Você está na página 1de 6

RESENHA

BEAUCHAMP, T.L. & CHILDRESS, J.F. Princípios de Ética Biomédica. (4


ed.) São Paulo: Edições Loyola, 2002.

Franciele Bete Petry (PIBIC/CNPq)


Universidade Federal de Santa Catarina

A bioética apresenta-se como uma negligencia considerações teóricas de relevân-


importante área a ser estudada. Cada vez mais cia que foram revisadas. O presente texto bus-
os avanços da ciência, especialmente na área cará apresentar tais alterações, destacando as
médica, têm afetado de forma intensa a vida dos diferenças entre a quarta e a quinta edição da
seres humanos. Temas como aborto, eutanásia, obra.
clonagem e a discussão sobre o direito à inte- A concepção defendida por
gridade do código genético, por exemplo, cons- Beauchamp e Childress baseia-se em quatro
tituem-se no centro das discussões dessa parte princípios, Respeito à Autonomia, Beneficên-
aplicada da Ética que estuda a vida, tanto na cia, Não-Maleficência e Justiça, como funda-
sua origem, como no seu desenvolvimento e no mentos do agir moral na ética biomédica. Uma
seu fim. A fim de se justificar determinadas prá- das principais características dessa concepção
ticas e posições, necessita-se de argumentos refere-se ao fato de que seus princípios estão
fundamentados em alguma teoria. A filosofia, fundamentados em teorias éticas distintas
nesse sentido, contribui de forma muito impor- (teleológica e deontológica). Apesar de haver
tante no debate sobre questões bioéticas, pois tal tensão no campo teórico, os autores argu-
ela, além de problematizar as questões, fornece mentam que na prática existiria uma coincidên-
as bases para as teorias que hoje se apresentam cia entre as normas adotadas para se realizar
como predominantes na tentativa de fundamen- uma determinada ação. Os princípios constitu-
tar a bioética. em-se em guias gerais de ação a fim de resolver
Uma dessas tentativas consiste na te- dilemas morais e permitem a formulação de re-
oria principialista, proposta por Beauchamp e gras específicas de conduta. Estas são genera-
Childress no livro Principles of Biomedical lizações normativas com conteúdo e alcance
Ethics. A tradução portuguesa da quarta edi- mais restrito que os princípios, funcionando
ção dessa obra foi lançada no Brasil em 2002. como normas precisas de ação que estabele-
Contudo, no ano de 2001, os autores já haviam cem o que deve ser feito em determinadas cir-
publicado a quinta edição, que apresenta algu- cunstâncias.
mas mudanças significativas em relação às edi- O principialismo, portanto, procura
ções anteriores. O lançamento dessa edição bra- fundamentar a bioética a partir de princípios,
sileira, portanto, apesar de contribuir para a di- sendo, dessa forma, uma teoria pluralista ao
vulgação do trabalho dos autores na área da adotar as quatro formulações. Fortemente in-
ética biomédica, necessita ser atualizada, já que fluenciados pelo livro The Right and The Good

ethic@, Florianópolis, v.3, n.1, p.87-92, Jun 2004.


88 PETRY, F. B. Princípios de Ética Biomédica

de W. D. Ross, Beauchamp e Childress defen- partir de um consenso social. Assim, a moral


dem a validade prima facie dos princípios. Des- constitui-se nos valores adotados por uma de-
se modo, não há entre os princípios qualquer terminada comunidade ou instituição e abran-
hierarquia, dado que num primeiro momento ge tanto princípios quanto regras, virtudes e
todos têm valor e devem ser respeitados, mas direitos. Já o termo “ética” está relacionado a
na medida em que outras razões suficientemente um estudo mais apropriado dos diferentes sis-
fortes exigem a adoção de um ou outro princí- temas morais, podendo ser normativa, ao ten-
pio, a “infração” pode ser justificada. tar justificar a adoção de um valor em detri-
A quinta edição do livro Principles mento de outro, e não-normativa. Neste caso,
of Biomedical Ethics surge como uma revisão ela pode ser uma ética descritiva, ao investigar
da teoria frente às críticas que lhe foram feitas, a conduta moral de um certo grupo social, e
como por exemplo, a de que o principialismo meta-ética, ao analisar a linguagem, conceitos
negligencia a importância das virtudes no agir e métodos do raciocínio ético. Nesse primeiro
moral ao fundamentar todas as ações em prin- capítulo, os autores definem, também, os con-
cípios éticos. A resposta a essa crítica, na quin- ceitos de “princípios” e “regras”. Como já se
ta edição, leva os autores a modificarem a pró- mostrou anteriormente, a diferença entre os
pria estrutura do livro, alterando a ordem dos termos reside na consideração de que os prin-
capítulos de forma que as virtudes, anterior- cípios são normas gerais de ação que permitem
mente tratadas no capítulo oitavo, encontram- a formulação de regras detalhadas. Estas têm
se no capítulo segundo dessa quinta edição. uma aplicação específica, já que seu conteúdo
Além disso, o livro que antes estava é mais restrito que os princípios, e referem-se a
dividido em oito capítulos, agora traz um capí- diferentes circunstâncias. Os autores discutem,
tulo a mais a fim de que fiquem mais claras as ainda, o caráter prima facie dos princípios, bem
concepções defendidas pelos autores em rela- como alguns tipos de regras e conceitos da
ção ao método e justificação moral da teoria. moral, como os direitos, virtudes e emoções.
A estrutura da obra é a seguinte: a primeira parte As virtudes são o objeto do segundo
compreende os dois primeiros capítulos, a se- capítulo do livro. Elas são consideradas dispo-
gunda parte consiste nos quatro capítulos des- sições ou hábitos para se agir de acordo com
tinados a apresentar os princípios e o capítulo princípios, normas ou ideais morais. Um ato
sétimo que trata das regras específicas das re- virtuoso pressupõe que o agente moral aja cor-
lações entre profissionais da saúde e pacientes. retamente segundo um motivo apropriado, ou
A terceira parte encerra os dois últimos capítu- seja, além de realizar uma ação correta, ele deve
los do livro ao discorrer sobre as diferentes ten- agir impulsionado pelas suas virtudes, as quais
tativas de fundamentação ética, métodos e jus- tornam tanto o ato, quanto o próprio motivo
tificação moral. do ato, corretos. Percebe-se aqui, a influência
O primeiro capítulo refere-se às nor- do pensamento aristotélico no tratamento das
mas morais. Nele são feitas distinções como, virtudes. Algumas virtudes são escolhidas como
por exemplo, entre ética e moral. Esta é consi- importantes na prática dos profissionais da saú-
derada um conjunto de normas que determina de: a compaixão, o discernimento, a
as ações humanas como certas ou erradas a confiabilidade, a integridade e a

ethic@, Florianópolis, v.3, n.1, p.87-92, Jun 2004.


PETRY, F. B. Princípios de Ética Biomédica 89

conscenciosidade (conscientiousness). Esta úl- do é o Respeito à Autonomia. A sua funda-


tima é incluída nessa quinta edição do livro, pois mentação está baseada na teoria de John Stuart
na edição anterior somente as quatro primeiras Mill, da qual o princípio empresta a noção de
virtudes eram explicitadas. A importância que respeito às pessoas enquanto indivíduos que
se dá às virtudes deve-se ao fato de que saber buscam a realização de seus objetivos, desde
qual o princípio a ser aplicado em uma certa que estes não interfiram na vida de outras pes-
circunstância depende de algumas virtudes, soas, e na idéia kantiana de que se deve respei-
como é o caso da virtude do discernimento. tar o ser humano como fim em si mesmo. O
Além disso, pressupõe-se a idéia de que um ato Princípio do Respeito à Autonomia, na formu-
realizado de acordo com um princípio, se não lação negativa, exige que as ações autônomas
considerar as virtudes e o caráter do agente, não devam ser controladas nem limitadas. Na
não poderá ser louvado, já que não foi impulsi- formulação positiva, exige que a autonomia das
onado por um motivo apropriado. Assim, as pessoas seja respeitada. O consentimento in-
virtudes, além de reforçarem a adesão às re- formado, regra fundamental nas relações entre
gras morais, permitem avaliar o caráter dos pro- pacientes e profissionais da saúde, é derivado
fissionais da saúde. Tal fato é importante na do Princípio do Respeito à Autonomia. Para
medida em que as relações entre profissionais que ele seja válido, são definidas algumas con-
da saúde e pacientes são estreitas e exigem um dições que devem ser atendidas, como a com-
tratamento baseado, também, nas virtudes dos petência da pessoa e a compreensão sobre os
indivíduos. Os autores tentam fazer uma com- procedimentos a serem realizados. Nesse ter-
paração entre virtudes e princípios, mostrando ceiro capítulo, portanto, o Princípio do Res-
que a cada virtude poderia co-existir uma nor- peito à Autonomia é especificado mediante a
ma moral correspondente. Contudo, essa asso- formulação de regras e critérios, as quais pre-
ciação parece não fazer sentido no contexto tendem dar-lhe o conteúdo necessário a sua
da obra, uma vez que os autores defendem que interpretação.
os princípios são os fundamentos do agir moral O quarto capítulo refere-se ao Princí-
e, assim, deveriam poder justificar, inclusive, pio da Não-maleficência, possuidor de uma lon-
as virtudes. A correlação entre estas e os prin- ga tradição na área médica, pois tem suas ori-
cípios não seria necessária, já que o respeito gens no Juramento Hipocrático seguido por
aos princípios determina a moralidade da ação todos os médicos. Dessa forma, apresenta-se
e as virtudes determinam, apenas, o caráter do como um princípio de relevância na prática
agente, não necessariamente de seus atos. Além moral, já que serve como orientação efetiva aos
disso, haveria muitas virtudes sem correspon- profissionais da saúde. Esse princípio exige que
dência, como os próprios autores afirmam, o não se cause dano ou mal às pessoas. ‘Dano’ é
que reforça a idéia de que essa relação entre entendido como dano físico, como a dor, mor-
virtudes e princípios pretendida por Beauchamp te ou incapacidade, porém, não nega a impor-
é equivocada. tância de outros danos possíveis, como os men-
Os quatro capítulos seguintes se des- tais e aqueles que impedem a realização dos
tinam a apresentar os princípios defendidos interesses dos pacientes. Desse princípio pode-
pelos autores. O primeiro princípio a ser trata- se inferir regras como “não matar”, “não cau-

ethic@, Florianópolis, v.3, n.1, p.87-92, Jun 2004.


90 PETRY, F. B. Princípios de Ética Biomédica

sar dor”, “não ofender”, que, assim como os a qual se relaciona a uma distribuição igual,
princípios, possuem validade prima facie. Os eqüitativa e apropriada na sociedade. O Princí-
autores discutem, a partir da formulação do pio da Justiça é especificado em duas outras
Princípio da Não-maleficência, critérios para a elaborações, quais sejam, um princípio formal
justificação do suicídio assistido, que se forem e outro material. O primeiro baseia-se no prin-
atendidos, podem tornar essa prática moralmen- cípio aristotélico de que os iguais devem ser
te aceita. tratados igualmente e os desiguais devem ser
O Princípio da Beneficência é tratado tratados desigualmente. O princípio da justiça
no quinto capítulo. Esse princípio é decompos- material, por sua vez, justifica a distribuição
to em outros dois: o da beneficência, que deter- igual entre as pessoas mediante a satisfação de
mina ações orientadas para a promoção do bem, alguns critérios. Estes, como mostram os auto-
e o da utilidade, que requer um equilíbrio entre res, podem se dar sob diferentes aspectos,
os benefícios e possíveis prejuízos de uma de- como, por exemplo, a cada pessoa uma parte
terminada ação. As regras derivadas são for- igual, a cada pessoa segundo a necessidade,
muladas positivamente, de modo que a elas não segundo o mérito, segundo o esforço ou se-
cabem sanções quando não cumpridas. O mes- gundo as trocas de mercado. A posição de
mo não acontece com as regras de não- Beauchamp e Childress é de que uma teoria que
maleficência, que têm caráter proibitivo e pos- trata do princípio da justiça poderia fundamentá-
sibilitam sanções legais. Um assunto importan- lo a partir de todas essas posições. Caberia ana-
te que se relaciona a esse princípio consiste na lisar se é possível compatibilizar um princípio
prática paternalista, a qual é realizada a fim de da justiça que distribua os recursos segundo a
beneficiar uma certa pessoa com detrimento de necessidade ao mesmo tempo em que o faz se-
sua autonomia. Como há diferentes graus pos- gundo as trocas de mercado. Não parece tão
síveis de se violar a autonomia de uma pessoa, simples manter a coerência e plausibilidade de
há, também, formas mais fortes ou mais fracas uma teoria que pretenda reunir todas essas for-
de paternalismo. Os autores defendem que o mas numa mesma formulação de um princípio
paternalismo pode geralmente ser justificado de justiça como os autores sugerem.
quando os resultados a serem obtidos se equili- O capítulo que encerra a segunda par-
bram com os interesses do paciente, não haven- te do livro discute as regras relevantes nas rela-
do desrespeito à autonomia deste. Nesse capí- ções entre pacientes e profissionais da saúde.
tulo discute-se, ainda, formas de avaliar a qua- Elas são especificações dos princípios e con-
lidade da vida humana, as quais possibilitam a sistem em regras de veracidade, privacidade,
aplicação do princípio da utilidade. confidencialidade e fidelidade que se aplicam à
O sexto capítulo da obra de prática médica a fim de resolver possíveis dile-
Beauchamp e Childress trata do Princípio da mas morais.
Justiça e de algumas implicações que dele sur- A última parte do livro contém dois
gem, como, por exemplo, da distribuição de capítulos. O capítulo oitavo apresenta uma des-
recursos da saúde e da justificação dessa distri- crição de várias teorias éticas, seguidas de crí-
buição segundo algumas regras. O conceito de ticas que procuram apontar para os aspectos
‘justiça’ é entendido como justiça distributiva, positivos e negativos de cada concepção. São

ethic@, Florianópolis, v.3, n.1, p.87-92, Jun 2004.


PETRY, F. B. Princípios de Ética Biomédica 91

avaliadas, desse modo, a teoria utilitarista, a forte sustentação para as práticas médicas e,
teoria deontológica de Kant, a teoria do indivi- de certa forma, para posições sobre questões
dualismo liberal, a teoria comunitarista e a éti- bioéticas em geral, algumas críticas podem ser
ca do cuidado. feitas a essa concepção. As dificuldades que a
O último capítulo discute alguns mo- concepção defendida por Beauchamp e
delos de justificação das teorias, a saber, dedu- Childress apresentam se encontram desde a es-
tivo e indutivo e o método defendido pelos au- colha dos quatro princípios até o próprio fato
tores, que consiste num modelo integrado, qual da teoria se basear neles, pois outras posições
seja, numa teoria da coerência. A justificação afirmam que o caráter moral do agente é quem
da concepção principialista repousa na noção determina a moralidade das ações. Nesse senti-
de coerência ou numa espécie de equilíbrio re- do, não são os princípios a principal orientação
flexivo, como foi defendido por John Rawls. O de conduta dos agentes, mas o próprio caráter
termo ‘justificação’ refere-se às razões que de- e as virtudes que ele possui. Tal tese é defendi-
vem ser suficientes para sustentar uma deter- da por Edmund Pellegrino, principal represen-
minada teoria. Dessa forma, uma possível justi- tante da ética de virtudes na bioética.
ficação para o principialismo consiste em ade- A crítica de que as teorias baseadas
quar os juízos da moral comum com princípios em princípios negligenciam o papel das virtu-
morais estabelecidos como premissas da teo- des foi feita, de modo geral, às tentativas de se
ria. A moral comum integra as diferentes nor- elaborar um sistema baseado somente em prin-
mas de conduta humana social, condizentes com cípios. No caso do principialismo, Beauchamp
os Direitos Humanos. Esse modelo de justifi- e Childress procuraram conceder maior espaço
cação é dialético, pois permite estar sempre em às virtudes dentro do contexto biomédico, che-
movimento de concordância entre o que é de- gando inclusive a afirmar que na vida moral,
terminado pelos princípios e o que uma moral muitas vezes, mais importante que seguir os
comum considera correto. Essa busca por uma princípios, é ter um caráter confiável, um senso
aproximação é entendida como coerência. É na moral e sensibilidade emocional, dado que os
conjunção de uma noção de moral comum e princípios necessitam de discernimento, de res-
um método de justificação moral de coerência ponsabilidade e de julgamentos para serem se-
que Beauchamp e Childress formulam a sua te- guidos e um agente virtuoso, dessa maneira,
oria principialista. Sustentam que ela deve con- estará mais preparado para atuar corretamen-
ter princípios precisos e plausíveis, além de pos- te. Apesar de reconhecerem a importância das
sibilitar a formulação de regras específicas para virtudes na teoria, elas não são o foco central
que a ética biomédica possa contar com uma da moralidade, que ainda é determinada pela
teoria coerente que possibilite um agir moral adesão ou não aos princípios.
bem fundamentado. A necessidade de se ter quatro princí-
No final do livro, encontra-se um apên- pios também poderia ser questionada. Na pri-
dice com casos específicos que aconteceram na meira versão do principialismo proposta no
história da ética biomédica, freqüentemente ci- Relatório Belmont em 1978, três princípios fo-
tados no decorrer da obra dos autores. ram assumidos: o Princípio do Respeito às Pes-
Apesar da teoria principialista dar uma soas, o Princípio da Beneficência e o Princípio

ethic@, Florianópolis, v.3, n.1, p.87-92, Jun 2004.


92 PETRY, F. B. Princípios de Ética Biomédica

da Justiça. Na primeira edição da obra conceito de justiça adotado, não há uma for-
Principles of Biomedical Ethics em 1979, o mulação clara de qual seja o princípio defendi-
Princípio da Beneficência se desdobrou e deu do em meio às diversas concepções citadas.
origem ao Princípio da Não-maleficência. Essa Beauchamp e Childress defendem que uma te-
divisão adotada por Beauchamp e Childress oria plausível poderia conter diferentes critéri-
parece ir contra os propósitos da própria teoria os na formulação do princípio de justiça mate-
que pretende ser simples e clara, na medida em rial, mas em sua teoria, não explicitam qual o
que as regras que são derivadas do Princípio critério adotado. Assim, precisa-se deduzir de
da Beneficência são semelhantes àquelas deri- outras considerações feitas no livro a possível
vadas do Princípio da Não-Maleficência, po- posição dos autores, diferentemente do que
dendo ser reunidas num único princípio atra- ocorre com os outros princípios, que têm for-
vés de uma especificação e descrição detalha- mulações precisas, tanto dos próprios princípi-
da do seu alcance. Por outro lado, ao mesmo os quanto das regras que deles são derivadas.
tempo em que esses princípios poderiam ser Embora o principialismo se depare
formulados num único enunciado, talvez fosse com algumas dificuldades, não há como negar
necessário incorporar à teoria outro princípio que atualmente ele se constitui na teoria de
que atendesse às novas perspectivas da maior aceitação na ética biomédica. O fato de a
biotecnologia e complementasse a concepção teoria ser pluralista e poder ter um movimento
principialista. que lhe permite incluir novos princípios contri-
O principialismo enfrenta outro pro- bui para que ela seja flexível frente aos avanços
blema, a saber, de explicar as razões pelas quais da ciência e as conseqüentes implicações éticas
se escolhe os princípios necessários à teoria, o da utilização da tecnologia, podendo se adap-
qual surge, em grande parte, pela própria teo- tar às mudanças e permanecer coerente. É pre-
ria subjacente ao principialismo, qual seja, ciso lembrar que o principialismo surgiu como
intuicionista. Não há critérios para se dizer qual uma teoria da bioética voltada, especialmente,
princípio deve ser escolhido, nem avaliar qual para a ética biomédica. Mas o alcance dos prin-
é o melhor entre princípios concorrentes. A es- cípios fez do principialismo uma tentativa, de
colha é feita por intuição, pelo que parece se certa forma, bem sucedida. Ao estendê-la a
adequar entre a moralidade comum e os princí- outras áreas da bioética, contudo, deve-se ter
pios colocados como necessários. Essa falta de atenção quanto às possibilidades de aplicação
critérios fragiliza o principialismo na medida em dos princípios, que como já foi dito, talvez
que o impossibilita de justificar, não os seus prin- necessitassem ser complementados. Ainda assim,
cípios, mas o porquê da adesão a eles e não a parece que não há outra teoria capaz de formu-
outros. lar guias de ação claros e suficientes para as prá-
Outra dificuldade presente nessa teo- ticas médicas e para se pensar dilemas morais da
ria é a formulação do Princípio da Justiça que, bioética como o é o principialismo, e esse é o
apesar de estabelecer a justiça distributiva como maior mérito que deve ser reconhecido.

e-mail: ffpetry@yahoo.com.br

ethic@, Florianópolis, v.3, n.1, p.87-92, Jun 2004.

Você também pode gostar