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Breves reflexóes
Kátia Gerab Baggio*
As relacões entre o Brasil e os outros países que compóem a América Latina têm a marca da
ambiguidade. Por um lado, Brasil e América Hispânica tiveram trajetórias que correram
paralelamente: os tres séculos de colonizacao ibérica; as independencias nas primeiras déca-
das do século XIX’ ; o período de formacao e consolida@o dos Estados nacionais; a ingerencia
inglesa e, posteriormente, norte-americana; apenas citando os marcos mais tradicionais.
Entretanto, as diversidades também foram significativas: a administra@0 mais centralizada
na América Portuguesa; a emancipa@0 negociada no Brasil em contraste com as guerras de
independencia na América Espanhola; a solucáo monárquica brasileira e a adocáo da repú-
blica pelos países hispânicos; a unidade do Brasil imperial e a divisáo da América Hispânica
em vários Estados, etc. Estas diferencas foram realcadas no Brasil, em muitos momentos,
para caracterizar o país como o lugar da “ordem” e da “unidade”, em contraposicão à
“anarquia” e à “fragmentacao” hispano-americanas. No Brasil, segundo esta interpretacáo,
náo houve “heróicos libertadores”, mas “transicáo pacífica”; náo houve lutas populares, mas
negociacáo e ordem: estas as imagens que intelectuais e ideólogos das classes dominantes
brasileiras, a partir do século XIX, tentaram fixar.2
* Kátia Gerab Baggio. Departamento de História. Universidad Federal de Minas Gerais. Brasil
1 Com as excecões de Cuba e Porto Rico, que permaneceram colônias espanholas até 1898, sendo que Porto
Rico passou para o domínio norte-americano.
2 Muitos historiadores brasileiros apontaram estas aproximacões e diversidades entre Brasil e América Hispânica.
Entre outros, Maria Ligia Coelho Prado, em A Formagño das Nacões Latino-americanas. Sao Paulo: Atual,
1985 e América Latina no Século XIX: Tramas, Telas e Textos. Sao Paulo: Edusp; Bauru: Edusc, 1999. José
Murilo de Carvalho também sintetizou estas diferencas em artigo publicado originalmente em Madri, por
ocasiáo dos 500 anos da América, e recentemente editado no Brasil: “Brasil: outra América?“. In: Pontos e
Bordados: Escritos de história e politica. Belo Horizonte: UFMG, 1998, pp. 269.74.
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Infelizmente, o Brasil limita-se com todos os nossos Estados; por conseguinte, tem
muitas facilidades para nos fazer a guerra com sucesso, como o queria a Santa Alianca.
De fato, estou convencido de que será muito agradável a toda a aristocracia européia
que o poder do príncipe do Brasil se estenda até destruir o germe da revolucáo.
Comecará por Buenos Aires e acabará por nóx4
0 texto é explícito. Para Bolívar, o Brasil monárquico era um braco da Santa Alianca
contra a América Hispânica, em luta para consolidar suas repúblicas recém-independentes.
Os litígios fronteiricos e a participacao do Brasil nas guerras no Prata reforcaram ainda mais
estas desconfiancas.
No século XIX, os principais ideólogos do Império, em sua maioria vinculados ao
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), reforcaram a visão da monarquia como
mantenedora da unidade e da ordem. Francisco Adolfo de Vamhagen, o mais famoso his-
3 É sintomático que os brasileiros que vivem e trabalham nos Estados Unidos chamem os imigrantes hispano-
americanos de “latinos”, distinguindo-os das comunidades de brasileiros. Os “latinos” sáo os “outros”, os
hispânicos.
4 Bolívar, Simón. Politica. Bellotto, Manoel Lelo e Correa, Anna Maria Martinez (orgs.) Sâo Paulo: Ática,
1983, p. 24.
PONENCIAS SOBRE “HISTORIA Y MEMORIA” 19
5 Gebran, Philomena e Lemos, Maria Teresa Torííio B. (orgs.). América Latina : cultura, Estado e sociedade:
novas perspectivas. Rio de Janeiro: Anphlac, 1994. 184 p. e Almeida, Jaime de (org.). Caminhos da Hisfória
da América no Brasil: tendências e contornos de um campo historiográjico. Brasília: Anphlac, 1998. 121 p.
PONENCIAS
SOBRE
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Y MEMORIA” 21
6 Os volumes publicados foram: Aragáo, M.L.P. e Meihy, J.C.S.B (orgs). América: ficcáo e utopias (vol. 1);
Alfonso-goldfarb, A. M. e Maia, C. A. (orgs.). História da Ciência: o mapa do conhecimento (vol. 2);
Bittencourt, C.M.F. e Iokoi, Z.M.G. e (orgs.) Educacáo na América Latina (VO]. 3); Dayrell, E.G. e Iokoi,
Z.M.G. (orgs.). América Latina Contemporânea: desafíos e perspectivas (vol. 4); Azevedo, F.L.N. e Monteiro,
J. M. (orgs.). Raizes da América Latina (vol. 5); Kuperman, D. e Novinsky, A, W. (orgs.) Zbéria Judaica:
roteiros da memória (vol. 6); Azevedo, F.L.N. e Monteiro, J.M. (orgs.). Confronto de Culturas: conquista,
resistência, transformacão (vol. 7); Bessone, T. M. T. e Queiroz, T. A. P. (orgs.). América Latina: imagens,
imagina@o e imaginário (vol. 8). Rio de Janeiro: Express50 e Cultura; Sao Paulo: EDUSP, 1994 - 1997.