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MARINGÁ - PARANÁ
2017
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MARINGÁ - PARANÁ
2017
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COMISSÃO EXAMINADORA
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Introdução
Este artigo tem por objetivo analisar o inquérito policial nº36/1964, referente às
investigações policiais na cidade de Itararé, localizada no sudoeste do estado de São Paulo,
iniciadas logo após o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, visando identificar munícipes
considerados suspeitos de apoiar o comunismo.
A cidade de Itararé conta, de acordo com o último censo populacional, de 2010, com
47934 habitantes.1 Emancipada em 28 de agosto de 1893, o significado do nome da cidade em
tupi-guarani é “pedra que o rio cavou”. Apesar de ser conhecida como terra da passagem dos
tropeiros ou ter sido marcada na história do Brasil como palco da famosa “batalha que não
houve”, em 1930, Itararé tem em sua história outros acontecimentos relevantes e muitas vezes
pouco explorados nas produções historiográficas, como é o caso da repressão política a partir
do golpe civil-militar.
Desde o início da ditadura, através das Comissões Gerais de Investigação (CGI),
foram abertos inquéritos policiais-militares “para apurar os “atos de subversão” que teriam
sido praticados por alguns milhares de cidadãos em todo o país” (ARNS, 1985, p. 169). É
importante destacar que em 1964, ano a que pertencem a principal fonte de análise desta
pesquisa, havia a possibilidade de que os acusados recorressem à Justiça Comum. Este viés,
como observa Arns, seria alterado com a instauração do AI-2 em outubro de 1965:
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Segundo os dados do censo do IBGE de 2010 a população do município é de 47934 habitantes. Acessado em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/itarare/panorama
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A história do Brasil republicano parece desconexa, ainda que tenhamos avançado com
a redemocratização e a Constituição de 1988, com o exercício pleno da cidadania e da
democracia. Desde 1889, não foram poucas as ocasiões em que grupos armados interviram na
disputa pelo poder. A própria derrubada de Pedro II em 15 de novembro, edificada pela então
história oficial como “proclamação da República”, foi um golpe militar, assistido de forma
bestializada pela população fluminense, como apontou o historiador José Murilo de Carvalho
na obra “Os bestializados” (1987).
Além da substituição da monarquia pela República, em 1889, o país foi palco de
outros contextos de ruptura da ordem estabelecida, por mais seletiva e maquiada que tenha
sido a participação popular nesses eventos políticos. O ano de 1930 é emblemático nesta
discussão, se notabilizando pelas eleições presidenciais de 1º de março, vencidas pelo
candidato da situação, o paulista Júlio Prestes, pertencente ao PRP (Partido Republicano
Paulista), ao derrotar o candidato oposicionista, Getúlio Vargas, lançado pela Aliança Liberal.
O jogo político de então era marcado pela disseminação da fraude eleitoral, influência
dos coronéis e de seus “currais eleitorais” pelos dois lados. Em tempos em que o voto não era
secreto, muito menos existia uma Justiça Eleitoral, “as máquinas eleitorais produziam votos
em todos os estados, inclusive no Rio Grande do Sul, onde Getúlio teria vencido por 298627
votos contra 982” (FAUSTO, 2014, p. 179). Não obstante, a insatisfação com a derrota pela
oposição foi alimentada com o assassinato do vice-candidato, João Pessoa. Reunindo
motivações públicas e privadas, sua morte foi explorada por Vargas e seus correligionários no
início da insurreição armada.
Os revolucionários marcharam ao Rio de Janeiro, então capital federal, com o objetivo
de tomar o poder e impedir a posse de Júlio Prestes. Com deposição do presidente da
república, Washington Luís, protagonizada pela alta cúpula militar, em 24 de outubro, os
setores oposicionistas não precisaram promover o derramamento de sangue que se anunciava
na cidade de Itararé-SP, diante das forças legalistas. Enquanto Getúlio Vargas era empossado
presidente da República em 3 de novembro de 1930, Itararé passava a ser conhecida
nacionalmente, como “cidade da batalha que não houve”.
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O golpe civil-militar começou a ser tramado antes de 1964. Para entendermos sua
gênese, além da noção do instinto repressor das instituições brasileiras, é necessário voltarmos
para a renúncia de Jânio Quadros, ocorrida em 25 de agosto de 1961. O presidente que havia
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Informações sobre os nomes que o DOPS recebeu em sua trajetória podem ser consultadas no trabalho de
Dissertação de Mestrado de Felipe de Faria Quadrado, A vigilância sem farda: a espionagem interna na ditadura
civil militar através do DEOPS.
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vencido as eleições e tomado posse no dia 31 de janeiro, alegou como motivação para tal ato
“forças terríveis”. Segundo uma versão da historiografia, Jânio esperava obter com a renúncia
“[...] maior soma de poderes para governar, livrando-se ate certo ponto do Congresso e dos
partidos. [...] Acaso os conservadores e militares iriam querer entregar o país a João Goulart?”
(FAUSTO, 2009, p. 442).
A comoção esperada por Jânio não aconteceu, o Congresso tomou conhecimento da
decisão e aí começou um novo dilema: a sucessão presidencial. Como a Constituição previa,
era o vice-presidente, João Goulart (Jango), quem deveria assumir. No entanto, sua figura
provocava resistência em grupos militares, que enxergavam Goulart como um líder
sindicalista.
A crise sucessória por muito pouco não se transformou em um confronto armado. Ao
contrário do veto que os ministros militares determinavam para a posse de Jango, que se
encontrava em viagem na China, no Rio Grande do Sul foi empreendida a resistência a tal
determinação, chamada de “campanha da legalidade”, liderada pelo cunhado de Jango, Leonel
Brizola, governador do Rio Grande do Sul.
Em meio à tensão, a solução encontrada pelo Congresso foi a troca da forma de
governo de presidencialista para parlamentarista. Assim, a 7 de setembro de 1961, a
instabilidade dava trégua e um sistema político mais flexível tinha início.
A experiência parlamentarista no país durou apenas até janeiro de 1963, quando, por
meio de plebiscito, a população decidiu pelo retorno ao presidencialismo. Como aponta Boris
Fausto, foi após esses anos de conturbação acerca da forma de governo para o país, que o
golpe civil-militar passava a ser “gestado”. Um aspecto que nutria os opositores de Jango no
sentido de uma intervenção armada era a questão fundiária no país. Enquanto a esquerda “[...]
queixava-se das vacilações de Jango na área das reformas sociais e das relações com o
imperialismo” (FAUSTO, 2009, p. 457), a direita tratava de relacionar as reformas
pretendidas por Jango com a radicalização das Ligas Camponesas e o comunismo.
A conspiração nos meios militares passa a tomar forma a partir da segunda metade de
1963. Em setembro de 1963 a Marinha e a Aeronáutica realizaram uma revolta de sargentos e
cabos na capital federal. Em outubro, Jango decretava estado de sítio por trinta dias. O
agravamento estava cada vez mais evidente. Junto da direita comandada pelos partidários da
UDN, somavam-se as forças armadas e setores civis e religiosos da classe média brasileira.
Os ingredientes para a intervenção golpista estavam postos na mesa. Restava – como
se fosse necessário para os ímpetos dos participes da ditadura – a resposta nas ruas. E ela não
tardou a vir. Um grande exemplo das manifestações da sociedade civil foi o movimento
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denominado “Marcha da família com Deus pela liberdade”, que, em 19 de março de 1964,
colocou cerca de 500 mil pessoas nas ruas de São Paulo. Esse movimento carregava consigo o
discurso anticomunista que se ampliou nos anos da ditadura.
Para Marcos Napolitano, três foram os núcleos de apoio que levaram ao sucesso do
golpe civil-militar de 1º de abril:
a) Conspiradores ligados à UDN e demais setores civis antivarguistas: este núcleo
tinha a frente líderes civis como Carlos Lacerda [...] Compartilha a oposição aos
herdeiros políticos do varguismo, sobretudo Leonel Brizola e João Goulart, e era a
favor do afastamento do nacionalismo que caracterizava o PTB;
b) Oposição militar: [...] representados pelos Estados Unidos da América, esse setor
militar conspirativo se fortaleceu sobretudo quando a hierarquia e os interesses das
Forças Armadas se viram ameaçadas pela política populista; c) O núcleo ligado ao
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES): foi criado em 1962 pelo general da
reserva Golbery do Couto e Silva. Além de articular a conspiração dos setores
militares – ligados à Escola Superior de Guerra (ESG) – e empresariais – oriundos
principalmente das empresas multinacionais instaladas no Brasil, que se viram
ameaçadas pela política nacionalista -, o IPES foi o responsável pela elaboração de
um projeto político alternativo à democracia populista, baseado nos princípios da
Doutrina de Segurança Nacional (1998, p. 9).
Como visto, o golpe não se sucedeu pela unificação de um único setor do país, mas foi
uma conjuração de grupos interessados na queda do governo Goulart, a partir da liderança das
Forças Armadas. Uma das primeiras medidas da ditadura que se iniciou em 1º de abril de
1964 foi governar através de decretos, chamados de Atos Institucionais. Eles eram “decretos
jurídicos de caráter centralizador e autoritário que se sobrepunham à Constituição Federal”
(NAPOLITANO, 1998, p. 15).
No recorte temporal desta pesquisa vamos nos atentar especificamente ao AI-1 (Ato
Institucional nº 1), de 9 de abril de 1964, haja vista que os documentos do inquérito policial
aqui analisado correspondem ao ano de 1964.
O AI-1 foi a primeira grande atitude do governo militar no sentido de reprimir os
opositores. Entre suas medidas se destacam a cassação dos mandatos legislativos, suspensão
dos direitos políticos dos atingidos por 10 anos e a decretação de estados de sítio. Eram
medidas de controle do poder público por meio do executivo. O AI-1 atingiu diversos
brasileiros e provocou o abalo na consciência daqueles que ainda acreditavam tratar-se de um
governo “salvacionista” ou de transição:
As consequências do golpe se abateram por todo o país. Como se objetiva este artigo,
vejamos como o município de Itararé assistiu ao golpe. Para tanto devemos retornar para o dia
1º de janeiro de 1964, quando tomaram posse o prefeito Verginio Holtz e o vice-prefeito
Walter Coquemala, ambos eleitos pela coligação PSP – PR – PSD. Ainda neste dia, em
tempos de uma nebulosa desconfiança dos rumos que a democracia no Brasil iria tomar, sob o
governo de Joao Goulart, os treze vereadores eleitos para o quatriênio de 1964 – 1967
assumiam seus cargos.
Já sabido o resultado do pleito para o executivo municipal, vejamos como foram
distribuídos os votos nas eleições para vereador realizadas em 6 de outubro de 1963:
Itararé, que emergia em 1964, não era uma cidade com presença política udenista
significativa dentro da vereança e da prefeitura. Como citado por Adriano Queiróz Pimentel, a
atuação deste partido girava em torno de apenas uma vereadora eleita. Isto não significa que
ideias reacionárias escapassem da conjuntura política da cidade. Para além de um partido
político especificamente, ser conservador em tempos de Guerra Fria, do sintomático temor da
“ameaça vermelha” e de notícias de movimentos de cunho socialista em vários países, era
uma atitude um tanto quanto natural às cidades pequenas e às suas elites dirigentes.
Com relação à forma como a imprensa do município noticiou o golpe, cabe citar o
jornal Tribuna de Itararé, principal órgão impresso da cidade em 1964. Da mesma maneira
como a maioria dos jornais brasileiros, o 1º de abril foi saudado como “revolução” pelo
semanário. Na edição de 5 de abril de 1964 a primeira página do jornal tinha a expressiva
manchete “Vitória das forças democráticas”. No texto, assinado pelo diretor João Contieri, há
a ideia de que João Goulart conspirava contra o país:
Texto ainda mais efusivo em dar apoio ao golpe esteve presente na edição do dia 12 de
abril do jornal, em que seis vereadores assinaram uma publicação que sugeria moção de
aplauso e solidariedade ao Governador do estado, Adhemar de Barros, por sua “atitude em
favor da democracia”. Na mesma edição, a vereadora udenista Dª Eunice Brito Tatit, escreveu
o texto “Revolução sem sangue”, no qual evidenciou a posição do legislativo municipal frente
aos acontecimentos:
Figura 1: Trecho do Relatório com os nomes dos indiciados enviado pela Delegacia de Polícia de Itararé.
O dia 10 de abril de 1964 foi intenso para as investigações comandadas por Artur
Cunha Filho, delegado da cidade de Itararé. Nesse dia, além de instaurar o inquérito policial
contra os cinco suspeitos de crime contra a segurança nacional, o delegado comandou autos
de busca e apreensão na casa destes e ouviu a declaração de um morador da zona rural.
Artur Cunha Filho determinou a instauração de inquérito policial contra Sylvio
Machado, Jorge Mellinger, José Mellinger Junior, Antonio Bittencourt e João Favier. As
motivações eram assim explicadas pelo delegado: “sendo do conhecimento desta Delegacia
que são partidários do Comunismo, ideologia que atenta contra a Segurança Nacional,
determino que seja instaurado competente inquérito policial” (INQUÉRITO POLICIAL Nº
36, p. 1). No mesmo documento o delegado pedia que fossem tomadas as declarações do
lavrador Álvaro do Espírito Santo.
O perfil dos indiciados era variado, mas prevalecia-se um padrão quanto à idade,
próxima aos cinquenta anos, com exceção de João Favier que tinha trinta anos. As profissões
dos suspeitos também variavam. João Favier e Antonio Bittencourt eram ferroviários, Jorge
Mellinger comerciante, José Mellinger Junior agricultor e Sylvio Machado tinha um escritório
de corretagem de seguros. Apenas este último era nascido em Itararé. Antonio Bittencourt
havia nascido em Castro, João Favier em Tatuí e os irmãos Mellinger, imigraram de
Nitchidorf, na Romênia.
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Segundo constam os autos do inquérito, às 9h da manhã, foi feita uma diligência até o
bairro da zona rural, chamado Barrinha, com o intuito de localizar o comerciante José
Mellinger Junior. Ali se encontrando, José não demonstrou resistência e aceitou que fossem
feitas buscas em sua casa. Ao contrário do que imaginava o delegado, não se localizou
nenhum jornal ou revista que simpatizasse com o comunismo.
Às 13h, acompanhados das testemunhas Mario Rodrigues de Camargo e Oracy Pontes,
o delegado e o escrivão, Eurico Fontes, foram até o escritório e também residência do corretor
de seguros, Sylvio Machado. O delegado foi recebido pela esposa de Sylvio, Josefina Mazalai
Machado, que informou que o marido estava desaparecido, não tendo noção de onde ele se
encontrava. Após busca de material comunista, assim como o que ocorreu na propriedade de
José Mellinger Junior, nada foi encontrado.
Depois das buscas a dois investigados, Artur Cunha Filho ouviu as declarações de
Alvaro do Espírito Santo Furquim. Morador do Bairro do Quadro, na zona rural de Itararé,
Alvaro era a ponte que o delegado buscava para dar prosseguimento às investigações com
relação às atividades suspeitas ocorridas na zona rural de Itararé. Ao inquirir Alvaro, algumas
informações úteis aos desígnios da arbitrariedade do delegado foram atingidas. O agricultor
admitia “[...] que embora seja assinante do jornal “Terra Livre”, há mais de um ano, não o fez
por que tenha tendências ideologicamente comunistas” (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 6).
Outra informação útil aos investigadores era a de que Sylvio Machado quem
procurava não somente Alvaro, mas também outros lavradores na busca por assinantes de
jornais e semanários. Nas declarações do lavador, era Jorge Mellinger o encarregado da
entrega direta do jornal aos moradores das localidades próximas: “[...] passou a receber esse
jornal, que lhe era enviado sob o cuidado de Sylvio Machado e distribuído na venda do bairro
onde mora por Jorge Mellinger” (INQUÉRITO POLICIAL Nº 36, p. 7).
Antes que o dia tivesse fim, Artur Cunha Filho teve tempo de realizar o terceiro auto
de busca e apreensão, agora na casa do ferroviário Antonio Bittencourt, às 18h, conforme
consta o inquérito. Novamente acompanhado das testemunhas Mario Rodrigues de Camargo e
Oracy Pontes, dessa vez a busca obteve resultados satisfatórios para os objetivos da
investigação. Foram encontrados “[...] em um dos cômodos sete exemplares do jornal O
Semanário, um exemplar do jornal Novos Rumos e um exemplar do Jornal da Manhã”
(INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 5).
No dia 13 de abril, Artur Cunha Filho solicitou a prisão de Sylvio Machado, que se
encontrava desaparecido. O motivo alegado era o de crime contra a segurança nacional,
baseado na lei nº 1802 de 5 de janeiro de 1953. Enquanto isso, diligências feitas até as
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residências de João Favier e Jorge Mellinger não obtiveram resultado. Segundo as apurações,
enquanto o primeiro estava viajando de férias, o segundo não morava mais em Itararé,
residindo em Curitiba.
Outra determinação do delegado no dia 13 de abril e que, por conseguinte, traria novos
rumos às investigações foi o pedido de declarações dos lavradores Angelo Augusto Ghizzi,
Mauricio Veiga e Ataide de Furquim Lopes, bem como o depoimento das testemunhas
Ludovico Gleczvik, Sebastião Ferreira Marciano e Raul Moreira Cortes.
Os depoimentos dos lavradores se relacionam com a intenção do delegado em obter
provas de que, de fato, era feito o trabalho de proselitismo político comunista junto aos
residentes nas áreas rurais da cidade. A prova categórica para incriminar, fundamentalmente
Sylvio Machado, girava em torno dos jornais, instrumentos de propaganda “subversiva”. A
memória das ações das Ligas Camponesas estava viva no ideário repressor dos órgãos de
polícia, e tão logo o golpe foi posto em prática, as áreas rurais dos municípios brasileiros eram
tidas como vulneráveis.
Angelo Augusto Ghizzi, residente na fazenda denominada “Barreiro”, foi o primeiro
dos três lavradores a fazer sua declaração, no dia 14 de abril. Segundo o que o inquérito
informa, Angelo, no dia 5 de abril, recebeu a inesperada visita, na fazenda em que trabalhava,
de Sylvio Machado, carregando uma grande mala nas costas. Angelo arrendava as terras do
deputado Walter Menk. Por conta disso temia sofrer represálias e comprometer seu nome ou
da fazenda. Conforme a declaração do lavrador:
Logo após a curta estadia dada, no dia seguinte, Angelo levou Sylvio de camionete até
a estrada que liga Itararé à cidade vizinha de Itaberá, e não teve mais notícias dele. Em suas
últimas declarações, Angelo reiterava não compactuar com o comunismo: “[...] o comunismo
é temido e combatido por todas as pessoas que moram na fazenda do deputado Walter Menk,
não tendo lá feito qualquer prosélito” (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 12).
No dia 18 de abril, os lavradores Mauricio Veiga e Ataíde Furquim Lopes deram as
suas declarações. Residentes no Bairro do Quadro se diziam analfabetos, sabendo assinar
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apenas o nome. Mauricio Veiga afirmou não fazer parte do comunismo, tampouco saber o
que ele significa, “[...] cujos princípios desconhece, sabendo entretanto, que são contrários ao
regime democrático” (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 13). Quanto a ter recebido jornais, o
agricultor se remete, em sua declaração, ao ano de 1963, anterior ao golpe civil-militar,
quando se tornou assinante do jornal “Terra Livre”:
Há oito ou nove meses atrás, tornou-se assinante do jornal “Terra Livre”, porém
ludibriado em sua boa fé, acreditando que se tratava de um órgão de imprensa sadio
que tinha por objetivo prestar auxílio aos lavradores, pois assim dizia um estranho
que andou por seu bairro, angariando assinaturas ao preço de 200,00, sendo certo
que os seus assuntos, além de serem variados, cogitava de reforma agrária, criação
de sindicatos e outros benefícios a favor dos lavradores; que os exemplares deste
jornal, vinham de São Paulo aos cuidados de Sylvio Machado, pessoa esta que os
encaminhava para os assinantes respectivos [...] (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p.
13).
O agricultor Ataíde Furquim Lopes teve declaração parecida com a de Mauricio.
Também desconhecia ao certo o que era o comunismo, haja vista ser analfabeto, sem nenhum
estudo. Sua principal fonte de informação vinha do que escutava o padre falar na igreja e no
rádio. Todavia, assim como Mauricio, admitiu assinar o jornal “Terra Livre”:
[...] não sabe, ao certo, o que venha a ser o comunismo, acreditando, porém, que é o
mesmo anti-democrático e religioso, porquanto por muitas vezes teve oportunidade
de assistir os padres combatendo essa ideologia, não só na igreja desta cidade como
também pelo rádio [...]. [...] pelo fim do ano passado andou um moço estranho pelo
bairro, angariando assinantes para o jornal intitulado “Terra Livre”, tendo o
declarante tomado uma assinatura por duzentos cruzeiros, passando daí por diante, a
receber mensalmente esse órgão de imprensa; que o estranho incumbido de colocar a
circulação no bairro o jornal aludido disse ao declarante que era enviado de
SYLVIO MACHADO, e que os exemplares respectivos vinham ao cuidado dele,
conforme, efetivamente, se deu; que, entretanto, o declarante nunca procurou Sylvio
Machado para receber o jornal, pois este lhe é entregue numa venda do bairro de sua
residência, venda essa que pertencia antes a Jorge Mellinger (INQUÉRITO
POLICIAL Nº36, p. 14).
O jornal “Terra Livre”, citado ter sido recebido nos depoimentos de três dos quatro
moradores das áreas rurais ouvidos pelo delegado, foi um órgão de imprensa alternativa no
Brasil entre as décadas de 1950 e a 1960. Organizado pelo PCB, tinha por função atender a
população da área rural:
portarias, os textos indicavam brechas legais que poderiam servir de base para
reivindicações, como férias, salário mínimo, descanso remunerado e direito de
organização, entre outros.
(Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/a-agitacao-e-
propaganda-do-pcb. Acessado em: 13 jul. 2017).
Para Rafael Sandrin da Cruz, a repressão no estado de São Paulo combateu jornais
como o Terra Livre, pois este tipo de publicação apoiava movimentos do campo e sindicatos,
um dos principais focos de investigação da polícia política que entendia circular dentro desses
jornais elementos comunistas:
O jornal Terra Livre durante o período de sua existência, ou seja, entre os anos de
1949 e 1964, foi alvo da repressão da “Polícia Política Paulista”, reconhecida como
DEOPS/SP. As ações investigativas deste órgão não foram direcionadas apenas
contra este jornal. Inclusive foram desenvolvidas em torno de meios de
comunicação de orientação comunista, que incentivaram os trabalhadores a
reivindicarem seus direitos, como o Jornal Hoje e a Voz Operária.
O Terra Livre apoiou a formação de movimentos sociais agrários no país, tais como
sindicatos de trabalhadores rurais, associações de lavradores e comissões em
fazendas, portanto, se tornou alvo de investigações policiais e da repressão. O
DEOPS/SP impediu que o jornal circulasse, pois os investigadores entendiam que a
repressão coibiria a formação de entidades sindicais (CRUZ, 2013, p. 30).
O ambiente em Itararé era de tensão. Jorge Mellinger e Sylvio Machado não haviam
sido identificados, estando desaparecidos. O chefe da delegacia havia apreendido jornais
dedicados a debater a questão agrária. Ao que se apresentava, os dois desaparecidos eram os
responsáveis pela distribuição dos jornais. Chama a atenção a velocidade com que Artur
Cunha Filho prosseguiu com as investigações. Afinal, um jornal entregue a pessoas simples,
analfabetas, seria capaz de contribuir para uma insurreição ou ameaçar a estabilidade de uma
cidade? Para a mentalidade do delegado e do DOPS da capital, a resposta era afirmativa.
Desejoso de finalizar o inquérito o mais rápido, no dia 24 de abril o delegado ouviu
três testemunhas, conhecidos moradores na cidade, que repudiavam qualquer menção ao
comunismo. Os argumentos recebidos representavam uma das últimas coletas de informações
de Artur Cunha Filho até finalizar o inquérito e remete-lo a São Paulo. O primeiro a falar foi o
relojoeiro Ludovico Geckzvik, que foi taxativo ao denunciar os suspeitos:
Em conversa veio a saber que Sylvio Machado é o chefe do Partido Comunista nesta
cidade. Sabe, também por notícias que se propagam na cidade, que entre os
comunistas figuram também os ferroviários da estrada de ferro sorocabana Antônio
Bittencourt e o agricultor José Mellinger Junior. [...] em conversa com o sargento de
exército instrutor de Tiro de Guerra local, contou este ao depoente que Antônio
Bittencourt, nessa época afirmava entusiasticamente, que era adepto do comunismo,
tendo em certa ocasião, proferido a seguinte frase “sou vermelho e o papai aqui
ninguém prende”. Não sabe se as últimas greves da Sorocabana de que participaram
os ferroviários desta cidade, obedeceram ou não plano subversivo, sabendo, porém,
segundo comentários, que os cabeças das mesmas, nesta cidade, eram os ferroviários
Favier e um tal Amendoim” (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 17).
Que havia naquele bairro uma venda de propriedade de Jorge Mellinger, que era
onde reuniam-se os simpatizantes do partido comunista, isto é, Jorge, Sylvio
Machado, e sua pessoa que vinha de Sorocaba para tal fim; que se utilizam de uma
pessoa qualquer para avisar os lavradores que havia reunião. [...] José Mellinger
Junior, quando estrava embriagado, se dizia comunista. Que é do conhecimento do
depoente que Jorge Mellinger há uns cinco meses vendeu sua venda tendo ido
residir em Curitiba. Sabe que alguns lavradores assinaram o jornal “Terra Livre”,
mas isso por imposição de Jorge. [...] já ouvi falar que Antônio Bittencourt é
comunista e andava dizendo bobagens por aí (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p.
18).
Percebe-se nas declarações das testemunhas de acusação a utilização de falas que iam
ao sentido de “ouvir dizer”, “segundo comentários”, de modo que não afirmam em suas
declarações ter conhecimento dos fatos, isto é, tê-los realmente presenciado.
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Disse que conhece pessoas que podem depor no presente inquérito, mas que não
encontram coragem suficiente e necessária; que na opinião do depoente, os acusados
só poderão ser julgados pelo Comando Militar, ou DOPS de S. Paulo, e este por
considerar suspeito no caso o Juízo e a Promotoria da Comarca de Itararé
(INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 19).
Neste momento das investigações, Artur Cunha Filho tinha dois dos cinco suspeitos já
identificados e presos na delegacia sobre o argumento de crime contra a segurança nacional.
O terceiro deles não demorou muito, na verdade, um dia após Antônio Bittencourt e José
Mellinger Junior. Em 26 de abril João Favier foi preso.
O golpe, desde seu início, desrespeitou garantias individuais previstas na Constituição.
A forma como os moradores de Itararé foram abordados e presos se insere na ótica analisada
por D. Paulo Evaristo Arns, a respeito das arbitrariedades cometidas contra aqueles que se
apresentavam espontaneamente à Justiça. Esses casos, “[...] demonstram que, nem assim, o
sistema repressivo agiu dentro do respeito aos direitos fundamentais da pessoa” (ARNS,
1985, p. 80).
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Os dias passavam num ritmo acelerado e o primeiro mês do golpe ia chegando ao fim.
Em 30 de abril uma solicitação do juiz Benedicto Dólival dava a tônica da logística das
informações repassadas a DOPS de São Paulo: “solicito que seja este Juízo informado sobre
as datas das prisões, andamentos dos inquéritos e as solturas já efetuadas, bem como se houve
remessa de presos a D.O.P.S em S. Paulo” (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p.31).
No dia 4 de maio, o delegado Artur Cunha Filho enviou a São Paulo um comunicado
que constava uma observação importante, a parte da qualificação, interrogatório e
identificação dos três primeiros suspeitos. Alertava acerca da impossibilidade de localizar os
“ferrenhos comunistas”, como o inquérito aponta, Sylvio Machado e Jorge Mellinger, “[...] o
primeiro está em lugar incerto e não sabido e o segundo por estar residindo na cidade de
Curitiba, cujo endereço não foi possível conseguir” (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 10).
Ainda no dia 4, foi a vez do último dos investigados dar seu depoimento, até que o
delegado encerrasse o caso e o enviasse como inquérito para São Paulo. O ferroviário João
Favier negou, da mesma maneira que seus colegas, ser comunista, recorrendo à sua vida
religiosa para combater as acusações:
[...] que quanto a ser comunista, informa que é católico praticante, e todos os
membros de sua família são católicos, aonde tem um filho que é coroinha e se fosse
comunista, não seria católico e nem permitira que seu filho fosse coroinha; [...] e
nunca ouviu falar que Sylvio Machado é comunista, que seu colega de serviço, de
nome Antonio Bittencourt, acusado, nunca soube que o mesmo fosse comunista
(INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 32).
Um dia depois, Artur Cunha Filho fez sua última incursão na casa de suspeitos até o
encerramento do inquérito. Os escolhidos foram os agricultores Alvaro do Espírito Santo,
Ataíde de Furquim Lopes e Mauricio Veiga. Nessas incursões foram apreendidos dezoito
exemplares do jornal Terra Livre, dois exemplares do jornal Novos Rumos e um exemplar do
jornal O Semanário. Novamente, nenhuma arma de fogo, anotações de objetivos do grupo,
livros de autores comunistas, em suma, a repressão reduzia propaganda ideológica e material
subversivo a alguns exemplares de jornais comprados por agricultores com pouca instrução.
Entre os dias 5 e 15 de maio não constam nenhuma publicação no documento
analisado. Há, pois, um hiato neste período de dez dias, o que pode sugerir que realmente não
houve nenhuma atividade de importância neste momento relacionada à investigação; ou
também que o organismo do golpe não reconheceu como válida de ser inserida no inquérito
nenhuma informação – nestes termos, a partir da exclusão de notícias que fossem contrárias
ao projeto de poder e repressão instalada.
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Entre uma Câmara Municipal que dava legitimidade ao governo golpista de Castelo
Branco, eleito indiretamente em 9 de abril por um Congresso já expurgado de inimigos do
novo projeto de poder, uma imprensa que nutria dentro de suas gráficas o ideário
intervencionista e uma forte repressão a comando do delegado Artur Cunha Filho, o
encerramento do inquérito estava próximo. No dia 16 de maio a documentação foi enviada ao
Tribunal de Segurança Nacional. A interpretação de seu conteúdo é uma pista do desfecho
que o cerco contra os investigados tomou.
As motivações do indiciamento e os nomes dos indiciados são expostos logo no início
do relatório pelo delegado:
Esta Autoridade relatora, sempre alerta aos reclames da Pátria, fiéis aos mais nobres
e sagrados princípios democráticos e Cristãos, em cumprimento de seu múnus
público e de seu dever de brasileiro, em permanente vigilância e combate à nefasta
ideologia extremista, em face da última intentona, felizmente sufocada sem
derramamento de sangue, não poupou esforços nem sacrifícios para descobrir,
prender e responsabilizar criminalmente, em conformidade com a Lei de Segurança
Nacional nº 1802, todos aqueles que neste município vieram de ser apontados como
suspeitos, adeptos ou meros simpatizantes do comunismo, daí a instauração do
presente inquérito policial, em 10 de abril de 1964, em que figuram como indiciados
Sylvio Machado, Jorge Mellinger, José Mellinger, Antonio Bittencourt e João Favier
(INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 36).
reunir na casa de campo, neste município, de Jorge Mellinger. Como este último se
acha morando em Curitiba, conforme informações obtidas, solicitou-se à Polícia
daquele Estado, que fosse ele identificado, qualificado e interrogado sobre a
acusação que lhe pesa (INQUÉRITO POLICIAL Nº36, p. 37).
Como lembra Maria Luiza Tucci Carneiro, os órgãos de repressão estavam espalhados
com informantes em todo o país:
Quanto aos agricultores assinantes dos jornais em áreas rurais de Itararé, o delegado
considerou-os inocentes, não tendo feito parte de nenhum “plano comunista”:
Apesar de cinco nomes indiciados, a ditadura, por meio do inquérito policial nº 36,
tratava Sylvio Machado como o chefe do grupo comunista de Itararé. Seu nome é o primeiro
da lista e a seu respeito figuram as principais informações do relatório. Para a lógica
autoritária de Artur Cunha Filho, qualquer movimento de formação política na cidade ou
resistência passaria por Sylvio Machado, que até então era considerado foragido pela polícia:
Conclusão
FONTES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
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São Paulo (1954-1964). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Estadual de Maringá. Universidade Estadual de Maringá. Maringá
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