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Newton Linchen | Tarcísio Peres

Novatec
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É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial, por qualquer processo, sem prévia
autorização, por escrito, do autor e da Editora.
Editor: Rubens Prates
Revisão gramatical: Marta Almeida de Sá
Capa: Victor Bittow
Editoração eletrônica: Camila Kuwabata e Carolina Kuwabata
ISBN: 978-85-7522-659-9
Histórico de edições impressas:
Outubro/2017 Quinta reimpressão
Agosto/2016 Quarta reimpressão
Fevereiro/2016 Terceira reimpressão
Fevereiro/2015 Segunda reimpressão
Junho/2014 Primeira reimpressão
Outubro/2011 Primeira edição
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Para meu filho, Bernardo Bonamigo Linchen.
Newton Linchen

A todos aqueles que são perseverantes e conscientes


na busca de melhores resultados.
Tarcísio Peres
Sumário

Agradecimentos
Prefácio
Capítulo 1 • Quem ganha quando você perde?
1.1 Topos e fundos
1.2 O case que você dificilmente verá no MBA de finanças
1.2.1 Do outro lado
1.2.2 Não há vilões e vítimas
1.3 Siga o dinheiro
1.4 O mercado é cruel?

Capítulo 2 • Você já visitou a cozinha?


2.1 Bom dia, você quer comprar ações?
2.2 O agente autônomo ou corretor de ações
2.3 O analista de valores mobiliários
2.4 Back-office e plataformas operacionais
2.5 Entra em cena a CVM

Capítulo 3 • Se você acha o conhecimento caro, experimente a ignorância


3.1 O sonho de qualquer day trader
3.1.1 O dia seguinte
3.1.2 “Entra, entra!”
3.1.3 Deixando para o longo prazo
3.2 O “eu” que você desconhece
3.3 Acumulando funções

Capítulo 4 • Guarde esta palavra: assimetria


4.1 Soma negativa
4.2 A parte da casa
4.3 Assimetria de plataforma
4.3.1 “Quem quer dinheeirooo?”
4.3.2 Correndo Fórmula 1 com um Fusca
4.4 Assimetria de capital
4.4.1 Ter um edge não é suficiente – É preciso ter staying power
4.4.2 Dinheiro apavorado
4.4.3 Que atire a primeira pedra...
4.5 Assimetria de informação
4.5.1 Sábio Sócrates
4.5.2 Jogos de estratégia e o mercado
4.5.3 O trunfo dos grandes players
4.5.4 Vendendo o que não se tem
4.5.5 O que o dono do restaurante está fazendo?
4.5.6 Deception

Capítulo 5 • Qual é a sua estratégia operacional?


5.1 Análise fundamentalista: a busca pelo valor
5.1.1 O outro lado do valor
5.1.2 Buffett: muito mais do que Coca-Cola
5.2 Se você não pode vencer o mercado, junte-se a ele...
5.3 Análise técnica: utilizando o histórico visual do preço
5.3.1 “La media è mobile...”
5.3.2 Um duro golpe
5.3.3 Operando sem sinal?
5.4 Análise quantitativa: a matemática dos resultados
5.4.1 Finança quantitativa ou trading quantitativo?
5.4.2 Você quer ser um quant?
5.4.3 Modelos fora de controle

Capítulo 6 • Palavras finais


Referências
Agradecimentos

Newton Linchen
Gostaria de agradecer a todos aqueles que tornaram possível este livro, e a todos
os que me ensinaram a ser um ponto de interrogação constante quando se trata
de investimentos, trading e mercado de capitais: Victor Niederhoffer, Laurel
Kenner, Larry Williams, James Altucher, Toby Crabel, Vitaly Katsenelson,
Charles Ellis, entre tantos outros que de uma forma ou de outra acrescentaram
seu conhecimento e sua experiência. Agradeço a Deus e à minha família: Maria
Luiza Linchen, minha mãe e meus irmãos Dayse, Oliver, Arthur e Lorean, todos
foram importantes no meu crescimento como pessoa e como profissional. A
Lavoisier Paulo Linchen, in memoriam. Um abraço especial ao amigo Marcos
Boschetti, CEO da Nelogica, por ter autorizado a reprodução de imagens do
software Profit Chart pela enriquecedora troca de ideias sobre o mercado ao
longo dos anos. Agradeço também ao doutor José Luiz Bonamigo Filho, que
proporcionou o encontro que mais tarde resultaria neste livro.

Tarcísio Peres
A Deus, à minha família e às pessoas que nos apoiaram neste livro. À minha
esposa por seu apoio e incentivo em nossos investimentos, projetos e sonhos. À
Joana de Souza, mãe virtuosa de quem me orgulho tanto, ainda que ignore
completamente os efeitos da queda do Ibovespa, ache que Dow Jones é algum
amigo meu e que Nasdaq é algum curso que faço. Ao João Tarciso, sempre vivo
em minhas lembranças. Ao João Tarciso, sempre vivo em minhas lembranças.
Ao Mauro Péres pelo incentivo e ao Bonamigo, sem o qual este projeto não teria
começado. A todos os que leram as primeiras versões dos capítulos e teceram
suas críticas e sugestões. Em especial aos amigos: Gilmar Ferreira, defensor
entusiasta das letras do tesouro direto, Jurandir Ferreira por suas pinceladas e
discussões econômicas e Leonardo Yamamoto por suas reflexões sobre pontos
importantes do texto. Ao nosso editor Rubens Prates por ter nos guiado com
paciência e agilidade no processo de edição. A Niederhoffer, Larry Williams,
Charles Ellis e demais autores que nos autorizaram a reproduzir algumas citações
de seus clássicos.
Prefácio

Este é um livro sobre o mercado financeiro, mais especificamente a Bolsa de


Valores. Nos últimos anos, a simples menção do nome Bolsa de Valores faz com
que as pessoas pensem em especulação (atribuindo um sentido negativo a essa
palavra), negócios vultosos e na possibilidade de ganhar muito dinheiro.
Promessas de ganho fácil são vendidas todos os dias como uma oportunidade na
Bolsa.
Mas o dinheiro fácil existe? Bem, é possível ganhar o equivalente a um carro
zero quilômetro em poucas horas de trading, usando derivativos (conhecidos,
entre outras coisas, por sua alavancagem). Apresentaremos neste livro, por
exemplo, um caso real de valorização exponencial de um ativo em prazos
curtíssimos. (Desde que você considere mais de 2.000% em um dia exponencial
e curtíssimo o suficiente!)
Porém, mesmo quando isso é realizado, não significa que foi um dinheiro fácil:
quanto maior o risco e menor a janela de oportunidade da operação, mais
complexo é manter uma rentabilidade consistente.
Assim sendo, a premissa deste livro é: a Bolsa não foi criada com a intenção de
lhe dar dinheiro.
De acordo com o megainvestidor Warren Buffett, “se você não sabe quem é o
tolo no mercado… provavelmente o tolo é você”. De fato, em seus tempos áureos,
um dos maiores bancos de investimento do mundo dizia que o seu verdadeiro
negócio era identificar quem eram os tolos. “Conhecer o mercado é conhecer as
fraquezas dos outros”, afirmavam eles.
No mercado norte-americano, estima-se que 95% dos players perdem
dinheiro. Essa realidade não parece ser diferente no Brasil e você não precisa ficar
chateado com isso: não é nada pessoal; são apenas negócios. Afinal, sempre é
preciso que alguém perca. Mas acreditamos que não precisa ser você.
Apoiando-se nessa realidade, existe na Bolsa a dicotomia dos tubarões versus as
sardinhas. Tubarões seriam os grandes players – megainvestidores, fundos,
bancos de investimento – e as sardinhas, o público desavisado, possuidor de
pouco ou nenhum conhecimento sobre a real dinâmica do mercado. Como a
mitologia polarizada bem ilustra, a competição entre tubarões e sardinhas não é
uma briga justa. Na prática, o que isso significa? Significa que o grosso do
dinheiro vai para o bolso de alguém...
Os 5% restantes.
Claro que sempre sobram algumas migalhas. Você certamente conhece alguém
que já lucrou na Bolsa, comprando e vendendo ações – essas pessoas fazem parte
de um universo muito restrito em relação ao volume do mercado. Provavelmente
pegaram carona na barbatana dos tubarões sem nem se darem conta disso.
Entendemos que as sardinhas também têm sua parcela de culpa. Certos hábitos
adotados por esses traders ou investidores levam à possibilidade de perda do
capital por não serem adequados à realidade do mercado. Isso facilita as coisas
para os tubarões. É quase como se eles perdessem dinheiro voluntariamente.
Este livro destina-se a traders, investidores, acadêmicos, estudantes do mercado
e ao público em geral que opera ou tem intenção de operar na Bolsa. Se você
pode se identificar com algum destes exemplos, este livro é para você:
• Profissional bem-sucedido em sua área de atuação resolve diversificar seus
recursos e criar uma reserva para investir, porém, tem receio e sente-se
desconfortável com a qualidade das informações às quais tem acesso.
• Pechinchador nato que realizou diversos cursos (bem baratinhos!) e quer,
com isso, ter um conhecimento válido que lhe garanta bom retorno (em
suma, quer retorno sem investimento em preparação).
• Alguém que compra ações após a indicação de um corretor que ligou
oferecendo tais papéis – que, segundo ele, deveriam se valorizar muito em
breve –, mas infelizmente o preço despenca logo em seguida.
• O trader opera todos os dias – às vezes até com bastante lucro –, mas acaba
tendo um desempenho mensal negativo e não entende o porquê disso,
achando que deve tratar-se de algum bloqueio mental ou psicológico.
• O indivíduo se sente atordoado pelo excesso de informações sobre trade ou
investimentos e deseja uma literatura mais objetiva.
• O investidor observa que as ações da empresa em que ele está interessado
subiram bastante nos últimos anos, mas foi só ele comprá-las que começaram
a cair (a desvalorizar), e aparentemente sem motivo (sem que seus
fundamentos tenham se modificado).
• O acadêmico possui conhecimento prévio, embora teórico, sobre a Bolsa, e
deseja adquirir um pouco daquilo que chama de “street smarts” ou
conhecimento empírico não encontrável nos papers disponíveis na academia.
• O iniciante em investimentos e trading deseja conhecer melhor o mercado de
capitais e acha que a informação disponível tem um caráter mais publicitário
do que informativo (ou mais superficial), não indicando os perigos reais que
pode haver na Bolsa.
• O trader começa a perceber que vários setups ou sinais de trading que
costumava operar começaram a dar sistematicamente errado, e ele suspeita
que os grandes players estejam operando contra esses sinais, mas não sabe
como encontrar evidências disso.
• O indivíduo começa a se perguntar sobre que fenômeno estaria por trás da
ocorrência de topos e fundos, e se haveria um modo de identificar os players
que movimentam o mercado.
É possível que você tenha vivenciado algum dos exemplos anteriores (ou uma
variação deles). Entendemos que este livro pode apoiá-lo e, para tanto,
estruturamos os assuntos da seguinte forma:
No capítulo 1 (Quem ganha quando você perde?), trataremos da relação “ganha-
perde”, que muitas vezes é negligenciada pelos investidores e traders – e
acreditamos que a partir desse ponto você sempre checará quem está do outro
lado das suas operações. Na sequência, o capítulo 2 (Você já visitou a cozinha?)
trata de apresentar com mais detalhes alguns dos importantes atores da Bolsa
(agentes, analistas etc.) e o modo como eles interagem, nem sempre resultando
no melhor benefício dos clientes (apresentaremos casos da CVM que
demonstram multas e acordos). O capítulo 3 (Se você acha o conhecimento caro,
experimente a ignorância) trata da possibilidade de altos ganhos e da importância
do autoconhecimento além do conhecimento de trading e investimentos.
Dedicamos o capítulo 4 (Guarde esta palavra: assimetria) para falar da assimetria
em suas diversas formas (assimetria de capital, de plataforma e de informação),
bem como sobre a característica de “soma negativa” do mercado, que é ignorada
por muitos investidores ou traders. No capítulo 5 (Qual é a sua estratégia
operacional?) discutiremos as diferentes formas de análise (fundamentalista,
técnica e quantitativa) e a importância de entender não só seus benefícios, como
também suas fraquezas. Dedicamos o capítulo 6 (Palavras finais) à sedimentação
das informações presentes nos demais capítulos, bem como ao registro de nossos
comentários adicionais.
Optamos por evitar o uso de termos em inglês, porém em muitos casos não há
tradução com senso comum ou que seja prontamente reconhecida pelos
investidores. Nestes casos, deixamos os termos em inglês acompanhados por seus
respectivos termos em português. Além disso, muitos termos em inglês serão
úteis ao leitor como palavras chave a serem utilizadas em buscas na Internet para
o aprofundamento de assuntos específicos não detalhados neste livro.
Apresentaremos em detalhe alguns exemplos de operações realizadas no Brasil
por várias instituições. Tais exemplos foram obtidos com dados presentes no
livro de ofertas. Como este tipo de visualização só mostra a instituição de origem
das operações é impossível discernir entre uma operação de um único cliente ou
de vários ao mesmo tempo. É impossível discernir entre uma operação humana e
uma automatizada. É impossível discernir entre uma operação coordenada pela
instituição ou uma coincidência de múltiplas operações distintas entre si. Apenas
para tornar a leitura mais simples, muitas vezes utilizaremos a instituição como
geradora da operação e não o termo “os clientes da instituição”, ou ainda, mais
precisamente, “o conjunto de algoritmos e clientes da instituição operando em
sincronismo no período analisado”.
Nosso propósito é fornecer elementos para que o leitor observe as concepções
distorcidas que são difundidas para o público – muitas vezes tendo como
resultado adverso aliviá-lo de seu capital – e compreenda mais profundamente o
fenômeno de trading e investimentos. Com isso esperamos ajudá-lo em sua
jornada na produção de melhores resultados. Afinal, trata-se de lucrar com os
tubarões, tentando evitar (e se possível aproveitar) as armadilhas que existem no
caminho. Você vai conhecer e entender tais armadilhas e – por meio de
exemplos e casos – terá oportunidade de vê-las em ação no dia a dia.
Dado que é impossível todos lucrarem ao mesmo tempo na Bolsa, sempre
teremos os que perdem seu capital para aqueles que estão mais preparados e mais
informados. Esperamos que nosso esforço seja útil para que você adquira
conhecimento suficiente para passar para o lado mais proveitoso da equação.
CAPÍTULO 1
Quem ganha quando você perde?

Quando você perde, ganha quem estava no outro lado da operação. Na Bolsa
existem duas polaridades envolvidas na realização de um negócio: o comprador e
o vendedor. Se houve trade é porque alguém comprou e alguém vendeu. Se você
perdeu, ganhou quem estava “contra” você.

1.1 Topos e fundos


Como não existe trade sem que alguém tenha comprado e alguém tenha
vendido, ficamos impressionados com o fato de que certamente alguém
comprou no preço que acabou sendo o topo histórico (o preço máximo pelo
qual uma ação já foi negociada num dado período de tempo) da Petrobras
(PETR4), que ocorreu no dia 21 de maio de 2008, conforme apresentado na
figura 1.1. Mesmo após três anos, o preço ainda não retornou ao patamar do
topo histórico. Em 8 de agosto de 2011, o prejuízo ainda estava em torno de
60%.
Comprar no topo (mesmo que não seja topo histórico) significa ser o último a
chegar à festa e ver a banda parar de tocar e os convidados indo embora: a sua
ação começa um movimento de queda quase que imediatamente. Quem
comprou no topo parece ter feito um péssimo negócio, então, quem faria isso?
Figura 1.1 – O topo histórico de Petrobras (PETR4).
O problema é que nunca sabemos se o preço atual será um topo ou não. Isso
só é visível depois que o tempo passou e que percebemos que o preço não
retornou ao ponto em que estávamos comprando. Significa dizer que no
momento em que alguém comprou a máxima do mercado, esta era apenas a
máxima do momento, não a definitiva. Alguém compraria naquele preço se
soubesse que era o topo?
O mercado não é como uma estrada, na qual temos a sinalização nos avisando
quando ela se torna perigosa. No momento em que você compra uma ação, não
soa um alarme dizendo: “Cuidado: Aqui pode ser o topo – a partir de agora ela vai
cair.” Também ninguém lhe avisa quando a perspectiva é positiva e o mercado
está para subir (veremos depois que se trata bem do contrário: quando o público
está induzido a comprar ações, a janela de oportunidade não poderia ser pior).
A identificação antecipada ou mesmo em tempo real de pontos de inflexão
importantes – tais como topos e fundos – é uma tarefa à qual se dedica uma
porção considerável de capital humano e financeiro. Os maiores bancos de
investimento e gestores de capital têm seus próprios departamentos de pesquisa –
os research centers – e a verba destinada a essa atividade é considerável.
Conseguir identificar antecipadamente a possibilidade de um topo não é tarefa
fácil e geralmente deixa larga margem para erro. Por exemplo, durante o
fenômeno das pontocom – a chamada bolha das ações de tecnologia, negociadas
na NASDAQ, que estourou no ano 2000 –, muitos especuladores quebraram
vendendo as ações da NASDAQ a descoberto durante o ano de 1999. Elas
estavam supervalorizadas e um topo poderia se formar a qualquer momento
(dando oportunidade para operação de venda: short selling ou venda a
descoberto), mas a cada posição de venda que eles abriam – apostando na queda
–, o mercado continuava subindo mais e mais, trazendo prejuízos que acabaram,
por exemplo, com o Manhatan Fund1 (gerenciado pelo austríaco Michael
Berger), que, tendo um prejuízo atrás do outro, começou a falsificar os relatórios
operacionais e foi descoberto em 2000 – ironicamente o ano em que a
NASDAQ fez seu topo histórico e começou a cair, na chamada quebra da bolha
das ações de tecnologia.
Desse modo, quem operava na venda acabava tendo prejuízo: cada vez que o
mercado dava sinais de que estava fazendo o topo, o preço arrancava novamente
e continuava a subir com mais força, literalmente quebrando os operadores que
apostavam na queda dos preços.
Isso é possível, basicamente, porque:
“O mercado pode permanecer irracional mais tempo do que você pode permanecer solvente.” –
Keynes
O fenômeno inverso de tentar achar o fundo também é perigoso, se você não
acerta o ponto. Muitos investidores perderam todo o seu capital durante a longa
queda que se seguiu ao crash de 1929. Mais recentemente, quem comprou logo
que o mercado começou a cair em 2008 – dependendo da ação – ainda não
recuperou seu investimento (vide exemplo na figura 1.1).
Se existe tanto risco envolvido em tentar identificar os topos e fundos do
mercado, qual a vantagem dessa prática? A questão é que o risco é geralmente
proporcional à lucratividade e isso significa que existe um incentivo financeiro
muito grande por trás dessas tentativas. Virtualmente, descobrir um ponto desses
é a diferença entre um retorno substancial e um medíocre. É importante ressaltar
que estar mal posicionado durante topos e fundos é estar posicionado de modo
contrário ao novo movimento que se inicia: o que se torna uma receita infalível
para ter prejuízos. Em outras palavras, identificar topos e fundos pode ser
extremamente rentável ou pelo menos evitar perda do capital.
Voltando ao exemplo de PETR4 no topo histórico, cuja máxima foi R$ 50,13
no dia 21 de maio de 2008, quem comprou acreditava que o preço iria se
valorizar o suficiente para cobrir os custos operacionais (corretagem,
emolumentos, taxa de custódia etc.) e dar lucro. Quem vendeu, por outro lado,
acreditava que o preço a partir dali iria se desvalorizar.
Em resumo, na estrutura de uma negociação na Bolsa de Valores ocorre a
existência de duas visões contrárias:
Em toda negociação em Bolsa, há duas partes que concordam quanto ao preço
e discordam quanto ao valor.
O “valor” nesse caso é a relação estabelecida entre o preço atual e a
possibilidade de sua apreciação ou depreciação futura. Investir ou operar ações só
é lucrativo ao se comprar barato (subvalorizado) e vender caro (supervalorizado),
fórmula aparentemente simples que todos já conhecemos. Mas a verdade não é
tão trivial: veremos mais adiante situações em que se pode também lucrar com a
queda ou com o movimento descendente dos preços por meio da venda a
descoberto ou short selling.
Lembrando-se da pergunta de quem lucra quando você perde, torna-se
evidente que é importante considerar quem poderia ser a sua contraparte na
negociação. Quando você está comprando uma ação, quem a está vendendo? É
alguém com mais informação ou conhecimento do que você? É alguém mais
preparado, com mais chances de estar certo? E se do outro lado estiver um
tubarão2?

1.2 O case que você dificilmente verá no MBA de finanças


Vamos agora analisar alguns fatos que ocorreram no período relativo ao atual
topo histórico das ações da Petrobras (PETR4).
Topos históricos são pontos de grande importância, pois até que o preço
ultrapasse esse nível, eles constituem a máxima absoluta da ação. Até o momento
em que este livro foi escrito, o preço das ações da Petrobras não retornou ao
nível máximo registrado em maio de 2008. Isso significa que quem comprou
nesse período ainda não registrou um dia sequer de lucro.
O caso a seguir (parte ficcional e parte verídica) mostra como é possível
identificar certas nuances de percepção que levam os investidores a comprar
ações em momentos extremamente desfavoráveis. Vamos aos fatos:
No dia 20 de maio de 2008, foi divulgada no website da InfoMoney uma
notícia (Figura 1.2) a respeito da revisão para cima das estimativas da Petrobras
pelo Credit Suisse.
Imagine qual pode ser o impacto dessa notícia no comportamento de um
investidor comum, ainda novo no mercado e sem conhecimento de fenômenos
como sazonalidade, venda a descoberto, formação de topos etc.
Consideremos hipoteticamente um investidor essencialmente despreparado –
porém não aos seus próprios olhos –, como são muitos dos investidores pessoa
física que chegam todos os anos à Bolsa. Seu conhecimento em outras áreas não
encontra respaldo no mercado de capitais, suas habilidades profissionais não são
perfeitamente aplicáveis na arena dos investimentos porque esta tem regras
próprias que não se revelam ao olhar superficial.
Figura 1.2 – Notícia na InfoMoney (20/5/2008 – 12h08).
Vamos conhecer melhor o nosso amigo em questão: ele teve algum sucesso em
sua vida profissional a ponto de ter capital disponível para investir em ações e
isso lhe conferia certo status frente ao seu grupo de convívio. Costumava ser
reconhecido por sua perspicácia, mas investir em ações o elevava a outra
categoria. Isso era algo mais sofisticado, inacessível ao comum das pessoas. A
mais de um amigo próximo ele confidenciou seu interesse pelo mercado de
capitais e como planejava ser bem-sucedido – o segredo, ele revelou, era comprar
somente ações de grandes empresas com sólida administração e cujos produtos as
pessoas realmente necessitavam – e olhava para o interlocutor com os olhos
brilhando e satisfeito consigo mesmo por sua sagacidade. Seu contentamento
aumentava à medida que o amigo meneava a cabeça afirmativamente, como se
buscasse compreender a grandiosidade do seu plano. Em qualquer oportunidade
que se apresentava de mostrar seu conhecimento, desde um churrasco com os
amigos até uma degustação de vinhos, ele se regozijava em ser consultado a
respeito dessa ou daquela empresa ou da direção atual do mercado de ações, do
preço do dólar, do aumento da gasolina. Em suma, ele era informalmente o
expert em seu círculo de amigos.
Sua autoestima como “especialista” aumentava junto com o nível dos preços,
pois ele já tinha adquirido ações de algumas das principais empresas do país –
embora ainda modestamente, pois primeiro queria “testar” o mercado, colocando
em risco apenas uma pequena parte de seu capital (em torno de 20%), em razão
de seu perfil avesso ao risco – e lhe fazia bem vê-las subindo... subindo... Embora
sua participação no mercado fosse ínfima frente à sua possibilidade de
investimento – o que levava a um ganho financeiro não particularmente
expressivo –, o sucesso dessas primeiras experiências o deixava cada vez mais
confiante. “Estas ações”, dizia ele, “são para a vida toda”.
Passados alguns meses de alta do mercado, suficientes para convencê-lo de sua
expertise, ele agora estava pronto para comprometer uma fatia maior de seu
capital investindo em ações. Estava em seus planos aumentar sua exposição no
mercado, comprando mais ações. Sua estratégia era diversificar sua carteira de
investimento comprando ações das 20 maiores empresas do país e aumentando
para 70% a exposição do seu capital em ações – os 30% restantes permaneceriam
em um fundo de renda fixa, como uma forma de minimizar o risco. Como
podemos ver, sua estratégia era prudente.
Agora vejamos com atenção o trecho que ele mais absorveu da notícia (Figura
1.3).

Figura 1.3 – Trecho da notícia na InfoMoney.


Imediatamente ao ler a nota ele consulta a cotação de PETR4 (Figura 1.4)...

Figura 1.4 – Cotação de PETR4.


E começa a fazer cálculos: de R$ 46,80 a R$ 86,00 será uma alta de 84%! Uma
onda de excitação o percorre todo. Até então tivera resultados razoáveis
investindo em ações... Mas 84% em menos de um ano (contando a partir de
maio) era mais do que ele podia esperar!
Secretamente, ele sente orgulho de ser um pesquisador do mercado, com acesso
a conteúdos que seus amigos jamais sonhariam. Afinal, refletia ele, não é preciso
muita inteligência para aplicar em renda fixa, mas para entrar no mercado
acionário é preciso, além de um intelecto apurado, possuir uma imensa
disposição para garimpar informações. E isso ele fazia bem: de manhã até à noite
passava vasculhando os sites das empresas nas quais desejava investir, buscando
informações, além de sites especializados para se manter informado sobre as
principais notícias do mercado.
Ria-se dos que investiam em ações apenas acompanhando a cotação pelo
jornal, sem ter acesso às verdadeiras informações, disponíveis somente aos
iniciados na internet. Finalmente seu esforço de pesquisa estava dando
resultados, pois o que tínhamos aqui? O site havia dado uma dica... E uma dica
quente: as ações da Petrobras subiriam 84% até o final do ano.
Se a notícia fosse referente a ações de outra empresa, especialmente se não fosse
uma blue chip3, ele consideraria a matéria duvidosa. Mas estávamos falando da
Petrobras, não de uma ação qualquer. E ele já estava ansioso por uma
oportunidade, tendo perdido no mês anterior a fabulosa alta de curto prazo
ocasionada pelo grau de investimento4 concedido ao Brasil. Ali teria sido um
ponto ideal para ter investido o montante que faltava do seu capital. Mas ele
perdeu o timing e foi torturante ver o preço subindo daquela forma sem estar
posicionado. Não há nada pior do que a sensação de estar de fora de um bom
movimento de alta. Mas estava além do seu alcance: o grau de investimento foi
concedido praticamente sem aviso. Havia rumores a respeito, mas ninguém sabia
a data ao certo. Quando se viu, as ações já estavam disparando. Dessa vez ele
estava preparado para entrar no mercado ao menor sinal de oportunidade... Logo
após a notícia veiculada no site o preço começa a subir de forma rápida,
fechando na máxima do dia em R$ 48,24, com 3,32% de alta. Mas ele não havia
comprado ainda: estava estudando alguns aspectos operacionais, como conferir o
montante que colocaria na operação, fazendo cálculos de como ficaria sua
carteira se ela tivesse uma posição predominante da Petrobras. Queria manter
seus investimentos diversificados, mas sem perder o esperado upside das ações.
No dia seguinte, PETR4 abriu com um gap de alta (quando o primeiro preço
do dia ocorre acima da máxima do dia anterior) em R$ 49,10, perfazendo
1,79% desde o fechamento anterior já no início dos negócios. Ele estava ansioso
pela abertura do pregão e assim que ela começa a subir ele pede ao seu corretor
que compre. Ela continua altista: em 15 minutos sobe mais 2,06%, chegando a
R$ 50,13. Ele está posicionado agora, muito feliz por ter tido coragem de
investir na hora certa!
É assim que se compra topo.

1.2.1 Do outro lado


Na contraparte de sua operação estava a corretora do Credit Suisse. No
momento da divulgação da notícia, eles já eram os maiores vendedores (e
continuariam vendendo nos dias seguintes).
Com a ferramenta Times and Trades podemos ver as operações de venda de
PETR4 pela corretora do Credit Suisse durante a divulgação da notícia no
website da InfoMoney (Figura 1.5). Se observarmos o saldo dessas operações até
o momento da divulgação da notícia (Figura 1.6), podemos observar que – em
termos de volume – a corretora do Credit Suisse era a maior vendedora de
PETR4. Nesse dia, também é possível constatar os momentos em que ocorreram
as suas vendas até o momento da notícia (Figura 1.7, setas em destaque).
Figura 1.5 – Operações de venda de PETR4 pelo Credit Suisse durante a divulgação da notícia.

Figura 1.6 – Saldo das vendas de PETR4 até a divulgação da notícia.


Figura 1.7 – Gráfico de preço de PETR4 no dia da notícia.
Nos sete dias seguintes ao da publicação da notícia, eles haviam vendido o
equivalente a 537 milhões de reais em ações preferenciais (PN) da Petrobras
(considerando-se um preço médio de R$ 47), o equivalente a 11.443.600 ações e
142 milhões de reais em ações ordinárias (ON) (levando-se em conta o preço
médio de R$ 47), ou 3.033.600 ações. A figura 1.8 é um resumo do cenário
entre os dias 20 e 30 de maio de 2008. Nela podemos ver, à esquerda, a posição
de venda acumulada pela corretora do Credit Suisse. À direita, as setas destacam
os pontos de venda.
A posição total vendida seria de aproximadamente 680 milhões de reais.
Para um observador isento dos fatos, é relevante observar que os analistas do
Credit Suisse não conseguiram convencer os seus próprios operadores e os
clientes da corretora da possível alta da Petrobras, já que a notícia era de elevação
do preço-alvo e as operações da corretora estavam no lado da venda.

Figura 1.8 – Cenário do período que acabou gerando o topo histórico de PETR4.
Durante os dias que se seguiram desde a publicação da notícia e o topo
histórico de PETR4, observamos as operações executadas.
Olhando no book (ou livro de ofertas, onde são colocadas todas as ofertas de
compra e de venda) e na ferramenta Times and Trades (na qual se registram os
negócios realizados), percebia-se que a corretora vendia praticamente para todas
as ofertas de compra que apareciam. Após a entrada de novas ordens de compra
no book é possível observar um fracionamento de ordens em lotes de cem, de
200, de 300, de 500 e eventualmente até mais de mil ações que acabaram
minimizando o impacto que uma posição grande teria no mercado, caso fosse
vendida massivamente. Apenas acompanhando o book, não é possível discernir
entre operações humanas e automatizadas, mas tipicamente algoritmos de
TWAP5 e VWAP conseguem realizar operações de fracionamento de maneira
rápida e coordenada. Nesse cenário é possível vender uma posição sem afetar a
contínua alta do preço. Foi possível observar ainda que quando havia sinal de
que a liquidez estava diminuindo, apareciam ordens cada vez menores dentro
dessa escala e, como consequência, não havia pressão de preços para baixo. Em
alguns casos, a corretora figura nas duas pontas da negociação. Novamente, não
é possível discernir entre um conjunto de operações coordenadas e operações ao
acaso e coincidentes – a corretora apresenta muitos clientes institucionais e
privados –, mas o efeito disso no book é que o preço se mantinha sem cair,
estendendo assim o período propício às vendas. Quando o fluxo de ordens de
compra das outras corretoras aumentava, havia também um aumento do
tamanho das ordens de venda. A figura 1.9 exemplifica as operações executadas
via corretora do Credit Suisse no dia da notícia, e nela se observam diversos tipos
de lotes negociados.
Figura 1.9 – Exemplo de operações do Credit Suisse no dia da notícia.
O resultado final visível é que a corretora vendeu uma posição considerável
durante a alta do preço, e não após ele começar a cair.
É assim que se vende topo.

1.2.2 Não há vilões e vítimas


Não é nosso objetivo que o leitor infira que a corretora Credit Suisse ou a
InfoMoney agiram incorretamente ou criaram uma conspiração contra o
indivíduo ficcional relatado no case. Como afirmamos, apenas visualizando o
book é impossível discernir entre operações coordenadas da própria corretora e
um conjunto de operações aleatórias e coincidentes de vários clientes por meio
da corretora. Respeitamos essas empresas e entendemos que elas são instituições
independentes, muito prestigiadas e competentes. Também não temos intenção
de descrever os papéis da Petrobras como “bons”, “ruins” ou outra classificação
qualquer. O case tem por finalidade ilustrar que não existe a dialética dos vilões e
das vítimas, mas, sim, contextos cotidianos e comportamentos do investidor que
devem ser avaliados com atenção antes da tomada de decisões de investimento.
Vamos destacar alguns pontos importantes do case:
• Nosso amigo acreditou que a valorização seria “84% em menos de um ano
(contando a partir de maio)”. Isso é um erro básico de inflação de
expectativas, dado que o preço-alvo é uma projeção de 12 meses, e não “até o
fim do ano”, como ponderou. Podemos ver claramente no relatório de
“Análise de Empresas” do Credit Suisse referente à Petrobras a indicação
Target price is for 12 months (Figura 1.10, canto inferior esquerdo).

Figura 1.10 – Trecho do relatório de “Análise de Empresas” do Credit Suisse referente à Petrobras (21/5/2008).
Fonte: https://br.credit-suisse.com/.
• O processo decisório foi focado na informação que para o investidor teria
maior peso, ou seja, o preço-alvo da ação, desprezando outras informações
relevantes e disponíveis abertamente. A figura 1.11 destaca as peças de
informação utilizadas no processo decisório.
Figura 1.11 – Peças de informação utilizadas na decisão.
Em contraste, a figura 1.12 destaca as informações que foram ignoradas pelo
investidor: indicador de volatilidade do preço das ações e divulgação de que o
Credit Suisse realiza negócios com as empresas cobertas em seus relatórios,
esclarecendo que os investidores devem estar cientes de um potencial conflito
de interesses que pode afetar a objetividade do relatório. Essas informações
estão claramente explícitas (ou seja, não são letras miúdas no final do
documento) nas duas primeiras páginas do mesmo relatório de “Análise de
Empresas” do Credit Suisse referente à Petrobras.

Figura 1.12 – Informações não consideradas na decisão.


Ressaltamos que a equipe de analistas que preparou o relatório é imparcial, sua
opinião é independente e autônoma. Eles não possuem vínculo relevante de
ganho direto ou indireto com as empresas que analisam (Figura 1.13).

Figura 1.13 – Trecho do relatório de “Análise de Empresas” do Credit Suisse. Fonte: https://br.credit-suisse.com/.
Disso decorrem três consequências:
• Como todo ser humano, os analistas podem errar.
• Os analistas não ganham nem perdem com o resultado de suas análises.
Dessa forma, também não perdem dinheiro se erram. Referimo-nos aqui a
perdas financeiras e diretamente geradas pelos ativos das empresas analisadas.
Obviamente (como em qualquer profissão) os erros na atividade executada
terão impactos (financeiros, motivacionais etc.) na carreira do profissional e
em sua avaliação na empresa em que atua. Analistas que erram muito não
progridem em suas carreiras. Os melhores são aqueles que erram menos, seja
em frequência ou relevância. Desconhecemos analistas infalíveis.
• A equipe de operações é independente da equipe de análise e é de se esperar
que suas inclinações sejam pouco correlatas. Ou seja, tal equipe segue o
relatório do analista se julgar pertinente. Desde o Global Settlement (2003),
um acordo assinado entre a SEC, a NASD, a NYSE e os dez maiores bancos
norte-americanos de investimento, as instituições separaram as áreas de
pesquisa para garantir a isenção de opinião e solucionar o conflito de
interesses.

1.3 Siga o dinheiro


Em filosofia existe uma expressão latina para argumento de autoridade: magister
dixit, que significa “o mestre o disse”. Utiliza-se essa expressão no contexto de
algo que nem precisa ser discutido, porque, afinal, foi o mestre que disse.
Em qualquer outra área, procurar a opinião do especialista é uma atitude
inteligente e pode ser considerada uma boa estratégia. Procuramos um advogado
para resolver questões jurídicas complexas, acatamos a decisão do médico sobre
que medicamento tomar, e assim por diante.
No mercado, porém, seguir os conselhos dos grandes players não está
diretamente correlacionado a bons resultados. Vamos citar como exemplo um
caso julgado pela SEC (Securities & Exchange Commission, o órgão regulador
do mercado de capitais norte-americano), no qual o banco de investimentos
Merrill Lynch realizou o seguinte procedimento:
“De posse de informações que a empresa McDonnel Douglas não tivera resultados trimestrais
favoráveis, recomendou que seus clientes corporativos vendessem a ação enquanto recomendou a
seus clientes pessoa física que comprassem. O preço da ação despencou logo após estas
recomendações.”6
Não parece um absurdo emitir duas recomendações contrárias sobre a mesma
ação no mesmo período? No entanto, sob a perspectiva dos incentivos da teoria
econômica, seria interessante comparar a receita gerada para a empresa pelos
clientes corporativos com a gerada pelos clientes pessoa física. Talvez essa
comparação pudesse nos esclarecer os motivos de um comportamento
aparentemente contraditório. Além do mais, a multa dada pela SEC foi de
aproximadamente 100 mil dólares, talvez um preço pequeno a se pagar pela
fidelidade de grandes clientes.
Mas a palavra do mestre tem apelo, especialmente para o público que não
possui, naquele momento, conhecimento suficiente para formular sua própria
opinião. Exatamente por isso suas percepções podem se tornar alvo de
influências diversas que dificilmente teriam como objetivo os seus melhores
interesses.
A receita para evitar confusão a respeito de qualquer assunto relativo ao
mercado de capitais é primar pelo desenvolvimento de suas próprias concepções
e aceitar as opiniões alheias somente depois de passarem pelo crivo de uma
análise menos superficial. É preciso identificar os dois principais meios pelos
quais os grandes podem se expressar: o discurso e a movimentação financeira.
Nesse sentido, nossa sugestão é muito simples: sempre que as operações de um
grande player estiverem em desacordo com suas palavras, siga o dinheiro (vide
ressalvas no tópico 4.5.3).
Sempre que um banco de investimento sugerir a valorização ou desvalorização de uma ação
qualquer ou recomendar expressamente compra ou venda, observe no mesmo dia e nos dias
seguintes o teor de suas operações nessa ação. Ele está fazendo o que sugeriu?

1.4 O mercado é cruel?


“Tudo no mercado está configurado para separar você do seu dinheiro.” – Larry Williams

Depois desse primeiro relato, você pode estar pensando que o mercado é um
ambiente cruel. Você não está sozinho, porque possivelmente 95%7 dos traders e
investidores ativos8 pensam da mesma forma, já que esse é o percentual estimado
dos que causam danos ao seu capital em operações malsucedidas.
Mas a verdade está longe disso, pois o mercado em si não é favorável nem
desfavorável a alguém – ele não tem prediletos. Aqui está um dos maiores erros
cometidos pelo investidor neófito, o “sardinha”, como é conhecido: atribuir
personalidade ao mercado.
Sempre que dizemos frases como: “O mercado é cruel”, “Hoje o mercado não
estava fácil”, “Ano passado o mercado estava bom, porque subiu”, “Em 2008 o
mercado estava horrível”, estamos personificando-o. Isso é uma característica
humana comum, pois ao personificar as coisas, fica mais fácil lidar com elas. Os
antigos faziam assim com os elementos da natureza, a ponto de lhes atribuírem
caráter de divindade: havia o deus da chuva, o deus do trovão, o deus da floresta
etc. Mas essa tentativa de personificação é a base de muitos dos erros de
investimento que o indivíduo irá cometer.
O principal aspecto de se criar uma persona para o mercado é a transferência
de responsabilidade (um amigo nosso, muito espirituoso, definia isso
perfeitamente na frase: “A culpa é minha e eu a ponho em quem eu quiser!”).
Inconscientemente, fica mais fácil lidar com a frustração de ter perdido dinheiro
ou oportunidade de ganho se tratamos o mercado como antagonista e
responsável por nossa perda: “Não foi minha culpa... O mercado é que não estava
fácil”.
Emocionalmente, pode funcionar. O indivíduo transmite sua raiva e seu
desgosto para essa imagem personificada, encontrando apoio e camaradagem em
outros que agem como ele: na internet é comum encontrarmos salas de chat em
que os investidores e traders discutem as últimas malvadezas desse ser perverso. A
questão toda é que a personificação tem o efeito de obscurecer o julgamento.
Note bem: ninguém o obrigou a comprar ações, escolheu a quantidade ou o
preço, nem tampouco o momento de entrada ou de saída. Em suma, ninguém o
forçou a nada; as escolhas foram suas, o tempo todo. Você poderia até mesmo ter
escolhido não investir em ações!
Se a escolha foi sua, a responsabilidade também pertence a você. O mercado
nem sabe que você existe – ele é impessoal.
Na vida cotidiana percebemos que as pessoas têm dificuldade em lidar com
fatores impessoais. Quando chutamos a quina da porta – que é perfeitamente
impessoal – com o dedinho do pé por descuido, reclamamos: “Droga de quina!”
Quando estamos dando um passeio com a namorada ou a família e começa a
chover, dizemos: “Tinha de chover justo hoje que eu vim passear?” Se saímos de
casa atrasados para um compromisso importante e enfrentamos um
engarrafamento inesperado, pensamos: “Todos os dias eu venho por aqui e não tem
engarrafamento... Logo hoje que eu tenho uma reunião importante o trânsito está
trancado!” Se compramos uma ação que estava subindo e ela começa a cair,
dizemos: “Esta ação veio subindo durante semanas... Agora que eu resolvi comprar
ela começa a cair.” Ou, no caso de ordens de stop-loss9: “O mercado veio atrás dos
meus stops!” (Um aluno nosso dizia: “Professor, eu sou um peso... Se eu subo na ação
ela cai, se eu saio ela sobe...” – “subir” e “sair” aqui entendidos como comprar e
vender.)
O foco, portanto, é sempre no “eu, eu, eu, eu...”, mas do modo incorreto,
vitimizado. Essa tendência à vitimização é constante e impede o indivíduo de
operar a realidade.
E a realidade é que a quina da porta nem sabia que você estava passando por
ali; a chuva caiu porque era de sua natureza (e, conforme a Bíblia, Deus faz
chover sobre os bons e sobre os maus); a ocorrência de engarrafamento no
trânsito foi puramente aleatória, em razão de um acidente; enquanto a ação
estava subindo ela não sabia que você estava de fora e quando ela começou a cair
ela não sabia que você tinha comprado; para finalizar, suas ordens de stop-loss
possivelmente estavam muito próximas do preço negociado e foram atingidas
justamente por isso. E se você está pesado, pode sempre fazer um regime, mas
isso não irá afetar seu desempenho como investidor.
É difícil admitirmos que certas coisas acontecem ou existem sem levar em
conta a nossa vontade ou mesmo a nossa existência; é difícil aceitar, por
exemplo, que a chuva é um fenômeno totalmente impessoal e que você devia ter
olhado a previsão meteorológica antes de sair – é muito mais conveniente
argumentar que a previsão nunca funciona e que a chuva no passeio só pode ser
obra do azar. Ninguém gosta de admitir que comprou ações no momento errado
em razão de erro de análise ou algum evento puramente aleatório do mercado: a
teoria mais interessante é a de que o mercado virou para baixo assim que você
decidiu entrar.
Essa tendência à vitimização é um processo psicológico muito elaborado, cuja
finalidade é a de proteger o ego contra um possível ataque à sua autoimagem. É
um processo de racionalização em que quaisquer desculpas, por escabrosas que
sejam, cumprem o papel de transferir responsabilidade e aliviar a tensão
emocional.
Só que o mercado, como tudo que é impessoal, exige uma abordagem também
impessoal. Alcançar ou desenvolver uma abordagem impessoal é o primeiro e
mais difícil passo a ser dado pelo investidor ativo e pelo trader. É o primeiro
passo porque sem ele a tentativa de ser bem-sucedido está comprometida desde a
origem – assim como não se constrói uma casa sobre a areia, mas, sim, sobre a
rocha, a prática de investimentos também deve estar bem fundamentada. O
fundamento aqui é a compreensão do caráter impessoal do mercado e dos meios
de lidar com essa realidade. Isso significa ser capaz de agir racionalmente mesmo
em meio às pressões emocionais que o mercado inevitavelmente provoca nos seus
participantes.
Em novembro de 2008, no auge da quebra da Bolsa em razão da crise do
subprime, demos uma palestra num evento de empreendedorismo, a respeito das
perspectivas para o mercado de capitais em meio a cenários de crise. O público
era composto por empreendedores, empresários, profissionais liberais e
investidores. (Cremos que os investidores foram os que sentaram mais à frente,
pois tinham o semblante mais carregado.) Imaginem o alvoroço que causou a
nossa seguinte observação sobre a natureza do mercado:
O mercado é justo, imparcial e democrático.
Olhos se arregalaram, tosses nervosas e pigarros foram ouvidos: a mensagem
tinha pegado todos desprevenidos. Ninguém interrompeu a palestra, nem fez
menção de se levantar e ir embora, mas era possível sentir que se não fossem as
convenções sociais – a palestra era no Rio Grande do Sul, um estado bastante
cumpridor das normas tradicionais de etiqueta – era justamente isso que iriam
fazer: ou interromper a nossa fala e nos chamar por adjetivos de baixo calão ou
levantar e ir embora.
Vendo que o público ficou de certo modo transtornado pela mensagem,
percebemos que muitos ali estavam encarteirados, ou seja, comprados em uma
carteira de ações. Posicionados na compra durante uma das maiores quedas do
mercado nas últimas décadas, estavam perdendo dinheiro.
Arrematamos:
Vamos repetir: O mercado é justo, imparcial e democrático.
Confessamos que pode ter sido um pouco de sadismo, mas a situação era
muito boa para gravar na mente daquele público alguns princípios saudáveis de
investimento:
• O mercado é justo porque o retorno financeiro é sempre exatamente
vinculado à sua atuação como investidor ou trader.
• O mercado é imparcial porque não existe a possibilidade de um ganho
realizado por uma operação sua ser creditado na conta de outrem – a não ser
por algum erro administrativo que seria imediatamente resolvido.
• O mercado é democrático porque todo cidadão, independentemente de sua
origem social, pode acessá-lo para realizar suas operações.
Se você também foi pego de surpresa, avalie melhor cada item:
O mercado é justo – Podemos dizer que qualquer ganho ou prejuízo no
mercado está sempre relacionado ao preparo, ao conhecimento e à disciplina do
investidor. Naturalmente, fatos extraordinários podem provocar uma alta ou
uma queda súbita dos preços, sem que pudessem ter sido antecipados – mesmo
nesse caso, especialmente no sentido da queda, é possível colocar de antemão
limites operacionais que minimizem o impacto de eventos inesperados.
O mercado é imparcial – Imaginem um lugar perfeitamente à prova de
corrupção... É possível?... Sim, como vamos logo demonstrar. O mercado de
capitais é a pedra fundamental do capitalismo e isso significa dizer que é um dos
últimos redutos nos quais aspectos operacionais são exatamente cumpridos, doa
a quem doer. Quando George Soros especulou vendendo libra esterlina – em
uma queda de braço com o Banco da Inglaterra –, ninguém veio lhe dizer: “Não
é admissível operar dessa forma contra sua Alteza, a rainha!”; do mesmo modo, se
você entra numa operação de compra de ações e tem lucro, jamais sua corretora
irá lhe telefonar dizendo: “Veja bem... sabemos que você fez uma operação bem-
sucedida e lhe damos os parabéns por isso... Acontece apenas que na contraparte dessa
operação estava o filho do fulano, eminente industrial, e não podemos deixar no
prejuízo dele, não é? Então vamos fingir que não aconteceu nada...”. A CBLC
(Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia) trabalha justamente para que
todas as operações sejam liquidadas com perfeição.
O mercado é democrático – Como diz Larry Williams (um dos maiores traders
do mundo), o dinheiro é trocado sempre por algo de valor, e o dinheiro que
lucramos no mercado é trocado por... horas de estudo. Tempo de estudo e
dedicação, desenvolvimento de conhecimento – essa é a real moeda de troca do
investidor. Agora reflita, essa é uma condição acessível a todas as pessoas
alfabetizadas. Alguém que veio do subúrbio ou de uma favela será tratado da
mesma forma que o filho do industrial ou do senador. Em suma, se num dado
momento ambos estiverem em posições diferentes na mesma operação, vencerá
quem tiver dedicado mais tempo ao estudo do mercado.
O mercado é simplesmente o mecanismo que a todo o momento permite a
aproximação entre dois indivíduos que desejam negociar e que, apesar de
concordar sobre o preço da ação ou do ativo, discordam quanto ao seu valor.

1 Fonte: http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=newsarchive&sid=aglER9IsisrQ
2 No jargão do mercado, “tubarão” é o grande player – indivíduo ou instituição com capital suficiente para
mover o mercado num dado contexto.
3 No jogo de pôquer, as fichas azuis (blue chips) são as mais valiosas. O termo é usado no mercado
financeiro para designar ações de empresas consideradas de primeira linha: sólidas, com comprovada
lucratividade, principalmente em longo prazo.
4 O grau de investimento é uma classificação dada pelas agências de rating (exemplos: Fitch Ratings, a
Moody’s e a Standard & Poor’s) a países com mais possibilidades de honrar seus compromissos.
5 TWAP, VWAP – Médias de preço relacionado a tempo (TWAP) ou volume (VWAP). Negociar em
TWAP significa não pagar muito além do preço médio negociado naquele período (por exemplo,
durante 15 minutos). O mesmo para VWAP, só que nesse caso a grandeza de valor é o volume.
6 Conferir em: The definitive guide to futures trading, Larry Williams.
7 Ver o livro de Noble Drakoln, Winning the trading game. Why 95% of traders lose and what you must do to
win.
8 Investidor ativo: ao contrário do investidor “passivo”, que permanece posicionado durante longo período
de tempo, este tipo de investidor é caracterizado por gerenciar suas aplicações mais ativamente, entrando
e saindo de posições a cada mês ou grupo de meses.
9 Stop-Loss ou simplesmente “stop” é um tipo de ordem utilizada para preservação do capital, não
permitindo que a posição continue negativa além de certo ponto. É um limite de perda configurado pelo
próprio trader ou investidor. Pode ser automática (ordem de stop-loss) ou apenas uma referência do
ponto em que o trader quer encerrar a operação, caso negativa.
CAPÍTULO 2
Você já visitou a cozinha?

“Aprendam a viver com os conflitos de interesses.” (Frase dos advogados do Goldman Sachs aos sócios da
empresa.)
Charles Ellis, em The Partnership: The Making of Goldman Sachs.

Experimente entrar no seu restaurante predileto, sentar-se à mesa e escolher no


cardápio um prato de sua preferência. Enquanto ele é preparado, belisque o
couvert despreocupadamente, saboreando um dos melhores vinhos da carta. O
seu prato vem após um período razoável de espera, fumegando e com um aroma
delicioso. Você experimenta um bocado e sente-se feliz por desfrutar dos prazeres
da gastronomia.
Essa é uma experiência. Bem diversa é a experiência de logo depois de fazer o
pedido, acompanhar a preparação do prato na cozinha, ou melhor, nos
bastidores.
A série de TV Kitchen Nightmares mostra o chef internacional Gordon
Ramsay remodelando restaurantes que estão à beira da falência – e isso significa
inclusive expor e eliminar práticas de higiene duvidosas que estejam ocorrendo
em sua cozinha: comida estragada, comida reutilizada, freezers desligados
durante a noite para economizar energia elétrica, sujeira, baratas, vemos de tudo
nos episódios do programa e invariavelmente o chef Gordon Ramsay passa um
sermão nos donos por tamanha negligência com os princípios básicos de higiene.
No mercado, a primeira experiência acima (a positiva) seria equivalente a
conhecer superficialmente os serviços e o ambiente da Bolsa. Sites de corretoras
com fotos de pessoas sorridentes e bem-sucedidas, o primeiro atendimento ou a
reunião no escritório dos agentes autônomos, palestras educacionais promovidas
para atrair o público, tudo isso equivale a ver somente os aspectos positivos do
restaurante.
Mas se desejar realmente conhecer a cozinha, você pode encontrar algumas
surpresas...

2.1 Bom dia, você quer comprar ações?


A conversa poderia seguir mais ou menos assim:
– Bom dia! Estou ligando para falar dos prospectos de investimento para este
mês...
– Não estou interessado.
– Não está interessado em ganhar dinheiro? Todos estão interessados em fazer
algum dinheiro... Deixe-me explicar melhor do que se trata... A empresa
XYZ está obtendo resultados fenomenais e suas ações estão com um
potencial de valorização de X%, o que, ao preço corrente por ação, é
realmente uma barganha!
– ...
– Como eu estava lhe dizendo, a empresa XYZ...
E assim seguia o corretor de ações no seu trabalho de realizar hard calls ou
chamadas aleatórias a pessoas que ele não conhece, a fim de vender ações e gerar
comissões para a corretora.
Se você nunca recebeu uma ligação como essa, é porque esse modelo agressivo
de abordagem de possíveis clientes está mais em voga nos Estados Unidos do que
no Brasil. Por aqui, as corretoras buscam trazer o público para eventos
educacionais como palestras gratuitas (com sorteio para os cursos!), no intuito de
abrir o máximo de contas possível e transformar os ouvintes em clientes.
Você pode não ter recebido (ainda) uma ligação telefônica desse tipo, mas
certamente já recebeu e-mails (ou spams?) convidando você para cursos, palestras
e eventos diversos de divulgação do mercado financeiro. E não adianta pedir para
descadastrarem seu e-mail: sempre volta. Eles são persistentes.
Os títulos são impactantes (Curso avançado..., Aprenda a dominar..., Tudo sobre
derivativos e... etc.), as apresentações em Flash no corpo do e-mail tem um layout
elegante, sempre com imagens de pessoas sorrindo ou com estilo de executivos.
“Venha para a nossa corretora e você será bem-sucedido também” é a mensagem
subliminar.
É de se ficar entusiasmado. Ainda mais se você visita algumas corretoras ou
alguns escritórios de agentes autônomos: geralmente localizadas em prédios
imponentes, nos bairros mais elegantes da cidade, hall com pé-direito triplo, sala
de estar decorada com sofás de couro e recepcionista oferecendo café com um
sorriso no rosto.
Nas reuniões com futuros clientes (prospects é o termo utilizado), a
calculadora financeira torna-se instrumento fundamental para convencê-lo de
que eles possuem conhecimento superior. O seu contato na corretora tenta
adivinhar quanto de dinheiro disponível você tem para investir, e talvez lhe
pergunte isso sem mais delongas. E podem ser hábeis em convencê-lo – graças à
calculadora financeira e a algumas ações escolhidas previamente – de que se você
tivesse sido cliente desde o ano passado, estaria agora com o dobro do seu
capital.

2.2 O agente autônomo ou corretor de ações


Muito provavelmente o seu contato na corretora é um agente autônomo ou
corretor de ações. Eles fazem a linha de frente, interagindo com os clientes e
abordando possíveis futuros clientes.
De agente autônomo para analista há uma distância fenomenal. O agente
autônomo de investimentos é um profissional regulamentado pela CVM, cuja
função (e total extensão de atribuições) é a de atuar como um mediador entre
você e os outros investidores ou traders na negociação de ações ou derivativos.
Ele serve de canal entre as duas partes de um negócio, buscando realizar o
casamento das ordens de compra e venda.
Com o advento dos sistemas de negociação eletrônica, o corretor de ações saiu
do pregão viva voz, local físico na Bolsa onde os corretores se encontravam para
apregoar as ofertas de compra ou de venda de seus clientes, perdendo sua função
primordial de intermediário.
Observe o fluxo da execução de uma ordem de compra de ações antes e depois
da extinção do pregão viva-voz:
Pregão viva-voz:
1. O cliente liga para a corretora;
2. O agente autônomo recebe a ordem;
3. E a comunica ao operador que negocia no pregão;
4. O operador se comunica com os operadores das outras corretoras em busca
de uma contraparte para a ordem do seu cliente;
5. Quando isso acontece, fecha o negócio, transmite o preço de execução ao
agente autônomo na corretora;
6. O agente, então, comunica ao cliente os detalhes do negócio realizado.
Pregão eletrônico (ordem “via mesa”):
1. O cliente liga para a corretora;
2. O agente autônomo recebe a ordem;
3. O próprio agente a executa no TROM ou no Sistema Mega Bolsa
(plataforma de execução do pregão eletrônico);
4. O agente autônomo comunica ao cliente os detalhes de execução.
Observe como a mudança do pregão viva-voz para pregão eletrônico já
eliminou a presença de um dos agentes na execução da ordem (aquele que estava
no pit ou local físico de negociação nas dependências da Bolsa).
Analise agora o seguinte fluxo de ordem, quando o cliente utiliza o sistema do
home broker:

Pregão eletrônico (via home broker):


1. O cliente não liga para a corretora;
2. O cliente visualiza por si próprio na plataforma do home broker os níveis de
negociação (melhores ordens de compra e de venda);
3. Ele mesmo envia sua ordem, simplesmente digitando nos campos
apropriados o código da ação, a quantidade, o valor e seu código de cliente;
4. O negócio é executado e ele é avisado imediatamente da execução.
Nesse último caso, em nenhum momento o agente autônomo de
investimentos teve participação ou foi necessário. Dada a possibilidade de se
enviar as ordens sozinho, pelo computador, qual a finalidade de utilizar os
serviços de um agente autônomo?
O agente autônomo, por definição da instrução 497 da CVM, intermedeia
negociações. Não faz parte da definição (artigo 1º):
a. Decidir pelo cliente;
b. Induzir o cliente a operar;
c. Fornecer análises ao cliente.
Mas alguns agentes tentam convencê-lo de que são essenciais para o seu sucesso
nas operações... De outro modo, como você se disporia a pagar corretagem de
mesa? Parte desse processo de convencimento se dá por meio de dicas sobre o
mercado e suas operações.
Segue o trecho da instrução da CVM que dispõe sobre o que é vedado a um
agente autônomo:
“INSTRUÇÃO CVM Nº 497, DE 3 DE JUNHO DE 2011
Dispõe sobre a atividade de agente autônomo de investimento.
CAPÍTULO IV – VEDAÇÕES
Art. 13. É vedado ao agente autônomo de investimento ou à pessoa jurídica constituída na forma
do art. 2º:

I. manter contrato para a prestação dos serviços relacionados no art. 1º com mais de
uma instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários;

II. receber de clientes ou em nome de clientes, ou a eles entregar, por qualquer razão e
inclusive a título de remuneração pela prestação de quaisquer serviços, numerário,
títulos ou valores mobiliários ou outros ativos;

III. ser procurador ou representante de clientes perante instituições integrantes do


sistema de distribuição de valores mobiliários, para quaisquer fins;

IV. contratar com clientes ou realizar, ainda que a título gratuito, serviços de
administração de carteira de valores mobiliários, consultoria ou análise de valores
mobiliários;

V. atuar como preposto de instituição integrante do sistema de distribuição de valores


mobiliários com a qual não tenha contrato para a prestação dos serviços
relacionados no art. 1º;

VI. delegar a terceiros, total ou parcialmente, a execução dos serviços que constituam
objeto do contrato celebrado com a instituição integrante do sistema de
distribuição de valores mobiliários pela qual tenha sido contratado;

VII. usar senhas ou assinaturas eletrônicas de uso exclusivo do cliente para transmissão
de ordens por meio de sistema eletrônico; e

VIII. confeccionar e enviar para os clientes extratos contendo informações sobre as


operações realizadas ou posições em aberto.”

Desse modo, sempre que você liga para o seu corretor e pergunta “Você acha
que é um bom momento para comprar ações?”, ele pode lhe dar um panorama do
mercado ou fatos, como “a bolsa americana está caindo”, “nossa bolsa está subindo
x%”, e deixá-lo tirar suas conclusões. Se ele fizer mais do que isso – tirar
qualquer conclusão dos acontecimentos correntes e administrar sua carteira –, ele
desviou-se do escopo principal de sua profissão que é o de ser um mediador.
Para dar uma ideia dos prejuízos que um agente autônomo que conduz mal
sua atividade profissional pode causar, lê-se no relatório de 2008 do ombudsman
da Bovespa:
“Agentes Autônomos
A maioria das reclamações com pleito de ressarcimento de prejuízos teve origem na atuação de
agentes autônomos de investimento, que atuaram como administradores de carteira, tomando
decisões de operações que não foram ordenadas pelos clientes.
Como eles são normalmente remunerados tendo por base um percentual da corretagem gerada, a
tentação de alavancar posições é muito grande, sendo muito frequentes as situações em que os
agentes tentam convencer o cliente das vantagens dessa estratégia. Raramente dão a mesma ênfase
nos riscos de prejuízo na hipótese de queda dos preços das ações.”
Quando o cliente exige reparação do prejuízo causado pelo agente autônomo,
pode ocorrer de a própria Bolsa, na figura do seu ombudsman, intermediar o
acordo, sem que chegue às vias judiciais:
“Acordos Formais
Em 2008, os acordos formais foram em maior número e envolveram valores superiores aos dos
anos anteriores, (...).
Com uma única exceção, os prejuízos que geraram as reclamações foram decorrentes da atuação de
Agentes Autônomos de Investimento.
Foram firmados 10 acordos, no montante de R$ 1.427.000,00, sendo R$ 1.112.000,00 pagos em
espécie e R$ 315 mil com reposição de ações.
A maioria das reclamações que deram origem a esses acordos ocorreu no último trimestre, o que
demandou esforços redobrados do Ombudsman nessas mediações. Algumas ainda estão em curso
na data deste relatório.
Como a condição essencial para se chegar a um acordo é a transigência das partes, houve diversos
percentuais de ressarcimento de prejuízos, oscilando entre 50% e 80%.”
Somente no primeiro semestre de 2011 a CVM abriu 505 processos por
queixas de investidores. A figura 2.1 apresenta o ranking com os processos
abertos, por instituição. Estes processos foram provenientes de um total mais de
15 mil reclamações.
O maior volume de reclamações (35,64%) trata da atuação de instituições participantes do sistema
de distribuição de valores mobiliários em operações no mercado. Nesse grupo, 66% eram
problemas na negociação de ativos, principalmente sobre ordens não cumpridas ou alegadamente
realizadas sem a anuência de clientes. Desse percentual, em 12% ouve menção ao envolvimento de
agentes autônomos.
Valor online1

Figura 2.1 – Processos abertos na CVM . (Fonte: Valor online)


Somente nas duas primeiras provas para agente autônomo, realizadas no ano
passado (até agosto de 2010), havia mais de 1.400 inscritos. A ANCOR
(Associação Nacional das Corretoras) registra cerca de mil novos agentes
autônomos por ano. Como vimos, não há a menor possibilidade de todos esses
profissionais sobreviverem no mercado por meio de corretagem de home broker.
Desse modo, o corretor de ações, o broker, que até então era uma profissão de
relativo prestígio, está se encaminhando para tornar-se uma atividade secundária.
Os motivos pelos quais alguém usaria o corretor para enviar ordens via mesa
seriam:
1. A impossibilidade de acompanhar o pregão;
2. A necessidade pessoal (emocional) de ter alguém gerenciando suas ordens;
3. O desejo de solicitar um tipo de parecer profissional quanto à validade da
operação, contando com a experiência profissional do corretor.
Os dois primeiros motivos podem fazer parte do escopo da definição da CVM
(Instrução 434). O terceiro não é derivado da definição, tampouco no que diz
respeito ao exercício da atividade do agente autônomo (artigo 3º e artigo 4º), no
entanto, pode ocorrer que, em virtude de pressões originadas pelos próprios
clientes, alguns agentes autônomos acabem expressando, ainda que
indiretamente, suas visões sobre o mercado.
Sob esse aspecto é muito louvável a iniciativa das corretoras e dos agentes de
difundir conhecimento e educação financeira com palestras e cursos. Toda forma
de contribuir para o conhecimento dos clientes é válida, na medida em que os
torna mais independentes de opiniões alheias para sua tomada de decisão.

2.3 O analista de valores mobiliários


A quem recorrer, então, na busca de informações, orientações, dicas sobre o
mercado financeiro? A primeira resposta que vem à mente é: “Ao analista de
ações.” No Brasil, a pessoa autorizada pela CVM para gerar relatórios de
indicação de investimento, emitir pareceres e sugerir carteira de ações é o analista
de valores mobiliários. No entanto, às vezes vale a pena ser um pouco cético
quanto à qualidade das informações obtidas de alguns analistas.
Em primeiro lugar, o analista não precisa ser necessariamente formado em
áreas correlatas com o mercado financeiro (tais como economia, contabilidade
ou administração), podendo ter sua formação em qualquer área de nível
superior, contanto que comprove experiência profissional suficiente em entidade
do mercado financeiro para atender aos requisitos da CVM. Por meio do estudo
das variáveis econômicas nacionais e mundiais, além de estudo dos setores da
economia mais propensos a uma expansão ou retração, os analistas buscam
identificar a composição ideal de um portfólio de ações que possa gerar o maior
lucro possível dentro da menor faixa de risco.
Em segundo lugar, pode ocorrer uso ilegítimo da prerrogativa profissional. A
seguir, exemplos do que consideramos que seria conduta inadequada para um
analista:
• Envio consciente de análises boas sobre empresas em situação ruim.
Em seu livro The partnership, Charles Ellis indica a prática de analistas das
equipes de research manipulando dados para não prejudicar as empresas que
tinham relacionamento comercial com o banco. Como a maior parte do
salário dos analistas era paga pelos investment bankers, estes não desejavam
nenhuma cobertura ou análise negativa sobre as empresas que eram suas
clientes. Isso gerou todo tipo de desinformação possível: imaginem uma
empresa cujo balanço, as vendas ou qualquer outro aspecto de saúde
financeira estivessem apresentando problemas – haveria uma forte pressão
interna para que os analistas não divulgassem ao público esse tipo de
informação. Nos piores casos, relatórios favoráveis recomendavam a compra
de ações de empresas que, internamente, os e-mails dos analistas
consideravam como “lixo”. Essas eram violações puras e simples das regras da
NASD e da NYSE contra atos ou práticas contrárias à negociação justa. Há
casos em que os analistas publicavam avaliações exageradas ou sem garantia
com opiniões sem base razoável. Esses casos incluem também o não
rebaixamento das estimativas de lucro de uma companhia porque ela estava
perto de seu IPO (Oferta Pública Inicial de Ações).
• Publicação de análises destinadas a gerar demanda artificial no público.
(Quaisquer avaliações positivas cujo propósito seja manter o público
comprando a ação, embora os fundamentos da empresa não reflitam
perspectiva favorável.)
Para darmos um exemplo, em maio de 2001 a empresa WorldCom tinha a
melhor avaliação possível pelos analistas do Goldman Sachs, embora o
analista sênior norte-americano tenha dito ao seu colega europeu que “teria
amado cortar a avaliação positiva há muito tempo”, mas que não o fazia
porque “infelizmente, nós não podemos cortar [a AT&T] porque nós estamos
essencialmente restringidos ali. E sem cortar a AT&T, não há consistência
alguma em cortar a WorldCom”. Quando um fundo hedge perguntou ao
analista do setor de telecomunicações, em abril de 2001, se deveria comprar,
vender ou segurar a WorldCom – cuja ação custava 20 dólares –, a resposta
foi vender. Para quem não lembra, a WorldCom foi em seguida acusada pela
SEC (Securities and Exchange Commission) de fraude contábil e suas ações
fecharam a dez centavos de dólar.
• Envio de análises conflitantes para dois grupos distintos de clientes (exemplo:
caso relatado no tópico 1.3, “Siga o dinheiro”, sobre a Merrill Lynch
enviando recomendação de “compra” para os clientes menores e
recomendando “venda” para os grandes clientes institucionais).
As práticas citadas constituem exemplos de como a atividade do analista pode
ser utilizada para servir a outros interesses que não os do público investidor. Isso
nos leva à compreensão de que nem todos os relatórios de análise são isentos de
viés, e, como não temos como saber quais podem estar virtualmente
comprometidos, somos forçados a abordar todos eles com uma dose sadia de
ceticismo, buscando, sempre que possível, confirmar as informações – e conferir
se a corretora ou o banco de investimento que publicou o relatório está
seguindo, na prática, suas próprias recomendações (vide exemplo no tópico 1.3,
“Siga o dinheiro”).
Mas agentes autônomos que podem influenciar o cliente a realizar operações
visando apenas à comissão na corretagem e analistas que podem ser tendenciosos
em seus relatórios de análise não são os únicos problemas que o investidor ou
trader têm de enfrentar.
Ainda temos que prestar bastante atenção à estrutura operacional, que envolve
back-office e plataformas.

2.4 Back-office e plataformas operacionais


Um importante elemento da estrutura do mercado é o centro onde são realizados
os processos relativos à manutenção das contas dos clientes de uma corretora.
Em outras palavras, o back-office. Nele são resolvidas questões como margens de
garantia, custódia, autorização para operar mercados, crédito de valores etc.
Parte do serviço do back-office é realizada por pessoas, e pessoas podem
cometer erros. Em certos casos, o erro é corrigido rapidamente. Em outros, pode
ser o início de uma longa jornada, especialmente se corrigir o erro implica
prejuízo para a corretora. Nesse particular, vale o velho ditado: “O cliente sempre
tem razão... A menos que deseje ser ressarcido!”
Especialmente quando o erro ocorreu em razão de uma parceira da corretora: a
empresa que fornece o sistema de tecnologia. Se um erro de sistema causou
prejuízo ao cliente – dando um exemplo, se o cliente enviou uma ordem de
venda de uma ação a um preço X e, por qualquer motivo, a ordem não foi
executada e no dia seguinte o preço da ação caiu consideravelmente e ele ficou
preso na operação, achando que estava fora, mas na verdade sofrendo a
desvalorização do preço –, muito provavelmente a corretora jogará a
responsabilidade para a empresa de tecnologia, que possivelmente culpará a
própria Bolsa – e, enquanto isso, o cliente é quem fica com o prejuízo e ele se
questiona se vale a pena ou não passar o trabalho de entrar em juízo contra a
corretora, dada a morosidade do sistema judiciário brasileiro. (Para citar um
exemplo, uma corretora que conhecemos às vezes decide atualizar o sistema
durante o pregão... e sem aviso prévio!)
Nesse caso, a corretora entende que a responsável é a empresa que fornece a
tecnologia, mas na visão do cliente quem contratou a empresa de tecnologia foi a
própria corretora, que, portanto, deve arcar com a escolha de seus parceiros de
negócio.
A Instrução CVM nº 380 esclarece:
“Art. 5º – As corretoras eletrônicas devem medir, continuamente, a capacidade de atendimento aos
clientes de seus respectivos sistemas, por meio de indicadores de capacidade.
(...)
§ 4° As entidades autorreguladoras devem definir, no prazo de 30 (trinta) dias contado da
publicação desta Instrução, limites minimamente aceitáveis para cada um dos indicadores referidos
no §1° deste artigo, comunicando-os imediatamente à CVM.”
Os ofícios circulares “217/2001-SG” e “082/2006-SG” da Bovespa dizem
respeito às exigências para sites home broker e sobre os indicadores pertinentes.
Porém, a disponibilização de indicadores para os usuários ainda não é um rito
simples ou padronizado. No site da CVM2 é possível visualizar um processo
indeferido – Processo CVM nº SP2010/0062 – no qual o requerente (um
usuário de home broker) faz um “Pedido de disponibilização de indicador de tempo
de registro de ordem”.
Analisando contratos padrão de qualquer corretora, provavelmente você não
encontrará uma afirmação de responsabilidade por quaisquer prejuízos ou lucros
cessantes decorrentes de mau funcionamento da plataforma que a corretora
oferece aos clientes.

2.5 Entra em cena a CVM


A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), na sua qualidade de
regulamentadora e fiscalizadora do mercado de bolsa e de balcão brasileiro, busca
informar os investidores sobre os riscos inerentes ao mercado, por meio de alertas
em seu site.
Alguns alertas, para exemplificar:
“Alertas ao Investidor
Situações de risco ao investidor:
Golpe das ligações sobre ações ou outros investimentos “esquecidos” –
Nesse tipo de golpe, alguém entra em contato informando que você possui ações de uma
determinada companhia (ou cotas do “Fundo 157”) e oferece o serviço de “recuperar” o
investimento e vendê-lo em seguida. No entanto, para que os papéis possam ser vendidos, é exigido
o pagamento de um valor, antecipado, o qual é justificado de diferentes formas: “imposto de
renda”, “taxa cobrada pela CVM” ou “corretagem” (...).
Oferta irregular de contratos de investimento coletivo
Algumas empresas ou pessoas se passando por empreendedores oferecem ao público a
oportunidade de realizar investimentos por meio de contratos de parceria, mas sem registro na
CVM. Muitas vezes, essa distribuição pública é acompanhada de promessas irreais de
rentabilidade, de modo a atrair um número maior de aplicadores. O convite é para que se aplique,
por exemplo, na engorda de animais ou ainda em outros empreendimentos (produção agrícola,
reflorestamento etc.) que seriam capazes de gerar lucro suficiente para remunerar o capital
investido pelas diversas pessoas que aceitam integrar esse “pool” de aplicadores.
A oferta pública de valores mobiliários (como os contratos de investimento coletivo) exige registro
na CVM (podendo ser dispensada em casos específicos), sendo regulada pela Instrução CVM nº
296/98. Nesses empreendimentos irregulares, além de a operação ocorrer à margem da lei, é
comum que existam casos onde os saques dos investidores sejam pagos com o dinheiro de novas
aplicações, caso em que o sistema funciona como uma espécie de “pirâmide” financeira. Quando as
retiradas superam as aplicações, o sistema entra em colapso, por incapacidade de honrar os pedidos
de saque. Mesmo com a responsabilização dos infratores, a recuperação do capital investido
encontra bastante dificuldade.”
Quando são constatadas práticas irregulares por parte dos membros do
mercado de capitais brasileiro, a CVM julga esses casos e impõe advertências,
multas e punições.
A seguir, alguns tipos de condutas sujeitas a punição pela CVM3. Nestes
exemplos, iremos ver:
1. O caso que ocorreu naa corretora Ágora: a conta de um cliente foi operada
em opções, sem que o cliente tivesse assinado um contrato para esse tipo de
operação.
2. O caso do banco de investimentos Morgan Stanley ter divulgado
informações sobre a empresa Le Lis Blanc, antes de sua oferta pública de
ações – durante o chamado período de silêncio, imposto pela regulamentação
para não influenciar os investidores.
3. O caso do banco de investimentos Credit Suisse ter operado com
informações privilegiadas as ações da EMBRAER (aqui a multa foi uma
quantia considerável: 19,2 milhões de reais!). A figura 2.2 destaca o trecho da
notícia da revista Veja que fala sobre o caso e a multa aplicada pela CVM4.
Figura 2.2 – Notícia da revista Veja sobre a multa do Credit Suisse pela CVM.
4. Eike Batista rompendo o período de silêncio durante o IPO da OGX
Petróleo e Gás Participações S.A. A figura 2.3 destaca o trecho da notícia da
revista Veja que fala sobre o caso5.
Figura 2.3 – Notícia da revista Veja sobre a multa de Eike Batista pela CVM. Fonte:
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/economia/cvm-multa-eike-por-falar-demais/.
5. O caso da corretora PAX, que empregava como agentes autônomos pessoas
não credenciadas pela CVM para exercer a função.
6. O caso da empresa de auditoria KPMG, pela emissão de um parecer sem
ressalvas para demonstrações contábeis de uma empresa que iria abrir capital
na Bolsa.
7. O caso do Banco Safra, que aplicou automaticamente o saldo de contas
correntes de clientes em fundos de investimento de sua própria gestão.
Exemplo 1
“APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PROC. RJ2004/4457
– ÁGORA CTVM S.A.
Reg. nº 6730/09 Relator: SGE
Trata-se de apreciação de proposta de Termo de Compromisso apresentada pela Ágora Corretora
de Títulos e Valores Mobiliários S.A. previamente à instauração de Processo Administrativo
Sancionador, tendo em vista a possível infração ao art. 12 da Instrução 14/80, ao ter realizado
operações no mercado de opções em nome de cliente da corretora, sem apresentação do contrato
padrão para operações nesse mercado devidamente assinado.
A Ágora encaminhou proposta de celebração de Termo de Compromisso em que, após negociações
com o Comitê, se comprometeu a: (i) ressarcir o cliente no montante de R$ 3.520,00,
devidamente corrigido pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia
(Selic), a partir da data das operações tidas como irregulares até a data do efetivo pagamento; e (ii)
pagar à CVM a quantia de R$ 100 mil.”

Exemplo 2
“APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PROC. RJ2008/3931
– BANCO MORGAN STANLEY S.A.
Reg. nº 6106/08 Relator: SGE
O presente processo teve como origem as declarações do Sr. Carlos Guilherme Steagall
Gertsenchtein, Vice-Presidente do Banco Morgan Stanley S.A., publicadas pela Agência de
Notícias Broadcast, que faziam referências à oferta pública de distribuição primária de ações
ordinárias da Le Lis Blanc Deux Comércio e Confecções de Roupas S.A. (“Companhia”) durante o
período de silêncio (possíveis infrações ao art. 48, IV e art. 49 da Instrução 400/03). Ressalte-se
que o Banco Morgan Stanley S.A. era um dos coordenadores da oferta pública da Companhia. (...)
Posteriormente, o Banco Morgan Stanley S.A. apresentou proposta de Termo de Compromisso, se
comprometendo a: (i) observar as orientações emanadas da CVM com a finalidade de assegurar a
tempestiva divulgação de informações no âmbito de eventuais ofertas públicas de valores
mobiliários das quais participe ou venha a participar, nos termos da legislação aplicável emanada da
CVM; e (ii) pagar à CVM o montante de R$ 100 mil.
Quanto à proposta apresentada, o Comitê considerou que, além de terem sido preenchidos os
requisitos legais, a proposta atende ao escopo do instituto do Termo de Compromisso, mostrando-
se conveniente e oportuna sua aceitação, por contemplar obrigação tida como bastante para inibir
práticas da mesma natureza pelos participantes do mercado, em especial aqueles que tomam parte
em uma oferta pública. No que tange ao compromisso de observar as regras emanadas pela CVM
acerca da matéria, o Comitê entende que se afigura desnecessária, vez que se cuida de obrigação a
qual o proponente já está impelido a cumprir, independentemente da celebração do ajuste em tela.
O Colegiado deliberou pela aceitação da proposta de celebração de Termo de Compromisso
apresentada pelo Banco Morgan Stanley S.A.”

Exemplo 3
“APRECIAÇÃO DE NOVA PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS 22/2006
– EMBRAER
Reg. nº 6152/08 Relator: DEM
Trata-se de apreciação de nova proposta de celebração de Termo de Compromisso apresentada por
Credit Suisse International (atual denominação de Credit Suisse First Boston International),
acusado no âmbito do PAS 22/2006 de ter se utilizado de informação relevante ainda não
divulgada ao mercado (§ 4º do art. 155 da Lei 6404/76 e § 1º do art. 13 da Instrução 358/02).
Em reunião realizada em 12.08.08, o Colegiado rejeitou a proposta anteriormente apresentada,
acompanhando o parecer do Comitê de Termo de Compromisso.
Posteriormente, o proponente apresentou nova proposta em que se propõe a pagar à CVM o valor
de R$ 19,2 milhões, em duas parcelas.
Durante a discussão do assunto, a Procuradoria Federal Especializada concluiu pela inexistência de
óbice legal para análise acerca da conveniência e oportunidade na celebração do compromisso ora
proposto, nos termos do que dispõe o art. 9° da Deliberação 390/01. Os três membros do Comitê
de Termo de Compromisso presentes à reunião, Roberto Tadeu Antunes Fernandes, Elizabeth
Lopes Rios Machado e José Carlos Bezerra da Silva, também se manifestaram pela aceitação da
nova proposta.”

Exemplo 4
“APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS RJ2009/0485 –
OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A.
Reg. nº 6693/09 Relator: SGE
Trata-se de apreciação de propostas de Termos de Compromisso apresentadas por Eike Fuhrken
Batista, Banco de Investimento Credit Suisse Brasil S.A. e José Olympio da Veiga Pereira, no
âmbito do PAS RJ2009/0485. Os proponentes foram acusados, o primeiro na qualidade de
controlador indireto e presidente do conselho de administração da OGX Petróleo e Gás
Participações S.A., o segundo na de banco coordenador da oferta pública e o terceiro na de diretor
do banco coordenador de divulgar na mídia declarações sobre a oferta pública de distribuição
primária de ações ordinárias de emissão da OGX previamente à publicação do Anúncio de
Encerramento da Distribuição (infração ao inciso IV do art. 48 da Instrução 400/03).
Devidamente intimados, todos os acusados apresentaram suas defesas, bem como propostas de
celebração de termos de compromisso em que, após negociações com o Comitê, se comprometem
a:
Sr. Eike Fuhrken Batista: pagar à CVM o montante de R$ 100 mil;
Banco de Investimento Credit Suisse Brasil S.A. e o Sr. José Olympio da Veiga Pereira: pagar à
CVM individualmente o montante de R$ 50 mil cada um, totalizando R$ 100 mil.
Segundo o Comitê, a proposta apresentada pelo Sr. Eike Fuhrken Batista contempla obrigação
adequada para inibir a prática de condutas semelhantes pelo próprio proponente e por terceiros
que se encontrem em situação similar, revelando-se conveniente e oportuna sua aceitação.
Em relação à proposta apresentada em conjunto pelo Credit Suisse e seu Diretor, o Comitê
entendeu que ela é inadequada para atender à finalidade do instituto do Termo de Compromisso.
Em sua opinião, a proposta deveria contemplar pagamento à CVM do valor total de R$ 150 mil,
sendo R$ 100 mil para o Credit Suisse (coordenador da oferta pública) e R$ 50 mil para o Sr. José
Olympio da Veiga Pereira. Embora tenha admitido que a grande maioria de precedentes de
Termos de Compromisso envolvendo supostas infrações ao período de silêncio aponta para o valor
ora ofertado pelos proponentes (R$ 50 mil por proponente), o Comitê ressaltou que tais
precedentes se referem a fatos ocorridos em 2005 e 2006. Segundo o Comitê, em decisão recente
(termo de compromisso celebrado no âmbito do PAS RJ2008/3931 e apreciado na reunião de
06.01.09, o Colegiado aceitou a celebração de termo de compromisso, envolvendo infração ao
inciso IV do art. 48, que previa o pagamento de valores mais elevados, sob a motivação de que os
participantes do mercado, em especial as instituições intermediárias, já deveriam estar mais
familiarizados com a regra infringida). Na opinião do Comitê, é esse último precedente,
semelhante ao caso ora em análise, que serve de balizamento para a apreciação da presente proposta
de termo de compromisso. Por essas razões, o Comitê entendeu que a proposta apresentada em
conjunto pelo Banco de Investimento Credit Suisse Brasil S.A. e seu Diretor José Olympio da
Veiga Pereira deveria ser rejeitada.
O Colegiado, acompanhando o entendimento consubstanciado no parecer do Comitê, deliberou:
a rejeição da proposta apresentada em conjunto pelo Banco de Investimento Credit Suisse Brasil
S.A. e seu Diretor José Olympio da Veiga Pereira; e
a aceitação da proposta de Termo de Compromisso apresentada pelo Sr. Eike Fuhrken Batista.
Em sua decisão, o Colegiado ressaltou que a redação do Termo de Compromisso deverá qualificar
o pagamento a ser efetuado como “condição para celebração do termo de compromisso”. O
Colegiado fixou, ainda, o prazo de dez dias, a contar da publicação do Termo no Diário Oficial da
União, para o cumprimento da obrigação pecuniária assumida, e o prazo de trinta dias para a
assinatura do Termo, contado da comunicação da presente decisão ao proponente. A
Superintendência Administrativo-Financeira – SAD – foi designada como responsável por atestar o
cumprimento da obrigação pecuniária assumida pelo proponente.”

Exemplo 5
“APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS SP2008/0040 –
PAX CVC LTDA. E OUTROS
Reg. nº 6769/09 Relator: SGE
Trata-se de apreciação de proposta de Termo de Compromisso apresentada por Pax Corretora de
Valores e Câmbio Ltda., Geraldo de Lima Gadelha Filho, Renda Corretora de Mercadorias S/C
Ltda., Francisco Deusmar de Queirós e Ielton Barreto de Oliveira, no âmbito do PAS
SP2008/0040.
Os proponentes foram acusados de praticar as seguintes infrações:
– Pax Corretora de Valores e Câmbio Ltda., de permitir o exercício das atividades de mediação ou
corretagem por pessoas não autorizadas pela CVM para esse fim e de ter utilizado ou contratado
pessoas não integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários em atividades próprias
desse sistema (infração ao item II da Deliberação 372/01, ao art. 1º da Instrução 348/01 e ao art.
13, I, “c”, da Instrução 387/03);
– Geraldo de Lima Gadelha Filho, na qualidade de diretor responsável da Pax, de ter negligenciado
o dever de diligência (infração ao item II da Deliberação 372/01, ao art. 1º da Instrução 348/01 e
ao art. 13, I, “c”, da Instrução 387/03);
– Renda Corretora de Mercadorias S/C Ltda. e seus sócios-gerentes Francisco Deusmar de Queirós
e Ielton Barreto de Oliveira, de terem exercido atividade de mediação ou corretagem de operações
com valores mobiliários sem a autorização prévia da CVM (infração ao art. 16, III, da Lei nº
6385/76), e ainda de terem exercido profissionalmente a atividade de agente autônomo de
investimento sem prévia autorização da CVM (infração ao art. 4º da Instrução 355/01).
Devidamente intimados, todos os acusados apresentaram suas defesas, bem como proposta
conjunta de celebração de termo de compromisso. Após negociações com o Comitê, os
proponentes aditaram sua proposta no sentido de pagar à CVM, em conjunto, a quantia de R$
430 mil.
O Comitê observou que, não obstante a proposta diferir daquela sugerida por ocasião da fase de
negociação, sua aceitação é conveniente e oportuna, concluindo que o montante proposto mostra-
se suficiente e adequado para inibir condutas assemelhadas, de acordo com a finalidade do instituto
do termo de compromisso.”

Exemplo 6
“APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS RJ2008/11749 –
KPMG AUDITORES INDEPENDENTES
Reg. nº 6657/09 Relator: SGE
Trata-se de apreciação de proposta de celebração de Termo de Compromisso apresentada por
KPMG Auditores Independentes e seu sócio e responsável técnico Giuseppe Masi, acusados, no
âmbito do Termo de Acusação instaurado Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria
– SNC –, de emissão de parecer de auditoria sem ressalva para as demonstrações contábeis especiais
da Wtorre Empreendimentos Imobiliários S/A de 31.07.06, utilizadas como base para o registro
inicial de companhia aberta (inciso I do art. 35 da instrução 308/99).
Após negociações levadas a efeito pelo Comitê, a KPMG Auditores Independentes e o Sr.
Giuseppe Masi propuseram pagar à CVM, em conjunto, o montante de R$ 400 mil.
Na opinião do Comitê, a proposta é adequada para inibir a prática de condutas assemelhadas,
servindo de orientação aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, em especial aos
auditores independentes.”

Exemplo 7
“APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS RJ2006/6235 –
BANCO SAFRA DE INVESTIMENTO S.A.
Reg. nº 5406/06 Relator: DPS
Trata-se de processo administrativo sancionador que tem por objeto a acusação de aplicação
automática de saldos de contas correntes de clientes do Banco Safra S.A. em fundo de investimento
administrado pelo Banco Safra de Investimentos S.A., com remuneração reduzida por cobrança de
taxa de administração variável.
Os indiciados Banco Safra de Investimentos S.A., Banco Safra S.A. e seus Diretores Ezra Safra e
Luciane Ribeiro apresentaram proposta de celebração de Termo de Compromisso em que se
obrigam a pagar aos clientes cujos recursos foram aplicados em tal fundo a remuneração média
ponderada paga pelos outros fundos de aplicação automática com características semelhantes que
estavam disponíveis no mercado no mesmo período, o que equivalerá a um pagamento de cerca de
R$ 28 milhões.
Além desse pagamento aos cotistas, o Banco Safra de Investimentos S.A. pagará à CVM a quantia
de R$ 1,5 milhão, tendo ainda se obrigado a não mais constituir fundos de investimento similares
no futuro.
O Diretor Pedro Marcilio afirmou que considera que a proposta atende plenamente ao interesse
público e é uma resposta adequada, por parte dos acusados, à atuação repressora da CVM. Assim,
os cotistas receberão a remuneração que teriam em fundos similares ofertados no mercado pelo
mesmo período coberto pela acusação, e o pagamento à CVM será feito em um montante
adequado para desestimular condutas futuras da mesma natureza, seja dos próprios acusados, seja
de terceiros.”
A maioria dos investidores não sabe onde procurar informações desse tipo. No
entanto, elas estão à disposição do público no site da CVM. Quando estiver em
dúvida quanto à integridade ou conduta da sua corretora ou do seu banco, vale a
pena checar os fatos.
Além disso, a CVM constitui um canal eficaz para reclamações, sugestões e
monitoramento dos participantes do mercado.
Ao estudar esses aspectos do mercado, o investidor ou trader percebe que não
se trata apenas de escolher uma ação para comprar, existe toda uma ecologia do
mercado que envolve o seu trade e pode torná-lo uma experiência desagradável
sem que se tenha um controle direto sobre tais efeitos.

1 Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/993580/cvm-abriu-505-processos-por-queixas-de-investidores
2 Vide o endereço: http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=7129-0.HTM
3 Vide o endereço: www.cvm.gov.br, (link “decisões do colegiado”).
4 Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/economia/credit-suisse-e-multado-em-192-milhoes-de-reais-
pela-cvm/.
5 Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/economia/cvm-multa-eike-por-falar-demais/.
CAPÍTULO 3
Se você acha o conhecimento caro,
experimente a ignorância

“Não vá além da sua zona de competência porque fora desta zona você pode se tornar emocional, e estar
emocional nunca é bom para os seus investimentos.”
Charles Ellis, em Winning the loser’s game.

As pessoas deveriam encarar o seu ingresso no mercado de capitais como um


evento que exige cuidadosa preparação. Em geral se admite que na maioria das
atividades de desempenho o resultado é correlacionado ao treinamento realizado.
Ninguém pensaria em ir à guerra sem possuir o conhecimento e o equipamento
necessários, assim como ninguém se permitiria fazer os exames finais da
faculdade sem ter estudado. No entanto, é muito comum observar as pessoas
indo à Bolsa como quem vai ao shopping: despreocupadamente, a passeio. Quais
são as chances de alguém sobreviver na guerra usando bermuda e sandálias?
Nem sempre é o caso de o iniciante não ter estudado, feito cursos ou estar
interessado em aprender – pode acontecer algo diferente: muitas vezes, é difícil
aplicar na prática a disciplina quase monástica exigida para se ter continuidade
de bons resultados. Especialmente quando acontece de operar sem disciplina e
produzir inicialmente resultados satisfatórios.
Para ilustrar a temática, observem o caso a seguir.
O ano era 2007. Pedro Henrique não sabia que nas próximas horas sua vida
como investidor e trader seria alterada para sempre.
Era um profissional bem-sucedido e exercia influência marcante sobre todos
com quem lidava – era carismático, bem relacionado e considerado um formador
de opinião entre amigos e colegas. De personalidade forte, possuía percepções
bem definidas sobre a maioria dos assuntos e não hesitava em expor seu ponto de
vista até convencer o interlocutor. Afinal, seu trabalho dependia disso, pois era
advogado.
Havia poucos meses, tinha feito um treinamento sobre trading e investimento
em ações, mas não havia mantido contato com o instrutor, de modo que este
não sabia como ele estava se saindo nas operações a não ser pelas eventuais
notícias que traziam seus colegas de curso. Foi então que, em meados de
novembro, algo extraordinário aconteceu.

3.1 O sonho de qualquer day trader


No oitavo dia do mês, PETR4 abriu seus negócios com o preço 4,95% acima do
fechamento anterior – uma abertura considerada volátil segundo os padrões do
momento. O instrutor de Pedro Henrique estava operando o índice futuro desde
a abertura antes do pregão da Bovespa (a BM&F – Bolsa de Mercadorias e
Futuros – abre uma hora antes) e não estava planejando acompanhar de perto as
ações naquele dia, decisão reforçada quando viu a abertura em gap de alta
(quando o primeiro preço do dia ocorre acima da máxima do dia anterior) e
interpretou que o preço tenderia a cair durante a sessão, como acontecia com
frequência nesse tipo de abertura.
Durante a tarde, observou PETR4 e viu a alta que ela havia feito até o
momento (8%), motivada pela notícia de que havia descoberto petróleo no
campo de Tupi (Figura 3.1). Ele considerou que para day trading não havia mais
o que fazer e que para um posicionamento mais longo era importante avaliar
melhor.
Figura 3.1 – Notícia sobre a descoberta em Tupi.
Naquela noite, cerca de duas horas após o fechamento dos negócios, o
instrutor recebeu a ligação de uma de suas alunas: “Por que não compramos opções
da Petrobras hoje?”, a voz era de angústia e exaltação, “Pedro Henrique comprou...
E lucrou 60 mil reais!”. O instrutor entendia a emoção bastante negativa de ficar
de fora de um movimento de alta, nesse caso uma alta sem precedentes em
termos de day trading, mas compreendia também que é impossível participar de
todos os movimentos do mercado e que é normal o trader ficar de fora de alguns
deles. “Correr atrás do mercado é um jogo para tolos”, diz o ditado.
Mas a aluna continuou: “Amanhã de manhã vou comprar as opções!”, “O senhor
vai estar operando?”. O instrutor respondeu que estaria acompanhando o
mercado, mas que antes de entrar em qualquer operação era importante avaliar o
cenário, mesmo que ele agora se mostrasse promissor, porque as coisas poderiam
mudar. Como talvez não fosse o que ela esperava ouvir, a ligação foi
bruscamente interrompida. O mercado é realmente cheio de emoções. As ações
da Petrobras haviam fechado o dia com 14,16% de alta, algo sem precedentes,
dado que eram consideradas de pouca volatilidade. Mas não fiquemos
animados... Pelo menos não antes de saber da alta realizada pela opção
PETRK80 (vide variação na figura 3.2):

Figura 3.2 – Variação da opção PETRK80 no dia do anúncio do poço de Tupi.


2.183,94% de alta, num único dia!
Isso sim era algo extraordinário. Como é possível as opções subirem tanto?
Opções são um tipo de ativo financeiro da classe dos derivativos, chamados
assim porque derivam de alguma coisa; as opções da Petrobras, por exemplo,
derivam das ações da empresa. Podemos encarar as opções como contratos-
promessa de compra e venda, em que pagamos uma caução. Imagine que você
pagou uma caução de 10 mil reais pelo direito de integralizar a compra de um
apartamento, no prazo máximo de 30 dias, pelo valor de 200 mil reais.
Na semana seguinte ao contrato assinado, você descobre que será construído
um shopping de alto padrão nas imediações do imóvel. Seu preço imediatamente
se valoriza, e ele agora passa a valer 280 mil reais.
Você tem duas alternativas: a primeira é comprar o imóvel pelo preço acordado
de 200 mil reais, pois o pagamento da caução lhe conferiu o direito de comprá-
lo por esse preço e o vendedor assumiu o compromisso de vendê-lo; a segunda
seria vender esse seu direito a terceiros – com um ganho percentual significativo
–, pois se o apartamento valorizou 80 mil reais, o direito de compra ou a caução
(prêmio) paga por ele também se valorizaram.
Porém, e se depois de pagar pela caução você descobre que vão construir um
viaduto na frente do prédio?
A situação é bem inversa, agora: o preço do imóvel se desvaloriza no ato. O
apartamento que valia 200 mil reais passa a valer 150 mil reais. O que aconteceu
com a sua caução já paga? Perdeu totalmente o valor: por que você desejaria
exercer o direito de comprar o apartamento a 200 mil reais se ele agora vale
menos? Lembre-se: você adquiriu o direito de comprar, não o dever de fazê-lo.
É exatamente isso que acontece com as opções de uma ação. Existem dois tipos
de opções: as calls são opções de compra, dando ao seu titular o direito de
comprar a ação em um preço combinado; as puts são opções de venda, dando o
direito de vender a ação por certo preço.
Quem compra a opção (e se torna seu titular) adquire o direito de comprar ou
vender a ação. Quem vende a opção, o chamado “lançador”, assume o dever de
vender ou comprar a ação.
Um detalhe importante é que as opções custam muito menos do que as ações e
se valorizam ou desvalorizam a uma taxa superior – em outras palavras, são mais
voláteis. Se o preço da ação correspondente se valoriza ou desvaloriza uma vez, o
das opções o faz na taxa de cinco vezes, dez vezes, quinze vezes, vinte vezes.
Como a ação da Petrobras subiu muito em um único dia (afinal, 14,16% pode
significar mais de um ano de aplicações conservadoras, como a poupança), as
opções foram valorizadas em um nível estratosférico.
Voltando ao relato, no dia seguinte, PETR4 abriu novamente com gap de alta,
12,2% acima do fechamento do dia anterior. O instrutor estava acompanhando
a negociação e decidiu não fazer nenhuma compra: “Nem pensar”, refletiu, “este
gap vai fechar”.
À noite recebeu uma ligação da mesma aluna:
– Você soube o que aconteceu com o Pedro Henrique? Ele tinha 130 mil reais
de capital e ontem havia feito 60 mil reais de lucro... Então hoje ele resolveu
comprar tudo em opções da Petrobras logo na abertura.
– Mas a abertura foi um gap de alta. As chances eram de um dia de queda!
– Eu sei, mas como ontem também havia sido e o dia fechou em alta, ele
achou que hoje ainda dava para comprar. Pois bem: ele comprou tudo em
opções e agora está perdendo metade do capital!

3.1.1 O dia seguinte


Antes de continuarmos o relato, pedimos que se imagine por um momento
diante do seu computador, digitando: “petrk80”, “compra” (na verdade, apenas
apertando no botão de compra), “130.000” (campo do valor), “preço” (campo
do preço). Leva menos de um minuto. Agora, imagine-se repetindo esse
procedimento, algum tempo depois, apenas invertendo a ordem de compra para
venda e alterando o preço de venda. Por todo esse trabalho você ganhou 60 mil
reais. Dinheiro fácil...
A pergunta agora é a seguinte: o que faria uma pessoa sensata depois de ter
feito 46,5% sobre o capital em um único dia? Reflitam bem: grosso modo, isso
equivale a quase três anos de poupança... Em nosso entendimento, qualquer
pessoa jamais deveria se arriscar tanto sem ter a informação e o preparo
necessário (colocando todo o capital em uma operação de day trade,
especialmente em derivativos). Mas, supondo que fizesse e tivesse esse resultado
espetacular, o que ela faria em seguida? Talvez percebesse o estado de loucura
momentâneo do mercado e ficasse de fora das operações até essa euforia passar.
Mas não o Pedro Henrique. Ele queria mais. E certamente teria, porém não do
mesmo.
Quando colocou a integridade do seu capital em PETRK80 na manhã
seguinte, o preço estava cotado a R$ 11,66. No fim do dia, a cotação era cinco
reais... Uma queda de -54,79% em apenas um dia de negociação.
Como isso pôde acontecer? Entram em cena os amigos e alguns vieses de
comportamento facilmente identificáveis pelo estudo de finanças
comportamentais.

3.1.2 “Entra, entra!”


Meses atrás, Pedro Henrique e um grupo de amigos haviam feito juntos um
treinamento para operar ações e um deles fez em seguida outro treinamento,
mais específico, para aprender a operar derivativos. No dia da alta da Petrobras,
esse amigo e dois colegas de trabalho estavam operando opções e lucrando
significativamente, para dizer o mínimo, e, como sempre fazem os bons amigos,
quiseram que Pedro Henrique também participasse da festa. “Entra!”, foi o
chamado, “Entra logo!”.
Quando recebeu a ligação para comprar opções elas já tinham subido
exageradamente. Ele estava atrasado na operação, mesmo assim sua entrada foi
vantajosa o suficiente para que tivesse um ganho substancial. Quem precisa saber
o que é uma opção se bastava comprá-la para ter lucro? No entanto, seus amigos
sabiam, e por isso mesmo evitaram operar dali em diante. Ele, no entanto,
ignorava o terreno em que estava pisando e no dia seguinte era só entusiasmo.
Entusiasmo que não é incomum entre iniciantes – os mais experientes já
conseguem ver o mercado como ele realmente é, e isso é um antídoto eficaz
contra a euforia.
Aqui entra o viés de excesso de confiança (overconfidence): é comum o
entusiasmo levar a uma percepção minimizada do risco e maximizada do sentido
de confiança, especialmente se o histórico de resultados recentes foi positivo.
“Afinal, se o resultado está positivo, devemos estar fazendo algo certo.” Nem sempre:
é muito comum ocorrer lucro em uma operação de trading ou investimento em
razão de fatores diversos, perfeitamente alheios à estratégia utilizada. Se o
mercado subiu quando alguém comprou (e este teve resultado lucrativo na
operação), a alta foi antecipada pela estratégia utilizada ou as duas ocorrências
coincidiram no tempo? É perfeitamente possível termos resultado positivo
simplesmente por pura chance. Comprou-se uma ação e ela subiu. Não significa
necessariamente que a estratégia produz resultados superiores, nem que o
indivíduo tem o toque de Midas para investimentos. Quando um hominídeo
primitivo coçou o nariz e viu a chuva caindo, logo informou seus pares e a tribo
começou a desenvolver elaborados rituais de coçar o nariz para produzir chuva –
em vão. Da mesma forma, é comum um investidor ou trader que teve o
privilégio de ter estado no lugar certo e na hora certa (além de ter feito a
operação certa) começar a acreditar que tem poderes de previsão acima da média.
O ditado “Não confunda inteligência com um mercado de alta” deveria nos manter
sempre de sobreaviso quando surge entusiasmo ou excesso de confiança em nós
mesmos e em nossa capacidade preditiva.
Mas não são apenas os iniciantes sortudos que deveriam estar em guarda. Os
profissionais do mercado também, especialmente os muito competentes. Os
medianos sabem que devem ficar com um olho no padre e outro na missa,
reconhecendo prontamente quando estão errados a fim de minimizar o impacto
negativo para seus clientes.
O excesso de confiança nem sempre resulta de sorte no curto prazo; às vezes ele
vem como um processo de construção do qual faz parte a real competência do
profissional, aliada aos resultados positivos do seu trabalho ao longo de muitos
anos; em outras palavras, ele é competente, sabe disso e confia na sua capacidade.
Daí a considerar que em uma determinada operação ele está certo e o mercado
está errado, é um passo.
Mesmo uma equipe considerada brilhante pode realizar operações que levam a
prejuízos – e em alguns casos até à quebra do fundo que operam, como o caso do
LTCM (Long-Term Capital Management), que era gerido pelos ases de Wall
Street (e sua equipe era composta por expoentes da economia e da matemática –
mestres, doutores, ph.Ds. –, até mesmo dois prêmios Nobel) e acabou sendo
fechado. Esse fundo foi recebido com expectativa e aplauso por parte da
comunidade financeira e seu resultado anualizado (40% após impostos) excitou
ainda mais os ânimos dos investidores – era considerado uma dica certa que não
poderia dar errado. Se o conhecimento superior era fonte de resultados
superiores, todos esperavam que esses resultados iriam se propagar por um futuro
indefinido, dada a superioridade técnica e acadêmica dos gestores. Como o nome
“long-term” sugeria.
Para ilustrar uma das estratégias usadas no LTCM, daremos um exemplo
fictício com papéis nacionais: se hipoteticamente PETR4 (Petrobras) e VALE5
(Companhia Vale do Rio Doce) estão positivamente correlacionadas, ou seja,
quando uma sobe, a outra também sobe, quando uma cai, a outra também cai,
deveria haver um spread ou uma diferença de preço padrão entre elas. Se, por
exemplo, PETR4 custa R$ 34 e VALE5 custa R$ 40, a diferença (spread) entre
elas é de seis reais. Tendo esse dado, os gestores buscavam determinar qual seria
o spread médio histórico, numa sequência longa de preços, e com base nisso
conseguiam observar o comportamento do spread atual em relação ao histórico.
Supomos então que a diferença entre as duas ações varia historicamente entre
quatro reais e sete reais. Num dado momento, se observa que essa diferença está
em 12 reais (quatro reais a mais do que o spread máximo normal). Os gestores
operando pairs trading fariam o seguinte: venderiam a ação que subiu mais e
comprariam a ação que caiu, na expectativa de que a ação que subiu caia, e a
ação que caiu suba, para que o nível do spread volte à média.
Isso funciona desde que as ações mantenham sua paridade. Se ocorrer de as
ações operadas nesse sistema simplesmente deixarem de ter correlação (o que
faria o spread “abrir” cada vez mais, sem retorno), aí o gestor está com
problemas...
Note-se que o viés de excesso de confiança é bastante democrático, afetando
não somente os investidores iniciantes, mas também os mais experientes
profissionais do mercado.

3.1.3 Deixando para o longo prazo


Pedro Henrique viu seu capital erodindo logo após a entrada na operação e não
tomou nenhuma medida de segurança. Obviamente, a principal medida de
segurança era não ter entrado em nenhuma operação com a totalidade do capital
– nem naquele dia, nem em qualquer outro –, especialmente em derivativos.
Mas ele havia feito exatamente isso no dia anterior e voltou a fazer naquele dia.
Quando viu o preço começar a cair quase que imediatamente à sua entrada,
seu pensamento muito provavelmente foi: “Em seguida ele volta a subir.” É a
famosa expressão “Vai voltar”. Significa que em vez de o investidor ou trader
gerenciar ativamente o risco da operação, ele fica esperando que o preço retorne
ao patamar do seu ponto de compra. Em muitas circunstâncias isso funciona,
mas não recomendamos esse tipo de abordagem pouco estratégica.
Funciona muitas vezes, apesar do custo de oportunidade envolvido. O
indivíduo compra uma ação e o preço começa a cair, tornando a operação
negativa, então ele mantém o negócio, esperando que em algum momento a
ação volte a ser negociada num patamar superior de preço, de modo que possa
minimizar o prejuízo ou até finalizar a operação com lucro.
É muito semelhante à analogia que Taleb faz com o peru de Natal. Nessa
analogia, Taleb expõe a possibilidade dos eventos raros, cuja proximidade de sua
ocorrência é imperceptível em razão de seu ciclo ser muito longo e sua
possibilidade não ser levada em consideração para efeitos práticos. A história é
mais ou menos assim:
Para um peru, os seres humanos são seus protetores e seus melhores amigos.
Afinal, eles o alimentam todos os dias! O peru colhe dados empíricos – o
alimento vindo das mãos humanas, diariamente – e cada ocorrência reforça sua
crença na bondade e na amizade dos homens para com os perus. Até que um
dia... Algo inédito acontece. Os humanos, geralmente tão amigos dos perus,
aparecem com um cutelo nas mãos... Pois é véspera de Natal.
Com investidores ocorre algo parecido. Certa vez um deles nos disse:
“Eu jamais realizo prejuízos. Se comprei uma ação e o preço caiu, não vendo na baixa... Espero ela
voltar a subir. Dessa forma, sempre tive lucro.”
E isso funciona. Uma vez, duas, três... N vezes. Até que chega a véspera de
Natal, o que para o peru (o investidor) significa más notícias.
Quem atua dessa forma não suspeita que possa haver um momento no futuro
em que sua abordagem venha a não funcionar mais. Mas acontece. Desse modo,
uma série de ganhos ao longo do tempo é interrompida por uma perda
fenomenal totalmente inesperada.
Não querer assumir um prejuízo pequeno para evitar um prejuízo maior é o
que se chama “deixar para o longo prazo”, aqui estamos falando do viés “loss
aversion” (aversão a prejuízos).
Niederhoffer chama isso de break-even-itis (síndrome de querer sair no break-
even ou zero a zero). Esse retorno da ação pode ocorrer em poucos dias, em
algumas semanas, em alguns casos leva anos – e, em outras situações, a ação
nunca mais retorna ao preço desejado. Observe os gráficos da figura 3.3 e da
figura 3.4. Podemos ver dois exemplos de ações que jamais – pelo menos até
agora – voltaram ao patamar máximo de negociação ou topo histórico. Você
entendeu: deixar para o longo prazo funciona bem enquanto a ação permanecer
subindo!
Figura 3.3 – Exemplo de ação com grande queda.
Figura 3.4 – Exemplo de ação com grande queda.
Pedro Henrique havia utilizado essa estratégia com sucesso na primeira quebra
do mercado relativa à crise do subprime no período julho/agosto de 2007.
Naquela ocasião ele estava em pleno curso prático de trading e seu instrutor
exigia que ele fechasse suas operações que estavam mostrando resultado negativo.
Foi nesse ponto que ele abandonou o treinamento e passou a operar sozinho –
sabia-se que ele não havia encerrado as operações negativas, mas as estava
mantendo, “segurando no osso do peito”, como dizia aos amigos. Ele manteve as
operações em aberto até que elas voltassem a ficar positivas, um mês depois. No
auge da queda, essas operações chegaram a registrar um prejuízo de -22%. Mas
as ações voltaram a subir, e o que era prejuízo nominal passou a ser lucro.
O escritor e trader John Carter diz que se alguma vez você segurou um
prejuízo além do necessário, até que ele chegasse a -20%, e aguardou ele reverter
para lucro, você estaria perdido como trader. Isso basicamente porque o mercado
havia lhe ensinado um modo errado de proceder e fatalmente você teria
resultados negativos no futuro. Com o viés “anchoring” (ancoragem), o
resultado da experiência adquire status de lição aprendida, e se torna muito
difícil para o investidor mudar sua percepção sobre o fato. (Afinal de contas, a
operação funcionou, não é mesmo?)
Pedro Henrique era o caso perfeito. Ele felicitava a si mesmo por sua resiliência
em ter esperado que o mercado voltasse ao normal. Sua percepção ficou
ancorada na possibilidade de recuperar prejuízos simplesmente aguentando
firme. Além do mais, o fato de “aguentar a pressão” ressaltava o caráter de
virilidade que ele gostava de imprimir a tudo: “não é qualquer um que aguenta
essa pressão”, pensava ele. Entretanto, como o mercado é impessoal, de nada
adianta uma atitude “macho man”, ainda que signifique deixar uma operação
para o longo prazo.
Mas, como dissemos, aquela opção era apenas um direito de compra e, como
todo direito, tinha um prazo de validade, nesse caso, de um mês. Ou seja, um
mês depois ela perdia todo o poder e o vendedor da opção se veria livre do
compromisso assumido, enquanto o comprador não teria mais direito a nada,
pois esse direito prescreveria: a opção simplesmente deixaria de existir.
E as opções venceriam dali a uma semana. Dessa vez, para Pedro Henrique,
não haveria longo prazo.

3.2 O “eu” que você desconhece


“Se você não sabe quem é, o mercado de ações é um lugar muito caro para descobrir.” – George J.
W. Goodman

Agora o quadro começa a ficar mais completo e, por isso mesmo, mais
tenebroso. Pedro Henrique não somente tinha arriscado todo o capital, ele o
tinha feito com vistas a um ganho de curto prazo, utilizando derivativos, cuja
principal característica é a de oferecer retornos muito mais voláteis e, portanto,
mais arriscados do que as próprias ações (que já são voláteis e arriscadas). Além
disso, ele entrou cegamente numa operação que não compreendia, pois não
havia feito treinamento sobre opções e nem sequer sabia que elas tinham data de
vencimento.
Como uma pessoa inteligente e respeitada no seu círculo de amigos e no meio
profissional pode cometer tanta insensatez no que tange a investimentos?
Já vimos alguns vieses cognitivos ou comportamentais, mas existem muitos
outros. Segundo os especialistas, são esses vieses os responsáveis por tornar
pessoas sensatas e prudentes em arrojados e impetuosos aventureiros no
mercado. É como se, ao se aproximar da Bolsa, uma pessoa de repente revelasse
seu lado Indiana Jones. Pior ainda, Mr. Hyde.
Quando Pedro Henrique viu no final do dia que 54,79% do seu capital havia
evaporado, podemos imaginar a sensação que isso lhe causou, pois uma coisa é
observar o prejuízo durante o pregão – as oscilações para baixo e para cima
provocam alternadamente emoções de desespero e de esperança –, outra bem
diferente é observar o resultado negativo após o fechamento dos negócios: um
número estático, imutável até o próximo pregão, tal como uma sentença
proferida. Nos dias seguintes, poderia haver retorno, mas naquele dia o resultado
era esse número pairando no ar, ameaçador. “O que foi que eu fiz?”, pensava ele,
“Como isso foi acontecer?”.
A verdade é que ele havia passado a noite anterior lendo perspectivas de
economistas sobre o futuro grandioso da empresa, tão grandioso que ele
acreditava que as ações passariam a ser negociadas num patamar totalmente
diferente de preço, como se a descoberta das reservas de petróleo fosse suficiente
para que a ação nunca mais voltasse a cair. Ele não se contentou com o lucro de
46,5% sobre o capital... E nem poderia se contentar, pois seus amigos haviam
lucrado 700%!
Ele havia colocado 130 mil reais e lucrado 60 mil reais, enquanto seus amigos
haviam colocado menos da metade (50 mil reais) e lucrado quase seis vezes mais
(350 mil reais). Pedro Henrique não podia ficar para trás... Ele precisava
recuperar o lucro perdido.
Além das perspectivas nababescas dos economistas de plantão, o fato de ter
lucrado consideravelmente menos do que seus amigos contribuiu para a redução
da lucidez de Pedro Henrique no dia seguinte. Soma-se a isso a possibilidade de
ter entrado em cena o viés “falácia do jogador”, segundo o qual o jogador
acredita que o resultado de eventos passados pode alterar a probabilidade de
eventos futuros – ou seja, se ele ganhou hoje, está numa maré de boa sorte e
certamente ganhará amanhã também.
O impacto psicológico de um dia de ganhos pode ter levado, no dia seguinte
(em que a nova operação logo passou a dar prejuízo), ao viés de “efeito de
primazia”, no qual há uma tendência de atribuir peso maior ao primeiro evento
do que aos eventos subsequentes; em outras palavras, a possibilidade de prejuízo
foi minimizada pela euforia do ganho. Qual a relevância de um pequeno
prejuízo no início da nova operação se o resultado da operação havia sido
magnífico? Mas o prejuízo logo se intensificou. No final do dia, Pedro Henrique
cogitava em ligar ou não para o seu instrutor de trading e solicitar sua opinião.
Resolveu não ligar, pois acreditava que a situação ainda era gerenciável: no
próximo pregão ela certamente deverá voltar a subir, pensou ele. Era sexta-feira.
Soube-se depois que ele havia passado o fim de semana inteiro estudando a
natureza das opções sobre ações: foi então que descobriu que elas tinham
vencimento, que venceriam em uma semana, que as opções variam conforme o
preço da ação, que essa variação tem uma medida que se degrada com o tempo –
ou seja, quanto mais perto do vencimento, maior deve ser o movimento de alta
de uma ação para a opção também realizar uma alta –, que cerca de 80% das
opções expiram valendo um centavo de real, que existem certas características
básicas das opções que são representadas por letras do alfabeto grego (as gregas),
enfim, uma série de informações que estavam disponíveis na internet o tempo
todo, e que teriam feito diferença em seu trading.
Na segunda-feira, o mercado continuou caindo. Desesperado, ele finalmente
liga para seu instrutor e pede para marcar um encontro num café. Eles se
encontram. Pedro Henrique expõe os fatos e o instrutor tem de controlar
sentimentos contraditórios, parte de riso, parte de pena e compaixão, e ainda
uma parte de “bem feito, seu sardinha!”.
Quando finalmente decidiu encerrar a operação, Pedro Henrique havia
transformado um capital de 190 mil reais (130 mil reais iniciais acrescidos dos
60 mil reais de lucro do primeiro dia) em apenas 9 mil reais. A máxima popular
diz que o que vem fácil vai fácil. Nesse caso, ocorreu algo pior: os 60 mil reais
que vieram levaram junto os 130 mil reais que já existiam.
Agora, a parte comovente: dos 130 mil reais iniciais, 30 mil reais eram dele... E
100 mil reais provinham de um empréstimo feito no banco, a juros, tendo o
apartamento de sua mãe como garantia.
Não se sabe ao certo se ela algum dia chegou a ter conhecimento dos fatos.
Pedro Henrique saiu da Bolsa, definitivamente, e hoje em dia ainda trabalha
como advogado e paga mensalmente as parcelas do empréstimo.

3.3 Acumulando funções


Vimos até agora somente alguns dos vieses cognitivos; existem muitos outros. E
é importante ressaltar uma característica importante presente em quase todos os
vieses: eles são involuntários. O indivíduo nem sequer percebe que sua lente está
colorida e ele enxerga tudo dessa cor. Por isso é preciso um esforço prolongado
para nos vermos livres desses vieses durante a prática de gestão de investimentos
– porque eles são naturais para nós.
De certo modo, não temos culpa. Mas como tudo na vida, temos
responsabilidade. Se você até hoje não tinha ouvido falar de finanças
comportamentais, sugerimos que procure as obras publicadas sobre o assunto.
Mas nem tudo é viés cognitivo na interação com o mercado. Existem coisas de
ordem prática que devem ser abordadas corretamente se o indivíduo deseja que
sua atuação como investidor ou trader seja bem-sucedida.
Voltando ao exemplo de Pedro Henrique, existe um motivo pelo qual esse tipo
de situação acontece com tanta frequência no mercado, e não se pode atribuir
totalmente à ganância ou à falta de conhecimento. O fato é que o trader
individual está sobrecarregado por um acúmulo de funções e nem sequer tem
consciência disso.
Há traders individuais e há empresas de trading (ou divisões de trading dentro
de empresas). O trader individual tenta fazer sozinho o trabalho de diversas
pessoas que, no contexto de uma empresa de trading, realizam, cada uma, sua
tarefa específica. Essa comparação poderia se estender por um exame minucioso
de todas as funções e tarefas, mas, para brevidade e clareza, iremos nos ater a três
pontos fundamentais: análise, gestão de risco e trading.
Em toda empresa de trading ou investimentos, existem pessoas diferentes, aliás,
tendo perfil psicológico e formação completamente diferente, ocupando cada
um destes três cargos: analista, gestor de riscos e trader. Certamente, nenhuma
empresa pensaria em colocar um analista, cujas características principais são a
introspecção e a análise metódica dos fatos, na pista de alta velocidade das
operações de trading propriamente ditas – há uma diferença importante entre os
dois perfis, em termos de agressividade, rapidez de resposta e assunção de riscos.
O inverso também é verdadeiro – possivelmente o trader não teria a paciência e
o denodo necessários para formular diversas hipóteses e cenários, realizar
levantamento de dados e estudos, para finalmente expressar suas convicções em
um relatório de análise impresso. São funções diferentes, desenhadas para pessoas
diferentes.
O trabalho do gestor também tem certas particularidades: o trader pode vir até
ele com sua melhor argumentação, mas o trabalho do gestor é vetar a operação se
ela coloca em risco um capital maior do que o estimado ou se o trader já atingiu
seu limite de risco operacional para aquele período. Além disso, ele deve
monitorar elementos como desempenho, volatilidade do mercado, volatilidade
da carteira, distribuição de resultados e valor em risco (value at risk), para balizar
suas decisões.
Analista, trader e gestor – não poderíamos pensar em três pessoas mais
diferentes uma da outra. No entanto, o trader individual, se quiser ser bem-
sucedido no mercado, deve incorporar as três. Aqui começa o paradoxo: não se
trata apenas de um acúmulo de tarefas, mas de um acúmulo de personalidades. A
distribuição dessas características em qualquer indivíduo pode variar
enormemente, sendo quase impossível que elas estejam perfeitamente
distribuídas. E onde estiver o peso maior, ali se terá o maior desafio, seja para
controlar esse aspecto, seja para reforçar o seu contrário.
Se dos três elementos o indivíduo possui maior ênfase, por exemplo, no
analista, pode ser o caso de alguém que leva muito tempo para tomar uma
decisão e, quando ela é tomada, o melhor momento para implementá-la no
mercado já passou, ou pode ocorrer de esse indivíduo congelar sob pressão, não
conseguindo colocar em prática as estratégias delineadas.
Caso o peso maior esteja no trader, é preciso muito cuidado para que a pessoa
não caia na tentação de operar sem setup (técnica operacional específica) ou
estratégia ou que não ultrapasse seu limite de risco operacional para o dia ou
período.
No caso do gestor de risco como personalidade dominante, é possível que
certas oportunidades no mercado sejam perdidas, porque não se enquadram
perfeitamente nos modelos de risco utilizados. É provável também que ele tenha
dificuldade em lidar com o aspecto de perdas, o chamado drawdown ou período
em que a distribuição de resultados se mostra negativa, e venha a interromper as
operações antes que elas produzam seus resultados estimados.
Sob qualquer ângulo que se possa olhar essa questão, torna-se evidente que a
supremacia de um tipo de personalidade sobre o outro altera totalmente o
resultado prático operacional que o trader deverá produzir. Nesse aspecto, o
autoconhecimento é peça fundamental para identificar as forças e fraquezas de
personalidade e tentar contrabalançá-las para adquirir a maestria sobre si mesmo
e sobre sua atuação no mercado.
Mas o mais difícil de tudo para o trader ou investidor individual é a noção de
que ele está absolutamente livre para fazer o que quiser. Se avaliarmos bem,
nossa conduta é balizada por reguladores em todas as áreas da atividade humana
e estamos acostumados a isso. Nosso trabalho tem determinadas regras, nosso
convívio com as pessoas socialmente ou no trabalho ocorre dentro de normas de
conduta amplamente conhecidas, quer seja na família, quer seja no escritório,
agimos com o olhar público constantemente fixado em nós, esperando que nos
comportemos conforme certas regras.
Quando o iniciante entra no mundo dos investimentos, ele percebe que não há
regras para sua conduta além das normas básicas de negociação e de
cumprimento das obrigações financeiras. Não existe uma regulamentação que o
força a investir e operar dessa forma ou o proíbe de fazê-lo de outra forma. Se ele
quiser comprar ou vender ações, opções ou futuros, fazer operações simples ou
complexas, está totalmente livre para isso. Não há nenhuma supervisão do que
ele está fazendo com seu capital, ninguém liga para a sua esposa avisando que ele
está tendo prejuízo. É um jogo de cavalheiros, e desde que ele seja capaz de
honrar as obrigações financeiras da operação, ninguém se importa.
Em outras palavras, não há um gestor de risco no seu pé. Ele está livre para
voar e ninguém irá impedi-lo. Ninguém veio impedir Pedro Henrique, nem
nunca virá, porque simplesmente não é assim que as coisas funcionam. No
mercado não existem babás.
Aqui entramos em outro problema, não de ordem cognitiva, nem prático-
administrativa, mas, sim, de uma natureza muito mais grave: a compulsão pelo
jogo.
Vamos ilustrar esse ponto com outro exemplo: o do bancário aposentado que
desejou virar trader.
Roberto era um funcionário de um grande banco estatal do país e trabalhava
na concessão de crédito rural. Dia após dia, ano após ano, sua atividade
profissional estava restrita a regras de conduta e de risco muito rígidas, como são
as regras em um banco. Para conceder uma carta de crédito, ele devia estudar
detalhadamente o caso, o prospecto do cliente, o tipo de operação a ser realizada,
a quantidade de crédito liberada e as circunstâncias de risco envolvidas. Era um
trabalho metódico, que beirava a monotonia.
Quando se aposentou, de repente se viu com tempo e capital disponíveis para
investir em ações. Começou a frequentar palestras e fazer cursos, de modo a
entender melhor o mercado. Era habitué em certas corretoras, marcando
presença todos os dias, de manhã à tarde – apreciava sobretudo a interação com
os agentes autônomos de investimento, jovens com idade para ser seus filhos ou
netos. Sentia-se bem num ambiente jovem e voltado para realização de negócios,
era motivador.
Imperceptivelmente, seu interesse real passou a ser matar o tempo livre em vez
de realizar operações positivas, pois era divorciado e vivia sozinho. Ia às
corretoras não somente para realizar suas operações (que poderiam ser realizadas
de casa, via home broker), mas para ter com quem conversar. Além disso, o
tratamento cortês que recebia fazia-o sentir-se VIP, e isso é sempre a receita para
manter a fidelidade do cliente. Ele também passou a achar as operações algo
muito divertido.
Logo, suas operações deterioraram. À medida que ia perdendo dinheiro em
ações (começou a investir em 2008), sua atenção foi se transferindo para
derivativos. A receita é muito simples: se alguém está perdendo dinheiro em
ações, começar a operar derivativos o fará perder de cinco a vinte vezes mais
rápido, dependendo da alavancagem embutida no ativo operado. Roberto
começou então a perder capital em todas as frentes.
Mas ele não parou por aí: começou a operar day trading, na expectativa de ter
retorno imediato. Seu amigo Bernado certa vez o acompanhava num dia de
trading e o diálogo entre os dois ocorreu mais ou menos assim:
Roberto: “Vamos comprar VALE5.”
Bernardo: “Por quê?”
Roberto: “Olha, porque ela caiu.” (Apontando com o dedo no gráfico de
15min.)
Bernardo: “E por que compraríamos ela agora?”
Roberto: “Se caiu, vai subir.”
Bernardo: “Como assim? Se o preço está caindo, ele está caindo... Por que
deveríamos comprar?”
Roberto: “Ela sempre sobe.”
Bernardo: “Você parametrizou isso? Você tem uma estatística das ocorrências
de alta após queda durante o dia? Em que tipo de dia? Quanto de queda?
Quantas vezes o resultado foi positivo?”
Roberto: “...”
Bernardo: “Percebe? Você ia entrar num impulse trading. Ia operar sem
possuir uma estratégia.”
Roberto: “Ó, comprei.”
Bernardo: “Você fez o quê???”
Roberto queria atividade. Não interessava para ele se era o melhor momento
para comprar ações ou não. Ele sentia verdadeira compulsão por fazer alguma
coisa. Ele provavelmente faria sucesso nas casas de bingo. Mas esse tipo de
atividade não atraía Roberto porque há toda uma aura negativa associada à
imagem do jogador. Dificilmente um jogador compulsivo admitiria que seja
jogador. Portanto, perder dinheiro em bingo, pôquer ou corrida de cavalos não
seria aceitável para ele. Ele não conseguiria dormir à noite. Perder dinheiro
operando ações não tinha para ele a mesma conotação negativa, pelo contrário:
operando ações ele adquiria o status de especulador. O próprio som da palavra o
fazia parecer mais inteligente, mais arrojado, mais importante que a média dos
mortais.
A atividade de operar no mercado pode estar associada à descarga de
adrenalina. Quando o foco do trader passa de fazer lucros a inconscientemente
sentir a adrenalina, ele pode dizer adeus ao seu capital. Isso porque a adrenalina é
descarregada tanto nas operações positivas (lucrativas), como nas operações
negativas (prejuízos).
Aí está o cerne do problema: qualquer que seja o resultado da operação de
trading... Ele recebeu o que veio buscar: a adrenalina. Isso faz com que ele nem
se preocupe com o nível dos prejuízos, que vai rapidamente se tornando mais
elevado. Ele inventa uma série de racionalizações sobre o porquê de estar
perdendo dinheiro e de como recuperá-lo. As expressões “eu deveria”, “eu
poderia” e “mas” pontuam a maior parte de suas frases: “Eu deveria ter saído logo
daquela operação”, “Eu poderia ter ganhado mais naquela última operação, se tivesse
ficado mais tempo”, “Eu estava ganhando, mas o mercado virou”. Ele vai entrando
em novas operações não porque perceba nelas uma oportunidade real, mas
porque precisa manter-se em atividade. Adrenalina pode viciar.
O fato de que existem pessoas que realmente vão para a Bolsa com intuito
diverso de buscar resultado financeiro está expresso na separação dos players do
mercado feita por Larry Harris, economista chefe da SEC (Securities &
Exchange Commission), em seu livro Trading & Exchanges. Depois de elencar
diversas categorias por função, motivação e tipo de estratégia, ele reserva espaço
para uma última:
Categoria: “Gamblers” (Jogadores).
Por Que Operam: Entretenimento.
Casos como esse, em que o investidor ou trader perde o foco do que deveria
estar fazendo na Bolsa, são infelizmente muito comuns. Larry Williams, um dos
grandes traders norte-americanos, conduziu uma pesquisa com traders de todo o
país com a pergunta: “Por que você opera no mercado?” Ele ficou impressionado
com os resultados: somente 15% disseram: “Para ganhar dinheiro.” Os outros
85% tinham motivos diversos: “porque é estimulante”, “porque é divertido”,
“porque é um desafio”. Alguns até com motivos extravagantes, como: “para
impressionar o meu cunhado.” No entanto, Larry esperava que todos estivessem
operando com o intuito de ganhar dinheiro.
Em suma, você sempre encontra no mercado aquilo que veio procurar. Se
estiver em busca de resultados financeiros superiores aos da renda fixa,
certamente os terá; se desejava emoção, encontrará. O mercado age como um
espelho – por isso temos de ter certeza de que nossa aproximação dele é
motivada pelos propósitos corretos.
CAPÍTULO 4
Guarde esta palavra: assimetria

“Se você não lê os jornais,


está desinformado.
Se os lê, está mal informado.”
Mark Twain

Caso nos fosse solicitado definir com apenas uma palavra o melhor meio de
alcançar retornos no mercado de capitais, esta palavra seria assimetria.
A assimetria pode ser entendida como uma relação de desigualdade entre dois
polos; um lado tendo características a mais ou a menos do que o outro e essas
características correspondendo a vantagens ou desvantagens. Na Bolsa, sempre
que houver lucro, prejuízo, resultados acima ou abaixo da média, conhecimento
ou ignorância de fatores importantes, podemos afirmar que houve assimetria.
Quando pensamos em um objeto assimétrico, logo imaginamos algo com um
lado desproporcional ao outro. Essa visualização representa bem as relações entre
os players na arena de investimentos, em que, num dado momento, um lado
efetivamente tem mais recursos do que o outro. Os principais pontos de
assimetria no mercado estão relacionados com:
• Assimetria de plataforma:
• Plataforma de dados – Software para acesso aos dados do mercado com
cotações e gráficos;
• Plataforma de negociação – Eletrônica ou via telefone;
• Serviços personalizados – Alavancagem, desconto de corretagem etc.
• Assimetria de capital:
• “Staying power” – Capacidade de executar suas estratégias com o melhor
aproveitamento em razão da maior capitalização ou do acesso a recursos.
• Assimetria de informações:
• Acesso à pesquisa sobre empresas e mercados, bem como a informações
relevantes para a estratégia operacional.
Não seria exagero afirmar que o investidor individual, seja ele iniciante ou não,
está em desvantagem em quase todos esses quesitos. Veremos, logo em seguida,
como isso contribui para seu prejuízo nas operações de trading/investimento que
ele realiza.

4.1 Soma negativa


Os investidores ou traders mais imprudentes acreditam que a Bolsa é como uma
canção de John Lennon na qual “tudo o que você precisa é amor” e que devemos
andar todos de mãos dadas, cantarolando por “campos de morango” para termos
todos, juntos, retornos maravilhosos em nossos investimentos. Essas pessoas
geralmente acreditam que as corretoras, os economistas, as revistas, os jornais, os
sites, os programas de TV e quaisquer meios de comunicação que em algum
momento tratam do mercado estão ali justamente para provê-lo com as melhores
informações possíveis, desejam o seu bem-estar e a realização de seus mais caros
interesses. Especialmente se produzem algum tipo de conteúdo gratuito: haveria
maior prova de que eles estão do nosso lado?
Os que adquiriram um pouco mais de experiência entendem que, no mercado,
quando alguém ganha, outro perde, especialmente em ativos com data de
vencimento estipulada como contratos de opções e futuros. (Em ações não
ocorre necessariamente assim: a perda é de oportunidade, geralmente.) Esses
acreditam que o mercado é um jogo de soma zero, no qual uma linha imaginária
é traçada entre os dois participantes da operação e a conta no final do período
“tem de fechar”, isto é, se o lado direito recebeu capital em forma de lucro, este
proveio do lado esquerdo e vice-versa.
Essa é uma percepção de que o mercado não produz riqueza, mas apenas a
transfere. Aqui é preciso fazer uma distinção importante entre mercado primário
e mercado secundário. O mercado primário trata da empresa até o momento em
que esta abre seu capital e passa a ser negociada em Bolsa – o chamado IPO
(Initial Public Offering ou Oferta Pública Inicial). A partir desse momento, as
ações passam a ser negociadas todos os dias no pregão, o que se convencionou
chamar mercado secundário, que funciona também como termômetro da saúde
da empresa e como regulador de seu valor em mercado. Se a empresa vai mal, as
ações tendem a se desvalorizar, se apresenta bons resultados ou prospecto de
bons resultados, as ações se valorizam.
O fato é que a riqueza é criada (para os stockholders ou detentores das ações da
empresa enquanto ela ainda estava de capital fechado) apenas no mercado
primário: é ali que a empresa recebe dos investidores o capital de que necessita
para financiar suas atividades de expansão, gerar empregos e contribuir com a
economia do país. Não devemos esquecer que essa é a função básica do mercado
de capitais. Portanto, no mercado secundário não há geração de riqueza, apenas
distribuição dela entre os participantes. Isso é ilustrado quando o especulador
Gordon Gekko, personagem de Michael Douglas no filme Wall Street, diz:
“Eu não crio nada. Eu possuo.”
Nessa esfera o dinheiro literalmente circula entre uma conta e outra e sempre
que há lucro, houve prejuízo. Mas essa é ainda uma visão parcial. O mercado (a
partir de agora significando sempre o mercado secundário) não é um jogo de
soma zero: podemos entendê-lo como um jogo de soma negativa. (Nada de
campos de morango – a Bolsa não tem como função tornar as pessoas felizes e
prósperas.)

4.2 A parte da casa


O mercado ser um jogo de soma negativa implica que todo real que alguém
recebeu de lucro proveio do conjunto daqueles que perderam e que todos,
vencedores e perdedores, deixaram parte dessa riqueza para a própria Bolsa na
forma de taxas operacionais, como corretagem, emolumentos, taxa de liquidação
e de custódia. Essa é a parte da casa, quer você lucre ou perca.
Vamos entender isso melhor: o caráter de soma negativa ocorre porque há um
custo envolvido. Esse custo absorve parte do capital utilizado nas operações e
afeta tanto quem teve lucro como quem teve prejuízo. Se Pedro teve 10% de
lucro, deve descontar desse lucro o custo operacional; se João teve 10% de
prejuízo, deve adicionar a esse prejuízo o custo envolvido. O custo afeta os dois
lados da operação. Ao contrário do Direito, por exemplo, no qual a parte
vencedora da ação tem suas despesas advocatícias pagas pela parte perdedora, na
Bolsa, todos pagam.
E esse custo pode se tornar significativo, dado que o capital é consumido mais
rapidamente em virtude da frequência com que se realizam operações – seja
especulando no curto prazo, seja rebalanceando seu portfólio de longo prazo.
A tabela Bovespa sugere às corretoras que cobrem 0,5% de corretagem sobre o
montante financeiro executado a cada ordem. Porém, essa é apenas uma
referência de mercado e se permite liberdade às corretoras para praticar outros
níveis de preço. Aqui, a assimetria começa a aparecer na prática: as pessoas em
geral aceitam as taxas operacionais sem buscar mais informações. Existem
diversos preços praticados para o mesmo serviço, variando de corretora para
corretora.
Vamos dar um exemplo: um conhecido nosso, um senhor na casa dos 60 anos,
comprava ações por meio da corretora do seu banco pagando 0,5% de
corretagem a cada ordem executada. Em uma conversa particular, mencionamos
o fato de a taxa ainda ser alta (em termos nominais, em função de seu capital) e
lhe indicamos algumas alternativas (falaremos sobre home broker em seguida).
Ressaltamos que ele tinha condições de operar de forma mais econômica e que
não havia motivo para continuar pagando as taxas mais elevadas, praticadas pela
corretora do banco. Mas, como dizia o Analista de Bagé, personagem do gênio
literário Luis Fernando Verissimo, “Foi como mijar em incêndio”, quer dizer, não
adiantou nada.
Meses depois veio seu aniversário e fomos convidados para a comemoração. Ele
estava muito orgulhoso, mostrando um cartão de felicitações enviado pelo
gerente do banco cumprimentando-o pela data. “O banco me enviou um cartão de
aniversário”, disse ele, sorrindo. Aproveitamos a oportunidade para dizer que
pelo seu custo de corretagem, deveriam tê-lo presenteado com um notebook...
Esse é um case de marketing interessante: com um investimento
provavelmente inferior a um real, o banco foi capaz de deixar contente um
cliente que a cada operação desembolsava em corretagem o equivalente a 3 mil
reais! Ele permanece cliente fiel até hoje, e não estamos falando de alguém sem
instrução, um simplório, não: ele tinha sido broker de commodities (mercado
físico), tendo morado nos Estados Unidos. Mas o aspecto sentimental fala mais
alto: ele é de uma geração cujo símbolo de status incluía ser reconhecido pelo
gerente do banco, ter conta especial etc. Receber um cartão de aniversário, então,
era para ele algo tão importante quanto ser presidente do seu clube do Rotary:
praticamente uma carta de referências nacional.
Os investidores mais jovens têm outro perfil. A maioria deles já descobriu a
ferramenta home broker (ou plataforma eletrônica de operações) que as
corretoras disponibilizam para que seus clientes “de desconto” operem de casa,
do escritório, da lan house etc. Essa é uma inovação importante, pois a ordem
executada pelo “hb”, como é chamado, tem corretagem fixa que varia de cinco
reais a 20 reais. Aqui temos economia, comparando-se com os exemplos
anteriores de corretagem.
Home broker é um termo em inglês que serve para indicar a natureza do
processo de operação. “Broker” é o corretor de ações (agente autônomo de
investimentos), da corretora. Se você liga para a corretora e pede para comprar
cem ações de XYZ, você está utilizando os serviços do “broker”: ele literalmente
vai ouvir a sua ordem e executá-la, digitando os códigos necessários na
plataforma de operação da corretora, o sistema Trom ou o Mega Bolsa.
Como você utilizou seu tempo e seus recursos, você então incorre no
pagamento da corretagem com taxa percentual; é o que se chama de operar pela
mesa. Se você opera pelo home broker – literalmente, corretor em casa –, você
abre o sistema no site da corretora e digita todas as ordens sozinho. Por não estar
utilizando o corretor de ações, a taxa de corretagem fica mais barata – de
percentual ela passa a ser fixa, entre cinco reais a 20 reais, dependendo da
corretora.
A tabela 4.1 dá exemplos de preço para o mesmo serviço (ordens executadas na
Bolsa):
Tabela 4.1 – Tabela de corretagem
Tabela de Corretagem
Mesa de Corretora de Banco 0,5% (Tabela Bovespa, com negociação para descontos)
Mesa de Corretora Independente 0,5% (Tabela Bovespa, com negociação para descontos)
Sistema Home Broker R$ 5,00 a R$ 20,00 (fixos)
Observamos, contudo, a existência de corretoras que além da taxa fixa para
utilização do home broker praticam também uma taxa percentual. Quer dizer, o
cliente opera de casa ou do escritório utilizando o home broker, isto é, não
gerando trabalho algum para o corretor, e paga a taxa integral de quem utiliza os
serviços completos da mesa de investimentos. Tenha em mente: se você opera
pelo home broker, deveria pagar apenas a taxa de corretagem fixa, sem nenhum
percentual embutido.
No entanto, muitas pessoas optam, por motivos diversos, por operar via mesa.
Por exemplo, conhecemos um ex-diretor financeiro de uma grande empresa que,
depois de se aposentar, resolveu investir em ações. Logo, começou a operar via
mesa. Quando lhe indagamos por que ele não usava o home broker, dado que
ele sabia da existência dessa ferramenta, ele respondeu:
“Tenho medo de digitar as ordens errado.”
Estamos falando de um ex-diretor financeiro que não se perturbou em
minimizar os custos operacionais em que estava incorrendo por causa de um
receio simples de ser resolvido. Havia, no mínimo, três soluções para o seu caso:
a. Fazer um curso de digitação. Valor (único): R$ 100.
b. Contratar um estagiário para enviar as ordens. Valor (mensal): R$ 700.
c. Pedir a seu filho que digitasse as ordens para ele (o filho trabalhava no
escritório da família a duas mesas de distância). Valor: zero reais ou talvez um
aumento de mesada.
Qualquer dessas alternativas era mais econômica do que pagar 2 mil reais cada
vez que desejava alterar a composição da sua carteira de ações, avaliada em 200
mil reais.
A pergunta é: se um ex-diretor financeiro de empresas de grande porte é capaz
de tomar decisões tão tacanhas, sem computar estrategicamente sua atuação no
mercado de capitais, o que podemos esperar de um leigo? (Aliás, para colocá-los
a par das últimas novidades, esse senhor atualmente se dedica a dar
gratuitamente seu parecer de expert em investimentos todos os dias, comentando
o mercado brasileiro – e mundial – por meio de um newsletter que sempre
insiste em aparecer no dia seguinte.)
4.3 Assimetria de plataforma
Nem todos os players do mercado têm acesso ou utilizam os mesmos sistemas
operacionais. Isso torna evidente a possibilidade de um desnível em resultados
práticos, puramente em razão do melhor desempenho de um sistema sobre o
outro. Imagine que você quer negociar uma ação e a sua plataforma apresenta
atraso nas cotações, enquanto outro investidor (pessoa física ou institucional)
utiliza o estado da arte em sistema operacional...

4.3.1 “Quem quer dinheeirooo?”


A utilização crescente do home broker e os descontos de corretagem a ele
relacionados (descontos que variam de corretora para corretora) tiveram o efeito
de aproximar o investidor e o trader novatos do fascinante mundo das operações
eletrônicas. Embora não tenha emplacado entre os investidores mais antigos, o
home broker definitivamente “pegou” entre o público mais jovem, talvez por
terem convivido mais de perto com as facilidades tecnológicas – até o inocente
videogame conta como treinamento nesse aspecto.
A disputa das corretoras pela preferência do público de home broker se tornou
uma guerra de preços e de popularidade. Num evento anual importante para a
divulgação do mercado realizado nas principais capitais do país, os stands das
corretoras se engalfinhavam para atrair o público passante usando todos os
recursos disponíveis: mulheres bonitas, comes e bebes, videogames de última
geração à disposição no stand, tudo para chamar a atenção e despertar o interesse
do futuro cliente. Uma corretora inclusive oferecia cem reais em cotas de um
fundo para cada um que preenchesse o cadastro como cliente. Vai um
dinheirinho aí?
Geralmente, quando começa uma guerra de preços – existem corretoras que
até isentam a taxa para contratos futuros de mini-índice –, o resultado é uma
queda brutal na qualidade dos serviços. Em uma corretora famosa por oferecer
ordens de home broker por apenas cinco reais (“aqui você não tem sócio”, diz o
anúncio), quando ocorre de o sistema travar, o cliente que liga para o
atendimento frequentemente ouve a mensagem:
“Sua ligação é a de número X na fila de espera, por favor, aguarde um momento...”
E tome musiquinha. Um cliente dessa corretora reportou que até chegar a vez
de ser atendido o sistema geralmente já normalizou.

4.3.2 Correndo Fórmula 1 com um Fusca


Enquanto o home broker do cliente de varejo apresenta problemas diversos – há
ocorrências de ordens não enviadas, de ordens em branco (não aparecendo), de
atraso no livro de cotações, de fechamento não solicitado da janela de
negociação, de atraso na comunicação com a Bolsa, entre outros –, os grandes
players utilizam o estado da arte em plataforma operacional, com sistemas de
redundância, roteamento automático de ordens, notícias em primeiríssima mão e
acesso direto ao mercado (DMA – Direct Market Access).
Para exemplificar o impacto dos problemas do home broker no resultado
operacional de um trader, citamos o caso em que ele precisa enviar uma ordem
para sair de uma operação positiva e a ordem fica cinza (código da Bolsa para
atraso de comunicação), levando até vários minutos para ser executada. O
resultado: a ordem é executada em um preço diverso (às vezes negativo) daquele
desejado pelo trader. Quando isso ocorre na saída de uma operação negativa, é
ainda pior: o impacto de uma ordem executada com atraso a torna mais negativa
ainda. Some-se a isso que os traders de curtíssimo prazo (intraday) podem estar
operando veículos de trading com alavancagem (como opções e futuros), e aí
temos um quadro realmente desagradável, dado que a alavancagem contribui
para maximizar o prejuízo.
E o home broker trava nos momentos mais delicados, justamente de maior
volatilidade. Isso ocorre porque os períodos de volatilidade se caracterizam por
um excesso de ordens sendo enviadas para a Bolsa – um excesso momentâneo de
participantes envolvendo-se nas operações.
Imaginem o seguinte cenário: a corretora XYZ tem 50 mil clientes, mas avaliou
o fluxo de operações e constatou que apenas 10 mil operam com frequência. Ela
então contrata o fornecimento de banda de internet, servidores e suporte para,
digamos, 12 mil clientes operarem ao mesmo tempo – essa é a sua capacidade
operacional. Se apenas 10 mil clientes operam com frequência, por que contratar
o fornecimento de estrutura tecnológica para o total de 50 mil clientes? É o
princípio da otimização de recursos. Quando surge uma notícia importante que
mexe com o mercado, logo temos um aumento do número de usuários operando
ao mesmo tempo. O resultado é que o sistema operacional não suporta o excesso
de clientes... e trava. Quando dizemos trava, não entendam outra coisa: ele trava
mesmo. É como se você tivesse aberto 50 programas para rodar ao mesmo tempo
no seu computador pessoal. A cada programa aberto – consumindo memória –
ele fica mais lento, mais lento, até o ponto de nem sequer responder ao comando
de desligar e a única saída seja desligá-lo manualmente.
O problema é que justamente nos períodos de volatilidade encontram-se as
maiores oportunidades, mas também os maiores perigos da Bolsa. Nesse cenário,
o home broker se comporta como um airbag que funciona sempre, exceto
quando você sofre um acidente. Na figura 4.1, citamos o relatório anual do
ombudsman da Bovespa (2008), no qual os problemas com home broker
figuram no topo da lista de reclamações à Bolsa:

Figura 4.1 – Tipologia das reclamações ao ombudsman Bovespa (2008).


Sempre que você estiver com o home broker travado, com atraso de cotações,
sem comunicação com a Bolsa ou desligando sozinho, pense por um momento
nos seus competidores mais bem equipados, no conforto de seus escritórios com
recursos de última geração, utilizando o Algo Tools, a Reuters ou o Bloomberg...
Com acesso direto à Bolsa e sem nenhum problema operacional. Perceba a
diferença de tamanho de barbatana e seja um peixe prudente.
Mas a assimetria de plataforma não ocorre apenas em relação à estabilidade
operacional. Mesmo com o home broker funcionando plenamente ele não é
páreo para os sistemas operacionais dos grandes players. Isso significa que se duas
ordens forem enviadas ao mesmo tempo, uma provinda de home broker e outra
de uma plataforma com DMA, esta chega primeiro na Bolsa e realiza a operação.
Isso se chama latência ou velocidade no acesso à negociação – como o mercado é
um leilão, acaba vencendo quem tem mais facilidade de acesso à liquidez,
especialmente em trades intradiários ou de alta frequência (os chamados high-
frequency trading).
Um aspecto negativo da disponibilização do home broker com corretagem fixa
para o público é o trader individual começar a operar sem controle, tentando
imitar os trades de alta frequência dos fundos de investimento. Aqui, ele escapa
da pesada taxa de corretagem percentual, mas cai em outra armadilha: a do
overtrading. Este é um termo em inglês que designa a atividade de operar em
demasia ou além da conta.
É importante lembrar que toda vez que alguém abre uma operação, digamos,
comprando a ação XYZ, ele está colocando seu capital em risco, por definição.
Quanto mais operações alguém fizer, em mais riscos ele incorre, grande parte
desnecessários. (Se é possível ter uma lucratividade X com uma operação, qual é
o ponto de ter a mesma lucratividade fazendo dez operações?) Jake Bernstein,
trader, conferencista, psicólogo e consultor de trading, diz que “se você opera mais
de uma vez por dia é para levar os filhos do corretor para a faculdade” – e nós
sabemos como são caras as faculdades norte-americanas.
Quando se estima que o público de home broker brasileiro alcançará o nível de
5 milhões nos próximos anos, acabamos entendendo o porquê da disputa
acirrada entre as corretoras por uma fatia maior desse público. Multipliquem-se
5 milhões de clientes pelo valor da corretagem de apenas uma operação (40 reais)
e teremos a bagatela de 200 milhões de reais por operação. Ensine esse público a
fazer day trading e logo teremos duas, cinco, dez operações por dia, o suficiente
para mandar os filhos dos corretores para as melhores universidades.
O que o público não percebe é que os trades de alta frequência são geralmente
realizados por mesas proprietárias ou de tesouraria de bancos. O termo
proprietárias indica que essas operações são feitas com o próprio capital do
banco; como todo banco de investimento tem sua própria corretora, disso
decorre que as mesas proprietárias de banco ou corretoras não pagam
corretagem.
Em tremenda desvantagem se encontra o trader que deseja copiar as operações
dos bancos: além de operar um sistema com muitas deficiências (o home
broker), suas operações incorrem na taxa de corretagem, coisa com que os traders
de bancos não precisam se preocupar. Convém lembrar que pagar ou não a taxa
de corretagem tem um efeito imediato na qualidade das operações. Vamos supor
que um trader individual, operando de sua residência, entra numa operação ao
mesmo tempo em que um trader de banco, operando pela mesa proprietária.
Ambos compraram a ação no mesmo momento por R$ 40 a ação. Quando a
ação sobe para R$ 40,01, tecnicamente o trader do banco já está no lucro,
enquanto o trader individual ainda está no prejuízo, mesmo com a ação tendo
subido um pouco, em razão do impacto negativo da taxa de corretagem que ele
pagou1. Como o mercado tem no intraday o que se pode chamar níveis de ruído
ou de oscilação do preço, quando se percebe que a operação estava equivocada, o
trader do banco é capaz de sair rapidamente com um pequeno lucro ou no zero a
zero, enquanto o trader de home broker sai da operação possivelmente no
prejuízo.
Observamos, portanto, que a diferença ou assimetria entre plataformas
operacionais faz toda diferença na qualidade da atuação dos traders. Mesmo que
o trader individual seja muito bem preparado, seja um bom piloto, o fato é que
ele está disputando Fórmula 1 com um Fusca. A questão de plataforma tem um
espectro mais amplo do que mostramos até agora; ela não se limita ao trader de
banco e ao de home broker. A seguir, uma tentativa de categorizar os players por
plataforma em ordem crescente, do menos provido ao mais equipado:
1. Investidor estilo antigo, que acompanha as cotações na coluna de
investimentos do jornal, geralmente no café da manhã, e envia ordens via
telefone para a mesa.
2. Investidor que acompanha os preços das ações no site da corretora do banco
e envia ordens por telefone para a mesa.
3. Traders que utilizam serviço de cotações e gráfico diário ou com cotação
intradiária com atraso de 15min e enviam ordens via home broker.
4. Investidores e traders que acompanham o mercado em tempo real por meio
de algum software de data feed e que, mesmo dispondo de home broker,
enviam ordens via mesa.
5. Traders com software de acompanhamento da bolsa em tempo real que
enviam ordens via home broker.
6. Traders cuja plataforma de acompanhamento em tempo real tem sistema de
envio de ordens (plataforma de negociação integrada).
7. Traders com software de acompanhamento (cotações e gráficos), plataforma
de negociação integrada e sistema de backtesting (estudo histórico
customizado de estratégias).
8. Traders, geralmente institucionais, que operam diretamente na Bolsa por
meio de DMA – Direct Market Access –, geralmente de forma totalmente
automatizada por meio de estratégias envolvendo algoritmos e trades de alta
frequência, com APIs (aplicativos) com recursos de machine learning.
Procure analisar em qual desses casos você se enquadra, do ponto de vista
operacional; quanto mais no início da lista você se encontrou, maior a sua
desvantagem em relação aos outros players.
E a competição não para por aí.

4.4 Assimetria de capital


Esse é um ponto muito importante a ser considerado por todos que desejam
dedicar-se aos investimentos em Bolsa. Imagine que você tem um mapa
geológico com uma indicação precisa de onde existem poços de petróleo. Se você
não tiver dinheiro suficiente para comprar a terra e adquirir os materiais
necessários à exploração... Seu mapa não é tão útil assim.

4.4.1 Ter um edge não é suficiente – É preciso ter staying power


“Staying power” é uma expressão utilizada pelos profissionais do mercado
mundial que encontramos dificuldade de traduzir em poucas palavras. Tomada
literalmente, significa “poder de permanecer” ou “poder de ficar”. Expressão
estranha: permanecer onde? Ficar onde?
Permanecer na operação; ficar posicionado. Significa capacidade de
permanecer no trade quando a operação enfrenta um movimento adverso de
preço. Aqui estamos falando de assimetria de capital e dos efeitos psicológicos
que acompanham uma maior ou menor disponibilidade de recursos, porque a
sua capacidade de suportar as oscilações do mercado está diretamente ligada à
sua relação pessoal com o montante empregado na operação. É um capital
disponível para investimento, o qual você não terá necessidade de resgatar nos
próximos meses e anos? Ou se trata de capital especulativo com prazo de resgate
menor? Você precisará desse dinheiro em pouco tempo, ou, pior ainda... É
dinheiro do aluguel ou proveniente de empréstimo?
Se compararmos dois investidores ou traders, um com capital acima de suas
necessidades e outro com capital limitado, o primeiro terá mais staying power
nas operações. Isso significa que o primeiro terá mais chances de ser bem-
sucedido, porque conseguirá suportar sem problemas as pressões envolvidas na
negociação, além de possuir acesso não somente a mais oportunidades, mas a
oportunidades mais sofisticadas. Como diz o ditado, dinheiro traz dinheiro.
Acreditamos sinceramente na necessidade de possuir superioridade técnica ou
ter um edge (vantagem competitiva) no mercado. No entanto, por mais que
possa parecer estranho ou até mesmo injusto, no mercado de capitais a
habilidade técnica não é suficiente; claro que é necessário possuir um edge, uma
forma de extrair dinheiro do mercado, mas, além de possuir essa vantagem
competitiva conceitual, você tem que conseguir explorá-la a seu favor. E aqui
entra a disponibilidade de capital.
Tomemos como exemplo um caso extremo e muito interessante: Soros
operando contra o Banco da Inglaterra2.
Ele acreditava que a libra esterlina deveria se desvalorizar em função da política
do Bundesbank, o banco central alemão, de defender o marco contra as outras
moedas. Soros anteviu a possibilidade de lucro vendendo a libra, e foi justamente
isso o que ele fez. Mas atentem para o seguinte detalhe, expresso numa
declaração dele:
“O Banco da Inglaterra vai tentar defender a libra, mas isso não importa, porque estarei vendendo
com uma posição muitas vezes maior do que a deles.”
Aqui temos um exemplo dramático do poder de capitalização: a posição de
Soros na venda da libra chegava a 20 bilhões de dólares. Seu lucro na operação
que durou um dia foi de mais de 1 bilhão de dólares.
Agora imagine a mesma situação, só que, no lugar do Soros, coloque um
investidor menos capitalizado. Imagine que ele teve o mesmo processo de estudo
das variáveis do mercado, o mesmo processo de raciocínio e – gênio, sem dúvida
– chegou ao mesmo resultado: a hipótese clara de que a libra deveria se
desvalorizar.
No dia seguinte – supondo que ele já tivesse isso tudo preparado –, ele abre sua
plataforma de negociação de FOREX (Foreign Exchange, termo usado para o
ambiente mundial de negociação de moedas, usualmente em pares: libra versus
dólar, euro versus yen, libra versus euro etc.), e decide vender a libra.
Só que ele faz isso sozinho, sem que o Soros esteja na mesma operação. Qual
seria o resultado? Ele moveria o mercado a favor de sua operação? Ele poderia
disputar essa queda de braço com o banco inglês? Naturalmente que não. A
despeito de suas convicções, a despeito mesmo de sua análise estar correta, se não
houvesse um grande player no mesmo lado da sua operação, movimentando o
mercado, de nada adiantaria o tão custoso edge que ele desenvolveu.
Nesse sentido, o capital necessário para entrar e permanecer nas operações atua
como instrumento do edge que você possui. Isso é a tal ponto importante que a
disponibilidade de capital passa a ser, ela própria, um edge. Como diz o ditado,
cash is king.
A assimetria de capital atua também na forma de melhores condições de
negociação, nas quais o volume transacionado adquire status que permite
descontos nas taxas operacionais. Não é incomum clientes de grande porte terem
acesso a melhor execução, melhor qualidade em serviços e ainda por cima
obterem vantagens que aumentam sua distância dos investidores e traders pouco
capitalizados. No mercado, vale a regra de que você é reconhecido (e tratado)
conforme o que você traz para a mesa.

4.4.2 Dinheiro apavorado


Muitas dificuldades se impõem ao trader mal capitalizado, mas talvez a pior delas
seja lidar com o aspecto emocional, uma vez que cada centavo que está em risco
é contado e faz diferença.
Na Bolsa, um dos fatores que concorre para aumentar o risco inerente à
atividade e minimizar as chances de um bom desempenho é o aspecto
psicológico, que certamente é afetado de modo negativo quando a capitalização é
insuficiente. Não há como escapar: quanto menor o seu capital ou quanto maior
sua necessidade desse capital, mais intensa será sua experiência emocional.
Em primeiro lugar, é importante perceber desde já que é impossível viver da
Bolsa com um capital reduzido. Isso significa que na eventualidade de não se
dispor de capital suficiente, o trading ou investimento passa a ser, do ponto de
vista financeiro, uma atividade paralela, não a atividade principal. Como
acontece com toda atividade desse tipo, muitas vezes ocorre a perda de
oportunidades justamente porque não se estava presente ou disponível para
aproveitá-las. Isso gera frustração, o que pode acarretar o desejo de operar em
momentos que não oferecem a mesma perspectiva de risco/retorno, para
compensar a oportunidade perdida.
Em situação pior estão aqueles que, possuindo capital limitado, decidem se
dedicar full-time ao trading. Vamos colocar em perspectiva: se o trader precisa de
10 mil reais por mês para se manter, se ele possui o capital de 1 milhão de reais,
então ele precisa fazer apenas 1% de lucro para cobrir suas despesas mensais. Se
ele possui 100 mil reais, então já é preciso fazer 10%. Se ele possui somente 10
mil reais... Quais são as chances de ele fazer 100%, todo mês?
Mas ele não quer saber de probabilidades... Especialmente se elas provam estar
contra ele e seu desejo de operar. Disso decorre que o investidor ou trader mal
capitalizado assume mais riscos, geralmente desnecessários, do que os grandes
players. Torna-se muito fácil para ele abraçar as promessas de lucro fácil da
alavancagem.
Daí para o overtrading é um passo. Overtrading é um problema que afeta
praticamente todos os traders sem capital suficiente. Ele pode ocorrer de três
formas: excesso de operações, excesso de alavancagem em uma operação ou
ambos.
A limitação de capital, as finanças pessoais dependendo do resultado das
operações em Bolsa, a alavancagem... Cada um desses itens coloca um peso
emocional a mais sobre o trader ou investidor e constitui um risco extra à
atividade – resultando no chamado “scared money” ou “dinheiro apavorado”,
situação em que o trader perde a fortaleza emocional necessária para operar
eficazmente.
Comparemos os dois tipos de player: o bem capitalizado versus o mal
capitalizado. O primeiro dispõe de recursos suficientes para não se preocupar
com o resultado imediato das operações; ele entende que a distribuição dos
resultados inclui operações negativas, e que a lei dos grandes números opera a
seu favor. Entendendo isso e sendo capaz de suportar um período relativamente
longo sem necessidade de resultados, ele é capaz de seguir a estratégia sem
assumir mais riscos que o necessário.
Já o investidor mal capitalizado age de forma diferente. Ele precisa do
resultado. Em sua perspectiva, cada operação é fundamental e ele não consegue
vincular sua expectativa à série de operações e a seu resultado final. Cada trade
assume para ele uma amplitude fantástica: se teve lucro, vai enriquecer; se teve
prejuízo, precisa burlar – só dessa vez – os limites de risco da estratégia que
utiliza, a fim de recuperar o resultado negativo da operação (ou operações)
anterior. E aí começam as dificuldades.
O fato de ele assumir risco excessivo por meio do overtrading minimiza
drasticamente suas chances de sucesso. Para sermos francos, gestão de risco é um
tópico que não desperta muito o interesse do investidor e trader individual,
especialmente se for novato, porque isso implica controles e quase ninguém
deseja instruções sobre o que não fazer. As pessoas querem apenas descobrir
como ganhar dinheiro na Bolsa – e abstraem os fatores de risco, relegando-os
para segundo plano.
Em geral, risco é tratado de forma simplória, e fórmulas prontas, como o uso
de ordens de stop, assumem lugar privilegiado. No entanto, mesmo uma
ferramenta simples de gestão de risco como o uso de stops funcionaria bem se o
trader a utilizasse corretamente. O problema é que no contexto de scared money
existe uma tentação muito grande de cancelar os stops. Vamos examinar isso de
perto...
Cancelamento de ordens de stop é um primeiro sinal de que o trading está
sendo regido não mais pelo aspecto racional, mas adentrou firmemente na esfera
da irracionalidade e da emoção pura. Significa também que o trader está sem a
menor resiliência a perdas, ainda que seja para assumir perdas temporárias (e
pequenas) como parte de seu planejamento para conquistar lucros maiores, no
cômputo final.
Se cancelar stops vira uma rotina, a operacionalidade da estratégia está
totalmente comprometida. Vamos explicar: toda distribuição de resultados
inclui, para ser fidedigna, a possibilidade de resultados negativos. Não existe
estratégia alguma, nem mesmo no nível de hedge funds, que entregue um
desempenho com 100% de trades vencedores. Isso é matemática, estatística,
filosófica e praticamente impossível. Em algum momento haverá uma sequência
de operações perdedoras, pois todo sistema de trading apresenta drawdowns ou
períodos de resultado negativo.
Esse é o primeiro ponto, aceito universalmente.
O segundo ponto é que uma estratégia operacional deve ter, em sua
distribuição de resultados, mais resultados positivos do que negativos ou
resultados positivos com um impacto (amplitude) maior do que o impacto dos
resultados negativos. No primeiro caso, temos, para dar um exemplo, 65% de
resultados positivos versus 35% negativos, todos com a mesma amplitude ou o
mesmo impacto, gerando um desempenho positivo da estratégia após n
operações; no segundo caso, teríamos o inverso: 65% de trades negativos mais os
35% restantes (positivos), tendo um impacto maior (digamos, 65% negativos
gerando resultado X contra 35% positivos com resultado 5X). Nesse caso, o
resultado geral será positivo não pela frequência de operações positivas, mas por
sua significância e amplitude.
Então, supondo que o trader tenha realmente uma estratégia consolidada, fica
claro que esse é apenas um primeiro passo, mas não o passo definitivo, para o
sucesso na Bolsa. O segundo e conclusivo passo é ter uma gestão de risco
apropriada. E ela provém, primeiro, de adequada capitalização.
Se uma prática simples como ordens de stop pode ajudar a gerir melhor o risco
(embora haja ferramentas mais sofisticadas para isso), por que um trader
cancelaria o stop?
Vamos refazer o raciocínio: o trader com capital insuficiente percebe as
alterações em seu capital de forma magnificada, pois não está planejando a série
de operações como um conjunto – ao invés disso, seu foco está em cada
resultado considerado individualmente.
O problema é que qualquer resultado individualmente considerado tem a
capacidade de afetar negativamente um trader mal capitalizado! Quer ele ganhe
ou perca, as probabilidades de sucesso estão contra ele, à medida que avança nas
operações.
Se ele tem um resultado positivo, aflora a euforia e ele pode se tornar:
a. desatento nas operações seguintes;
b. confiante em excesso, a ponto de abusar da alavancagem (mesmo que não a
tenha utilizado antes) – efeito “house money”.
Qualquer uma dessas alternativas leva a uma probabilidade maior de perda nas
próximas operações, assumindo-se que o trader usa um sistema discricionário
(estratégia que precisa de avaliação em tempo real e cujo comando para efetivar a
operação depende da vontade de quem a utiliza).
Se ele obtém um resultado negativo, o impacto emocional (também negativo)
produz a possibilidade de:
a. tentativa de aumentar a exposição ou operar com mais recursos do que o
normal (via aporte financeiro ou alavancagem) para tentar recuperar mais
rapidamente o prejuízo;
b. aversão a perdas, impedindo que ele siga à risca os parâmetros de gestão de
risco.
Em suma: má capitalização leva a um estado emocional alterado, que aumenta
a tendência ao desvio dos parâmetros de risco, causando uma deformação na
distribuição de resultados, o que minimiza severamente a possibilidade de
sucesso.

4.4.3 Que atire a primeira pedra...


Os norte-americanos têm uma expressão irônica para significar experiência real
com alguma coisa: “been there, done that” (“estive lá, fiz aquilo”, em tradução
literal). Quando a experiência foi malsucedida e quer se passar a impressão de
realmente ter passado por ela de forma dramática, há o “been there, done that,
bought the shirt!” (“estive lá, fiz aquilo e comprei a camiseta!”). Todo trader já
cancelou stops alguma vez, e é por isso que se torna importante analisar esse
fenômeno detalhadamente.
O ponto focal da prática de cancelamento de stops é a dificuldade em aceitar
prejuízos. Isso pode ter origem na má capitalização, como mencionamos, ou
pode ser intrínseco ao trader (fobia ou autocobrança excessiva), ou ainda advir da
sua ocupação como operador de recursos de terceiros, o que exige que ele faça
uma prestação de contas sobre os resultados negativos.
Mesmo para os profissionais do mercado financeiro é difícil aceitar prejuízos,
mas nessa profissão deve-se ter em mente a distribuição de resultados e apenas
monitorar para que os prejuízos não saiam de controle nem sobrepujem as
operações positivas.
O uso de stops é fundamental para manter os prejuízos num limite aceitável.
Se você comprou uma ação e em algum momento o preço caiu abaixo do seu
ponto de compra, você está sofrendo prejuízo. Para manter o risco dentro de
limites aceitáveis, é importante que esse prejuízo não aumente além do ponto
determinado por sua estratégia. Vamos supor que o preço está avançando em 2%
contra o seu trade e esse é o limite máximo de perda aceitável. Nesse ponto, a
ordem de stop tem que ser executada, interrompendo o prejuízo (mantendo-o
dentro de limites preestabelecidos). Se essa prática de acionar o stop
automaticamente for executada sempre, a distribuição de resultados tenderá a ser
conforme o parametrizado em sua estratégia.
Porém, se na prática operacional o trader alterar as ordens, essas alterações
refletirão na distribuição de resultados, geralmente com impacto negativo.
Existem dois motivos utilizados para justificar a errônea alteração das ordens de
stop e o consequente abandono dos parâmetros de risco:
1. O trader remove o stop porque quer “deixar mais espaço para o mercado se
recuperar” (isso ocorre geralmente depois de se ter vivenciado a situação de
ter seu trade stopado – interrompido pela ordem de stop sendo executada – e
o mercado retomar o movimento inicial favorável... Com o trader de fora do
movimento – na prática, o que mais ocorre é justamente o trade ficar cada
vez mais negativo à medida que o tempo passa).
2. O trader acredita que será stopado e antecipa a execução do stop para um
preço mais próximo, a fim de evitar o prejuízo em sua integridade (nesse
caso, temos o raciocínio inverso: o trader está certo de que será stopado e,
portanto, em vez de deixar o preço andar 2% contra a operação, ele antecipa
sua saída com um prejuízo inferior, digamos, 1% ou mesmo 0,5%... de
modo geral racionalizando: “Já que vou ser stopado de qualquer jeito, melhor
sair com pouco prejuízo...” O resultado prático é que muitas vezes ele não seria
stopado na operação e ela teria funcionado perfeitamente, uma vez que ele
assumisse a possibilidade do stop e não antecipasse sua saída).
Concordamos que é angustiante ver o preço mover-se contra a sua posição.
Como às vezes acontece de o trader acertar na mosca o início de um movimento
e ver o preço afastando-se de seu ponto de entrada imediatamente, gerando
lucro, é possível que essas ocorrências o tornem impaciente para movimentos de
preço adversos.
Só que muitas vezes um movimento de preço contra sua operação não significa
que ela estava errada ou que não irá funcionar. O mercado se move em pulsações
de preço (para cima e para baixo) intercaladas de ruído. Isso significa que o
mercado passa mais tempo indo a lugar nenhum (o que favorece estratégias
mean reversal) do que realmente deslocando-se para níveis superiores ou
inferiores de preço.
Então, é normal que esse ruído encontre-se presente na sua operação. Você
entra num determinado ponto e o preço fica indo e vindo, ameaçando a todo
momento virar-se definitivamente contra você.
Isso é enervante, especialmente após uma série de operações, sejam elas
positivas ou negativas (se foram positivas, podem gerar aversão à perda do lucro
acumulado, se foram negativas, aversão à ocorrência de mais prejuízos).
É como um jogo de paciência: você fica olhando o gráfico na tela e vê ora o
preço indo a favor de sua operação, ora indo contra... Independentemente do
time frame utilizado, é muito possível que após uma, duas, três, quatro idas e
vindas do preço você comece a repensar se o fato de ter entrado na operação foi
realmente uma boa ideia.
E aí duas coisas são possíveis, as duas impactando negativamente na
distribuição de resultados:
a. você antecipa o possível stop, saindo da operação com um prejuízo menor
do que se fosse stopado “de verdade”;
b. você antecipa sua saída, mas no momento em que o preço está
marginalmente a favor de sua operação, agarrando um lucro pequeno com
medo de que a operação realmente não dê certo.
Num primeiro momento, pode não ficar evidente por que essas duas atitudes
impactariam negativamente o desempenho do trader. Afinal, as duas parecem
atitudes prudentes. Na primeira, dada a inevitabilidade do stop, o trader
antecipou a saída e teve um prejuízo menor; na segunda, dada a probabilidade
do stop, o trader foi aparentemente mais eficaz ainda: conseguiu “livrar-se de
uma operação ruim” sem prejuízo algum, na verdade, com pequeno lucro.
Aqui, realmente é preciso um olhar mais atento para perceber o caráter
negativo dessas duas atitudes. Antecipar um stop é diferente de removê-lo e
deixar o preço ir livremente contra a operação. Parece inclusive mais ativo, do
ponto de gestão de risco. Da mesma forma, sair da operação com um lucro
pequeno em vez de prejuízo parece ser altamente louvável como prática de gestão
de risco (afinal, a operação “ia dar errado mesmo”).
Esse é mais um exemplo de como a atividade de trading é enganosa e de como
merece ser estudada criteriosamente antes que haja envolvimento de capital.
Vamos voltar ao que dissemos sobre distribuição de resultados. Numa
estratégia vencedora, deve haver:
1. Uma ocorrência maior de resultados positivos do que negativos; ou
2. Uma distribuição equivalente, desde que os resultados positivos tenham
impacto maior do que os negativos, para anular seu efeito e ainda gerar lucro.
Isso significa que uma vez definidos os parâmetros de uma estratégia, estes não
deveriam ser modificados pela prática operacional do trader, com risco de alterar
o resultado da distribuição.
Vamos simular uma hipótese:
a. estratégia com 60% de acerto, gerando 5% de lucro em cada operação
positiva e admitindo 2% de stop nas operações negativas.
A tabela 4.2 ilustra como fica o resultado final após dez trades.
Tabela 4.2 – Exemplo de distribuição de resultados
Trades
Trades Negativos Resultado dos Trades Positivos Resultado dos Trades Negativos (Stops) Resultado Final
Positivos
6 4 6 x 5% = 30% 4 x -2% = -8% 30% - 8% = 22%
Agora, basta alterar o uso da ordem de stop para alterar toda a distribuição de
resultados:
1. Se o stop é removido (mesmo que uma única vez), existe a possibilidade de
um movimento adverso de preço considerável contra a operação – por
exemplo, situações em que o movimento negativo chega a 20% –, anulando
todo o efeito da estratégia. Esse é o caso de um impacto negativo imediato.
2. Se o stop é antecipado, com a operação causando prejuízo menor, há
também uma alteração negativa na distribuição de resultados, porque muitas
operações stopadas antecipadamente não seriam stopadas de modo algum se
o trader utilizasse o nível de stop original. Aqui há um impacto negativo
distribuído, pois ocorre um aumento do número de operações negativas.
3. Se o trader encerra a operação com lucro, porém antes do target de lucro
derivado da estratégia, também há uma alteração na distribuição de
resultados, em razão de os parâmetros de lucro, que na estratégia se estimam
em X, na prática serem reduzidos para Y (lucro reduzido, obtido pela saída
antecipada).
Market noise significa que há realmente ruído no movimento dos preços no
mercado. De modo geral, sua ordem de stop deveria estar posicionada de modo
a não ser afetada pelo ruído do mercado. Se você foi stopado em um nível de
ruído, é muito provável que sua operação pudesse ainda ser bem-sucedida. Em
outras palavras, você saiu por não aguentar nem mesmo uma variação mínima de
preço contra sua posição. Isso nos leva para a ideia seguinte: maximum adverse
excursion, que é o ponto máximo em que o mercado poderia se mover contra a
sua operação e ela ainda estar certa. É, portanto, uma noção fundamental para a
correta definição do ponto de stop. Significa que o preço pode se mover X
contra a sua posição: a partir desse X em diante, a mensagem seria de que o trade
realmente não funcionou.
Definir esse X é, logicamente, todo o problema. Diversos fatores devem ser
levados em consideração: o time frame da operação, a volatilidade atual do
mercado, o tipo de trade que está sendo realizado etc. Toda a ideia de
parametrização ou desenvolvimento de sistemas e estratégias quantitativas de
trading visa a responder essa e outras perguntas essenciais.
Esses estudos parametrizados são realizados pelas equipes de research de
grandes bancos e hedge funds e não estão disponíveis para o público. Tendo-se
em vista o montante de recursos destinado a research, percebe-se que até nisso a
assimetria de capital intervém de forma importante.
Isso nos leva a considerar a terceira manifestação fundamental da assimetria.

4.5 Assimetria de informação


Não podemos esquecer a importância do conhecimento. Dos diversos itens que
compõem nossa autoestima e a saúde de nossa psique, ele tem um lugar especial.
É tão importante para nosso bem-estar saber ou pelo menos acreditar que
sabemos. Talvez porque nossa psique esteja voltada à autossatisfação e seja
doloroso nos reconhecermos ignorantes em qualquer assunto. Qual foi a última
vez que você viu alguém dizer em voz alta, para quem quisesse ouvir: “Eu não
sei”?
Escapa-nos o porquê de isso ser assim (este não é um tratado de psicologia),
mas a evidência nos prova que quanto mais acreditamos que sabemos, sem de
fato saber, mais vulneráveis estamos à atuação daqueles que realmente sabem. E
aí começa o uso da assimetria de informação contra nós.
Essa forma de assimetria significa que um grupo (pequeno) estará no lado mais
forte da equação, possuindo maior parte do conhecimento necessário, enquanto
o outro grupo, significativamente maior, terá pouco ou nenhum conhecimento
ou informação de como as coisas realmente funcionam.
Quando você está no lado mais fraco da equação da assimetria, suas decisões
correm o risco de ser tomadas sem a menor validade conceitual – em outras
palavras, você pode não saber realmente o que está fazendo. Desse modo, é fácil
tomar decisões equivocadas, cujo resultado é certamente o prejuízo.
Se observarmos bem, essa forma de assimetria está em toda parte, não somente
no mercado financeiro. Sempre que você pagou por uma informação, quem
recebeu o seu dinheiro só o fez porque estava no lado mais forte da assimetria.
Em outras palavras, ele sabia e você não sabia... Então você pagou para saber ou
para obter o resultado daquele conhecimento.
Pense na última vez que levou um aparelho eletrônico, seu carro ou qualquer
outro objeto para consertar. Se você dispusesse da informação e das ferramentas
necessárias, poderia muito bem realizar o conserto sozinho. Poderia até ter
levado para o conserto de qualquer modo, por uma questão de comodidade, mas
não haveria a necessidade de fazê-lo. Desse modo, assim como o
desconhecimento gera necessidade, o conhecimento nos livra dela.
Aí entram os especialistas: quando estamos pressionados pela necessidade,
consultamos alguém que saiba mais do que nós. Você iria a um médico se
soubesse exatamente qual o seu problema e como solucioná-lo? Ou, dando outro
exemplo, já que a legislação brasileira permite a um indivíduo defender a si
mesmo em juízo em alguns casos, se você soubesse realmente como fazê-lo,
contrataria um advogado?
No mercado, essa forma de assimetria determina seu nível trófico ou lugar na
cadeia alimentar: se você sabe mais, tem mais possibilidades de lucro do que
aqueles que sabem menos. É matemático: sua visão de mercado, sua estratégia,
sua tática operacional, que tipo de informação considera relevante, sua forma de
análise, a possibilidade de aproveitar oportunidades, o conhecimento de veículos
de trading (classes de ativos) mais adequados ao momento, tudo reflete o seu
grau de conhecimento ou de que modo você está posicionado na equação da
assimetria.
Sendo possível no mercado transformar conhecimento em dinheiro (lucros),
passamos a entender o caráter fundamental da preservação de informações ou de
conhecimentos importantes. De fato, a assimetria de informação não somente
existe, mas ela é propositalmente cultivada, pois toda possibilidade de lucro
depende dela. Desse modo, é de total interesse dos grandes players que o público
não tenha acesso a conhecimento relevante.
Isso se agrava ainda mais no Brasil, se levarmos em conta:
a. A não existência do hábito da leitura;
b. A enorme defasagem em material publicado de trading e investimentos
comparando-se com as publicações no mercado americano. Para termos uma
ideia, a seção de trading, finanças e investimento somente da editora Wiley
comporta 408 títulos, contra os 15 da Elsevier no Brasil. Isso para levar em
conta somente uma editora brasileira versus uma americana.
Além disso, os livros traduzidos para o português são em número limitado e
muitas vezes ocorrem erros patentes de tradução. Por exemplo, num certo livro3
traduziram bearish (baixista) como altista (bullish)... Agora imagine a cena: o
tradutor, tarde da noite, trabalhando num livro enfadonho de mercado
financeiro (quem se interessa por esse assunto, afinal?), tomado pelo sono,
recorrendo a bules e bules de café para se manter acordado, tendo diante de si
duas palavrinhas, “bullish” e “bearish”, que não somente começam com a mesma
letra (“b”), mas também terminam com as mesmas três letras (“ish”). É muito
fácil um deslize e a troca de uma pela outra, especialmente se ocorrem com
frequência.
Só que, no mercado, qualquer deslize é fatal: traduzir “bearish” como “bullish”
significa modificar a ideia original do autor de que aquela circunstância em
especial era baixista e faria o mercado cair, passando a significar altista e que o
mercado irá subir quando ela se apresentar. E lá vai o trader, vítima da forma
mais prosaica de assimetria de informação, unicamente porque não sabe ler em
inglês ou não teve acesso à obra original do autor.
Disso fica claro que no mercado não é somente o que você conhece que
importa, mas também e principalmente o que você desconhece. Aí temos um
paradoxo: não conseguimos imaginar a extensão daquilo que desconhecemos.
Do que se apreende que o profissional de mercado ou mesmo o trader eventual
deveria ser um buscador incansável de novas informações para ampliar sua esfera
de conhecimento. Afinal, alguém lá fora sabe mais... E se essa pessoa estiver do
outro lado da sua operação?

4.5.1 Sábio Sócrates


Para uma definição de termos, vamos chamar quem está no lado mais forte dessa
assimetria de sapiente, ou aquele que sabe, e quem está posicionado no lado mais
fraco dessa equação de insipiente, ou aquele que ignora.
Ser insipiente é chamar para si toda desvantagem possível. E a maior
dificuldade em sair dessa condição é que o insipiente nem imagina a importância
da assimetria nos resultados de suas operações. De fato, em seu extremo, significa
ignorar o papel fundamental do conhecimento como ferramenta operacional.
Naturalmente, ele admite que alguém sabe mais do que ele, mas isso não o
impede de entrar no próximo trade ou de realizar o próximo investimento.
Ele está preso no lado mais frágil da assimetria porque nem sequer reconhece o
poder que ela tem. (Se reconhecesse – já um sinal de sabedoria quase socrática –,
jamais entraria em outra operação antes de ter adquirido conhecimento
suficiente.) Toda dificuldade em sair do lado mais fraco da equação ocorre em
razão de:
1. Falta de conhecimento;
2. Ignorância quanto à extensão daquilo que desconhecemos;
3. Ter uma necessidade interna de acreditar que se conhece.
Para o completo desastre, falta apenas um elemento, que logo surge no dia a
dia: O mercado muitas vezes nos dá uma falsa confirmação de que sabemos.
Como isso acontece?
Nassim Nicholas Taleb ficou famoso mundialmente por expor a possibilidade
de resultados aleatórios darem a impressão de terem sido previsíveis, por meio de
uma associação posterior sem qualquer nexo causal. Em seu livro Fooled by
randomness (Iludidos pelo acaso), ele cita o exemplo cômico de um aborígene que
viu a chuva começar a cair no exato momento em que coçava o nariz... E a partir
daí desenvolveu rituais elaborados de coçar o nariz para fazer a chuva cair
quando desejasse.
Se você se acha melhor do que um aborígene, experimente o seguinte: compre
uma ação, qualquer que seja e a qualquer preço; observe então seu preço no dia,
na semana ou no mês seguinte. Se ela estiver mais cara do que quando você
comprou (ou seja, você está tendo lucro porque a compra deu certo), a não ser
que você seja excepcionalmente honesto consigo mesmo a ponto de dizer: “tive
sorte”, muito provavelmente você irá encontrar uma série de argumentos
provando que aquela possibilidade de ganho fazia sentido. Você tentará justificar
para si mesmo que sabia o que estava fazendo, que escolheu essa ação em vez das
outras por causa de seus prospectos de retorno futuro etc.
Nas outras profissões, essa possibilidade não existe. Alguém poderia chegar ao
aeroporto após um final de semana jogando Flight Simulator no computador e
dizer para o piloto de um avião: “Deixa comigo!”? Ou empunhar o bisturi e
realizar uma neurocirurgia após ler um livro sobre o assunto? A possibilidade de
sucesso é nula.
No entanto, alguém sem treinamento algum pode entrar no mercado e realizar
operações bem-sucedidas logo de início, simplesmente porque a possibilidade de
resultado é binária (o mercado pode subir ou cair), assim como as alternativas de
decisão (comprar ou vender).
Dado que nem passa pela cabeça do investidor ou trader novato a possibilidade
da venda a descoberto, seu universo de atuação é ainda mais restrito: “operação”
significa comprar ações e “resultado” significa o preço subir ou cair, dando a ele,
de imediato, 50% de chances de estar certo. E, sim, isso pode acontecer logo na
sua primeira vez comprando ações.
Após realizar sua primeira operação e ela ter sido bem-sucedida, é muito fácil
chegar à conclusão de que não é necessário treinamento algum:
• “Por que eu precisaria de treinamento?”
• “Basta avaliar o que ocorreu no momento em que comprei e esperar que
ocorra de novo.”
• “Foi isso: tinha saído uma notícia favorável sobre o setor daquela empresa.”
Pronto: já temos a coçada no nariz que ocorreu simultaneamente quando a
chuva começou a cair. Nosso trader em questão já tem um método para fazer
chover – isto é, para gerar lucros.
A partir daí, se ele for do tipo diligente, assinará todos os periódicos,
newsletters, canais e sites de notícias disponíveis, em busca do elusivo edge que
lhe conferiu lucros nas primeiras operações. Se ele continuou operando, a
distribuição aleatória pode já ter tido o seu ponto de virada, significando que
agora ele já experimenta alguns resultados negativos (prejuízos), que reforçam
nele ainda mais o anseio de aperfeiçoar o seu método. Ele está iludido e não
percebe.

4.5.2 Jogos de estratégia e o mercado


É muito comum encontrarmos analogias com o mercado nos jogos de estratégia,
como xadrez, damas, pôquer etc. Que elemento eles teriam em comum e qual
sua relação com trading e investimento?
Dominic Connors, famoso headhunter especializado em contratar estrategistas
quantitativos de trading (os chamados “quants”) para bancos de investimento e
fundos hedge, disse que além de toda a bagagem de conhecimento acadêmico
necessária, os candidatos que possuem experiência com jogos de cartas são
preferidos pelas empresas contratantes.
Victor Niederhoffer dedicou vários capítulos de seu clássico The education of a
speculator às relações existentes entre jogos diversos (xadrez, dama, squash, tênis,
pôquer) e as habilidades requeridas para o sucesso nos investimentos.
Fica evidente num tabuleiro de xadrez que o jogador que possui melhor
memória e mais experiência (um catálogo maior de possíveis jogadas) tem um
uphand em relação ao adversário. No pôquer, para citar outro exemplo, o
jogador que possui mais facilidade com números e probabilidade está em
vantagem contra todos os outros. Estratégia, raciocínio, memória, acesso a dados
e informações são elementos comuns à vitória, tanto nos jogos como no
mercado.
A habilidade com jogos é um exemplo interessante da assimetria de informação
porque essa assimetria foi buscada em outra esfera de conhecimento (a dos jogos,
não no próprio mercado), donde se infere que entram no cômputo de pontos de
assimetria quaisquer habilidades intelectuais que possam ser aplicáveis ao
mercado.

4.5.3 O trunfo dos grandes players


Existem verdadeiras máquinas trabalhando na produção de edge para as grandes
instituições do mercado. Estamos falando dos departamentos de research. Esse
ponto é importante para que você possa se lembrar contra quem está
competindo sempre que decide operar no mercado.
Os players institucionais estão bem preparados: as maiores gestoras de recurso
pagam para Wall Street cerca de 1 bilhão de dólares anualmente, em conjunto, e
pagam a suas corretoras preferidas a bagatela de 100 milhões de dólares cada
uma em custos de negociação4 – e as corretoras ganham isso por prestar o melhor
serviço de mercado e a melhor pesquisa que puderem fornecer. Essas gestoras
têm Bloomberg (o terminal de informações, cotações e negociação mais
prestigiado do mundo) e todos os outros serviços sofisticados de informação.
Seus profissionais se encontram frequentemente com a alta administração das
empresas. Todas elas têm equipes próprias de analistas e gestores de carteira
seniores com uma média de 20 anos de experiência em investimentos – todos
trabalhando com seus contatos e suas redes de relacionamento para conseguir a
melhor informação, o tempo todo.
Não há como competir, há? O trader ou investidor que se dá conta desse fato
logo percebe que possui apenas duas saídas:
1. Tentar encontrar um nicho em que possa ter alguma vantagem competitiva;
2. Tentar imitar a atuação dos grandes players.
Existe também uma terceira alternativa que é simplesmente colocar a viola no
saco e parar de operar no mercado. Se você leu até aqui, algo nos diz que essa
alternativa não seria a mais satisfatória no seu caso, portanto, vamos avaliar mais
de perto as duas alternativas anteriores.
1. Tentar encontrar um nicho em que possa ter alguma vantagem
competitiva:
Uma das formas para se posicionar melhor na assimetria de informação é
encontrar um nicho no qual se possa atuar com certa vantagem competitiva. Isso
é certamente difícil, mas não é impossível. A possibilidade de se encontrar um
nicho vem da crescente complexidade do mercado e de seus instrumentos.
Você pode se tornar especialista em um tipo de veículo (instrumento) do
mercado ou em um tipo específico de tática operacional.
No primeiro caso, basta reconhecer que existe uma série de veículos ou
instrumentos de investimento e trading diferentes, cada um com suas
particularidades e nem todos ao alcance do público. O grande público conhece
apenas as ações, que são frações do capital social de uma empresa. Existem outros
veículos, tais como contratos futuros (divididos em financeiros e agrícolas, sendo
o mais conhecido o contrato futuro sobre o índice de ações); opções (contratos
de direito sobre compra ou venda de ações a um preço determinado); ETFs
(Exchanged Traded Funds ou fundos negociados em bolsa), nos quais você
compra apenas uma ação (o ETF) e assim está posicionado como se houvesse
comprado toda a carteira de investimentos que o fundo representa; swaps (troca
de indexadores ou taxas de juros); opções sobre futuros etc.
Focando em um tipo específico de veículo, há uma possibilidade de seu
conhecimento sobre ele aumentar a ponto de o fazer perceber nuances do seu
comportamento – elementos-chave para o desenvolvimento de estratégias
vencedoras.
Você pode também focar seus esforços para dominar não um instrumento
específico, mas um tipo específico de tática operacional. Você pode se
especializar em operações de compra, de venda, de hedge (proteção de uma
posição comprada com o uso de outro ativo numa posição de venda), operações
de longo prazo, de curto prazo (swing trade), de day trade (realizadas dentro do
próprio dia, sem ficar posicionado para o dia seguinte), operações utilizando
dados de um único mercado, operações utilizando dados de diversos mercados
em conjunto etc.
Qualquer um dos meios descritos de encontrar seu nicho constitui um desafio
formidável e requer um esforço contínuo de aperfeiçoamento que, por si só,
justificaria a passagem do trader ou investidor para o lado mais forte da equação
da assimetria. Sugerimos também a possibilidade de se concentrar no conjunto
“um veículo + uma tática operacional”, como no caso do trader que se especializa
em uma empresa específica para trading de curto prazo ou foca em trading
intradiário em opções etc. A mensagem é que quanto mais específica e focada for
sua área de atuação, mais chances você terá de desenvolver o que é necessário
para vencer no mercado:
“Sua fortuna virá de seu foco. Foco em um mercado ou em uma estratégia.” – Larry Williams

2. Tentar imitar a atuação dos grandes players:


Se a primeira forma de competir num mercado dominado pelas grandes
instituições é procurar um nicho para atuar, a segunda é simplesmente tentar
seguir suas operações.
Tarefa fácil, se você souber cozinhar... A forma mais peculiar de research de
que temos conhecimento é a que foi feita por um cozinheiro de um grande
banco de investimentos norte-americano, perito na arte de preparar crepes
franceses. Sendo presença bem-vinda em toda sorte de recepções e festas da
empresa, ele preparava crepes e omeletes personalizados para os poderosos das
finanças, silenciosamente anotando os nomes das ações que eles comentavam.
Enquanto esperavam na fila do crepe, analistas das maiores empresas de
investimento – numa tentativa compreensível de tentar impressionar os colegas –
descreviam uns para os outros suas ações favoritas, fornecendo desse modo
preciosas informações para o cozinheiro-investidor. Se você tivesse servido uma
média de cem crepes e omeletes por dia ao longo de trinta anos, enquanto ouvia
os melhores analistas e investidores do país – e tivesse comprado e vendido ações
com base nessas indicações precisas –, também poderia ter acumulado um
portfólio pessoal no valor de mais de 10 milhões de dólares5 – enquanto
cozinhava como uma segunda ocupação...
Mas se você não é cozinheiro do Goldman Sachs (ou do Credit Suisse, do
Morgan Stanley, do J.P. Morgan ou de qualquer uma das grandes instituições),
não tem problema: hoje em dia qualquer trader bem informado pode dizer num
instante quem está comprando ou vendendo qualquer ação, bastando utilizar a
ferramenta Times and Trades (ou Times and Sales). A figura 4.2 e a figura 4.3
mostram os quatro conjuntos de informações fornecidos pelo Times and Trades
(versão Nelogica), respectivamente: saldo (composição integral dos compradores
e vendedores), negócios (horário, comprador, valor do negócio, quantidade de
ações negociadas, vendedor), compradores (gráfico de pizza do volume
percentual de compra realizada pelas corretoras), vendedores (gráfico de pizza do
volume percentual de venda realizada pelas corretoras).

Figura 4.2 – Exemplo Times and Trades (versão Nelogica).


Figura 4.3 – Exemplo Times and Trades (versão Nelogica).
Antigamente, a informação “fulano está comprando” tinha enorme valor,
porque fulano realmente movimentava o mercado. Se uma grande instituição
estivesse comprando em larga escala uma ação específica, era uma aposta quase
certa acompanhar a compra. Lógico que o investidor “leitor de coluna de
investimentos do jornal” jamais tinha acesso a esse tipo de informação (e não tem
até hoje).
Hoje em dia, essa informação é importante, mas já não é suficiente. Você terá
que trabalhar duro, porque não se trata mais de apenas seguir o líder. O mercado
mudou. Vamos citar dois exemplos de como uma visão simplista do fluxo de
compra e de venda pode gerar prejuízos e um terceiro exemplo, utilizando a
ferramenta Times and Trades para gerar momentos de compra ou venda.
No primeiro exemplo, temos o caso de uma amiga nossa – estudiosa voraz do
mercado – que, num dado momento, descobriu e se apaixonou pelo Times and
Trades. Então, lançaram no mercado as ações da Ecodiesel (ECOD3).
Ao ver que logo após o lançamento das ações o Citibank estava comprando
todos os dias, ela não se aguentou diante da evidência de que “um dos grandes
estava comprando firme” – e comprou também, na medida do seu capital. E a
ação, que até então oscilava sem rumo, começou a cair.
E continuou caindo nas semanas seguintes. Ela imprimia o Times and Trades
todos os dias, para se convencer a permanecer no trade – que agora já estava
ficando para o longo prazo –, pois o Citibank continuava comprando.
Quando ela finalmente não suportou mais ver o preço caindo quase todos os
dias, vendeu, com um prejuízo superior a 20%. E então a ação começou a
subir... Subir... Subir... Até o ponto de entrada da nossa amiga. Depois que a
ação subiu até esse ponto, o Citibank começou a vender, com lucro, para
desespero de nossa amiga.
Moral da história:
Nunca se abrace a uma baleia para um mergulho: ela tem mais fôlego do que você...
O segundo exemplo é o de alguém que reconhece quem são os grandes players
e tenta seguir seus passos no intraday. A diferença aqui é que ele não fica
posicionado ao longo dos dias, mas tenta acompanhar a compra dos grandes na
expectativa de uma alta ao longo do dia.
O pensamento é mais ou menos o seguinte: “Com esse volume de compra por
parte do Morgan Stanley, certamente a ação deve subir alguns pontos percentuais
hoje.” E o trader compra tal ação, na expectativa de retorno. Ainda brinca com o
assunto: “Se eu me ferrar, o Morgan se ferrou junto...”
Como dissemos agora há pouco, o mercado mudou. Evoluiu. Não atento ao
fato de que agora fazem parte do mainstream as operações market neutral ou de
arbitragem (cujo exemplo no caso de ações é a estratégia long/short ou de pairs
trading – operação de pares de ações que têm um elemento de cointegração, na
qual o player compra uma delas e vende a outra, para arbitrar o spread), nosso
trader no exemplo vai cegamente atrás de qualquer indicação de compra e de
venda dos grandes players.
O que ele não viu é que, enquanto comprava a ação que ele observava, o
mesmo player vendia outra ação, operando o par. Ou seja, nem toda compra
representa posicionamento no lado da compra: pode ser parte de uma estratégia
mais sofisticada, cujos aspectos principais não são visíveis ao trader comum. Há
ainda a possibilidade de o player ter comprado a ação para zerar uma venda a
descoberto feita anteriormente!
Agora, vamos ilustrar um exemplo de como utilizar o Times and Trades de
forma estratégica.
1. Escolha uma ação específica – esse é um ponto importante: é muito
improvável que você (ou qualquer um) consiga virar expert em muitas ações
ou estratégias ao mesmo tempo.
2. Determine no gráfico os principais pontos de inflexão ao longo dos meses
(topos e fundos de curto prazo).
3. Pergunte (metaforicamente) ao Times and Trades: quem comprou logo
antes de o preço subir (isto é, no fundo)?
4. Pergunte (metaforicamente) ao Times and Trades: quem vendeu logo antes
de o preço cair (isto é, no topo)?
5. Pode haver um grupo de players que são habitués naquela ação.
6. Uma vez identificados os habitués, comece a quantificar a atuação de cada
um deles: quem está correto a maior parte do tempo? Quem erra mais? Existe
alguma coalizão importante que se repita em mais de um caso (por exemplo,
quando mais de um player opera para o mesmo lado, ao mesmo tempo, na
mesma ação)?
7. Separe, no gráfico, dias de alta, de queda e neutros e analise a informação do
Times and Trades desses dias. Nos dias de alta, havia algum player
importante posicionado fortemente na compra (o inverso para dias de
queda)? Nos dias neutros, havia alguma configuração especial, como um
player operando contra o outro?
8. Com essas informações, monte um gráfico ou esquema de modo a poder
identificar posteriormente, em tempo real durante o pregão, se ocorre alguma
das situações que você estudou.
9. Você agora tem elementos suficientes para identificar o nível de relevância
das compras e vendas feitas pelos grandes players. Mas lembre-se sempre: o
mercado é dinâmico e dados passados não irão necessariamente se repetir no
futuro. Não há garantias.
Ainda algumas sugestões: procure observar se o player que está comprando
uma ação não está vendendo ao mesmo tempo outra (possível par
correspondente), preste atenção se dois ou mais players compram ou vendem a
mesma ação ao mesmo tempo e, para operações de mais de um dia, é
fundamental observar se os players habitués da ação chegaram posicionados ao
final do pregão (às vezes, é possível eles comprarem de manhã e venderem tudo
de volta durante a tarde, o que significa que o comprometimento deles com a
possível alta era apenas para o intraday). Numa escala maior, é possível criar um
quadro comparativo e monitorar as posições de todos os grandes players ao
longo do tempo e num universo maior de ações.
Naturalmente, os verdadeiros players não são fáceis de localizar. Soros, já
citado anteriormente, costumava usar entre dez e 20 corretoras para espalhar suas
ordens de compra ou de venda. Além disso, muitas vezes começava uma
operação no lado inverso do pretendido, para testar o mercado. Por exemplo, se
o seu interesse fosse comprar, era possível ele começar primeiro vendendo, por
dois motivos: o primeiro, despistar quem o observava; o segundo, observar como
o mercado reagia às ordens de venda – havia compradores suficientes para
levantar o preço depois que ele tivesse comprado?

4.5.4 Vendendo o que não se tem


Uma das informações mais fáceis de descobrir, que nos impressiona muito por
permanecer ignorada pelo público em geral, é o fato de que na Bolsa se pode ter
lucro com a queda dos preços.
Se você ainda não é um trader, ou pelo menos um trader profissional, é muito
provável que até agora também ignorasse este conceito: é possível ganhar
dinheiro com a desvalorização das ações (e demais ativos do mercado).
Antes de entrarmos nos detalhes, vamos observar que isso é praticamente
impossível de ocorrer em qualquer outro lugar. Tome por exemplo a compra e
venda de automóveis: ninguém ganha com a desvalorização que ocorre ano após
ano; o mesmo com imóveis, com bens de consumo (lembra-se do preço que
pagou por seu primeiro computador ou telefone celular?) etc.
Quando tentamos explicar a alguém o funcionamento do que se chama venda
a descoberto (short selling), invariavelmente a primeira pergunta que ouvimos é:
“Mas como eu posso vender algo que não tenho?”
Temos um exemplo: imagine que você sabe que o preço dos relógios Mont
Blanc vai cair. Seu amigo Pedro possui um modelo que vale 10 mil reais e você
decide tomar emprestado por um mês. Você então vende o relógio para Paulo,
por 10 mil reais. Um mês decorre desde o momento da venda (na qual você
recebeu 10 mil reais) e você agora precisa comprar um relógio do mesmo modelo
para devolver a Pedro. Como você previa, o preço realmente baixou. Você paga
8 mil reais por um relógio igual e devolve a Pedro. Então, você recebeu 10 mil
reais e desembolsou apenas 8 mil reais... Os 2 mil reais que sobraram são o seu
lucro na transação.
Da mesma forma, se você aluga uma ação (o equivalente a tomar emprestado),
você tem a sua custódia sem ter desembolsado o valor que seria necessário para
comprá-la. Se você olhar sua conta na corretora, a ação está lá, esperando para
ser movimentada (vendida). Você, porém, não teve que comprá-la... Apenas a
alugou por um determinado período, sabendo que deveria devolvê-la depois.
Então, você tem cem ações em sua conta e não teve que comprá-las: quando
você vende essas ações... Está realmente vendendo algo que não tem.
A estratégia operacional aqui é inversa à da compra. Se ao comprar ações nossa
expectativa é de valorização ou alta em seu preço, quando operamos na venda
estamos convencidos de que o mercado enfrentará um período de queda.
Um dos motivos pelos quais esse tipo de operação não é muito divulgado ao
público pode estar relacionado ao fato de que os corretores de ações ganham um
bom dinheiro vendendo a descoberto, muitas vezes operando contra os clientes.
Mas se você ligar para a sua corretora e pedir informações sobre o
funcionamento desse tipo de operação, eles lhe fornecerão: são obrigados a isso
pela CVM e pela própria Bolsa.

4.5.5 O que o dono do restaurante está fazendo?


Larry Williams, ao falar sobre insider trading, dá um exemplo interessante: se
você vai a um restaurante e vê o próprio dono atravessando a rua para almoçar
no concorrente, há algo de errado com a comida.
O gráfico da figura 4.4 nos mostra a venda de ações da Microsoft.
Figura 4.4 – Venda de ações da Microsoft.6
De acordo com o site www.insiderreview.com, esses são os pontos em que Bill
Gates vendeu suas ações da Microsoft. Historicamente, exatamente no topo, que
correspondeu ao topo das ações de tecnologia da Nasdaq. O timing não poderia
ser melhor – o que fez Larry Williams dizer que Gates era “o maior trader de
todos os tempos”.
Inside trading é quando os sócios ou diretores de uma empresa compram ou
vendem as ações da própria empresa, o que é uma ocorrência normal e prevista
pelos regulamentos da Bolsa.
Não confundir com inside information, na qual há um vazamento de
informações importantes e não públicas sobre a empresa – a regulamentação da
Bolsa exige que qualquer notícia relevante seja divulgada apropriadamente de
uma só vez para todos os participantes do mercado. Alguém que possui uma
informação que não foi divulgada para o público e age com base nela está
cometendo um crime (Lei 6385/76, artigo 4º, IV c.) de uso de informações
privilegiadas. A figura 4.5 mostra uma noticia a respeito do uso de informação
privilegiada.
Para uma visão interessante e hollywoodiana do insider information, sugerimos
assistir ao filme Wall Street – poder e cobiça, do qual o tema central é justamente
esse tipo de negociação.
Para fazer um contraponto, vamos citar o investidor mais conhecido (e rico) do
mundo:
“Com suficiente inside information e 1 milhão de dólares você pode ir à falência em um ano.” –
Warren Buffett
Figura 4.5 – Notícia sobre o uso de informação privilegiada.7

4.5.6 Deception
Suponha que esteja lidando com um adversário que tenha as mesmas qualidades
estratégicas que você: acesso às mesmas informações, capacidade de análise do
mercado semelhante, suficiente poder de fogo, em suma, é um adversário à
altura. Como se poderá vencê-lo?
Pelo deception, você o engana.
Tomada literalmente, deception é “engano, engodo”, mas tem qualidades
especiais. Tem a ver com camuflagem, fazer o outro acreditar em algo, criar uma
realidade ilusória etc.
Niederhoffer nos dá o exemplo de um general da Guerra Civil Americana que
solicitava abertamente informações sobre a melhor rota para um lugar específico,
mandava preparar mapas, começava a construção de estradas para que as tropas
pudessem se movimentar – e, quando os boatos a respeito de suas intenções já
tinham se espalhado o suficiente, ele marchava calmamente na direção oposta.
Jesse Livermore – considerado um dos maiores traders de todos os tempos –
cita em sua biografia o exemplo de dois traders que se conheciam e se
respeitavam mutuamente por suas diversas façanhas na especulação com ações.
Certo dia, ao encontrarem-se na rua, um deles comenta “você precisa vender as
ações da empresa X” e arremata com um piscar de olhos “certamente vão cair uns
30%!”. (Nos dias e nas semanas seguintes, o preço da ação subiu disparado.) Ao
encontrarem-se novamente, um mês depois, aquele que deu a dica tentou
atravessar a rua, fingindo não ter visto o colega. Mas ele atravessou a rua também
e o abordou:
– Queria agradecer a dica que você me deu.
O primeiro retruca:
– Dica? Que dica? Eu não lhe dei dica nenhuma!
– Deu sim, você me aconselhou a vender a ação X... Ganhei bastante dinheiro
naquela operação.
Ele ficou estupefato:
– O que você fez?
– Eu comprei!
Neste ponto, o que havia dado a sugestão sorriu e disse:
– Se eu tivesse metade da sua inteligência, seria um trader muito melhor!
O mercado é cheio de ocorrências de deception, e muitas de suas fórmulas vêm
descritas no livro atribuído a Livermore. Uma das mais interessantes armadilhas
é o chamado corner, no qual um ou mais participantes do mercado são prensados
(squeezed).
“Mas o livro foi escrito em 1923! Haveria alguma utilidade nos dias de hoje?”
Você pode estar se perguntando. Se analisarmos em retrospecto, não há nada de
novo no mercado de ações... No século passado já se fazia o mesmo...
Observe o caso relativamente recente (outubro de 2008) de short squeeze que
ocorreu no mercado europeu:
“‘Eu tenho gestores de fundos hedge literalmente em lágrimas no telefone’, disse um analista
baseado em Londres ontem. Outros disseram que a revelação feita pela Porsche foi como ‘uma
bomba nuclear explodindo na nossa cara’, descrevendo as perdas resultantes como ‘um banho de
sangue’. Nós sabíamos que o preço iria disparar, aumentando a exposição de muitos hedge funds –
eles estariam oferecendo suas filhas em troca das ações, só para sair do aperto.”
Esse é um parágrafo da matéria do Telegraph8 sobre como alguns dos maiores
hedge funds do mundo tiveram prejuízos estratosféricos em razão de posições de
venda a descoberto nas ações da Volkswagen. Eis o que ocorreu: no auge da crise
(2008), foram proibidas as vendas a descoberto em ações de bancos na Europa –
então os fundos hedge viram a oportunidade de vender as ações da VW, que
acreditavam estarem sobrevalorizadas (overvalued). Abriram posições de venda a
descoberto no valor de bilhões de euros.
Então, a Porsche, numa tarde de domingo, publicou que silenciosamente havia
aumentado sua participação na VW de 35% para um total de 75%. Somando
essa participação da Porsche com a participação do estado alemão da Baixa
Saxônia na ordem de 20% nas ações da VW, restavam apenas 5% de ações livres
(free float), disponíveis para os hedge funds comprarem e cobrirem sua posição
de venda a descoberto, que era superior a 10% do total de ações da VW. Em
suma: eles precisavam de mais ações para cobrir sua operação do que as que
estavam disponíveis no mercado.
Então ocorreu o squeeze (literalmente: aperto). As ações da VW que, valiam
cerca de 200 euros, subiram para 1.200 euros em poucos dias... E a Porsche
lucrou alguns bilhões de euros no processo!
Quando se trata de deception, não há uma separação de nós/eles entre tubarões
e sardinhas. É literalmente cada um por si e a Bolsa por todos... Lucro, afinal de
contas, pode se soletrar:
A.S.S.I.M.E.T.R.I.A.

1 Para simplificar a explicação, não estamos computando taxa de liquidação e custódia.


2 Mais detalhes em: http://en.wikipedia.org/wiki/Black_Wednesday e http://en.wikipedia.org/wiki/George_Soros
3 Trading for a living, de Alexander Elder (traduzido no Brasil como Como se transformar em um operador e
investidor de sucesso).
4 Estimativas de Charles Ellis, em Winning the loser’s game.
5 Por mais incrível que pareça, esta é uma história verídica. O cozinheiro Rudy Stanish ficou milionário
(The partnership – The making of Goldman Sachs, Charles Ellis).
6 Fonte: Larry Williams, em The right stock at the right time – prospering in the coming good years.
7 Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios+setor-financeiro,uso-de-informacao-privilegiada-vira-
alvo-central-de-investigacoes-da-cvm,33546,0.htm.
8 Fonte: http://www.telegraph.co.uk/finance/newsbysector/transport/3281537/Porsche-and-VW-share-row-how-
Germany-got-revenge-on-the-hedge-fund-locusts.html
CAPÍTULO 5
Qual é a sua estratégia operacional?

Segundo Francis M. Crinella – pesquisador e diretor do laboratório de


neuropsicologia da Universidade da Califórnia (Irvine) –, o cérebro
continuamente muda ou se remodela para aprimorar o funcionamento mental.
Nesse contexto, existe um fenômeno muito particular da mente humana com
implicações importantes na esfera de investimentos ou trading chamado
plasticidade neural, no qual ocorre o reforço de um dado conceito à medida que
o indivíduo é exposto a estímulos sobre o conceito – por meio de um aumento
do número de conexões entre os neurônios que reforçam o aprendizado. Em
outras palavras, nosso cérebro está configurado de modo a perpetuar relações
cognitivas, uma vez que elas se estabeleçam: quando algo é aprendido, há uma
tendência natural a confirmar, reforçar e manter aquele aprendizado.
Quando chega pela primeira vez ao mercado, o potencial investidor ou trader
se depara com algum dos tipos de análise que tentam explicar os fenômenos com
os quais ele toma contato. Da mesma forma que uma criança brasileira aprende a
dizer mesa e uma norte-americana aprende a dizer table, a linguagem com a qual
o futuro investidor ou trader se identificar primeiro passará a ser sua língua mãe
quando se trata de interpretar o mercado.
Isso tem consequências diretas em sua experiência futura, porque como
existem diversos tipos de análise, ao identificar-se com a primeira que toma
contato ele pode estar deixando de lado elementos importantes das outras, ainda
mais considerando que o mercado – fenômeno complexo e dinâmico – pode
gerar interpretações as mais diversas, cada uma ditada pelas premissas da linha de
análise que o investidor ou trader utiliza.
Por exemplo, se você for um fundamentalista, provavelmente interpretará as
informações disponíveis pela perspectiva das interações de valor que o mercado
deveria precificar. Isso significa que sua análise estará voltada aos fatores
econômicos com potencial de gerar acréscimo ou decréscimo no valor de
mercado de uma empresa, e utilizará a informação do preço corrente da ação
apenas para avaliar se o mercado já descontou ou não a nova realidade de valor.
Caso o preço da ação seja diferente do preço justo identificado pela análise, você
se posicionará para antecipar a correção dessa anomalia, comprando as ações que
estiverem subvalorizadas e vendendo as que estiverem supervalorizadas.
Se você for um técnico, utilizará quase que exclusivamente os padrões de preço
de uma ação, independentemente dos fundamentos da empresa. O preço atual é
visto então como o consenso entre os participantes do mercado num dado
momento e sua análise será uma tentativa de buscar, no gráfico, uma indicação
do seu movimento futuro. Por exemplo, se você identificar que o preço vem
subindo de patamares ao longo de certo período de tempo (uma tendência de
alta), você se posicionará na compra em um ponto em que a relação
risco/retorno esteja dentro de seus parâmetros e permanecerá comprado
enquanto o preço estiver avançando para novas altas, mesmo que esse
movimento de preço contrarie as perspectivas de valor estabelecidas pela análise
fundamentalista e se constitua num movimento puramente especulativo.
No caso de você se qualificar como um trader quantitativo (ou quant), você
estará interessado no desenvolvimento de estatísticas baseadas na série temporal
disponível, buscando, por meio de modelos matemáticos, uma recorrência de
fenômenos que possa ser aproveitada. Desse modo, o foco está em poder
quantificar ou transformar em realidades numéricas o histórico dos preços. O
trader quantitativo não acredita em padrões de preço que não possam ser
definidos de forma mensurável, não levando em consideração, portanto, as
muitas figuras de preço utilizadas pelo técnico.
Em cada um desses casos podemos dizer que os envolvidos decodificam o
mesmo fenômeno (a realidade do mercado) de acordo com um alfabeto ou
código diferente, que não somente influencia a sua interpretação dos dados, mas
também a escolha de quais dados serão considerados relevantes e quais não serão.
Aquele que utiliza um dos tipos de análise está convicto de que essa é a forma
mais eficiente de observar o fenômeno, interpretá-lo, tirar conclusões e nela
basear suas decisões de investimento ou trading.
A esse respeito, é importante observar que é muito difícil nos colocarmos
voluntariamente na posição de contestar as associações e os ensinamentos já
aprendidos. Em função disso, após aprofundar-se, ainda que um pouco, em uma
das formas de analisar o mercado, geralmente o indivíduo não busca questionar
ou testar se aquela forma de análise é mesmo válida, em muitas situações. De
certo modo, se ele observa que uma das afirmações da análise funciona, ele
tenderá a aceitar tacitamente que as outras afirmações também funcionam – e
que todo o conteúdo daquela forma de análise é válido, em todos os casos. Mas,
como veremos nas próximas páginas, questionar sempre vale a pena, pois é
possível descobrir que um aspecto da análise estudada pode vir a não justificar ou
validar os outros.

5.1 Análise fundamentalista: a busca pelo valor


Para o investidor, o histórico recente da ação negociada no mercado de capitais
não importa tanto quanto o valor correspondente à empresa que ela representa.
O investidor investe, ou seja, aloca seus recursos para o negócio gerido pela
companhia cuja ação ele comprou ou pretende comprar. Ele não está tão
preocupado com a liquidez ou a volatilidade, desde que possa identificar se o
negócio da empresa é sólido, produz bons resultados e poderá reproduzir esses
resultados no futuro. Ele confia que o mercado também identifica esse valor e o
precifica corretamente.
Ele possui a mentalidade empresarial. Investe em ideias, em perspectivas de
negócio. (Se você duvida desse ponto – investir em ideias –, leve em
consideração que existem empresas que foram para IPO e lançaram suas ações na
Bolsa tendo como patrimônio apenas o seu plano de negócios!)
A escola fundamentalista, portanto, acredita que os negócios reais, a economia
real, movimentam a valorização ou a desvalorização em Bolsa. Acredita, também,
que há uma relação direta entre os fundamentos de uma empresa e a precificação
atual e futura de suas ações. Por meio de uma série de métricas de avaliação, os
fundamentalistas buscam definir o valor das empresas.
Como já mencionamos, sua análise se baseia em identificar anomalias, isto é,
momentos em que o mercado não precifica corretamente uma mudança de valor
da empresa. O investidor fundamentalista, então, se posiciona, antecipando o
futuro reconhecimento dessa alteração no valor – reconhecimento este que se dá
pela mudança do preço das ações para um patamar mais elevado.
As principais medidas de avaliação dos fundamentos são os chamados:
1. Valor de mercado: Divide as ações em large caps, medium caps e small
caps; respectivamente, ações de empresas com grande capitalização, média e
pequena capitalização.
2. Valor versus crescimento: Geralmente, as empresas são divididas entre essas
duas classificações, dependendo se é uma empresa de valor (ou seja, já
solidamente estabelecida e com um histórico de produzir valor ou resultados
consistentemente ao longo do tempo – exemplo: empresas de utilidades,
como infraestrutura), ou de crescimento (cujo negócio é inovador e tem
chances de valorização estratosférica se ela tiver os meios necessários de fazer
seu negócio amadurecer e prosperar – exemplo: empresas de tecnologia).
3. Múltiplos: Fórmulas de medir a saúde da empresa combinando
informações. São exemplos: índice P/L (preço/lucro), EBITDA (na sigla em
inglês, lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortização), margem
bruta, valor patrimonial da ação, preço por valor patrimonial da ação,
rentabilidade sobre o patrimônio, taxa de retorno, distribuição de
dividendos, índice de liquidez, índice de atividade, nível de endividamento,
entre outros.
A forma clássica de analisar o valor de uma empresa é atribuída ao livro Secutity
analysis, de Graham e Dodd. A partir dessa obra, o value investing, como é
chamado, foi crescendo em popularidade como uma forma inteligente de
investir.
O discípulo mais conhecido de Graham é, sem dúvida alguma, Warren
Buffett. De fato, embora Graham seja conhecido como o pai do value investing,
foi Buffett, sem dúvida, quem ficou famoso por adotar e difundir essa
abordagem. Talvez o fato de ele já ter sido considerado o homem mais rico do
mundo tenha ajudado a criar sua fama. As histórias a esse respeito são inúmeras:
acionista de empresas como Coca-Cola e Washington Post, Buffett é conhecido
por investir em negócios sólidos e manter seus investimentos para o longo prazo.
“Meu período de tempo favorito para manter um investimento é para sempre.” – Warren Buffett
Diz a lenda que ele realmente ia a fundo na busca por informações sobre as
perspectivas das empresas que tinha em mira, a ponto, por exemplo, de conferir
na ferrovia quantos vagões de carga passavam com o logotipo de determinada
empresa, como uma medida do real fluxo de vendas. Se passassem poucos
vagões, ele teria uma indicação de que as vendas não iam bem; se passassem
muitos, as vendas estavam num bom patamar.
Atualmente, a análise fundamentalista conta com inúmeros colaboradores e se
tornou matéria obrigatória nos círculos acadêmico e corporativo. Um expoente
moderno é o professor Aswath Damodaran, MBA e ph.D. pela Universidade da
Califórnia, em Los Angeles, que mantém um site1 muito útil para quem busca
informações fundamentalistas sobre empresas do mundo todo.

5.1.1 O outro lado do valor


Victor Niederhoffer é um gestor de fundos de commodities mundialmente
conhecido pelo seu histórico de lucratividade excepcional durante 15 anos
seguidos (levando-o a ser considerado em 1996 o melhor gestor de fundos hedge
do mundo), como também é conhecido pela sua estrondosa debacle em 1997,
quando em um único dia seu fundo quebrou, em razão de apostas alavancadas
nos mercados mundiais (ele estava ao mesmo tempo alavancado na compra do
banco da Tailândia e vendido a descoberto em opções de venda do S&P500 –
durante a incrível queda do mercado no dia 27 de outubro de 1997). A partir
daí, ele permaneceu alguns anos fora do mercado, para retornar em 2001, na
gestão do fundo Matador (Toureiro, em espanhol), criado para ele por
investidores institucionais europeus para operar somente o mercado norte-
americano. Em 2006, foi novamente nomeado o melhor gestor de fundos. Seu
primeiro livro foi The education of a speculator, publicado no início de 1997,
uma espécie de autobiografia e lições sobre o mercado utilizando como analogia
tênis, squash, música clássica, biologia, xadrez, damas, corridas de cavalo,
ecologia... e até mesmo sexo. “Tudo está interligado”, ele afirma.
Em 2003, ele publicou com Laurel Kenner o livro Practical speculation, no qual
se dedica a desvendar alguns mitos existentes no mercado, bem como a fazer
novas comparações entre especulação, investimento e ciências (computação,
estatística, química, física, biotecnologia). Laurel é jornalista e foi a editora-chefe
da Bloomberg para o mercado de ações.
Practical especulation dedica dois importantes capítulos a desmistificar alguns
aspectos da análise fundamentalista do modo como é divulgada: Earnings
propaganda e Benjamin Graham: mythical market hero.
O primeiro, Earnings propaganda, trata da questão universalmente conhecida
para os profissionais do mercado (e até para os leigos, dizem Victor e Laurel), da
importância dos resultados de uma empresa. Earnings é o equivalente a lucro,
nesse contexto, em que o índice P/E (price/earnings) traduz-se como índice
preço-lucro (P/L).
Existem algumas inferências a respeito dos lucros de uma empresa com as quais
praticamente todos estão familiarizados:
a. Os lucros e o preço da ação andam para cima e para baixo em uníssono;
b. Quanto maior o aumento nos lucros, maior o retorno da ação;
c. Quando os lucros estão altos, é hora de comprar ações;
d. Quando os lucros estão baixos, é hora de vender;
e. Quando o índice P/L (preço/lucro) estiver alto, é hora de vender ações.
“Cada um desses axiomas é falso”, afirmam Victor e Laurel, após terem testado
em diversas empresas se as relações lucro/preço por ação se mantinham. Segundo
eles, esses axiomas não funcionam quando confrontados com os dados
empíricos. “Quase tudo que é ensinado aos investidores sobre a relação entre lucros e
retornos no mercado de ações... está errado.”
Após fazer essa afirmação bombástica, Victor e Laurel partem para a
demonstração do teste estatístico que realizaram para cada um dos axiomas que
refutam. A principal ferramenta que utilizaram para determinar a relação (ou a
falta dela) é o diagrama de dispersão. Em primeiro lugar, testaram o período de
um ano: as ações deveriam cair quando os lucros estão para baixo, certo? Mas, na
prática, o oposto acontece: quando a carteira de ações do S&P 500 (o principal
índice de ações norte-americano) tem um lucro positivo reportado no ano, nesse
mesmo ano o S&P 500 tende a mostrar um desempenho pior do que a média;
quando os lucros reportados caem no ano, o S&P 500 tende a apresentar um
resultado acima da média...
Eles estudaram um total de 65 anos, dos quais em 22 as empresas
apresentaram uma queda nos lucros. O retorno médio do S&P500 em cada um
desses anos de queda dos lucros foi uma alta de 14,2%, o que é incrível,
especialmente quando comparados com os anos de alta dos lucros, em que o
retorno foi de apenas 4,9%.
Após testar o resultado do S&P 500 versus os lucros reportados no período de
um ano, eles testaram as relações trimestre a trimestre. Uma vez que
encontraram retornos inesperados em anos de queda dos lucros, a pergunta que
surgiu era se as relações baseadas em números trimestrais apresentariam um
resultado diferente. A resposta é não. Se os lucros sobem em um trimestre, o
S&P tende a apresentar um desempenho abaixo da média no trimestre seguinte.
Se os lucros caem no trimestre, o S&P apresenta um desempenho superior no
trimestre seguinte...
Mas havia ainda mais elementos para testar. Em seguida, partem para o ataque
do índice preço/lucro, talvez o maior bastião dos fundamentalistas. A primeira
dificuldade que tiveram foi a de eliminar as discrepâncias encontradas: muitas
companhias não reportam seus dados até a metade de abril – em função disso, é
difícil determinar se um número de P/L para a carteira do índice (S&P500)
reflete os últimos 12 meses de lucros ou os lucros do ano-calendário. Outro
problema é que os lucros podem ser revisados futuramente... E então os dados
originalmente reportados acabam muitas vezes sendo bem diferentes daqueles
que aparecem nas publicações, nos sumários, nos arquivos de preço e na base de
dados muitos anos depois.
Além disso, seus estudos revelaram que a relação P/L (preço/lucro) é, no
mínimo, nebulosa: os P/L de 30 que prevaleceram em 1929 são sempre citados
como indicativos de resultado inferior para os anos subsequentes, mas no início
de 1970, quando o P/L do S&P 500 era apenas 16, o retorno anualizado dos
cinco anos seguintes foi -6% ao ano. No início de 1994, o P/L era 21,3 – e o
retorno anualizado dos cinco anos seguintes foi de 21%!
Outro fator importante ao analisar a relação entre os lucros e o preço da ação é
a ocorrência da chamada “contabilidade criativa”, na qual a empresa
deliberadamente tenta colorir a pílula reportando resultados falsos.
No tópico Benjamin Graham: mythical market hero, Victor e Laurel tratam
nada mais, nada menos do que de Graham, autor dos livros Security analysis e
The intelligent investor, entre outros.
Benjamin Graham pregava que o segredo para ter sucesso nos investimentos
era comprar ações de empresas que estivessem aproximadamente 50% abaixo de
seu valor real de mercado (valor patrimonial). Aqui começam as dificuldades. Se
isso fosse possível, os próprios diretores, o CEO, ou os banqueiros da empresa a
comprariam no ato e a liquidariam em seguida, embolsando um significativo
prêmio.
De acordo com Niederhoffer, poucas pessoas sabem que os fundos de
investimento que o próprio Graham gerenciava não tiveram um desempenho
condizente com sua teoria no período pós-1929. Após ter finalizado 1928 com
60% de retorno, ele perdeu 20% em 1929 e 50% em 1930. Em 1931, ele
perdeu 16% e, em 1932, 3%. Além disso, quando o índice Dow Jones subiu
para o patamar de 100 pontos, Graham ficou desconfortável em investir num
mercado tão sobrevalorizado... Só que o Dow Jones nunca caiu abaixo de 100
pontos a partir de 1942, e isso o manteve permanentemente na defensiva.
Quando o índice atingiu 300 pontos, ele começou a se afastar paulatinamente
dos investimentos e a aconselhar seus estudantes contra investir em um mercado
tão alto. Em 1956, quando o Dow bateu em 500 pontos, Benjamim Graham
afastou-se definitivamente do mercado. (Acreditando que o índice Dow Jones
estava muito caro a partir do patamar de 100 pontos, o que ele diria se soubesse
que em 2007 o índice alcançaria a máxima histórica de 14.198 pontos?)
Há também outra história interessante sobre os investimentos feitos por
Graham. Conforme ele mesmo escreveu, Geico foi um investimento que ele fez
sem seguir seus próprios métodos... O que se seguiu foi que essa empresa – que
ele depois vendeu a Warren Buffett – foi responsável por uma parte generosa de
seus resultados de investimento (assim como permaneceu dando lucro também a
Buffett, após sua compra).
Mas há outra forma de avaliar a aplicação completa das teorias de Benjamim
Graham nos dias de hoje. Como se sairia um fundo de investimento que seguisse
sua filosofia de investimento? O exemplo mais próximo de que temos referência
é o fundo Rea-Graham, fundado em 1976 e extinto em 1998, com um valor de
apenas 3,6 milhões de dólares em ativos. No período final de apuração, o
desempenho do índice S&P 500 ultrapassava o do fundo Rea-Graham em mais
de seis vezes.

5.1.2 Buffett: muito mais do que Coca-Cola


Dizem que a bebida preferida de Warren Buffett é a Cherry Coke (uma versão
da Coca-Cola com sabor de cereja que não pegou aqui no Brasil). Afinal, sendo
um dos acionistas da empresa, ele dá o exemplo. Mas, assim como ele
naturalmente deve beber outras bebidas além da Cherry Coke, suas estratégias de
investimento incluem mais elementos do que ter comprado Coca-Cola para
segurar para sempre.
No livro Trade like Warren Buffett, James Altucher revela um lado
praticamente desconhecido das estratégias operacionais do oráculo de Omaha.
“... eu não consigo pensar em ninguém que tenha operado e investido com um grupo mais diverso
de estratégias nos últimos cinquenta anos. (...) Muitas delas seriam normalmente pensadas como
sendo estratégias de “trading” ao invés do investimento comprar-e-segurar pelo qual Buffett é
famoso.” – Altucher, James, em Trade like Warren Buffett.
E ele segue descrevendo as estratégias utilizadas por Buffett, que são de uma
sofisticação não acessível ao grande público, tais como a utilização do FED
Model, estratégias utilizando conversíveis (obrigações de débito que podem ser
convertidas em ações), arbitragem em fusões e aquisições, arbitragem de renda
fixa etc. Tudo isso contraria a imagem pacata de um senhor que passa os dias
lendo relatórios anuais de empresas para identificar bons investimentos. Do
modo que é descrito por Altucher, Warren Buffett está mais para um gestor de
hedge fund do que qualquer outra coisa.
Há quem defenda a ideia de que a análise fundamentalista funciona melhor –
ou talvez somente – nos períodos de alta do mercado, os chamados bull markets.
Se for esse realmente o caso, conforme o analista russo naturalizado norte-
americano Vitaly Katsenelson, o último mercado de alta começou em 1982 e foi
encerrado em 2000 (auge da bolha da internet). A partir daí, ele afirma, o
mercado entrou em uma fase que chama de range-bound market, ou mercado
“lateral”, com períodos de alta sendo revezados com períodos de queda.
Sua tese está exposta no livro Active value investing. O ativo do título (active)
demonstra sua abordagem de não acreditar na estratégia de “comprar e segurar”.
Como gestor de investimentos, ele prefere comprar uma ação quando observar
que está subvalorizada – mas livra-se dela logo que o valuation demonstra que já
alcançou o patamar de valorização considerado justo.
Ainda segundo ele, esse último “bull market”, que durou 18 anos, seria seguido
por um período mais ou menos longo (cerca de 12 a 17 anos) de mercado
lateral, no qual investir em valor não é suficiente – sendo preciso também uma
estratégia de timing para aproveitar os momentos de valorização que ocorrem
dentro do range ou limite do mercado. Em outras palavras, um mercado “de
lado” tem meses de alta e de queda – desse modo, além de escolher
adequadamente as empresas para investir (valor), é necessário também saber
quando e por quanto tempo (timing).
O gráfico da figura 5.1 mostra que períodos longos de mercado lateral
(sinalizados pelos retângulos) não são uma raridade no mercado norte-
americano. As áreas indicadas possuem preços estagnados ao redor do mesmo
nível.
Figura 5.1 – DJI, gráfico mensal desde 1929. Fonte: Profit Chart.
Como a abordagem preferida dos fundamentalistas é a de “comprar e segurar”,
perguntamos: você estaria confortável em investir em uma ação ou carteira de
ações... e ter de esperar 19 anos até elas darem lucro? Pois foi o que aconteceu do
período de 1962 a 1981. O índice de mercado (Dow Jones Industrial Average)
oscilando para cima e para baixo ao longo de um eixo horizontal. Ganhava-se
num período, perdia-se no seguinte, ganhava-se de novo, perdia-se de novo... E
o mercado só foi sair dessa congestão a partir de 1982, dando origem ao bull
market ou mercado de alta, que durou, segundo Katsenelson, até o ano 2000.
Situação semelhante ocorreu também de 1935 a 1949, com os preços
oscilando de forma horizontal durante 14 anos.
Vitaly tem uma visão diferente da de Victor e Laurel, e inclui o índice P/L em
seus cálculos para estimar a chegada de um range-bound market. Ele realmente
acredita que, quando as ações que compõe os índices norte-americanos ficam
caras demais, o mercado tenta corrigir essa anomalia... Oscilando sem sair do
lugar durante vários anos. Talvez ambos (Vitaly e Victor) estejam olhando para o
mesmo fenômeno a partir de ângulos diferentes.
O problema relacionado a um mercado lateral é que, além de não produzir
lucro durante um longo período de tempo, seus movimentos de queda são fortes
o suficiente para quebrar investidores individuais e fundos de investimento.
Recentemente, tivemos essa ocorrência nos anos 2000, 2001, 2002 e 2008. Isso
coloca os fundamentalistas diante do problema do timing: não basta saber onde
está o valor, é preciso identificar também o momento adequado para investir.
Uma referência interessante nesse aspecto (além do próprio Katsenelson) é a
obra do gestor (e ph.D. em economia) Martin Zweig. Seu livro Winning on Wall
Street traz elementos importantes para o investidor aprender a se posicionar em
momentos do mercado que possam conduzir ao lucro mais rapidamente. Ele
utiliza um modo próprio de gerir recursos baseado não somente em quais
empresas se deve investir (onde está o valor), mas também buscando o contexto
de mercado adequado para isso, utilizando a combinação de indicadores
monetários e de momentum, os quais ele descreve no livro. Zweig é talvez o
primeiro dos fundamentalistas que advogou a necessidade de não lutar contra o
mercado – ao invés disso, demonstrou que é preciso aguardar o momento mais
propício em que a precificação do valor pode ocorrer.
A questão de buscar o momento adequado para iniciar ou reforçar
investimentos deve-se ao fato de que, num período de negatividade generalizada
(como na crise de imobiliária e de crédito que eclodiu em 2008), praticamente
todas as ações do mercado caem ao mesmo tempo, mesmo que sejam de
empresas sólidas, bem administradas, com negócios gerando lucro (ou seja,
empresas de valor).
O que causa uma queda generalizada do mercado? E por que as empresas que
mantêm seu valor têm suas ações desvalorizadas juntamente com as outras?
Essas podem certamente ter sido perguntas feitas por investidores
fundamentalistas no período de junho a outubro de 2008. A questão é que o
mercado, sendo um fenômeno complexo, leva em consideração muitas outras
variáveis além da valoração das empresas. Por exemplo, atualmente os mercados
mundiais estão conectados por meio de negociação eletrônica: podemos, do
Brasil, comprar e vender ações norte-americanas, alemãs, chinesas, e nas
diferentes Bolsas de todo o mundo. O inverso também é verdadeiro: o mundo
inteiro pode negociar no nosso mercado. Dado que isso acontece, é preciso
compreender que o “grande” dinheiro está espalhado pelo mundo inteiro, ou
seja, megainvestidores ou megaespeculadores operam ao mesmo tempo nos
principais mercados do mundo. Desse modo, é praticamente a regra que um
movimento importante que comece num dado mercado se espalhe rapidamente
para os outros, às vezes com diferença de poucos minutos.
A dificuldade em aplicar a análise fundamentalista sem uma referência de
timing em um período de queda da Bolsa pode ser exemplificada de forma
dramática pela trajetória do chamado “Buffett brasileiro”. Nascido na Coreia e
naturalizado no Brasil, Mu Hak You, após ter ocupado cargos de diretoria em
diversos bancos, abriu um negócio próprio e criou uma factoring em São Paulo.
O passo seguinte foi criar a GWI, uma gestora de investimentos cujos fundos
foram sucesso absoluto durante anos seguidos... Até quebrar em 2008. A figura
5.2 destaca uma reportagem sobre Mu Hak You e a figura 5.3 sobre o
fechamento do GWI.
Figura 5.2 – Matéria da Exame sobre Mu Hak You (4/9/2008).
Figura 5.3 – Matérias (Fazenda Net e Folha Online) sobre o fechamento do GWI (8/10/2008).
Os fundos GWI foram reabertos após um mês de fechamento e em 2011
foram novamente fechados para resgate. Em sete dias, o prejuízo foi notável: seu
patrimônio foi reduzido de 1,87 bilhão de reais para 114 milhões de reais2.
O caso mais grave é do GWI Private, que precisa de um aporte de capital dos investidores de R$
27 milhões para pagar suas dívidas no mercado, em especial com três corretoras, que assumiram os
débitos nas operações do fundo, segundo comentários de analistas (...) Até sexta-feira, os cotistas
do Private não haviam cumprido a determinação de depositar os valores adicionais para cobrir o
rombo do fundo, que está inadimplente na BM&FBovespa. Se isso não ocorrer, será a primeira vez
que os investidores de um fundo poderão ser cobrados por via judicial pelos credores (...) Mu Hak
não poderá, porém, fazer resgates expressivos, pois isso acabaria por pressionar demais o preço das
ações que estão nas outras carteiras ou levar o BNY Mellon a fechar de novo os fundos.
Valor online3

5.2 Se você não pode vencer o mercado, junte-se a ele...


É exatamente isso que prega Charles Ellis, em seu livro Winning the loser´s game.
Analisando o histórico do mercado e das empresas gestoras de investimento, ele
chegou às seguintes conclusões:
a. Existe, no caso do mercado de ações, um upward drift ou um movimento
para cima no longo prazo, em razão de que somente permanecem com o
capital aberto as empresas que, obviamente, não faliram ou encerraram suas
atividades.
b. No caso do índice de ações (Ibovespa, no Brasil), que é representativo da
fatia mais “saudável” do mercado, esse movimento para cima no longo prazo
é mais provável de ser acompanhado do que se escolhêssemos uma ação
específica, a qual pode apresentar rentabilidade inferior à média do mercado.
c. 85% dos gestores de fundos de ações que gerenciam ativamente suas
carteiras apresentam uma rentabilidade anual inferior ao índice do mercado.
d. Os 15% que superam o mercado o fazem revezando-se nas primeiras
posições – o que significa que um gestor que teve um desempenho superior
nesse ano pode muito bem no ano seguinte (ou nos anos seguintes)
apresentar um rendimento inferior ao do índice.
Em função dessas constatações, ele advoga uma metodologia de investimento
muito simples, não somente para os leigos do mercado, mas também para os
gestores profissionais: simplesmente permanecer comprado no índice, para longo
prazo.
Isso significa deixar de lado quaisquer tentativas de escolher ações que possam
ter desempenho superior, ou tentar adivinhar em quais momentos permanecer
comprado e em quais permanecer de fora do mercado – pois ele acredita que
nenhum gestor consegue acertar sempre.
Para aqueles que desejam seguir essa metodologia, lembramos que o
investimento em índice futuro tem maior risco, dado que tem uma alavancagem
embutida (pois só se deposita o valor de margem) de aproximadamente cinco
vezes. Investindo em ações, se o mercado cai 20% e você permanece na
operação, quando ele retornar ao zero a zero, você não perdeu nada. Em ações, o
prejuízo só é efetivamente concretizado ao encerrar a posição. Operando índice
futuro é diferente, pois ele tem liquidação financeira diária, mesmo com a
posição aberta (trade em andamento). Ou seja, todos os dias o lucro ou o
prejuízo são efetivamente compensados: se você ganhou, o dinheiro entra na sua
conta na manhã seguinte, se perdeu, sai dela na manhã seguinte também. Soma-
se a isso a alavancagem de cinco vezes, quando o mercado cair 20%, seu capital
evaporou... (20% negativos x 5 de alavancagem = 100% negativos).
É por isso que Charles Ellis sugere que se invista no ETF (Exchanged Traded
Fund ou fundo negociado em Bolsa) do índice4. Pois o ETF é apenas uma
ação... É a ação do fundo cuja carteira se iguala à do índice. Nesse caso, basta
comprar essa e você estará comprando o equivalente à carteira completa do
índice (no nosso caso, o Ibovespa), sem ter que se preocupar em ficar
recalculando pesos e comprando as 65 ações que o compõem.

5.3 Análise técnica: utilizando o histórico visual do preço


A favorita dos chamados traders técnicos, essa forma de análise é também a mais
comumente encontrada e a mais acessível ao público, em virtude do farto
material encontrado na internet.
Enquanto a análise fundamentalista demanda um estudo detalhado das
condições financeiras, contábeis, mercadológicas etc. de uma empresa ou setor, e
a análise quantitativa exige um conhecimento de matemática superior (estatística
ou econometria), a chamada análise técnica atrai o público por sua simplicidade,
seu fácil aprendizado e apelo visual.
Para darmos um exemplo, tente extrair algum significado da série temporal
(período diário, agosto a outubro de 2010) do Ibovespa futuro (Tabela 5.1):
Tabela 5.1 – Ibovespa futuro
Ano Mês Dia Abertura Máxima Mínima Fechamento
2010 8 4 70510 71250 70148 70992
2010 8 5 71069 71225 70557 71225
2010 8 6 71328 71328 70220 70779
2010 8 9 71038 71178 70241 70246
2010 8 10 69848 70055 69480 69822
2010 8 11 68947 69071 68067 68088
2010 8 12 68000 68471 67601 68305
2010 8 13 68119 69019 68057 68440
2010 8 16 68155 69294 68119 69227
2010 8 17 69615 70189 69361 70003
2010 8 18 69708 69942 69158 69769
2010 8 19 69743 69835 68833 68945
2010 8 20 68751 68970 68324 68874
2010 8 23 69204 69321 67902 67927
2010 8 24 67408 67581 66874 67200
2010 8 25 66971 67103 65969 66635
2010 8 26 66839 67108 65378 65434
2010 8 27 65572 67474 65572 67403
2010 8 30 67347 67347 65969 66035
2010 8 31 65475 67032 65475 66884
2010 9 1 67510 69026 67342 69006
2010 9 2 69077 69087 68156 68517
2010 9 3 68487 69545 68141 68182
2010 9 6 68578 68904 68065 68380
2010 9 8 67815 68151 67714 68151
2010 9 9 68263 68563 67998 68197
2010 9 10 68375 68619 68187 68619
2010 9 13 69392 69896 69026 69759
2010 9 14 69626 69952 69255 69413
2010 9 15 69291 69820 68741 69779
2010 9 16 69494 69647 69143 69377
2010 9 17 69555 69601 68609 68640
2010 9 20 68914 69962 68640 69911
2010 9 21 69901 69901 69108 69352
2010 9 22 69087 70227 68965 70196
2010 9 23 69647 71316 69515 70395

2010 9 24 71224 71499 69647 70044


2010 9 27 70206 70613 69555 70364
2010 9 28 70359 71107 70003 70924
2010 9 29 70939 71204 70476 70909
2010 9 30 70736 71422 70532 70847
2010 10 1 71214 71926 70644 71829
2010 10 4 71529 72084 71346 71738
2010 10 5 72018 72750 71941 72715
2010 10 6 72872 72994 71677 71885
2010 10 7 71987 72308 70552 71254
2010 10 8 70919 72170 70766 72068
2010 10 11 72048 72425 72043 72130
2010 10 13 72890 73320 72610 73050
2010 10 14 73180 73450 72445 72940
2010 10 15 73095 73540 72540 73150
2010 10 18 72875 73040 72490 72660
2010 10 19 72150 72150 70640 70690
2010 10 20 71035 71840 70850 71490
2010 10 21 71725 71980 69920 71050
2010 10 22 71050 71250 69715 70390
2010 10 25 70800 71145 70320 70600
2010 10 26 70350 71830 70050 71715
2010 10 27 71280 71830 70980 71350
2010 10 28 71670 72325 71070 71200
2010 10 29 71050 71730 71050 71550
Se você, num primeiro momento, achou difícil ou contraintuitivo entender
essa série de números, não fique preocupado: você não está sozinho. Poucas
pessoas têm um raciocínio puramente matemático, no qual uma série de
números expressa imediatamente as relações que contém.
A grande maioria das pessoas tende a ser mais visual. Para entender o que isso
significa, observe a mesma série temporal da tabela 5.1 traduzida em forma de
gráfico (Figura 5.4), no qual cada barra desenhada é uma das linhas acima ou dia
de negociação.
O resultado é que imediatamente compreendemos o que aconteceu: em
agosto, o preço do índice caiu durante o mês todo (observe como a última barra
de agosto está bem abaixo da primeira); em setembro, o preço subiu durante
todo o mês (aqui é o contrário: a última barra do mês está posicionada acima da
primeira) e; em outubro, o preço oscilou para cima e para baixo, mas não saiu do
lugar, permanecendo lateral (observe como a última barra está no mesmo nível
de preço da primeira do mês).
Figura 5.4 – Ibovespa futuro – gráfico.
Em 1948, John Magee lançou o livro de referência Technical analysis of stock
trends, a chamada “Bíblia” da análise técnica. Praticamente todos os livros de
análise técnica que se seguiram constituíam-se de reapresentações, revisões e
comentários dessa obra.
Nele, Magee define diversos parâmetros de avaliação do mercado, de acordo
com a análise técnica. O primeiro ponto é a chamada teoria de Dow, que
estabelece que o mercado movimenta-se em tendências ou regimes prolongados
em que o preço se desloca de forma simétrica.
Para ilustrar o conceito, a figura 5.5 é o gráfico diário do índice futuro, com
indicação de períodos de queda, mercado lateral e de alta. Enquanto uma
tendência de alta (linha ascendente à direita, no gráfico) seria uma série de preços
com topos e fundos ascendentes, a tendência de baixa (linha descendente à
esquerda) seria o inverso: uma série de topos e fundos descendentes. A tendência
lateral (retângulo) ocorreria quando o mercado faz topos e fundos numa
perspectiva horizontal:

Figura 5.5 – Gráfico diário do índice futuro.


John Magee descreveu também padrões de preço (as chamadas figuras de
análise técnica) que, segundo ele, estariam por trás de importantes movimentos
do mercado. Eles atendem por nomes bastante peculiares: pivô de alta, pivô de
baixa, ombro-cabeça-ombro (não esquecendo o ombro-cabeça-ombro-
invertido!), triângulo (com suas variações ascendente e descendente), cunha,
bandeira (e a menorzinha, chamada flâmula) etc. Alguns exemplos de figuras
(flâmula, ombro-cabeça-ombro e pivô de alta) estão ilustrados na figura 5.6.
Figura 5.6 – Figuras padrão da análise técnica.

5.3.1 “La media è mobile...”


Possivelmente, a primeira ferramenta que um analista técnico aprende a utilizar é
a média móvel. De fácil compreensão e manejo, elas proporcionam ao trader
iniciante muitas possibilidades de uso. Basicamente, a média móvel é um
indicador derivado do próprio preço, no qual a média dos preços de certo
período (escolhido pelo trader) é desenhada no gráfico para proporcionar
comparação quanto à posição do preço atual em relação ao seu histórico recente.
Observe o gráfico da figura 5.7 somente com os preços (acima, na figura) e
depois observe o mesmo gráfico com uma média móvel (abaixo, na figura).
Perceba a diferença entre os dois:

Figura 5.7 – Ibovespa futuro com e sem média móvel aritmética de 15 períodos.
O que se observa é que imediatamente os preços caem em duas categorias:
acima da média móvel e abaixo dela. A primeira conclusão disponível é a de que:
1. Os preços permanecem em um movimento ascendente ou de valorização
enquanto estiverem acima da média móvel;
2. Os preços permanecem em movimento descendente ou de desvalorização
enquanto permanecerem abaixo da média móvel.
O analista técnico iniciante logo imagina que, para aproveitar a valorização dos
preços e evitar ser pego por sua desvalorização, bastaria comprar quando o preço
ficasse acima da média móvel e vender quando ele caísse abaixo dela. (Ah, o
poder!)
E ele começa a fazer justamente isso, sem nem mesmo testar essa estratégia nos
períodos anteriores, porque a lógica é evidente.
Então, os problemas começam... Ele faz alguns trades muito bons, mas, em
seguida, o mercado entra em um novo ciclo e as próximas operações começam a
dar errado, levando embora o lucro inicial. Ele começa a ser pego em
movimentos de mercado nos quais a entrada e a saída – baseadas na média móvel
– passam a gerar um stop atrás do outro, pois a entrada acima dela e saída abaixo
passam a gerar rendimento negativo. Na figura 5.8, os retângulos representam
momentos em que operar com a média móvel levaria a entradas e saídas
malsucedidas em sequência.

Figura 5.8 – Entradas e saídas usando a média móvel.


Nesse momento, o técnico começa a considerar que talvez fosse melhor fazer
um estudo histórico do desempenho dessa média móvel.
Ele logo descobre que essa periodicidade não funciona em toda a série de
preços: em certos momentos, a média não proporcionava bons trades porque sua
periodicidade não estava adequada ao momento. Era preciso ajustar uma
periodicidade diferente para captar o movimento daquela ocasião.
Lá vai o técnico ajustar a média móvel e testá-la no período em que teve
problemas com a média original. Em vez da periodicidade de 15, passa a usar a
de 5, mais rápida. O resultado se vê no gráfico da figura 5.9: entradas e saídas
mais justas ou rápidas em razão do uso de uma média móvel com periodicidade
menor (cinco períodos).

Figura 5.9 – Entradas e saídas mais justas ou rápidas.


Agora, sim! Bastava uma média mais curta para entrar e sair das operações mais
agressivamente e evitar ser mastigado pelo movimento lateral do mercado...
O técnico fica imensamente feliz com sua capacidade de adaptação e desfruta
vários trades bem-sucedidos em sequência.
Até que algo impensável acontece: a mesma média móvel que permitiu a ele se
adaptar tão bem ao mercado, agora, gera o seguinte problema – ele sai da
operação muito cedo, no zero a zero ou até com prejuízo, justamente em trades
que seriam mais longos, com possibilidade de grande lucro. A figura 5.10 mostra
como o uso da média mais curta gera mais entradas e saídas e deixa o trader de
fora dos movimentos mais longos.

Figura 5.10 – O uso da média mais curta.


O que percebemos aqui é que, após a compra em março, a melhor política
seria a de segurar firme, até o final de junho. No entanto, o uso de uma média
móvel mais curta, gerando uma abordagem mais agressiva, fez com que houvesse
diversas operações em que a saída estava muito próxima da entrada, em termos
de tempo, e com valor abaixo do valor da entrada, gerando prejuízo.
O técnico se vê aqui diante de um novo problema de otimização da estratégia
de médias móveis, de modo que volta ao quadro-negro, por assim dizer, para
formular uma estratégia mais adequada.
Então ele descobre que o verdadeiro modo de operar com médias móveis é usar
a combinação de duas (ou mais), para criar um filtro adicional, conforme
podemos ver no exemplo da figura 5.11:

Figura 5.11 – Gráfico com o uso de duas médias móveis (5 e 30 períodos).


Novamente, o técnico fica surpreso com sua capacidade de raciocínio e
adaptação, e inicia uma busca frenética pela combinação ideal de médias móveis
para compor o seu sistema:
1. Quantas ele deve utilizar?
2. Duas são suficientes ou seriam necessárias mais?
3. Qual a periodicidade ideal para cada uma?
4. Elas devem ser aritméticas, exponenciais, com peso?
5. Deslocadas ou não deslocadas?
6. Quais devem ser as regras de entrada e saída?
7. E quando as médias estiverem em uma configuração “X” e o preço realizar
um movimento acima ou abaixo?
8. O preço em termos absolutos ou o preço de fechamento do dia?
9. E se a entrada e a saída devessem ser ditadas pelo cruzamento das médias?
10. Usa-se, nesse caso, o cruzamento “puro” ou vinculado a algum padrão de
preço?
11. De novo, preço absoluto ou preço de fechamento do dia?
O que o analista técnico terá dificuldade em perceber é que existem infinitas
combinações possíveis e que o santo graal estará sempre na próxima combinação –
jamais ao alcance dele. Mas esse, para ele, é o aspecto positivo.
O aspecto negativo é descobrir que o uso de médias móveis simplesmente não
funciona...
Na verdade, já descobriram isso: em 1969, Larry Williams preparou um estudo
para o seu newsletter “The Williams reports”, sobre trading utilizando médias
móveis. Seus resultados, na mesma linha dos produzidos pela Universidade de
Chicago, demonstraram ser impossível fazer dinheiro operando cruzamento de
médias móveis.
Em fevereiro de 1979, foi a vez de o banco de investimentos Merrill Lynch
realizar um estudo extenso sobre médias móveis, bem como seu derivado, o
chamado canal de preços. Além de estudar médias móveis simples (aritméticas),
eles estudaram as exponenciais, com peso, bem como cruzamento de médias. Em
um dos estudos, foi analisado o cruzamento da média de três períodos contra a
de 26. O resultado pode ser visualizado na tabela 5.2 e é bastante
impressionante: lucro em todas as commodities testadas.
Tabela 5.2 – Resultado da pesquisa
Resultado
Commodity Número de Trades Número de Trades Positivos
(em dólares)
Prata 100,790.00 661 262
Soja 286,440.00 311 148
Porco 13,124.00 226 100
Gado 147,540.00 792 337
Porém, utilizando os mesmos parâmetros, o resultado no período seguinte foi
decepcionante, com prejuízo em todas elas (vide tabela 5.3).
Tabela 5.3 – Resultado da pesquisa
Resultado
Commodity Número de Trades Número de Trades Positivos
(em dólares)
Prata -7,800.00 173 88
Soja -2,300.00 119 43
Porco -760 78 42
Gado -230 18 11
No Brasil, vários instrutores de análise técnica despejam em seus alunos a
proposição de que o uso de médias móveis leva a resultados lucrativos. Se esse for
o seu caso, sugerimos discutir de modo mais aprofundado esses tópicos com seu
instrutor antes de colocar seu capital em risco. Quanto dinheiro seu instrutor
lucrou nos últimos três meses utilizando para si tais métodos? Qual foi seu
desempenho no último ano? Ou, ainda, proponha pagar pelo curso com uma
porcentagem do lucro que você obtiver na utilização do método...
Niederhoffer coloca uma pedra sobre o assunto:
“Sem mencionar que é extremamente espúrio e perigoso para a sua carteira ver ciclos em médias
móveis. Isso é devido ao Efeito Slutsky-Yule, uma consequência do retorno à média, criando falsos
ciclos.”
O The Oxford dictionary of statistical terms define o Efeito Slutsky-Yule da
seguinte forma:
“Um efeito na geração de médias em séries aleatórias estudado de forma independente por Slutsky
e por Yule. Se uma média móvel é aplicada a tais séries, elas contêm ondulações de forma
aparentemente sistemática.”
Para sermos exatos, análise técnica tem muito mais elementos do que vimos até
aqui. Suas teorias se multiplicam: teoria das ondas de Elliot; ângulos de Gann;
retrações e extensões de Fibonacci; Fibonacci no tempo; padrão xícara; fundos
arredondados; topos arredondados; Andrew’s pitchfork; bandas de Bollinger;
Keltner channels; oscilador estocástico; oscilador índice de força relativa; suas
ramificações são legião.

5.3.2 Um duro golpe


Não saiu nos noticiários, mas o que se vê hoje em dia em livros, publicações
diversas, websites, cursos e palestras com o nome de “análise técnica” levou um
golpe forte após Larry Williams – em seu livro Long term secrets to short-term
trading – ter apresentado uma falha no raciocínio de que padrões grafistas
indicam relações de oferta e demanda.
Relembrando alguns conceitos básicos de análise técnica, temos:
1. A teoria de que o preço desconta tudo, portanto o preço (ou melhor, seu
gráfico) seria a única ferramenta realmente indispensável ao trader;
2. O preço deixa padrões recorrentes impressos no gráfico, geralmente com
forma de figuras geométricas ou simétricas (triângulo, cunha, flâmula,
ombro-cabeça-ombro);
3. Esses padrões indicam oferta e demanda, sendo, portanto, preditivos ou
possibilitando estimar mais ou menos precisamente o movimento imediato
futuro dos preços.
Os dois primeiros conceitos são claros. Concordamos que os preços são a
verdade final do mercado (porque são o somatório de todas as interações
humanas que ocorrem nele) e, também, deixam no gráfico padrões recorrentes,
passíveis de observação.
O que Larry Williams apresentou é que os padrões de preço não são
necessariamente indicativos de oferta e demanda. Reconstituindo sua linha de
raciocínio, se observarmos o gráfico da figura 5.12, vemos um belo exemplar do
padrão ombro-cabeça-ombro.
Figura 5.12 – Gráfico gerando um padrão ombro-cabeça-ombro.5
Mas tal gráfico (Figura 5.12) não é de uma ação... É do jogo de cara ou coroa
(série aleatória)...
Já na figura 5.13, temos um ombro-cabeça-ombro logo no início (à esquerda),
seguido por um movimento de queda, uma reversão (martelo), seguida de uma
tendência de alta, uma flâmula, um rompimento para cima e uma reversão em
“M” gerando queda, novamente um martelo causando reversão e um
movimento de congestão lateral.
Esse gráfico (Figura 5.13) pertence a alguma ação ou índice de mercado?
Não... É o gráfico da temperatura diária (máxima e mínima diária) da cidade de
São Francisco, na Califórnia.
Figura 5.13 – Gráfico gerando diversos padrões de análise técnica.6
Essa é uma constatação e tanto! Significa que, como esses padrões são
encontrados também em séries aleatórias, não sujeitas às leis de oferta e
demanda, não podem representar necessariamente condições preditivas de preço.
Sim, você está entendendo corretamente: quando o preço da ação sobe após
um triângulo, pode ter sido pura coincidência...
Mas a mente humana é hábil em defender suas crenças – nas ocorrências em
que o padrão falha (no exemplo, o preço caindo após a aparição de um
triângulo), um grafista pode rapidamente vestir um manto de sabedoria da
humildade e dizer: “Mas não existe nada que funcione sempre!”
A questão não é funcionar ou não sempre. Existem relações reais, preditivas,
que não funcionam todas as vezes. Isso, além de um fato, é uma obviedade.
Os padrões gráficos, como demonstrado por Larry Williams, não indicam
necessariamente oferta e demanda. Portanto, qualquer confirmação deles pelo
movimento seguinte de preço é enviesada. Entendemos que as afirmações
anteriores são possivelmente contraintuitivas, especialmente para quem já viu os
padrões funcionarem.
Entendemos também que é difícil acreditar em algo que, à primeira vista, é
contraintuitivo, assim como também é difícil não acreditar em algo que parece
fazer sentido. Isso ocorre porque nossa mente está configurada, por assim dizer,
para encontrar significado mesmo onde ele não existe. Assim como,
parafraseando Spinoza, a natureza detesta o vácuo, também nossa mente detesta
a falta de significado ou o vácuo conceitual.
Para darmos um exemplo da capacidade humana de encontrar significado onde
não existe nenhum, chamamos à roda um teste psicológico bastante conhecido:
o teste de Rorschach.
O teste de Rorschach é um teste projetivo. Ou seja, é dada ao paciente uma
série de desenhos (mais parecem manchas de tinta), sem significado algum, e
pede-se que ele os interprete. A figura 5.14 é um exemplo de prancha utilizada
nesse teste.

Figura 5.14 – Exemplo de prancha utilizada no teste de Rorschach.


Dado que as manchas não têm significado, qualquer interpretação
necessariamente manifesta conteúdos psíquicos e cognitivos do próprio paciente.
Conforme a Wikipédia7:
“O teste de Rorschach, como todos os testes projetivos, baseia-se na chamada hipótese projetiva.
De acordo com essa hipótese, a pessoa a ser testada, ao procurar organizar uma informação
ambígua (ou seja, sem um significado claro, como as pranchas do teste de Rorschach), projeta
aspectos de sua própria personalidade.”
No caso da análise de padrões gráficos, não iríamos tão longe a ponto de dizer
que o grafista projeta aspectos de sua própria personalidade, porém, certamente é
induzido a crer que este ou aquele padrão significam indicação de compra ou de
venda, especialmente se essa indicação estiver alinhada com sua própria
expectativa ou seu desejo.
Em outras palavras, se o indivíduo quer comprar uma ação, ele poderá filtrar as
informações do mercado de modo a confirmarem seu desejo de compra. Da
mesma forma, se o indivíduo, por algum motivo, estiver apreensivo ou com
medo – e posicionado na compra – e, portanto, desejando vender, ele
possivelmente filtrará os dados fornecidos pelo mercado para justificar seu anseio
de sair do trade.
Mas, e quando os padrões funcionam? Nassim Nicholas Taleb alerta: “Não dê
para as pessoas um mapa errado, porque elas vão usar!”, citando uma anedota em
que um pelotão do exército suíço se vê perdido nos Alpes e, quando finalmente
conseguem chegar à base, alguém os faz ver que o mapa que estavam usando não
era dos Alpes, mas dos Pireneus!
Além disso, tendo se tornado tão universalmente acessível (existem cursos
gratuitos de análise técnica na internet), a análise técnica pode ser utilizada como
instrumento de fading por parte dos grandes players.
Fading significa operar contra o sinal que se apresenta. É o mesmo conceito de
fazer o oposto do instinto de manada. Dando um exemplo, quando um padrão
muito claro de análise técnica aparece no gráfico, algum player pode utilizá-lo
para operar contra o público.
Existem momentos em que a oportunidade de fading é simplesmente perfeita,
porém não é possível discernir entre um fading real e uma operação normal de
um player (ou um conjunto de operações de seus clientes) que coincidiu com
um fading. Para exemplificar esse aspecto, vamos analisar um caso de operação
contrária a um sinal, nesse caso, de VALE5 (Vale do Rio Doce ou,
simplesmente, Vale).
No período de 12 a 18 de agosto de 2010, o banco de investimentos BTG
Pactual não havia se posicionado em VALE5 o suficiente para constar na análise
intitulada “saldo” do Times and Trades (Figura 5.15).

Figura 5.15 – Saldo das transações em VALE5. Fonte: ProfitChart.


No dia seguinte, conforme podemos verificar na figura 5.16, o BTG Pactual
aparece no saldo como vendedor.
Figura 5.16 – Saldo das transações em VALE5. Fonte: ProfitChart.
Do ponto de vista da análise técnica, os ângulos desenhados no gráfico (Figura
5.16, à direita) indicam a presença de um fundo (primeiro ângulo, à esquerda,
abaixo), um topo (segundo ângulo, à esquerda, acima), e um novo fundo
(terceiro ângulo desenhado, à direita).
Essa combinação fundo-topo-novo fundo (acima do fundo anterior) configura
o setup “pivô de alta”, conforme exemplo na figura 5.17.
Figura 5.17 – Relembrando o sinal “pivô de alta”.
À direita, na figura 5.18, vemos a linha do topo anterior sendo rompida pela
atividade do preço no dia, caracterizando, assim, um rompimento do topo, no
intraday, ou seja, um sinal de compra para analistas técnicos, embora o BTG
Pactual tenha se posicionado na venda nesse dia.
Figura 5.18 – Saldo das transações em VALE5. Fonte: ProfitChart.
O que seguiu foi uma queda do mercado nos dias seguintes (de 19 a 31 de
agosto). Durante esse período, o BTG Pactual acumulou, conforme o saldo no
Times and Trades, uma posição de venda da ordem de 2.950.600 de ações
(Figura 5.19).

Figura 5.19 – Saldo das transações em VALE5 (19 a 31 de agosto de 2010). Fonte: ProfitChart.
Quando, em 1º de setembro, a ação começa a se recuperar (iniciando uma
alta), o BTG Pactual já não figurava mais no saldo do Times and Trades (Figura
5.20).
Figura 5.20 – Saldo das transações em VALE5 (19 a 31 de agosto de 2010). Fonte: ProfitChart.
Entendemos que um modo de zerar um saldo negativo (ou de venda) é
realizando a operação contrária, nesse caso, uma compra. E é exatamente isso
que observamos quando ajustamos o foco do Times and Trades para o dia 1º de
setembro, exclusivamente (ilustrado na figura 5.21). O BTG Pactual aparece
como o maior comprador do dia.
Figura 5.21 – Saldo das transações em VALE5 (1º de setembro de 2010). Fonte: ProfitChart.
Embora para os traders mais ousados possa parecer que o BTG Pactual deveria
ter recomprado a posição mais embaixo (supondo-se que se tratasse realmente
das duas pontas de um mesmo trade, e não mera coincidência), ou nos últimos
dias de agosto, em vez de tê-la recomprado mais acima, praticamente no meio da
distância entre o início e o fim da queda (que ao todo durou nove dias), convém
lembrar que para operar em volume, como diz Paul Tudor Jones, “só se consegue
sair onde o mercado permite, não onde se quer”.
De qualquer modo, parece ter sido uma operação bastante lucrativa. E contra
um pivô de alta...

5.3.3 Operando sem sinal?


Além do discutido até o momento, vale a pena destacar que muitos players
operam quantias significativas mesmo sem nenhum tipo de sinal da análise
técnica. O exemplo a seguir ilustra esse aspecto.
O contexto: reta final de 2008, ano tumultuado por severos prejuízos aos
investidores, com quedas de preço expressivas em poucos meses. PETR4 estava
fazendo a nova mínima do ano (Figura 5.22).

Figura 5.22 – PETR4 em queda, fazendo a mínima do ano até outubro (2008). Fonte: ProfitChart.
Logo em seguida, ela retoma o movimento de alta, subindo espetacularmente e
valorizando-se 42% em apenas cinco dias! Essa subida forte pode ser visualizada
na figura 5.23.

Figura 5.23 – PETR4 em subida forte (42%), após a mínima do ano (2008). Fonte: ProfitChart.
Mas o timing de comprar nesse fundo não era visível com os setups disponíveis
na análise técnica.
O dia 27 de outubro de 2008 foi um dia de forte queda. O banco Merrill
Lynch começou a comprar PETR4 (168.700 ações a um preço médio de R$
16,50 significa uma posição de aproximadamente 2,78 milhões de reais).
No dia seguinte, sua posição se acumulou ainda mais. A figura 5.24 mostra o
saldo acumulado de Merrill Lynch em PETR4 no período de 27 a 28 de
outubro (2008).
Aqui vemos (Figura 5.24, à esquerda) que a posição de compra se elevou para
545 mil ações... A um preço médio de R$ 16,50, equivale a aproximadamente 9
milhões de reais. Para resumir a história, vamos avançar alguns dias, até o final
do mês de outubro (Figura 5.25).
Figura 5.24 – Saldo acumulado de Merrill Lynch em PETR4. Fonte: ProfitChart.

Figura 5.25 – Saldo acumulado de Merrill Lynch em PETR4. Fonte: ProfitChart.


A posição do Merrill Lynch aumentou para 2.628.000 ações, o equivalente a
46,6 milhões de reais a um preço médio de R$ 18,50. Nos dias seguintes, porém
(de 3 a 11 de novembro), Merril Lynch vende 2.491.000 ações (Figura 5.26), se
desfazendo de quase toda a sua posição!
Figura 5.26 – Saldo acumulado de Merrill Lynch em PETR4. Fonte: ProfitChart.
Certamente, deveria haver um motivo para que Merrill Lynch comprasse uma
posição tamanha naquele ponto que ainda era de queda livre. Embora tenhamos
algumas hipóteses a respeito, nenhuma delas inclui o uso de análise técnica, em
razão da ausência de qualquer sinal.
Não encontramos na teoria clássica de análise técnica nem nos seus diversos
indicadores nenhuma previsão de que o momento citado seria propício para uma
virada do mercado (além disso, a alta da Petrobras coincidiu com a de outras
ações também).
Vale sempre refletir nas sábias palavras de Niederhoffer:
“Você acha que o mercado é tão bonzinho a ponto de lhe dar dinheiro porque você sabe desenhar
uma linha reta?” – Victor Niederhoffer, em Practical speculation.

5.4 Análise quantitativa: a matemática dos resultados


A análise quantitativa está bastante em voga atualmente nos altos círculos
financeiros – geralmente restrita ao departamento de research dos grandes
bancos de investimento, a empresas de asset management e a investidores
qualificados que operem com um viés mais científico.
Especialmente com a entrada em cena do trading puramente matemático, cuja
expressão mais recente e famosa é o high-frequency trading (trading de alta
frequência, no qual ordens de compra e venda são geradas em milissegundos), os
“quants”, como são chamados os analistas quantitativos, alçaram voo para postos
mais importantes – e maiores salários – no mundo financeiro.
Como vimos no capítulo 4, o mercado não é como a maior parte das áreas de
conhecimento. A fama e o reconhecimento em medicina, por exemplo, passam
pelo caminho do aval público: quem faz uma descoberta importante a traz para o
público em congressos específicos. Em muitos casos, descobertas relevantes são
batizadas com o nome de seus reveladores.
Não no mercado.
Quem descobre uma estratégia, teoria ou metodologia que funcione, gerando
resultados positivos consistentes, procura manter essa descoberta inacessível aos
outros players o maior tempo possível. Fora dos círculos acadêmicos (onde se
encontra o mesmo fenômeno da medicina, no qual os “scholars” gostam de ter
teorias batizadas com seus nomes), ou seja, na prática cotidiana de mercado, os
players tornam realidade as palavras de Ovídio: “Vive bem quem bem se esconde.”
Por isso é natural que, dentre as formas de análise disponíveis, a quantitativa,
em virtude de seu caráter de vanguarda, seja a mais nebulosa e de difícil acesso
para o público.
No entanto, Victor Niederhoffer, na década de 1960, revolucionou a análise
de mercado ao utilizar estatística na sua tese de ph.D. em Economia pela
Universidade de Chicago. Como toda novidade, seus esforços não foram bem
recebidos por seus colegas e professores na comunidade acadêmica: ele foi vaiado
durante a apresentação, ameaçado pelos colegas e alguns professores exigiram
que se retratasse. O fato é que ele estava atacando um dos pilares acadêmicos no
momento, qual seja, a teoria de random walk ou passeio aleatório, defendida
pelos economistas como sendo a verdade última do mercado, que acreditavam
ser eficiente. A sua abordagem era, em suas próprias palavras:
“Baseada em correlações, comovimentos, efeitos não estocásticos e quantificação de vieses
psicológicos persistentes.”
Se ele foi vaiado na apresentação de sua tese, depois a indústria de
investimentos passou a utilizar cada vez mais o método quantitativo ou
estatístico: “É estranho ver que você foi vaiado por algo que hoje é o mainstream e
tornou-se a base da análise moderna de investimentos.”
Vamos, então, olhar mais de perto essa forma de análise que vem conquistando
cada vez mais espaço no mercado.

5.4.1 Finança quantitativa ou trading quantitativo?


O primeiro ponto a observar é a distinção nem sempre aparente entre finança
quantitativa e trading quantitativo. À primeira vista, os dois termos parecem ser
equivalentes. Mas eles representam linhas distintas de atuação com finalidades e
objetivos particulares.
• Finança quantitativa: É a aplicação da análise estatística para o
desenvolvimento de modelos de mercado (market models), com a finalidade
de produzir alpha ou retorno acima do benchmark. Basicamente, procura a
aplicação prática de teorias e modelos matemáticos no mercado.
• Trading quantitativo: Não está necessariamente vinculado à comprovação
de teorias matemáticas (embora tenha caráter quantitativo), podendo partir
de uma premissa empírica – uma ideia de trading – e a partir daí seguir para
o desenvolvimento de uma estratégia operacional.
De certa forma, a finança quantitativa parte de modelos ou teoremas
matemáticos e econômicos e busca sua aplicabilidade no mercado; enquanto o
trading quantitativo parte de dados empíricos – observação do mercado –,
retirando daí ideias de trading para parametrização e validação estatística.
Dentre as teorias utilizadas pelas finanças quantitativas, temos:
“Análise de portfólio (Modern Portfolio Theory, Capital Asset Pricing Model), hedge,
alavancagem, precificação (de derivativos), teoria de arbitragem, aplicabilidade da estatística ao
mercado, análise de correlação, cointegração, análise de risco (VaR – Value at Risk), de
performance, simulação de Monte Carlo, modelos econométricos, modelo Blach-Scholes (para
opções), distribuição log-normal, cópula, cálculo estocástico, modelo binomial, yield curve fitting
etc.” – Paul Wilmott, em Frequently asked questions in quantitative finance.
Uma lista mais completa dos modelos utilizados em análise quantitativa pode
ser encontrada em: Statistical Models and Methods For Financial Markets, de Tze
Leung Lai e Haipeng Xing.
Apesar da complexidade que o tema alcança (especialmente ao incorporarem-se
modelos econométricos), a finança quantitativa abrange principalmente estas
quatro áreas:
• Gestão de portfólio
• Precificação de derivativos
• Gestão de risco
• Previsão de volatilidade
Já em trading quantitativo é comum encontrarmos, segundo Robert Pardo, os
seguintes dados: parâmetros matemáticos de trading, regras para entrada, filtros
para essas mesmas regras, estratégias ou regras de saída de operação, position
sizing ou manejo de posição, definições para aumento ou diminuição da
exposição, medidas de performance e operacionalidade (adequação às realidades
de liquidez do mercado e eficácia da execução de ordens), definição objetiva da
estratégia operacional, teste preliminar, otimização, testes reais, avaliação da
performance real, medidas para melhoria do sistema, entre outros.
Uma lista mais completa pode ser encontrada em Inside the black box: the
simple truth about quantitative trading, de Rishi K. Narang.
O trading quantitativo pode ser resumido nos seguintes aspectos:
• ESTRATÉGIA
• Desenvolvimento
• Teste de mesa
• Teste em condições reais
• Otimização
• EXECUÇÃO
• Configuração operacional
• Condições de liquidez
• Condições de execução das ordens
Vamos examinar mais de perto cada um desses pontos.
ESTRATÉGIA – Desenvolvimento:
Todo o esforço do trader quantitativo gira em torno do desenvolvimento de uma
estratégia sólida. O primeiro passo é definir o nicho que ele pretende abordar e a
partir daí buscar uma ideia válida de como aproveitar as oportunidades desse
nicho.
De modo geral, as oportunidades de trading são identificadas por:
1. Natureza:
a. Direcional
b. Não direcional
2. Tempo:
a. Day trading (início e término no mesmo dia)
b. Swing trading ou multi-day trading (início e término em dias diferentes)
A escolha de uma modalidade específica dependerá do perfil do trader, além da
otimização das oportunidades que a classe de ativo escolhida (ações, opções ou
contratos futuros) apresentar.
• Trade “direcional”: Significa que o trade necessita que o preço se mova em
uma direção específica (para cima ou para baixo), para que a operação
funcione. Nesse sentido, uma operação de compra precisa de que o preço se
valorize para produzir lucro, assim como uma operação de venda conta com
a desvalorização do preço para dar resultado. Exemplo: trades de compra ou
de venda a descoberto.
• Trade “não direcional”: Nesse caso, a direção final do mercado não
interessa, importando apenas a relação observada pelo spread. Uma
abordagem não direcional só é possível com a utilização de dois ou mais
ativos de uma mesma classe ou de classes diferentes, tendo-se um operando
contra o outro. Exemplos: pairs trading, hedge, spread trading (pairs trading
com um único ativo, mas utilizando vencimentos diferentes), compra ou
venda de volatilidade, arbitragem etc.
• Swing trading: Busca aproveitar movimentos de alguns dias no mercado, o
que implica posição overnight, aumentando o risco da operação em virtude
da possibilidade de aberturas contrárias (quando algum dos dias seguintes
tem seu preço de abertura contra a posição).
• Day trading: Operações que duram de minutos a horas, aproveitando
variações menores de preço. Pode ser day trade clássico ou direcional, como
pode ser high-frequency trading, explorando aspectos não direcionais como
market making.
Dentro dessas quatro possibilidades principais, o desenvolvimento de
estratégias se torna uma questão de identificar oportunidades que justifiquem a
alocação de recursos e apresentem possibilidade de lucro.
ESTRATÉGIA – Teste de mesa
Após escolher o nicho que vai explorar e definir a ideia central por trás da
estratégia, a primeira providência que o trader quantitativo toma é fazer um
backtesting ou “teste de mesa” para filtrar a ideia preliminarmente. Se a
estratégia não passa pelo teste inicial, é um sinal de que precisa ser refinada ou
alterada antes que se possa passar para um teste em campo ou em condições
reais. Eis algumas ferramentas que podem ser utilizadas para o teste de mesa:
a. Análise percentual do histórico de resultados: Verificar quantas vezes a
estratégia geraria operações com base na série temporal disponível para
backtesting, identificando o número de ocorrências com resultado positivo
versus o número de resultados negativos, observando também a pontuação
acumulada pela série de trades teóricos. Se a pontuação for negativa,
interromper o processo e rever a ideia central da estratégia ou seus
parâmetros de entrada/saída.
b. Teste t8: É uma forma de determinar se os resultados encontrados na análise
percentual poderiam ocorrer por chance. Se for esse o caso, volta-se a rever a
ideia central. Se a amostragem passar no teste t, pode-se passar para a etapa
seguinte.
c. Optimal F: Desenvolvido por Ralph Vince, autor de Portfolio management
formulas, The mathematics of money management, The leverage space trading
model, o conceito de Optimal F (o “F” vem de “fraction”) busca determinar
qual a fração ideal do seu capital que deveria ser colocada em risco – colocar
no trade é colocar em risco –, de acordo com os parâmetros da sua estratégia,
de modo a otimizar a lucratividade com o máximo possível de gerenciamento
de risco. Optimal F seria o ponto ótimo de alavancagem, abaixo do qual você
estaria subaproveitando o poder de sua estratégia e acima do qual você estaria
correndo um risco maior do que o necessário.
ESTRATÉGIA – Teste em condições reais
Apesar de ter realizado a análise em teoria, somente um teste em condições reais
poderá validar a estratégia, revelando se os seus parâmetros mostram um bom
desempenho em situações fora da amostragem. De certa forma, o teste de mesa
mostra se a estratégia funcionou no passado, enquanto o teste em condições reais
revela realmente se a ideia central possui consistência e operacionalidade,
considerando as condições de liquidez, a qualidade de execução de ordens e os
custos envolvidos.
ESTRATÉGIA – Otimização
Caso os resultados não sejam satisfatórios, sempre é possível rever a estratégia em
busca do elemento ou dos elementos que possam estar causando uma
underperformance. Uma vez identificados, é possível alterar a estratégia para
então submetê-la novamente aos testes com a função de validá-la.
EXECUÇÃO – Configuração operacional
Muitas vezes a teoria por trás da estratégia, ou sua ideia central, é válida, ou seja,
as relações que ela propunha identificar se mostram reais – mas para se tornar
um trading system ela precisa ainda ser testada quanto a sua possibilidade de
execução de acordo com os parâmetros propostos.

EXECUÇÃO – Condições de liquidez


Liquidez é um fator essencial para a execução de uma estratégia. Em muitos
casos, abre-se mão de um trading system que, em teoria, apresenta resultados
superiores – mas que na prática é inoperável em razão da falta de liquidez – em
prol de outro com resultados menos atraentes, porém com maior robustez em
termos de possibilidade de alocação de capital.
EXECUÇÃO – Condições de execução das ordens
“Slippage” é o termo utilizado para indicar a diferença entre o preço que a
estratégia sugeria para a entrada ou saída da operação e o preço efetivamente
executado, dadas as condições do mercado. Essa diferença pode variar em função
da liquidez, da volatilidade, do spread entre oferta de compra e a oferta de venda,
do tamanho da exposição ou das condições adversas durante o pregão.

5.4.2 Você quer ser um quant?


Quando Wall Street passou a contratar matemáticos, estatísticos e... físicos, em
vez dos tradicionais economistas e administradores de empresas para cargos de
estrategistas, algo estava mudando.
Existem ondas ou fenômenos que surgem e desaparecem nos Estados Unidos e
não chegam ao mesmo tempo no Brasil. Por exemplo, o cargo de “quant” ou
“quantitative researcher” não é muito comum por aqui. Isso pode significar uma
vantagem para os “quants” brasileiros que se adiantarem em procurar nossas
instituições. Atualmente, os maiores mercados para “quants” são: Nova Iorque,
Londres e Singapura9.
No livro Heard on the street – quantitative questions from Wall Street job
interviewers, o autor Timothy Falcon Crack revela uma série de questões
obrigatórias para as quais você deveria estar preparado ao procurar uma
entrevista de emprego como “quant”, indo desde os testes matemáticos, lógicos,
probabilísticos, estatísticos até perguntas sobre a natureza do mercado, asset
classes etc.

5.4.3 Modelos fora de controle


Mas há também outro lado da análise quantitativa ao qual devemos estar
atentos, ainda que seja pela advertência que Mark Twain gostava de fazer:
“Existem mentiras, mentiras deslavadas, e estatística.”
Sim, é possível mentir usando estatística, mas também é possível enganar-se
por meio de correlações espúrias e outras falhas no procedimento de análise.
Em seu livro Fooled by randomness (Iludidos pelo acaso), Nassim Nicholas Taleb
nos adverte quanto aos perigos de se usar os métodos quantitativos sem uma
compreensão profunda:
a. De suas limitações;
b. Do tema ao quais as ferramentas de análise serão aplicadas.
Taleb descreve uma inferência estatística malsucedida – mas bem-humorada –,
na qual declara que o presidente Bush era “imortal, com um alto grau de
significância estatística”, pois na série temporal analisada (o número de dias de
sua vida), “ele não havia morrido nem uma vez”!
Por que é evidente, nesse caso, o erro da conclusão baseada em estatística?
Porque sabemos que todos nós somos mortais, e se alguém não morreu ainda,
morrerá certamente algum dia. Mas observe: essa informação – de que todos nós
morreremos um dia – não estava contida na série temporal analisada.
O fato é que existem relações menos evidentes, especialmente quando se está
analisando de forma mais abstrata, e é bem possível que um erro de análise como
esse ocorra sem que percebamos. Algumas vezes, o dano por uma análise mal
dirigida gera prejuízo apenas para o trader que a concebeu. Em casos mais graves,
o equívoco em uma estratégia ou em um modelo gera um efeito cascata e vem a
impactar em todo o mercado.
Isso pode ocorrer porque, como os algoritmos interagem uns com os outros –
ao marcar sua presença, entre outras coisas, no livro de ofertas do ativo operado e
porque buscam todos no mercado os inputs necessários à sua operação, tais
como: último negócio, spread entre ordem de compra e de venda, market depth
ou liquidez, volatilidade do movimento recente etc. –, pode ocorrer que, se um
deles fica “desregulado” ou não se adapta às condições atuais do mercado, sua
atuação “desregulada” pode provocar instantaneamente uma corrida ou
disparada por parte dos outros algoritmos. Por exemplo, um movimento vende-
vende-vende, que pode ocasionar um crash ou uma queda forte do preço de um
ativo. Se você possui volume operacional suficiente para mexer com o mercado,
seu algoritmo pode afetar muito mais do que seu próprio retorno financeiro.
Como exemplo, temos o crash da Bolsa norte-americana, em outubro de 1987
(com os programas de trading automatizado ainda em sua infância), o flash-crash
ocorrido em maio de 2010 (que iniciou na Bolsa norte-americana e se estendeu
por todos os mercados, em menos de um minuto) e o objeto mesmo da crise
imobiliária e de crédito norte-americanas, o modelo de precificação de
derivativos exóticos das obrigações de crédito colateral (synthetic collateral debt
obligations). A figura 5.27 ilustra o crash de 1987, supostamente motivado por
programas automáticos de trading que entraram em modo de “venda”, sem
limite. Na figura 5.28, destacamos a crise do subprime, motivada principalmente
por erros no sistema de precificação de derivativos exóticos, vinculados a
obrigações de hipotecas. Já na figura 5.29, podemos observar o flash-crash de
2010 com o Ibovespa futuro, refletindo o movimento originado nos índices
Dow Jones e S&P 500.
Uma vez que o trader esteja atento à possibilidade de erro oculto em sua
estratégia quantitativa, ele pode seguir com suas análises e modelagens sabendo
de que dispõe de um edge muito importante em relação aos outros players.
Desde que seu sistema de risco preveja a necessidade de proteção contra riscos
sistêmicos (como os exemplos anteriores).

Figura 5.27 – Crash de 21 de outubro de 1987.


Figura 5.28 – Em 2008, estourou a crise do subprime.
A análise quantitativa chama a atenção justamente pelo seu potencial de gerar
resultados, a despeito dos riscos. Vinculada a uma boa teoria de mercado, ela se
torna uma ferramenta poderosa na obtenção de retornos consistentes.

Figura 5.29 – O “flash-crash” do dia 6 de maio de 2010.


1 http://pages.stern.nyu.edu/~adamodar/. O link para acesso a planilhas com dados sobre empresas brasileiras
é: “Updated data”.
2 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/959001-crise-faz-gestora-de-recursos-gwi-fechar-fundos-para-
resgates.shtml
3 Fonte: http://www.valor.com.br/financas/991646/bny-mellon-autoriza-reabertura-de-fundos-da-gwi
4 O ETF que corresponde ao Ibovespa é o BOVA11.
5 Fonte: Larry Williams, em Long term secrets to short term trading.
6 Fonte: Larry Williams, em Long term secrets to short term trading.
7 http://pt.wikipedia.org/wiki/Teste_de_Rorschach
8 http://en.wikipedia.org/wiki/Student’s_t-test
9 Fonte: Hedge Fund Jobs Digest (http://www.jobsearchdigest.com/hedge_fund_jobs).
CAPÍTULO 6
Palavras finais

Acreditamos ter contribuído para que o leitor não fique preso a uma única forma
de ver o mercado e disponha de mais elementos para conduzir sua atuação como
investidor ou trader. Ressaltamos que as opiniões contidas neste livro são sujeitas
à interpretação de cada leitor e não são, em hipótese alguma, garantia de
quaisquer resultados – a Bolsa é um fenômeno muito dinâmico para que você
possa ter lucro utilizando um único exemplo ou conceito. Você é livre para
operar ou investir como quiser, é o seu próprio gestor de carteiras e capitão do
seu barco – uma tarefa estimulante e desafiadora, pela qual somente você será
responsável, sempre.
Nosso intento, ao escrever este livro, não foi criar um manual de trading ou de
investimentos, tais como os que se encontram disponíveis no mercado. A
intenção era justamente fazer o caminho inverso: ajudar o leitor a descobrir o
que não fazer na Bolsa, ou melhor, o que evitar e como tirar partido das
armadilhas do caminho.
Entendemos que esse é o passo principal, a partir do qual o resto (a definição
de uma estratégia de trading ou investimento) é construído. Realmente, não
adianta começar escolhendo uma estratégia, por exemplo, sem ter tido acesso às
falhas que ela apresenta, e sem saber em quais momentos os grandes players
estariam operando contra ela.
Desse modo, cada ponto que abordamos se reveste de importância, pois
procurou exemplificar ao leitor o modo como funciona a arena de investimentos
que é o mercado de capitais. E, numa arena, vence quem tem mais
conhecimento, força e habilidades.
Começamos indicando o fato simples, mas muito desconsiderado, de que para
que alguém ganhe na Bolsa, outro tem que perder. Desse modo, como disse
John Carter, em Mastering the trade: “Você não opera ações, você opera outros
traders.” Se um banco de investimentos está no lado contrário da sua operação,
você deveria ter dupla cautela e certificar-se de que realmente está fazendo o
trade certo. Só para garantir.
Observando os bastidores do mercado, ficou claro que o interesse por trás das
ações de seus participantes (tanto agentes autônomos como analistas,
departamento de back-office etc.) nem sempre é isento de motivação pessoal, de
modo que a Bolsa é um dos ambientes em que o cliente deve primeiro ponderar
o que diz o especialista, e não simplesmente aceitar de imediato.
Na Bolsa, conhecimento vale dinheiro, pois é capaz de produzir dinheiro. No
entanto, ainda existem muitos pseudotraders e investidores que acham que
primeiro deveriam ganhar (bastante) dinheiro para depois procurar um
treinamento ou curso especializado. Transferindo essa mentalidade para outro
contexto – no qual fica evidente o absurdo da ideia –, é como se alguém quisesse
primeiro ganhar muito dinheiro como médico... Para então financiar seu estudo
em uma faculdade de medicina... As consequências desse tipo de pensamento
ocorrem todos os dias na Bolsa, em casos chocantes como o do nosso exemplo
em que o indivíduo perdeu tudo o que tinha em três dias, operando opções.
Dado que há uma disputa entre quem ganha e quem perde no mercado, salta
aos olhos a importância de se avaliar a assimetria: quem possui mais
conhecimento, você ou aquele que está no lado contrário da sua operação?
Quem possui melhor equipamento, informações, staying power? Quem é o elo
mais fraco da corrente? Vale a pena fazer esse trade nas condições atuais? Como
vimos, não basta apenas avaliar o gráfico e achar que a ação vai subir...
Envolvendo todos esses conceitos, está a necessidade de utilizar uma
metodologia ou estratégia. Por exemplo, seria difícil ter uma abordagem de
investimentos consistente sem estar atento a certas fragilidades do value
investing, e não observar os momentos em que os tubarões o jogam pela janela e
lucram operando contra os demais players – ainda que a teoria estivesse válida.
Na Bolsa, não importa quem está com a razão: importa quem lucra no processo.
Da mesma forma, é importante observar que padrões de preço muitas vezes
indicam apenas o que ocorreu no passado – pois todo negócio realizado pertence
ao passado – e não necessariamente contêm alguma indicação da direção futura
dos preços.
A necessidade de se avaliar quantitativamente uma ideia também foi abordada,
por ser a pedra fundamental da validação da estratégia, tendo-se como premissa
que o investidor e o trader realmente desejem estabelecer sua atuação de forma
profissional, e não como “gamblers”. Em qualquer profissão ou negócio é
importante ter procedimentos de avaliação e controle.
Também como foi destacado, observando as informações do livro de ofertas
não é possível discernir entre as operações de uma instituição e as operações de
múltiplos clientes da instituição (incluindo também suas operações proprietárias)
executadas de modo independente e sincronizado. A diferença entre um
conjunto de coincidências e uma ação coordenada e consistente ao longo de um
período de tempo não é algo trivial de ser identificado. Optamos por não realizar
inferências e deixaremos a cargo do leitor avaliar cada caso e tirar suas próprias
conclusões.
As instituições, empresas e ativos que foram citados nos exemplos deste livro
tiveram apenas efeito didático, tendo sido escolhidos aleatoriamente. Isso
significa que não temos qualquer relação de ganho ou interesse pessoal na citação
de quaisquer deles. Com certeza, existem muitos outros exemplos possíveis que
não foram mencionados. Desse modo, ressaltamos que em nenhum momento
tivemos como objetivo recomendar ou deixar de recomendar instituições,
empresas e ativos – mesmo que indiretamente – e tampouco induzir o leitor em
sua escolha ou rejeição.
Esclarecemos que de nenhuma forma quisemos estimulá-lo a operar mais ou
desestimulá-lo para que opere menos. Entendemos que nosso papel é de fornecer
mais informações para seu aprendizado e conhecimento sobre a dinâmica de
investimentos em Bolsa e não de atuar como interferente em seu perfil de risco
ou decisões de alocação de recursos. Nossa ideia foi fornecer elementos
suficientes para que você:
• Identifique alguns erros comuns cometidos no mercado;
• Preste atenção a situações-chave em que os grandes players têm oportunidade
de lucrar contra você;
• Busque evitar ter prejuízo nos dois itens anteriores, além de tentar aproveitá-
los para obter lucro;
• Conheça algumas fragilidades das formas de análise existentes, por meio de
informações nem sempre de fácil acesso para o leigo (como, por exemplo, a
de que o fundo utilizando estritamente os ensinamentos de Benjamin
Graham teve sequencialmente um desempenho inferior ao S&P 500, ou que
Warren Buffett faz trading, sim senhor!);
• Seja capaz de juntar todas essas informações e, com base nelas, realizar um
exame de consciência para identificar seus pontos fortes e fracos como trader
ou investidor, a fim de tirar maior proveito de suas qualidades, eliminando
da sua prática aquilo que não contribui para o seu sucesso.
Como bem disse nosso mentor Larry Williams: “Todo dinheiro é sempre dado
em troca de valor. No mercado, o dinheiro é dado em troca de horas de estudo.”
Seguindo essa perspectiva, desejamos que as horas investidas na leitura deste livro
se revertam em lucros para você.
Referências

ALTUCHER, James. Trade Like Warren Buffett. Hoboken: John Wiley & Sons,
2005.
CARTER, John F. Mastering the Trade: Proven Techniques for Profiting from
Intraday and Swing Trading Setups. New York: McGraw Hill, 2006.
CRACK, Timothy Falcon. Heard on the Street: Quantitative Questions from Wall
Street Job Interviewers. 9 ed. New York: Timothy Falcon Crack, 2004.
DODGE, Yadolah (ed). The Oxford dictionary of statistical terms. New York:
Oxford University Press Inc, 2003.
DRAKOLN, Noble. Winning the Trading Game: Why 95% of Traders Lose and
What You Must Do to Win. New York: John Wiley & Sons, 2008.
EDWARDS, Robert D.; MAGEE, John. Technical Analysis of Stock Trends. 8
ed. Boca Raton: CRC Press, 2001.
ELDER, Alexander. Como Se Transformar em um Operador e Investidor de
Sucesso. São Paulo: Elsevier Editora Ltda, 2004.
ELLIS, Charles D. The Partnership: The Making Of Goldman Sachs. New York:
The Penguin Press, 2008.
ELLIS, Charles D. Winning The Loser’s Game: Timeless Strategies for Successful
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HARRIS, Larry. Trading & Exchanges: Market Microstructure for Practitioners.
New York: Oxford University Press Inc., 2003.
KATSENELSON, Vitaly N. Active Value Investing: Making Money in Range-
Bound Markets. Hoboken: John Wiley & Sons, 2007.
LAI, Tze Leung; XING, Haipeng. Statistical Models and Methods for Financial
Markets. New York: Springer Science+Business Media, LLC, 2008.
NARANG, Rishi K. Inside the Black Box: The Simple Truth About Quantitative
Trading. Hoboken: John Wiley & Sons, 2009.
NIEDERHOFFER, Victor. The Education Of A Speculator. Hoboken: John
Wiley & Sons, 1997.
NIEDERHOFFER, Victor; KENNER, Laurel. Practical Speculation. Hoboken:
John Wiley & Sons, 2003.
PARDO, Robert. The Evaluation and Optimization of Trading Strategies. 2 ed.
Hoboken: John Wiley & Sons, 2008.
TALEB, Nassim Nicholas. Fooled by randomness. New York: The Random
House Publishing Group, 2004.
VINCE, Ralph. Portfolio Management Formulas: Mathematical Trading Methods
for the Futures, Options and Stock Markets. New York: John Wiley & Sons,
1990.
VINCE, Ralph. The Leverage Space Trading Model: Reconciling Portfolio
Management Strategies and Economic Theory. Hoboken: John Wiley & Sons,
2009.
VINCE, Ralph. The Mathematics of Money Management: Risk Analysis
Techniques for Traders. New York: John Wiley & Sons, 1992.
WILLIAMS, Larry. Long-Term Secrets to Short-Term Trading. New York: John
Wiley & Sons,1999.
WILLIAMS, Larry. The Defininive Guide To Futures Trading. Vols. I,
II.Brightwaters, New York: Windsor Books, 1989.
WILLIAMS, Larry. The Right Stock at the Right Time: Prospering In the Coming
Good Years. New York: John Wiley & Sons, 2003.
WILMOTT, Paul. Frequently Asked Questions in Quantitative Finance.
Chichester: John Wiley & Sons, 2007.
WILMOTT, Paul. Paul Wilmott on Quantitative Finance. 2 ed. Chichester:
John Wiley & Sons, 2006.
ZWEIG, Martin. Martin Zweig’s Winning On Wall Street: How to Spot Market
Trends Early,Wich Stocks to Pick, and When to Buy and Sell for Peak Profits and
Minimum Risk. 4 ed. New York: Warner Books, 1997.
Avaliando Empresas, Investindo em
Ações
Debastiani, Carlos Alberto
9788575225974
224 páginas

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Avaliando Empresas, Investindo em Ações é um livro destinado a


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Padrões para Kubernetes
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Candlestick
Debastiani, Carlos Alberto
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Manual de Análise Técnica
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maneira que assimile não só os princípios, mas que desenvolva o
raciocínio necessário para utilizar os gráficos como meio de
interpretar os movimentos da massa de investidores do mercado; -
identificar oportunidades para lucrar na bolsa de valores, a longo e
curto prazo, até mesmo em mercados baixistas; um sistema de
investimentos completo com estratégias para abrir, conduzir e fechar
operações, de forma que seja possível maximizar lucros e minimizar
prejuízos; - estruturar e proteger operações por meio do
gerenciamento de capital. Destina-se a iniciantes na bolsa de valores
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Você sabia que o investimento em imóveis é um dos preferidos dos


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