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RESUMO:
Em Parnaíba, cidade praiana piauiense, muitos eram os sindicatos em luta e resistência política contra o golpe
civil-militar de 1964, ou seja, a burguesia e seu braço armado, os militares, que assassinaram friamente, ao
provocar violento aborto social, todo um desenvolvimento histórico que se gestava na luta pela melhoria das
condições materiais da existência da classe pobre. Ao efetuar-se, dialeticamente, o cruzamento de fontes orais e
escritas diversas, os sinais, pistas e indícios infinitesimais (GINZBURG, 1989) evidenciam que o espectro do
comunismo rondava a cidade de Parnaíba, Terra Livre das Atividades Subversivas de Comunização do Brasil, dos anos
de 1960 a 1980. O texto deseja contribuir para o debate político de disputa da memória da ditadura civil-militar
no Piauí, ao tempo em que assume a função social de escovar a história a contrapelo (BENJAMIM, 1994),
apresentando possíveis outras histórias.
Palavras-chave: Parnaíba/PI. Sindicatos. Ditadura Civil-Militar e Comunistas.
ABSTRACT:
In Parnaíba, Piauí beach town, many unions were fighting and political resistance against the civilian-military
coup of 1964, ie, the bourgeoisie and its armed wing, the military, who coldly murdered by provoking violent
social abortion, a whole historical development that gestava the struggle to improve the material conditions of
existence of the poor class. To be effected, dialectically, crossing several written and oral sources, signals, cues
and clues infinitesimal (GINZBURG, 1989) show that the specter of communism haunted the city of Parnaíba,
Free Land of the Subversive Activities Communization of Brazil the years 1960 to 1980. the text you want to
contribute to the political debate of race memory of civil-military dictatorship in Piauí, to the time it takes the
social functions to brush history against the grain (BENJAMIN, 1994), with possible other stories.
Keywords: Parnaíba/PI. Unions. Civil-Military Dictatorship and Communists.
Cada povo tem que lutar pela sua memória. Seria ingênua pensar que conhecemos o
nosso passado. O que a maioria sabe acerca do passado é exatamente o que os
detentores do poder permitem que ela saiba. Fica bem claro que os que estão no poder
não tem nenhum interesse em que o povo conheça a sua verdadeira história, pois ela é
por demais instrutiva acerca das injustas praticadas contra um povo.
(CAPISTRANO DE ABREU)
Este texto, feito de infinitas emoções, deseja contribuir para a produção historiográfica
sobre possíveis outras histórias da ditadura civil-militar no Piauí (1964-1985), buscando
problematizar a memória desse período na cidade de Parnaíba, situada na região do Delta do
Parnaíba, litoral norte do Estado do Piauí. Objetivamos encontrar nesta investigação vestígios
do regime e seu oposto, a resistência. Nossa pesquisa emerge no ano de 2012, quando a
história recente do Brasil foi marcada pela retomada de um debate de raízes culturais
profundas e ainda não totalmente conhecidas pela sociedade brasileira, a ditadura civil-militar
de 1964-1985.
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Para a escrita do texto dialogamos com a seguinte literatura existente sobre o tema: (BRASIL, 2014);
(CARVALHO, 2006); (AARÃO REIS FILHO, 2014, 2012); (MATTOS, 2005, 1998); (GASPARI, 2002), entre
outros. Entretanto, a inspiração maior para a escrita do texto foi dialogar amplamente com as fontes primárias
por nós encontradas acerca da temática deste dossiê, ensaiando assim uma escrita autoral sobre a historiografia
da Ditadura Civil-Militar no Estado do Piauí.
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Ao todo foram realizados três seminários com participação de ex-presos políticos: sites:
http://www.proparnaiba.com/redacao/2012/05/28/semin-rio-sobre-a-ditadura-militar-acontece-na-uespi-em-
parna-ba.html; http://www.proparnaiba.com/redacao/2012/06/08/realizado-o-ii-semin-rio-em-defesa-da-mem-
ria-verdade-e-justi-a.html; http://www.proparnaiba.com/redacao/2013/06/06/iii-semin-rio-mem-ria-verdade-e-
justi-a.html
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Vinculada a Universidade Estadual do Piauí, Campus de Parnaíba, o projeto foi coordenado pelo Prof. Dr.
Roberto Kennedy Gomes Franco, tendo como bolsistas do Curso de História os alunos Wendell San Barros
de Oliveira(2012-2013) e Jedson Martins da Silva (2013-2014); com financiamento do PIBIC/CNPq/UESPI.
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Esta pesquisa nos jornais piauiense foi feita no Arquivo Público do Estado do Piauí, na cidade de Teresina, em
conjunto, por dois bolsista, um deles Wendell San Barros de Oliveira(2012-2013) Curso de História de
Parnaíba, sobre orientação do Prof. Dr. Roberto Kennedy Gomes Franco, e a outra, do Curso de Pedagogia da
UFPI de Parnaíba, Naiara de Araújo Sotero, sobre orientação da Profª. Drª. Tânia Serra Azul Machado Bezerra.
Neste momento da pesquisa, foi feito um esforço concentrado em foto digitalizar noticiais referentes à ditadura
civil-militar no pós-1964 em diante.
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Após ter sido feito o estudo da situação, levantadas todas as possibilidades de ação
dos elementos suspeitos e feito coleta de informações o Comandante da Guarnição
Federal de Teresina resolveu determinar a abertura de um Inquérito Policial Militar,
para apurar o fato de que elementos ligados a ideologia comunista vinham
praticando na cidade de Parnaíba, Estado do Piauí atos que atentavam a Segurança
Nacional. Foram realizadas várias prisões por intermédio dos oficiais do Exercito de
Teresina e Fortaleza/CE e da Polícia Militar do estado do Piauí em toda a cidade,
especialmente de lideres Sindicais, tidos como envolvidos com atividades de
agitação ou indiretamente ligados a esses atividades. Essas detenções tiveram como
objetivo elucidar a ação subversiva e apurar a responsabilidade de cada detidos.
(Teresina 02 de julho de 1964, p. 03.)
O fato é que logo após o golpe, no Estado do Piauí, os militares passaram a perseguir
vivamente "elementos subversivos diversos", mediante os atos da Chamada "OPERAÇÃO
LIMPEZA". Em retrospecto das operações realizadas, dando continuidade ao combate dos
elementos subversivos em Campo Maior, Piripiri, Parnaíba, entre outras cidades, temos a
seguinte notícia sobre a perseguição aos sindicatos em Parnaíba:
prisões era absurdo, até mesmo porque pessoas sem qualquer vinculo com a subversão eram
presas. Por outro lado, como diz o ditado popular: "onde há fumaça, há fogo". Então, quer dizer
que em Parnaíba muitas eram as organizações do mundo do trabalho articuladas politicamente
e em luta, categorias profissionais diversas, o que realmente demonstra que, do ponto de vista
histórico o espectro do comunismo rondava a cidade de Parnaíba.
Ainda sobre o jogo ideológico de lembranças e esquecimentos, na disputa pela
memória-história, temos o seguinte comentário do capitão Gladstone, responsável pelas
prisões m Parnaíba:
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Emílio Garrastazu, feita pelo então Interventor do Estado, nomeado pelo próprio Médici,
Alberto Silva. Nesta viagem, Médici esteve também na cidade de Parnaíba.
No jornal alternativo de esquerda Novos Rumos, em Parnaíba, temos a crítica feita a
esta visita que mobilizou a elite local, conforme fotos diversas a que tivemos acesso, e, ainda,
as denúncia das obras super faturadas, entre elas a inauguração do Aeroporto de Parnaíba, de
alguns monumentos que ainda hoje rememoram uma amarga lembrança histórica da cidade
durante os anos de chumbo, de uma escola, de estradas e de uma ponte, entre outras obras.
Restam evidentes, ante a esta análise dos jornais piauienses como instrumento da
divulgação da ideologia da ditadura civil-militar, os perigos da pesquisa em história, tendo
em vista que as evidências nem sempre enunciam uma verdade histórica; ao contrário, podem
até “esconder” algo, pois nenhuma fonte passada, presente ou futuro é neutra, carregando em
si os interesses em enunciar uma memória-histórica hegemônica, que, articulada com os
“donos” de jornais, manipulam a existência da diversidade humana. Isto obstrui a
possibilidades de Outras Histórias (HOBSBAWM, 1988), talvez o medo de outras possíveis
versões que venham, quem sabe, (des)construir os monumentos de origem da ditadura civil-
militar no pós-1964.
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... a abertura de um Inquérito Policial Militar, para apurar o fato de que elementos
ligados a ideologia comunista vinham praticando na cidade de Parnaíba, Estado do
Piauí atos que atentavam a Segurança Nacional. Foram realizadas várias prisões,
especialmente de lideres Sindicais. (Teresina, 02 de julho de 1964, p. 03).
Então, ao tempo em que encontramos agora não mais a mera informação sobre a
criação do 1º Inquérito da Subversão Militar em Parnaíba, e sim o próprio documento com
quase duas mil páginas, passamos a ter acesso, na integra, aos interrogatórios feitos pelos
militares aos chamados "elementos ligados à ideologia comunista" (BNM nº 349) sobre as
atividades desenvolvidas em Parnaíba. Assim, passamos a mergulhar nas contradições desta
documentação, mesmo sabendo que se trata de documentação produzida pela memória
hegemônica dos ditadores. Muitos fatos que antes eram guardados com muito sigilo, agora,
aparecem e modificam nossa percepção de passado e presente, isto porque, conforme Schaff
(1991, 272), "reescrevemos continuamente a história porque os critérios da avaliação dos
acontecimentos passados variam no tempo e, por conseqüência, a percepção e a seleção dos fatos
históricos mudam, para modificar a própria imagem da História."
Por exemplo, localizamos, no texto de abertura do IPM (BNM nº 349, 1964. Fls.04,
vol 1), entre outras coisas, a seguinte informação sobre a cidade de Parnaíba:
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BNM nº 349, Arquivo Brasil Nunca Mais:
http://bnmdigital.mpf.mp.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=BIB_04&PagFis=33953&Pesq=Parna%C3%ADb
a+, acesso, setembro, 2012.
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Temos assim a ramificação pelas regiões mais diversas do Brasil, como em Parnaíba,
das violações do direitos humanos, com perseguições ferrenhas praticadas pelo regime
ditatorial às organizações sindicais diversas. Também nos chamou atenção o fato de que essas
perseguições partidárias e acusações de subversão, com proibição a reuniões e a simples
questão de livre pensamento e opinião, se deram em uma cidade que, apesar de não ser a
Capital do Estado, era alvo central de militantes de esquerda e do poder da repressão.
Este indício fica evidente no próprio texto do IPM, ao assinalar que: "Houve um IPM
centrado sobre as atividades de Parnaíba e outro, menor, sobre Teresina." (BNM nº 349, 1964,), e
ainda, como vemos, a afirmação de que o IPM instaurado em Parnaíba era maior do que o
IPM de Teresina. Bem sabemos que, em muitos casos, havia exageros, pode até ser que não,
porém, pelos vestígios até agora por nós analisados, temos ai claramente a cidade de
Parnaíba/PI como "TERRA LIVRE PARA AS ATIVIDADES DE COMUNIZAÇÃO DO BRASIL".
Chama nossa atenção, ainda, o fato de que, já nos primeiros dias pós-golpe em abril de
1964, se tomaram as devidas medidas para a Instauração de um IPM em Parnaíba. Diz o texto
que: "O primeiro deles teve início em abril de 1964" (BNM nº 349, 1964, Fls.04, vol 1). Este IPM
era justamente em Parnaíba, possibilitando para nós a percepção clara de que o espectro do
comunismo rondava o Delta do Parnaíba. Isto, em certa medida, tem relação direta também
com as proximidades da cidade, tanto com São Luis, no Maranhão, quanto com o Estado do
Ceará, especialmente com a Cidade de Camocim, primeira do Estado a ter uma célula do PC
no Ceará, e ainda, com a cidade de Fortaleza/CE. Neste sentido, por exemplo, a estrada e ferro
e a navegação presentes na região, naquele contexto, possibilitava não apenas a circulação de
mercadorias diversas, mas também de ideologias revolucionárias.
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Outro exemplo é o TPI de Francisco das Chagas da Frota de Medeiros, que recebeu a
acusação de estar "pregando reformas e discutindo constantemente nos Correios e Telégrafos
onde o mesmo trabalhava as mudanças políticas do país e sobre a lei de remessa de lucro da
entidade onde trabalha". (BNM nº 349, 1964).
As interferências no fazer político da cidade eram diversas. Destacamos, ainda, que
dois vereadores foram autuados "por estarem promovendo ações consideradas subversivas ou
dando apoio ou simplesmente manifestando suas opiniões partidárias ou ideológicas em prol do
Governo deposto de João Goulart e outro líderes sindicais da Época". (BNM nº 349, 1964.). Eram
eles, João Roberto de Araújo e Custódio Amorim, ambos do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB). Eles foram acusados "de manifestarem apoio ao então inimigo da revolução Leonel Brizola,
que viria fazer uma visita a Parnaíba, onde seria muito bem recebido e que ganharia por indicação de
Custódio Amorim da câmara de vereadores de Parnaíba o título de Cidadão da cidade"(BNM nº 349,
1964), por considerá-lo “amigo dos trabalhadores”. Já sobre João Roberto de Araújo, pesam-
lhe as seguintes acusações;
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No TPI, o interrogado ,
diz como a maioria que estava apenas pregando reformas benéficas para sua
categoria, não cabendo ao mesmo ações de subversão, e que suas viagens constantes
ao Rio eram de caráter oficial e totalmente necessárias para a manutenção de suas
funções como secretário. (BNM nº 349, 1964.),
Foi Fundado pelo líder estivador TIAGO JOSÉ DA SILVA, um Comando Geral dos
Trabalhadores, conhecido pela sigla CGTP, ou vulgarmente “Cegetesinho”,
intimamente ligado ao CGT Nacional, pois recebia instruções do Sr. RAFAEL
MARTINELLI e tinha conhecimento da greve geral que seria deflagrada em todos o
País. Orientado pelo Engenheiro ALBERTO SOLHEIROS, Superintendente da
Estrada de Ferro Central do Piauí (EFCP), atualmente foragido, "foi deflagrada
uma greve entre os ferroviários daquela autarquia, em sinal de protesto pelas
prisões de inúmeros ferroviários, notadamente os da Guanabara. A greve em
questão, foi iniciada na tarde de 31 de março último", mas não teve
prosseguimento em face dos acontecimentos políticos da época. Sob a orientação do
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Pela sua ligação com o C.G.T nacional por meio de Rafael Martinelli. Fundou, aqui
um sindicato com a mesma sigla. A serviço deste foi várias vezes ao Rio de Janeiro.
Conseguiu a verba de Cr$ 3.000.00 para a construção de sua sede própria. Convocou
a Assembléia Geral dos Sindicatos na sede dos Estivados para deliberar sobre uma
passeata de apoio a Goulart, ocasião em que pronunciou um discurso nesse sentido.
Tinha conhecimento da greve geral ordenada pela cúpula do C.G.T para que fosse
deflagrada em todo o país. Assistiu o comício da Supra, no dia 13 de março de 1964.
Telegrafou a seus companheiros comunicando o sucesso obtido. (BNM nº 349,
1964. Autos do Inquérito, Fl. 21).
[...] toda a perseguição mesmo começou na década de 1950, quando já havia uma
grande exploração do trabalho do homem do campo pelos grandes latifundiários. Em
1960, já com a existência do rádio os camponeses começaram a se organizar nas
comunidades de base. A igreja Católica, vendo o movimento, resolveu aproxima-se
do homem camponês, tendo a finalidade, de dá sua contribuição, na educação e
conscientização ao homem do campo, para fim promoverem e se libertarem da
exploração dos latifundiários.
O contexto de criação destes sindicatos em todo o Brasil fiz com que aumentassem os
conflitos, pois os donos das terras proibiam que seus moradores se associassem aos sindicatos
rurais, sendo que aqueles que fizessem parte de sua filiação seriam expulsos de suas terras, e,
assim, por estes motivos, passavam a procurar as cidades para morarem, fenômeno esse que
consolidou a migração e a urbanização brasileira.
Segundo, ainda, seu Antônio Damião (2012),
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Tomamos como referência, para a expressão memória socialmente compartilhada, Alessandro Portelli (1997,
p. 16), ao assinalar que a memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-
se de instrumentos socialmente criados e compartilhados.
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Seu Antônio de Damião de Sousa foi um dos convidados para narrar suas experiências de militante camponês,
no II SEMINÁRIO MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA, realizado em junho de 2012; pelo Comitê Memória,
Verdade e Justiça de Parnaíba/PI.
site: http://www.proparnaiba.com/redacao/2012/06/08/realizado-o-ii-semin-rio-em-defesa-da-mem-ria-verdade-
e-justi-a.html
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Meu filho fiz parte de toda esta história que falei, sempre junto aos Trabalhadores
Rurais, fui preso pelo Exército Brasileiro, caluniado, torturado, perseguido durante o
regime Militar, tive que me refugiar com a ajuda da Igreja Católica, através do Bispo
Dom. Avelar Brandão Vilela, em 15 de janeiro de 1970, embarquei de Teresina/PI
para os Estados Unidos da América, onde fiquei por 03 meses. Outra situação
constrangedora foi andar com o nome mudado, sofri bastante com esta situação.
Entre muitas outras torturas, uma me marcou demais, em uma noite de chuva os
militares da Guarnição do quartel do 25° BC de Teresina, me levaram para o rio
Poti, me amararam pela cintura e me jogaram dentro daquela imensidão de água,
pois estava muito cheio, devido o período chuvoso, por sorte e ajuda de pescadores
fui salvo, dai fui preso de novo, porém desistiram de me executar. Durante 33 dias
que passei preso no quartel do 25° BC, fui totalmente incomunicável, dentre todas as
torturas, a pressão psicológica era terrível, tendo que conviver com a incerteza de
que sairia daquela situação com vida. Depois que fui posto em liberdade, tive que ir
depor por várias vezes, no Quartel da Guarnição Federal do 25° BC, devido
denuncias fraudulentas de latifundiários, que diziam sermos um grupo de
comunistas no Brasil. Acho eu que ainda tem muita coisa a ser contada, vou dar um
tempo, por hora dizendo que os camponeses durante a Ditadura Militar, existiam
contra as organizações criminosas, os latifundiários e os militares.
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Merecem atenção, ainda, na lista de presos, os nomes de cinco militares, são eles: 1º
tenente José Aldano da Silva; 2º Sargento Alexandre Tomaz e Silva; 2º Sargento Aristides
Rodovalho de Alencar; 2º Sargento Virgílio Winkles e 2º Sargento Benoni de Miranda. Estes
são indícios, ainda, a serem aprofundados, que demonstram no Estado do Piauí a
possibilidade de um trabalho de infiltração da esquerda nas forças armadas.
É preciso, além da análise destas fontes documentais, ouvir, por intermédio do relato
oral, as outras histórias daqueles que experimentam na carne os antagonismos dos anos de
chumbo.
[...] quando chegou às eleições, os militares e alguns políticos foram até a escola e
pediram para que ela anotasse o partido de todos os funcionários da escola exigindo
que todos votassem e fizessem campanha política para estes. Isto porque, todos os
diretores eram obrigados a fornecer o partido político e outros dados dos
funcionários das escolas e garantir que todos votariam nos candidatos do governo,
caso contrário aqueles que não pertencessem ao mesmo partido do governo, seriam
mandados embora. (FONTENELE, 2013).
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Lembra, porém, que "sua atitude foi considerada uma afronta. Então, foi demitida, mas
passou a militar ainda mais forte contra esses desmandos." Fontenele (2013).
Nessa ocasião, em suas reminiscências, diz que "foi para rádio dizer aos professores que
não tivessem medo", e que já havia entrado com "um mandato de segurança contra o governo do
Estado, para garantir os direitos que lhes foram tirados, apesar de ter estudado, ter feito concurso, foi
demitida." Fontenele (2013). Relatou, ainda, que estava lutando para readquirir os seus direitos e
por isso eles a chamavam de subversiva. “Se lutar pelos meus direitos é subverter a ordem do país,
então nesse caso eu sou subversiva”.
Na fala da professora Maria de Jesus Fontenele, percebemos que o terrorismo do
Estado ditatorial era enorme, fazendo com que os professores, por medo de perderem seus
empregos, não frequentassem a sede da Associação. Diz-nos, entretanto, que, "os professores a
procuravam em sua casa em horários noturnos, para não serem vistos com a mesma" . Mesmo com
este distanciamento disfarçado com a APEP, "muitos professores eram abordados altas horas da
noite pela polícia em suas residências, na tentativa de intimidá-los". Ela também recebeu a visita
inesperada da polícia em sua residência em 1979 e nos relatou "o constrangimento que isso
ocasionava naquela época, por causa do carro que ficava parado em frente, com aquele giroflex
ligado o tempo todo". Fontenele (2013).
Na luta contra a precarização do trabalho docente e os desmandos do governo que a
todo custo procurava corromper a luta, na tentativa de que a APEP se tornasse totalmente
atrelada ao poder, temos ainda na narrativa da Professora Maria de Jesus uma lembrança
interessante, que versa sobre a união de professores e estudantes. Entre estes aliados, estavam
o presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março, da Universidade Federal do Piauí- UFPI, e
o presidente da Associação Colegial dos Estudantes de Parnaíba – ACEP.
Unidos, ambos foram em busca de um carro de som para chamar os professores para
um movimento na Praça da Graça8. Ao conseguirem emprestado de uma amiga comum,
saíram pelas ruas da cidade, convocando todos os professores para comparecerem as 17 horas
à Praça, para que pudessem discorrer sobre os problemas da categoria.
Quando chegaram porém, à Rua Coronel Lucas, "foram subitamente fechados pelo carro
da polícia que desceram armados e apreenderam o carro e som, pois estavam fazendo barulho na
cidade". (FONTENELE, 2013). No horário marcado contudo, a Praça da Graça estava tomada
por estudantes universitários, colegiais, poucos professores de coragem e a população
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A Professora Maria de Jesus Fontenele convidou todos os professores da cidade de Parnaíba a participarem
deste movimento. Sua convocação foi publicada pelo jornal INOVAÇÃO, Ano V, nº 40, Parnaíba, fev./abr.,
1982. Arquivo: Instituto Histórico Geográfico Genealógico de Parnaíba.
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Você continua com esse papel (o discurso). Eu disse sim continuo. Daí ele disse:
"Você vai presa". – Se eu for presa você vai comigo para delegacia, dentro do
camburão? “Eu tinha medo, estava com as pernas tremendo” – ele disse "Sim". –
Então eu continuei ... disse a todos as perseguições a que fora acometido pelo
regime militar e tudo que havia perdido, em seguida todos os outros falaram. Não
saímos presos porque ao terminar nossos discursos, fomos literalmente carregados
nos braços pela multidão alvoroçada, enquanto os políticos se retiravam, mas a
polícia ficou lá para tentar manter a ordem preestabelecida por aquele governo.
(FONTENELE, 2013).
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