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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

Adailton Magalhães, Bárbara Dezembrina, Margaret Peres, Rafaela da Mata, Thiago Alecrim.

ANÁLISE DOCUMENTAL DA “ CARTA DE JAMAICA” DE SIMÓN BOLÍVAR.

GOIÂNIA
2023
O documento analisado é uma carta escrita originalmente em espanhol, por Simón
José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Palacios y Blanco (1783-1830), em Kingston,
Jamaica, em 6 de setembro de 1815. Revolucionário venezuelano, responsável por comandar
as principais revoluções que culminaram nas independências da Venezuela, Colômbia,
Equador, Peru e Bolívia. Tido como bom estrategista militar ficou conhecido como “El
Libertador”.
Bolívar também ganhou reconhecimento por defender um projeto de unificação
territorial destes países sul-americanos contra as potências estrangeiras, como forma de
resguardar a soberania dos povos da América. Ele implantou esse projeto por meio da
Grã-Colômbia, onde ocupou a presidência de 1819 a 1830, tendo renunciado em 1º de março
de 1830. Ainda nesse ano, Bolívar contraiu uma tuberculose que o levou a falecer. No ano
seguinte, a Grã-Colômbia dissolveu-se em três nações: Colômbia, Equador e Venezuela.
O contexto geral da produção do documento é o das lutas pela independência dos
países colonizados pela Espanha. Segundo John Lynch (2004), A Espanha havia passado por
um recente processo de dominação pelos franceses, comandados por Napoleão. Nesse
momento, houve uma maior liberdade política dos habitantes das colônias, que fragmentou o
poder entre esses indivíduos. A partir da retomada do poder pelo antigo rei, há tentativas de
recentralização do poder, o que é um dos principais motivos para o início dos processos de
Independência. Mais especificamente, segundo Fabiana Fredrigo, Bolívar havia participado
do processo de Independência da Venezuela, ainda em 1811. Entretanto, o movimento foi
sufocado pelos realistas, que retomaram o domínio sobre os territórios. A partir disso, os
manifestos e cartas produzidos por Bolívar tinha como objetivo a conquista de apoio social.
Em 1813, há a reconquista de Caracas pelo exército bolivariano, e é fundada mais uma
república que também ruiria. Desse modo, Bolívar se exila na Jamaica, onde escreve a carta
em questão.
Ainda nesse contexto, Bolívar ainda aponta algumas outras questões que o cerca e
legitimam as lutas pelas independências. Dentre elas, podemos destacar, a priori, a difusão e
os usos dos pensamentos liberais iluministas e a sua apropriação por Bolívar. Fabiana
Fredrigo expõe esse importante traço do pensamento do revolucionário ao narrar um dos
acontecimentos que foram romantizados historicamente considerados fundadores de seu
pensamento:
Deixou a França para encontrar-se com Simón Rodriguez em Viena. Juntos viajaram
— e em boa parte caminharam - até a Itália, onde assistiram a mais uma coroação de
Napoleão Bonaparte — que se seguiu a de Paris, em 1804. Verdades canônicas de
sua biografia sublinham que a imagem impressionou negativamente a Bolívar e
reforçou as convicções liberais que colocaria a serviço da causa independentista
americana, quando, estando já de volta a Venezuela, importantes acontecimentos
envolvendo a metrópole abriram caminho para essa possibilidade histórica. ( DE
SOUZA FREDRIGO, 2021, p. 114).

Além disso, Bolívar indica a lentidão do processo de Independência no Peru. Isso


pode ser explicado a partir da bibliografia de Kristie Flannery e John Lynch , em que a
primeira aponta a forte repressão ao movimento de Tupac Amaru, e o segundo afirma que
esse sentimento levou a população a ter uma das Independências mais tardias entre os países
latino-americanos.
Ademais, há a exposição das grandes diversidades entre os povos hispano-americanos
naquele contexto, o que tornava seu projeto centralizador como não possível de ser efetivada:

Es una idea grandiosa pretender formar de todo el Mundo Nuevo una sola nación
con un solo vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo. [...] mas no es
posible, porque climas remotos, situaciones diversas, intereses opuestos, caracteres
desemejantes, dividen a la América” (BOLÍVAR, p. 84).

Outrossim, ainda há a manutenção das diversas tensões raciais entre os criollos e os


espanhóis peninsulares apontada por Lynch (2004) e Guerra (2009), já que Bolívar afirma que
havia diferenciações sociais entre os dois grupos, que ocupavam, consequentemente, cargos
distintos:

Estábamos como acabo de exponer, abstraidos, y digámoslo asi, ausentes del


universo en cuanto es relativo a la ciencia del gobierno y administración del Estado.
Jamás éramos virreyes ni gobernadores, sino por causas muy extraordinárias;
arzobispos y obispos pocas veces, diplomáticos nunca; militares, sólo en calidad de
subalternos, nobles, sin privilegios reales; no éramos, en fin, ni magistrados, ni
financistas y casi ni aun comerciantes: todo en contravención directa de nuestras
instituciones. (BOLÍVAR, p. 75).

Inicialmente, entre os temas centrais, é perceptível que Bolívar tece um discurso


anticolonial, fortemente contra os Espanhóis, chegando a caracterizá-los como bárbaros, como
forma de definir sua própria identidade e superioridade enquanto americanos. Assim, ele
define a independência como um sentimento geral, que deveria ser comum a toda a América,
devido aos tormentos causados pelos espanhóis ao Novo Mundo. Portanto, Simón Bolívar é
declaradamente a favor da independência, contra o domínio dos incivilizados espanhóis
causadores de tormentos nas terras americanas.
Ademais, para o autor da carta, a independência da América seria uma questão
maior, importante para o equilíbrio geral do mundo, exigindo um interesse e um apoio das
demais nações europeias e dos Estados Unidos, o que não aconteceu. Nesse viés, Bolívar
descreve o empreendimento da independência como a luta mais justa e com os resultados
mais importantes, e instiga as nações europeias mais cultas a pressionarem a Espanha a
renunciar ao projeto imperialista na América.
Ao longo do documento, Bolívar vincula a independência das nações americanas aos
princípios iluministas, bem como defende os valores liberais da justiça, liberdade e da
igualdade, caracterizando o colonialismo na América como uma violação aos direitos da
humanidade. Além dos argumentos expostos, a carta reflete sobre o futuro da América Latina,
abordando questões como a dignidade do povo, a luta contra a opressão e a necessidade de um
governo justo.
A carta vai além de expressar os anseios de Bolívar, estendendo-se para criticar o
absolutismo espanhol e delineando a visão do "libertador da América" sobre os direitos dos
povos americanos. Destaca a necessidade histórica de defender a soberania política,
econômica, social e cultural dos povos. Na carta, Bolívar também denuncia como a América
foi subalternizada por séculos, impedindo a busca pela liberdade ao ser privada da autonomia
e subjugada pela tirania espanhola. Dessa forma, a carta ressoa como um chamado à defesa
da liberdade e soberania das nações americanas, sendo fundamental tal documento para
compreender o contexto das independências na América Hispânica.
A carta de Simón Bolívar trata, também, acerca do tema do federalismo, o qual ele é
contra, bem como se opõe à monarquia. Para ele, o federalismo não seria benéfico para os
países que se formariam na América Espanhola, o ideal seria uma centralização. Bolívar era,
também, favorável a um “projeto republicano unitário e centralizador” (FREDRIGO, 2021, p.
119). No entanto, na carta, afirma que isso não seria possível devido ao caráter muito diverso
do território americano, como podemos perceber no trecho “Es una idea grandiosa pretender
formar de todo el Mundo Nuevo una sola nación con un solo vínculo que ligue sus partes
entre sí y con el todo. [...] mas no es posible, porque climas remotos, situaciones diversas,
intereses opuestos, caracteres desemejantes, dividen a la América” (BOLÍVAR, p. 84).
Bolívar acredita na importância da união ideológica de todos os povos americanos em favor
da libertação da América.
O contexto geral da produção do documento é o das lutas pela independência dos
países colonizados pela Espanha. Segundo John Lynch (2004), A Espanha havia passado por
um recente processo de dominação pelos franceses, comandados por Napoleão. Nesse
momento, houve uma maior liberdade política dos habitantes das colônias, que fragmentou o
poder entre esses indivíduos. A partir da retomada do poder pelo antigo rei, há tentativas de
recentralização do poder, o que é um dos principais motivos para o início dos processos de
Independência. Mais especificamente, segundo Fabiana Fredrigo, Bolívar havia participado
do processo de Independência da Venezuela, ainda em 1811. Entretanto, o movimento foi
sufocado pelos realistas, que retomaram o domínio sobre os territórios. A partir disso, os
manifestos e cartas produzidos por Bolívar tinham como objetivo a conquista de apoio social.
Em 1813, há a reconquista de Caracas pelo exército bolivariano, e é fundada mais uma
república que também ruiria. Desse modo, Bolívar se exila na Jamaica, onde escreve a carta
em questão.
Ainda nesse contexto, Bolívar ainda aponta algumas outras questões que o cerca e
legitimam as lutas pelas independências. Dentre elas, podemos destacar, a priori, a difusão e
os usos dos pensamentos liberais iluministas e a sua apropriação por Bolívar. Fabiana
Fredrigo expõe esse importante traço do pensamento do revolucionário ao narrar um dos
acontecimentos que foram romantizados historicamente considerados fundadores de seu
pensamento:

Deixou a França para encontrar-se com Simón Rodriguez em Viena. Juntos viajaram
— e em boa parte caminharam - até a Itália, onde assistiram a mais uma coroação de
Napoleão Bonaparte — que se seguiu a de Paris, em 1804. Verdades canônicas de
sua biografia sublinham que a imagem impressionou negativamente a Bolívar e
reforçou as convicções liberais que colocaria a serviço da causa independentista
americana, quando, estando já de volta a Venezuela, importantes acontecimentos
envolvendo a metrópole abriram caminho para essa possibilidade histórica. ( DE
SOUZA FREDRIGO, 2021, p. 114).

Além disso, Bolívar indica a lentidão do processo de Independência no Peru. Isso


pode ser explicado a partir da bibliografia de Kristie Flannery e John Lynch , em que a
primeira aponta a forte repressão ao movimento de Tupac Amaru, e o segundo afirma que
esse sentimento levou a população a ter uma das Independências mais tardias entre os países
latino-americanos.
Ademais, há a exposição das grandes diversidades entre os povos hispano-americanos
naquele contexto, o que tornava seu projeto centralizador como não possível de ser efetivada:
Além disso, ainda há a manutenção das diversas tensões raciais entre os criollos e os
espanhóis peninsulares apontada por Lynch e Guerra, já que Bolívar afirma que havia
diferenciações sociais entre os dois grupos, que ocupavam, consequentemente, cargos
distintos:
Estábamos como acabo de exponer, abstraidos, y digámoslo asi, ausentes del
universo en cuanto es relativo a la ciencia del gobierno y administración del Estado.
Jamás éramos virreyes ni gobernadores, sino por causas muy extraordinárias;
arzobispos y obispos pocas veces, diplomáticos nunca; militares, sólo en calidad de
subalternos, nobles, sin privilegios reales; no éramos, en fin, ni magistrados, ni
financistas y casi ni aun comerciantes: todo en contravención directa de nuestras
instituciones. (BOLÍVAR, p. 75).

Assim, a carta escrita ao comerciante britânico Henry Cullen, que residia em


Falmouth, no noroeste da Jamaica, obedecia ao mesmo padrão das demais cartas encontradas
no epistolário de Bolívar. A partir desta constatação, é possível inferir que as pretensões de
Bolívar eram dar publicidade às suas percepções a respeito da conjuntura da América.
Segundo Fabiana Fredrigo (2021), uma característica da escrita de Bolívar, em suas cartas, é
a prática de elaboração e arquivamento de si para a posteridade. Além disso, para a autora, o
ato de escrever cartas era também uma forma de guerrear e mobilizar a opinião pública,
visando o apoio amplo para projetos futuros. Neste caso, o apelo aos britânicos acerca do
apoio à independência definitiva da Venezuela.
Portanto, conclui-se que a carta de Simón Bolívar representa uma manifestação profunda e
abrangente dos ideais anticoloniais e independentistas na América do século XIX. Bolívar
articula uma narrativa que vai além da luta contra o domínio espanhol, explorando temas
como a necessidade de apoio internacional, a defesa dos princípios iluministas e a
complexidade na organização política dos países recém-independentes. Sua visão abarca
questões sociais, culturais e políticas, consolidando a carta como um documento fundamental
para se compreender o contexto das lutas pela independência na América Hispânica.

Referências:

DE SOUZA FREDRIGO, Fabiana; SOARES, Gabriela Pellegrino. " Apropria-te de mim e


refaz a independência sempre que preciso": a polissemia e a longevidade do culto bolivariano.
Revista USP, n. 130, p. 109-126, 2021.
GUERRA, François-Xavier. Revolución Francesa y Revoluciones Hispánicas: una relación
compleja. In: Modernidad e Independencias: ensayos sobre las revoluciones hispânicas.
Madrid: Fundación Studium, 2009. P. 35-73.

LYNCH, John. As origens da independência da América espanhola. In: BETHELL, Leslie


(Org.). História da América Latina. V. III. São Paulo: Edusp, 2004, p. 19-72.

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