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Independências na América

As Independências na América ocorreram de maneiras


diferenciadas. A influência dos países colonizadores
acrescentou características específicas às colônias da Espanha,
de Portugal e da Inglaterra.

O movimento de independência começou na América no século


XVIII. Nesta ocasião, as Treze Colônias, que eram de
propriedade da Inglaterra, se manifestaram contra as
cobranças cada vez mais intensas feitas por sua metrópole. A
coroa inglesa implementou uma série de impostos que exigia
muito dos colonos. Revoltados, estes organizaram
manifestações e assumiram posturas radicais, tendo como
resultado uma guerra entre colônia e metrópole. A primeira
recebeu o apoio da França, histórica rival da Inglaterra, e
acabou conquistando sua independência na década de 1770.

Mais tarde, na última década do mesmo século, aconteceu um


caso emblemático e raro de independência no continente
Americano. O Haiti vivenciou uma revolta dos escravos contra
as classes dominantes. A Revolução Haitiana, que começou em
1789, uniu os negros que viviam no local exercendo trabalho
compulsório em combate contra a escravidão e os abusos dos
soberanos. O evento acabou se tornando a única
independência na América movida por escravos. A
conseqüência foi o descontentamento das metrópoles em
relação ao Haiti, passando a boicotar o novo país ou tratá-lo de
maneira diferenciada. Até hoje é possível notar os efeitos que
o descaso de outros países deixaram e deixam em um país que
uniu escravos para acabar com tal forma de exploração no
trabalho.

Já as colônias espanholas na América receberam a influência


de uma série de fatores em seus processos de independência.
A Espanha era detentora do maior território colonial no
continente americano, suas posses iam do atual México até o
extremo sul do continente. Nestas terras se fortificou uma elite
local conhecida como criollos, que eram os filhos dos
espanhóis nascidos no Novo Mundo. Os criollos desenvolveram
suas atividades e seus interesses na América, contestando,
várias vezes, atitudes metropolitanas. Internamente, o
fortalecimento dos criollos e a insatisfação com as exigências
da metrópole influenciaram nos movimentos de emancipação.
Os criollos manifestaram-se em favor de maior liberdade
política e econômica. Já no cenário internacional, o exemplo da
independência dos Estados Unidos, que povoava o imaginário
dos separatistas, e a situação política na metrópole, que
passava por momentos de grande instabilidade, davam suas
contribuições para o processo. O resultado foi uma série de
independências no território americano que antes pertencia à
Espanha, fragmentando toda a imensa colônia em vários países
durante o século XIX.

Já o Brasil, colônia de Portugal, não passou por uma guerra


contra à metrópole, caso dos Estados Unidos, ou por uma
grande fragmentação do território, como aconteceu com a
América Espanhola. No início do século XIX, em 1808, o rei
português Dom João VI transferiu toda sua corte para o Brasil
em meio a fuga dos exércitos de Napoleão Bonaparte que
conquistavam os territórios na Europa. A mudança da corte
alterou toda a lógica do Império Português no mundo, que
passou a ter o Brasil como centro. No final da década de 1810
apenas que o rei Dom João VI resolveu retornar à Portugal
como tentativa de controlar as manifestações dos burgueses
de tal localidade que se viam prejudicados em função do
distanciamento da coroa. Porém no Brasil ficou o príncipe
regente Dom Pedro I, o qual foi convencido pela nova elite local
a tornar o Brasil independente e ainda ser o primeiro imperador
do mesmo. Dom Pedro I interessou-se pela proposta e declarou
a independência brasileira em 1822. No Brasil não houve
guerra contra Portugal, mas sim guerras internas para afirmar
toda a extensão do território pertencente ao novo imperador.
Por que o Brasil continuou um só enquanto a
América espanhola se dividiu em vários países?
 Luis Barrucho - @luisbarrucho*
 Da BBC News Brasil em Londres

Quase dois séculos atrás, em 7 de setembro de 1822, o Brasil ganhava


sua independência de Portugal.
Mas por que a América portuguesa se tornou um único país, enquanto a
América espanhola se fragmentou em outros tantos?
Não há apenas uma única razão, mas várias, segundo historiadores com quem
a BBC News Brasil conversou. E, para quem busca respostas fáceis, um alerta.
Não há unanimidade nas conclusões.
Maiores distâncias, diferentes estilos de
administração
Uma das causas tem a ver com a distância geográfica entre as cidades das
antigas colônias e a forma como as duas possessões eram administradas por
suas respectivas metrópoles.
Ainda que a colônia portuguesa tivesse dimensões continentais, a maior parte
da população se concentrava em cidades costeiras, enquanto o interior
permanecia praticamente inexplorado, lembra à BBC News Brasil o historiador
mexicano Alfredo Ávila Rueda, da Universidade Nacional Autônoma do México
(UNAM).

Tratado de Tordesilhas, de 1494, foi assinado por Portugal e Castela (Espanha)


"É verdade que, hoje, o Brasil é um país enorme, com mais de 8 milhões de km².
Mas, na prática, na época da independência, as principais cidades se
concentravam no litoral. As distâncias entre as cidades eram, assim, menores
do que na América Espanhola. O interior era praticamente território que não era
controlado pela Coroa portuguesa", diz.
Já a América Espanhola era formada por quatro grandes vice-reinados: Nova
Espanha, Peru, Rio da Prata e Nova Granada, com poucos vínculos - senão
comerciais - entre si. Cada um deles respondia à Coroa e tinha vida própria.
Ou seja, eram administrados localmente. Além disso, foram criadas capitanias
que tinham governos independentes desses vice-reinados, como as da
Venezuela, Guatemala, Chile e Quito, acrescenta Ávila Rueda.
"A administração espanhola se deu em torno de duas 'sub-metrópoles': México
e Peru. Isso não aconteceu no Brasil, onde a administração era muito mais
centralizada", explica o historiador mexicano.
Diferenças entre as elites
Outra causa está relacionada à formação e à representatividade das elites nas
duas colônias, na opinião do historiador brasileiro José Murilo de Carvalho.
No Brasil, a elite era muito mais homogênea ideologicamente do que a
espanhola, diz ele.
Carvalho argumenta que isso se deveu à tradição burocrática portuguesa.
Portugal nunca permitiu a criação de universidades em sua colônia. Escolas
superiores só foram criadas após a chegada da corte, em 1808. Assim, os
brasileiros que quisessem e pudessem ter formação universitária tinham que
viajar a Portugal, sobretudo à cidade de Coimbra.
"Diante de um pedido para se criar uma escola de Medicina em Minas Gerais,
no século 18, a resposta da Corte foi: agora pedem uma faculdade de Medicina,
daqui a pouco vão pedir uma faculdade de Direito e, em seguida, vão querer a
independência", exemplifica o historiador brasileiro.
Quando se formavam, esses ex-alunos voltavam ao Brasil e acabavam
ocupando cargos importantes na administração da colônia. Ou seja, um
desembargador em Pernambuco formado em Coimbra tinha grandes chances
de conhecer um desembargador do Rio de Janeiro também diplomado na
mesma universidade, ou de ter conhecidos em comum, o que, na opinião de
Carvalho, favoreceu um sentimento de unidade na colônia.
"Esses estudantes luso-brasileiros em Coimbra tinham organização própria.
Envolveram-se no mesmo ensino que os portugueses e foram absorvidos pela
burocracia da Corte, sendo enviados a todos os pontos do império português -
do Brasil à África. Portugal tinha uma população muito pequena à época e não
havia gente suficiente para administrar seu império. Acabou dependendo dos
brasileiros treinados lá", diz.
"Eles formaram grande parte da elite política brasileira até cerca de 1850, como
ministros, conselheiros de Estado, deputados e senadores", acrescenta.
Segundo Murilo de Carvalho, essa formação da elite brasileira em Portugal
acabou por favorecer a obediência à figura real e a crença nas virtudes do poder
centralizado.
Entre 1772 e 1872, passaram pela Universidade de Coimbra 1.242 estudantes
brasileiros.
Por outro lado, na América Espanhola, durante esse mesmo período, 150 mil
estudantes se formaram em universidades locais, diz Carvalho. Havia pelo
menos 23 universidades na colônia, três delas apenas no México. Só a
Universidade do México formou quase 40 mil estudantes.
Dessa forma, argumenta o historiador, quando os movimentos de independência
na América Espanhola começaram a ganhar força, no século 19, eles surgiram
coincidentemente nos locais onde havia universidades. E praticamente todos
esses locais com universidades acabaram dando origem a um país diferente.
Ávila Rueda contesta, contudo, essa última hipótese. "Essas universidades
eram, em sua maioria, reacionárias...aliadas à Coroa espanhola", diz.
"A Universidade do México, por exemplo, era muito reacionária, a tal ponto que,
em 1830 (após a independência do México), o governo mexicano decidiu fechá-
la porque acreditava que não seria possível reformá-la", acrescenta.
Neste sentido, o historiador mexicano diz acreditar que a livre circulação de
impressos (jornais, livros e panfletos) na América espanhola, que não era
permitida na América portuguesa (a proibição só foi revertida em 1808, com a
chegada da corte portuguesa ao Brasil), teve papel muito mais importante na
construção de identidades regionais do que propriamente as universidades.
"Já na América portuguesa, tudo o que era consumido vinha de Portugal, o que
gerava esse vínculo muito forte com a metrópole", lembra.
Mas fato inconteste era que, na América espanhola, os nascidos na colônia, os
chamados criollos, a elite local (grandes proprietários de terras, arrendatários de
minas, comerciantes e pecuaristas) eram desprezados em relação aos nascidos
na Espanha, os Peninsulares.
Até 1700, quando a Espanha era governada pela dinastia dos Habsburgo, as
colônias tinham bastante autonomia.
Mas tudo mudou com as reformas borbônicas feitas pelo rei espanhol Carlos 3º.
Naquele momento, a Espanha precisava aumentar a extração de riqueza de
suas colônias para financiar a manutenção de seu império e guerras nas quais
estava envolvido.
Com isso, a Coroa decidiu expandir os privilégios dos peninsulares - colonos
nascidos na Espanha -, que passaram a ocupar os cargos administrativos
anteriormente destinados aos criollos.
Ao mesmo tempo, as reformas realizadas pela Igreja Católica reduziram os
papéis e os privilégios do baixo clero, que também era formado em sua maioria
por criollos.

Declaração de Guerra de Dom João 6º a Napoleão Bonaparte


Família real portuguesa fugiu de Portugal rumo a Brasil por causa de Napoleão Bonaparte

Napoleão invade Portugal...e a família real


portuguesa foge para o Brasil
Outro motivo que explica a manutenção da unidade do Brasil, senão o mais
importante, foi a fuga da família real portuguesa para sua então maior colônia,
de acordo com os historiadores.
Em 1808, com a invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte, o príncipe regente
João fugiu para o Rio de Janeiro, transferindo não somente a corte, mas toda a
burocracia do governo: arquivos, biblioteca real, tesouro público e cerca de 15
mil pessoas. O Rio de Janeiro virou, então, a sede político-administrativa do
império. A presença do rei em território brasileiro serviu como fonte de
legitimidade para que a colônia se mantivesse unida.
"O rei era um herdeiro legítimo do poder. Temos dificuldade de entender a
importância disso hoje, mas naquela época a figura de Dom João 6º como
monarca tinha muita força", diz à BBC News Brasil o historiador americano
Richard Graham, professor emérito da Universidade do Texas e considerado um
dos maiores especialistas em história da América Latina nos Estados Unidos.
Carvalho explica que a "transferência trouxe para o Brasil toda a burocracia
portuguesa. Portugal passou a ser uma dependência. Desenvolveu-se, portanto,
um foco de legitimidade política no país".
"Se Dom João não tivesse vindo para o Brasil, o país teria se dividido em cinco
ou seis países. Os lugares de maior desenvolvimento econômico, como
Pernambuco e Rio de Janeiro, teriam conseguido sua independência", assinala.
Napoleão Bonaparte forçou rei espanhol Fernando 7º a abdicar do trono em favor de seu
irmão, José (mais tarde José 1º, da Espanha, retratado no quadro)
Enquanto isso, o rei espanhol é forçado a abdicar do
trono...
Na Espanha, contudo, essa fonte de legitimidade foi questionada após a invasão
de Napoleão. Ele forçou o rei espanhol, Carlos 4º e seu filho, Fernando 7º, a
abdicar do trono a favor de seu irmão, José Bonaparte (mais tarde José 1º da
Espanha).
Na colônia, a notícia caiu como uma bomba. Aqueles que viviam na América
Espanhola já não sabiam mais a quem obedecer. Surgiram juntas
administrativas, muitas das quais no começo governavam em nome de Fernando
7º, recusando-se a receber ordens de juntas semelhantes formadas na Espanha
(após a invasão de Napoleão, o governo espanhol foi dividido em inúmeras
juntas administrativas).
Quando Napoleão foi derrotado, esses líderes locais já tinham experiência de
autogoverno. Reconduzido ao trono em 1814, Fernando 7º não garantiu a
autonomia deles e tentou usar a força para restabelecer a submissão das
colônias.
Esse fato aliado à política discriminatória por parte da Coroa Espanhola em
relação aos nascidos nas Américas fez com que eles se rebelassem, inspirados
pelos ideais iluministas espalhados pelas revoluções americana e francesa.
Dom João 6º chegou ao Brasil em 1808
Com o apoio de outras castas, eles travaram lutas sangrentas contra a Espanha
por independência, entre 1809 a 1826.
Por outro lado, quando Napoleão foi derrotado, Dom João 6º elevou o Brasil à
condição de Reino Unido a Portugal. Também permaneceu no Rio de Janeiro
até que as cortes exigissem seu retorno a Lisboa, em 1820, e aceitasse uma
constituição liberal.
Dom João 6º deixou seu filho, Pedro, como príncipe regente no Brasil, e em
1822, Pedro tornou o Brasil independente, coroando a si mesmo como Dom
Pedro 1º. O Brasil ganhou então a independência como uma monarquia
constitucional.

Dom Pedro 1º proclamou Independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga

Temor social
Preocupações econômicas e sociais também contribuíram fortemente para
assegurar a unidade do Brasil.
Segundo Graham, fazendeiros e homens ricos das cidades acabaram aceitando
uma autoridade central por dois motivos: a ameaça de desordem social e o apelo
de uma monarquia legítima.
Um possível desmembramento do Brasil em diferentes países poderia colocar
em xeque o firme controle social desejado pelos proprietários de terras e
escravocratas. Inicialmente, eles achavam que conseguiriam manter o respeito
e a obediência, mas revoltas populares provaram o contrário, na prática. No Haiti,
por exemplo, a independência significou o fim da escravidão.
Embora o Brasil tenha conseguido sua independência de Portugal sem recorrer
à luta militar generalizada, os líderes regionais procuravam maior liberdade em
relação à capital, o Rio de Janeiro, diz Graham.
Mas, com o tempo, eles perceberam que essa vontade de reivindicar um
autogoverno regional ou a independência completa do governo centralizado
poderia enfraquecer sua autoridade, não somente sobre os escravos, mas
também sobre as classes inferiores em geral. Ou seja, temiam a desordem
social.
"É importante lembrar que o Brasil era um país de escravos. Eles compunham
grande parte da população. Era muito perigoso que as classes dominantes
começassem a brigar entre si e colocassem em risco sua legitimidade", destaca
Graham.
"Essa classe dominante temia que esses escravos pudessem aproveitar-se de
suas divisões internas para se rebelar", acrescenta.
Na América Espanhola, por outro lado, diz o historiador americano, "as elites (...)
aprenderam que poderiam lidar muito bem com uma população irrequieta. Todos
os países hispano-americanos tomaram medidas que objetivavam terminar com
a escravidão, possivelmente para diminuir o perigo da revolta escrava. Mestiços
(e alguns mulatos, como na Venezuela), tinham o comando de forças militares e
eram frequentemente recompensados com posse de terras tomadas dos
monarquistas", diz.
Estatísticas sobre o comércio de escravos embasam tal hipótese.
Entre 1500 e 1866, a América Espanhola recebeu 1,3 milhão de escravos
trazidos da África. No mesmo período, desembarcaram no Brasil 4,9 milhões,
segundo dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database, um esforço
internacional de catalogação de dados sobre o tráfico de escravos - que inclui,
entre outros, a Universidade de Harvard.
O levantamento foi possível porque os escravos eram uma mercadoria,
registrada na entrada e saída dos portos, sobre a qual incidia cobrança de
impostos. Nenhum outro lugar do mundo recebeu tantos escravos.

Levantamento de 2 de maio, ocorrido em 1808 em Madri, e duramente reprimido foi o


estopim para Guerra de Independência Espanhola

Fragmentação em vários países


Mas por que as fronteiras dos países recém-independentes na América
Espanhola não se mantiveram as mesmas das dos quatro vice-reinados? Ou
seja, por que houve tanta fragmentação?
Explica Ávila Rueda: "Na época colonial, o conceito de fronteira era distinto do
dos Estados modernos. O que havia era um sistema de jurisdição, não de
fronteiras. E as diferentes jurisdições às vezes se sobrepunham umas às outras".
Ele cita o caso do vice-reinado de Nova Espanha (território que compreende
parte dos Estados Unidos, México e América Central).
"Em termos de governo, o vice-rei tinha controle sobre praticamente todo o
território, salvo as regiões mais ao norte, que eram independentes neste sentido.
Mas, a nível fiscal, o governo do México tinha controle sobre essas regiões. Já
em relação a questões jurídicas, a gestão era totalmente diferente".
"Assim, houve conflitos bélicos muito fortes para delimitar essas fronteiras no
século 19, inclusive após a independência", acrescenta.
Ávila Rueda lembra que, com a abdicação de Fernando 7º, ocorre um processo
em que os territórios provinciais passam a lutar por "mais autonomia".
"Julgamos o passado a partir do nosso ponto de vista atual. Achamos que o vice-
reinado de Nova Espanha se manteve como um país unido, que é o México atual.
Mas nos esquecemos que depois da independência, surgiu o império mexicano,
que incluía a atual América Central. Posteriormente, com a dissolução do império
mexicano, se estabeleceram a federação mexicana e a federação centro-
americana, que mais tarde se desintegraria em outros países", diz.

Argentino José de San Martín é também conhecido como o libertador de Argentina, Chile e
Peru
"Houve um processo de fragmentação na América Espanhola. Eventualmente,
algumas dessas províncias formam confederações para ter força militar e se
defender de outros inimigos. Ou são unidas à força, como fez Simón Bolívar",
acrescenta.
Graham concorda. "Se você vai se tornar independente da Espanha, por que
continuaria a se submeter aos mandos e desmandos de Buenos Aires, por
exemplo? A divisão por vice-reinos era burocrática. E as fronteiras atuais dos
países da América Latina demoraram para ser consolidadas. Não era possível
prevê-las antes de 1810, pois resultaram de disputas internas após a
independência", explica.
Mas é importante lembrar que também houve na América Espanhola planos de
unificação, que não avançaram.

Militar e estadista, Bernardo O'Higgins foi uma das principais figuras militares fundamentais
do movimento de independência do Chile
Em 1822, Simón Bolívar e José de San Martín, duas das figuras mais
importantes da descolonização da América Espanhola, reuniram-se na cidade
de Guayaquil, no Equador, para discutir o futuro da América Espanhola.
Enquanto Bolívar era partidário da unidade das ex-colônias (ele forçou a
unificação da Colômbia e da Venezuela) e a formação de uma federação de
repúblicas, San Martín defendia a restauração da monarquia, sob a forma de
governos liderados por príncipes europeus. A ideia de Bolívar voltou a ser
discutida no Congresso do Panamá, em 1826, mas acabou rejeitada.
E se Fernando 7º tivesse feito o mesmo que D. João 6º e transferido a corte às
Américas, o mapa da América Latina seria diferente do que é hoje?
Em um artigo, o historiador americano William Spence Robertson, já falecido,
cita a frase de um observador espanhol em 1821: "O México não aceitaria as leis
que fossem sancionadas em Lima; nem Lima aceitaria as leis que fossem
sancionadas no México".
Agustín de Iturbide foi declarado imperador do México como Agustín I após independência
da Espanha
"A principal pergunta, portanto, é onde ele escolheria se estabelecer. Não
acredito que o México permaneceria leal a um rei estabelecido em Lima e não
em Madri", diz Graham.

Documento "Declaração ao Mundo" ou "Notas para a História" foi encontrado junto ao corpo
de Agustín de Iturbide após sua execução; sangue sobre papel é do próprio Agustín

"Mas certamente (se Fernando 7º tivesse se transferido às Américas) haveria


menos divisões do que, na verdade, ocorreu", acrescenta.
Isso porque os reis oferecem legitimidade.
Tanto é que, na Argentina, quando um congresso em 1816 declarou a
independência das "Províncias Unidas", Juan Martin de Pueryrredón, nomeado
diretor dessa entidade, tentou, nos três anos seguintes, em vão buscar alguém
na Europa com vínculo real para se tornar rei das Províncias Unidades do Rio
da Prata.

 Como uma princesa austríaca ajudou a articular a Independência do


Brasil - e o que isso tem a ver com o Museu Nacional

"A própria mulher de Dom João, Dona Carlota Joaquina, tinha vontade de se
tornar rainha do Prata", lembra Murilo de Carvalho.
Já no México, quando as cortes espanholas se recusaram a reconhecer a
independência mexicana e a permitir que um membro da realeza aceitasse o
trono do império mexicano, Agustín Iturbide, um dos mentores da
independência, forjou uma eleição ao fim da qual foi coroado imperador, como
Agustín 1º.
No Peru, também foi aventada a possibilidade de um príncipe espanhol liderar
uma monarquia independente.
Militar liberal e líder político venezuelano, Simón Bolívar foi um dos primeiros a lutar pela
descolonização da América Espanhola
Rebeliões no Brasil
Mas o processo de unificação territorial no Brasil tampouco foi totalmente
pacífico. Houve movimentos de caráter emancipacionista em Minas Gerais
(1789), na Bahia (1798), em Pernambuco (1817).
No entanto, essas revoltas foram mais fomentadas por um sentimento de
autonomia do que propriamente por um desejo de ruptura entre a colônia e a
metrópole.

Tiradentes foi líder da Inconfidência Mineira, mas revolta não tinha desejo de libertação de
todo território brasileiro
Um exemplo emblemático disso foi a chamada Inconfidência Mineira, liderada
por Tiradentes em Minas Gerais (1789). Não havia nessa conspiração
antimetropolitana nenhum desejo de libertação de todo o território.
Quando Dom Pedro 1º declarou a Independência do Brasil, em 1822, por
exemplo, a maior parte das províncias do norte foram contra e permaneceram
leais a Portugal, até defrontarem-se com uma força vinda do Rio de Janeiro.
Ainda assim, como lembra Graham, "mesmos os grupos do sul que declaram
sua aliança a D. Pedro 1º, em meados de 1822, não significavam o triunfo do
nacionalismo. Ao contrário, eles simplesmente preferiam o domínio dele, com a
promessa de autonomia local, ao domínio das cortes portuguesas, que
ameaçava essa autonomia".
Ávila Rueda acrescenta ainda que, "como na América portuguesa não houve
uma guerra de independência e sim uma continuidade com a transferência da
corte, o governo do Rio de Janeiro tinha mais força para suprimir essas
rebeliões".
"Em contrapartida, o governo do México não tinha força suficiente para evitar o
desmembramento da América Central. Tampouco o governo de Buenos Aires
em relação a Uruguai ou Paraguai", acrescenta.

'Acordo de interesses'
Segundo a historiadora brasileira Lilia Schwarcz, "a independência do Brasil foi
uma solução de compromisso entre as elites, no sentido de primeiro evitar uma
mudança estrutural na então colônia que se tornaria um país e evitar grandes
conturbações sociais", diz.
"Houve um ajuste entre as várias elites locais no sentido de preservar a
escravidão, evitar o formato de uma revolução, inclusive sabendo do que havia
ocorrido na América Espanhola e conseguir manter o país unificado",
acrescenta.
Graham concorda. "O governo central não foi imposto às pessoas influentes ou
até mesmo "vendido" a eles. Eles (a elite brasileira) o escolheram", assinala.
"Eles procuravam legitimidade porque, sem ela, sua autoridade local
permanecia relativamente fraca. Eles desejavam fortalecer a hierarquia porque
ela validaria a sua própria posição local predominante. Para alcançar esses
objetivos, eles construíram um estado central, simbolizado no imperador. A
monarquia tinha sua utilidade".
Sentença contra líderes da Inconfidência Mineira
"A presença do imperador foi fundamental. As elites pretendiam que o imperador
fosse uma espécie de símbolo a unificar as diferentes províncias e que, de
alguma maneira, ele fizesse uma passagem não tão convulsionada como no
restante da América Espanhola. Sabemos que a história não foi bem assim, mas
foi o que aconteceu no momento da independência", diz Schwarcz.
Por fim, a opção por um governo central, além de afastar o espectro de uma
anarquia social, também favorecia estender o poder dessas elites, uma vez que
cabia a elas as indicações aos cargos públicos, como oficiais da Guarda
Nacional, delegados de polícia e juízes.
"Eles vieram a considerar o governo central como apropriado e útil para fins
pessoais", diz Graham.
Já no fim do século, com a unidade do Brasil já assegurada e a escravidão
abolida, as elites já não precisavam mais "de um símbolo vivo do estado" para
estabelecer sua legitimidade.
O império acabou destronado pelo Exército, que proclamou a república quase
sem disparar um único tiro.

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