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SENTIMENTOS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA/TORTURA NO

PARANÁ NAS DÉCADAS DE 1960 E 1970: (RE)SIGNIFICANDO A DOR E O MEDO


PALOMA EROTILDES DE LIMA MENEGHETTI DE PAULA*
ALTAIR BONINI**

Resumo: A partir de depoimentos concedidos ao projeto Depoimentos para a História – A


resistência à Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz, foram selecionados as histórias de
quatro mulheres perseguidas e torturadas por representantes do governo militar brasileiro,
procuramos mostrar como essa memória traumática foi (re)significada, tornando-se algo
positivo. O recorte temporal e espacial, que delimita o estudo, foi o de mulheres que aturaram
na militância no Estado do Paraná e que foram presas na década de 1970. Para análise foi
utilizado à metodologia inspirada na História Oral, junto com a categoria de gênero, no qual
foi possível perceber as memórias em comum das depoentes, e o que de suas memórias foram
retratadas como importantes de serem ditas e lembradas, mas principalmente como trataram e
(re)significaram estes fatos em suas memórias.

Palavras-chave: Mulheres militantes; gênero; ditadura militar; memória; sentimentos.

1. INTRODUÇÃO

A história da ditadura militar brasileira (1964 – 1985), assim como a de sua oposição,
é uma história masculina (COLLING, 2015), partindo desse fato o presente texto busca
contribuir para história política recente do país a partir das memórias de quatro mulheres, que
resistiram cada qual a seu modo, a lembranças perturbadoras de perseguições e violências.
Mesmo assim, apesar de suas experiências negativas, que repercutiram em suas vidas para
sempre. Nos propomos a discutir, de forma genérica e inicial, sentimentos e emoções
percebidas, por meio de depoimentos gravados, de mulheres que foram presas e perseguidas
pelos agente do Estado militar e autoritário no Brasil, e como elas ressignificaram esses
sentimentos. Assim, além de narrar sobre o pretérito vivido, buscaremos perceber um pouco
da subjetividade das mulheres em sua atuação política. Para tanto, a categoria gênero se torna
fundante.
A categoria de gênero expresso por Joan Scott (1990) divide-se em duas partes, como
expresso por ela: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as

*Graduada em História pela Faculdade Nossa Senhora das Graças (SMG);


**
Doutorando em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa
Catarina (PPGH/UFSC).
diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às
relações de poder” (p. 14).
A escolha da categoria gênero se faz necessária, pois para estudar as ações das
mulheres na ditadura civil-militar, é preciso entender as relações hierarquizadas de poder
entre homens e mulheres estabelecidas culturalmente pela sociedade brasileira no período do
regime militar, especialmente as décadas de 1960 e 1970.
Ouvir as histórias de mulheres/jovens de apenas 16, 17 ou 18 anos, a maior parte
estudantes, que foram perseguidas, humilhadas, torturadas por homens armados e treinados do
exército, da polícia ou grupos paramilitares, a mando de um governo ditatorial, faz parte das
memórias que nos causa dor e muitos não querem ouvir, preferem deixar estas memórias no
silêncio e no esquecimento.
Silenciar sobre certas coisas pode ajudar algumas pessoas a prosseguir. Memórias
podem ser silenciadas também quando contestam a coesão nacional, como bem argumentou
Michael Pollak (1989). O autor chama de memórias subterrâneas, aquelas pertencentes aos
excluídos, marginalizados, minorias, que se opõem a uma memória oficial ou nacional. A
memória destes sujeitos coloca em questão a uniformidade da memória coletiva, que em
momentos de crise, entra em disputa com as memórias subterrâneas, aquelas desprezadas por
não colaborarem com a coesão desejada. Pollak (1989, p. 3) apresenta, então, a ideia de uma
memória clandestina ou proibida que sobreviva, como lembranças traumatizantes, “que
esperam o momento propício para serem expressas”.
Com a criação da Comissão Nacional da Verdade1, no período de 2012 e 2014,
algumas destas memórias desconfortantes para alguns vieram à tona. Muitos torturadores,
agências e instituições civis e militares que corroboraram para a disseminação e
estabelecimento do período ditatorial foram denunciados. Foi o momento que algumas
pessoas conseguiram falar do que sofreram. Neste processo, foram colhidos depoimentos,
mapeado centros de torturas, incorporado diversos documentos como: processos crimes,
documentos oficiais, certidões e declarações de óbitos com laudos de legistas (alguns falsos),
entre outros. Isso permitiu às organizações de presas/os, políticas/os e de familiares ganharem

1 “A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A
CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e
5 de outubro de 1988” (BRASIL, Comissão Nacional da Verdade, 2012).
força na luta pelo reconhecimento do Estado brasileiro das violações aos direitos humanos e a
exigência de punições dos algozes de seus familiares.
A criação da CNV e, posteriormente, das Comissões Estaduais e institucionais da
Verdade, além de buscarem a acareação de processos internos e de ações promovidas em prol
do estabelecimento do regime autoritário, objetivaram ampliar o debate com a participação da
comunidade que o cerca e da sociedade. As chamadas para sessões de depoimentos públicos
seguidas de debates foram algumas das ações observadas durante o exercício dessas
comissões; além da elaboração e entrega de relatórios com as informações encontradas.
O corpus documental utilizado para a realização desse trabalho se insere neste
conjunto. São depoimentos de mulheres perseguidas por representantes do regime ditatorial
brasileiro, disponíveis no site da DHPaz (Sociedade Direitos Humanos para a Paz)2, que
desenvolve o projeto Depoimentos para a História – A Resistência à Ditadura Militar no
Paraná, em parceria com a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e sob a coordenação
do Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná. Esse projeto junto com o projeto Marcas da
Memória tem como finalidade, integrar o acervo do Memorial da Anistia, com depoimentos
de ativistas integrantes da resistência que foram perseguidas/os, presas/os e torturadas/os
durante a ditadura militar no Estado do Paraná, além de contribuir com a Comissão Nacional
da Verdade.
Para análise utilizaremos a metodologia inspirada na História Oral. Segundo
Passerini (2011, p.99), “a história de gênero e a história oral caminham de mãos dadas na
ampliação do território da História e na renovação de seus objetos e métodos de estudo”. Pois
elas colocam em evidências problemas que outras fontes não conseguem, “como o papel das
emoções no cruzamento entre o publico e privado” (Idem, p.100).
O recorte feito para delimitar o estudo foi o de mulheres que aturaram na militância no
Paraná e que foram presas na década de 1970. Selecionamos depoimentos de quatro mulheres:
Ana Beatriz Fortes, Diva Ribeiro, Elza Correia e Ligia Cardieri.

2. DITADURA CIVIL-MILITAR NO PARANÁ

No Paraná como na maior parte do país o golpe civil-militar contou com a participação
de militares insatisfeitos, com o apoio de uma parcela da imprensa e dos meios de

2 Disponível em: <http://www.dhpaz.org/dhpaz/>. Acesso em: 19/08/2016.


comunicação, de setores da Igreja Católica, de diversos políticos e de uma ampla parcela dos
latifundiários, dos empresários e das classes médias.
No momento do golpe o Paraná era governado por Ney Braga, que colaborou
ativamente para seu sucesso, o golpe representou um grande momento para ele, que conseguiu
apoio para eliminar seus rivais políticos locais. “Dessa forma, Ney Braga consolidou a sua
força política no Paraná e, gozando de grande prestígio em nível nacional, desempenhou um
papel de destaque nos governos militares” (BATTISTELA, 2014).
A paranoia militar atingiu todo o território brasileiro, com ênfase nas capitais, mas isso
não quer dizer que o interior dos estados não tenha sofrido com a perseguição e a repressão.
Como o poder do país estava concentrado na mão do Poder Executivo, os estados perderam
sua autonomia, ficando dependente das ações da União. (MAGALHÃES, 2001).
Qualquer foco de resistência era combatido energicamente pelo regime. Segundo
Magalhães (2001), a repressão no Paraná, assumiu um caráter obsessivo, não se importando
com os riscos que suas ações causariam nos indivíduos indiciados. Todos os cidadãos foram
colocados na mira da polícia política, sob suspeita de subversão.
De acordo com Magalhães, as ações anticomunistas ficaram cada vez mais
incoerentes, por exemplo:
[...] indiciou-se um jardim da infância por ser suspeito de estar difundindo a
ideologia comunista entre crianças de menos de 7 anos, acusou-se um grupo de
escoteiros, somente por ser composto por filhos de imigrantes ucranianos, de ser
comunista; suspeitou-se do rock and roll como tática de aliciamento de jovens para
aquele credo. (MAGALHÃES, 2001, p. 89).

As perseguições não se limitaram apenas aos comunistas, as prisões e torturas


serviram também para intimidar o ingresso de novos militantes aos diversos movimentos
sociais.
No ano de 1975 ocorreu no Paraná a Operação Marumbi, com o objetivo de dissolver
completamente os subversivos comunistas no estado. Segundo Brunelo (2006), a operação
prendeu mais de 100 pessoas e dessas, 65 foram indiciadas.
Com já vimos anteriormente, o movimento estudantil foi o que mais se destacou na
luta contra a ditadura. No Paraná não foi diferente. A capital Curitiba foi um forte centro
dessa atuação. Os estudantes fizeram várias manifestações, um exemplo foram os protestos
contra a implantação do ensino pago, onde o Paraná serviria de modelo aos outros estados.
Essas manifestações ganharam visibilidade nacional, em uma delas foi feito um ato
inédito, a invasão da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, que para os estudantes isso
significava a tomada do poder. O ensino continuou gratuito, mas após 1970 o movimento
estudantil foi o mais perseguido pela DOPS do Paraná. (MAGALHÃES, 2001).
Priori (2014) argumenta que os grupos comunistas foram os primeiros a incentivar a
atuação feminina na política. As mulheres eram responsáveis por organizar reuniões e
campanhas para distribuição de panfletos, criaram associações vinculadas ao PCB, sendo um
exemplo, a “Associação Feminina de Londrina”, criada por Ana Pereira Correia, conhecida
por Anita, em 1949, a associação foi responsável por campanhas contra a Guerra da Coréia,
por exemplo.

3. (RE)SIGNIFICANDO A DOR E O MEDO

Como exposto a cima, selecionamos depoimentos de quatro mulheres que atuaram na


resistência a ditadura civil-militar no estado do Paraná. São elas Ana Beatriz Fortes, Diva
Ribeiro, Elza Correia e Ligia Cardieri.
Em seus depoimentos evidencia-se que a atuação política delas começou ainda na
adolescência, influenciadas por familiares, como: irmãs (ãos), tias (os) e pais. Mas, elas
contam que a perseguição contra seus ideais vieram também de familiares.
Outra coisa que fica evidente em suas falas, é que essa militância política se deu no
campo intelectual, poucas vezes elas foram à rua protestar ou reivindicar algo. E não partiram
para a luta armada. Porém, mesmo com pouca participação na resistência à ditadura, foram
alvos de ações militares, como prisões e os mais variados métodos de tortura.
Elas contam ainda que, após as prisões não conseguiram seguir com a vida
completamente, não arranjavam emprego, por exemplo. Com base nesses depoimentos é que
buscamos analisar quais sentimentos acompanharam elas durante os momentos mais difíceis
de suas vidas.
A vida dessas mulheres foi revirada em busca de provas de suas atuações políticas, a
fim de dar base às perseguições que elas sofreram, com isso podemos perceber a presença
constante de sentimentos ruins, como o medo e o terror.
O medo foi algo rotineiro na vida dessas mulheres, o medo da prisão, da tortura, da
perseguição, da sua morte ou de um se seus familiares e companheiros. Como elas nos contam
em seus depoimentos, pois mesmo antes da prisão o medo era constante, como relata Ligia
Cardieri:
[...] Antes disso [da prisão] a escola foi invadida, roubada, quebraram tudo as coisas
lá, dentro fuçaram os arquivo, naquele tempo não tinha computador, levaram
algumas coisas e era principalmente ameaça mesmo. [...] e eu fui seguida inúmeras
vezes naquela estrada e não sabia o que estava acontecendo. Foram meses de muito
medo 3.

O medo foi instaurado na sociedade, os agentes do governo realizavam todo tipo de


barbaridades. Este medo era cotidiano e estava presente em todos os lugares, não se sabia em
quem confiar, parece que todos a vigavam. Vemos que os agentes estavam por toda parte e
agindo com violência.
Diva Ribeiro também conta como ficava apavorada nas sessões de torturas.
[...] passei muito medo, eles ameaçavam muito. Entrava a madrugada, sabe. Você
terminava de fazer [o interrogatório] e vinha outro e fazia as mesmas perguntas. E
assim tinha lá uma caixinha que eles rodavam e dava choque nas pessoas, e eles
pegavam aquela caixinha e ficavam rodando, mostrando pra gente que saia faísca.
Eu ficava apavorada, lógico4.

O medo às acompanhou depois da prisão também, Ana Beatriz Fortes quando saiu da
prisão voltou a dormir com a mãe, pois “não conseguia dormir, eu ficava a noite inteira dando
pulos, por causa de tanto choque que eu tinha levado. Então eu fiquei bem assim alterada...5”,
Elza tinha medo do escuro também, e só com ajuda da mãe conseguiu superar esse medo, ela
conta das sessões de terapia com a mãe:
[...] Eu adquiri um medo de escuro muito grande, e a minha mãe com sua sabedoria,
ela apagava as luzes da casa e me fazia andar por vários cômodos e quando ela via
que eu não ia aguentar ela acendia a luz e me abraçava 6.

A submissão em que as mulheres sofreram na prisão está intimamente ligada às


relações de gênero produzidas e reproduzidas socialmente, nas quais as mulheres feitas

3 Depoimento concedido por Ligia Cardieri ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/67/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.
4 Idem.
5 Depoimento concedido por Ana Beatriz Fortes ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/19/o-capitao-balbinotti-me-entregou-ao-meu-pai-e-disse-
que-a-prisao-foi-um-engano>. Acesso em 24/08/2016.
6 Depoimento concedido por Elza Pereira Correia ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/148/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.
prisioneiras, de forma ilegal, eram obrigadas a se despir na frente de seus torturadores,
homens em sua maioria. A sensação de tirar a roupa na frente deles era para elas se sentirem
desprotegidas e envergonhadas. Como Ligia Cardieri mostra nos trechos a seguir:
[...] Hoje eu considero que não só sofri o constrangimento da minha liberdade, sofri
muito medo, a tortura foi psicológica, foi de tirar a roupa e sentar na cadeira do
dragão, mas a gente não chegou a ir “pro” pau de arara...78.
A humilhação era outro sentimento constante na prisão, pois os torturadores não
chamavam as mulheres pelo nome, elas eram insultadas constantemente, com coisas como:
“puta comunista” 9 como conta Elza Correia.
As marcas da tortura e da prisão acompanharam a vida dessas mulheres, a polícia
usava fotos intimas para difamar as militantes, mostrando elas como depravadas, como conta
Ligia que viu uma foto sua nua na capa dos jornais, “fotos minhas tiradas o meu quarto, nua
grávida da minha filha, que era pra uso intimo, botam em jornal, quer dizer tua privacidade e
completamente devastada”10, essa atitude de depreciar a imagem das militantes na mídia,
servia para conseguir ainda mais o apoio da população conservadora, pois para eles a mulher
militante cometia dois pecados, primeiro de ir contra o governo e segundo de sair do lugar que
era destinado à elas, o lar. (COLLING, 2015)
O pavor que elas passaram nos anos seguintes à prisão fica evidente nos trechos a
seguir:
[...] Você não esquece nunca, porque é a noite inteira grito, você escuta o grito, o

7 Depoimento concedido por Ligia Cardieri ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/67/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.
8 Cadeira do dragão foi um instrumento de tortura utilizado pela polícia política do Brasil, DOPS, e também pelo
DOI-CODI na época do regime militar para se obter informações de pessoas suspeitas de participarem de ações
subversivas ao governo brasileiro. Era uma espécie de cadeira elétrica, com assento, apoio de braços e espaldar
de metal onde um indivíduo era colocado e amarrado aos pulsos por cintas de couro. Eram amarrados fios em
suas orelhas, língua, em seus órgãos genitais (enfiado na uretra), dedos dos pés e seios (no caso de mulheres). As
pernas eram afastadas para trás por uma travessa de madeira que fazia com que a cada espasmo causado pelo
choque elétrico sua perna batesse violentamente contra a travessa de madeira causando ferimentos profundos.
Esta máquina era chamada pelos torturadores de "pimentinha". Água era jogada sobre o corpo completamente nu
do torturado o que fazia com que a força do choque fosse elevada ao extremo. Era também comum a prática de
espancar o torturado entre um choque e outro. Consulte:
http://www.dhnet.org.br/dados/projetos/dh/br/tnmais/instrumentos.html. Acesso em 01/12/2017.
9 Depoimento concedido por Elza Pereira Correia ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/148/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.
10 Depoimento concedido por Ligia Cardieri ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/67/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.
choro depois, o choro de quem ainda não foi, choro de quem acha que já perdeu
alguém lá dentro, e eles mostravam, eles faziam questão de mostrar que aquele era
um lugar que você podia sair de lá só morta mesmo...11.

A desconfiança foi outro sentimento que acompanharam elas nos anos seguintes,
[...] Eu passei assim o resto da vida, um pouco, fica com uma sensação meio de
paranoia, de sensação que qualquer coisa de ruim pode acontecer a qualquer
momento “né”, [...] sensação assim de meio de perseguição, meio de que alguma
coisa ruim pode te acontecer, isso praticamente a vida inteira eu levei “né” 12.

No dia em que os depoimentos foram gravados a entrevistadora, perguntou a elas,


como elas se sentiam de falar sobre esses acontecimentos da vida delas.
Ana Beatriz Fortes contou que:
[...] Agora assim é mais fácil, “né”, porque eu já tenho um distanciamento “né”, não
que é assim maravilhoso, ficar contando “né”, é sempre meio angustiante sempre,
principalmente as primeiras vezes, hoje assim é um pouco mais fácil, mas assim
mesmo sabe, você fica um pouco de relembrar. Esses dias antes de ir pra Foz do
Iguaçu, mesmo um pouquinho antes de fazer o depoimento eu tava nervosa, tensa,
porque primeiro é você contar, você falar expor tudo em publico é difícil “né” 13.

Ela comenta que agora é até mais fácil, pois as pessoas não a julgam, porque que antes
as pessoas eram até agressivas quando ela falava que tinha sido uma presa política, como
vemos nessa passagem:
[...] Hoje vai ficando mais fácil porque você encontra nas pessoas mais empatia e
compreensão, porque muitas vezes dependendo da pessoa que você vai falar a
pessoa “né”, esses dias mesmo eu tava falando com uma pessoa, comecei a contar,
falei eu fui presa, e ela: mas o que você aprontou, entende? Aquela coisa agressiva,
um preconceito de que se é presa aprontou alguma coisa horrível... 14.

O silêncio tornou-se uma forma de proteção, não falar era mais seguro para não
reviver todo o trauma de novo (apesar dele não sair de sua mente), não falar era uma forma de
não voltar a ser reprimida por outras pessoas. Só quem viveu a tortura pode entender o que
passou. Falar sobre o que tinha ocorrido dentro do cárcere era o mesmo que estar se
condenando a morte, segundo Ana Fortes.

11 Idem.
12 Depoimento concedido por Ana Beatriz Fortes ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/19/o-capitao-balbinotti-me-entregou-ao-meu-pai-e-disse-
que-a-prisao-foi-um-engano>. Acesso em 24/08/2016.
13 Idem.
14 Idem.
Ligia conta que para as mães que estavam presas era muito difícil ficar longe dos
filhos, a saudade a falta de saber se estavam bem ou não era angustiante. Muitas receberam a
visita dos filhos no cárcere, mas a hora da despedida era terrível para todas.
Ana conta que sua companheira de sela foi muito torturada por vários dias, chegando a
abortar um filho que estava esperando. A violência era tão forte que elas não eram tratadas
como seres humanos, pois a mãe perdeu o filho por causa da tortura, e eles não pararam.
Elza Correia conta que ainda é muito difícil falar sobre esse período, mas o faz por
obrigação política:
[...] Até hoje, pra você ver tantos anos depois, eu tenho sonhos horríveis ainda, da
polícia invadindo nossa casa ou meu pai sendo preso ou eu mesma na prisão, então
essas coisas ferem profundamente. Eu não gosto de falar disso, mas eu acho que eu
tenho obrigação política de falar desse assunto 15.

Com esses relatos podemos perceber que apesar de todo o sofrimento que elas
passaram, e reviveram ao dar seus depoimentos, essas mulheres conseguiram dar um novo
significado aos seus sentimentos. Transformaram a dor em força e resistência.
Apesar do medo, da dor, do pânico e das paranoias que acompanharam a vida delas,
elas seguiram em frente com suas vidas, se formaram, algumas continuaram na vida política,
com a abertura da democracia. E também seguiram suas vidas privadas, casaram, tiveram
filhos.
Mesmo que foram silenciadas por muito tempo, guardaram na memória os
acontecimentos desse período. E quando deram seus depoimentos, conseguiram ter orgulho da
luta que travaram com o Estado opressor, mesmo que com pouca participação na resistência a
ele.
Transformaram todo o sofrimento em coragem para continuar a lutar por um país
melhor e com mais justiça social.

4. Considerações finais:

Como vimos ao longo deste trabalho, a história oficial da ditadura militar é uma
história masculina, pois em grande parte escrita pelos homens foi mais valorizada

15 Depoimento concedido por Elza Pereira Correia ao Projeto Depoimentos para a História – A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz. Disponível em:
<http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/148/depoimento-para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-
militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.
socialmente, e que para os grupos que lutaram contra a ditadura a ação dos homens eram mais
importantes politicamente. As ações das mulheres, geralmente aparecem ligadas aos homens,
como se só agiram por causa dos homens que as acompanhavam. Mas, vemos que existem
outras histórias e outras narrativas, que elas não são separadas, elas se complementam e se
interagem, ou seja, estão relacionadas.
Os depoimentos analisados contribuem não só para a reconstituição de uma história
política, mas, sobretudo, para termos um pouco da dimensão do sofrimento que muitas
mulheres passaram durante os 21 anos de ditadura civil-militar no Brasil. A dor física da
tortura, com seus choques, espancamentos ou afogamentos, a dor psicológica de que você vai
ser violentada por aqueles homens, que alguém de sua família vai morrer, de que você vai
sofrer muito. A humilhação, a intimidação entre tantas coisas que passaram. Enfrentaram
também o medo constante da morte.
No decorrer deste trabalho podemos perceber que o regime militar não afetou a vida
dessas mulheres só no decorrer do regime autoritário. As marcas desse acontecimento
afetaram todos os campos da vida delas e duraram muitos anos, até hoje. Elas tiveram que se
preparar mentalmente para ir dar seus depoimentos, reviver coisas, relembrar coisas que
queriam não mais falar.
Elas foram perseguidas por conta de seus ideais políticos, não apenas pelo Estado
autoritário, mas também pela população civil, onde por conta das prisões não conseguiam
empregos, e consequentemente muitas vezes passaram por grandes necessidades.
Após análise dos depoimentos, podemos perceber que as mulheres não apresentavam
grande ameaça ao regime autoritário, porém mesmo assim, foi usado contra elas todo o
aparato repressor do estado do Paraná. Pois, o que eles não conseguiam provar com
documentos ou confissões, eles forjavam ou matavam para encobrir seus atos desumanos.
Concluímos que os sentimentos que ficaram mais evidentes em seus depoimentos foi o
medo. A repressão que aconteceu durante o regime militar brasileiro foi opressiva, dogmática,
desesperadora e que marcou cada pessoa de um modo diferente, mas todas elas sufocantes e
violentas.
Com o passar do tempo elas conseguiram resignificar esses sentimentos ruins em
força, resistência e coragem. Usaram esses sentimentos para continuar a vida, e como vimos
para continuar lutando por um país mais justo e com igualdade social.

FONTES
CARDIERI, Ligia. Depoimento gravado ao Projeto Depoimentos para a História – A
Resistência à Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz, em parceria com a Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça e sob a coordenação do Grupo Tortura Nunca Mais do
Paraná. Disponível em: <http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/67/depoimento-
para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.

CORREIA, Elza Pereira. Depoimento gravado ao Projeto Depoimentos para a História – A


Resistência à Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz, em parceria com a Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça e sob a coordenação do Grupo Tortura Nunca Mais do
Paraná. Disponível em: <http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/148/depoimento-
para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.

FORTES, Ana Beatriz. Depoimento gravado ao Projeto Depoimentos para a História – A


Resistência à Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz, em parceria com a Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça e sob a coordenação do Grupo Tortura Nunca Mais do
Paraná. Disponível em: <http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/19/o-capitao-
balbinotti-me-entregou-ao-meu-pai-e-disse-que-a-prisao-foi-um-engano>. Acesso em
24/08/2016.

LIMA, Diva Ribeiro. Depoimento gravado ao Projeto Depoimentos para a História – A


Resistência à Ditadura Militar no Paraná, do site DHPaz, em parceria com a Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça e sob a coordenação do Grupo Tortura Nunca Mais do
Paraná. Disponível em: <http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/detalhe/119/depoimento-
para-a-historia-a-resistencia-a-ditadura-militar-no-parana>. Acesso em 24/08/2016.

Referencias bibliográficas

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