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“Descreve os afetos “como se descreve a fauna de um país distante” sem perceber que o
homem está todo inteiro nas suas paixões, como disse Fourier.”
“(…) através da arte, do pensamento e da paixão pode-se pensar ideia e corpo não como
uma relação de comando e obediência, mas como expressão recíproca e autônoma.
Seguimos a trilha de Espinosa, que diz: “Nem o corpo pode determinar o espírito a
pensar, nem o espírito pode determinar o corpo ao movimento, ao repouso ou a qualquer
outra coisa.”
“Paixão, para nós, é sinônimo de tendência – e mesmo de uma tendência bastante forte e
duradoura para dominar a vida mental.”
“A paixão é sempre provocada pela presença ou imagem de algo que me leva a regair,
geralmente de improviso. (…) Um ser autárcico não teria paixões.”
“Portanto não existe paixão, no sentido mais amplo, senão onde houver mobilidade,
imperfeição ontológica. (…) Devemos aprender a tirar proveito delas (as paixões) Não é
de espantar, então, que o tratado das paixões de Aristóteles faça parte da Retórica, que
analisa as paixões de modo a permitir ao orador suscitá-las ou pacificá-las em seus
ouvintes. Saber jogar com os impulsos emotivos pertence a técnica oratória (…) O
objetivo do orador, e, mais ainda, o do poeta, não consiste apenas em convercer através
de argumentos. É necessário também que ele toque a mola dos afetos,e utilize os
movimentos da alma que prolongam certas emoções. Desta forma, é preciso então saber
a propósito de que objeto determinado e por que disposição determinada do autor se
realizam estas variações afetivas.”
“(segundo Aristóteles) Há particularmente algo que nos parece estranho: que a paixão
seja compreendida como uma tendência implantada na natureza humana, mas
eminentemente suscetível a ser educada. Certamente, Aristóteles não deixa de observar
que “o desejo do agradável é insaciável e se alimenta de tudo”, e que ele crescerá sem
medida se não for reprimido desde a mais tenra infância.”
“(segundo Aristóteles) Aqui, a regulação ética não é exercida através de uma lei judaico-
cristã, mas pela opinião de um espectador prudente (...). Não se trata de alguém
obediente, mas elegante. (...) Desta forma não há qualquer conduta que seja capaz de
inibir totalmente as paixões. Toda conduta, inclusive a que se conforma ao logos, deve
servir-se das paixões. Esse tema, por excelência opõe o aristotelismo a toda filosofia ou
a toda religião que conceba a moralidade como submissão incondicional a um logos – e
particularmente o estoicismo (...).”
“(Nietzsche) “... os maiores atos realizam-se num tal excesso de amor”. (...) a propósito
dessas páginas de Hegel e Nietzsche (...) é uma interpretação pagã e, apesar das
aparências, anti-romântica da paixão.”
“(segundo Aristóteles) Em suma, para harmonizar as paixões, não se deve contar com
uma Lei moral: em nome da lei só se pode reprimir.”
“O fato de o pathos ser tido como um fenômeno irracional (alogon) não quer dizer que
haveria na alma, para os estóicos, uma força capaz de derrotar o logos. (...) como pode o
alogon surgir em minha alma? Através da representação (phantasia). Conscientizo-me
de que o alimento é apetitoso (...) e essa consciência desperta em mim uma tendência a
procurar ou a evitar o objeto. (...) Por isso há um só meio de evitar as paixões: extirpá-
las, impedindo que a emoção se transforme em uma tendência.”
“(segundo o estoicismo) “O sábio”, diz Crisipo, “sofre a dor, mas não é mais tentado
por ela: sua alma não se abandona mais a ela” (...) Seria absurdo pretender controlar a
paixão e modular sua força, pois ela é sempre o sintoma de uma doença e não de uma
reação inevitável a uma emoção. (...) a sabedoria é uma cirurgia das paixões.”
“Em nossos dias, quando se fala em paixão, pensa-se em amor e enamoramento; nos
séculos XVII e XVIII porém, a paixão por excelência era outra, a glória, a honra, a
reputação. Hobbes diz, em 1640: “No prazer ou desprazer que sentem os homens,
devido aos sinais de honra ou desonra que lhes são tributados, consiste a natureza das
paixões...” (Human Nature: ou the Fundamental Elements of Policy, cap. 8 § 8)
“Glóra, honra, fama e reputação apontam o renome que tenho, a imagem que os outros
veêm de mim. A imagem, pública, assim se opõem à intenção: quando os outros me
valorizam ou depreciam pelo que de mimé visível não importa o que eu esteja sentindo
no mais íntimo.”
“Por que essa paixão depois feneceu, ou melhor (…) por que ela hoje é encoberta, mal
confessa? Em primeiro lugar, porque a sociedade que lhe deu origem foi morrendo, a
partir da Revolução Francesa. Seu apogeu foi durante o Antigo Regime, nos séculos
XVII e XVIII (…) (Luís XIV) começa a exercer o poder diretamente em 1660 – e o
Rei-Sol, como logo se fará conhecer, substitui a repressão de Richelieu pela sedução.”
“Mas a ordem por excelência, que sintetiza todas as outras, é a própria cavalaria,
enquanto tal.”
“ (…) o Antigo Regime vivia-as (as experiências más de vida) em termos de infortúnios:
ou seja, consideravaque uma parte bastante grande de nossa vida era regulada pela
fortuna, a sorte, o acaso (…)”
“(…) o fato de gorvenar a virtú (capacidade de lidar com o mundo enquanto autor de
seu próprio destino) (…) representa do tempo de Maquiavel uma importante ruptura
com o pensamento medieval (…) A fortuna permitia-me aceitar as desigualdades
sociais, como fruto de estranha loteria, cujos desígnios não podiam ser decifrados (…).
Nossa sociedade tenta, há séculos, reduzir o acaso e a morte. É dessa maneira que ela
retoma o mito prometéico.”
“A ampliação das responsabilidade se vincula a outro traço notável dos tempos recentes:
nossa sociedade privilegia a intimidade (…) ao passo que o Antigo Regime aceitava que
vivêssemos em meios a semblantes, a máscaras (…)”
“As paixões são aquilo que lateralmente vêm perturbar a ordem da razão, enclaves
nunca de todo colonizados e que retornam vagamente rebeldes. Quando se pretende
penetrar no segredo da natureza, a felicidade e o sofrimento surgem como anomias
inquietantes (…) que ameaçam e geram medo. Para vencê-lo, a razão tem que exercer
uma constante vigilância e utilizar artimanhas a fim de se desfazer de tudo o que venha
a provocar desequilíbrio.”
“Por isso, Ulisses é astucioso: capaz de ludibriar o próprio Zeus, conhece o meio
adequado para alcançar seus fins; nele, ardil e razão constituem a racionalidade.”
“E toda a fama que ele outorga a si mesmo ou que os outros lhe outorgam só faz
destacar que a dignidade do herói só se conquista mediante a humilhação do instinto
contra uma completa, universal e indivisa felicidade.”
“O sacrifício significa, para Adorno e Horkheimer, uma das formas mais originárias da
troca racional. Os sacrifícios são prestados quando a consciência chega ao momento da
mais terrível ameaças – viver em estado de natureza. Nesta primeira etapa, a natureza é
um estado indiferenciado, do qual o indivíduo ainda não se separou; para dela destacar-
se deve passar pro um processo de dilaceramento e sofrimento, pois a indivisão do
homem e da natureza é vivida como situação de puro prazer.”
“ 'Ulisses faz com que seus homens o amarrem como o burguês que se recusa à
felicidade tanto mais obstinadamente quanto mais perto chega dela pelo crescimento de
seu poder'. Os marinheiros, com os ouvidos tapados, desconhecem o perigo mas
também a beleza do canto. Esta sem sido a experiência subsequente da humanidade: à
maioria foi negado o conhecimento da beleza e do amor.”
“Ao dominar-se a natureza exterior, domina-se a interior. Em Ulisses convergem
Iluminismo e Mito. (…) O mito pretende liberar os homens dos perigos da existência
natural – animal e vegetal – e protegê-los a partir de níveis cada vez mais altos de
Iluminismo, por temor de uma regressão à condição de sujeição, ainda mais arcaica, ao
poder das forças naturais.”
“Toda tentativa para quebrar a sujeição à dominação da natureza, 'porque a natureza está
quebrada', penetra 'cada vez mais profundamente na escravização da natureza'. (…) O
processo de dominação crescente exercida pelo sujeito racional (…) se consegue ao
preço da crescente inflação da 'segunda natureza', uma camisa-de-força de coerções
sociais e psíquicas.”
“O sujeito iluminado se sente ameaçado em sua absolutez 'no menor resíduo do não-
idêntico'. Para ele, o não-ser, o outro, é destruido e reduzido à dimenção do Mesmo.
Esse eu liquida a alteridade e nega a si próprio, convertendo-se em subjetividade vazia.”
“Neste contexto, em que tudo converge para a manipulação e o domínio, o amor (…)
'está associado à veneração do ser que o desperta'. (…) A renúncia torna o homem triste,
e a necessidade de amor, a necessidade do outro como única garantia de não-agressão,
converte-se em melancolia.”
“As sereias simbolizam muito do que nas mulheres é atraente e temível para os homens.
São a promessa de felicidade na forma do amor que ameaça: o amor erótico. No século
XVII, Jacques Fernand escreve: 'O amor ou paixão erótica é uma espécie de devaneio
procedente de um desejo de desfrutar do objeto amado. Ora, se esta espécie de devaneio
é acompanhada de medo ou tristeza, chama-se melancolia.' Nos termos da Dialética do
Iluminismo, esta melancolia provém do medo de perder o próprio eu, de onde a
renúncia, o auto-sacrifício.”
“Ulisses se torna melancólico porque o objeto renunciado continua a ser desejado. Nas
análise freudianas, essa impossibilidade de abandonar o objeto amado é a fonte natural
da tristeza. Freud, porém, distingue a tristeza da melancolia: 'A tristeza (…) é
geralmente a reação à perda de um ser amado ou de uma abstração equivalente (…). O
exame da realidade mostrou que o objeto amado já não existe e exige que a libido
abandone todas as relações com o mesmo (…). Apliquemos agora à melancolia (…)
constitui, também, evidentemente, uma reação à perda de um objeto amado (…), mas
não conseguimos distinguir claramente o que o sujeito perdeu e devemos admitir que
também a ele é impossível concebê-lo claramente'. O melancólico causa uma impressão
enigmática porque não se pode descobrir o que é que o absorve tão intensamente.”
“Talvez seja a tristeza intensa – reação a perda de um ser amado – o que integra a
cessação de interesse no mundo exterior e a submissão total à dor, o que fez com que a
acedia na Idade Média fosse representada por um homem e uma mulher adormecidos,
com incapacidade de ação, com inibição da vontade e perda di desejo, assimilados à
preguiça, ao 'sono culpado', à 'inação'. (…) 'Se em termos teológicos o que falta não é a
salvação, mas a via que conduz a ela, em termos psicológicos, o recessus traduz menos
um eclipse do desejo do que a colocação fora de alcance de seu objeto: trata-se de uma
perversão da vontade que quer o objeto, mas não a via que a ele conduz e que ao mesmo
tempo deseja e barra o caminho a seu próprio desejo'.”
“Panofsky estabele um paralelo entre a gravura de São Jerônimo e a Melancolia I: na
primeira obra, o estar a serviço de Deus em uma vida apaziguada de felicidade e
sabedoria divina está em contraposição à trágica inquietação da criatura humana.”
“O canto das sereias era o passado e a tentação de perder-se nele. A viagem ao passado é
uma viagem 'em sentido inverso ao da morte', é busca da promessa de felicidade
vislumbrada, por assim dizer, na infância, aquela reserva de energia que os anos por vir
comprometerão irremediavelmente ou resgatarão. (…) A infância é uma espécie de
Heimat, de pátria, de morada na qual 'ninguém ainda chegou'.”
“Sonho melancólico o de Ulisses, que seguia 'saudoso de sua verde Ítaca', perseguindo
uma felicidade deixada no passado, cujo significado é a imagem da felicidade 'como o
fim da tensão, do sofrimento, da perda e da morte: volta ao exílio (…), reconciliação do
homem consigo mesmo, da natureza com a história'.”
“Aqui, não se trata de psicologia, mas dos mistérios da paixão. E o sentido global não se
reduz a nenhuma causalidade explícita, ou a múltiplas causalidades, ou à soma de todas
as causalidades. O século XX inventou o analista mas matou o trágico, e a mais sublime
tragédia deste mundo, como dizia Machado, cabe num lenço.”
“Mas Otelo diz uma pequena frase no terceiro ato: “Quando eu não mais te amar, será o
retorno do caos”. E lembremo-nos da observação de Machado: “Tudo isso por um
lenço?”. É que esse progresso, essa necessidade implacável, essa aparente “logica” da
tragédia, repousa sobre o absurdo e inexplicável.
Em “O princípe cansado”, Erich Auerbach lembra uma diferença fundamental
entre a tragédia antiga e o teatro shakespearino. Na primeira, destino, fatalidade vêm
inscritos em leis exteriores aos homens que se encontram como que em trilhos, dos
quais, uma vez encarrilhados, é impossível sair. Nessa perspectiva, podemos dizer que,
no interior do mecanismo da fatalidade antiga, o acaso aparece como um acontecimento
cujas razões o personagem desconhece, mas não é verdadeiramente o imprevisto, o
inesperado, aquilo que não pode ser explicado. O acaso é instrumento da fatalidade e a
fatalidade dá um sentido aos acontecimentos trágicos e ao mundo. No teatro elisabetano,
o trágico está ligado à particularidade do personagem “que não se confude com nenhum
outro”; ele se torna assim específico, único. “A ideia de destino é, a um tempo,
concebida mais largamente e ligada mais estreitamente ao caráter individual do que na
tragédia antiga.”
“Nesse caminho, são frequentíssimos os personagens hipócritas que separam o dizer do
sentir. Muito constantes são as representações dentro da representação teatral, situações
expressamente dispostas por alguns personagens para enganar, e assim modificar
sentimentos, ou induzir tal ou qual personagema a agir de um modo ou de outro.
Iago é desse tipo. Ele é o arquiteto do destino, co-autor da tragédia. Ele é o que
mente: “não sou o que sou”, dirá, numa tirada célebre.”
“ A frase de Otelo já foi citada “quando deixar de te amar, será o retorno do caos”. Isto
é, o amor aparece sobre um fundo de desordem e é ele que instaura a ordem. (…) em
Shakespeare o amor não apenas como atração sentimental entre dois seres, mas como o
Eros herdado da antiguidade, que foi amplificado pelos comentadores da Renascença,
particularmente Marcilio Ficino. (…) Desse modo, o amor seguido da morte, em
Shakespeare, não seria a vitória dos sentimentos espiritualizados sobre o mundo
material e finito – o “inda mais te amarei depois da morte” dos românticos – mas a
persistência do princípio erótico, apesar da guerra que lhe trava o mal (que pode ser
visto, de um modo gera, como todos os princípios de corrupção, como o antieros; nesses
princípios estão insiridos as paixões).
“Creio que uma das lições que o texto de Shakespeare pode nos dar é justamente de
como são vãs todas as tentativas de explicação (…) Como são irrisórias as análises
psicológicas, sociológicas e outras. (…) tudo fica de um simplismo, de um mecanismo
impossível! Então, para mim, o prazer de trabalhar essa história de paixão é de tomá-la
como uma coisa compacta, como esse amálgama de que falei, e tentar penetrá-lo sem
buscar nenhuma explicação suficiente.”
“Não sou professor, não sou nenhum teórico, sou um artista, um poeta que procurava
refletir sobre o que fez, mas nunca deixei que esse meu tesão por refletir sobre o que
faço prevalecesse. Não sou teórico no sentido como a universidade entende. Sou uma
espécie de pensador selvagem, assim no sentido que se fala em capitalismo selvagem.
(...) O pensamento que alimenta e abastece uma experiência criativa tem que ser
pensamento selvagem, não pode ser canalizado por programas, roteiros, tem que ser
mais ou menos nos caminhos da paixão.”
“(...) intimidade com a palavra que, realmente, não vai me dar nada materialmente.”
“Aquele (os poetas) produto que saiu com falha, assim, entre dez mil sapatos um sapato
saiu meio torto. É aquele sapato que tem consciência da linguagem, porque só o torto é
que sabe o que é o direito.”
“A poesia seria cúmplice, desde o começo, desse sentimento que se chama amor. (…)
Poesia não vende. Poesia é um ato de amor entre o poeta e a linguagem. E esse é um
território como se fosse assim uma reserva ecológica do mercado em que vivemos que
resiste ao fato de se transformar em mercadoria.”
“O amor é uma anomalia engraçada. (…) não existe nenhuma disciplina científica que
tenha o amor como objeto.”
“ (…) mas tem que saber fazer verso, uma unidade musica imagética.”