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Introdução
[...]
Análise do texto
Contexto
Porém, essa revolução não será somente molar. Ela não consta somente com os grandes
agregados molares (a família, o estado, o partido). É preciso que ela atinja, principalmente, o
nível molecular (afetando a imaginação, o desejo e a nossa sensibilidade). De nada adianta
mudarmos, se mantivermos a mesma relação que temos com o mundo. É preciso se ater aos
fins de nossa produção. A perseguição do lucro, da maximização da eficiência técnica que
segue os ditames da razão instrumental, até que ponto, nossa racionalidade condiz com o
ideal de racional? Afinal, é preciso perguntar, por trás da desenfreada industrialização, e da
dissolução dos antigos moldes de sociabilidade e viver no mundo por aquilo que, nada mais é
que, seu total avesso, que tipo de desejo está em jogo?
Essa pergunta, nas palavras de Guattari, aponta para um questionamento dos modos
dominantes de valorização das atividades humanas. Esse modo de valoração, é o modo pelo
qual damos sentido para nossa ação. A valoração de nossa atividade, atualmente, se dá em
dois eixos: através de um “império de mercado mundial” e das “máquinas políticas e
militares”. De um lado, temos um achatamento dos sistemas particulares de valor, que fazem
com que haja uma igualdade entre os bens materiais, culturais e naturais. Do outro, o que
temos é uma subordinação das relações sociais e internacionais aos fins beligerantes e
disciplinares da máquina policial e militar. Essa dupla articulação entre o mercado mundial e
o exército, dá-se o nome de complexo militar-industrial. Se antes o estado era um mediador
entre os interesses sociais e os interesses privados, agora, ele se vê no meio dessa dupla
articulação, servindo como um garantidor de seus interesses.
A posição do estado é paradoxal nesse contexto pois, como diz Fukuyama, chegamos ao fim
da história, ao fim do antagonismo entre classes, entre a divisa Leste-Oeste, entre a dualidade
burguesia-proletariado. A “subjetividade operária linha dura” se desfez com o crescimento da
sociedade de consumo e dos avanços tele midiáticos. Por mais que hoje as contradições sejam
mais intensamente vividas, os investimentos libidinais fazem com que essas intensidades se
anulem, fazem com que a opressão seja desejada.
CMI
Dentro daquilo que Guattari chama de Capitalismo Mundial Integrado, “as oposições
dualistas tradicionais que guiaram o pensamento social e as cartografias geopolíticas
chegaram a um fim” (13). Os novos centros de hiper-exploração, Hong Kong, Taiwan, Coréia
do Sul, incomporáveis com as antigas potências do Ocidente, apesar de alcançarem níveis
sem precedentes de produção, são acompanhadas de sua própria terceira mundização interna.
No CMI temos um claro descentramento das estruturas de poder, que antes se localizavam na
produção de bens e serviços, mas agora foram transportadas para as estruturas produtoras de
signos e subjetividades. Não que os outros regimes capitalistas não pudessem ser
caracterizados pela capitalização do poder subjetivo. Um dos principais controles que o
capitalismo exerce na produção, desde sempre, é o controle da produção de subjetividade.
Guattari divide os instrumentos semiótico do CMI em 4 categorias:
Essa semióticas possibilitam Guattari mostrar, não somente o modo como o capital está em
cada instância de nossa produção de subjetividade, como também, a maneira pelo qual ocorre
uma subversão da categoria de infra-estrutura no marxismo clássico. Isso porque, é difícil,
propriamente, hierarquizar os instrumentos semióticos, sem perder o contato com a realidade.
De fato, não trata-se de negar que nossa subjetividade é um efeito da super-estrutura,
condicionado pelas condições materiais, mas sim, de afirmar a complexidade e a miríade de
elementos heterogêneos que compõem nossa subjetividade, e os territórios existenciais em
que elas se agarram. É difícil defender o primado da semiótica econômica como estando em
uma posição infra-estrutural, quando passamos a analisar a maneira pela qual a arquitetura de
uma dada instituição social, por exemplo, um restaurante universitário norte americano,
condiciona as possibilidades de comportamento e ação dos indivíduos.
Isso fica mais evidente em algumas escolas dos Estados Unidos, cujas entradas são
aparelhadas com detectores de metais, com seus corredores com grossos muros servindo
como cobertura para possíveis ataques, janelas de aço reforçado, salas de aula projetadas com
paredes de ferro e seus mini-bunkers. Pode-se dizer que, dado o grande número de ataques
escolares, que esse tipo de atitude é a que mais adequada tendo em vista a redução de danos.
Contudo, é preciso se perguntar: até que ponto esse paradigma tecnocrático de redução de
danos, não cria as próprias condições para a generalização desses danos, através da
proliferação de uma subjetividade doente pelo controle disciplinar?
Multipolaridade e transversalidade
Se antes os problemas eram definidos pela bipolaridade do antagonismo de classes, agora eles
são definidos multipolarmente.
São problemáticas multipolares, atravessadas pelas trẽs ecologias. As antigas questões sociais
e econômicas, já não são mais as mesmas
Sujeito em processo
Uma das primeiras constatações que surgem quando tomamos a produção da subjetividade
por uma perspectiva ecosófica, é o fato de que o sujeito não é evidente.
“Penso, logo existo”. Ao contrário do que pensava Descartes em seu célebre dito, o pensar
não é suficiente para o ser. Guattari sustenta essa contestação sob dois argumentos: 1)
existem maneiras de existir que se instauram fora da consciência humana, fora do
pensamento. Aqui basta pensar em todas as formas de vida que uma vez foram excluídas da
categoria de sujeito por estarem excluídas do pensamento racional ocidental; e 2) o sujeito
advém somente quando o pensamento é colocado a apreender a si mesmo. É em sua auto-
reflexão que o sujeito se descobre em sua confusão. Mas descobre-se somente em partes, pois
ele não se fixa em nenhuma territorialidade.
Por isso que, ao invés de falarmos de sujeitos, talvez seria melhor que falássemos de
“componentes de subjetivação”, cujos vetores, não necessariamente atravessam o indivíduo.
O indivíduo é o término, ele está em posição terminal em relação aos processos que implicam
molarmente “grupos econômicos, conjuntos socioeconômicos, máquina informacionais,
etc…”.
O sujeito, com sua identidade fixa, é fruto do poder, fruto da repressão. Os componentes de
subjetividade vieram para colocar em questão essa relação entre o indivíduo e a
subjetividade, superando-os e mostrando que a “interioridade” é um produto, produto de
“cruzamentos múltiplos de componentes relativamente autônomos uns em relação aos outros
e… francamente discordantes”.
Paradigma científico
Eco-lógica
O que está em jogo é uma outra lógica, uma lógica de intensidades, lógica dos
agenciamentos existenciais auto-referentes, de durações irreversíveis, que diz respeito, não
somente ao ser humano como entidade global, mas, aos objetos parciais, aos rostos, as
paisagens, as intensidades que regem os processos do mundo. Enquanto que a lógica
tradicional delimita bem os conjuntos discursivos passíveis de serem vistos como objetos, a
lógica de intensidades, ou eco-lógica, leva em conta outra coisa, o movimento, a intensidade
dos processos evolutivos. É preciso entender a noção de processo, como estando oposto ao
sistema ou a estrutura, estando ele perto do devir, de uma existência ainda por se definir, que
se constitui em sua desterritorialização. Esses processos intensivos, são resultado de uma
fuga processual, de grupos expressivos que rompem com a estrutura totalizante, que fogem
de seu papel habitual, para fazer de seus conjuntos de referência indícios existenciais, espirais
intensos que vêm a definir seu devir.
É preciso ver as relações que a humanidade tem com o socius, a psique e a natureza, não
como relações com 3 esferas separadas e independentes, mas, como estando interconectadas.
A tendência à deterioração advém, menos de uma poluição objetiva, mas sim, pelo fato de
haver uma passividade fatalista, um desconhecimento quanto ao poder dos indivíduos e
coletivos em relação a essas questões quando consideradas em conjunto. Essa passividade, ou
apatia, Guattari localiza sob 2 pontos: o crescimento das teorias do estruturalismo e do pós-
modernismo; e o discurso midiático. O discurso pós-modernista de fim da história e da
dissolução das metanarrativas, de um começo da era pós-ideológica, fazem com que haja um
perecimento da práxis social, quase como se fosse inevitável, restando apenas micropolíticas
concretas que apenas dizem respeito ao campo individual. É preciso acentuar a inadaptação
de nossas práticas sociais e psicológicas, como que ainda estamos presos a modos antigos de
luta, a modos antigos de resistência, a modos antigos de perceber a realidade que ainda
mantém uma visão compartimentalizada acerca dos domínios do real.
Não se trata de fazer política do jeito usual. A ecosofia requer um modo plural de ver o
mundo, uma ético-política que: “atravesse as questões do racismo, do falocentrismo dos
desastres legados por um urbanismo que se queira moderno, de uma criação artística libertada
do sistema de mercado, de uma pedagogia capaz de inventar seus mediadores sociais, etc…”
(18).
Para que as lutas sociais se enquadrem dentro dos moldes dos três tipos de práxis ecológicas,
elas precisam buscar afetar os “modos de produção da subjetividade”. Em outras palavras, a
práxis ecológica é uma prática cuja raíz está centrada na experimentação com os modos de
produção de conhecimento, cultura, sensibilidade e sociabilidade. Essas produções formam
“sistemas de valor incorporal” que estão na base dos “Agenciamentos produtivos” que
constroem coletivamente a realidade.
Nessa construção coletiva da realidade, não é justo separar a ação sobre a psique daquela
sobre o socius e o ambiente. A mídia alimenta uma recusa de encarar esses problemas
transversalmente, resultando em uma "infantilização da opinião", uma "neutralização
destrutiva da subjetividade". É preciso se desintoxicar desse niilismo, dessa apatia, desse
otimismo sedativo do discurso liberal televisivo. E para isso, Guattari argumenta que é
preciso ver o mundo através da intersecção dos "três pontos de vista ecológicos".
O princípio comum que une as três ecologias se dá numa mudança de perspectiva em relação
aos Territórios Existenciais. Nossas identidades e experiências não são isoladas, mas são
formadas por meio de um processo constante de negociação e interação com o mundo ao
nosso redor. Os territórios existenciais são espaços dinâmicos e complexos no qual a
experiência subjetiva, a identidade e o senso de si de um indivíduo estão entrelaçados com o
seu contexto social. É preciso vê-los, não como um em-si, fechado sobre si mesmo, mas mais
como um para-si aberto, fragmentado, finito e singular, que é tanto capaz de cair em uma
tragédia estratificada, como abrir-se processualmente a partir de uma práxis que tenha em
mente torná-lo habitável. É nessa questão de domesticar os territórios existenciais, suavizá-
los, fazê-los uma casa, que encontramos a essência da arte do eco, em ecosofia. É fazer do
território existencial, um lugar menos duro. Em todos os sentidos possíveis, no que dizem
respeito às maneiras de ser, ao corpo, ao meio ambiente; tanto quanto os grandes conjuntos,
como a etnia, a nação, quiçá, os direitos gerais da humanidade. Mas é preciso esclarecer, que
não se trata de criar regras universais para a práxis humana. Não, o que viemos falando é de
uma prática de "liberação das antinomias" entre os trẽs níveis ecosóficos, de modo, que as
façam ressoar, que as façam dançar entre si, mostrando que o problema nunca se dá de modo
isolado.
Mas no fim, o que será essa prática ecosófica? Em poucas palavras, ela é uma prática
especulativa, ético-política-estética, diferente das antigas formas de engajamento religioso,
político, associativo. Ele não é um simples recolhimento para dentro, muito menos uma nova
forma de militantismo É um "movimento de múltiplas faces", analítico mas criador de
subjetividades. Um modo de teorização atravessado pela diferença maquínica, pela
multiplicidade que é viver em um mundo em constante devir.
Sendo assim, a ruptura a-significante requer uma repetição criativa que produz objetos
incorporais, máquinas abstratas, universos de valor.
Eis o coração da práxis ecológica. É preciso ter um balanço, um equilíbrio, entre a ruptura
a-significante e os agenciamentos enunciativos de expressão. A desterritorialização das vozes
dissidentes precisa ser expressa de alguma forma inteligível, de uma forma consistente. Se
não, ela perde-se. Uma luta sem causa, um conflito sem fim.
As três ecologias
[..,]
O capitalismo visa reerguer o mundo da infância. Ele se apodera de nossos dados pessoais
mais íntimos, nossos dados infra-pessoais, para nos fazer delirar em suas fantasias, nos fazer
afogar em seus "agregados subjetivos maciços": a raça, a nação, o corpo, a viralidade, o
esporte, a fama… O capitalismo opera uma rede de controle sobre os ritornelos existenciais,
neutralizando-os, fazendo-os operar a seu favor, e com isso, criando uma subjetividade
capitalista, subjetividade anestesiada imersa em um sentimento de pseudo-eternidade (eu
sempre estive aqui).
A práxis ecológica é uma práxis de "retomada de contexto" que busca romper com o
"pretexto sistêmico". Não há hierarquia de elementos. Há composições heterogêneas, cuja
cristalização se dá por operadores de cadeias discursivas a-significantes (como fragmentos de
obra de arte, fechados sobre si, como um ouriço).
Guattari fala da existência de uma "subjetividade parcial", quase que uma "proto-
subjetividade", quando diz sobre vetores de subjetivação que escapam ao ego. Os freudianos
totalizam esses objetos de subjetividade dissidente, atrelando-os às pulsões de um corpo. É
preciso expandir essa noção de objetos parciais para abarcar, estruturas arquitetônicas,
sistemas econômicos, instituições cósmicas, etc…, pois todas essas coisas produzem
subjetividade.
O princípio particular da ecologia ambiental é que tudo é possível. Das piores catástrofes
verdes, até a solução de nossos problemas. Apesar do ano de publicação das três ecologias
ser 1989, Guattari já prevê que será necessário conjugar vários esforços para manter o
equilíbrio no meio ambiente. Com a recém entrada na fervura global e a intensificação dos
fenômenos climáticos extremos, vemos como as preocupações de Guattari ainda são atuais.
Em suas palavras: "A ecologia ambiental, tal como existe hoje, não fez senão iniciar e
prefigurar a ecologia generalizada que aqui preconizou e que terá por finalidade descentrar
radicalmente as lutas sociais e as maneiras de assumir a própria psique". Apesar dos méritos
das lutas ecológicas, muitas delas ainda se baseiam em modelos arcaicos, folclóricos demais,
que impedem a inserção de suas lutas em um esquema de engajamento político mais amplo.
A ecologia deve dizer respeito, menos a especialistas e pesquisas em pequena escala, mas
mais com o ativista, pois a ecologia põe em causa o conjunto da subjetividade e das
formações de poder capitalistas.
Mas também, ela é maquínica por outro motivo. A ecologia é maquínica pois a natureza é
uma máquina de guerra. É possível interpretar essa afirmação sob duas formas: ela é
máquina de guerra, no sentido que, o esforço para sua reconstituição implica,
necessariamente, um conflito com os poderes atuais (o grande empresariado, a elite
agropecuarista); como também, ela é máquina de guerra pois ela é uma força sempre aquém
da humanidade, uma força que esteve sempre em guerra contra a vida.
No contexto atual, isso não poderia ser mais verdade. Com a intensificação dos eventos
climáticos extremos, em conjunto com o rápido crescimento demográfico e a incapacidade do
setor público e privado lidar com essa situação, é preciso fazer o impossível. A questão não é
mais somente de preservação da natureza. Passamos desse ponto. Chegamos a um estágio da
degradação ambiental em que temos que discutir o nosso ativo papel em reconstituir essa
natureza. Não se trata de minimizar os danos, mas sim, de evitar uma catástrofe iminente.
Conclusão
A história nos mostra nosso limite técnico e científico em relação ao controle da natureza, e
as consequências mortais de seguirmos cegamente o lucro e a eficiência. Falta às ciências, a
nossa produção, uma orientação humana, tendo em vista o paradigma ético-estético.
É ingênuo acreditar que podemos voltar a ser o que era antes. O trabalho, o habitat, e o
desejo, já foram moldados por décadas de revolução informática e com a globalização do
mercado.
Mas isso não implica um derrotismo. Só significa que temos que adaptar nossas lutas para o
agora, que o conjunto de movimentos sociais precisa reorientar seus objetivos e métodos para
o hoje. É preciso pensar esses problemas transversalmente, com a cultura sendo coextensiva
com a natureza, com os problemas sociais imbricados em problemas ecológicos, e vice e
versa. É preciso pensar transversalmente "as interações entre ecossistemas, mecanosfera e
Universos de referência sociais e individuais" (25). É preciso, em certa medida, adaptar-se à
situação.