora que a evolução natural foi guiada por um designer?
Prática/dever de casa
Peça aos estudantes que leiam o trecho A Revolta da obra Os Irmãos Karamazov, de Dos-
toevsky, disponível em: < http://aneste.org/os-irmos-karamazov.html?page=16>.
© ÉTICA 39
DIA 10
2 ––SUBJETIVISMO
O PROBLEMA DO
E EGOÍSMO
MAL
Conteúdo: Método:
1. O
Subjetivismo
mal no mundo
ético 1. Discussão
Diálogos, discussão
(15 minutos)
(35 minutos)
2. O
Egoísmo
problema
psicológico
do mal 3. Aula Expositiva
2. e discussão(10
(15minutos)
minutos)
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Que os alunos sejam capazes de distinguir entre as duas versões do problema do mal.
1. O MAL NO MUNDO
Espera-se que os Os alunos já tenhamdeveriam ter lido o capítulo “Rebelião” do livro Os Ir-
mãos Karamázov, de Dostoiévski. Nesse trecho, a morte de uma criança inocente é vista como
uma objeção à bondade de Deus e, portanto, à existência do Deus teísta tradicional. Agora,
ofereça aos alunos alguns exemplos da vida real de coisas horríveis que também aconteceram.
Se você puoder, use exemplos que os alunos estejam familiarizados, talvez acontecimentos
locais ou algum acontecimento atual. Uma criança que perece em um incêndio ou um acidente
de carro pode ser um exemplo convincente. Senão, você pode usar algo como o tsunami no
Oceano Índico em 2004 ou o Furacão Catrina. O texto de Rauhut tem um bom exemplo de um
terremoto em Lisboa que ocorreu em um feriado cristão, matando muitos crentes devotos. O
exemplo está na página 185. Pergunte aos alunos qual é o efeito que esses tipos de eventos
têm sobre eles quando consideram a possibilidade da existência de Deus. Pergunte aos alunos
o que eles fariam se fossem confrontados com o problema contido no penúltimo parágrafo do
trecho de Dostoiévski. Importa se o bebê alcançaria, eventualmente, a felicidade? Em vez dis-
so, importa se alguém se ofereceu para ser torturado para ocasionar a situação? Poderiam, de
algum modo, os exemplos que você ofereceu não serem verdadeiramente maus? Depois que a
discussão atingir um ponto razoável, diga aos alunos que você quer considerar um argumento
contra a existência de Deus, conhecido como o problema do mal, em um sentido mais formal.
No final desta lição, você pode retomar essa discussão, se restar tempo. Como você vai divi-
dir o tempo entre as duas [discussões] (](ou se você realizar uma ou duas discussões),) vai
depender de onde, na discussão, você vai querer pausar para passar pelos detalhes formais
do argumento. Obviamente, como professor você pode apenas considerar isso como um ob-
servador.
40 PLANO DE AULA
2. O PROBLEMA DO MAL
Nas discussões informais sobre a fé teísta (como aquela acima!), uma das razões mais co-
muns quepara os não crentes dão para não acreditar é citar algum evento terrível ou a exis-
tência geral do mal no mundo. Por exemplo, alguém pode dizer que não consegue acreditar
em um Deus que permita que tanta gente inocente morra em um tsunami na Indonésia, ou no
119 de setembro [ataque terrorista], ou pode contar uma história mais pessoal, de um amigo
ou parente virtuoso cuja a vida foi, sem explicações e tragicamente, encurtada. “O problema
do mal” é o nome formal para esste argumento.
O problema do mal, como a maioria dos argumentos a favor ou contra a existência de Deus,
começa com o conceito de Deus. Voltando à nossa primeira lição desta unidade, notamos que
a concepção teísta tradicional é geralmente considerada como um Deus onipotente, oniscien-
te e onibenevolente. No entanto, certamente, parece que existe maldade – dor, sofrimento
etc. – no mundo. Se Deus fosseé onibenevolente, ele não iria querer que existisse apenas a
bondade no mundo? E, se Deus é onisciente e onipotente, Deus não saberia que o mal existe
e não seria capaz de eliminá-lo? Vamos, em breve, apresentar algumas distinções e esclarecer
os detalhes das diferentes versões, mas a essência do problema do mal é, basicamente, essta
aparente contradição entre Deus ser onipotente, onisciente, moralmente perfeito, e o mal no
mundo, que pode ser resumido neste argumento (do artigo de Michael Tooley na Enciclopédia
de Filosofia de Stanford):
4. Se Deus é moralmente perfeito, então Deus tem a vontade de eliminar todo o mal.
5. O mal existe.
6. Se o mal existe, então, ou Deus não tem poder para eliminá-lo, ou não sabe que ele
existe, ou não tem a vontade de eliminar todo o mal.
Na verdade, existem dois principais tipos de argumentos que podem ser feitos no que con-
cerne ao problema do mal.
O problema do mal pode ser formulado como um argumento puramente dedutivo, que tenta
mostrar que a existência do mal no mundo é logicamente incompatível com a existência de
Deus. Esta é uma abordagem ambiciosa, na medida em que pretende estabelecer a afirmação
muito forte de que é logicamente impossível que exista, ao mesmo tempo, o mal no mundo e
Deus. Como parece que há muita maldade no mundo, a conclusão é que Deus não existe. O
argumento apresentado acima é um exemplo desste tipo de argumento. Essta forma do ar-
gumento depende, fundamentalmente, da premissa de que, se Deus é moralmente perfeito,
então tem a vontade de eliminar todo o mal (premissa 4 do argumento acima). Como veremos
quando discutirmos as respostas ao problema do mal, existem bastantes debatesexiste bas-
tante debate que podemos fazer sobre essa premissa. Algumas pessoas afirmam que podem
existir razões pelas quais Deus permita algum mal no mundo, por exemplo, para criar a possi-
bilidade de livre arbítrio ou para produzir algum bem maior, não possível sem a existência de
algum mal. Outros, é claro, acham isto implausível ou que apela inadequadamente ao mistério
ou à ignorância e, consequentemente, foge do assunto.
© ÉTICA 41
4. O PROBLEMA PROBATÓRIO DO MAL
Em vez da versão dedutiva que estamos analisando até agora, o problema do mal pode,
em vez disso, ser formulado como um argumento de prova – isto é, um argumento indutivo/
probabilístico de que existem maldades que tornam improvável que Deus exista. Esta é uma
afirmação mais modesta do que tentar mostrar que a existência de Deus é logicamente im-
possível existir o mal e Deus, ao mesmo tempo. No entanto, se bem-sucedido, ainda levaria o
teísmo a uma dúvida grave. Aqui, algo como a premissa 4 é desnecessário. Ao em vez disso,
alguém pode citar algumas formas específicas e concretas de maldade que sãoé intrinseca-
mente másmal, e que as mesmas poderiam ser evitadas (por um ser onipotente) sem causar
um mal igual ou maior, ou que impeça um bem igual ou maior. Podem ser exemplos situações
em que animais morrem agonizando em um incêndio florestal ou um bebê sofrendo uma morte
dolorosa e lenta por causa de um câncer. Aqui está um exemplo formal desse tipo de forma
evidencial do problema do mal (também do artigo de Tooley para a Enciclopédia de Filosofia
de Stanford):
2. Para qualquer situação (que seja real), a existência de tais situações indica que não são
evitadasé evitada por ninguém.
4. Logo:
7. Logo:
Aqui, a premissa crucial é a primeira (eEla desempenha um papel análogo nesste argumen-
to, que a quarta premissa fez no problema lógico do mal). Podemos provar que existem situa-
ções com tais propriedades – que são descritasé descrita nas partes (a) e (b) da premissa?
Para provar dedutivamente, seria necessário conhecer a totalidade do que existe para conhecer
as propriedades morais. Em outras palavras, nós precisaríamos ser capazes de avaliar não
só se tais situações são intrinsecamente más, mas, mais notavelmente, também ser capazes
de julgar se não existem males maiores que poderiam ser evitados à custa de permitir tais
situações, e se permitir tais situações traria bens maiores, que superassem o mal. Ou, para
falar mais abertamente, precisamos ter uma teoria ética globalizante, completa e correta, com
a qual pudéssemos deduzir as respostas para essas questões. Algumas pessoas pensam que
temos uma teoria da ética, mas essa afirmação é altamente controversa. Portanto, pelo menos
não está claro que podemos deduzir a premissa. Se pudéssemos deduzi-lo, esste argumento
tornar-se-ia uma espécie de versão mais concreta do problema lógico do mal; em vez de partir
da existência abstrata e geral do mal, dependeria de instâncias específicas e concretas do mal.
Mas apresentamos essta versão do argumento como o problema evidencial do mal. Isso
porque parece que precisamos sustentar a primeira premissa de forma indutiva (ou pelo me-
nos não dedutiva), em vez de dedutivamente. Por isso, obtemos resultante problema proba-
tório do mal (em vez de lógico). É não dedutivo porque estamos dizendo, essencialmente,
que o tipo de mal concreto descrito na primeira premissa provavelmente não leva a um bem
maior, que o supera e, provavelmente, não é necessário evitar outra alternativa, ainda mais a
alternativa do mal. Muito provavelmente, é maul o que é apenas ruim, e que pensamos que
42 PLANO DE AULA
um Deus onisciente, onipotente, e moralmente perfeito impediria. Então, uma vez que o mal,
provavelmente, está no mundo não para um propóosito maior, provavelmente não existe o
Deus teísta, pois, caso contrário, tal Deus o impediria. A natureza probabilística e não dedutiva
desste argumento vem de como sustentamos a primeira premissa – pensamos que é provavel-
mente o caso, não que seja um fato definitivo.
Uma vez que você introduziu formalmente o problema do mal e explicou a versão lóogica e
probatória dele, com o tempo restante, você pode voltar a ter uma discussão de turma sobre
isso. Pergunte aos alunos se tais argumentos são convincentes. Quais respostas podem ser
necessárias? São necessárias outras respostas para as duas versões do argumento? Quais
coisas eles viram no mundo que os fazem duvidar que existe um Deus onibenevolente guiando
os eventos?
Dever de casa
Ler “Mal e onipotência”, de J. L. Mackie, da obra de Bonjour e Baker, p. 683-690. Disónível em:
<https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=5_JD1_TJX88C&oi=fnd&pg=PA8&d-
q=bonjour+baker+filosofia&ots=v-FglwaqS4&sig=h5WrAKiPdu7psRFFGc4O9TbEheM#v=one-
page&q=bonjour%20baker%20filosofia&f=false>.
© ÉTICA 43
DIA 11
2 ––SUBJETIVISMO
RESPOSTAS AOE PROBLEMA
EGOÍSMO DO MAL
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
5. O mal existe.
6. Se o mal existe e Deus existe, então, Deus não tem o poder de eliminar todo o mal, ou
não sabe quando o mal existe, ou não tem o desejo de eliminar todo o mal.
A. Reflexão (5 minutos)
Peça a elesaos alunos que pensem e escrevam respostas breves às seguintes questões:
• Todas as premissas são verdadeiras? Iniciando premissa por premissa, avalie se é clara-
mente verdade, claramente falso ou não é claro. (Sugestão: a primeira premissa apenas
especifica que estamos considerando um deus clássico-teísta para os propósitos desste
argumento. Suponha que seja verdade).
• Se você acha que um ou mais pode ser falso, por quê? O que o faria (possivelmente)
falso?
• Como um ateu responde para tentar defender a premissa? Essa defesa funciona?
44 PLANO DE AULA
B. Em pares (5 minutos)
Emparelhe alunos e peça-lhes para discutir suas respostas na parte A com seus parceiros.
Dirija uma discussão sobre o argumento. Como um grupo, você deve determinar o seguin-
te: a primeira premissa é verdadeira por padrão, porque elae apenas especifica que estamos
considerando um Ddeus clássico-teísta para que esse argumento funcione – ou seja, estamos
fazendo um argumento dependente das propriedades de um Deus clássico-teísta. As premis-
sas segunda e terceira são verdadeiras por definição (dos termos “onipotente” e “onisciente”).
A quinta premissa parece claramente verdadeira pela observação do mundo. A sexta premissa
é verdadeira basicamente por enumeração de possibilidades. O elo fraco é a quarta premissa.
A quarta premissa pode ser falsa porque esse mal pode ser necessário para criar um bem de
nível superior. Por exemplo, talvez alguém esteja sofrendo com alguma dor, mas isso levará a
um conhecido a ajudá-la – talvez recebendo algum remédio e cuidando dela – o que, por sua
vez, leva a uma longa e gratificante amizade. Um ateu pode objetar que certamente a ami-
zade poderia ter se desenvolvido sem o sofrimento. Em resposta, um teísta pode argumentar
que, embora estse possa ser o caso para essta situação, no entanto, parece que seria difícil
pensar que todos os bens de ordem superior poderiam surgir sem a existência de algum mal.
Por exemplo, a coragem parece que poderia surgir apenas se houver a ameaça real de ser
machucada ou ferida. E como a compaixão pode surgir sem sofrer? Um ateu pode contrariar
que não sabemos realmente qual é o melhor geral, e os bens de ordem superior podem não
ser melhores do que a ausência de maldade e sofrimento. Mas, neste momento, parece que o
teísta criou, pelo menos, dúvidas sobre se devemos aceitar a quarta premissa.
Alguns teóricos argumentaram ainda que a existência do mal é necessária para um bem de
ordem superior particular: o livre arbítrio. A defesa da vontade livre tenta transformar o pro-
blema lógico do mal em sua cabeça ao mostrar que existem razões positivas para pensar que a
existência do mal é logicamente compatível com a existência de Deus. A ideia é que mesmo um
Deus onipotente não teria controle total sobre pessoas genuinamente livres. Como Deus deu
aos seres humanos o poder de agir livremente, e, às vezes, as pessoas agem de formas que
infligem sofrimento e maldade, Deus deve permitir o mal. Parece impossível para um mundo
com seres livres não conter nenhum mal. Alguns argumentaram em resposta que, mesmo que
Deus tenha dado às pessoas livre vontade, ele ainda poderia evitar a existência do mal. Uma
vez que Deus pode prever o que as pessoas vão fazer, ele pode fazê-lo de tal forma que ape-
nas as pessoas que fazem as escolhas corretas podem atuar em sua liberdade. Outros ficariam
incapazes de realizar seus atos malignos. Por isso, haveria vontade livre, mas o mundo ficaria
livre de sofrimento real. Claro, pode-se afirmar que não está claro se isso é realmente um livre
arbítrio. E então os argumentos continuam.
Dada a dificuldade de defender a afirmação de que Deus deseja eliminar todo o mal, a
maioria dos filósofos considera o problema evidencial do mal como a versão mais forte. As res-
postas ao problema evidencial do mal podem ser divididas em três grandes categorias: refutas
totais, defesas e teodicias. Para entender esses diferentes tipos de respostas, podemos notar
que o problema evidencial do mal, essencialmente, acaba sugerindo duas coisas por sua vez:
que, antes de tudo, há fatos sobre o mal no mundo que fazem com que prima facie (à primei-
ra vista) pareça irracional. Para acreditar em Deus; e em segundo lugar, quando colocamos
esses fatos em conjunto com todas as outras coisas, justificamos-nos acreditar, a crença na
existência de Deus ainda parece injustificada em relação a todas as evidências disponíveis. Em
outras palavras, a primeira parte é que parece haver um mal desnecessário que nos faz pensar
© ÉTICA 45
que Deus não existe. Mas, então, devemos considerar se, por exemplo, todo o mal do mundo
realmente existe para produzir mercadorias de ordem superior. A segunda parte do problema
evidencial do mal é o argumento de que pelo menos algum sofrimento e mal parece ser inútil,
e a totalidade da evidência ainda sugere que Deus não existe. As respostas podem tentar pre-
judicar uma ou ambas as reivindicações.
a) Refutações totais: são tentativas de refutar que os fatos sobre o mal no mundo fa-
zem,tornam, até mesmo à primeira vista, irracional, razoável não razoável acreditar
em Deus.
b) Defensas: são tentativas de mostrar queisso, enquanto que os fatos sobre o mal no
mundo tornam razoaávelmente irracional acreditar em Deus, ainda é razoável acre-
ditar em Deus quando todas as coisas são consideradas. Aqui, é preciso propor uma
história plausível e logicamente consistente em que Deus e o mal existem de forma
compatível, uma história que, «para todos nós sabemos», pode ser verdade.
2. Refutações totais: há pelo menos três maneiras principais de como os teístas tentaram
negar que o mal, mesmo que prima facie, faz a crença em Deus não razoável.
b) A defesa do “não melhor mundo possível”: isso é um apelo para que não haja
um dos melhores mundos possíveis. Se imaginarmos todas as formas como o mundo
poderia ser, e uma maneira é melhor do que todo o resto, então Deus teria motivos
suficientes para escolher essa. De fato, se Deus é moralmente perfeito, Deus teria que
fazer o mundo desse jeito. Presumivelmente, esse seria um mundo com a quantidade
mínima de maldade, ou pelo menos o bem mais geral. Mas se, para todo mundo pos-
sível, por bom que seja, há um melhor, então Deus não pode escolher o melhor mundo
possível (uma vez que não existe um) e, portanto, o fato de que o mundo real poderia
ser melhorado não nos dá motivos para pensar que um ser onisciente e onipotente
ainda não poderia ser moralmente perfeito.
3. A resposta padrão a esse argumento é que o problema evidencial do mal não se propõe
a saber se este mundo poderia ser melhorado ou se há o melhor de todos os mundos
possíveis. O problema simplesmente depende de que haja boas razões para pensar
que existe o mal, como o sofrimento, que, em todas as coisas consideradas, parece ser
moralmente errado que um ser onisciente e onipotente permita. Se é possível que haja
mundos melhores e melhores sem limites, é simplesmente irrelevante.
46 PLANO DE AULA
a) Apelar para o argumento ontológico: se o argumento ontológico é válido, isso nos
obriga a aceitar que Deus necessariamente existe. Então, a probabilidade de obtermos
do problema de prova não dedutivo do mal para a conclusão de que Deus provavel-
mente não existe deve diminuir para zero; basicamente, um argumento dedutivo váli-
do supera um argumento não dedutivo na direção oposta, por razões óbvias. Note-se
que apenas o argumento ontológico, de todos os argumentos para a existência de
Deus, poderia fazer isso, porque é o único dos argumentos para a existência de Deus
que é dedutivo (é a priori em vez de a posteriori). No entanto, a maioria dos filósofos
conclui que o argumento ontológico não é válido. Veja as lições anteriores sobre o
argumento ontológico para obter mais informações.
4. Defesas: há várias maneiras pelas quais alguém pode oferecer uma defesa. Um exemplo
é apelar para evidências positivas para a existência de Deus. Aqui, a ideia é que, à medida
que equilibramos a evidência positiva dos argumentos tradicionais para a existência de
Deus, como os argumentos cosmológicos e teleológicos, pode-se superar a evidência
negativa da aparente existência do mal injustificado. Mas isso não parece muito promissor.
Considere o argumento cosmológico. Na lição sobre esse tópico, observamos que, mesmo
que fosse bem-sucedida, aparentemente mostraria apenas que há um motor imóvel
ou a primeira causa ou a primeira coisa necessária. Não parece capaz de estabelecer
uma conclusão sobre o caráter moral da primeira causa/coisa necessária, mas sozinha,
uma reivindicação tão forte como a de que o ser em questão é moralmente perfeito. Na
ausência disso, mesmo que o argumento fosse sólido, não poderia prejudicar o problema
evidencial do mal. O problema evidencial do mal sugere que é muito improvável que haja
um ser moralmente perfeito e, portanto, é muito improvável que o Deus clássico-teísta
exista. Argumentar que existe uma primeira causa/coisa necessária não nos leva a lugar
nenhum em termos de substituição enquanto equilibramos os argumentos concorrentes.
Da mesma forma, o argumento teleológico tenta estabelecer a existência de um designer
ou criador do mundo. Mas a mistura do bem e do mal que observamos no mundo não
parece apoiar a afirmação de que o designer é muito bom, mas sozinho, moralmente
perfeito. Portanto, é incapaz de superar o problema evidencial do mal.
5. Teodiceias: existem muitas teorias que foram propostas para descrever completamente
todas as abordagens gerais. No entanto, alguns tipos importantes incluem aqueles que
apelam para o desenvolvimento de traços de caráter desejáveis em face do sofrimento, o
valor do livre arbítrio e o valor de um mundo regido por leis naturais. Por exemplo, um tipo
de teodiceia centra-se na ideia de que, enfrentando o mundo maligno, as pessoas, através
de suas escolhas livres, sofrem um crescimento espiritual que desenvolve suas almas e
as torna aptas para a comunhão com Deus. A superação das tentações é uma conquista
moral. Ao fazer escolhas corretas em situações concretas, as pessoas alcançam a bondade
em um sentido mais rico que simplesmente sendo criado inocente ou virtuoso. Há muitas
razões para pensar que essa teodiceia é insatisfatória. Primeiro, por que devemos pensar
que o sofrimento horrível, como o infligido a pessoas no holocausto ou que resulta de
câncer, é necessário para o crescimento espiritual? E, em caso afirmativo, não deve esse
sofrimento tão extremo cair geralmente sobre aqueles que precisam do crescimento mais
espiritual do que os de bom caráter moral? Não parece haver um padrão desse tipo. Em
segundo lugar, essa teodiceia não fornece nenhum motivo para o sofrimento dos animais
ou para essa questão para a necessidade de predação. Em terceiro lugar, essa teodiceia
não parece explicar o sofrimento de crianças inocentes e jovens. Finalmente, no geral, não
parece que nosso mundo seja o que poderíamos considerar como o objetivo de realizar
um bom trabalho de fazer almas. Muitas pessoas morrem jovens, antes de terem tido a
chance de resistir à tentação ou desenvolverem a moral; algumas pessoas vivem vidas de
luxo que não parecem exigir que elas se desenvolvam moralmente; e ainda outros sofrem
tanto que eles não parecem ter a oportunidade de desenvolver traços morais envolvidos
em relacionamentos com outros.
Outro tipo de teodiceia apela ao livre arbítrio. Aqui, a ideia é que o livre arbítrio é valioso e,
por isso, Deus criou um mundo em que as pessoas possuem livre arbítrio, mesmo que possam
abusá-lo. Mesmo que as pessoas abusem, esse mundo é melhor do que aquele em que as
pessoas não têm vontade. Mais uma vez, há muitas dificuldades com essa teodiceia. Embora a
vontade livre seja valiosa, isso não significa que não se deve intervir para bloquear o exercício
do livre arbítrio. É consensual que devemos evitar uma possível violação ou assassinato. Por
que Deus não permitiria que as pessoas escolhessem e, então, as impediria de completar o ato?
Além disso, o fato de o livre arbítrio ser valioso não significa que seja bom para as pessoas ter
a capacidade de causar grandes danos aos outros. Poderíamos imaginar pessoas com liberdade
© ÉTICA 47
de vontade, mas não o poder de torturar outros. Finalmente, essa teodiceia não parece capaz
de explicar o mal que ocorre por desastres naturais. Há terremotos, tsunamis, furacões etc.
que introduzem o mal no mundo. Como esse mal pode ser atribuído ao livre arbítrio humano?
Ainda, outro tipo de teodiceia apela ao valor das leis naturais. Um mundo que é regular é
bom porque permite uma ação efetiva. A regularidade vem das leis naturais. Então, mesmo
que as leis naturais introduzam o mal, um mundo com leis naturais é melhor que um sem.
O que é o mundo depende não apenas das leis naturais, mas também das condições iniciais
do que era o mundo quando as leis começaram a funcionar. Por que as condições iniciais não
poderiam ser configuradas para evitar o mal? Ainda haveria regularidade, mas nenhum mal.
Além disso, o mundo é dependente não só de leis, mas de sua natureza precisa. Por que não
poderia um ser onipotente estabelecer as leis da física como elas são, mas ajustar as leis que
ligam as experiências aos nossos estados neurofisiológicos, de modo que a dor muito intensa
não é sentida? Finalmente, ao contrário da última teodiceia, enquanto essa teodiceia oferece
uma descrição do mal natural, não parece capaz de explicar o mal moral. Se outra teodiceia
pudesse complementar esta naquela contagem, isso poderia ser promissor, mas, como já vi-
mos, os que exploramos parecem problemáticos.
Discussão
Com qualquer tempo restante, conduza uma discussão sobre as respostas ao problema
evidencial do mal.
Assistência ao caso
48 PLANO DE AULA
DIA 2
12––SUBJETIVISMO
FÉ E RACIONALIDADE
E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. Teoria
Subjetivismo
do jogoético
e valor esperado 1. Atividade
Diálogos, discussão
(20 minutos)
(35 minutos)
2. Aposta
Egoísmodepsicológico
Pascal 3. Palestra
2. Aula e discussão
(10 minutos)
(15 minutos)
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é entender a Aposta de Pascal, que argumenta que devemos acreditar
em Deus por razões prudenciais – acreditar leva a um resultado esperado melhor em média
do que não acreditar. Algumas objeções básicas serão consideradas.
Objetivos e conceitos-chave
Divida os estudantes em grupos de três para jogar o jogo como no videoclipe. Prepare com
antecedência algum tipo de bolas ou discos “dividir” e “roubar”. Podem ser fichas de poker
plásticas com a palavra apropriada pintada ou gravada de um lado, ou qualquer item criativo
que você gostaria de fazer. Para cada grupo, duas pessoas jogam uma contra a outra enquanto
o terceiro atua como anfitrião, dizendo aos “concorrentes” quando revelar suas escolhas. Os
concorrentes podem apenas ter ambos os discos virados para baixo, mover um para a frente
e, em seguida, virar-lo quando solicitado pelo host. Para torná-lo mais divertido, você pode
usar fichas como “dinheiro” para distribuir aos vencedores. Peça aos grupos que façam uma
rotação dos papéis e repita o processo várias vezes para que todos possam testar diferentes
estratégias.
Traga toda a classe de volta. Pergunte o que aprenderam. Em particular, o que os alunos
pensam é a melhor estratégia e por quê?
Explique que podemos analisar estratégias observando todas as possíveis escolhas e vendo
quais resultados são possíveis. Em outras palavras, podemos escrever uma matriz de paga-
mento ou matriz de decisão para o jogo:
1
Nota do tradutor: Não conseguimos nenhum link do programa sugerido ou similar que tivesse a mesma abordagem. Como ele trata da teoria da
teoria dos jogos: https://www.youtube.com/watch?v=nq_0Km_9Slw
© ÉTICA 49
Concorrente B
Dividir Roubar
Podemos até imaginar o valor esperado das diferentes decisões, desde que possamos atri-
buir uma probabilidade de como o concorrente B atuará. Não sabendo nada sobre as inclinações
do competidor B, parece razoável supor que ele dividirá ½ do tempo e roubará ½ do tempo.
Então, se o competidor A roubar, ½ do tempo ele ganhará £ 100k e ½ do tempo ele ganhará
£ 0. Então, o competidor A deve ganhar ½ (£ 100k) + ½ (£ 0) = £ 50k + £ 0 = £ 50k. Se o
competidor A dividir, ganhará £ 50k, metade do tempo que o competidor B divide e £ 0, ½ do
tempo que o competidor B rouba. Então, o competidor A ganhará ½ (£ 50k) + ½ (£ 0) = £ 25k
+ £ 0 = £ 25k. Desde que £ 50k> £ 25k, roubar é a decisão mais lucrativa. (Se sabemos que
o concorrente B terá probabilidades diferentes para as duas ações, então obteremos valores
esperados diferentes, mas a maneira de calcular os valores esperados permanece a mesma).
2. A APOSTA DE PASCAL
Diga aos alunos que agora queremos tomar uma decisão sobre acreditar em Deus. Divida-os
em pequenos grupos e peça a cada grupo que tente resolver a matriz de decisão e encontrar a
“melhor estratégia” para essa decisão (lembre-os de que agora temos apenas um competidor
em vez de dois, então haverá apenas um resultado em cada quadrado – pode ser preciso dar
algumas dicas sobre como configurar as coisas para se certificar de que eles estão no caminho
certo). Especificamente:
• Quais são os valores esperados para cada escolha? Os valores exatos não são necessá-
rios, apenas começando uma ideia de classificar o que é melhor e o que é pior. (Peça-lhes
que pensem sobre quais as probabilidades de cada resultado, mas também se isso impor-
ta e, se não, por que não).
• Qual é a melhor “estratégia”, ou seja, qual é a decisão que a teoria dos jogos nos diz que
devemos tomar?
50 PLANO DE AULA
Peça a cada grupo que coloque sua matriz de recompensa e apresente os valores esperados
(ou pedidos) no quadro, juntamente com qual estratégia (decisão) concluiu o grupo. Dirija uma
discussão sobre o que eles apresentam e o que este exercício nos ensina. Idealmente, a matriz
de recompensa deve ser assim:
Caso real
a) Acredita e Deus existe: a felicidade eterna é infinitamente boa, então, qualquer que
seja a probabilidade, p, de Deus existir, o valor esperado é o infinito, que é o infinito!
b) Acredita e Deus não existe: este é negativo, porque obtemos um resultado ruim
(perda de tempo), pequeno e finito, então, independentemente da probabilidade de
Deus não existir (o que é 1 p, se A probabilidade de que Deus existe é p, uma vez que
a probabilidade total deve somar para 1), o valor esperado será um número pequeno,
finito e negativo.
d) Não acredita e Deus não existe: você obtém um resultado positivo pequeno e fini-
to. Portanto, o valor esperado será, por sua vez, positivo, mas finito.
Este (tipo de) é o argumento da aposta de Pascal. Para ser preciso, Pascal realmente consi-
derou apenas a escolha de acreditar (a linha superior da matriz). Ele argumentou que, se Deus
existe, obtemos um resultado infinitamente bom, mas, se Deus não existe, perdemos apenas
uma pequena quantia finita. Então, no equilíbrio, acreditar é, de forma esmagadora, uma boa
decisão. (Ele não tentou “assustar” as pessoas considerando o castigo por não acreditar e es-
tar errado). Independentemente disso, o ponto permanece o mesmo: devemos acreditar em
Deus, porque em equilíbrio nos dá os melhores resultados.
Uma resposta comum à aposta de Pascal é esta. Mesmo que você aceite o argumento de
que está no seu (mais prudencial) melhor interesse acreditar em Deus, isso não faz com que
© ÉTICA 51
você realmente acredite. A crença geralmente não está sob nosso controle voluntário. Por
exemplo, suponha que estou fazendo um exame e penso que, se eu acreditar que vou fazer
bem, vou relaxar e fazer melhor. Infelizmente, não é provável que eu possa me forçar a ter
confiança, especialmente se eu não tiver tido êxito nesse assunto anteriormente – embora eu
aceite essa crença, fazer bem é o meu melhor interesse.
Pascal teve uma resposta a essa crítica. Ele sugeriu, em certo sentido, que as pessoas de-
veriam fingir até desenvolver a crença. Em outras palavras, se você aceita que é do seu me-
lhor interesse acreditar, mas ainda não acredita na existência de Deus, você deve ir à igreja,
participar de serviços etc. Ao passar pelos movimentos, Pascal argumenta que as pessoas vão
condicionar elas próprias e se habituar à vida religiosa, tornando provável que a crença comece
a se enraizar.
Questão de discussão: a resposta de Pascal a essa objeção parece razoável? Parece plausí-
vel que “passar pelos movimentos” gerará crença?
A maioria das pessoas pensam que, pelo menos quando se trata de religiões judaico-cristãs
tradicionais, a crença não deve ser para ganhos pessoais. A aposta de Pascal é um argumento
que apresenta como motivo de crença que o crente se beneficiará pessoalmente – é a estraté-
gia que leva ao maior valor esperado.
Isso é conhecido como a objeção de muitos deuses. Digamos que você está convencido por
Pascal e quer acreditar em Deus. Então parece que você ainda precisa escolher qual religião
adotar. A aposta de Pascal requer que o Deus em questão prometa entregar a vida eterna aos
crentes e não aos não crentes. Há muitos conceitos de um deus que se encaixam nesse requi-
sito: as versões podem ser apresentadas não apenas para um deus cristão, um deus judeu, um
deus muçulmano, um deus hindu etc., mas para infinitas descrições possíveis de Deus. Essa
situação não é apenas perturbadora, porque deixa uma pergunta sobre quais rituais religiosos
podem participar, mas realmente detém o potencial de minar o argumento. Lembre-se de que
um crente só ganha a recompensa da vida eterna se acreditar no Deus correto – aquele que
realmente existe. Se um número infinito de versões da aposta de Pascal pode ser feito, cada
um apoiando uma descrição diferente de Deus, então o valor esperado de acreditar em qual-
quer um deles se torna muito pequeno. O valor esperado é o valor desse resultado multiplicado
pela probabilidade de que esse resultado aconteça. Se houver infinitos (ou quase infinitamen-
te) muitos deuses possíveis, então a probabilidade de você selecionar a certa para acreditar se
torna infinitamente menor, tornando o valor esperado bastante pequeno também.
Pergunta de discussão: o que Pascal pode dizer em resposta à objeção de muitos deuses?
Existe alguma saída para essa objeção?
Prática/dever de casa
Leia o texto sobre as ideias de W. K. Clifford e William James. Disponível em: <https://re-
vistas.pucsp.br/index.php/cognitio/article/viewFile/12749/13248>.
52 PLANO DE AULA
DIA 13
2 ––SUBJETIVISMO
A ÉTICA DA CRENÇA
E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. A
Subjetivismo
parábola doético
dono do navio 1. Discussão
Diálogos, discussão
(*minutos)
(35 minutos)
2. Julgamento
Egoísmo psicológico
simulado (opcional) 3. Atividade
2. Aula e discussão
(*minutos)
(15 minutos)
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é compreender a ética da crença. Clifford argumenta que a crença sem
uma boa razão não é apenas errônea, mas na verdade é imoral. Isso traz a questão de como a
epistemologia e a teoria do valor estão relacionadas umas com as outras. Clifford também ins-
pirou muitas discussões sobre os requisitos para investigação e discurso intelectual virtuosos.
Objetivos e conceitos-chave
1. Discussão (5 minutos)
Suponha que alguns emigrantes querem reservar uma passagem para um navio. O dono do
navio está preocupado com a degradação do navio. Ele considera ter um engenheiro marítimo
para inspecioná-lo, mas convence-se de que estará bem – o navio fez a viagem muitas vezes
antes. A Providência vai proteger o navio. Ele realmente acredita que o navio vai completar
com sucesso a viagem, embora não tenha investigado a situação ou peritos consultados. Ele
lida com a viagem. O navio afunda e todos os emigrados perecem.
Pergunta de discussão
O proprietário do navio fez alguma coisa errada? Por que ou por que não? À medida que
a classe discute essa questão, tente fazer com que os alunos pensem se “errado” nesse caso
é uma noção moral ou epistêmica, ou ambas. (Em outras palavras, o dono do navio fez algo
© ÉTICA 53
moralmente errado – algo antiético – ou o proprietário do navio cometeu um erro, como aci-
dentalmente obtendo seus fatos incorretos, ou ambos).
Se você optar por fazer a simulação de julgamento, você precisará pedir por voluntários ou
atribuir papéis por dia ou vários dias de antecedência. No mínimo, deve haver um promotor,
um advogado de defesa, o proprietário do navio, um engenheiro marinho experiente e uma
ou duas testemunhas, que poderiam incluir talvez uma vítima de naufrágio sobrevivente ou
duas ou alguns observadores. Você também pode ter familiares das vítimas para testemunhar
sobre sua perda. Ainda pode fazer o restante da sala de jurado. Escreva alguns fatos para as
testemunhas/participantes ou apenas se reúna com eles e elabore uma história de fundo. Você
não precisa ser muito detalhado. A ideia-chave é que o promotor deve argumentar que o pro-
prietário do navio é culpado de negligência, enquanto o advogado da defesa argumenta que o
proprietário do navio, se confundido, não cometeu nada de corrompido. Este é basicamente um
veículo para ter um debate sobre a questão de discussão acima de uma forma mais elaborada
e ativa.
3. A ÉTICA DA CRENÇA
Considerando a parábola do dono do navio, Clifford diz que existem dois fatos:
2. O proprietário do navio agiu de forma negligente para permitir a viagem sem motivo para
a crença.
Clifford dá outro exemplo de difamação contra líderes religiosos, no qual os líderes são
falsamente acusados por pessoas que não investigaram o uso de meios injustos para ensinar
suas doutrinas a crianças. Ele diz que a reivindicação não é apenas que as crenças dos acusa-
dores são irracionais e injustificadas, nem que eles estavam errados em agir sobre elas, mas
que a própria retenção das crenças é imoral. (Em outras palavras, eles não estavam errados
em um sentido estritamente epistêmico – confundidos com fatos ou crenças –, mas estavam
errados em um sentido moral. Ele está fazendo uma ampla afirmação de que acreditar sem
motivo suficiente é errado de forma moral, desfocando epistemologia e teoria de valor. Daí o
título: a ética da crença.) Ele acrescenta que não mudaria nada se as acusações tivessem sido
bem-sucedidas. De novo, a verdade da crença não importa, a justificação faz.
Clifford considera uma óbvia objeção possível a sua afirmação: que não é a crença que é
julgada errada, mas a ação baseada na crença. Afinal, normalmente pensamos em ações como
sendo moralmente boas ou ruins, não como crenças. Clifford oferece várias respostas:
• Mesmo que alguém não aja em uma crença injustificada no curto prazo, é mais difícil im-
pedir que isso influencie outras crenças e eventualmente ações a longo prazo.
• Essas crenças influenciam outras pessoas e a cultura em geral, tanto em relação a essa
questão específica como em relação à prática geral de pesquisa.
54 PLANO DE AULA
• Uma vez que não é apenas o ato que influencia os outros, mas também a crença, temos
um dever universal para que outros sejam devidamente justificados, para questionar tudo
o que acreditamos.
• O mal que vem à sociedade não é meramente uma crença errada, mas essa sociedade
perde o hábito de testar as coisas.
Note-se que Clifford está preocupado com as consequências individuais e sociais de não ter
o devido respeito pela investigação intelectual. Sua afirmação de que temos um dever universal
para com os outros sermos adequadamente justificados, questionar tudo o que acreditamos,
é poderoso e deu origem a muita discussão sobre o valor do discurso intelectual apropriado.
Clifford conclui o seguinte: é errado sempre, em todos os lugares e para qualquer um, acre-
ditar em qualquer coisa com provas insuficientes (e sem um exame crítico adequado).
Ele diz que, se a alguém é ensinada uma crença na infância e evita-se, propositadamente,
questioná-la, a vida desse homem é um longo pecado contra a humanidade. Ele cita Milton ao
afirmar que, cristãos incondicionais, pecam se não investigam suas crenças. Curiosamente,
esta é a primeira alusão oblíqua que Clifford faz da crença religiosa. Mas claramente Clifford
tem uma crença religiosa em mente ao longo de tudo. Na verdade, embora ele nunca mencione
Pascal nem sua aposta, a ética da crença é uma crítica ao argumento da aposta. Clifford está
argumentando que não se deve acreditar, a menos que haja uma boa razão para pensar que a
crença provavelmente será verdade. Obviamente, Pascal sugeriu que as pessoas acreditassem
na existência de Deus por outros motivos – sem nunca dar motivos para pensar que é verdade
ou provavelmente é verdade que Deus existe, mas sim por razões prudenciais. Clifford está
dizendo que é imoral (negligente) acreditar por razões prudenciais (ou outras) ao invés de
razões epistêmicas. Nesse sentido, Clifford está defendendo a racionalidade (e a investigação
empírica) acima da emoção, fé e mesmo preocupações prudenciais quando necessárias para
justificar a crença.
Clifford continua a esclarecer que o inquérito não é um tipo de coisa única. Você não resolve
isso. Nunca se deve sufocar dúvidas, pois elas podem tanto ser respondidas de maneira hones-
ta, com um inquérito já feito, quanto por algo mais que prova que o inquérito não foi concluído.
Ele também responde àqueles que perguntam “E se você está muito ocupado para investigar?”.
Então, ele diz, você não tem tempo para acreditar!
Pergunta de discussão: e se houver problemas que façam uma diferença prática essencial
para a forma como agimos, mas não temos tempo nem capacidade de investigar da maneira
que Clifford exige? Poderia haver circunstâncias em que não é razoável reservar julgamento
até completar uma investigação?
Provavelmente, você fará esta discussão se você não fizer a simulação de julgamento. Dirija
uma discussão sobre o que significa ter investigação e discurso virtuosos. Quais são os requi-
sitos para justificar crenças? Temos um dever universal para que outros sejam devidamente
justificados, para questionar tudo o que acreditamos? O nosso discurso público atual está à
altura disso?
Dever de casa
Leia o texto sobre as ideias de W. K. Clifford e William James. Disponível em: <https://re-
vistas.pucsp.br/index.php/cognitio/article/viewFile/12749/13248>.
© ÉTICA 55
DIA 14
2 ––SUBJETIVISMO
A VONTADE DEEACREDITAR
EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. A
Subjetivismo
vontade de ético
acreditar 1. Palestra/discussão
Diálogos, discussão(15
(35minutos)
minutos)
2. Valores
Egoísmoepistemológicos
psicológico 3. Palestra/discussão
2. Aula e discussão (15
(15
minutos)
minutos)
Apresentação
Objetivos
1. A VONTADE DE ACREDITAR
A Vontade de Acreditar, de William James, é uma resposta direta à Ética da Crença, de Clif-
ford. James argumenta, basicamente, que existem situações nas quais simplesmente reservar
julgamento não é possível ou, pelo menos, não vale a pena. Nessas situações, pode ser ad-
missível e talvez até melhor acreditar. Em essência, como pragmático, James argumenta que
o objetivo epistemológico primário não deve evitar o erro, mas sim tentar ganhar a verdade
(com a verdade medida pelo sucesso prático).
James começa com algumas definições. Uma hipótese é qualquer coisa que possa ser pro-
posta a nossa crença – uma possível crença que possamos considerar, por assim dizer. Uma
opção é uma escolha entre duas hipóteses. James diz que as opções podem ser:
• Vivo ou morto: uma opção de vida é aquela em que ambas as hipóteses são vivas para a
pessoa que as considera, o que significa que elas podem realmente adotar porque fazem
algum apelo à crença da pessoa. Algumas hipóteses, obviamente, nem estariam em con-
sideração para algumas pessoas.
• Forçado ou evitável: uma opção forçada é aquela em que a pessoa deve tomar uma de-
cisão. Por exemplo, se tivermos a opção de sair com ou sem o seu guarda-chuva, você
pode evitar a opção completamente por não sair. Da mesma forma, você pode evitar amar
ou odiar alguém permanecendo indiferente. Por outro lado, quando confrontado com um
dilema lógico, por exemplo P ∨ ¬ P, não há possibilidade de não escolher.
56 PLANO DE AULA
James define uma opção genuína como uma que é viva, forçada e importante. Ele argu-
mentará que a opção de acreditar em Deus é uma opção genuína e que, no caso de opções
genuínas, é correto adotar uma crença, mesmo que haja risco de erro.
James reconhece que não podemos escolher acreditar apenas em qualquer coisa volunta-
riamente. Aqui ele comenta sobre a Aposta de Pascal. Se você se lembra, essa observação foi
uma das objeções à Aposta de Pascal que discutimos. Parece que a própria crença de Pascal em
Deus veio de alguma outra fonte (e não da Aposta), e o argumento da aposta é, na verdade,
um último esforço para convencer os não crentes! Afinal, a Aposta não leva a acreditar pelos
motivos certos – a divindade provavelmente quer negar a recompensa (de felicidade eterna)
a alguém que acredita apenas porque ele ou ela quer essa recompensa. Além disso, ele diz,
o argumento não funcionaria para alguém de uma tradição diferente, como um muçulmano,
porque a crença no cristianismo provavelmente não seria a vida dessa pessoa (assim como,
segundo ele, uma versão que apoia algum outro deus provavelmente não seja viva para um
cristão). James admite que falar de nossa fé por nossa vontade (e não por uma boa razão)
parece, de um ponto de vista, bobo ou mesmo imoral.
No entanto, James diz que a suposição de que tudo o que resta para gerar crenças é que a
razão pura é errada, de fato. Quase todas as nossas crenças resultam da nossa “natureza vo-
luntária”, isto é, fatores além de evidências: medo, esperança, preconceitos, pressões sociais,
influência etc. Isso parece inevitável, diz ele. [Discussão: é realmente inevitável? Mesmo que
seja, devemos nos esforçar para evitá-la ou abraçá-la voluntariamente?] Mesmo nossa crença
na própria verdade, ele afirma, é apenas um desejo apaixonado que apoiamos pelo nosso sis-
tema social. [Pergunta de discussão: o que significaria dizer que a verdade não existe? Isso é
inteligível?] Então, as crenças podem ser voluntárias e somente as reivindicações que não são
“vivas” não podem ser aceitas voluntariamente, conclui James. [Pergunta de discussão: James
combina as crenças voluntárias com as crenças que resultam dos “fatores passionais” que ele
descreveu. Em outras palavras, não poderia uma crença que provenha de fatores passionais
ser involuntária – não é realmente o mais provável?] Com essa luz, James diz que a Aposta de
Pascal é realmente um argumento, ele faz o acordo para aqueles que já estão passando deste
jeito.
Tendo reconhecido que as crenças parecem realmente resultar da nossa natureza passional,
ele pergunta se isso é errado e patológico ou normal. James diz que defenderá esse princípio:
Nossa natureza passional não só legalmente pode, mas deve decidir uma opção entre pro-
posições, sempre que se trata de uma opção genuína que, pela sua natureza, não pode ser
decidida por motivos intelectuais; para dizer, em tais circunstâncias, “Não decida, mas deixe a
questão aberta”, é em si uma decisão passional – como decidir entre sim ou não – e é acom-
panhada pelo mesmo risco de perder a verdade. [Pergunta de discussão: o que exatamente
significa esse princípio?].
2. VALORES EPISTÊMICOS
Estes não são os mesmos. Se conhecemos a verdade, evitamos o erro, mas se evitarmos a
falsidade, podemos cair em outras falsidades ou não acreditar em nada. Como pesamos essas
cores de forma diferente em nossas vidas intelectuais, Clifford nos exorta a evitar o erro, a
reservar julgamento se não houver provas suficientes para que não acreditemos em mentiras.
James sugere que as bênçãos do conhecimento real superam o risco; devemos estar prontos
para ser enganados muitas vezes nas investigações para que não adiem indefinidamente a
chance de adivinhar a verdade. James continua dizendo que esses sentimentos de nosso dever
sobre a verdade ou o erro são apenas expressões da nossa vida passional, ou seja, quão hor-
© ÉTICA 57
rível você sente que deve ser enganado?
James continua, como veremos, para esclarecer e defender sua posição. Mas nós atingimos
o ponto crucial. James está sugerindo algumas ideias muito poderosas. Por um lado, essa epis-
temologia é sobre não apenas fatos ou critérios objetivos para avaliação de reivindicações, mas
depende de valores (valores epistêmicos). Ele fornece dois valores principais para escolhermos
e apresenta a si e a Clifford como essencialmente escolhendo lados opostos. [Pergunta de dis-
cussão: poderia haver outros valores epistêmicos?] Nós tendemos a pensar na epistemologia
como fornecendo diretrizes para o que acreditar. Mas se James está certo sobre a existência de
valores na base da epistemologia, então, como devemos descobrir para qual acreditar? Parece
que podemos rapidamente entrar em um problema de regredir. James sugere que decidamos
com base em nossas paixões, que Clifford certamente não concordaria! [Pergunta de discus-
são: James está implorando a questão sugerindo que nossos sentimentos sejam usados para
escolher nossos valores epistêmicos? De que outra forma poderemos fazer isso?]
James continua a considerar como devemos equilibrar ganhando verdade e evitar erros,
porque é difícil fazer as duas coisas. James admite que devemos reservar julgamento se uma
opção não for importante. Nesses casos, obter a verdade não é tão gratificante, pois precisa-
mos arriscar acreditar em falsidades. Este é quase sempre o caso, diz ele, em questões cien-
tíficas, e também em assuntos humanos em geral, em que a necessidade de agir não é tão
urgente. Um tribunal de justiça, no entanto, seria o contrário. James pensa que com a ciência
as perguntas são opções triviais, as hipóteses são “dificilmente vivas” (pelo menos para es-
pectadores não científicos), e a escolha entre acreditar na verdade ou na falsidade é evitável.
[Pergunta de discussão: essa afirmação sobre ciência está realmente correta?]. Então, com a
ciência, o ideal é esperar, imparcial, para provas suficientes.
Com questões morais, porém, a solução não pode esperar por provas sensíveis. As pergun-
tas morais não são sobre o que existe, mas o que é bom ou seria bom se existisse; com ques-
tões morais, comparamos valores, enquanto a ciência nos diz o que existe. Existem verdades
morais? Em caso afirmativo, quais são verdadeiras? James diz que isso só pode ser respondido
por corações, pela paixão e não pelo intelecto. A questão de ter crenças morais ou não é deci-
dida por nossa vontade. [Pergunta de discussão: como, em contraste, Clifford provavelmente
tentaria responder a essas perguntas?] James continua dizendo que alguns fatos não podem
vir sem uma fé preliminar em sua vinda; a fé em um fato pode ajudar a criar o fato, por exem-
plo, uma equipe em que um tem fé no outro.
Na verdade dependente de nossa ação pessoal, então, a fé baseada no desejo é legal e pos-
sivelmente indispensável. Nossas ações podem afetar a verdade, e nossas crenças afetam a
forma como agimos; é assim que a fé em um fato pode ajudar a criar esse mesmo fato. Mas, e
a religião? James sugere que a ciência diz que as coisas são, moral que algumas coisas são me-
lhores do que outras. A religião diz duas coisas, de acordo com James: 1. As melhores coisas
são as coisas mais eternas; 2. Estamos melhor, mesmo agora, se acreditarmos #1. [Pergunta
de discussão: isso é realmente tudo o que a religião diz? Isso não parece muito escasso?]
Para aquelas pessoas que consideram a religião como uma opção ao vivo, é importante (nós
devemos ganhar com a crença e perder com a não crença um bem vital) e também forçado
(se resolvemos julgar, nós perdemos o bem, como se não acreditássemos). Os não fiéis dizem
que é melhor arriscar a perda da verdade do que o erro casual, de acordo com James, mas
a pessoa não fiel está apoiando o campo contra a hipótese religiosa, assim como um crente
apoia a hipótese religiosa versus o campo. O não crente diz que devemos ceder ao medo do
erro tão sábio do que ceder à esperança de que seja verdade. [Pergunta de discussão: observe
a retórica que James usa aqui, atribuindo medo e esperança para apoiar seu lado; isso parece
razoável?] James diz que não é intelecto contra todas as paixões, mas sim é intelecto com
uma paixão (medo) que estabelece sua lei – mas o ludíbrio através da esperança não é pior
do que o ludíbrio com medo, diz James. [Pergunta de discussão: existem realmente apenas
58 PLANO DE AULA
duas opções, aceitar a religião e ter a chance de um grande bem ou se recusar a aceitá-la e
perder essa chance? Isso soa como Pascal, mas não existem muitas opções, porque existem
muitos deuses e religiões possíveis?] Além disso, assim como uma pessoa que não confia em
outros se retira das valorizações sociais, aquele que não considera a religião uma opção viável
se privaria de interagir com um deus pessoal, como um membro da equipe que não confia em
colegas de equipe. [Pergunta de discussão: isto pede um questionamento? James não tem
onde se basear para progredir com alguém que não considera a crença em Deus uma opção
relevante?] James diz que uma regra de pensamento impediria absolutamente de reconhecer
(acreditar) certos tipos de verdade se esses tipos de verdade fossem regras irracionais, então
não devemos limitar-nos apenas ao intelecto. A liberdade de acreditar cobre apenas opções de
vida que o intelecto do indivíduo não pode, por si só, resolver. Nós temos que agir de qualquer
maneira, e a crença é medida pela ação, então a crença proibida também nos proíbe de agir
como deveríamos se acreditássemos que fosse verdade.
4. FÉ E RACIONALIDADE
Para resumir, James está dizendo que, para aquelas pessoas que consideram a religião como
uma opção relevante, ela é também crucial e forçada e, portanto, uma opção genuína. Para
opções genuínas, devemos seguir seu princípio de que devemos decidir por motivos passados
se a opção não puder ser decidida pelo intelecto. Portanto, devemos decidir sobre religião (se é
uma opção relevante para nós) com base em nossas paixões. James está defendendo a fé so-
bre a racionalidade quando se trata de crenças religiosas. Claro, Clifford leva uma linha muito
diferente. Clifford é um campeão da racionalidade. É negligente e imoral acreditar sem motivo
suficiente. Com o tempo restante da aula, faça uma discussão sobre qual a visão que os alunos
pensam ser mais razoável: as crenças devem ser fundadas na racionalidade ou, em algumas
circunstâncias, a fé deve ter razão?
© ÉTICA 59
DIA 2
15––SUBJETIVISMO
CONCLUSÃO E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
1. Escrita
Subjetivismo
em sala
ético
de aula 1. Escrita
2. Diálogos,
emdiscussão
sala de aula
(35 (50
minutos)
minutos)
2. Egoísmoao
Orientações psicológico
professor 3. Aula e discussão (15 minutos)
O objetivo de hoje é encerrar a unidade na filosofia da religião. O meio sugerido é fazer com
que os alunos escrevam um ensaio na sala de aula. Fazer isso deve dar-lhes prática, redigindo
um ensaio filosófico, além de proporcionar uma oportunidade de avaliação. Se você quiser um
encerramento mais ativo, um debate é uma segunda opção.
Objetivos
Peça aos alunos que passem a aula escrevendo um ensaio que responda a uma das seguin-
tes questões de sua escolha:
e) Qual é o problema do mal? Como um teísta pode defender a crença religiosa do pro-
blema do mal? A defesa é suficiente ou o problema do mal é decisivo?
Se você preferir encerrar a unidade da filosofia da religião com uma atividade em vez de
um exercício de escrita, você pode usar um debate. Existem diretrizes e dicas para o debate
na quinta lição da unidade de vontade livre e na lição dois da unidade de filosofia política. Uma
equipe deve argumentar que a racionalidade deve nos guiar quando se trata de crenças sobre
religião (indo a favor de Clifford) enquanto a outra deve argumentar que a fé (fatores passa-
dos) deveria ser usada (indo a favor de James).
60 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Identidade
Pessoal
Planos de aula
10
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Filosofia da Mente
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 33 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 1 – INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 6
DIA 5 – DISCUSSÃO DO “CASO DE FISSÃO” DE PARFIT E SUA ALEGAÇÃO DE QUE A IDENTIDADE PESSOAL
NÃO TEM IMPORTÂNCIA..................................................................................................................... 24
PLANOS DE AULA
Esta série de planos de aula de Filosofia é composta pelos seguintes módulos:
Ética
Ética Aplicada
10
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
Identidade Pessoal
Na Filosofia, “identidade pessoal” é o termo usado para se referir a um subcampo de es-
tudos focado na natureza do “eu”. Especificamente, os filósofos da identidade pessoal tentam
determinar critérios apropriados para se realizar julgamentos a respeito da sobrevivência e da
existência. As perguntas que direcionam tal disciplina incluem:
• Quais tipos de mudanças na psicologia de uma pessoa, se houver, resultam em uma pes-
soa deixar de existir?
Vocabulário importante:
Objetivos pedagógicos
Recursos
• Richard Hanley, The Metaphysic of Star Trek, Basic Books. (cap. 4 e 5).
© FILOSOFIA DA MENTE 5
DIA 1 – INTRODUÇÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos
• Os alunos devem entender como a identidade pessoal difere das investigações psicológi-
cas a respeito da natureza do “eu”.
Leitura do conto “The Meeting” (A Reunião). A “primeira noite” e o início da “segunda noite”
do diálogo de Perry.
− Olá, Calvin!
− Nós jogamos par ou ímpar e hoje é meu dia de ir à escola. Estamos revezando, assim cada um vai
pra escola só uma vez por semana.
− Calvin, você está muito estranho. Nem vou mais falar com você.
6 PLANO DE AULA
Por que se importar com a identidade pessoal?
Tomemos como exemplo o Elvis Presley. Ele foi um grande artista, amado por milhões, que
viveu tempo suficiente para mudar um pouco ao longo de sua vida. Aqui está uma foto do jo-
vem Elvis:
Um sujeito bonito, certo? Agora, veja esta foto, tirada anos mais tarde:
Não tão atraente, concorda? Nesta época ele estava com excesso de peso, tinha perdido
grande parte da sua voz, era viciado em drogas e sua carreira estava meio que acabada. Ele
havia mudado de maneira significativa em relação ao seu “eu” mais novo – na verdade, po-
de-se até dizer que ele era apenas uma sombra do seu antigo “eu”. É irônico que ao final de
sua carreira havia imitadores de Elvis que pareciam mais com o jovem Elvis que ele próprio.
Existe até uma anedota que diz que Elvis, no final de sua vida, participou de uma competição
de “Sósias do Elvis” e ficou em terceiro lugar!
Mas, o que tudo isso significa? Bem, apesar do fato de que o velho Elvis estava, em muitos
aspectos, bem diferente do jovem Elvis, ele ainda era o Elvis. Isto é, de uma maneira óbvia e
importante, ele ainda era único e a mesma pessoa, apesar de todas as mudanças – outra ma-
neira de pensar sobre isso: mesmo um sósia perfeito não passaria a ser o Elvis.
Você pode questionar: “O que faz dele a mesma pessoa, se tantas coisas mudaram?” Algo
não deveria permanecer igual para fazer o Elvis ainda ser o Elvis? Tal questão, relacionada a
quais critérios ou condições devem permanecer os mesmos para que uma pessoa continue
existindo através do tempo e das mudanças é a questão que os filósofos tradicionalmente in-
vestigaram sob o rótulo de “filosofia da identidade pessoal”.
Mesmo que você possa não se importar muito com o Elvis ou com sua identidade, certa-
mente já se preocupou, pelo menos um pouco, com o tema da identidade pessoal. Por que
podemos pensar assim? Porque os julgamentos de identidade surgem, não apenas quando re-
fletimos sobre o trágico declínio de Elvis – eles surgem em uma grande variedade de situações
o tempo todo. Considere apenas alguns:
1. Fazemos ponderações sobre identidade sempre que realizamos julgos sobre a respon-
sabilidade – e realizamos tais julgamentos constantemente. Por exemplo, consideramos
fundamental que um inocente não seja punido, mas, para considerar quem é inocente e
quem é culpado, devemos conhecer a identidade do criminoso. Nesse tipo de situação,
a menos que possamos fazer um julgamento de identidade pessoal, não poderemos
embasar de forma adequada nossas imputações de inocência ou culpa. Ou, para dar um
exemplo mais corriqueiro, se você emprestar dez reais ao seu amigo Paulo, é o Paulo,
e não o irmão gêmeo, idêntico ao Paulo, ou qualquer outra pessoa, que lhe deve esse
dinheiro. Sua crença está baseada na sua capacidade de distinguir Paulo de outros e de
reconhecê-lo como tendo uma identidade distinta.
© FILOSOFIA DA MENTE 7
2. Nossa preocupação natural e antecipação para com o nosso próprio futuro pressupõem
julgamentos sobre identidade. Imagine que eu diga que vou torturá-lo amanhã, a menos
que você concorde em sofrer alguma dor mais leve daqui a uns quinze minutos. Você
provavelmente aceitaria o acordo, naturalmente preferindo sofrer pouco mais cedo a
sofrer muito mais tarde. Agora, imagine que eu, ao invés disso, ofereça uma escolha
diferente: ou eu torturo uma duplicata exata sua amanhã, ou vou sujeitar você a uma
pequena dor daqui a alguns minutos. Talvez você aceite o acordo, sofrendo você mesmo
uma pequena dor, ao se preocupar com a sua infeliz duplicata. Porém, seus motivos serão
bem distintos daqueles da primeira situação: agora, não é que você prefira a dor leve
mais cedo porque antecipa um sofrimento futuro, visto que você deve reconhecer não
ser razoável antecipar em se ter experiências de outra pessoa. Haveria uma justificativa
apenas ao se ter esse tipo de preocupação especial com você mesmo. Assim, saber
quando a antecipação é apropriada está conectado a julgamentos de identidade pessoal.
Dessa forma, como mencionado anteriormente, são grandes as chances de que você já te-
nha se preocupado, e talvez muito, com a questão da identidade pessoal, embora não tivesse
conhecimento que tal tema fosse discutido por filósofos sob esse rótulo.
Uma confusão inicial pode ser evitada, deixando-se claro o que estaria em questão no de-
bate filosófico tradicional sobre “identidade pessoal”. O debate diz respeito ao que significa ter
um “eu” e o que constitui a “identidade” desse eu, mas ambos os termos são notoriamente es-
corregadios. Por exemplo, não nos preocupamos com o rico e complicado senso do “eu”, quan-
do empregado em discussões de “autoaperfeiçoamento” – aperfeiçoamento do “eu” – ou em
frases como “perdi o senso de mim mesmo” – ou seja, do “eu”. De forma similar, poderíamos
até nos preocupar com “identidade”, mas não em um amplo senso de “identidade pessoal”,
utilizado em uma conversa de alguém tendo uma “crise de identidade”.
Falamos de um senso mais “estreito” de identidade, pois envolve uma concepção absolu-
tamente mínima do “eu”. O “eu” (e sua identidade) com que nos preocupamos é o “eu” que
sobrevive a uma crise de identidade, na verdade, é o “eu” que nos referimos, em uma frase
como “Eu perdi o senso de mim mesmo”. Compare: “Eu não sou a mesma pessoa que eu era
ontem.” Quando alguém pronuncia uma frase desse tipo, certamente acredita que continua
sendo o mesmo “eu” – e permanece sendo a mesma pessoa – em algum sentido do termo. Em
outras palavras, existe alguma criatura a qual o “eu” ainda continua a se referir. Esta é a ideia
do “eu” ou da identidade-própria que investigaremos.
8 PLANO DE AULA
Identidade qualitativa versus identidade numérica
Outra confusão inicial a ser evitada envolve o termo “idêntico” e nossa noção de identidade.
Quando alguém pergunta se um objeto é “o mesmo que” ou “idêntico a” um objeto que existiu
ou existirá em algum outro momento, ela pode estar fazendo duas perguntas bem distintas.
Ela pode estar simplesmente perguntando se os dois objetos são qualitativamente idênticos:
eles compartilham as mesmas qualidades ou propriedades? Eles são exatamente semelhantes?
Esse é o tipo de identidade em questão caso eu lhe pergunte se o burrito do Taco Bell que você
acabou de comer é idêntico aos burritos que você costumava comprar no Taco Bell quando
voltava para casa.
Dois burritos (ou três ou uma centena) podem ser qualitativamente idênticos entre si. Outro
sentido de “idêntico”, este sim, relevante para as discussões de identidade pessoal, envolve a
identidade numérica. Este é o tipo de identidade passível de ser um problema em uma situação
sobre se uma pintura recentemente descoberta é idêntica à obra-prima roubada de um museu
no mês passado. Descobrir que a pintura é qualitativamente idêntica à obra-prima original nos
dá pouco conforto, caso já tenhamos descoberto que, na verdade, ela não é numericamente
idêntica à obra-prima – isto é, se descobrirmos que é uma falsificação perfeita e não a original.
Qualquer pessoa que já leu uma boa história de ficção científica ou um conto de fantasia
está familiarizada com o quão facilmente se pode deslizar para o modo conhecido como “sus-
pensão de descrença”. Caso a história que nos é contada se enquadrar corretamente e for su-
ficientemente interessante, nós seguimos prestando atenção em praticamente qualquer coisa,
incluindo situações que envolvam não apenas impossibilidades teóricas, mas também lógicas.
Considere, por exemplo, qualquer um dos três filmes da sequência “De volta para o Futuro”.
Não sem surpresas, há um debate ativo entre os filósofos sobre a legitimidade de se empre-
gar esses tipos de exemplos forçados e incomuns. Embora esse debate não mostre sinais de
se findar, é mesmo assim razoável prosseguir com nossas reações a certos experimentos do
pensamento, desde que os façamos com cuidado e de maneira crítica.
Eles podem não ser ferramentas infalíveis e, certamente, as possibilidades de abuso e dis-
© FILOSOFIA DA MENTE 9
torção são reais e devem ser reconhecidas. Porém, no âmbito da investigação filosófica, ne-
nhum progresso pode ser feito com uma rejeição generalizada aos dados que eles oferecem. O
fato é que nós simplesmente não temos o suficiente para prosseguir sem eles e, na medida em
que eles desencadeiam respostas consistentes, tais respostas, mesmo quando não uniformes,
podem fornecer percepções valiosas sobre nossas crenças, atitudes e convicções.
2. Um barco no seu jardim da frente é desmontado aos poucos e transportado, peça por
peça, ao longo de vários anos, do jardim da frente para um galpão atrás da sua casa. Lá,
ele, então, é remontado. O barco do galpão é numericamente idêntico ao barco original
do jardim da frente?
3. Um barco no seu jardim da frente está se deteriorando e você, então, o renova aos
poucos: uma peça nova é colocada a cada poucas semanas e a peça antiga é movida para
o galpão atrás da casa. Finalmente, todas as peças do barco no jardim foram substituídas.
Ao mesmo tempo, todas as peças antigas e deterioradas do barco estão no galpão de trás
e são remontadas. Qual é o barco original?
Quando a maioria das pessoas ouve a primeira história, se mostra confiante de que o barco
sobrevive à sua renovação gradual. Afinal, por que pedaços particulares de matéria determi-
nariam a identidade do barco, quando essas próprias partes – por exemplo, uma tábua – são
compostas por moléculas que estão saltando e sendo substituídas por novas moléculas o tem-
po todo? Parece que o fato da forma do barco ter permanecido consistente é suficiente para
garantir o julgamento de que o barco permaneceu existindo durante o processo de renovação.
No entanto, quando as pessoas ouvem a segunda história, elas também tendem a pensar
que o barco pode sobreviver a esse processo de desconstrução e transporte. O pensamento
aqui parece ser que, ao final do dia, você obteve o mesmo material, funcionalmente organi-
zado da mesma maneira, então, obviamente, se trata do mesmo barco, apenas em um local
diferente.
Quando chegamos ao terceiro caso, entretanto, as coisas ficam confusas. Você é forçado
a escolher entre os dois barcos, pois é claro que apenas um deles pode ser numericamente
idêntico ao barco original. Quem concordou que o barco sobreviveu no primeiro e segundo caso
está agora em um dilema: nossas intuições parecem nos arrastar em direções diferentes – e
contraditórias.
Essas histórias de barco são bastante intrigantes, mas talvez você não esteja muito preo-
cupado com isso: “É apenas um barco”, você pode estar pensando, “diga o que você quiser...”
Afinal de contas, a identidade do barco parece ser em grande parte uma questão convencional
de uso linguístico. Acontece que nossas convenções podem ser um tanto confusas e capazes
de gerar conflito. Mas sempre podemos estipular uma resposta para uma questão sobre a
identidade do barco.
Até aqui, tudo bem, por enquanto, mas você verá as coisas ficarem mais confusas quando
avançarmos com a discussão da identidade das pessoas – coisas com corpos físicos e mentes
psicológicas – e, então, é provável que não esteja tão disposto a aceitar que sua própria exis-
tência é simplesmente uma questão convencional a ser determinado por condicionamento ou
normas.
10 PLANO DE AULA
DIA 2 – “THE MEETING” E PRIMEIRA PARTE DO
DIÁLOGO DE PERRY
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Os participantes devem entender algumas objeções básicas para ambos os critérios dis-
cutidos no texto selecionado de Perry e devem também começar a formular suas próprias
visões sobre os pontos fortes e deficiências de cada abordagem.
O restante da “segunda noite” do diálogo Perry – a “terceira noite” será dispensada. Além
disso, um breve trecho do ensaio de John Locke sobre o entendimento humano.
Nota preliminar
Alguns exemplos ajudarão a compreender melhor esse ponto. Primeiro, uma situação clara
de sobrevivência: imagine que você recebe uma pílula que faça com que você adormeça por
muitas horas. Durante esse tempo, médicos maliciosos removem todo o cabelo do seu corpo.
© FILOSOFIA DA MENTE 11
Quando o efeito da droga passa, você recupera a sua consciência. Você acredita que vai sobre-
viver a esse procedimento? Em outras palavras, a pessoa que acorda sem cabelo será você?
Claro que sim. Caso você tivesse motivos para acreditar que a droga e o processo depilatório
ocorreriam conforme descrito, seria perfeitamente razoável que você antecipasse seu estado
de estar sem cabelos e pelos, juntamente com todas as emoções que possam acompanhar tal
mudança. Todos temos uma forte convicção de que podemos sobreviver à perda total de pelos
ou cabelos – a persistência de nossa pelugem simplesmente não é uma condição necessária
para nossa sobrevivência.
Uma maneira de tornar isso ainda mais óbvio é mudar o exemplo para uma situação que
envolva a pessoa sofrendo uma dor no futuro. Imagine a situação descrita acima, mas pense
agora que, após os pelos e cabelos serem removidos, essa mesma pessoa é despertada e seve-
ramente torturada por várias horas. Caso fosse você a pessoa que recebeu a pílula para dormir,
você acredita que também seria a pessoa que sofrerá a tortura logo após rasparem seus pelos?
Claro que acredita. Embora algumas mudanças físicas possam ser tão radicais que causem
a alguém o cessar da existência, a perda de pelos, mesmo uma perda total de pelos e cabelos,
não é tal tipo de mudança. Caso você soubesse que um procedimento como esse – sem dúvida
alguma, bizarro – aconteceria com você, teria razão em temer a futura tortura e a dor que isso
causaria.
Agora, consideremos uma situação significativamente diferente. Neste exemplo, você tam-
bém recebe uma pílula para dormir, mas pouco depois de adormecer – incluindo seu cérebro,
seu corpo é destruído completamente e de forma definitiva. Então, um corpo diferente, mas
qualitativamente idêntico e criado antes da destruição do seu corpo, é colocado em seu lugar.
Em seguida, este corpo sofre o mesmo processo de depilação descrito anteriormente.
Quando essa pessoa acordar será você? Claro que não: você, como a maioria das outras
pessoas, acredita que deixou de existir quando seu corpo foi completamente destruído. A
pessoa sem pelos, que sobrevive a esse procedimento, não é você, mas sim uma cópia seme-
lhante.
Adicionar o elemento da dor futura ajuda a confirmar nossas intuições aqui: se você sou-
besse que estaria prestes a passar pelo segundo procedimento de destruição do corpo, com a
característica adicional de que a pessoa que acordasse seria então torturada por várias horas,
não seria razoável para você antecipar as experiências futuras daquela pessoa, pois não acre-
dita que seria você quem sentiria a dor.
Caso você não estivesse muito chateado com o pensamento de sua própria morte iminente,
você poderia sentir pena pela outra pessoa, podendo até sentir um vínculo particularmente
próximo, dado que a outra pessoa é qualitativamente idêntica a você – menos os pelos e ca-
belos, é claro. Contudo, essa empatia não é a mesma coisa que realmente antecipar que você
vai sofrer a tortura.
O uso de exemplos que envolvam dor futura nos ajuda a ter em mente que aquilo que está
sendo discutido aqui é se a mesma pessoa sobrevive através das mudanças descritas. Outra
maneira de expressar essa questão é perguntar se a pessoa no início do procedimento será a
mesma pessoa que experimentará o que há para se experimentar pela pessoa que subsiste ao
final do procedimento.
Concentrar-se em se você pensa que será você quem sentirá a dor ao final de um determi-
nado experimento mental força você a raciocinar cuidadosamente sobre se você acredita que
poderia sobreviver às mudanças descritas. Não focar, ou pensar de forma descuidada sobre es-
sas situações, ou situações similares a essas, pode levar a respostas distorcidas e enganosas.
Isso se deve em parte ao fato de que, quando se fala sobre identidade pessoal, é fácil es-
corregar entre discussões sobre o que é necessário e o que é desejável para a sobrevivência,
12 PLANO DE AULA
e tais deslizes podem nos levar a problemas.
A situação seguinte nos ajuda a ilustrar o tipo de confusão em questão: imagine que você
receba a mesma pílula para dormir e passe pela mesma destruição física descrita anteriormen-
te, mas, em vez de sofrer uma perda total de pelos, o novo corpo – qualitativamente idêntico
– sofra uma forma radical de cirurgia estética. Seu corpo é melhorado em todas as maneiras
que você possa desejar. Bolsas nos olhos? Acababaram! Tornozelos grossos? Nunca mais!
Acreditamos que você já entendeu o ponto.
Imagine também que a psicologia dessa pessoa, você, possa também ser modificada por
meio de uma cirurgia cerebral muito sofisticada e, dessa forma, qualquer neurose ou desvio de
caráter que você abomine possa ser removido. Como um prêmio final, imagine que a sua inte-
ligência possa também ser elevada significativamente. Você iria sobreviver a um procedimento
como esse? Não, você não iria – não mais do que você sobreviveria ao procedimento anterior,
uma vez que ambos envolveram uma completa e total destruição do seu corpo e cérebro.
Esse caso tem uma importância diferente, uma vez que o que permanecerá não é um clone
depilado, mas uma pessoa muito parecida com você, porém melhorada, das maneiras que você
deseja. No entanto, essa pessoa ainda não será você – caso essa pessoa for torturada após a
cirurgia, não será você quem sentirá a dor.
O que torna as coisas complicadas aqui é que aquela pessoa pode ser tão desejável que
você, em determinadas circunstâncias, escolheria tal procedimento – menos a tortura – de
qualquer maneira! Talvez você prefira ter um “eu melhorado” ao invés de continuar como você
mesmo. Em outras palavras, talvez você esteja disposto a sacrificar sua sobrevivência caso
envolvesse a criação de alguém similar, mas melhorado.
Imagine, por exemplo, que você enfrentou recentemente o fato de que não tem o talento
ou a energia necessária para completar o livro que começou a escrever anos atrás. Caso, após
ter trabalhado feito um escravo nesse projeto por incontáveis horas, fosse oferecida a você a
oportunidade de se submeter ao procedimento de “melhoria” descrito anteriormente e, com
isso, você tivesse condições de prosseguir com seu projeto. Afinal de contas, o seu “eu melhor”
resultante teria melhores condições de terminar o seu livro.
E se o livro fosse suficientemente valioso para você, sendo algo que valesse a pena sacrificar
sua vida? Talvez não seja provável que você, ou a maioria das pessoas, faça algum dia esse
tipo de sacrifício, mas o ponto relevante aqui é que, independentemente de você ou outra pes-
soa estar disposta a fazer tal escolha, ou não, o que é claro é que a escolha realmente envolve
um sacrifício – você não continuaria a existir.
Embora você pudesse apreciar muito as experiências futuras dessa cópia física e mental-
mente melhorada, como a fama – nunca mais noites de sextas-feiras solitárias –, você não
acredita que pode ser razoável, de fato, antecipar em ter essas experiências, uma vez que essa
pessoa seria meramente similar e não numericamente idêntica a você mesmo.
Focar na dor futura e na antecipação nos ajuda a deixar isso tudo claro. Caso apenas con-
sideremos se procedimentos como esse são desejáveis – você passaria por isso? –, podemos
ser enganados e chegar a conclusões confusas a respeito das condições adequadas da nossa
identidade.
© FILOSOFIA DA MENTE 13
The Meeting
O conto é bastante direto e não deve ser difícil para os estudantes, ou seja, não será neces-
sário explanar sobre o conteúdo da história. Isso permite que o instrutor mergulhe diretamente
em uma discussão sobre a “moral” da história. Essa discussão deve levar os alunos a pensar
sobre suas próprias crenças e intuições quanto aos critérios de identidade e sobrevivência.
Vejamos algumas perguntas para discussão:
− Caso você ache que deveriam, isto é, por que você pensa que o sobrevivente
da operação será ainda Tommy? Se você acha que não será o Tommy, apesar
disso, você ainda pensa que a operação é a melhor escolha para todos os
envolvidos? Por que sim, ou, por que não?
− Caso você acredite que eles não devam prosseguir com o preocedimento, é
porque você acha que o sobrevivente não será Tommy? Ao final da história, a
esposa afirma que «concordamos que não é assassinato». Por que você acha
que eles concordaram com esse diagnóstico da operação? Eles estão corretos
ao negar que a operação equivaleria ao assassinato de Tommy?
O diálogo é bem escrito e fácil de seguir. Ao discutir as conclusões da “primeira noite”, pode
ser útil introduzir uma distinção entre dois tipos de critérios:
a. Um critério metafísico de X nos diz o que consiste X: qual é a sua essência ou a natureza.
Existe uma conexão importante entre os dois tipos de critérios: um critério metafísico deve
ser capaz de explicar por que temos os critérios epistemológicos que temos. O diálogo de Perry
parece envolver uma mistura de ambos os tipos de critérios, e pode ser útil apontar aos alunos
que é esse o caso. A conclusão alcançada no final da primeira noite é mais bem compreendida
como sendo a de que um critério da alma pode muito bem – por tudo que sabemos – ser o
critério metafísico apropriado para a identidade pessoal. Mas, não temos uma maneira clara de
explicar como tal critério metafísico se conecta com nossos critérios epistemológicos reais nos
julgamentos que fazemos todos os dias em relação à identidade pessoal. Isso leva as persona-
gens a procurar uma solução mais geral e plausível.
14 PLANO DE AULA
Discussão sobre o critério corporal
A crença que muitos podem ter de que alguém sobreviveria a um transplante de cérebro
– e que você iria aonde o seu cérebro fosse – pode, obviamente, ser tomada para apoiar um
critério do cérebro, mas também pode ser vista como suporte a uma abordagem diferente: a
abordagem da memória de John Locke.
Para ajudar os alunos a compreender as diferenças relevantes aqui, uma analogia com o
computador pode ser útil:
Por que muitos acreditam que “você vai para aonde o seu cérebro for”? Pode ser porque
você é essencialmente um cérebro, ou pode ser que você seja essencialmente a informação
armazenada em seu cérebro. Em outras palavras, você pode pensar que vai para onde seu
cérebro for, porque você se identifica essencialmente como sendo um dispositivo de hardware
(o cérebro). De maneira alternativa, pode ser que você se identifique essencialmente com algo
mais próximo de um software. Ou seja, os estados psicológicos – em particular, as memórias
– codificados em seu cérebro. Mais tarde, os alunos considerarão essa última abordagem por
meio da discussão do diálogo de Perry e de um breve trecho de John Locke.
© FILOSOFIA DA MENTE 15
DIA 3 – AS PARTES POSTERIORES DO DIÁLOGO
DE PERRY E O CRITÉRIO DA MEMÓRIA DE
LOCKE
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender algumas objeções básicas para os critérios discutidos e co-
meçar a formular seus próprios pontos de vista sobre os pontos fortes e fracos de cada
abordagem.
Os alunos estão agora mais bem situados para considerar o que ainda é a abordagem filo-
sófica dominante da identidade pessoal: um critério de memória (ou de maneira mais ampla,
um critério psicológico).
Proposta primeiramente por John Locke, essa abordagem foi modificada e expandida por
muitos pensadores posteriores, incluindo Shoemaker, Lewis, Parfit e Perry, o autor do nosso
diálogo. Como o diálogo de Perry deixa claro, ele tem um apelo óbvio, pois tanto se encaixa
com nossas intuições em relação à importância do cérebro, como também supera as objeções
discutidas anteriormente diante de um critério corporal mais direto.
16 PLANO DE AULA
Ambas são o que foi referido anteriormente como visões de “hardware” do “eu”. A aborda-
gem da memória de Locke é bem distinta ao focar nas relações da memória em vez de qual-
quer substância particular, e isso se encaixa muito bem na discussão de Perry a respeito de
rios e jogos de beisebol, bem como no trecho de Locke. Os alunos às vezes entram em conflito
com essa distinção, então, caso seja útil, é recomendado se retomar a analogia do computador,
hardware e software.
Locke
As leituras de Locke podem ser um desafio em relação ao diálogo de Perry, mas esse último
deve preparar bem os alunos para compreenderem o primeiro. As passagens que se costuma
destacar incluem:
Pois se a alma de um príncipe, levando consigo a consciência de sua vida passada en-
tra e instrui o corpo de um sapateiro, tão logo este seja abandonado por sua própria
alma, cada um vê que ele seria a mesma pessoa que o príncipe.
Existe uma possibilidade significativa de não se compreender essa famosa passagem. Isto
está vinculado às questões discutidas anteriormente: os estudantes muitas vezes interpreta-
ram mal essa passagem como sendo algo tal como um critério da alma, quando o ponto de
Locke é de que a “consciência” ou memórias é que são cruciais, e não a alma. Para ajudar os
alunos a entenderem isso, é bom que eles se concentrem em outras passagens:
“[...] a mesma consciência unindo aquelas ações distantes em uma mesma pessoa,
quaisquer que sejam as substâncias que contribuíram para a produção delas”.
“Portanto, vemos que a substância da qual a identidade pessoal consistiu em um mo-
mento pode estar diferente em outro, sem a mudança de identidade pessoal”.
“O eu é esse pensamento consciente – qualquer substância composta de (seja espiri-
tual ou material, simples ou compacta, isto não importa) –, a qual é sensível ou cons-
ciente do prazer e da dor, capaz de felicidade ou miséria e, portanto, é preocupado
consigo mesmo, na medida em que essa consciência se estende.”
Uma vez que se torne claro para os alunos a falta de importância da substância para Locke,
você pode passar a considerar algumas modificações importantes na sua abordagem.
© FILOSOFIA DA MENTE 17
• A objeção da festa de aniversário: imagine que eu me lembro de ter uma festa de
aniversário aos cinco anos, de modo que me faz idêntico à pessoa que teve aquela festa
naquela época. No entanto, com a idade de 5 anos eu também fui capaz de me lembrar da
minha festa de aniversário que tive aos 3 anos, mas esta é uma lembrança que agora, aos
28 anos, já não tenho mais. De acordo com o critério da memória, a pessoa com idade de
5 anos, que teve a festa, é idêntica à pessoa com idade de 3 anos, que teve outra festa,
e eu, aos 28 anos, sou idêntico à pessoa de 5 anos que teve a festa, mas o “eu” de 28
anos não é idêntico à pessoa de 3 anos que teve uma festa, uma vez que não me lembro
daquela festa. Isto parece absurdo, pois, se A = B e B = C, então, C = A.
Essa objeção é útil para que os alunos pensem de forma um pouco mais profunda a respeito
da lógica da identidade, embora seja importante enfatizar para eles que isso envolve uma “so-
lução rápida” bastante fácil e que não deve ser vista como uma objeção fatal para a abordagem
de Locke.
Agora, com a narrativa de Locke mais desenvolvida e elaborada, os alunos podem voltar-se
a problemas com essa abordagem. As preocupações com a circularidade são claras no diálogo
de Perry. Mas, pode ser útil usar essa oportunidade para explicar a circularidade com algum de-
talhe e oferecer uma discussão geral sobre a natureza problemática dos argumentos circulares.
Brevemente, a preocupação com o critério da memória é que ele é oferecido como um cri-
tério para determinar a identidade pessoal, mas parece pressupor apenas esse critério.
Para empregar um critério de memória, devemos ser capazes de distinguir entre memórias
genuínas e meramente aparentes. Uma resposta natural neste momento é reivindicar que me-
mórias genuínas são aquelas causadas pela pessoa que realmente experimenta o evento, mas,
é claro que determinar se essa pessoa experimentou o evento, em contraposição a alguma
outra pessoa, requer algum critério de identidade pessoal.
Caso afirmarmos que usaremos um critério de memória, acabaremos com uma circulari-
dade viciosa. Se, em vez disso, invocarmos algum outro critério, como uma versão do critério
corporal, parecerá que o critério de memória não estará fazendo o trabalho real em nossos
julgamentos sobre identidade pessoal.
18 PLANO DE AULA
DIA 4 – DISCUSSÃO DE EXPERIÊNCIAS DO PEN-
SAMENTO E AVALIAÇÃO CRÍTICA DO CRITÉRIO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender como William, exemplo da amnésia, levanta dificuldades adi-
cionais para uma abordagem Lockeana.
Um trecho dos textos de Parfit sobre identidade pessoal. Idealmente, um trecho que incluia
o caso da fissão (como o texto incluído em Knowledge, Nature, and Norms, ed. Timmons and
Shoemaker, p. 62-66).
Teletransportadores
A série “Jornada nas Estrelas”, e em inúmeras outras histórias de ficção científica, envolve
máquinas que supostamente permitem que as pessoas viajem por grandes distâncias através
de um processo de teletransportação: de alguma forma, a identidade da pessoa é mantida
enquanto essa pessoa é rapidamente transportada para um local distante, por meio de um
processo exótico e altamente tecnológico.
Nos filmes e histórias que empregam esse tipo de máquina, o mecanismo exato envolvido
raramente é tornado explícito. Dessa forma, uma maneira plausível para que tais máquinas su-
postamente operem pode ser: imagine que essa máquina foi capaz de escanear seu corpo até
a última partícula subatômica e registre a posição de cada bit de matéria. Em outras palavras,
© FILOSOFIA DA MENTE 19
essa máquina poderia criar um esquema exato do seu corpo, incluindo cada um dos neurônios
do seu cérebro. Além disso, essa máquina, após escanear e destruir a matéria que compõe
o seu corpo, é capaz de enviar o esquema completo à velocidade da luz para outra máquina
similar a milhares de quilômetros de distância.
A máquina receptora pode então recriar você a partir desse esquema, usando a matéria
disponível para reconstituir seu corpo. Vamos também assumir que essas máquinas são in-
crivelmente confiáveis. Dessa forma, parece que eles permitem um método de transporte
interessante e eficiente. A pessoa que sai do compartimento de reconstituição, presume-se,
manterá todas as suas memórias, sua personalidade e sua aparência física. Resumindo, parece
que essa pessoa seria você.
Certamente, essa pessoa acreditaria ser você e agiria de acordo. Parece difícil imaginar, so-
bre quais fundamentos alguém poderia negar que você viajou com sucesso usando um dispo-
sitivo como este. Na verdade, não é isso o que tendemos a pensar cada vez que vemos Scotty
transportar algum dos membros da sua tripulação?
Inicialmente, um cenário como esse parece descrever uma forma altamente eficiente de
transporte. Os fãs da abordagem de Locke a respeito da identidade pessoal também estão em
condição de explicar porque esse cenário parece atraente: a pessoa que sai do teletransporte
aparentará ter todas as suas memórias anteriores e estados psicológicos.
O contratempo
Até aqui, tudo bem. Agora vamos imaginar uma possível maneira de que as coisas possam
dar errado: e se você entrasse nessa máquina, esperando ser transportado para longe, apenas
para descobrir que depois de ser, aparentemente, escaneado, você permaneceu exatamente
onde você estava, no dispositivo de teletransporte na Terra.
Dessa forma, agora, aparentemente, há dois “você”: um na Terra que permanece no tele-
transportador e outro recentemente criado em Marte. Qual deles é o verdadeiro você?
Enquanto ambas as pessoas são – por um momento, pelo menos – qualitativamente idênti-
cas entre si, apenas uma pode ser numericamente idêntica a você. A maioria das pessoas, cla-
ro, pensaria que você continuou como a pessoa na Terra que entrou na máquina com defeito.
Como não poderia ser você? Teoricamente, o processo de escaneamento não foi mais invasivo
que um raio-x e, dessa forma, você não tem boas razões para imaginar que deixou de existir
aqui na Terra.
O que pensar, então, da pessoa em Marte? Aquela pessoa se parece com você, fala como
você e até pensa como você. Na verdade, aquela pessoa, sem dúvida alguma, reinvindica ser
você. Parece óbvio, no entanto, que aquela pessoa não é você, mas sim uma cópia exatamente
igual a você.
Para esclarecer nossos pensamentos sobre esse assunto, vamos dar um pouco mais de
consistência à situação: imagine que você estivesse usando o transportador para ir a Marte,
com o intuito de participar de uma campanha militar incrivelmente perigosa e que você saiba,
antecipadamente, que essa missão será quase que certamente fatal.
Uma vez que o transportador transmite com sucesso o seu modelo e cria uma pessoa em
Marte, nossos aliados naquele planeta estão satisfeitos que você chegou e enviam rapidamente
20 PLANO DE AULA
a pessoa que sai do teletransportador para a batalha. No embate, tal pessoa sofre, rapidamen-
te, uma morte dolorosa, embora corajosa.
Contemplando essa situação e sabendo que o mau funcionamento ocorrerá, você pensaria,
mesmo que por um instante, que a pessoa que vai lutar será você? Parece que antecipar, como
você mesmo, tais experiências seria um erro óbvio, semelhante com antecipar-se em ter as
experiências de seu colega de trabalho ou de seu bichinho de estimação. Afinal, você estará
exatamente aqui, na Terra, experimentando todo tipo de coisas – incluindo, talvez, um alívio
pelo fato de você ter sido poupado dessa morte brutal. Mas, certamente não experimentou
uma batalha horrível em Marte.
Caso o defeito do teletransportador ocorrer da maneira descrita, ele não transportará você
com sucesso para lugar algum. Em vez disso, funcionará como uma espécie de fotocopiadora
sofisticada, criando uma cópia exata de uma pessoa em vez da cópia de um documento.
Moral da história
O que concluímos a partir desse conto sobre a falha no mecanismo e a confusão de identi-
dade? Alguns pensam que tal possibilidade é bastante reveladora sobre as condições da nossa
identidade. O fato de um contratempo como esse criar uma duplicata em Marte ao invés de
você, implica que talvez uma máquina desse tipo nunca transporte pessoas com êxito. Em vez
de ser um método avançado de viajar, essas máquinas oferecem um método eficiente de des-
truir pessoas e criar duplicatas. Afinal, se a pessoa que foi criada em Marte, no caso da falha,
obviamente não é você, como pode ser você a pessoa criada lá na situação normal? Como
poderia a falha em destruir o corpo na Terra fazer diferença entre ser você que sobrevive em
Marte ou não?
Esta é uma maneira de apresentar o aspecto técnico de que a identidade pessoal parece
ser uma relação intrínseca. É difícil ver como algo acontecendo com outra coisa pode afetar
se você existe ou não. A menos que alguém concorde com uma metafísica bastante elaborada
das almas e de suas transposições, parece difícil imaginar como a não destruição do corpo na
Terra poderia permitir uma continuação bem-sucedida de sua pessoa em Marte. Esse tipo de
história deve suscitar fortes dúvidas nos alunos quanto à aceitabilidade do critério de memória,
de outro modo bem atrativo, para a identidade pessoal.
Ao discutir esse tipo de caso com a classe, existe uma variante adicional que pode ser ofere-
cida: imagine que o teletransportador envia o seu modelo, acidentalmente, não para um, mas
para cinco (ou quinhentos) teletransportadores de destino. Obviamente, eles não podem ser
todos você, e isso sugere que talvez nenhum deles seja realmente você.
Uma boa dramatização desse tipo de cenário é apresentada no documentário inglês Brains-
potting. O documentário também tem o filósofo Derek Parfit, explicando as questões em jogo.
(Atualmente, você pode encontrar esse trecho aqui: <http://www.youtube.com/watch?v=J_
SOXpzgs_I&feature=related>.
Outro vídeo alternativo é uma animação encantadora de John Weldon, intitulado “To Be”:
<http://www.youtube.com/watch?v=pdxucpPq6Lc>. Esse curta-metragem de dez minutos
eleva a questão de reduplicação para uma quantidade bem maior. Ele deve fornecer material
suficiente para o debate. É particularmente agradável atrelar situações como esta à consi-
deração inicial sobre as maneiras pelas quais a identidade pessoal é importante para nossos
julgamentos diários sobre responsabilidade. Amnésia e identidade
© FILOSOFIA DA MENTE 21
O próximo tópico para discussão é outro tipo de experiência de pensamento, proposta pela
primeira vez pelo filósofo Bernard Williams em seu emblemático ensaio The Self and the Future
(O eu e o futuro). Aqui está uma versão simplificada da situação:
Imagine que você vai passar por um procedimento horrível pelo qual todas as suas memó-
rias, crenças e traços de caráter serão permanentemente removidos do seu cérebro. Na verda-
de, tudo o que pode ser considerado “distintivo” sobre sua psicologia será removido, deixando
seu cérebro com pouco mais do que uma básica capacidade de consciência e a habilidade de
raciocínios simples. Isso seria comparável a uma amnésia total e permanente que também
trouxesse consigo uma perda de personalidade.
Imagine também que, após esse procedimento, a pessoa que permanecesse é torturada do-
lorosamente. Você acredita que seria você quem sobreviveria e experimentaria a tortura? Seria
razoável para você antecipar as futuras experiências de dor? Caso você pudesse fazer algo
para evitar que a tortura ocorra, seria razoável fazê-lo baseado em seus interesses próprios?
Muitas pessoas respondem que realmente pensam ou, pelo menos, suspeitam de que so-
breviveriam a um procedimento como esse e experimentarão, depois, a dolorosa tortura. Em
sua discussão sobre esse tipo de caso, Bernard Williams afirma que existe um princípio implí-
cito operando em nossa resposta a tais exemplos: “que minha dor física a qual serei subme-
tido no futuro não é excluída, qualquer que seja o estado psicológico em que eu me encontre
naquele momento [...]”. Ele também conclui que esse princípio parece “bom o suficiente” e
“direto” e que, caso haja algum engano nessa maneira de pensar, “precisamos mostrar o que
está errado com isso”.
Não é de inteira surpresa, após uma reflexão, que as pessoas realmente respondam dessa
maneira em uma situação como essa: quando alguém sofre de amnésia ou está nos últimos e
graves estágios da doença de Alzheimer, podemos dizer que o indivíduo não é mais “a mesma
pessoa que costumava ser”, mas estamos falando de forma vaga aqui. Embora, em um senti-
do, pensemos que a pessoa está significativamente diferente, mesmo uma “pessoa diferente”,
em outro importante sentido, ainda permaneceu a mesma coisa.
Caso realmente estivéssemos em dúvida se a pessoa que agora sofre da doença de Alzhei-
mer fosse o mesmo indivíduo que conhecíamos no passado, nosso comportamento seria con-
sideravelmente diferente. Falando de um pai idoso que sofreu mudanças dramáticas em sua
psicologia, o filósofo David Cockburn marcou essa questão com eloquência:
[…] é precisamente porque não há dúvida em minha mente sobre
quem é a pessoa no hospital que o pensamento de visitas é algo
como um pesadelo. De forma similar, o filho renegado não é um es-
tranho; seus pais, apesar de tudo, se recusam a falar com ele, mas
não se recusam a falar com estranhos. (Other Human Beings, p.
141).
Parece que existe um aspecto importante da identidade pessoal que escapa à tentativa de
reduzir o “eu” a nada além de conexões psicológicas e continuidade. Muitos de nós pelo me-
nos suspeitamos de que nossa identidade não possa ser reduzida desta maneira sem deixar
algum resíduo. A “personalidade” de alguém, mesmo amplamente interpretada, a fim de in-
cluir memórias e todos os outros estados psicológicos, não esgota a sua individualidade. Isso
é relevante porque até mesmo a mera suspeita de que alguém poderia sobreviver ao tipo de
procedimento de remoção de psicologia descrito, levanta dificuldades para a visão Lockeana:
de acordo com essa visão, você deixa de existir quando sua psicologia distinta, incluindo me-
mórias, deixa de existir. Caso haja, no final, uma pessoa remanescente, essa pessoa não pode
ser plausivelmente considerada como sendo você.
22 PLANO DE AULA
Conclusão
Aonde isso nos leva? Nossa consideração a respeito dos argumentos no diálogo de Perry
mostrou que parece haver objeções bem fortes ao critério da alma, ao critério do corpo e ao
critério do cérebro. Também se levantaram algumas preocupações sobre o critério da memória
de Locke, e vimos na aula de hoje vários outros problemas com essa abordagem. Parece que
cada grande teoria enfrenta objeções filosóficas substanciais. Na próxima e última sessão,
consideraremos o trabalho de Derek Parfit e veremos que ele não acha nossa situação uma
surpresa: ele argumentou que todas as principais teorias propostas são insatisfatórias e que
deveríamos revisar radicalmente nossas crenças sobre a natureza do “eu”.
© FILOSOFIA DA MENTE 23
DIA 5 – DISCUSSÃO DO “CASO DE FISSÃO” DE
PARFIT E SUA ALEGAÇÃO DE QUE A IDENTIDA-
DE PESSOAL NÃO TEM IMPORTÂNCIA.
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
• Os alunos devem entender por que o exemplo de “fissão” apresentado por Parfit levanta
sérias dificuldades para todas as principais teorias da identidade pessoal.
• Os alunos devem considerar até que ponto eles concordam com Parfit, de que a identida-
de pessoal não deve importar. Também devem considerar a plausibilidade da visão ética.
As alegações de Parfit são apoiadas por suas conclusões metafísicas.
Tendo garantido uma concordância sobre se alguém poderia sobreviver a uma hemisferec-
tomia, o instrutor deve então caminhar com os alunos através do caso de fissão. Observe que,
se um aluno objeta que os hemisférios tendem a diferirem, com um deles sendo dominante,
explique que Parfit está assumindo a possibilidade teórica de se ter hemisférios particularmen-
te equilibrados.
Pode ser apresentado para a classe outro vídeo de brainspotting em que o caso de fissão
é dramatizado – e Parfit é entrevistado: <Http://www.youtube.com/watch?v=J_SOXpzgs_I&-
feature=related>. As partes relevantes estão entre 1:38 e 7:10.
24 PLANO DE AULA
É útil questionar os alunos sobre a resposta ao caso: pergunte a eles qual das opções lista-
das no guia de leitura parece mais plausível:
Após explicar como cada uma dessas opções parece insatisfatória, a classe pode ter uma
discussão geral sobre a própria conclusão de Parfit: de que estamos irracionalmente vincula-
dos à identidade pessoal e deveríamos “desistir da linguagem da identidade” e perceber que a
identidade pessoal não pode, de forma razoável, ter a importância que naturalmente, mas de
forma falaciosa, atribuimos a ela.
Alguns alunos provavelmente resistirão à conclusão de Parfit, e sua resistência pode assumir
a forma de um súbito ceticismo quanto à coerência do experimento mental. Nesse momento,
é útil trazer o tópico de pacientes com “cérebro dividido”, isto é, pacientes que tiveram o corpo
caloso cortado. Felizmente, temos outro excelente vídeo para ajudar a apresentar tais casos:
<Http://www.youtube.com/watch?v=lfGwsAdS9Dc>. Este é um vídeo da Scientific American
Frontiers. Você, provavelmente, vai desejar parar o vídeo por volta de 6:30. Depois disso, o
foco muda para as qualidades especiais do hemisfério esquerdo, que deixaria as águas meio
turvas para nós, dado o nosso foco no caso de fissão de Parfit e a pressuposição de hemisférios
equilibrados.
O que os casos de cérebro dividido parecem mostrar é que tais pacientes podem ser vistos
de forma plausível como possuindo dois fluxos independentes de consciência. Caso Descartes
tivesse razão ao reivindicar o “penso, logo existo”, então parece plausível sugerir que existam
dois “eus” ou pessoas em tais corpos. Claro que o verdadeiro enigma é se tais reflexões não
nos levariam a imaginar se, mesmo em nossos próprios casos, existam de fato dois – ou mais –
centros de consciência. Por que o corpo caloso do cérebro não pode apenas ser visto como uma
forma conveniente para que nossos dois “eus” se comuniquem um com o outro? Resumindo,
esses tipos de casos podem suscitar preocupações céticas a respeito da unidade do “eu” e o
significado da identidade. E eles fazem isso sem envolver nem um pouco de ficção científica.
Legenda: “De forma inocente e despreocupada, a mão esquerda de Stuart não sabe o que
a mão direita está fazendo”.
Texto da carta: “Memorando: Esta noite eu ataco! Morte à mão esquerda! Morte! Morte!
Morte!”.
Caso o tempo permita, o professor pode fazer a transição da discussão para uma conside-
ração das conclusões éticas de Parfit: brevemente, uma especulação metafísica como essa
pode inspirar-nos a nos preocupar menos com nossa própria identidade e mais a respeito da
© FILOSOFIA DA MENTE 25
prevenção do sofrimento, onde quer que ele ocorra, seja em seu corpo ou em outra pessoa.
Paralelos podem ser feitos entre a visão de Parfit e a visão de Buda – ele expõe tais paralelos
em Reasons and Persons.
Conclusão
26 PLANO DE AULA
Guia de leitura para Perry
Um diálogo entre Gretchen Weirob (uma professora ateísta de filosofia), Sam Miller (um
clérigo) e David Cohen (um ex-aluno de Gretchen). Weirob está em um hospital, prestes a
morrer. A discussão sobre os critérios de identidade pessoal é motivada pela questão de saber
se é possível para ela antecipar a existência após a morte – em uma vida após a morte.
Critério da alma
− Objeção: como sabemos sobre esse princípio de “mesmo corpo, mesmo alma”?
Não é o tipo de coisa que conhecemos a priori (ou antes da experiência), por-
tanto deve ser um princípio empírico. Mas é difícil ver como tal princípio poderia
ser confirmado por meio da experiência. Quais evidências podem provar que as
almas se correlacionam com os corpos físicos? Não podemos abrir um corpo,
espiar e ver uma alma! (Weirob faz esse tipo de questionamento).
− Objeção: por tudo o que sabemos, um corpo que exiba uma personalidade es-
tável e similar ao longo do tempo pode ser habitado por inúmeras almas. Talvez
uma alma diferente venha ao corpo todas as noites e, pelo fato de que cada alma
seja qualitativamente similar, o corpo continua exibindo o mesmo tipo de psi-
cologia e personalidade. Nós realmente não temos nenhum motivo para pensar
que a uniformidade psicológica garanta a igualdade da alma. (Weirob faz essa
objeção).
− Objeção: você está apenas assumindo isso. Você realmente não sabe se você
sempre teve a mesma alma. Não há como verificar essa afirmação. Ela é tão
provável quanto a possibilidade de você ter tido muitas almas habitando seu cor-
po. Lembre-se de que as almas são o tipo de coisa que não pode ser percebida.
(Weirob faz essa afirmação).
© FILOSOFIA DA MENTE 27
− Conclusão: mesmo que tenhamos almas, elas parecem completamente irrele-
vantes para questões de identidade pessoal e de sobrevivência pessoal.
Critério do corpo
− Objeção: eu também pareço ser capaz de imaginar cenários nos quais eu conti-
nuo a existir, mas o meu corpo não continua. Eu posso imaginar tendo um corpo
diferente e ainda sobreviver como sendo a mesma pessoa. Um exemplo dessa
situação: Metamorfose, de Kafka (Miller argumenta isso).
Critério de memória
Uma pessoa no momento 1 e uma pessoa em um momento posterior 2 são, de fato, a mes-
ma pessoa, caso a pessoa no momento 2 recordar, ou seja, for capaz de lembrar de ter tido
as experiências que foram experimentadas pela pessoa no momento 1. (Miller, seguindo John
Locke, defende esse tipo de visão).
28 PLANO DE AULA
Perguntas para discussão
− O que conta como uma causa apropriada? Se Deus cria uma pessoa em uma
vida após a morte com todas as suas memórias, são essas memórias genuínas,
uma vez que Deus fez com que essa pessoa as tivesse porque as experimentou?
© FILOSOFIA DA MENTE 29
Guia de leitura para Parfit
O argumento mais efetivo de Parfit baseia-se em um exemplo, derivado de David Wiggins,
no qual imaginamos uma pessoa se dividindo em duas. Aqui está uma breve reconstrução des-
se experimento do pensamento de “fissão”:
1. É geralmente aceito que uma pessoa possa sobreviver a uma hemisferectomia. Em outras
palavras, as pessoas têm sobrevivido a operações nas quais todo um hemisfério do
cérebro é removido. Embora a pessoa sobrevivente possa ficar alterada de maneiras bem
significativas, não consideramos a pessoa sendo numericamente distinta da pessoa original
que optou por se submeter ao procedimento. O pensamento, nesse tipo de procedimento,
não é, presumivelmente, que você será destruído pela operação e substituído por outra
pessoa menos funcional. Ao invés disso, você anteciparia sobreviver como uma versão
menos funcional de si mesmo.
5. Nenhuma dessas possibilidades é satisfatória. Considere uma por vez: (A) Como um duplo
sucesso pode ser uma falha? (B) Qual deles? Escolher qualquer deles como o sobrevivente
parece arbitrário. (C) Isso parece sem sentido. A sobrevivência envolve a identidade e
não posso ser idêntico, numericamente, a mais de uma coisa.
6. Embora conheçamos todas as informações relevantes, parece que não somos capazes de
encontrar uma determinada resposta à questão da sua identidade em um caso como este.
30 PLANO DE AULA
Nossos critérios de identidade não abrangem todos os casos concebíveis – existem situa-
ções nas quais as respostas acabam sendo incompletas ou caem por terra. Aceitamos pronta-
mente que isso possa acontecer para conceitos como “mesa” ou “nação” – a indeterminação
de nossos critérios para a identidade de tais coisas não nos perturba.
Tendemos a pensar que, não importando o que ocorra entre o agora e o depois, a pessoa
resultante dever ser “eu” ou, então, não deve ser “eu”. Em outras palavras, pensamos que
deve haver alguma resposta determinada, mesmo que no momento não saibamos qual seja.
Parfit argumenta que devemos renunciar a essa crença – deveríamos “desistir da linguagem
da identidade”.
Não podemos ter um sentido de identidade no caso de fissão, mas temos tudo o que po-
deríamos desejar, então por que se preocupar? Neste caso de fissão (4), temos tudo o que
precisamos para um caso de sobrevivência sem fissão (como em 3), dessa forma, obviamente,
“identidade” não pode nos dar qualquer coisa tão crucial.
De acordo com Parfit, o que realmente importa na sobrevivência não é o “tudo ou nada” da
identidade, mas nós termos as relações de grau, ou seja, uma conectividade e continuidade
física e/ou psicológica. Com uma fissão, nenhuma pessoa resultante é idêntica a mim, mas isto
não deve nos preocupar, uma vez que o que realmente importa ainda está presente em ambas
as pessoas: um grau suficiente de sobreposição física e psicológica com a pessoa original. A
identidade pessoal, por si só, não importa. Uma pessoa é como uma nação – o que importa
são as partes.
É natural acreditar que exista algum fato adicional a respeito de nossa identidade que de-
cida todos os possíveis casos. Assim, supomos a existência de uma alma misteriosa ou de
alguma substância mental. Como também é natural acreditar que isto deva ser um fato bem
profundo sobre nós. Parfit nega que exista um fato como este.
Parfit argumenta que apenas a existência adicional de algum fato profundo daria a alguém
uma razão para ficar especialmente preocupado com o próprio futuro. Na ausência desse fato,
a mera continuidade psicológica e física não daria a alguém uma razão desse tipo. Sendo dire-
to, o interesse próprio torna-se absurdo sem um “eu”. Da mesma forma, associar-se à identi-
dade de outro indivíduo, tal como um amigo ou alguém que se ama, é, nessa visão, igualmente
problemático.
© FILOSOFIA DA MENTE 31
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Livre
Arbítrio
Planos de aula
7
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Livre Arbítrio
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 23 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 1 – INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 6
1. PENSAR – ESCRITA INDIVIDUAL (5 MIN)............................................................................................................. 6
2. DISCUTIR – EM PARES (10 MIN)........................................................................................................................... 6
3. COMPARTILHAR – OS PARES EXPÕEM PARA A CLASSE (10 MIN)....................................................................... 7
4. DISCUSSÃO GUIADA: RESPONSABILIDADE MORAL (15 MIN).............................................................................. 7
DIA 3 – COMPATIBILISMO....................................................................................................................... 13
1. COMPATIBILISMO............................................................................................................................................... 13
2. SOLICITAÇÃO DE ESCRITA.................................................................................................................................. 14
3. AUTOCOMPATIBILISMO PROFUNDO................................................................................................................... 14
4. OBJEÇÕES AO COMPATIBILISMO....................................................................................................................... 15
DIA 4 – LIBERTARIANISMO...................................................................................................................... 16
1. LIBERTARIANISMO.............................................................................................................................................. 16
2. RESUMO DO LIVRE-ARBÍTRIO.............................................................................................................................. 17
3. PREPARAÇÃO DO DEBATE................................................................................................................................... 18
DIA 5 – CONCLUSÃO................................................................................................................................ 19
1. DEBATE............................................................................................................................................................... 19
2. DEBATE .............................................................................................................................................................. 19
ANEXO..................................................................................................................................................... 20
PLANOS DE AULA
Esta série de planos de aula de Filosofia é composta pelos seguintes módulos:
Ética
Ética Aplicada
7
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
APRESENTAÇÃO
“O homem pode fazer o que quiser, mas não pode querer o que quer”.
Um dos grandes temas presentes nas reflexões filosóficas a respeito da ética refere-se à
capacidade de o indivíduo ser ou não ser responsável pelas decisões que toma. Ao longo da
história da filosofia, um profícuo debate se estabeleceu sobre esse tema e as abordagens refe-
rentes a ele, e as respostas apresentadas foram as mais variadas.
Ao longo desse conjunto de aulas, é proposto pelos seus criadores que se apresente esse
tema aos alunos e se discuta as fragilidades e qualidades de cada uma dessas posições. Para
dar conta desse objetivo, trazem como tema para discussão, logo na primeira aula, o estudo
de caso do assassino norte-americano Robert Alton Harris.
Como esse caso não é conhecido aqui no Brasil, optei por criar um anexo, logo após o tér-
mino das aulas, onde se apresenta algumas informações cruciais a respeito desse indivíduo e
algumas informações referente a sua infância, que foram utilizadas pelo texto originariamente
sugerido, para suscitar o debate.
Por meio dessa ação, espero contribuir para que se mantenha os elementos centrais no qual
se assenta a estratégia didática produzida pelos seus formuladores.
Termino esta breve apresentação manifestando o meu desejo de que esse plano de aula
possa contribuir, positivamente, para sua atuação docente e que os debates advindos dessa
aplicação possam aguçar o interesse de seus alunos a respeito desse tema!
E-mail: filosofia.ead@claretiano.edu.br
© LIVRE ARBÍTRIO 5
Caro professor,
As leituras propostas neste módulo estão em sua versão original, em inglês, devido à falta
de uma versão traduzida e à especificidade do tema. Assim, contamos com sua experiên-
cia profissional e com suas pesquisas para possíveis adaptações, visando sempre ao melhor
aproveitamento deste conteúdo por parte do aluno.
DIA 1 – INTRODUÇÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
O objetivo de hoje é fazer com que os estudantes reflitam sobre seus pensamentos a res-
peito do que é necessário para a responsabilidade e o agir moral, além de criar as condições
de uma introdução mais formal para o problema do livre-arbítrio.
Objetivos e conceitos-chave
Aquecimento
1. Leitura em classe: “Robert Harris” (10 min). Os estudantes devem ler o artigo “Robert
Harris”, de Miles Corwin (originalmente publicado no Los Angeles Times). (O professor
pode sugerir esta leitura como dever de casa).
2. Responsabilizaríamos alguém que é insano ou ainda uma criança por um crime? E quanto
a uma pessoa que sob a mira de uma arma de fogo é forçada a causar dano a alguém?
3. O que é necessário para pensar que alguém é moralmente responsável por uma ação?
Peça aos alunos que comparem suas respostas às questões anteriores. Comece a formular
com eles que condições são necessárias para pensar que alguém é moralmente responsável
por seus atos.
6 PLANO DE AULA
3. COMPARTILHAR – Os pares expõem para a classe (10 min)
Cada dupla descreve suas condições para a responsabilidade moral. Isto deve naturalmente
levar à discussão guiada a seguir.
Lidere uma discussão guiada sobre o que é necessário para uma pessoa ser moralmente
responsável por uma ação. O principal ponto a se chegar é que a pessoa precisa ter sido capaz
de agir de outro modo.
Existem muitas variáveis a se considerar que poderiam interferir em alguém sendo genui-
namente capaz de agir de maneira diferente. Por exemplo, alguém poderia ser forçado a fazer
algo estando rendido sob a mira de uma arma de fogo. Ainda assim, seria possível argumentar
que a pessoa poderia ter escolhido ser morta ao invés de agir como ordenada. A maioria das
pessoas, no entanto, concordará que esse tipo de coerção exime da responsabilidade pela
ação. Outras circunstâncias que poderiam tornar alguém isento de responsabilidade seriam
insanidade, doença ou a ignorância de uma criança que ainda não sabe o que é certo ou erra-
do. O caso de Robert Harris traz ao foco a hereditariedade e o ambiente como fatores que po-
deriam possivelmente eximir alguém de responsabilidade. Se a hereditariedade e o ambiente
formaram o caráter de alguém de modo que seja propenso a agir de certa maneira, caberia
dizer que não poderia razoavelmente ser esperado que fosse capaz de agir de outro modo.
Outro exemplo é que estudos têm mostrado que pessoas que foram abusadas quando crianças
frequentemente abusam de seus filhos quando adultos.
Para preparar o tópico do dia 2 (em que o determinismo causal será o possível impedimento
à habilidade de agir diferente), poderia também ser conveniente propor a questão do destino
– se alguém é destinado ou predeterminado a fazer algo, seria responsável pela ação? Isto
poderia ser discutido em termos religiosos para tornar o debate plausível, visto que muitas re-
ligiões pregam que Deus sabe de antemão o futuro de todos (e que o livre-arbítrio é um tópico
que gera algum debate e discussão em muitas delas).
Dever de casa
RAUHUT, Nils Ch. Ultimate Questions: thinking about philosophy. 3. ed. [Sl]: Pearson, 2010.
p. 77-88. Já que esse é um livro de leitura fácil, nenhum guia de leitura se faz necessário.
© LIVRE ARBÍTRIO 7
DIA 2 – DETERMINISMO RADICAL
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
1. REVISÃO
2. O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO
Palestra
Primeiro lidere uma palestra interativa para introduzir o problema do livre-arbítrio. Explique
que queremos pensar se os requisitos para que uma pessoa seja moralmente responsável po-
dem ou não ser alcançados – se em algum momento realmente poderíamos ter feito de outra
maneira.
8 PLANO DE AULA
A maioria das pessoas tem fortes intuições de que os dois princípios que se seguem são
verdade:
Por livre-arbítrio queremos dizer, basicamente, que nos parece que decidimos genuinamen-
te quais ações faremos – tipicamente, isto nos leva a pensar que também somos moralmente
responsáveis por nossas ações, mas não nos adiantemos.
Mas alguma reflexão leva-nos a pensar que, se o determinismo está correto, e parece estar,
essa sensação de liberdade é apenas uma ilusão. Claro, a sensação é de que estou decidindo,
mas a decisão já foi determinada. Nesse caso, eu não tenho realmente livre-arbítrio (e não
posso ser moralmente responsável por minhas ações). Este é o problema do livre-arbítrio –
esses dois aparente e obviamente verdadeiros princípios parecem ser incompatíveis entre si.
De fato, Incompatibilismo é o nome para a visão de que os dois princípios estão genuina-
mente em conflito entre si. Por outro lado, Compatibilismo é a visão de que esses princípios
podem coexistir, que a aparente contradição entre eles é uma confusão semântica. Explora-
remos o leque de respostas possíveis ao problema do livre-arbítrio em breve. Primeiro, entre-
tanto, note que chegamos neste ponto aceitando intuitivamente ambos os princípios, e então
refletindo o suficiente para percebermos que o determinismo sendo verdade parece nos levar a
pensar que o princípio do livre-arbítrio é ilusório. E o determinismo ainda parece perfeitamente
plausível. Em outras palavras, uma primeira revisão natural das nossas intuições é aceitar o
princípio do determinismo e rejeitar o princípio do livre-arbítrio. Esta é essencialmente a posi-
ção do Determinismo Radical. Neste sentido, é a argumentação pelo Determinismo Radical que
nos leva a reconhecer o problema do livre-arbítrio.
Atividade
Divida a classe em pequenos grupos. Peça a cada grupo para tentar solucionar quais as
respostas possíveis para o problema do livre-arbítrio. Eles podem não saber os nomes das po-
sições, porém, trabalhando pelas possibilidades (aceitar um princípio e rejeitar outro, depois
alternar isso, tentar reconciliá-los, possivelmente rejeitar ambos), eles devem ser capazes de
alcançar as posições gerais e entender suas implicações. Esse grupo deveria romper a pales-
tra, permitir que tenham um entendimento mais profundo das possíveis posições (visto que as
descobriram por sua própria iniciativa), e ser um bom exercício de raciocínio lógico/filosófico.
Palestra
Tendo completado a atividade de trabalho em grupo, pode-se, obviamente, tornar esta uma
palestra bastante interativa, pedindo aos estudantes para contribuir com as possíveis respos-
tas ao problema do livre-arbítrio que acabaram de trabalhar (novamente, o problema do livre-
-arbítrio é a aparente incompatibilidade entre o princípio do livre-arbítrio e o do determinismo).
Podemos meio que olhar as possíveis respostas como uma forma de gráfico de fluxo (há um
bom diagrama de árvore de decisões na página 80 no texto de Rauhut). Primeiro, precisamos
decidir se os dois princípios realmente são incompatíveis. Se pensarmos que são, como prima
facie (à primeira vista) parece ser o caso, então estamos no território do Incompatibilismo,
que diz que o livre-arbítrio pode existir apenas se o determinismo é falso, já que não podemos
acreditar consistentemente em ambos princípios. Se aceitarmos o determinismo, devemos
© LIVRE ARBÍTRIO 9
rejeitar o princípio do livre-arbítrio. Essa posição é o Determinismo Radical. Nessa visão, o
futuro é determinado causalmente pelo passado e o livre-arbítrio é uma ilusão. Por outro lado,
podemos rejeitar o princípio do determinismo. Aqui na verdade temos duas escolhas. Uma é
simplesmente dizer que nem todos eventos são causalmente determinados, de modo que o
passado tem apenas uma influência limitada no futuro e, portanto, o futuro não é determinado
e fixado pelo passado. Podemos chamar essa posição Indeterminismo. Como veremos a seguir,
isto, na verdade, não nos faz muito bem, já que apenas introduzir a aleatoriedade não nos leva
ao livre-arbítrio. Em certo sentido, isto é apenas abrir mão de ambos os princípios, o que não
é muito satisfatório. A última opção no lado do Incompatibilismo é rejeitar o princípio do deter-
minismo e abraçar o princípio do livre-arbítrio. Essa posição é conhecida como Libertarianismo.
Libertários creem que agentes têm poderes causais especiais que dão a eles controle sobre
ações indeterminadas. Em outras palavras, pessoas são especiais, diferentemente de outras
coisas, e podem iniciar ou causar ações.
Se voltarmos ao início, a outra decisão que podemos tomar é argumentar que os princípios
do livre-arbítrio e do determinismo são efetivamente compatíveis entre si. Essa posição geral
é por isso chamada Compatibilismo (algumas vezes também chamada de Determinismo Mode-
rado). Compatibilistas argumentam que a aparente incompatibilidade entre os princípios é uma
confusão semântica, e que pode haver livre-arbítrio mesmo que o futuro seja determinado pelo
passado; Determinismo é compatível com livre-arbítrio e responsabilidade. Grosseiramente,
um ato pode ser livre se é causado de forma correta, onde a última coisa na corrente causal é a
vontade da pessoa. Existem duas formas de Compatibilismo. O Compatibilismo Tradicional diz
que atos são livres enquanto o agente puder fazer o que ele ou ela deseja sem ser restringido
por forças externas (tal como coerção). O Autocompatibilismo Profundo sustenta que um agen-
te é livre se ele ou ela age sob a vontade do que ele ou ela verdadeiramente desejam agir. (Os
detalhes dessas posições além do Determinismo Radical serão cobertos nas próximas lições).
Portanto, temos as seguintes posições principais que filósofos podem sustentar em resposta
ao problema do livre-arbítrio:
3. DETERMINISMO RADICAL
Em geral, pessoas acreditam que eventos particulares causam outros eventos. É como uma
fileira de dominós. O primeiro a cair provoca a queda do segundo, o que causa a queda do ter-
ceiro, e assim por diante. Quando se trata de causalidade, 1) a causa de um evento acontece
antes do efeito; e 2) uma vez que a causa aconteceu, o efeito tem que acontecer também. É
10 PLANO DE AULA
assim que eventos passados dão forma ao futuro. Então são nossas ações causadas também?
Certamente parece ser o caso. Nossas personalidades são causadas pela genética e por nos-
sas experiências passadas. Respondemos a estímulos. E em geral, tendemos a pensar que há
sempre causas para eventos. Se um avião colide, podemos não saber o motivo imediatamente,
assumimos que há uma causa. Há um princípio filosófico, o princípio de razão suficiente, que
afirma que qualquer coisa que acontece o faz por um motivo definido.
1. Assim:
• Se todas as nossas ações são determinadas pelo passado, então nós não temos poder
para agir de modo diferente do que realmente agimos.
• Se não temos poder para agir de modo diferente do que de fato agimos, então não temos
livre-arbítrio.
2. Assim:
2. Se pessoas não possuem livre-arbítrio, então as pessoas não são responsáveis por suas
ações.
4. Assim sendo:
Muitas pessoas acham esse argumento persuasivo. Porém como o argumento para o De-
terminismo Radical parece perfeitamente válido, o fardo de prover bons argumentos para uma
visão alternativa recai sobre eles. São essas tentativas que serão abordadas nas duas próxi-
mas lições.
© LIVRE ARBÍTRIO 11
4. DISCUSSÃO
Lidere uma discussão guiada: suponha que os deterministas radicais estão corretos e o li-
vre-arbítrio é uma ilusão. A sociedade deveria parar de punir as pessoas por crimes que eles
comentem? Por que ou por que não?
Dever de casa
RAUHUT, Nils Ch. Ultimate Questions: thinking about philosophy. 3. ed. [Sl]: Pearson, 2010. p.
88-97. Já que este é um livro de leitura fácil, nenhum guia de leitura se faz necessário.
12 PLANO DE AULA
DIA 3 – COMPATIBILISMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
1. COMPATIBILISMO
© LIVRE ARBÍTRIO 13
isso, claro, ainda assume que coerção, força ou outras restrições externas tornam a ação não
livre e removem a responsabilidade.
Aqui está um exemplo. Suponha que Andrew caminha pela rua e se depara com uma pessoa
que tira uma arma e demanda dinheiro. O ato de dar o dinheiro para a pessoa de Andrew não
é uma ação livre por causa da coerção. Em outra circunstância, porém, Andrew caminha pela
rua e se depara com um sem teto que humildemente pede por dinheiro. Andrew foi criado por
pais que pregavam a caridade e o encorajavam a ajudar os menos favorecidos. Além disso,
sua família era inicialmente pobre e se beneficiou do auxílio de outros. Certamente podemos
dizer que o caráter de Andrew foi formado por hereditariedade, ambiente e experiências pas-
sadas de modo que é determinado a dar dinheiro ao sem teto. Mas no final é SEU caráter que
o causa a dar o dinheiro. E, portanto, de acordo com os compatibilistas, devemos dizer que ele
é responsável e louvá-lo por suas ações.
Resumidamente, compatibilistas geralmente dizem que uma ação é livre se a causa imedia-
ta da ação é um estado psicológico na pessoa, e não é livre se sua causa imediata são estados
de coisas externas ao agente. Também, compatibilistas compreendem que determinismo e
responsabilidade moral devem andar de mãos dadas. Afinal, eles argumentam, recompensar
ou punir alguém por uma ação apenas faz sentido se a ação flui em um sentido regular do
caráter da pessoa.
2. SOLICITAÇÃO DE ESCRITA
Alguém viciado em uma droga é moralmente responsável por usá-la, mesmo não desejando
ser um viciado? O que um compatibilista diria sobre isso? Explique. Você concorda? Por que ou
por que não? Escreva alguns parágrafos.
3. AUTOCOMPATIBILISMO PROFUNDO
Compatibilistas tradicionais sustentam que pessoas agem com livre-arbítrio sempre que
não somos restringidos ou forçados a executar a ação. Isto parece senso comum, no entanto,
conduz a alguns problemas filosóficos, pois às vezes os desejos que nos levam a ações particu-
lares não são idênticos a nossa vontade deliberada. Um viciado em drogas é um bom exemplo.
Ele age por uma vontade de fazer uso da droga, mas deseja não ter essa vontade. Autocom-
patibilismo Profundo é uma forma de Compatibilismo introduzida pelo filósofo contemporâneo
Harry Frankfurt. Ele difere do Compatibilismo tradicional, em que uma pessoa é considerada
livre apenas se agir pelo que Frankfurt chama de desejos autênticos, desejos que a pessoa
escolheu e com os quais se identifica. Livre-arbítrio é a habilidade de agir por vontades pelas
quais verdadeiramente queremos agir. Se agimos por vontades impostas em nós por outras
fontes, como pais, pressão de colegas, propagandas, ou vícios, ou se agimos por vontades
sobre as quais não refletimos e escolhemos deliberadamente, então estamos agindo por von-
tades inautênticas e não temos livre-arbítrio. Um animal agindo por um desejo instintivo para
comer não está exercitando o livre-arbítrio. De mesmo modo, Frankfurt argumenta que um ser
humano que simplesmente age sem refletir por um desejo impulsivo não está exercitando o
livre-arbítrio. Ele distingue uma pessoa, alguém que reflete sobre suas vontades e, portanto,
tem livre-arbítrio, de um humano que não tem, a quem ele chama de um devasso e não de
pessoa. Para ser uma pessoa, deve-se ter desejos autênticos, que em essência são desejos de
segundo nível: um desejo de primeira ordem acontece quando “A” deseja fazer “X”; um desejo
de segunda ordem acontece quando “A” quer desejar fazer “X”. Um autêntico desejo é uma
avaliação reflexiva de uma vontade de primeira ordem.
14 PLANO DE AULA
4. OBJEÇÕES AO COMPATIBILISMO
Comece perguntando aos alunos quais problemas possíveis eles veem no Compatibilismo.
Com sorte, alguns alunos serão céticos a respeito de “poderia ter feito de outra forma se a
pessoa quisesse ter feito outra coisa” ser suficiente para a responsabilidade moral ou notarão
que, uma vez que comecemos a avaliar se queremos desejar ações, podemos facilmente cair
em um regresso infinito. No entanto, você pode precisar introduzir algumas ou ainda todas as
críticas na discussão.
Aqui está uma simples primeira versão da crítica. Paul Edwards apontou que não há dife-
rença empírica entre Determinismo Radical e Compatibilismo. Ambos concordam nos fatos:
eventos são determinados causalmente pelos eventos passados e frequentemente a causa
imediata (proximal) de uma ação é o estado psicológico da pessoa. A grande diferença é como
interpretamos esses fatos. O caráter da pessoa ser a causa proximal da ação torna a pessoa
responsável? (Na verdade, esse é o X da questão no debate entre Deterministas Radicais e
compatibilistas. Depois de passar por essas objeções ao Compatibilismo, você pode querer re-
tomar essa questão e pedir aos alunos para refletir realmente sobre isso). Edwards argumenta
que não, porque a pessoa não pôde escolher o seu próprio caráter. Está tão fora do controle da
pessoa quanto tudo o mais. Então por que iríamos louvar ou denegrir a pessoa?
Aqui está uma versão mais formal da crítica. Peter van Inwagen é um filósofo que apresen-
tou o argumento da consequência. Que é algo assim:
• Nossas ações futuras são consequência necessária do passado e das leis da natureza.
• Se não temos poder sobre X, então também não temos poder sobre as futuras e neces-
sárias consequências de X.
2. Portanto:
• Para sermos responsáveis por nossas ações futuras, devemos ter poder sobre nossas
ações futuras.
3. Assim:
Dever de casa
RAUHUT, Nils Ch. Ultimate Questions: thinking about philosophy. 3. ed. [Sl]: Pearson, 2010. p.
97-101. Já que este é um livro de leitura fácil, nenhum guia de leitura se faz necessário.
© LIVRE ARBÍTRIO 15
DIA 4 – LIBERTARIANISMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição introduz o estudante ao Libertarianismo como uma solução para o problema do
livre-arbítrio. Os estudantes devem ter lido sobre o tópico no texto de Rauhut como dever de
casa, em preparação. A seguir haverá um resumo do tópico do livre-arbítrio. Finalmente, você
deverá formar times e permitir que comecem a se preparar para um debate culminante em
classe a ser sustentado na próxima e final lição.
Objetivos e conceitos-chave
1. LIBERTARIANISMO
Nessa consideração, seres humanos são diferentes de pedras, plantas ou outros objetos.
Pessoas têm uma forma especial de poder causal, chamado causalidade do agente para distin-
gui-lo de causalidade do evento. Se pensarmos de volta à lição dois, causalidade do evento é
como uma peça de dominó caindo causar uma próxima peça a cair. É assim que funciona para
todos os eventos físicos; todos os eventos físicos são necessários por eventos físicos prévios
e assim determinados. No entanto, quando se trata de agentes, os libertarianos pensam que
as coisas são diferentes. Agentes podem agir sem a ação ser resultado de eventos anteriores,
sem que seja determinada pelo passado. Agentes têm um poder especial de causar algo sem
ser sujeito ao determinismo causal; o agente pode agir espontaneamente para causar que algo
aconteça sem que já estivesse determinado a isso. Esse poder é conhecido como causalidade
do agente. Para ajudar a compreender a causalidade do agente, podemos usar a linguagem re-
ligiosa (apesar do Libertarianismo não precisar ser uma visão religiosa). É como se os agentes
fossem seres semelhantes a Deus capazes de agir como um “primeiro motor imóvel” – capaz
de causar eventos a acontecerem sem que nada e ninguém cause o agente a causar esses
eventos a acontecerem.
16 PLANO DE AULA
Existe um número de críticas comuns ao Libertarianismo:
2. RESUMO DO LIVRE-ARBÍTRIO
Lidere uma discussão guiada sobre onde os alunos pensam que as coisas estão, agora que
eles cobriram todas as posições a respeito do problema do livre-arbítrio. À medida que você
facilita, faça com que os alunos saibam que enquanto é relativamente fácil ver qual é o pro-
blema do livre-arbítrio e por que é importante, resolvê-lo parece ser bastante difícil. Todas as
posições terminam parecendo misteriosas de uma forma ou de outra. Faça com que os alunos
saibam que não há problemas em ter dificuldade de chegar a uma resposta. Apenas pensar
sobre as diferentes possibilidades e os argumentos a favor e contrários pode nos ajudar a cla-
rear como pensamos sobre nós mesmos e como nós nos encaixamos no mundo físico. Nesse
sentido, este tópico vai muito bem com o módulo sobre a identidade pessoal.
Um ponto óbvio que você pode adicionar à discussão é que diferentes filósofos parecem
tomar diferentes abordagens gerais sobre problema do livre-arbítrio desde o início. Alguns filó-
sofos tendem a tratar o livre-arbítrio como uma pergunta metafísica que informa as nossas vi-
sões sobre a teoria do valor (responsabilidade ética/moral). Em outras palavras, começam com
nossas intuições que os princípios do livre-arbítrio e do determinismo parecem ambos serem
verdadeiros, reconhecem a aparente incompatibilidade entre eles e, então, tentam responder à
pergunta metafísica de se ambos ou apenas um é realmente correto, e, se apenas um for, en-
tão qual. Dessa resposta, eles então atingem uma resposta sobre se nós genuinamente temos
livre-arbítrio. Esses filósofos tendem a ser Deterministas Radicais ou Compatibilistas. Outros
filósofos parecem começar com a ideia de que somos agentes morais e temos responsabilidade
moral. Eles aceitam o argumento geral contra o Determinismo Radical apresentado na lição 2
como um ponto de partida. Então, eles tentam resolver o problema metafísico resultante de
como considerar o livre-arbítrio dada a aparente incompatibilidade entre os dois princípios. Isto
é, trabalham da teoria do valor e então tentam resolver a questão metafísica. Esses filósofos
tendem a ser libertarianos ou compatibilistas.
© LIVRE ARBÍTRIO 17
3. PREPARAÇÃO DO DEBATE
Divida os estudantes em times para um debate a ser realizado na próxima lição. Nesses
times, faça com que iniciem as preparações para o debate. Eles devem continuar suas prepara-
ções como uma tarefa de casa. Por favor, veja a próxima lição, “Dia 5 – Conclusão” para mais
informações sobre o debate e a escolha dos times.
18 PLANO DE AULA
DIA 5 – CONCLUSÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esse exercício de debate em classe serve como uma atividade cumulativa para este módulo.
1. DEBATE
Tópico do debate: Robert Harris não é moralmente responsável pelos homicídios que come-
teu.
1. Divida a maior parte classe em dois times, prós e contras (deixe sobrar alguns alunos).
O lado a favor argumentará pelo Determinismo Radical. Deixe o lado contra escolher
argumentos compatibilistas ou libertários, como queiram.
2. Divida a maior parte da classe em dois times, como mencionado, e encarregue os alunos
restantes como o júri, que votará o time vencedor do debate.
3. Divida a classe em quatro times: dois a favor e dois contrários. Um dos times contra
será encarregado da defesa do Compatibilismo, enquanto o outro será encarregado do
Libertarianismo. Sustente dois debates curtos. Os outros times podem atuar como júri
para o debate no qual não estiverem participando.
4. Use algum outro formato; sinta-se livre para ajustar de acordo com, por exemplo, o
tamanho de sua classe.
Como mencionado na lição prévia, os estudantes podem ser atribuídos aos times no dia an-
terior. Você pode escolher os times ou deixar os estudantes escolherem o lado que acham mais
atraente. Uma boa forma de fazê-lo é abrir uma votação de qual posição os alunos acham mais
forte (sem mencionar o debate ou os times), então atribua os times baseados em seus votos.
Dessa forma, os alunos não tentarão apenas estar num time com seus amigos. No entanto,
você provavelmente precisará ajustar os números um pouco. Os estudantes devem ter algum
tempo para preparar o debate durante a lição 4. Sugira que o preparem também como dever
de casa. Não se esqueça de lembrá-los de que eles precisam incorporar as posições filosóficas
em seus argumentos.
2. DEBATE
Independentemente do formato que decida usar, esteja certo de deixar um tempo após o(s)
debate(s) para discutir as estratégias e os argumentos que as equipes usaram e quão efetivos
foram. Se tiver um júri, peça a eles para esquematizarem os argumentos e respostas durante
o debate, depois refira ao esquema enquanto discutem qual time ganhou e por que.
© LIVRE ARBÍTRIO 19
Nota
Para mais sugestões de como realizar um debate significativo em classe, confira os seguin-
tes sites:
ANEXO
Robert Alton Harris2 e seu irmão, Daniel Marcus Harris, sequestraram dois adolescentes de
um restaurante de fast food, forçando-os a dirigir para uma área isolada. Depois que Robert
atirou e matou os dois garotos, eles foram para a casa e usaram o carro roubado para assaltar
um banco. Como os adolescentes estavam chorando com a possibilidade de serem mortos,
Harris, enraivecido, disse que deveriam morrer como homens e atirou.
Harris tinha vinte e cinco anos quando matou os dois adolescentes. Os promotores disseram
ao júri que ele provocou as vítimas antes que elas morressem, riu delas depois que ele puxou
o gatilho, e, então, calmamente comeu os hambúrgueres que eles haviam comprado para o
almoço.
Uma testemunha seguiu o carro do roubo, e a polícia prendeu os dois homens. Tanto Robert
quanto Daniel Harris admitiram o sequestro e assassinato dos adolescentes para a polícia. No
julgamento, Robert Harris admitiu ter roubado o banco, mas negou sequestrar os jovens ou ser
responsável por seus assassinatos. Ele foi, no entanto, condenado à morte. O cúmplice Daniel
Marcus Harris testemunhou no julgamento de seu irmão e foi condenado a seis anos de prisão
no Estado pelo sequestro. Ele foi dispensado em 1983.
Harris nasceu três meses prematuro depois que sua mãe foi chutada tão brutalmente no ab-
dômen por um marido furioso, que ela começou a sofrer uma hemorragia. Seus pais infligiam
espancamentos frequentes – o pai com os punhos, quebrou sua mandíbula quando ainda não
tinha dois anos. Sentado à mesa, se Robert buscasse alguma coisa sem a permissão do pai,
ele acabaria com um garfo nas costas da mão.
Por esporte, o pai carregava sua arma e dizia às crianças que tinham 30 minutos para se es-
conder do lado de fora da casa, depois do qual ele as caçava como animais, ameaçando atirar
em qualquer um que encontrasse. Nesta época, o jovem Harris começou a mostrar raiva por
1
WIKIPEDIA – The Free Encyclopedia. Robert Alton Harris. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Alton_Harris#/media/
File:Robert_Alton_Harris_1990.gif. Acesso em: 1 jul. 2019.
2
Este texto foi traduzido e adaptado de um artigo em inglês. Texto original: CLARK PROSECUTOR. Disponível em: http://www.
clarkprosecutor.org/html/death/US/harris169.htm. Acesso em: 1 jul. 2019.
20 PLANO DE AULA
animais e pessoas. Seu pai foi preso por molestar sexualmente suas filhas, enquanto a mãe
fumava e bebia até a morte.
Pesquisas mais recentes sobre comportamento fetal e neonatal indicam que todos os bebês
estão bem conscientes de seu ambiente. São capazes de sentir dor e estão constantemente
aprendendo com suas experiências. Essas descobertas científicas sustentam que a violência
durante a gravidez e o nascimento é a sementeira de uma sociedade violenta.
© LIVRE ARBÍTRIO 21
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Método
Filosófico
Planos de aula
9
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Método Filosófico
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 54 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 3 – ARGUMENTOS............................................................................................................................. 11
1. O QUE É UM ARGUMENTO?................................................................................................................................. 11
2. PARTES DE UM ARGUMENTO.............................................................................................................................. 11
3. DISSECAÇÃO DE UM ARGUMENTO..................................................................................................................... 12
DIA 10 – FALÁCIAS.................................................................................................................................. 38
1. FALÁCIAS............................................................................................................................................................ 38
2. FALÁCIAS FORMAIS............................................................................................................................................ 39
3. FALÁCIAS INFORMAIS......................................................................................................................................... 41
Ética
Ética Aplicada
9
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
APRESENTAÇÃO
“Sempre que uma teoria lhe parecer a única possível, considere isso como um sinal de que você não entendeu a teo-
ria nem o problema que ela pretendia resolver.”
Karl Popper
Neste módulo teremos como foco de investigação o método filosófico. Esse tema se reveste de
extrema importância neste momento histórico em que estamos vivendo, isto porque as humanidades têm
sido atacadas, o anti-intelectualismo tem se afirmado em alguns círculos políticos e a filosofia tem se meta-
morfoseado, nesses mesmos círculos, em uma conversa de botequim onde somente aqueles que possuem
ideias semelhantes são instados a participar.
Para essa nova filosofia tupiniquim, não é necessário um método de investigação filosófico. Basta
que o “estudante” faça uma inscrição no canal daquele youtuber que representa o seu viés político/ideo-
lógico, leia somente dos livros indicados por ele, aceite de forma passiva os temas e abordagens que lá são
apresentados como verdades inquestionáveis e carregue na manga alguma das afirmações desses preten-
sos “portadores da verdade”.
Esses novos “gurus” da “verdadeira” filosofia também se apossam de novos mecanismos de argu-
mentação, e os recursos outrora tidos como anti-filosóficos, na medida em que servem tão somente para o
convencimento sem fundamento lógico, são alçados como mecanismos legítimos de argumentação. Desse
modo, há uma verdadeira competição entre esse ou aquele grupo para se fazer uso da falácia mais eficaz
para se derrotar o adversário político ou moral ou essa ou aquela teoria conspiratória que crie o demônio
mais odiado a ser combatido na luta do Bem contra o Mal.
Desse modo, a busca da verdade, tal como manifestada em Sócrates, que se percebia ignorante
sobre esse ou aquele assunto é tida como fraqueza nesses mesmos círculos, e a interrogação filosófica,
sempre sujeita a reformulações e revisões, é substituída pela verdade a priori.
Temos, então, a caracterização da filosofia como dogma, e nesse ato as inconsistências são evitadas.
Há a certeza de que somente uma certa ideologia ou crença está correta, e as informações que contradizem
essas crenças são desconsideradas por meio do uso hiperbólico do viés de confirmação.
Este estudo de Método Filosófico busca ser, neste momento histórico, uma espécie de mecanismo de
resistência, e realiza dois convites: o primeiro é realizarmos uma investigação filosófica rigorosa, amparada
por um método eminentemente filosófico; quanto ao segundo, este é o convite para que se troque a atitu-
de fácil e tentadora da certeza pela atitude desafiadora e dolorosa do questionamento.
© LIVRE ARBÍTRIO 5
DIA 1 – O QUE É FILOSOFIA
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
O primeiro dia, claro, é dedicado a apresentar aos estudantes o tema da filosofia e a natureza da pesquisa
filosófica. Fazendo-se isso, a lição fornece uma ideia dos tipos de questões a serem exploradas no curso e o
método que será empregado ao explorá-las.
Objetivos e palavras-chave
• Fazer com que os estudantes entendam que filosofia não é somente um tema, mas um
método de investigação.
Comece a primeira aula escrevendo “Eu sou o professor desta aula” na parte de baixo do
quadro com uma linha traçada sobre essa frase. Peça aos estudantes para mostrar, levantando
as mãos, quantos deles acreditam que essa afirmação é verdadeira. Presume-se que todos
levantarão suas mãos. Pergunte-os por que pensam assim. Conforme eles dão suas razões,
escreva-as no quadro, acima da linha. Uma vez que houver um grande número de razões no
quadro, pergunte aos estudantes o que tudo que estiver escrito no quadro se chama. Espera-
-se que eles dirão que são argumentos. Explique o seguinte acerca dos argumentos:
2. Embora “argumento” possa, também, significar uma disputa, no uso comum, não é o
sentido que empregaremos aqui.
6. Pode haver qualquer número de premissas, de zero a um número infinito (mas, haver mais
premissas não significa, necessariamente, que há mais embasamento para a conclusão!)
6 PLANO DE AULA
8. Nem todas as sentenças são declarações proposicionais – por exemplo, há perguntas,
imperativos etc. que não se enquadram como argumentos.
Pergunte aos estudantes por que você os fez desempenharem essa atividade como o pri-
meiro exercício em uma aula de Filosofia.
2. O QUE É FILOSOFIA?
Antes que respondamos à questão, vamos começar por olhar a palavra “filosofia”. Pergunte
aos estudantes se eles sabem de onde a palavra vem.
A palavra “filosofia” deriva do Grego, significando “amor à sabedoria.” É uma boa descrição.
Filósofos incansavelmente buscam respostas para as mais fundamentais questões. Mas o que
são essas questões e como os filósofos buscam suas respostas?
Diferentemente de outras disciplinas acadêmicas, a filosofia não é definida por uma área
específica de conteúdo. Biólogos estudam coisas vivas, economistas estudam economia, mas
filósofos sistematicamente estudam o conhecimento e a natureza fundamental do mundo. Fi-
losofia é essencialmente um processopara explorar certos tipos de questões. De fato, filósofos
falam sobre fazer filosofia, não sobre saber filosofia.
Mas, o que é fazer filosofia? Aqui está o que fazer filosofia não é:
Filósofos não dão opiniões, especulam ou conversam sem um objetivo. Pelo contrário, o mé-
todo filosófico usa a análise lógica para avaliar o raciocínio sobre questões filosóficas. Filósofos
investigam questões dando ou criticando argumentos para respostas em particular, e a lógica
nos permite avaliar o raciocínio nestes argumentos precisamente.
Volte agora ao “Eu sou o professor desta aula”. A razão porque nós começamos com esse
exercício é porque elaborar argumentos é a base da filosofia. Filósofos elaboram argumentos
sobre alegações filosóficas. Mas comoesses argumentos são avaliados? A resposta é lógica.
Lógica é a primeira ferramenta do filósofo, e muito do que falaremos aqui está focado em
ensinar aos estudantes como usar essa ferramenta. A Lógica capacita os filósofos a determinar
o que está implicado em uma alegação e, portanto, decidir se aceitam ou não as alegações
implicadas pela original. Em seu centro, a lógica é essencialmente um conjunto de regras para
evitar inconsistências em nossas crenças. Se alguém acredita em algo e também em sua ne-
gação (oposição), então a pessoa é irracional. Por exemplo, somente um louco acreditaria que
hoje é terça e que hoje não é terça ao mesmo tempo. A lógica nos mantém, inadvertidamen-
te, longe do perigo de adotar tais crenças inconsistentes. Isto se tornará mais claro ao passo
em que aprendermos mais sobre lógica neste módulo, mas, por agora, considere o seguinte
exemplo.
Considere a alegação de que Lady Gaga é a mais bem vestida pop star. Para ser racional e
seguir as regras da lógica, alguém que acredita nisso também tem que estar comprometido
com uma pletora de outras proposições. Por exemplo, alguém estaria comprometido com a
preposição de que não é o caso de que todas as estrelas pop mais bem vestidas são homens.
Suponha que eu tenha dito que acredito que Lady Gaga é a mais bem vestida estrela pop,
e também que todas as estrelas pop mais bem vestidas são homens. Usando a lógica, você
poderia demonstrar que minhas crenças são inconsistentes e me levar a desistir de uma de
minhas crenças. Se eu apenas ignorar e disser que não me importo, não há nada mais o que
você possa me dizer. Nesse ponto, eu estou escolhendo ser irracional. A lógica fornece as mais
fundamentais e indispensáveis regras básicas para a investigação intelectual.
Falamos, até agora, sobre o método filosófico. Ainda não dissemos muito sobre os tipos de
questões exploradas pelos filósofos. É difícil definir exatamente o que constitui uma questão
filosófica, mas, grosso modo, questões filosóficas versam sobre a natureza fundamental do
© LIVRE ARBÍTRIO 7
mundo e nosso conhecimento de mundo. Há três grandes áreas entre as quais se pode dividir
as questões filosóficas: ontologia, epistemologia e axiologia.
Axiologia, às vezes chamada de teoria do valor, é o estudo dos julgamentos de valor. Por
razões práticas, podemos dividir a axiologia em dois principais tipos de estudos de valores
pelos filósofos: valores éticos e valores estéticos. O primeiro inclui: “O que faz uma ação certa
ou errada? A moralidade é subjetiva?” O segundo: “Como definimos beleza? Há critérios obje-
tivos? O que torna algo uma obra de arte? Uma lata de sopa “Campbell’s” é arte tanto quanto
as pinturas de Wahrol impressas nela?”
Você pode ter percebido agora que questões filosóficas assim entendidas são levantadas em
quase todas as disciplinas. O que conta como evidência para uma hipótese científica? Fornecer
cuidados médicos aos cidadãos é responsabilidade do governo? Por essa razão, pode haver e
há a “filosofia de” quase tudo. A filosofia da ciência explora a natureza da explicação científica.
A filosofia política examina a natureza do governo e sua função.
Prática
Esta tarefa é uma preparação para a atividade do próximo dia, chamada “Qual é a Sua
Razão?”. Uma descrição completa da atividade será dada no plano de aula do próximo dia.
A atividade foi emprestada dos recursos fornecidos pela Northwest Center for Philosophy for
Children (Northwest Centro de Filosofia para Crianças).
Distribua quatro cartões (ou papéis cortados do tamanho de cartões) a cada estudante.
Peça a eles para que escrevam, em cada um dos quatro cartões, uma alegação na qual eles
acreditam, em um total de quatro. Uma delas deve ser uma alegação de valor (normativa) e
uma deve ser uma alegação negativa. Para a alegação de valor, eles devem escrever algo que
as pessoas devem ou não devem fazer. A alegação negativa é meramente para reforçar a no-
ção de que temos razões para acreditar que algumas coisas não devem ser feitas.
Do outro lado da alegação escrita, os estudantes devem escrever três razões que eles têm
para acreditar nas alegações. Os estudantes podem apelar a quaisquer fontes de informações
externas que eles queiram para ajudá-los a fornecer razões.
8 PLANO DE AULA
DIA 2 – SER UM (BOM) FILÓSOFO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição é uma continuação do panorama dado no dia um. A primeira atividade reforça
que fazer filosofia tem tudo a ver com dar ideias sérias a favor de (ou contra) uma alegação
em particular. A segunda parte da lição se afasta de fazer filosofia em direção ao significado
do ser um filósofo em termos de padrões e expectativas para discurso. Se você tem um código
de honra escolar (ou algo semelhante), esta lição lhe dá uma boa oportunidade de conectá-lo
com o curso.
Objetivos
Cada cartão terá uma alegação escrita em um lado e três razões que sustentam a alegação
escritas no outro lado.
Divida os estudantes em dois times. (Uma forma divertida de fazer isso é pelas datas de
aniversário – todos os nascidos antes de 30 de junho em um lado; todos os nascidos depois,
no outro. Então ajuste as datas para obter números pares). Depois que os times estiverem
formados, recolha os cartões, mantendo os cartões de cada lado separados.
O exercício agora continua como um jogo de charadas. O objetivo é que os estudantes con-
sigam adivinhar a alegação através das razões citadas para sustentá-la.
Começando com o primeiro time, eu escolho o primeiro estudante da fila e leio para ele ou
ela uma das três razões do primeiro cartão em meu bolso. Se o estudante puder adivinhar a
alegação pela primeira razão, seu time ganha três pontos. Se não, eu leio a segunda razão.
Se o estudante puder corretamente adivinhar a primeira e segunda razões, o time recebe dois
pontos. Se o estudante não conseguir adivinhar após as duas primeiras razões, eu leio a ter-
ceira. Se todas as três razões forem necessárias, um ponto é dado ao time. Se o estudante
não puder adivinhar após as três razões lidas, o outro time tem uma chance de adivinhar; se
conseguirem, o outro time recebe um ponto.
Após o estudante um do time um tiver adivinhado, eu escolho um novo cartão e vou para o
estudante um do time dois. Continuo assim até que todos os estudantes tenham tido a chance
de adivinhar pelo menos uma vez.
© LIVRE ARBÍTRIO 9
Atenção: às vezes discordâncias podem surgir sobre se a razão oferecida para uma alega-
ção é boa. Isto pode ser uma boa oportunidade para discussão, mas, certamente fará a ati-
vidade durar muito mais. Por exemplo, quando o jogo foi jogado previamente, um estudante
escreveu a alegação de que “roubar dinheiro da bolsa de sua mãe é errado”. Uma das razões
dadas foi “isso é contra a lei”. Outros estudantes objetaram a essa razão com base em dois
contra-argumentos. Primeiro, eles alegaram que não era ilegal roubar de seus próprios pais.
Esta foi (mais ou menos) decidida por outros estudantes assinalando que a maioria dos pais
provavelmente não prestariam queixa contra seus próprios filhos. Segundo, e mais interes-
sante desde um ponto de vista filosófico, vários estudantes indicaram que algo ser ilegal não
o torna, necessariamente, errado. Como um exemplo, um estudante disse que ele teve que
roubar um carro para levar um amigo ferido ao hospital, isso seria ilegal – primeiro porque foi
um furto de veículo e, segundo, porque estaria dirigindo sem habilitação – mas isso, até onde
sabemos, não seria errado. Um outro estudante observou que matar é errado, mas que, na
Guerra, por exemplo, não é ilegal. Isto levou a uma discussão acerca da diferença entre algo
ser ilegal, mas não errado versus errado mas não ilegal; os estudantes (pelo menos alguns)
conseguiram ver que apenas o primeiro contra-argumento contou como uma objeção à alega-
ção de que “roubar da bolsa da mãe é errado”.
Peça aos estudantes que leiam a folha Mandamentos de um Filósofo. Se sua escola tiver um
código de honra ou algo semelhante, você pode inseri-lo na discussão. Após a leitura, pergunte
a eles o porquê de pensarem que as características escritas são importantes para um filósofo
ou qualquer pessoa envolvida com o discurso acadêmico. Encorage-os a escolher um dos man-
damentos e explicar por que é importante.
Há alguns pontos importantes que você deve fazer questão de abordar na aula:
1. Nesta classe somos todos filósofos e devemos seguir os mais altos padrões de respeito
acadêmico e integridade. Em nossa comunidade de filósofos, todos devem se sentir
seguros compartilhando suas ideias.
3. Como filósofos, nós conversamos sobre nossas ideias, não sobre pessoas. Precisamos ser
cuidadosos em certificar-nos de que estamos falando sobre ideias e não tecendo ataques
pessoais. Por outro lado, devemos estar abertos a críticas a ideias que oferecemos e não
levar as críticas para o lado pessoal.
4. Alguma parte do material que discutiremos pode ser altamente controversaem natureza.
De fato, discutiremos diversos tópicos (a existência de Deus, por exemplo) sobre os quais
muitos na classe terão crenças pessoais bastante fortes. Precisamos ser sensíveis àquelas
crenças nos outros e abertos a refletir criticamente sobre tais crenças em nós mesmos.
Novamente, nós estamos avaliando argumentos, não julgando pessoas.
Prática/dever de casa
10 PLANO DE AULA
DIA 3 – ARGUMENTOS
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição começa com uma introdução mais formal à lógica. Porque a Lógica é a ferramenta
para avaliar o raciocínio em um argumento, só faz sentido começar por discutir em termos um
pouco mais formais o que um argumento é.
Objetivos e palavras-chave
1. O QUE É UM ARGUMENTO?
Comece esta lição com o vídeo da série Monty Python O Argumento Clínico. Ele está dispo-
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SjPfvwPaHdg>. Acesso em: 21 maio 2019.
• Mera contradição ou uma disputa (Sim é… Não, não é… Sim, é… Não, não é.)
• (Proposto por um cliente) “uma série coletada de afirmações para estabelecer uma pro-
posição definitiva”.
Quando falamos sobre argumentos como os usados por filósofos, estamos falando sobre um
argumento de segundo sentido (nº2).
2. PARTES DE UM ARGUMENTO
Escreva, novamente, no quadro o argumento do primeiro dia: “Eu sou o professor desta
aula”. Você não tem que escrever exatamente como estava no primeiro dia, certifique-se de
que você incluirá algumas premissas que os estudantes elaboraram. Classifique (noemeie) as
premissas e a conclusão.
© LIVRE ARBÍTRIO 11
Agora comece por definir alguns termos para os estudantes:
Proposição: é uma sentença declarativa que tem um valor de verdade. Ou seja, pode ser
verdadeira ou falsa. Proposições expressam fatos acerca do mundo que podem ser verdadeiros
ou falsos.
Pergunte aos estudantes: “Há tipo de sentenças que não são proposições?” Resposta: “Sim.
Questões, comandos, exclamações etc. são sentenças que não são proposições, porque care-
cem de um valor de verdade.”
Premissa: é uma proposição que serve como uma razão para a conclusão.
Pergunte aos estudantes: “Pode haver um argumento com apenas uma premissa?” Respos-
ta: “Sim. Por exemplo, Bill é um homem solteiro. Portanto, Bill é um solteirão.”
Pergunte aos estudantes: “Pode haver um argumento sem premissas?” Resposta: “Sim. Por
exemplo, considere um argumento sem premissas e a seguinte conclusão: ou é segunda-feira
em Tóquio ou não é segunda-feira em Tóquio.”
O argumento “Eu sou o professor desta aula” está na forma normal –as premissas estão
emuma lista vertical com a conclusão abaixo delas separadas por uma linha (ou por um símbo-
lo ∴). Normalmente, argumentos estão em linguagem comum, mas às vezes estão em outras
formas, como provas matemáticas. Converter um argumento da linguagem comum para a
forma normal nos permite identificar as premissas e a conclusão.
Você pode fazer com que os estudantes forneçam algumas palavras indicativas de premis-
sas e conclusões e elaborar uma lista.
Indicadores de premissa: desde que, por que, para, nisso, como, dado que, em virtude
de, pode-se inferir de, devido a, na medida em que…
3. DISSECAÇÃO DE UM ARGUMENTO
Peça aos estudantes que trabalhemem pares. Dê a eles de seis a oito minutos para escrever
três argumentos em linguagem comum. Eles podem criar argumentos tão complexos quanto
quiserem. Direcione o estudante dizendo que os argumentos devem ter múltiplas premissas e
a forma deve ser variada (exemplo: a conclusão não deve sempre vir no final etc.).
12 PLANO DE AULA
Os estudantes então passam seus argumentos completos para seus parceiros, que tentarão
identificar as premissas e a conclusão. Os pares de estudantes devem então discutir se ou não
as premissas e conclusões foram corretamente identificadas.
Prática/dever de casa
© LIVRE ARBÍTRIO 13
DIA 4 – CONCEITOS BÁSICOS
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e palavras-chave
1. Tipos de Argumentos
Coloque o argumento “Eu sou o professor desta aula” de volta no quadro (novamente, você
pode abreviá-lo). Coloque, também, o seguinte argumento:
Pergunte aos alunos se eles podem discernir alguma diferença importante entre esses argu-
mentos. Eles podem sugerir algumas diferenças sem importância, como aquele tem mais pre-
missas etc., mas a resposta que se esperaver é que a conclusão do último argumento deve ser
verdadeira (desde que as premissas sejam verdadeiras), obviamente. Se eles não percebem
essa diferença, você precisará apontar isso. O argumento anterior torna provável a conclusão,
mas não prova a conclusão. Esta é a distinção mais central entre as duas principais categorias
de argumentos:
Argumentos dedutivos
• O argumento dedutivo, se sólido, comprova que a conclusão deve ser verdadeira (expli-
caremos o que “sólido” significa em breve, mas, por enquanto, você simplesmente pode
sugerir que isso significa que é um bom argumento dedutivo).
14 PLANO DE AULA
• O argumento “hoje é um dia desemana” é dedutivo, porque sempre que a segunda pre-
missa é verdadeira, a conclusão deve ser também (a primeira premissa é sempre verda-
deira).
• Os argumentos não dedutivos (ou indutivos), se fortes, mostram que a conclusão prova-
velmente é verdadeira (o que dissemos sobre “sólido” funciona aqui também para “for-
te”).
• O argumento “Eu sou o professor desta aula”é nãodedutivo, porque é muito provável que
você seja o professor da classe, mas não prova isso.
Exercício de classe: peça a alguns voluntários que coloquem no quadro alguns dos argu-
mentos de sua tarefa de casa da noite passada. Como uma classe, determine se esses argu-
mentos são dedutivos ou nãodedutivos. Uma vez que os argumentos provêm de editoriais,
blogs etc., provavelmente a maioria ou a totalidade deles será nãodeducionista. Certifique-se
de ter alguns exemplos de argumentos dedutivos que você também colocou no quadro.
Deixe os alunos saberem que você retornará aos argumentos nãodedutivos como uma clas-
se em uma lição posterior, mas agora você quer se concentrar em argumentos dedutivos. Um
argumento dedutivo é aquele em que o autor está tentando mostrar que a conclusão DEVE ser
verdadeira. Os argumentos dedutivos são avaliados em termos de validade e solidez:
Validade:
• Um argumento dedutivo é válido se e somente se, em cada caso, quando cada premissa
éverdadeira, a conclusão também éverdadeira.
Solidez:
Exemplos:
© LIVRE ARBÍTRIO 15
Este argumento é válido e sólido.
Este argumento é válido, mas não adequado [não sólido], porque a segunda premissa é
falsa.
Hoje é terça-feira.
Amanhã é quarta-feira.
Este argumento é válido. É sólido às terças-feiras, mas não adequado (não sólido) às segun-
das, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos!
Lição: a validade é eterna, mas a solidez muda à medida que as circunstâncias mudam.
Os lógicos (aqueles que estudam lógica) avaliam a validade dos argumentos (o raciocínio).
Cientistas ou outros especialistas são peritos que podem avaliar o conteúdo de argumentos
particulares (a verdade ou a falsidade das premissas).
Os filósofos usam seu treinamento e habilidades em lógica para descobrir onde as intuições
das pessoas diferem fundamentalmente. Para outras questões filosóficas, os filósofos avaliam
o raciocínio e o conteúdo dos argumentos. As premissas para argumentos filosóficos podem
provir de experiências do pensamento, da ciência, da sociologia etc.
Aviso: os argumentos dedutivos podem ser válidos ou inválidos e as proposições (por exem-
plo, premissas e conclusões) podem ser verdadeiras ou falsas. Não o contrário! (Os argumen-
tos não podem ser verdadeiros ou falsos, e as proposições não podem ser válidas ou inválidas.)
Muitas vezes, os iniciantes querem dizer que um argumento é verdadeiro ou que uma decla-
ração é válida, mas este é um grande erro. Cuide para que seus alunos não façam esse erro
fundamental.
16 PLANO DE AULA
Silogismo:
Muitas vezes, uma ou mais premissas em um argumento estarão implícitas. Isso ocorre
porque os argumentos geralmente dependem do conhecimento de fundo que o autor assume
que o leitor possui. Por exemplo:
Obama é poderoso.
O que está implícito aqui é que Obama é presidente dos Estados Unidos.
Lembre aos alunos que, quando estão analisando argumentos para considerar se estes po-
dem ser um silogismo, para serem caritativos para com o autor, pois os filósofos podem preci-
sar preencher premissas implícitas.
Exercício de classe: coloque vários argumentos dedutivos no quadro. Peça à classe para
avaliar se cada um é válido ou inválido e sólido [válido, adequado] ou não.
3. TABELAS-VERDADE
Exemplo:
PeQ
Aqui está uma tabela-verdade que nos diz o valor-verdade de “P e Q” com base nos valo-
res-verdade de P e de Q:
P Q P e Q[ P ^ Q ]
V V V
V F F
F V F
F F F
© LIVRE ARBÍTRIO 17
Os valores-verdade para as duas primeiras colunas são colocados na tabela apenas execu-
tando todas as possibilidades. Precisamos cobrir todas as combinações possíveis de valores-
-verdade para essas proposições. Mais tarde, vamos descobrir as regras sobre como fazer isso.
Com sorte, é intuitivo que existam as quatro combinações possíveis de valores-verdade como
na tabela acima. E quanto aos valores-verdade na última coluna? Aqui, preenchemos o valo-
r-verdade em cada linha, pensando no que significa “P e Q”. Intuitivamente, “e” significa que
ambas as frases juntas por “e” são verdadeiras. Portanto, P e Q devem ser verdadeiros somen-
te quando ambos P e Q são verdadeiros e falsos em todos os outros casos. Daí o valor-verdade
como na tabela. Vamos estabelecer regras formais para criar tabelas-verdade em breve. Pri-
meiro, porém, vejamos como a tabela-verdade nos permite avaliar a validade do argumento.
Veredicto: válido!
Considere o argumento:
Não Q
P Q Não Q[ ~ Q]
V V F
V F V
F V F
F F V
Intuitivamente, “não” nos diz que “não Q” é verdadeiro sempre que Q é falso e vice-versa.
Há uma coluna na tabela-verdade para Q mesmo que não seja uma premissa, porque precisa-
mos dela para resolver todas as possibilidades (para sabermos os valores para “não Q”).
A premissa (P) é verdadeira nas linhas um e dois. A conclusão (não Q) é falsa em uma des-
sas linhas – a primeira linha. Portanto, há pelo menos um caso em que todas as premissas são
verdadeiras, mas a conclusão é falsa.
Veredicto: inválido!
18 PLANO DE AULA
mas regras para criar tabelas-verdade. O que estamos aprendendo são alguns dos fundamen-
tos da lógica proposicional. A lógica proposicional é, simplesmente, a lógica das proposições
–declarações que propõem fatos sobre o mundo (alguns dos quais são verdadeiros e alguns
dos quais são falsos). A lógica proposicional é a abordagem formal mais simples da lógica; a
lógica formal envolve o uso de símbolos e procedimentos mecânicos / matemáticos / algorít-
micos para caracterizar e avaliar os argumentos de maneira muito precisa. Aprenderemos a
tradução e as regras para as tabelas-verdade nas próximas lições.
Prática/dever de casa
Peça aos alunos que apresentem a folha de cálculo dedutiva versus nãodedutiva.
© LIVRE ARBÍTRIO 19
DIA 5 – CONECTIVOS LÓGICOS E TRADUÇÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Essa aula vai introduzir os alunos ao universo simbólico usado na lógica formal. Ela vai de-
senvolver o conhecimento e as habilidades que os alunos precisarão para traduzir argumentos
em português na forma simbólica (lógica proposicional), para que possam utilizar métodos
formais (como as tabelas-verdade) para estimarem com precisão sua validade.
Objetivos e palavras-chave
• Os alunos devem entender o que são frases atômicas e como são simbolizadas.
• Os alunos devem entender o que são conectivos lógicos e o que são as tabelas-verdade
para conjunção, negação, disjunção, condicional material e bicondicional material.
1. FRASES ATÔMICAS
Frases atômicas são afirmações que expressam uma proposição (uma simples reivindicação
sobre o mundo). Alguns exemplos:
Hoje é sábado.
20 PLANO DE AULA
Podemos simbolizar frases atômicas com uma letra maiúscula. Tradicionalmente, os lógicos
gostam de iniciar com a letra P e depois continuar alfabeticamente, mas também podemos
usar letras que reflitam o conteúdo da frase, por exemplo, H para “o número atômico do hidro-
gênio é um” ou S para “hoje é sábado”.
2. CONECTIVOS
Podemos fazer afirmações mais complexas conectando frases atômicas usando o que cha-
mamos de conectivos. Já vimos dois exemplos de conectivos. Por exemplo, “e” conectou “o
número atômico do hidrogênio é um” e “o número atômico do hélio é dois” no primeiro argu-
mento. “E” é uma das maneiras de se usar na língua portuguesa o conectivo conhecido por
conjunção. Outras variantes estilísticas de conjunção incluem “mas” e “apesar”. Como vimos
acima, conjunção conecta duas frases ao dizer que ambas são verdadeiras. De agora em dian-
te, para simplificar as coisas, vamos simbolizar os conectivos assim como as frases atômicas.
Conjunção
Símbolo: ∧
Exemplo: P ∧ Q
P Q P∧Q
V V V
V F F
F V F
F F F
Disjunção
Símbolo: ∨
Exemplo: P ∨ Q
Comece preenchendo a tabela-verdade da disjunção como uma classe, de baixo para cima.
Quando chegar na fileira superior, provavelmente haverá uma discordância quanto a se P ∨ Q
deva ser verdadeiro quando ambas as disjunções são verdadeiras. Isso porque em português
temos dois sentidos de disjunções que usamos: inclusivo e exclusivo. O sentido inclusivo de P
ou Q significa que pelo menos um dos (e possivelmente ambos) P ou Q é verdadeiro; o sentido
exclusivo de P ou Q significa que exatamente um dos P e Q é verdadeiro. Em lógica, decidimos
© LIVRE ARBÍTRIO 21
por convenção: traduzimos a disjunção como inclusiva exceto em casos onde não faça sentido
interpretá-la dessa forma (por exemplo, “ Eu vou jogar um 7 ou um 11 nessa rodada” – você
não pode jogar ambos.) Há várias razões para pendermos para o sentido inclusivo. Uma delas
é que é o mais benéfico para o autor de qualquer passagem que estejamos traduzindo em sím-
bolos (porque ela dá a menor margem de possibilidades). Mais importante, precisamos esco-
lher um elemento para o símbolo (∨) significar, e podemos acrescentar mais a nossa tradução
para capturar o sentido exclusivo de disjunção, mas se “∨” significasse a disjunção exclusiva,
seria difícil escrever facilmente o sentido inclusivo. (Logo maisveremos como escrever uma
disjunção exclusiva).
P Q PVQ
V V V
V F F
F V F
F F F
Negação
Negação é outro conectivo que já vimos. Em português nós tipicamente denotamos ele por
“não”, se bem que formalmente é “não é o caso”, ou podemos usar alguns prefixos como “in-”
etc. É um conectivo diferente, pois só opera em uma frase atômica ao invés de conectar duas
(ou mais) frases. No entanto, tecnicamente, um conectivo opera em uma ou mais frases atô-
micas para criar frases mais complexas. “Não é o caso de” faz exatamente isso!
Símbolo: ¬
Exemplo: ¬P
P ¬P
V F
F V
Voltando à disjunção, podemos escrever uma disjunção exclusiva como (P ∨ Q) ∧¬(P ∧ Q).
Traduzindo para o português, temos “P ou Q, mas não ambos P e Q.”
22 PLANO DE AULA
Condicional Material
Símbolo: →
Exemplo: P → Q
P Q P→Q
V V V
V F F
F V V
F F V
Pode ser difícil descobrir intuitivamente como deve ser a tabela-verdade para “se P então
Q”, particularmente as duas últimas fileiras. A condicional material parece dizer que sempre
que P é o caso, então Q é também. Então o que fazer quando P não é o caso? Aqui a história se
repete, pois temos múltiplos sentidos da condicional que usamos em português, e novamente
optamos por escolher um sentido para corresponder ao símbolo (que posteriormente será uti-
lizado para diferenciar a condicional “material” dos outros tipos de condicionais.) Para tornar a
discussão que segue mais simples, explique que para P → Q chamaremos P de antecedente e
Q de consequente. Aqui vai um exemplo de como você pode explicar a tabela-verdade para a
condicional material:
Pergunte aos alunos se essa condicional material é verdadeira. Eles dirão que sim, presu-
mivelmente. Em seguida pergunte se ela é sempre verdadeira ou só às vezes. Novamente eles
presumivelmente concordarão em afirmar que é sempre verdadeiro. Agora, desenvolva os
casos possíveis (como nas fileiras da tabela-verdade). Você pode usar os seguintes exemplos:
1. X = 5
2. X = 3
3. X = 1
© LIVRE ARBÍTRIO 23
Perceba que não podemos encontrar um valor para x que torne o antecedente verdadeiro
e o consequente falso. Isso ocorre porque essa condicional material é sempre verdadeira. Em
outras palavras, não podemos criar uma situação como a da fileira dois da tabela-verdade para
a condicional material. Mas dissemos que essa condicional material é sempre verdadeira, e isso
inclui quando x = 3 e x = 1 assim como x > 4. Em outras palavras, parece que as fileiras três
e quatro da tabela-verdade devem ser verdadeiras!
Bicondicional Material
Símbolo: ↔
Exemplo: P ↔ Q
P Q P↔Q
V V V
V F F
F V F
F F V
Poderíamos nos virar sem usar um símbolo específico para a bicondicional material. No lugar
de P ↔ Q poderíamos escrever (P → Q) ∧ (Q → P), da mesma forma que podemos escrever
uma afirmação mais longa para a disjunção exclusiva. No entanto, isso é entediante e longo
para escrevermos, e o bicondicional material aparece em argumentos com uma frequência
muito maior do que a disjunção exclusiva. No fim das contas, nós habitualmente usamos esses
cinco conectivos (negação, disjunção, conjunção, condicional material e bicondicional material)
porque eles nos dão um balanço ideal entre simplicidade e brevidade. Poderíamos ficar com
apenas dois desses conectivos (negação associada a disjunção, conjunção ou material condi-
cional), mas aí nos encotraríamos traduzindo frases muito mais longas do que a média, que
seria uma perda de tempo. (Na verdade, poderíamos ficar com apenas um conectivo, só que
nenhum desses cinco conectivos padrões dariam conta do recado — teríamos que usar ou um
conectivo conhecido como “negação conjunta” ou outro chamado de “conectivo de Sheffer”.
De qualquer maneira, teríamos traduções ainda mais longas e confusas). Por outro lado, pode-
ríamos usar mais conectivos do que esses cinco padronizados (por exemplo, ∨ para disjunção
exclusiva, além de outros conectivos possíveis), mas teríamos que memorizar mais conectivos,
mais símbolos e mais tabelas-verdade, e não valeria apena devido à raridade com que os utili-
zaríamos. Sendo assim, os cinco conectivos padrões nos dão um balanço ideal e nos permitem
traduzir qualquer conectivo com “função de verdade”1 que apareça na língua portuguesa, mes-
mo que algumas vezes tenhamos que usar vários conectivos.
Prática/dever de casa
Peça aos alunos que apresentem o teste de validação usando as tabelas-verdade da plani-
lha.
1
Sim, estamos adicionando uma qualificação técnica importante aqui, mas no nível deste curso, isto se torna sem
importância. É suficiente dizer que a ideia de alguma forma super simplificada deste curso se dá porque estamos nos
limitando a qualquer conectivo sobre os quais você pode fazer a tabela-verdade.
24 PLANO DE AULA
DIA 2 – SUBJETIVISMO E EGOÍSMO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição mostrará aos alunos como usar o que aprenderam anteriormente para traduzir
proposições do português em forma simbólica (lógica proposicional).
Objetivos
Temos praticamente todas as ferramentas que precisamos para traduzir do português para
a lógica proposicional. Primeiro convertemos o argumento em portuguêspara a forma normal.
Em seguida, descobrimos as sentenças atômicas que aparecem no argumento e escrevemos
uma chave mostrando quais letras representarão quais sentenças atômicas. Então, adiciona-
mos conectivos, conforme necessário, para criar as premissas e a conclusão.
Exemplo 1:
Desde que hoje seja segunda-feira e as terça-feiras sigamas segundas-feiras, amanhã deve
ser terça-feira.
Hoje é segunda-feira.
Amanhã é terça-feira.
P: Hoje é segunda-feira.
Q: Amanhã é terça-feira.
© LIVRE ARBÍTRIO 25
P
P→Q
Exemplo 2:
Ou John vaiestudar ou ele falhará no teste. Ele não vai estudar, então ele falhará no teste.
Forma normal:
P: John estudará.
P ∨¬Q
¬P
¬Q
Exemplo 3:
Vai chover apenas no caso de eu não trazer um guarda-chuva. Como eu não trouxe um
guarda-chuva, vai chover.
Forma normal:
Vai chover.
P: Choverá.
Q: Eu trago um guarda-chuva.
26 PLANO DE AULA
P ↔¬Q
¬Q
2. TRADUZINDO PROPOSIÇÕES
Pense, compare e compartilhe o exercício da classe: peça aos alunos que completem a pla-
nilha com as traduções das proposições, individualmente. Junte os alunos (pode ser em pares)
e peça para que eles discutam suas respostas. Em seguida, peça um voluntário para colocar
cada resposta no quadro. Discuta cada tradução coma classe. Se sobrartempo, trabalhe mais
exemplos de traduções com a classe.
Prática/dever de casa
Peça aos alunos que apresentem a folha de cálculo das traduções dos argumentos.
© LIVRE ARBÍTRIO 27
DIA 7 – AVALIANDO VALIDADE USANDO TABELAS-
-VERDADE
Conteúdo: Método:
Vamos revisar como criar tabelas-verdade para argumentos. Primeiro, temos que ter uma
coluna para cada frase atômica que aparece no argumento. Também precisamos de uma colu-
na para cada premissa, uma para a conclusão e uma para cada vez que precisamos adicionar
um conectivo para criar um bloco de construção para uma premissa ou a conclusão (o último se
tornará mais aparente nos exemplos a seguir). Precisamos de duas linhas, onde n é o número
de sentenças atômicas que aparecem no argumento. Para duas sentenças atômicas, precisa-
mos de quatro linhas, para três sentenças atômicas, precisamos de oito linhas etc. As colunas
para as sentenças atômicas devem ser agrupadas para a esquerda. Para se certificar de que
incluímos todas as possíveis permutações de valores-verdade (todos os casos que possam
acontecer), comece com a coluna da sentença atômica mais à direita e alterne o V, em seguida,
o F, descendo a coluna. Mova uma coluna para a esquerda paraalternar grupos de dois V e dois
F. Vá para a próxima coluna à esquerda e alterne grupos de quatro V e quatro F, e assim por
diante. Agora, preencha o restante das colunas, colocando o valor-verdade apropriado em cada
célula com base nos valores-verdade para as sentenças atômicas naquela linha e as definições
(tabelas-verdade) dos conectivos. Quando você fizer tudo isso, indique quais colunas são pre-
missas e qual é a conclusão. Então veja se existem linhas em que todas as premissas são V,
mas a conclusão é F. Se não, o argumento é válido. Se uma ou mais dessas linhas existem, o
argumento é inválido.
Vamos criar tabelas-verdade para os dois últimos argumentos que traduzimos na lição 6
para ver se eles são válidos.
Exemplo 1:
P ∨¬Q
¬P
¬Q
28 PLANO DE AULA
P Q ¬P ¬Q P v¬Q
V V F F V
V F F V V
F V V F F
F F V V V
Orientações ao professor
Esta lição demonstra com precisão como criar e usar tabelas-verdade para avaliar a validade
dos argumentos.
Objetivos
• Os alunos devem entender como criar corretamente uma tabela-verdade para um argu-
mento.
• Os alunos devem entender como usar a informação em uma tabela-verdade para avaliar
a validade de um argumento.
Esse argumento é válido? Ambas as premissas são verdadeiras apenas na linha inferior, na
qual a conclusão também é verdadeira.
Veredicto: válido
Exemplo 2:
P ↔¬Q
¬Q
P Q ¬Q P ↔¬Q
V V F F
V F V V
F V F V
F F V F
Esse argumento é válido? Ambas as premissas são verdadeiras apenas na segunda linha, na
qual a conclusão também é verdadeira.
© LIVRE ARBÍTRIO 29
Veredicto: válido
Exemplo 3:
P∨Q
Q→R
P Q R PvQ Q→R
V V V V V
V V F V F
V F V V V
V F F V V
F V V V V
F V F V F
F F V F V
F F F F V
Esse argumento é válido? As três premissas são verdadeiras nas linhas um, três e quatro.
No entanto, a conclusão é falsa na linha quatro. Portanto, há pelo menos um caso em que to-
das as premissas são verdadeiras, mas a conclusão é falsa.
Veredicto: inválido
Exemplo 4:
P∧Q
P∨R
P Q R P∧Q P∨R
V V V V V
V V F V V
V F V F V
V F F F V
F V V F V
F V F F F
F F V F V
F F F F F
Esse argumento é válido? A premissa é verdadeira nas linhas um e dois, e a conclusão tam-
bém é verdadeira nessas linhas.
Veredicto: válido
30 PLANO DE AULA
2. PRÁTICA USANDO TABELAS-VERDADE PARA AVALIAR A VALIDADE
Exponha as tentativas na cena da bruxa do Santo Graal, de Monty Python, que está dispo-
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=V5zrM9DFmJc>. Acesso em: 21 maio 2019.
Apósassistir ao vídeo com os alunos, coloque-os em pequenos grupos. Peça a cada grupo
para traduzir o argumento principal do vídeo. Eles precisarão usar algum julgamento para
determinar quais são as premissas e conclusões. Provavelmente você precisará reproduzir o
vídeoenquanto eles tomam algumas notas. Peça aos grupos para informarem toda aclasse,
talvez escrevendo suas respostas no quadro. Com a classe, decida qual(ais) resposta(s) parece
representar melhor o argumento. Ou com a classe inteira ou novamente em pequenos grupos,
crie a tabela-verdade para o argumento e use-a para determinar se o argumento é válido ou
inválido.
Prática/dever de casa
© LIVRE ARBÍTRIO 31
DIA 8 – ARGUMENTOS NÃO DEDUTIVOS
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e palavras-chave
1. Argumentos indutivos
Um argumento indutivo é aquele em que o autor está tentando mostrar que a conclusão é
provavelmente verdade. Considerando que os argumentos dedutivos são avaliados em termos
de validade e solidez, os argumentos indutivos são avaliados em termos de força e coerência.
Força:
32 PLANO DE AULA
Coerência:
Exemplos:
1. O corvo 1 é preto.
O corvo 2 é preto.
O corvo 3 é preto.
______________
A ideia básica é que, ao enumerarmos cada instância (ou observação) sem encontrar uma
instância negativa (isto é, neste exemplo, um corvo que não é preto), a probabilidade de que
a conclusão seja verdadeira continua ficando maior. Se soubéssemosquantos corvos há no
mundo, poderíamos até dar uma estimativa aproximada da probabilidade. Por exemplo, se
sabemos que existem 100 corvos no mundo e observamos 60 deles, todos os quais foram ne-
gros, então a probabilidade de conclusão é de 0,6 (ou 60%). Esse é um argumento forte. Mas
se tivéssemos observado 75 dos corvos, a força seria 0,75, e esse argumento seria mais forte.
Claro, se virmosum corvo que não é preto, então a probabilidade cai para 0 e o argumento não
é mais forte.
Para expressar a probabilidade de alguma conclusão dadas algumas premissas, nós escre-
vemos uma declaração da probabilidade. Normalmente, usamos “H” para a conclusão (porque
também chamamos de “hipótese”) e “e” para o conjunto de premissas (porque também cha-
mamos o conjunto de premissas de “evidência”). Nós escrevemos a declaração da probabilida-
de da seguinte maneira:
Por exemplo, se nossa hipótese é que todos os corvos são pretos e a evidência é que ob-
servamos 60 dos 100 corvos no mundo, todos os quais foram pretos, então p seria 0,6, por
exemplo, P (H / e) = 0,6.
Para avaliar argumentos indutivos, muitas vezes usamos o ramo da matemática conhecido
como teoria da probabilidade para calcular probabilidades, o que nos permite avaliar facilmen-
te a força. No entanto, em muitos casos, não temos a informação que seria necessária para
fazer um cálculo exato de uma probabilidade, caso em que nos deixamos fazer uma estimativa
mais qualitativa da força relativa. Alguns filósofos elaboraram as “regras do polegar” heurís-
ticas que nos dão algumas orientações em certos tipos de circunstâncias. Por exemplo, John
© LIVRE ARBÍTRIO 33
Stuart Mill propôs cinco métodos (regras) para nos ajudar a iluminar questões de causalidade.
Esta é uma forma de argumento conhecido como argumento por analogia. Envolve dizer que
o objeto A possui a propriedade X e o objeto B é semelhante ao objeto A. Portanto, o objeto B
provavelmente também possui a propriedade X. A força de um argumento por analogia (a pro-
babilidade de que o objeto B também tenha a propriedade X) é medida pela semelhança entre
os objetos A e B; quantomais semelhante for B de A, mais provável é que o objeto B também
possua a propriedade X de A. Às vezes, escrevemos um argumento por analogia como tal:
Onde, o “[n]” para a esquerda é para mostrar que a força da conclusão é proporcional a n.
2. ABDUÇÃO
Algumas pessoas afirmam que existe, também, uma forma de raciocínio chamada de ab-
dução. A abdução também é chamada, às vezes, de retrocessão ou inferência para a melhor
explicação (IME), embora não seja claro que todos esses nomes se referem exatamente à
mesma coisa. Também não está exatamente claro o que é a sua relação com a indução, mas
eles parecem refletir, genuinamente, uma forma de raciocínio diferente.
Qual é o valor de x? É 21, porque cada número é a soma dos dois números que o precedem.
Como conseguimos essa resposta? Parece que a maneira natural que fazemos é, em primeiro
lugar, apenas tentando encontrar alguns padrões possíveis (hipóteses), depois testar se e quão
bem cada um se adapta ou explica os dados. Como é que surgem as hipóteses é uma questão
interessante. Podemos apenas provar possibilidades ou talvez haja um processo psicológico
(possivelmente subconsciente); a psicologia da Gestalt é um ramo da psicologia preocupado
em explorar como as pessoas reconhecem padrões. Se mais de uma hipótese se encaixa na
evidência, também é uma questão interessante como avaliamos qual é a melhor. Teremos mais
34 PLANO DE AULA
a dizer sobre isso em breve, como parte da exposição de inferência para a melhor explicação
[IME].
Exercício de classe
Mostre a figura de vaso de Rubin a seguire pergunte aos alunos o que eles veem. Presumi-
velmente, alguns vão ver um vaso enquanto outros vão ver os rostos de duas pessoas olhando
uma para a outra. Discuta como reconhecemos os padrões.
Voltando aos termos abdução, retrocessão e inferência para a melhor explicação [IME],
não existe uma maneira consensual de usar esses nomes. No entanto, parece razoável usar
a abdução como título geral para esse ramo do raciocínio, vagamente a encontrar ou preen-
cher padrões, seja feito por algum método ou apenas mais intuitivamente. A retrocessão e a
inferência para a melhor explicação [IME] foram usadas como termos um pouco mais técnicos
para métodos específicos de raciocínio, avaliando a capacidade das hipóteses propostas para
explicar os dados observados.
Exemplo:
Eu formo algumas hipóteses sobre o que poderia estar causando esse som.
© LIVRE ARBÍTRIO 35
H1, se é verdade, melhor explica, e então eu o adoto (acredito que é provavelmente a ver-
dade) e abro a minha porta.
IME é uma espécie de inverso da indução (é como se o raciocínio fosse “para trás” em com-
paração com a indução):
• IME: maximizar P (e / H) –queremos que a hipótese que faz com que a evidência observa-
da tenha a maior probabilidade de ser verdadeira ou, em outras palavras, a hipótese mais
provável de ter causado a evidência observada (na verdade, comoP (H / e) é chamada de
probabilidade da hipótese dada a evidência, P (e / H) é conhecida como a probabilidade
da hipótese).
Agora que descrevemos como o raciocínio dedutivo e nãodedutivo funcionam, vamos discu-
tir algumas diferenças mais detalhadas entre eles.
Argumentos dedutivos
Argumentos nãodedutivos
Outra diferença importante entre argumentos dedutivos e nãodedutivos tem a ver com a
monotonicidade:
36 PLANO DE AULA
Os argumentos dedutivos são monotônicos.
• Se um argumento dedutivo for válido, adicionar novas instalações não pode mudar isso.
• Por exemplo, uma prova é uma prova; nenhuma nova premissa poderia “refutar” um teo-
rema de matemática que tenha sido comprovado.
Exemplo:
1. A maioria das pessoas que são tratadas com penicilina não tem uma reação.
Isso parece um argumento forte. Mas a nova informação de que Jones é alérgico à penicilina
a enfraquece completamente.
• A conclusão realmente apenas deixa informações claras que já estão nas premissas (em-
bora talvez ocultas). Não amplifica nem adiciona nada novo. É por isso que não pode dar
errado (desde que as premissas sejam verdadeiras, a conclusão também deve ser).
• A conclusão afirma mais do que o que está nas premissas. (Por exemplo, alegando que
todos os corvos sejam pretos depois de ter observado muitos que são pretos, mesmo que
você não tenha visto todos os corvos).
Finalmente, como provavelmente é óbvio, a partir do nosso estudo dessas formas de racio-
cínio, a lógica dedutiva é bem compreendida pelos lógicos, com regras muito claras para ava-
liar os argumentos. Geralmente, podemos usar procedimentos mecânicos para resolver muitos
problemas na lógica dedutiva. A lógica nãodedutiva não é tão bem compreendida e, embora
existam regras ou princípios orientadores, geralmente não há regras tão claras, regras precisas
ou procedimentos mecânicos como a lógica dedutiva.
© LIVRE ARBÍTRIO 37
DIA 10 – FALÁCIAS
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição apresenta aos alunos falácias lógicas: os tipos de argumento que as pessoas ge-
ralmente pensam serem válidos, mas que não são.
Objetivos e palavras-chave
• Os alunos devem entender o que é uma falácia e alguns tipos comuns de falácias.
• Os alunos devem entender a distinção entre uma falácia formal e uma falácia informal.
1. FALÁCIAS
Simplificando, as falácias (às vezes mais precisamente chamadas falácias lógicas) são argu-
mentos que não são bons (são inválidos ou fracos), mas que as pessoas muitas vezes pensam
erroneamente serem boas. Estudamos falácias para que possamos estar mais conscientes dos
erros comuns no raciocínio. Se soubermos quais são os erros comuns, poderemos evitá-los e
reconhecê-los rapidamente quando criados por outros, sem a necessidade de fazer análises
mais envolvidas. Assim, uma abordagem típica para estudar falácias é revisar categorias de
formas comuns nas quais as pessoas falam de maneira incorreta.
• Afirmaro consequente
• Negar o antecedente
• Espantalho
• Generalização precipitada
• Declive escorregadio
• Falácia de composição
• Etc.
38 PLANO DE AULA
Escreva os quatro argumentos a seguir no quadro e peça aos alunos que eles achem os que
são válidos e os que eles acham que são inválidos (peça-lhes que julguem intuitivamente neste
momento).
É meio dia.
É meio dia.
Depois de fazer a pesquisa, peça aos alunos para traduzir os quatro argumentos em forma
simbólica, escreva tabelas-verdade para eles e avalie se eles são válidos ou inválidos.
2. FALÁCIAS FORMAIS
P→Q
A tabela-verdade é a seguinte:
P Q P→Q
V V V
V F F
F V V
F F V
© LIVRE ARBÍTRIO 39
Da tabela-verdade, podemos ver que ambas as premissas são verdadeiras apenas na pri-
meira linha. Nessa linha, a conclusão também é verdadeira. Portanto, esse argumento é váli-
do. Acontece que esta é uma forma muito comum de argumento –isto é, muitos argumentos
acabam se traduzindo em símbolos exatamente da mesma maneira. Obviamente, todos os
argumentos que têm esse formulário são válidos. Por isso, nós lhe damos um nome, modus
ponens [método de afirmar afirmando], e sabemos que, a qualquer momento, ao encontramos
um argumento que seja traduzido dessa maneira, torna o argumento válido.
P→Q
P Q P→Q
V V V
V F F
F V V
F F V
Na terceira linha, as duas premissas são verdadeiras, mas a conclusão é falsa. Portanto,
esse argumento é inválido. O relógio pode ter parado de trabalhar ontem ao meiodia e acon-
tece coincidentemente de estar mostrando a hora certa. Muitas vezes, as pessoas pensam
intuitivamente que esse argumento é válido. Há alguns motivos. Pensando no argumento
particular, é verdade que é uma coincidência afortunada para um relógio que não funciona
mostraro tempo correto –a maior parte do dia não será. Mas é possível. Mais importante ainda,
essa forma de argumento se parece muito com o modus ponens e, portanto, quando encon-
tramos argumentos dessa forma, as pessoas geralmente assumem que são válidos porque
argumentos similares são argumentos bons e comumente usados. Uma vez que essa forma
de argumento é comumente utilizada, apesar de ser inválida, é uma falácia conhecida como a
falácia de afirmar o consequente.
P→Q
¬Q
¬P
P Q P→Q ¬P ¬Q
V V V F F
V F F F V
F V V V F
F F V V V
As duas premissas são ambas verdadeiras apenas na quarta linha. Nessa linha, a conclusão
também é verdadeira. Portanto, esse argumento é válido. Como no exemplo 1, esta é uma
forma de argumento comum válido, e nós lhe damos o nome modus tollens [modo que nega
por negação ou negação do consequente].
40 PLANO DE AULA
4. Este argumento é traduzido como:
P→Q
¬P
¬Q
P Q P→Q ¬P ¬Q
V V V F F
V F F F V
F V V V F
F F V V V
Na terceira linha, as duas premissas são ambas verdadeiras, mas a conclusão é falsa. Por-
tanto, esse argumento é inválido. Como no exemplo 2, embora o relógio não esteja funcionan-
do, ele ainda mostrará o tempo correto duas vezes ao dia. Novamente, uma vez que a maior
parte do tempo um relógio que não funciona mostra o tempo incorreto, as pessoas muitas
vezes cometem o erro intuitivo de pensar que esse argumento particular é válido. E uma vez
que é semelhante ao modus tollens, pode-se pensar erroneamente que a forma do argumento
é válida. Portanto, essa forma de argumento é uma falácia conhecida como a falácia de negar
o antecedente.
Então, essas duas falácias formais são definidas como qualquer argumento traduzido da
seguinte forma:
Afirmando o consequente
P→Q
Negando o antecedente
P→Q
¬P
¬Q
3. FALÁCIAS INFORMAIS
A maioria das falácias é informal. Essas falácias se distinguem por um tipo geral de erro ao
se aproximar de como fazer um argumento, em vez de poder ser definido por uma determina-
da forma simbólica. Podem ser encontradas muitas listas diferentes de falácias informais, por-
que não existe uma maneira correta e exata de categorizar as falácias informais, mas podemos
dar alguns exemplos de falácias informais comuns:
© LIVRE ARBÍTRIO 41
Implorando a questão (argumentos circulares): essa falácia ocorre quando o autor
assume (como premissa), às vezes implicitamente, a conclusão de que o autor quer apoiar.
Exemplo: qualquer coisa sobre a qual temos uma ideia clara e distinta deve ser verdadeira,
porque Deus não nos permite ter uma ideia clara e distinta de algo que não é o caso. Deus deve
existir porque temos uma ideia clara e distinta de Deus.
Espantalho: esta falácia ocorre quando o autor formula uma versão muito fraca de um
argumento ou de outra forma deturpa o argumento pretendido pelo argumento original, então
ataca essa versão fraca em vez de uma versão mais robusta. (Como filósofos, devemos sempre
ser caritativos e criticar a versão mais forte de um argumento oponente).
Exemplo: Pessoa A: dias ensolarados são bons. Pessoa B: se todos os dias estivessem en-
solarados, não teríamos chuva e as colheitas falhariam, levando à fome e à morte. Então você
está errado.
Exemplo: o argumento de João sobre a política econômica deve estar errado. Ele nem se-
quer trabalha.
Generalização precipitada: esta falácia ocorre quando um autor extrai uma conclusão
geral de uma amostra muito limitada de instâncias específicas.
Exemplo: obtive um “A” na tarefa e meus dois amigos também estavam na aula, então,
provavelmente, cada aluno obteve um “A”.
Falácia da composição: esta falácia ocorre quando o autor assume que uma propriedade
que se aplica a cada membro de um grupo também se aplica ao grupo, ou vice-versa.
Exemplo: cada membro da equipe de futebol pesa menos de 300 libras, então a equipe de
futebol pesa menos de 300 libras.
Falácia dicotômica: esta falácia ocorre quando um autor sugere que há apenas duas pos-
sibilidades (ou algum outro número), quando de fato pode haver mais possibilidades.
Exemplo: ou você me deixará ir ao concerto ou ficarei miserável pelo resto da minha vida.
Como você não quer que eu seja miserável pelo resto da minha vida, você deveria me deixar
ir. (Um exemplo bastante famoso do discurso político é: ou você está conosco ou está com os
terroristas).
Arenque vermelho (ou conclusão irrelevante): esta falácia ocorre quando um autor
distrai a atenção do ponto de disputa em vez de abordá-lo.
Exemplo: claro, eu admito que o referendo possua alguns pontos bons a seu favor, mas há
tantos problemas nesta votação que tudo está ficando ridículo.
Apelo à maioria: esta falácia ocorre quando um autor apela para o que a maioria das pes-
soas pensa, como se isso fosse a razão para que seja assim, mesmo que elas possam estar
erradas.
Exemplo: você deve comprar essa marca de produto porque vende mais do que qualquer
outra marca.
Declive escorregadio: esta falácia ocorre quando um autor assume que começar por um
caminho levará a uma “inclinação escorregadia”, em deslizar ainda mais nessa direção. Essa
forma de argumento pode realmente ser válida em vez de uma falácia, se o autor mostrar
42 PLANO DE AULA
que há uma cadeia de implicações lógicas para cada etapa dentro da cadeia (ou slide [partes
estáticas]), mas a versão falaciosa, em que não existe nenhuma justificativa lógica para a con-
tinuação das etapas, é muito mais usada.
Exemplo: se o governo proibir rifles de assalto, então eles vão proibir armas de mão segui-
das de rifles de caça. Caçadores e desportistas não poderiam possuir rifles para fins legítimos.
Então, temos que votar contra aproibição de rifle de assaltoproposta.
Exercício de classe
Trabalhando em pequenos grupos, peça aos alunos que forneçam exemplos para cada um
desses tipos de falácias. Peça aos grupos que compartilhem seus exemplos com a classe e
discutam. (Se você tiver tempo, uma versão divertida deste exercício é fazer com que os gru-
pos escrevam e executem sátiras que ilustrem uma ou duas falácias atribuídas a eles). Como
variante, você pode trazer anúncios, blogs, editoriais ou o que quiser e solicitar aos estudantes
para identificar as falácias.
Prática/dever de casa
© LIVRE ARBÍTRIO 43
DIA 9 – EXPERIMENTOS DO PENSAMENTO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Até este ponto do módulo, os alunos podem ter a impressão de que a filosofia é a aplica-
ção razoavelmente rígida dos princípios da lógica às questões filosóficas. Não há nada parti-
cularmente inteligente ou criativo em filosofia, apenas a aplicação rigorosa da análise lógica.
Afilosofia, no entanto, é muito mais robusta. Esta lição apresenta aos alunos experiências do
pensamento, permitindo-lhes ver o que da caixa de ferramentas do filósofo vai além da aplica-
ção da lógica. Ele também demonstra aos alunos o papel da intuição na filosofia.
Objetivos e palavras-chave
Comece pedindo aos alunos o que se poderia dizer sobre um “experimento de pensamen-
to”. Após uma breve discussão, forneça aos estudantes o seguinte relato de “experimento do
pensamento”:
Experimento de pensamento: uma situação imaginada que é usada para investigar a natu-
reza das coisas.
Os experimentos do pensamento podem ser usados como um método para explorar nossas
intuições, ilustrar uma hipótese ou teoria, ou para examinar e testar as consequências de uma
reivindicação particular. Os experimentos do pensamento são melhores ilustrados pelo exem-
plo.
Se houver um limite para o universo, então podemos jogar uma lança nele.
Se a lança voltar para trás, então deve haver algo além do limite suposto, por exemplo, uma
parede que parou a lança.
44 PLANO DE AULA
Como essa parede em si está no espaço, o limite não eraaborda do universo.
Em muitos casos, experiências do pensamento de ambos os tipos servem para nos ajudar
a refinar nossas intuições sobre uma ideia particular. O que queremos dizer com intuições? Tal
como acontece com muitos conceitos, os filósofos estão em desacordo sobre o que são exa-
tamente as intuições e o quanto podemos confiar nelas para estabelecer a verdade. Podemos
dizer, no entanto, que as intuições são um tipo de crença caracterizada por uma espécie de
imediatismo –não passamos conscientemente por um processo de reflexão sistemática para
formar intuições da mesma forma que muitas vezes fazemos por outras crenças. Na linguagem
cotidiana, muitas vezes falamos sobre intuições como uma espécie de “aparente”. Um experi-
mento do pensamento pode ser usado para estimular a reflexão crítica sobre as intuições. Este
é o conceito de um experimento do pensamento como uma bomba de intuição.
Por exemplo, a maioria das pessoas tem fortes intuições de que matar outro está errado. O
Dilema do Bonde (The TrolleyProblem) é um experimento de pensamento famoso que se dedi-
ca a intuições sobre matar e força a reflexão sobre elas de maneiras interessantes:
Um criminoso amarrou cinco pessoas inocentes ao trilho do bonde. Um bonde que não pode
ser parado se movimenta em direção a eles, longe ainda para executá-los. Você pode puxar
uma alavanca e desviar o bonde para outra faixa. No entanto, o criminoso também amarrou
uma única pessoa a essa faixa. Você deve puxar a alavanca?
Divida os alunos em pequenos grupos. Peça a cada grupo que discuta (por cerca de 5-7
minutos) as maneiras pelas quais o Dilema do Bonde (The TrolleyProblem) ajuda a refinar suas
intuições. Parte da discussão pode consistir em pensar ou não que eles devem puxar a ala-
vanca, mas o foco central não está na ação certa, e simno que a situação ilumina em relação
às suas intuições. Ao voltar a reunir a turma, peça a cada grupo que compartilhe suas ideias
brevemente.
© LIVRE ARBÍTRIO 45
Experiências do Pensamento Construtivo
Pergunte aos alunos se isso ainda é um pouco vago em suas mentes. Agora, vamos ilustrar
o princípio da relatividade da simultaneidade com um experimento do pensamento, como o
próprio Einstein:
<https://www.youtube.com/watch?v=ZrAJN6tvHMs&list=PL63O5zprEQkfaL2chpiCsm_lzW3dzAmYf>
Este é um bom exemplo da maneira como se pode usar uma experiência do pensamento
para ilustrar uma afirmação. Ao fazê-lo, o experimento do pensamento geralmente faz a afir-
mação parecer mais atraente.
A maioria das pessoas mantém bastante forte a intuição de que o mundo ao seu redor é, na
realidade, como parece ser para si. Por exemplo, tenho uma forte convicção de que existe um
livro real na mesa real à minha frente. Mas…
Imagine que um cientista louco tomou seu cérebro de seu corpo e colocou-o em uma
cuba de fluido que sustenta o cérebro. Os eletrodos estão conectados ao seu cérebro
em um cubo, e esses eletrodos se conectam a um computador que gera imagens e
sensações. Comotoda a sua informação sobre o mundo é filtrada através do cére-
bro, este computador pode simular com precisão todas as suas experiências. Você,
portanto, não pode ter certeza de que o mundo ao seu redor é real e que você não é
apenas um cérebro em um cubo.
Suponhamos que estamos tentando descobrir o que faz uma ação correta ou errada. Um
ponto de partida intuitivo é que uma ação pode ser considerada moralmente correta se for o
melhor para o maior número de pessoas.
Informe aos alunos que estamos começando assim porque é uma intuição razoável e é aí
que os filósofos geralmente começam. Com a ética, as intuições são muitas vezes tudo o que
temos para começar. No entanto, outras questões filosóficas de tipos diferentes devem ser in-
formadas já pelo que sabemos sobre o mundo. Não devemos ignorar a ciência na filosofia. Ao
invés de apenas confiar em intuições e fazer afirmações sobre o mundo da maneira como Lu-
crécio fez, é importante também que o filósofo aproveite e explique o conhecimento do mundo
que ganhamos através da ciência, da psicologia etc. Por exemplo, se eu estiver apresentando
uma teoria sobre a natureza da mente humana, essa teoria deve explicar as correlações entre
atividade cerebral e sensações etc., que foram descobertas pela neuropsicologia. Uma filosofia
naturalista trabalha lado a lado com a ciência para descobrir a natureza do mundo. Por outro
lado, os fatos científicos muitas vezes desempenham um papel importante como premissa em
argumentos filosóficos.
46 PLANO DE AULA
Voltemos ao nosso ponto de partida intuitivo: uma ação pode ser considerada moralmente
correta se for o melhor para o maior número de pessoas. Vamos testar isso como um ponto
de partida, encontrando uma situação em que tomar uma ação que faz o melhor para o maior
número de pessoas não pareça moralmente correto, ou seja, em que ele está em conflito com
nossas intuições. Suponha que Rogério, o temperamental, esteja preso em um viaduto em um
horrível engarrafamento. Um motorista de outra faixa se aperta na frente de Rogério, apesar
dos melhores esforços de Rogériopara evitar isso. Rogériosai de seu carro, arranca o outro
motorista do banco e o joga fora do viaduto. Mas no fim das contas, o cara que Rogériotirou do
viaduto era um terrorista que estava prestes a detonar uma bomba que teria destruído o via-
duto e matadocentenas de pessoas inocentes. No entanto, o homem era um completo estranho
para Rogério, que estava simplesmente agindo em um ataque de raiva. A ação de Rogériofez
o maior bem para o maior número de pessoas, mas, tendo em conta os motivos de Rogério,
parece ridículo considerar sua ação como muito boa.
Chegamos a um ponto em que a proposição a partir da qual começamos criou uma contradi-
ção. Agora precisamos revisar a proposição para torná-la consistente com a intuição que surgiu
através do experimento do pensamento do Rogériotemperamental.
Pergunte aos alunos: como podemos revisar a proposição para explicar o caso do Rogério
temperamental?
Uma vez que revisamos nossa proposição, podemos começar a testá-la novamente, anali-
sando o que se segue. Dessa forma, combinamos nossas intuições, a lógica e o pensamento
filosófico criativo para testar afirmações filosóficas.
Este módulo em geral e esse exemplo, em particular, mostram que, enquanto a lógica é a
ferramenta principal na caixa de ferramentas do filósofo, o método filosófico não é a aplicação
rotineira das regras da lógica. Em vez disso, é um processo de criação de experimentos do pen-
samento de forma inteligente, desenhando distinções finas, refletindo cuidadosamente sobre
nossas intuições e o uso efetivo da análise lógica.
© LIVRE ARBÍTRIO 47
Mandamentos de um Filósofo
Bertrand Russell, em “A Melhor Resposta ao Fanatismo: Liberalismo”, em The New York Ti-
mes Magazine, 1951.
2. Não pense que vale a pena continuar escondendo as evidências, uma vez que elas
certamente virão à tona.
4. Quando você se defrontar com oposição, mesmo se for de seu marido ou filhos, esforce-
se em superá-la através de argumentos, não pela autoridade, pois a vitória baseada na
autoridade é irreal e ilusória.
5. Não tenha respeito pela autoridade dos outros, pois sempre haverá autoridades contrárias.
6. Não use o poder para suprimir opiniões que julgar perniciosas, pois, se o fizer, as opiniões
suprimirão você.
7. Não tema ser excêntrico em sua opinião, pois cada opinião agora aceita, uma vez, foi
excêntrica.
10. Não sinta inveja da felicidade daqueles que vivem em um paraíso de tolos, porque somen-
te um tolo pensará que isto é felicidade.
48 PLANO DE AULA
Argumentos dedutivos versus argumentos
não dedutivos
Identifique cada um dos seguintes argumentos como dedutivo ou não dedutivo.
2. Pessoas que se exercitam regularmente têm uma expectative de vida maior. Annie é ativa
e se exercita regularmente, mas Larry é preguiçoso e não se exercita com regularidade.
Portanto, Annie viverá mais que Larry.
6. Prometeu tem febre e muitas manchas avermelhadas que coçam em seu corpo. Ele não
teve catapora antes e jamais recebeu a vacina para catapora. Prometeu deve estar com
catapora.
7. Maísa é mais alta que Maria e Marina. Maísa não é mais alta que Marina. Portanto, Maísa
é mais alta que Maria.
8. Não é sábio mentir. Muito embora mentir possa parecer uma saída fácil para uma situação,
isto somente criará problemas maiores no futuro.
9. O universo começou a se expandir de uma única partícula no momento do big bang. Isso
exigiria um tempo infinito para que o universo se expandisse infinitamente daquela par-
tícula, mas um tempo infinito não passou desde o big bang. Poranto, o universo não é
infinito.
10. Esta folha tem o mesmo número de argumentos dedutivos e não dedutivos. Até o
momento, há cinco argumentos não dedutivos e quatro argumentos dedutivos. Este é o
argumento final nesta folha.
© LIVRE ARBÍTRIO 49
Argumentos dedutivos versus argumentos
não dedutivos
Repostas
1. Dedutivo
2. Não dedutivo
3. Não dedutivo
4. Dedutivo
5. Não dedutivo
6. Não dedutivo
7. Dedutivo
8. Não dedutivo
9. Dedutivo
10. Dedutivo
50 PLANO DE AULA
Falácias
Identifique as falácias empregadas em cada um dos seguintes argumentos.
2. Após apenas um ano, a transmissão deu problema em meu Honda. Hondas são, claramente,
veículos mal feitos.
3. Qualquer pessoa que alegue que os serviços sociais deveriam ser limitados é claramente
um elitista rico. Nenhuma pessoa sensata daria ouvido a tais alegações.
4. Muitos ambientalistas alegam que nós devemos reduzir as emissões de gases estufa com
o intuito de proteger o meio ambiente. No entanto, a única forma de fazê-lo é limitar as
indústrias que são valiosas para nosso bem-estar econômico.
5. Muitas pessoas se pronunciaram contra a oração nas escolas. No entanto, a maioria das
alegações são tentativas veladas de defender o ateísmo. Ateísmo não somente leva à
supressão da religião, mas também corrói o tecido moral da sociedade.
7. Você tem que ver Harry Potter e as Relíquias da Morte. Não seja o único a ficar de fora;
todos os seus amigos já assistiram ao filme.
© LIVRE ARBÍTRIO 51
Falácias
Respostas
1. Negação do antecedente
2. Generalização precipitada
3. Ad hominem
5. Falácia do espantalho
6. Falsa dicotomia
52 PLANO DE AULA
ÇÃO
CIA LIZA
CO MER
Filosofia
Política
Planos de aula
6
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Filosofia Política
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 33 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 8 – ROUSSEAU................................................................................................................................... 22
1. ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL.................................................................................................................... 22
2. A VONTADE DA MAIORIA.................................................................................................................................... 23
3. DOIS TIPOS DE LIBERDADE................................................................................................................................. 24
1. RAWLS E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA.................................................................................................................... 25
Ética
Ética Aplicada
6
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
FILOSOFIA POLÍTICA
Aspectos gerais
Assim como a Ética e a Estética, a Filosofia Política é parte da chamada Teoria de Valores.
Citando Miller, “Ética [...] é uma preocupação com [...] valores que se aplicam às ações, deci-
sões e relações pessoais”, enquanto que “Estética é o estudo de [...] valores envolvidos com a
arte e com nossas experiências sobre o belo”.1 Da mesma forma, a Filosofia Política investiga
tais valores dentro de conceitos de direitos e justiça. Neste módulo, os alunos investigarão o
propósito e a justificativa da existência de um governo e a natureza da justiça. A primeira parte
deste módulo diz respeito a esses questionamentos. Os filósofos abordados nesta parte, Pla-
tão, Hobbes, Locke e Rousseau, defendem que o estado existe como resultado de um contrato
social, embora discordem sobre direitos e deveres e o tipo de sociedade que o contrato cria. O
módulo direciona-se, depois, para Marx, que, por outro lado, acredita que o estado é a origem
da injustiça, da alienação e da exploração e que, portanto, deve ser extirpado e substituído por
uma sociedade sem a sua presença, que valorize uma igualdade radical. A última parte deste
módulo transita para a Filosofia contemporânea e as noções de justiça competitiva, onde são
exploradas as visões de Rawls e Nozick.
Conceitos-chave da unidade
Ao término do módulo, os alunos devem ter obtido um claro entendimento dos seguintes
conceitos-chave usados por filósofos, historiadores e cientistas políticos: contrato social, libe-
ralismo, comunismo, socialismo, propriedade, direitos, liberdade e justiça.
3. John Locke. Segundo tratado sobre o governo civil (excerto nos apêndices).
Referências adicionais
As seguintes fontes proveem referências adicionais sobre os textos usados nesta secção do
curso:
1
MILLER, E. L. Questions that matter: an invitation to Philosophy. 2. ed. McGraw-Hill, 1987, p. 5.
© FILOSOFIA POLÍTICA 5
• CURTIS, M. Grandes teorias políticas v. 1: uma seleção abrangente das idéias cruciais da
filosofia política, dos gregos ao Iluminismo. Harper Perennial Modern Classics, 2008.
• CURTIS, M. Grandes teorias políticas v. 2: uma seleção abrangente das idéias cruciais da
filosofia política, da revolução francesa à modernidade. Harper Perennial Modern Classics,
2008.
Ambos os livros de Michael Curtis fornecem uma introdução simples e clara aos filósofos
abordados nesta seção, bem como seleções de trechos de algumas de suas principais obras.
Também contêm introduções e seleções de trechos de alguns dos maiores (e também muitos
dos menos importantes) filósofos políticos desde a Grécia antiga até o século XX. O professor
pode recomendar esses livros aos alunos que desejarem efetuar leituras adicionais sobre a
história da Filosofia Política.
6 PLANO DE AULA
DIA 1 – INTRODUÇÃO À FILOSOFIA POLÍTICA
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta primeira parte deste módulo enfoca o conceito de contrato social. A ideia do contrato
social remonta aos gregos antigos e pode ser encontrada nos escritos de Protágoras e Platão
dos séculos IV e IV a.C., e pode ser descrita com a noção de que a natureza e o propósito de
um governo e da sociedade civil têm sua origem em um consentimento explícito ou tácito entre
seus membros. Para alguns teóricos do contrato social, isso significa que, antes da formação
do estado, as pessoas não possuíam padrões morais nem direitos e obrigações legais uns com
outros. Assim, a lei e a moral só ocorreriam através do estabelecimento de um contrato.
Objetivos e conceitos-chave
• Proporcionar aos alunos uma compreensão geral do que é a Filosofia Política (o professor
pode usar o conteúdo previamente apresentado na seção “Aspectos gerais” e no parágra-
fo acima, “Orientações ao professor”).
• Proporcionar aos alunos uma clara noção do que se entende por contrato social.
Reflita
Em duplas
Compartilhe
Oriente cada dupla a compartilhar um ou dois pontos centrais das suas conclusões com a
turma.
Uma série de importantes conceitos surgirá nesta atividade inicial (Reflita/Em duplas/Com-
partilhe) que podem ser utilizados como perspectiva do tema. É importante também que o
professor aborde nesta introdução os seguintes assuntos:
© FILOSOFIA POLÍTICA 7
2. Introduza as questões centrais da Filosofia Política, incluindo:
3. Introduza a noção de contrato social. Comece com uma definição geral (como esta abaixo)
e refine-a abordando Platão, Hobbes, Locke e Rousseau.
“Um contrato social sustenta que as obrigações morais e/ou políticas de uma pessoa depen-
dem de um acordo entre elas para formar a sociedade em que vivem”.
Dever de casa
Leia o diálogo Críton, de Platão, disponível nos seguintes endereços e complete o Guia de
Leitura (anexo no final do documento):
1. <https://saudeglobaldotorg1.files.wordpress.com/2013/08/te1-platc3a3o-crc3adton.pdf>
2. <http://livros01.livrosgratis.com.br/cv000015.pdf>.
8 PLANO DE AULA
DIA 2 – CRÍTON, DE PLATÃO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Platão, no diálogo Críton, coloca grande ênfase no contrato social, porque considera que o
respeito pelo estado é fundamental para a justiça. Ele usa o contrato social para prover um
relato instigante da natureza da obrigação do cidadão para com o estado.
A visão de Platão torna-se mais refinada na obra República, em que a justiça é colocada cla-
ramente como sendo mais do que a simples obediência às leis. Glauco argumenta que a justiça
é uma simples questão de acordo social, mas Platão contrapõe a essa afirmação o conceito de
que a justiça faz parte da natureza de uma alma virtuosa. Por isso, é preciso ter cautela ao
atribuir uma teoria de contrato social à posição final de Platão sobre a origem da justiça.
Objetivos e conceitos-chave
1. OPINIÃO MAJORITÁRIA
Disponha os alunos em duplas para que discutam suas respostas à pergunta 2 do Guia de
Leitura. Ao acabar a tarefa, reorganize a sala na sua disposição original para que trabalhem
sobre o seguinte argumento:
Críton afirma que as pessoas vão pensar mal deles por não fugirem da prisão. Como é que
Sócrates responde?
1. A maioria não pode realmente infligir os maiores males porque não pode infligir os maiores
bens.
© FILOSOFIA POLÍTICA 9
3. Sócrates afirma que só devemos dar ouvidos aos especialistas e não às opiniões da
maioria inepta. Ele argumenta que, assim como o treinamento físico é para o corpo,
também é o especialista em virtude para a alma.
2. A VINGANÇA
Sócrates argumenta que ninguém deve fazer, propositadamente, o mal. Por isso mesmo,
é sempre errado fazer algo errado para punir aquele que errou. Vingança é sempre um erro.
Questione os estudantes sobre:
• Sócrates estava bem consciente que a moralidade aos moldes de Homero determinava
que “uma pessoa deve ajudar seus amigos e prejudicar os seus inimigos”. O que vocês
pensam deste posicionamento de Homero?
3. O CONTRATO SOCIAL
Sócrates argumenta que desfrutou, por 70 anos, de uma série de benefícios provenientes
da vida em Atenas. Portanto, era sua obrigação ou persuadir o estado durante seu julgamento
ou obedecer a suas leis. Por isso, para ele, a sugestão de Críton para que fugisse não era justa.
Pergunte aos alunos:
• Que tipo de deveres e direitos Sócrates argumenta que seriam implicações dos benefícios
que recebeu? Esses benefícios realmente implicam tais obrigações?
• Sócrates realmente fez tal acordo apenas porque ele alegou ter recebido benefícios do
estado?
• A retidão da decisão de Sócrates realmente origina-se de seu contrato social com o estado
ou está ligada a uma noção intrínseca de se fazer o que é virtuoso?
Junte os alunos em três grupos. Um grupo representará o lado a favor, e o outro, o lado
contra a seguinte resolução (escreva-a na lousa):
“Foi acordado que é mais justo a Sócrates permanecer na prisão que fugir”.
O terceiro grupo será a assembleia do júri, cuja tarefa é fazer questionamentos a cada um
dos posicionamentos e, a partir daí, prover feedbacks construtivos aos argumentos apresen-
tados por cada lado. Os times a favor e contra devem ter quatro ou cinco elementos cada. A
assembleia do júri será composta pelos restantes dos alunos. Os dois primeiros grupos devem
usar o tempo desta tarefa para preparar suas respectivas defesas para o debate da próxima
aula. O grupo do júri deve usar este tempo para preparar questionamentos iniciais para ambos
os grupos.
10 PLANO DE AULA
4. Questionamentos jurídicos: a assembleia do júri primeiro questiona o grupo a favor e
depois o grupo contra (5 minutos para cada grupo, 10 minutos no total);
© FILOSOFIA POLÍTICA 11
DIA 3 – O DEBATE SOBRE A GRANDE FUGA
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave
Decisão
“Foi decidido que é mais correto a Sócrates permanecer na prisão que fugir”.
Formato
12 PLANO DE AULA
2. AVALIAÇÃO DA ASSEMBLEIA DO JÚRI
Após a conclusão do debate, o tempo de aula restante deve ser dedicado a uma avaliação
por aqueles que compõem a assembleia do júri. Solicite a seus membros que forneçam fee-
dbacks a cada lado em termos de maneiras que eles poderiam melhorar suas respectivas ar-
gumentações. Para o sucesso desta tarefa, é importante que o professor oriente pessoalmente
este processo. Assegure-se de que os alunos estão se referenciando à força dos argumentos
apresentados no debate (e não as suas próprias opiniões etc.). Também pode ser importante
para o professor conduzir a assembleia do júri, fazendo perguntas que se refiram particular-
mente aos argumentos apresentados no debate.
Dever de casa
Os alunos devem redigir uma análise de meia página definindo qual dos lados apresentou os
argumentos mais fortes e o porquê. Peça aos alunos que usem suas anotações sobre o debate
para servirem como guia na confecção das suas análises.
© FILOSOFIA POLÍTICA 13
DIA 4 – O CONTRATO SOCIAL E HOBBES
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Como é sabido, Thomas Hobbes (1588-1679) defendeu uma monarquia absoluta usando
a teoria do contrato social. Hobbes afirma que a natureza humana é essencialmente egoísta.
Para ele, antes da criação de um estado soberano, não há moral ou direitos, meramente os
ditames de uma certa prudência e a paixão em aumentar o próprio poder. A vida no estado de
natureza seria solitária, pobre, desagradável, bruta e curta. Por falta de interesse próprio, o
ser humano formaria um contrato social como forma de escapar das horríveis condições que
inevitavelmente resultariam da ausência de um governo. Assim, para Hobbes, o estado existe
puramente para proteger a vida das pessoas. Todos os direitos que os indivíduos têm dentro
da sociedade civil estão completamente à discrição do soberano.
Ao contrário de Platão, Hobbes fornece uma teoria do contrato social muito mais elaborada.
Ele baseia sua teoria no interesse próprio dos indivíduos e sustenta que a moralidade existe
por uma questão de convenção. No entanto, ambos os autores parecem afirmar que a desobe-
diência civil é errada, embora por diferentes motivos. À medida que o professor ministra sobre
Hobbes, recomenda-se enfatizar essas semelhanças e diferenças entre Hobbes e Platão.
Objetivos e conceitos-chave
Nota: Hobbes faz distinção entre uma “aliança” e um contrato (social). Para os propósitos
desta exploração sobre Hobbes, não é necessário insistir nessa distinção, mas o professor deve
estar ciente disso.
• As pessoas têm uma certa disposição natural inerente chamada de estado de natureza,
que independe de qualquer coerção por parte do governo;
14 PLANO DE AULA
As teorias do contrato social defendidas pelos filósofos se mostrarão significativamente di-
ferentes em muitos aspectos. As questões cruciais a serem consideradas são:
O estado da natureza
O contrato social
• Como e por que as pessoas concordam em sair do estado da natureza? Como formam um
contrato social?
O estado
• No contexto da visão de cada filósofo sobre o estado da natureza, qual é o fim ou propó-
sito do estado?
Peça à classe que leia o trecho do capítulo “Da condição natural da humanidade relativa à
sua felicidade e miséria” (Apêndices, 450-451). Este trecho descreve a visão de Hobbes sobre
o estado da natureza.
Peça aos alunos que reconstruam o argumento de Hobbes que leva à conclusão de que o
estado da natureza é um estado de guerra em que a vida é “solitária, pobre, desagradável,
brutal e curta”.
• Portanto, as pessoas se tornam inimigas e acabam em luta por três razões: competição,
desconfiança e glória.
• Sem um poder comum para administrar as pessoas e impor a ordem, o estado da natu-
reza deve obrigatoriamente ser um estado de beligerância.
Depois de repassar os argumentos de Hobbes, pergunte aos alunos se eles acham que se
tratam (ou não) de uma visão precisa da natureza humana. Procure ser breve nesta etapa,
pois é apenas uma transição para a próxima atividade, que exigirá que os alunos forneçam
exemplos que apoiem ou que desabonem a visão de Hobbes.
Peça aos alunos que trabalhem em pequenos grupos (3-5 alunos) e que encontrem exem-
plos históricos ou eventos atuais que apoiem ou que desabonem a visão de Hobbes sobre o
estado da natureza. Se o tempo permitir, peça a cada grupo que compartilhe seu melhor exem-
plo com a classe.
Dever de casa
Os alunos devem terminar de ler o capítulo XIV da obra Leviatã de produzida por Thomas
Hobbes e apresentar três ideias centrais presentes nesse texto e a sua importância.
© FILOSOFIA POLÍTICA 15
DIA 5 – O ESTADO HOBBESIANO
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta lição pretende ir além da descrição do estado de natureza de Hobbes e discutir seu
posicionamento a respeito da origem do estado e de sua função na sociedade. O conteúdo será
provavelmente bastante desafiador para os alunos, e, portanto, é importante apresentar os
argumentos de Hobbes pouco a pouco.
Objetivos e conceitos-chave
• Entender como o conceito de governo surge a partir das reflexões de Hobbes sobre o
estado de natureza.
• Conceito-chave: Leviatã.
Comece pedindo aos alunos que relembrem a descrição hobbesiana de estado de natureza
e depois pergunte a eles:
Para Hobbes, trata-se de um assunto bastante complexo e, no entanto, algo que pode ser
prudentemente abordado pela razão. Algo do tipo “se as pessoas fizerem uma análise racional
poderão inferir que…”. No Leviatã, ele elabora 19 princípios desse tipo; os dois primeiros estão
disponíveis nos apêndices.
Primeira lei: todo homem deve se esforçar na busca da paz, na medida em que ele mesmo
tem esperança de obtê-la e, quando não lhe for possível obtê-la por meios pacíficos, que ele
busque e use de todos os meios, inclusive os bélicos.
Segunda lei: que um homem esteja disposto quando outros também estiverem, estando
ambos distantes da paz e da possibilidade de se defenderem a si mesmos, a abdicar de seu
direito natural a todas as coisas e se contentar em conceder liberdade ao outro na mesma me-
dida em que outro também a conceder.
16 PLANO DE AULA
seus próprios interesses) e estabelecer um pacto que ofereça proteção mútua. Instituir tal
pacto e delegar todo o poder a um soberano é a única maneira, de acordo com Hobbes, de se
obter algum sentimento de segurança e escapar à miserável condição do estado de natureza.
2. O LEVIATÃ DE HOBBES
Comece solicitando voluntários que queiram compartilhar de seus parágrafos escritos so-
bre o propósito de um estado de acordo com Hobbes (do dever de casa anterior). Definida a
discussão nos termos acima, conduza-a, dentro do possível, da maneira mais focada no tema
possível.
O que é o Leviatã?
Para Hobbes, o Leviatã é um “deus imortal” ao qual as pessoas concedem poder e força ab-
solutos para se protegerem uns dos outros. É a “vontade” de uma multidão concentrada numa
única entidade. O nome Leviatã é uma referência bíblica a uma poderosa criatura marinha.
Fica claro do citado acima que cada pessoa está conferindo ao soberano o poder absoluto –
o poder de fazer o que ele bem deseja. Hobbes sugere que o soberano, estando fora do pacto,
pode fazer o que for necessário para manter a paz no estado, inclusive executar cidadãos e,
além disso, não toleraria, sob nenhuma circunstância, uma revolução política contra ele.
Divida a sala em pequenos grupos (3 a 5 alunos) para que discutam a seguinte questão:
• E se acontecer de o soberano ser um tirano brutal? Ainda assim, a vida sob os ditames de
tal governante seria melhor que o estado de natureza?
Dever de casa
Os alunos devem ler o capítulo II e III da obra: Segundo Tratado sobre o Governo Civil, pro-
duzida pelo filósofo John Locke e completar o Guia de Leitura (anexo no final do documento).
© FILOSOFIA POLÍTICA 17
DIA 6 – A TEORIA DO CONTRATO SOCIAL DE LOCKE
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Locke (1632-1704) é também um dos mais famosos contratualistas. Assim com Hobbes,
Locke começa deliberando sobre o estado de natureza. Ele alega que as pessoas fazem, pro-
positadamente, um contrato social para saírem daquele estado e constituírem uma sociedade
civil. Embora Locke siga a mesma forma geral que Hobbes, ele acredita que existe uma lei mo-
ral natural que governa o estado de natureza e que essa lei preconiza que o estado não existe
somente para preservar a vida de seus cidadãos, mas também para salvaguardar os direitos
dos cidadãos à propriedade e à liberdade. Assim, Locke contrapõe-se a Hobbes e apresenta
uma visão alternativa ao fim do estado de natureza e da origem da justiça. Por fim, o posicio-
namento de Locke é classificado, embora não por ele, de liberalismo clássico e serviu como um
dos fundamentos da constituição americana e das democracias ocidentais.
Objetivos e conceitos-chave
• Proporcionar aos alunos uma compreensão dos conceitos centrais da Teoria do Contrato
Social de Locke.
Coloque os alunos em duplas e dê a eles alguns minutos para compartilharem suas res-
postas do Guia de Leitura de Locke. Peça a duplas voluntárias para dividirem suas conclusões
sobre o estado de natureza de Locke e sobre como ele difere do de Hobbes.
Locke descreve estado de natureza como sendo de perfeita liberdade e igualdade. Para Lo-
cke, ao contrário de Hobbes, apesar do estado de natureza ser caótico, ele não é um estado
brutal de guerra e medo. Isto se dá porque, mesmo no estado de natureza, existiria uma lei
moral natural que se faz conhecida às pessoas pela razão. Locke afirma: “O Estado de Natureza
tem uma lei que o governa e que se aplica a todos. Esta lei é a razão, que ensina a todos os
homens que todos são iguais e independentes e que ninguém deve prejudicar a um outro no
que diz respeito a sua vida, sua liberdade ou suas posses”.
Pessoas racionais vinculam-se umas às outras por essa lei moral e, assim, não devem agir
somente por interesse próprio, como fariam segundo os argumentos de Hobbes.
Nota: para Locke, esta lei natural tem força moral, ao contrário das leis da natureza de
18 PLANO DE AULA
Hobbes, que parecem ter um caráter mais defensivo (apesar de que essas leis da natureza de
Hobbes são bastante controversas no geral).
Se o estado da natureza para Locke não é o estado de guerra desagradável e brutal que é
para Hobbes, por que as pessoas desejariam deixá-lo?
• Para evitar o estado de guerra que pode surgir quando certas pessoas não cumprem as
leis da natureza.
• O estado de natureza é “inconveniente”. Locke fornece três razões (124-126): (a) não há
leis conhecidas e estabelecidas; (b) não há juízes conhecidos e imparciais (esta ideia da
aplicação imparcial das leis, tanto das leis da natureza quanto as dos governos, é central
na filosofia política de Locke); e (c) dificuldade em punir aqueles que cometeram erros.
É importante notar que esses três inconvenientes podem ser comparados a três ramifica-
ções do governo dos Estados Unidos, respectivamente o legislativo, o judiciário e o executivo.
Entretanto, Locke não faz uma distinção ferrenha entre legislativo e executivo.
Por essas razões, as pessoas consentem em ceder uma parte da sua autoridade a um gover-
no. Elas dão seu consentimento porque desejam que o governo atue para preservar a vida, a li-
berdade e a propriedade, aprimorando as imperfeições e a insegurança do estado de natureza.
Locke está ciente de que a maioria das pessoas não dá, explicitamente, seu consentimento
ao governo. O filósofo faz distinção entre consentimento explícito e consentimento tácito. De
acordo com ele, a utilização de serviços providos pelo Estado constitui tal consentimento tácito.
Qual das visões de governo é mais atraente, a de Hobbes ou a de Locke? Por quê?
Dever de casa
© FILOSOFIA POLÍTICA 19
DIA 7 – LOCKE E A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta aula dá prosseguimento às discussões dos textos selecionados de Locke, com foco es-
pecífico na visão dele sobre a dissolução do governo. Prossegue-se, nesta aula, questionando
aos alunos qual é a relação da filosofia política de Locke com a filosofia estabelecida por Tho-
mas Jefferson e a Declaração de Independência. Em diversos lugares, a semelhança entre a
argumentação de ambos é gritante. Entretanto, existe uma controvérsia relevante a respeito
da extensão da influência direta ou indireta da filosofia política de Locke sobre a Declaração de
Independência.
Objetivos e conceitos-chave
• Proporcionar aos alunos aos alunos a compreensão das condições sob as quais Locke
acredita que um governo possa ser legalmente dissolvido.
Conforme discutido na lição anterior, para Locke, a autoridade do governo vem do consen-
timento do povo. Apesar de tal consentimento não poder ser retirado porque simplesmente
alguém não está de acordo, existem certas circunstâncias nas quais a dissolução do governo
deve ocorrer. Pergunte aos alunos:
“Para Locke, em que situações uma revolução contra um governo seria justificada?”.
(A Seção 222 contém esta argumentação de Locke. Veja a nota 29 nas Referências).
20 PLANO DE AULA
• Solicite que cada dupla compartilhe se estão ou não de acordo que Locke apoiaria a De-
claração de Independência, apresentando duas ou três argumentações racionais.
Dever de casa
© FILOSOFIA POLÍTICA 21
DIA 8 – ROUSSEAU
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Objetivos e conceitos-chave:
• Proporcionar aos alunos um entendimento geral dos termos da teoria do contrato social
de Rousseau e de como ele difere do de Hobbes e do de Locke;
Conforme a sociedade civil foi se formando e a inocência do estado de natureza foi se per-
dendo, emergiu um estado de competição e conflito. A insegurança desta situação levou as
pessoas a se juntarem para formar um governo que as protegesse. Entretanto, o governo es-
tabelecido através deste contrato social não promoveu a liberdade e a igualdade para todos,
22 PLANO DE AULA
mas, justamente ao contrário, serviu primariamente para proteger a propriedade privada e
reforçou as relações de desigualdade social que existiam.
“Porque, então, aqueles que não tinham propriedades para proteger consentiram com o
contrato social?”.
Aqueles que não possuíam propriedades consentiram com o contrato por causa do medo de
viver em tais instáveis condições. Eles não refletiram em como esse contrato seria injusto e
desvantajoso para eles.
Para Rousseau, a solução para os erros da sociedade civil seria não retornar ao estado de
natureza, o que não seria desejável e nem possível. Embora, no estado de natureza, as pes-
soas fossem livres e iguais e não houvesse conflitos, Rousseau acreditava que os seres huma-
nos eram capazes de uma existência mais substancial e significativa que poderia ser realizada
através de um tipo apropriado de estado. A solução seria criar um estado que recuperasse a
liberdade e a igualdade do estado de natureza e permitisse aos seres humanos prosperar na
interdependência do contexto social do mundo. O conceito de “vontade da maioria” é crucial
em um tal estado.
2. A VONTADE DA MAIORIA
De acordo com Rousseau, a chave para se viver em liberdade é submeter nossa vontade
individual à vontade da maioria através de um acordo com outras pessoas da mesma forma
livres e iguais. É submetendo-se a essa vontade da maioria que se pode evitar a coerção e a
exploração.
Você acredita que isso seja viável? Sim ou não e por quê?
Rousseau estava consciente de alguns destes desafios e por isso colocou bastante ênfase na
educação e no incentivo dos tipos corretos de virtude entre os cidadãos.
© FILOSOFIA POLÍTICA 23
3. DOIS TIPOS DE LIBERDADE
Peça aos alunos que, no tempo remanescente de aula, escrevam sobre as seguintes ques-
tões:
Nota: o professor também pode executar esta atividade como uma aula em si mesma ou
como um debate em grupos pequenos em vez de um exercício de escrita reflexiva.
Dever de casa
24 PLANO DE AULA
DIA 9 – JUSTIÇA E IGUALDADE
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Uma das questões centrais da Filosofia Política é como os benefícios e as obrigações das ati-
vidades sociais devem ser distribuídas. Existem inúmeras visões sobre esse tema, mas nessa
lição nos focaremos em apenas duas: a teoria da justiça distributiva de John Rawls e a teoria
da justiça do devido de Nozick. Tanto Rawls como Nozick são filósofos contemporâneos e tive-
ram importantes trabalhos publicados.
Resumindo, Rawls afirma que os bens devem ser distribuídos de acordo com o princípio
da diferença. Nozick, ao contrário, afirma que não deve existir tal princípio, escalonado
naturalmente de cima para baixo, para definir a distribuição de bens. Para ele, o que define
uma distribuição justa depende do tipo de bens a que as pessoas têm direito. Essa diferencia-
ção ficará mais clara nas notas que se seguem.
Apesar de não haver tarefas de leituras nesta lição, existem excertos de Rawls e Nozick
nos apêndices que o professor pode achar útil. Além disso, também há uma pequena sinopse
de cada um dos diferentes posicionamentos no site <www.http://plato.stanford.edu/entries/
justice-distributive/>.
Objetivos e conceitos-chave
• Proporcionar aos alunos uma compreensão geral da teoria distributiva de Rawls e da teo-
ria do direito de Nozick.
Em seu livro A teoria da Justiça, Rawls nos proporciona uma descrição altamente influente
sobre a justiça. Seu livro começa com uma discussão sobre a posição original. Na posição
original, todas as pessoas são livres e iguais. Pessoas nessa posição estariam sob um véu de
ignorância privadas do conhecimento das suas características individuais, tais como classe
social, história social etc. Eles dividem certos interesses fundamentais e têm acesso a certos
fatos sobre o mundo, mas nada a respeito de filiação a grupos etc. Quando colocados na po-
sição de ter de tomar uma decisão a respeito dos princípios que a justiça deve seguir, Rawls
argumenta que, da posição original, dois princípios emergem:
© FILOSOFIA POLÍTICA 25
1. Cada pessoa deverá ter, dentro de um sistema de liberdades básicas iguais, direitos iguais
compatíveis com os das outras pessoas.
O que isto significa? Primeiramente, significa que pessoas devem ter iguais direitos e opor-
tunidades. O mais interessante, entretanto, é o conceito de princípio da diferença (2a).
Neste princípio, os bens não têm de ser igualmente distribuídos.
Se for possível melhorar a posição social dos menos favorecidos, mesmo que aumentem
as desigualdades de renda e riqueza, então o princípio da diferença aceita esse aumento de
desigualdade até o ponto no qual a posição social dos menos favorecidos não possa mais ser
melhorada.
Por que isso é pertinente? Na posição original, todos devem considerar a possibilidade de
estarem na classe social mais baixa. Se essa possibilidade for considerada, todos estarão
preocupados em assegurar as melhores circunstâncias possíveis para os membros mais desfa-
vorecidos da sociedade (2b).
Nozick oferece uma alternativa à teoria da justiça de Rawls. Ele argumenta que Rawls come-
çou de forma errada. Toda teoria de justiça distributiva, tal qual a oferecida por Rawls, parte
do princípio que deve haver algum tipo de organização responsável por distribuir esses bens. A
preocupação dos teóricos desta teoria é encontrar padrões corretos de distribuição. Este é um
passo em falso, segundo Nozick. Antes de se perguntar como os bens devem ser distribuídos,
deve-se refletir sobre uma questão de direito: a quais bens as pessoas têm direito? Em função
disto, Nozick oferece-nos a teoria da justiça do direito, subdividida em três partes:
1. Uma pessoa que adquire bens de acordo com os princípios legais em vigor tem direito a
esses bens. Dito de outra forma, é justo que uma pessoa possua algo desde que o tenha
adquirido de maneira justa. A maneira de se adquirir algo com justiça é um tanto quanto
controversa em Nozick e se assemelha à posição lockeniana. Algo como uma pessoa que,
através do seu trabalho aplicado a uma parte do mundo natural ainda sem dono, se torna
dono do resultado do seu trabalho (por exemplo, um galho achado na floresta que vira
uma lança).
2. Uma pessoa que adquire bens de uma pessoa que tenha direito prévio a esses bens, em
acordo com o princípio da justiça na transferência, adquire o direito aos bens em questão.
A justiça nas transferências é mais direta e objetiva. Uma transferência é justa se, e
somente se, for voluntária e consensual.
A justa distribuição para Nozick é, portanto, simplesmente uma distribuição na qual todos
os bens são obtidos de acordo com os três princípios acima.
Nozick defende seu ponto de vista com uma interessante experiência de pensamento,
apresentada abaixo e retirada da Enciclopédia da Filosofia da Internet:
26 PLANO DE AULA
Imagine uma sociedade na qual a distribuição de bens se adequa a um padrão parti-
cular que se beneficie de uma concepção de justiça que não endosse o direito à ele-
gibilidade. Suponha, apenas para manter a simplicidade do raciocínio, que haja uma
distribuição igualitária que chamaremos de D1. Os opositores de Nozick deverão, é
claro, concordar que essa distribuição é justa, uma vez que o próprio Nozick delegou
essa prerrogativa ao seu oponente. Agora imagine que Wilt Chamberlain (famoso jo-
gador de basquetebol americano, 1936-1999) pertença a dita sociedade e que tenha
uma cláusula no contrato com seu time que ele jogará somente se cada espectador
que venha assistir ao jogo coloque vinte e cinco centavos numa caixa colocada na en-
trada do estádio, e cujo total arrecadado será dele. Suponha que, ao longo da tempo-
rada, um milhão de fãs decidiram pagar os vinte e cinco centavos para vê-lo jogar. O
resultado será uma nova distribuição, D2, na qual Chamberlain terá agora 250.000,00
a mais do que qualquer outro na equipe, tratando-se, portanto, de uma distribuição
que quebra o padrão estabelecido em D1. Será D2 justo? Terá Chamberlain o devido
direito a esse dinheiro? A resposta a essas questões, diz Nozick, é certamente que
sim, pois todos em D1 haviam, por definição, concordado com esse direito dado a
ele, e não existe injustiça nessa concessão inicial que desencadeou D2. Além disso,
todos que deram vinte e cinco centavos na transição de D1 para D2 assim o fizeram
voluntariamente e, portanto, não têm direito a reclamar. Aqueles que não quiseram
pagar para ver Chamberlain jogar mantiveram seus vinte e cinco centavos e também
não têm do que reclamar. Portanto, ninguém tem direito a reclamar e, sendo assim,
não há injustiça.
Implícito está na visão de Rawls que bens e propriedades podem ter de ser redistribuídos
para que haja uma distribuição justa. Nozick refuta esse posicionamento e oferece em con-
trapartida uma perspectiva liberalista. Ele deixa muito pouco espaço para a redistribuição de
bens. Como sua teoria aparentemente permite uma gama de distribuições justas, muitas delas
só aparentam um padrão desigual.
Coloque os alunos em duplas para que debatam qual das teorias da justa distribuição de
bens é mais atraente. Deixe-os debaterem em torno de cinco minutos. Após esse tempo, peça
aos alunos que troquem de dupla e de posição (isto é, os defensores de Rawls passam a defen-
der Nozick e formam dupla com alguém que tenha defendido Nozick e que agora irá defender
Rawls).
Dever de casa
Escreva um texto de uma página descrevendo a filosofia política na qual seu governo funcio-
nará. Como seu governo suprirá as necessidades que não estiverem disponíveis no estado de
natureza? Como serão os poderes políticos e os bens públicos divididos dentro desse Estado?
Você pode se basear em qualquer um dos pensadores que foram abordados, porém, certifique-
-se de saber com exatidão a fonte da ideia e justifique por que acredita nela.
Após ter delineado sua filosofia política, divirta-se com ela. Dê nome a seu país. Crie uma
bandeira que represente os valores do seu Estado, faça um rascunho da sua constituição, re-
dija um hino nacional etc.
Nota: esta é uma tarefa que você pode dar aos alunos ao final do 8º dia para que possam
ter um dia a mais para a elaboração de seus sistemas de governo. Se efetivamente der esta
tarefa ao final do 8º dia, certifique-se de lembrar os alunos, ao final da lição do 9º dia, que as
considerações a respeito de como os poderes e bens devem ser repartidos devem ser baseadas
na discussão Rawls/Nozick.
© FILOSOFIA POLÍTICA 27
DIA 10 – DESFILE DE GOVERNOS
Conteúdo: Método:
Orientações ao professor
Esta aula dá aos alunos uma oportunidade de compartilhar entre si os tipos de governos que
eles criaram e discutir as ideias que eles acharam mais interessantes ou atrativas.
Objetivos e conceitos-chave
• Proporcionar aos alunos a capacidade de explicar e justificar claramente o que eles con-
sideram como estado político ideal e incorporar os conceitos apresentados neste módulo.
1. DESFILE DE GOVERNOS
Incentive os alunos a se deslocarem pela sala de aula para discutir, uns com os outros,
suas versões de governo ideal. O professor pode também se deslocar entre eles para ajudar e
orientar as discussões. Eles devem não só concentrar a discussão nos fundamentos filosófico-
-políticos de seus governos, mas também compartilhar os aspectos criativos e engraçados de
suas ideias. O professor deve avisar os alunos que, ao final da aula, gostaria que eles apresen-
tassem algumas das ideias que acharam mais atrativas e inovadoras para a turma toda.
2. FINALIZAÇÃO
Oriente uma discussão de turma na qual os alunos compartilharão com você as ideias que
eles consideraram mais interessantes, atrativas, intrigantes, inovadoras etc.
28 PLANO DE AULA
GUIA DE LEITURA DA OBRA CRÍTON
1. O que Críton está propondo a Sócrates e como ele tenta justificar sua proposta?
2. Segundo Sócrates, cujas opiniões devem ser valorizadas, as massas são uma autoridade
que devemos respeitar? Por que ou por que não?
3. Em que base Sócrates tem o dever de obedecer ao Estado, mesmo que o Estado o trate
mal?
© FILOSOFIA POLÍTICA 29
GUIA DE LEITURA: LOCKE
3. Dado que o estado de natureza de Locke não é o estado horrível descrito por Hobbes, o
que obriga as pessoas a sair do estado de natureza?
30 PLANO DE AULA
Quadro Comparativo: Hobbes/Locke/Rousseau
Impelido do Estado
de Natureza
Propósito do Estado
© FILOSOFIA POLÍTICA 31