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sar dor”, “não ofender”, que, assim como os a qual se relaciona a uma distribuição igual,
princípios, possuem validade prima facie. Os eqüitativa e apropriada na sociedade. O Princí-
autores discutem, a partir da formulação do pio da Justiça é especificado em duas outras
Princípio da Não-maleficência, critérios para a elaborações, quais sejam, um princípio formal
justificação do suicídio assistido, que se forem e outro material. O primeiro baseia-se no prin-
atendidos, podem tornar essa prática moralmen- cípio aristotélico de que os iguais devem ser
te aceita. tratados igualmente e os desiguais devem ser
O Princípio da Beneficência é tratado tratados desigualmente. O princípio da justiça
no quinto capítulo. Esse princípio é decompos- material, por sua vez, justifica a distribuição
to em outros dois: o da beneficência, que deter- igual entre as pessoas mediante a satisfação de
mina ações orientadas para a promoção do bem, alguns critérios. Estes, como mostram os auto-
e o da utilidade, que requer um equilíbrio entre res, podem se dar sob diferentes aspectos,
os benefícios e possíveis prejuízos de uma de- como, por exemplo, a cada pessoa uma parte
terminada ação. As regras derivadas são for- igual, a cada pessoa segundo a necessidade,
muladas positivamente, de modo que a elas não segundo o mérito, segundo o esforço ou se-
cabem sanções quando não cumpridas. O mes- gundo as trocas de mercado. A posição de
mo não acontece com as regras de não- Beauchamp e Childress é de que uma teoria que
maleficência, que têm caráter proibitivo e pos- trata do princípio da justiça poderia fundamentá-
sibilitam sanções legais. Um assunto importan- lo a partir de todas essas posições. Caberia ana-
te que se relaciona a esse princípio consiste na lisar se é possível compatibilizar um princípio
prática paternalista, a qual é realizada a fim de da justiça que distribua os recursos segundo a
beneficiar uma certa pessoa com detrimento de necessidade ao mesmo tempo em que o faz se-
sua autonomia. Como há diferentes graus pos- gundo as trocas de mercado. Não parece tão
síveis de se violar a autonomia de uma pessoa, simples manter a coerência e plausibilidade de
há, também, formas mais fortes ou mais fracas uma teoria que pretenda reunir todas essas for-
de paternalismo. Os autores defendem que o mas numa mesma formulação de um princípio
paternalismo pode geralmente ser justificado de justiça como os autores sugerem.
quando os resultados a serem obtidos se equili- O capítulo que encerra a segunda par-
bram com os interesses do paciente, não haven- te do livro discute as regras relevantes nas rela-
do desrespeito à autonomia deste. Nesse capí- ções entre pacientes e profissionais da saúde.
tulo discute-se, ainda, formas de avaliar a qua- Elas são especificações dos princípios e con-
lidade da vida humana, as quais possibilitam a sistem em regras de veracidade, privacidade,
aplicação do princípio da utilidade. confidencialidade e fidelidade que se aplicam à
O sexto capítulo da obra de prática médica a fim de resolver possíveis dile-
Beauchamp e Childress trata do Princípio da mas morais.
Justiça e de algumas implicações que dele sur- A última parte do livro contém dois
gem, como, por exemplo, da distribuição de capítulos. O capítulo oitavo apresenta uma des-
recursos da saúde e da justificação dessa distri- crição de várias teorias éticas, seguidas de crí-
buição segundo algumas regras. O conceito de ticas que procuram apontar para os aspectos
‘justiça’ é entendido como justiça distributiva, positivos e negativos de cada concepção. São
avaliadas, desse modo, a teoria utilitarista, a forte sustentação para as práticas médicas e,
teoria deontológica de Kant, a teoria do indivi- de certa forma, para posições sobre questões
dualismo liberal, a teoria comunitarista e a éti- bioéticas em geral, algumas críticas podem ser
ca do cuidado. feitas a essa concepção. As dificuldades que a
O último capítulo discute alguns mo- concepção defendida por Beauchamp e
delos de justificação das teorias, a saber, dedu- Childress apresentam se encontram desde a es-
tivo e indutivo e o método defendido pelos au- colha dos quatro princípios até o próprio fato
tores, que consiste num modelo integrado, qual da teoria se basear neles, pois outras posições
seja, numa teoria da coerência. A justificação afirmam que o caráter moral do agente é quem
da concepção principialista repousa na noção determina a moralidade das ações. Nesse senti-
de coerência ou numa espécie de equilíbrio re- do, não são os princípios a principal orientação
flexivo, como foi defendido por John Rawls. O de conduta dos agentes, mas o próprio caráter
termo ‘justificação’ refere-se às razões que de- e as virtudes que ele possui. Tal tese é defendi-
vem ser suficientes para sustentar uma deter- da por Edmund Pellegrino, principal represen-
minada teoria. Dessa forma, uma possível justi- tante da ética de virtudes na bioética.
ficação para o principialismo consiste em ade- A crítica de que as teorias baseadas
quar os juízos da moral comum com princípios em princípios negligenciam o papel das virtu-
morais estabelecidos como premissas da teo- des foi feita, de modo geral, às tentativas de se
ria. A moral comum integra as diferentes nor- elaborar um sistema baseado somente em prin-
mas de conduta humana social, condizentes com cípios. No caso do principialismo, Beauchamp
os Direitos Humanos. Esse modelo de justifi- e Childress procuraram conceder maior espaço
cação é dialético, pois permite estar sempre em às virtudes dentro do contexto biomédico, che-
movimento de concordância entre o que é de- gando inclusive a afirmar que na vida moral,
terminado pelos princípios e o que uma moral muitas vezes, mais importante que seguir os
comum considera correto. Essa busca por uma princípios, é ter um caráter confiável, um senso
aproximação é entendida como coerência. É na moral e sensibilidade emocional, dado que os
conjunção de uma noção de moral comum e princípios necessitam de discernimento, de res-
um método de justificação moral de coerência ponsabilidade e de julgamentos para serem se-
que Beauchamp e Childress formulam a sua te- guidos e um agente virtuoso, dessa maneira,
oria principialista. Sustentam que ela deve con- estará mais preparado para atuar corretamen-
ter princípios precisos e plausíveis, além de pos- te. Apesar de reconhecerem a importância das
sibilitar a formulação de regras específicas para virtudes na teoria, elas não são o foco central
que a ética biomédica possa contar com uma da moralidade, que ainda é determinada pela
teoria coerente que possibilite um agir moral adesão ou não aos princípios.
bem fundamentado. A necessidade de se ter quatro princí-
No final do livro, encontra-se um apên- pios também poderia ser questionada. Na pri-
dice com casos específicos que aconteceram na meira versão do principialismo proposta no
história da ética biomédica, freqüentemente ci- Relatório Belmont em 1978, três princípios fo-
tados no decorrer da obra dos autores. ram assumidos: o Princípio do Respeito às Pes-
Apesar da teoria principialista dar uma soas, o Princípio da Beneficência e o Princípio
da Justiça. Na primeira edição da obra conceito de justiça adotado, não há uma for-
Principles of Biomedical Ethics em 1979, o mulação clara de qual seja o princípio defendi-
Princípio da Beneficência se desdobrou e deu do em meio às diversas concepções citadas.
origem ao Princípio da Não-maleficência. Essa Beauchamp e Childress defendem que uma te-
divisão adotada por Beauchamp e Childress oria plausível poderia conter diferentes critéri-
parece ir contra os propósitos da própria teoria os na formulação do princípio de justiça mate-
que pretende ser simples e clara, na medida em rial, mas em sua teoria, não explicitam qual o
que as regras que são derivadas do Princípio critério adotado. Assim, precisa-se deduzir de
da Beneficência são semelhantes àquelas deri- outras considerações feitas no livro a possível
vadas do Princípio da Não-Maleficência, po- posição dos autores, diferentemente do que
dendo ser reunidas num único princípio atra- ocorre com os outros princípios, que têm for-
vés de uma especificação e descrição detalha- mulações precisas, tanto dos próprios princípi-
da do seu alcance. Por outro lado, ao mesmo os quanto das regras que deles são derivadas.
tempo em que esses princípios poderiam ser Embora o principialismo se depare
formulados num único enunciado, talvez fosse com algumas dificuldades, não há como negar
necessário incorporar à teoria outro princípio que atualmente ele se constitui na teoria de
que atendesse às novas perspectivas da maior aceitação na ética biomédica. O fato de a
biotecnologia e complementasse a concepção teoria ser pluralista e poder ter um movimento
principialista. que lhe permite incluir novos princípios contri-
O principialismo enfrenta outro pro- bui para que ela seja flexível frente aos avanços
blema, a saber, de explicar as razões pelas quais da ciência e as conseqüentes implicações éticas
se escolhe os princípios necessários à teoria, o da utilização da tecnologia, podendo se adap-
qual surge, em grande parte, pela própria teo- tar às mudanças e permanecer coerente. É pre-
ria subjacente ao principialismo, qual seja, ciso lembrar que o principialismo surgiu como
intuicionista. Não há critérios para se dizer qual uma teoria da bioética voltada, especialmente,
princípio deve ser escolhido, nem avaliar qual para a ética biomédica. Mas o alcance dos prin-
é o melhor entre princípios concorrentes. A es- cípios fez do principialismo uma tentativa, de
colha é feita por intuição, pelo que parece se certa forma, bem sucedida. Ao estendê-la a
adequar entre a moralidade comum e os princí- outras áreas da bioética, contudo, deve-se ter
pios colocados como necessários. Essa falta de atenção quanto às possibilidades de aplicação
critérios fragiliza o principialismo na medida em dos princípios, que como já foi dito, talvez
que o impossibilita de justificar, não os seus prin- necessitassem ser complementados. Ainda assim,
cípios, mas o porquê da adesão a eles e não a parece que não há outra teoria capaz de formu-
outros. lar guias de ação claros e suficientes para as prá-
Outra dificuldade presente nessa teo- ticas médicas e para se pensar dilemas morais da
ria é a formulação do Princípio da Justiça que, bioética como o é o principialismo, e esse é o
apesar de estabelecer a justiça distributiva como maior mérito que deve ser reconhecido.
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