Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Temor social
Preocupações econômicas e sociais também contribuíram fortemente para
assegurar a unidade do Brasil.
Segundo Graham, fazendeiros e homens ricos das cidades acabaram aceitando
uma autoridade central por dois motivos: a ameaça de desordem social e o apelo
de uma monarquia legítima.
Um possível desmembramento do Brasil em diferentes países poderia colocar
em xeque o firme controle social desejado pelos proprietários de terras e
escravocratas. Inicialmente, eles achavam que conseguiriam manter o respeito
e a obediência, mas revoltas populares provaram o contrário, na prática. No Haiti,
por exemplo, a independência significou o fim da escravidão.
Embora o Brasil tenha conseguido sua independência de Portugal sem recorrer
à luta militar generalizada, os líderes regionais procuravam maior liberdade em
relação à capital, o Rio de Janeiro, diz Graham.
Mas, com o tempo, eles perceberam que essa vontade de reivindicar um
autogoverno regional ou a independência completa do governo centralizado
poderia enfraquecer sua autoridade, não somente sobre os escravos, mas
também sobre as classes inferiores em geral. Ou seja, temiam a desordem
social.
"É importante lembrar que o Brasil era um país de escravos. Eles compunham
grande parte da população. Era muito perigoso que as classes dominantes
começassem a brigar entre si e colocassem em risco sua legitimidade", destaca
Graham.
"Essa classe dominante temia que esses escravos pudessem aproveitar-se de
suas divisões internas para se rebelar", acrescenta.
Na América Espanhola, por outro lado, diz o historiador americano, "as elites (...)
aprenderam que poderiam lidar muito bem com uma população irrequieta. Todos
os países hispano-americanos tomaram medidas que objetivavam terminar com
a escravidão, possivelmente para diminuir o perigo da revolta escrava. Mestiços
(e alguns mulatos, como na Venezuela), tinham o comando de forças militares e
eram frequentemente recompensados com posse de terras tomadas dos
monarquistas", diz.
Estatísticas sobre o comércio de escravos embasam tal hipótese.
Entre 1500 e 1866, a América Espanhola recebeu 1,3 milhão de escravos
trazidos da África. No mesmo período, desembarcaram no Brasil 4,9 milhões,
segundo dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database, um esforço
internacional de catalogação de dados sobre o tráfico de escravos - que inclui,
entre outros, a Universidade de Harvard.
O levantamento foi possível porque os escravos eram uma mercadoria,
registrada na entrada e saída dos portos, sobre a qual incidia cobrança de
impostos. Nenhum outro lugar do mundo recebeu tantos escravos.
Argentino José de San Martín é também conhecido como o libertador de Argentina, Chile e
Peru
"Houve um processo de fragmentação na América Espanhola. Eventualmente,
algumas dessas províncias formam confederações para ter força militar e se
defender de outros inimigos. Ou são unidas à força, como fez Simón Bolívar",
acrescenta.
Graham concorda. "Se você vai se tornar independente da Espanha, por que
continuaria a se submeter aos mandos e desmandos de Buenos Aires, por
exemplo? A divisão por vice-reinos era burocrática. E as fronteiras atuais dos
países da América Latina demoraram para ser consolidadas. Não era possível
prevê-las antes de 1810, pois resultaram de disputas internas após a
independência", explica.
Mas é importante lembrar que também houve na América Espanhola planos de
unificação, que não avançaram.
Militar e estadista, Bernardo O'Higgins foi uma das principais figuras militares fundamentais
do movimento de independência do Chile
Em 1822, Simón Bolívar e José de San Martín, duas das figuras mais
importantes da descolonização da América Espanhola, reuniram-se na cidade
de Guayaquil, no Equador, para discutir o futuro da América Espanhola.
Enquanto Bolívar era partidário da unidade das ex-colônias (ele forçou a
unificação da Colômbia e da Venezuela) e a formação de uma federação de
repúblicas, San Martín defendia a restauração da monarquia, sob a forma de
governos liderados por príncipes europeus. A ideia de Bolívar voltou a ser
discutida no Congresso do Panamá, em 1826, mas acabou rejeitada.
E se Fernando 7º tivesse feito o mesmo que D. João 6º e transferido a corte às
Américas, o mapa da América Latina seria diferente do que é hoje?
Em um artigo, o historiador americano William Spence Robertson, já falecido,
cita a frase de um observador espanhol em 1821: "O México não aceitaria as leis
que fossem sancionadas em Lima; nem Lima aceitaria as leis que fossem
sancionadas no México".
Agustín de Iturbide foi declarado imperador do México como Agustín I após independência
da Espanha
"A principal pergunta, portanto, é onde ele escolheria se estabelecer. Não
acredito que o México permaneceria leal a um rei estabelecido em Lima e não
em Madri", diz Graham.
Documento "Declaração ao Mundo" ou "Notas para a História" foi encontrado junto ao corpo
de Agustín de Iturbide após sua execução; sangue sobre papel é do próprio Agustín
"A própria mulher de Dom João, Dona Carlota Joaquina, tinha vontade de se
tornar rainha do Prata", lembra Murilo de Carvalho.
Já no México, quando as cortes espanholas se recusaram a reconhecer a
independência mexicana e a permitir que um membro da realeza aceitasse o
trono do império mexicano, Agustín Iturbide, um dos mentores da
independência, forjou uma eleição ao fim da qual foi coroado imperador, como
Agustín 1º.
No Peru, também foi aventada a possibilidade de um príncipe espanhol liderar
uma monarquia independente.
Militar liberal e líder político venezuelano, Simón Bolívar foi um dos primeiros a lutar pela
descolonização da América Espanhola
Rebeliões no Brasil
Mas o processo de unificação territorial no Brasil tampouco foi totalmente
pacífico. Houve movimentos de caráter emancipacionista em Minas Gerais
(1789), na Bahia (1798), em Pernambuco (1817).
No entanto, essas revoltas foram mais fomentadas por um sentimento de
autonomia do que propriamente por um desejo de ruptura entre a colônia e a
metrópole.
Tiradentes foi líder da Inconfidência Mineira, mas revolta não tinha desejo de libertação de
todo território brasileiro
Um exemplo emblemático disso foi a chamada Inconfidência Mineira, liderada
por Tiradentes em Minas Gerais (1789). Não havia nessa conspiração
antimetropolitana nenhum desejo de libertação de todo o território.
Quando Dom Pedro 1º declarou a Independência do Brasil, em 1822, por
exemplo, a maior parte das províncias do norte foram contra e permaneceram
leais a Portugal, até defrontarem-se com uma força vinda do Rio de Janeiro.
Ainda assim, como lembra Graham, "mesmos os grupos do sul que declaram
sua aliança a D. Pedro 1º, em meados de 1822, não significavam o triunfo do
nacionalismo. Ao contrário, eles simplesmente preferiam o domínio dele, com a
promessa de autonomia local, ao domínio das cortes portuguesas, que
ameaçava essa autonomia".
Ávila Rueda acrescenta ainda que, "como na América portuguesa não houve
uma guerra de independência e sim uma continuidade com a transferência da
corte, o governo do Rio de Janeiro tinha mais força para suprimir essas
rebeliões".
"Em contrapartida, o governo do México não tinha força suficiente para evitar o
desmembramento da América Central. Tampouco o governo de Buenos Aires
em relação a Uruguai ou Paraguai", acrescenta.
'Acordo de interesses'
Segundo a historiadora brasileira Lilia Schwarcz, "a independência do Brasil foi
uma solução de compromisso entre as elites, no sentido de primeiro evitar uma
mudança estrutural na então colônia que se tornaria um país e evitar grandes
conturbações sociais", diz.
"Houve um ajuste entre as várias elites locais no sentido de preservar a
escravidão, evitar o formato de uma revolução, inclusive sabendo do que havia
ocorrido na América Espanhola e conseguir manter o país unificado",
acrescenta.
Graham concorda. "O governo central não foi imposto às pessoas influentes ou
até mesmo "vendido" a eles. Eles (a elite brasileira) o escolheram", assinala.
"Eles procuravam legitimidade porque, sem ela, sua autoridade local
permanecia relativamente fraca. Eles desejavam fortalecer a hierarquia porque
ela validaria a sua própria posição local predominante. Para alcançar esses
objetivos, eles construíram um estado central, simbolizado no imperador. A
monarquia tinha sua utilidade".
Sentença contra líderes da Inconfidência Mineira
"A presença do imperador foi fundamental. As elites pretendiam que o imperador
fosse uma espécie de símbolo a unificar as diferentes províncias e que, de
alguma maneira, ele fizesse uma passagem não tão convulsionada como no
restante da América Espanhola. Sabemos que a história não foi bem assim, mas
foi o que aconteceu no momento da independência", diz Schwarcz.
Por fim, a opção por um governo central, além de afastar o espectro de uma
anarquia social, também favorecia estender o poder dessas elites, uma vez que
cabia a elas as indicações aos cargos públicos, como oficiais da Guarda
Nacional, delegados de polícia e juízes.
"Eles vieram a considerar o governo central como apropriado e útil para fins
pessoais", diz Graham.
Já no fim do século, com a unidade do Brasil já assegurada e a escravidão
abolida, as elites já não precisavam mais "de um símbolo vivo do estado" para
estabelecer sua legitimidade.
O império acabou destronado pelo Exército, que proclamou a república quase
sem disparar um único tiro.