Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

STEPHANO EVARISTO CEZAR

QUE REPÚBLICA É ESSA QUE CRIAMOS?

Belo Horizonte

2022
No dia 16 de Novembro de 1889, o jornal Diario Popular anunciava o começo de
uma nova era no país em sua capa. "Viva a República!", dizia a manchete. Com muito
entusiasmo diziam: “15 de Novembro de 1889. Eis a data que ficará consagrada como a mais
solene e grandiosa de nossa vida política” 1. Falavam em apoio para formar uma unidade, que
com o amor do povo brasileiro pela ordem e o seu espírito de paz garantiriam a mais
completa tranquilidade no novo regime de paz, de justiça e de concórdia. Exclamavam que os
novos ventos vindouros traziam eminentemente, com a união dos cidadãos, o culto à
Liberdade, à Justiça, à Igualdade e à Fraternidade, sendo necessário unir os membros para
uma grande nação. Nesse sentido, o seguinte texto propõe-se a analisar criticamente o que
podemos compreender dessa República, abordando questões político-sociais, e se a
população conseguiu de fato ter alguma garantia e usufruir desses conceitos e garantias
propostos pelo novo sistema.

Ao assumir a Presidência da República, Manuel Ferraz de Campos Sales - figura


republicana histórica, integrante do PRP, presidente de São Paulo, ministro de Deodoro e
político experiente - fez convergir os planos republicanos com os interesses dos setores
oligárquicos que haviam conduzido ao Catete. A questão financeira foi conduzida em seu
governo via o endividamento externo, com negociações através do funding loan, assim, no
enfoque econômico, a estagnação econômica, o desemprego e a alta dos preços eram
presentes (NEVES, 2006). No Rio de Janeiro e em São Paulo as greves começaram a se
propagar, a resposta à crise foi de forte repressão, e a República brasileira foi fundamentada
na consolidação de uma lógica fortemente excludente e hierarquizada. É possível encontrar
nas memórias escritas por Campos Sales a síntese política que, a partir do governo dele,
presidiu à primeira República brasileira:

Nessa, como em todas as lutas, procurei fortalecer-me com o apoio dos


Estados, porque – não cessarei de repeti-lo – é lá que reside a verdadeira força
política. [...] Em que pese os centralistas, o verdadeiro público que forma a opinião
e imprime direção ao sentimento é que está nos Estados. É de lá que se governa a
República por cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da Capital da
União (SALES, 1983, p.127).

1
Capa do Diário Popular. São Paulo, 16 de novembro de 1889. Arquivo Nacional, J 468, n.
1999, p. 1.
É dentro dessa conjuntura política, econômica e social em que se encontrava a
República que Campo Sales começa a formação do acerto político denominado de “política
dos Estados” e que ficou mais conhecido como “política dos governadores”. Ele pretendia:

[...] o estabelecimento de relações de compromisso entre o executivo federal e os


executivos estaduais, de modo a possibilitar a formação de um legislativo coeso no
plano federal, visando a dar sustentação às políticas a serem implementadas em seu
governo (RESENDE, 2006, p.114).

A figura do coronel encontrava-se na base do sistema, se constituindo como dono da


vontade dos eleitores e senhor dos currais eleitorais, em que o seu poder pessoal tinha tanta
opulência que substituia e representava o Estado, criando assim uma rede de distribuição de
benesses e favores, ao seu próprio desejo, sendo o que seria de direito dos cidadãos. Nesse
contexto, as eleições tinham participação mínima e a fraude era a norma eleitoral. O sistema
político da Primeira República era fixado, pela base, pelo coronelismo. Nessa organização, os
coronéis trilhavam os trajetos iniciais dessa rede de compromisso nos municípios, e
tornava-se mais complexa e mais forte ao passar pelas estruturas entre as oligarquias
regionais nos estados e chegar até a definição de quem presidiria o governo federal.

Dentro dessa perspectiva de colocar a população menos abastada a parte da vida


política, durante todo esse período houve vários casos de brutalidade repressiva, instrução
professada pelos governantes, com apoio de industriais e fazendeiros, questão perfeitamente
resumida pelo presidente Washington Luís (que também foi Secretário da Justiça e da
Segurança Pública do Estado de São Paulo) quando definiu a “questão social”, forma como
era chamado os conflitos sociais, como “caso de polícia”.

Entre alguns casos, com mais destaque na historiografia e na memória social, é


possível citar como exemplos de grande violência pelo Estado contra movimentos de
reivindicação: a greve de operários em uma fábrica de sapatos no Rio de Janeiro, em 1902; o
movimento grevista na Cia. Doca de Santos, em 1904; a greve de ferroviários paulistas, em
1906; a Revolta da Chibata, em 1910, quando marinheiros negros e mulatos rebelaram-se
contra o uso do chicote como instrumento de punição na Marinha; em Juazeiro e no
Contestado; a greve de colonos das fazendas de café da região de Ribeirão Preto, em 1913; a
primeira greve geral que parou cerca de 50 mil trabalhadores da cidade de São Paulo, com
grande participação dos anarquistas e anarco-sindicalistas, em 1917; na greve da Cia.
Mogiana, em 1920, entre vários outros.
Com isso, houve a intensificação das práticas repressivas, pois “a piedosa simpatia
pelos ‘deserdados da fortuna’, pelos ‘humildes’, por aqueles que os ‘maus fados’ haviam
irremediavelmente fixado no fundo dos estratos da sociedade, começa a converter-se em
inquietude quando a desarticulada massa ameaça ultrapassar os limites e transformar-se em
classe social” (FAUSTO, 1983). Essa grande onda de repressão atingiu profundamente os
líderes operários, principalmente os estrangeiros. A polícia também tinha a função, além de
barrar o protesto proletário, de reprimir todo “comportamento desordeiro'', tarefa que cumpria
com grande veemência. E o número de detenções elevou-se à medida que o aparato policial
cresceu simultaneamente com a preocupação com a ordem pública.

A maioria da massa de “vadios” que eram presos, era formada de negros e mulatos
desocupados que, desde a Abolição, viviam à margem da sociedade sem grandes pespectivas
de vida, nem de como sair daquela situação e sofrendo todo tipo de preconceito. É importante
destacar que nessa época ainda reinava no Brasil o racismo científico e teorias eugenistas que
falavam que o atraso do Brasil é fruto da miscigenação das raças. Entre os “vadios” também
se encontrava uma grande parcela de “pobres livres”, que o trabalho era considerado
socialmente inferior. Os seus esforços diários pela vida fez com que essa parcela da
população tivesse que improvisar vários tipos de tarefas, desde ocupações autônomas, bicos e
subemprego temporário, que movimentavam a economia informal, até outras formas de
sobrevivência, como o roubo, o jogo, a prostituição e a mendicância.

Os estrangeiros eram os mais condenados como “desordeiros”, exatamente porque a


sua condição de imigrante os tornava mais inclinados aos distúrbios sociais-emocionais. Os
estrangeiros também eram frequentemente enquadrados como “desordeiros” pelas suas
atividades políticas, muitos traziam consigo ideologias que, naquela conjuntura, estavam em
plena efervescência na Europa.

Se consultarmos outras fontes que não os registros das autoridades


policiais, como por exemplo os jornais, principalmente a imprensa operária,
verificaremos que também são presos como desordeiros: anarquistas, socialistas,
sindicalistas, grevistas, propagandistas anti-religiosos, anti-voto, feministas etc
(SILVA, 1983, p. 212).

O uso constante, ilegal e violento do aparato policial para deter o protesto dos
desfavorecidos, tirar de circulação os considerados desnecessários e restabelecer a ordem
social nos padrões exigidos pelos interesses da classe dominante foi traço profundo da vida
social brasileira naquele período. A desumana brutalidade da polícia contribuía para aumentar
bem mais a distância entre o Estado real e o Estado legal. O medo da polícia era poderoso
instrumento disciplinador, a barbárie presente no cotidiano e a cidadania não se mostrava
presente nem mesmo no horizonte mais remoto. Com isso, é possível nos questionar quais
desses aspectos ainda permanecem em nossa sociedade atual.

Desse modo, a partir da análise apresentada no texto, é possível afirmar que a


Proclamação da República não proporcionou transformações econômicas, sociais ou políticas
radicais, tampouco proporcionou o ingresso do Brasil no concerto das nações civilizadas.
Também não foi fruto de uma antiga aspiração republicana nacional, que de forma pulsante
teria manifestado desde os movimentos revolucionários ocorridos depois da Independência;
muito menos, expressão do desejo de segmentos oprimidos das classes populares ou dos
anseios liberais de uma nascente classe média urbana. Assim, a velha ordem excludente e
hierarquizada manteve, sob novas formas, a permanência de práticas sociais, estrutura
econômica, lógicas políticas e certas visões de mundo.

Referências:

FAUSTO, Boris. Controle social e criminalidade em São Paulo: um apanhado geral (1890-
1924). In: P.S. Pinheiro (org.). Crime, violência e poder . São Paulo, Brasiliense, 1983, p.
193-223.

NEVES, Margarida S. “O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA,
Jorge e DELGADO, Lucília Neves. O Brasil Republicano. Rio de Janeiro, Editora
Civilização Brasileira, 2006. NC. 981.05 B823t. p. 35

RESENDE, Maria Efigênia. O processo político na primeira República. 2006


ROMANI, Carlos. Italianos, antifascismo e perseguição política. VIANNA, Marly, SILVA,
Érica e GONÇALVES, Leonardo. Presos Políticos e perseguidos Estrangeiros na Era Vargas.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.

SALES, Manuel Ferraz de Campos. 1983. Da propaganda à presidência brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras.

SILVA, L. Comentário ao texto de Boris Fausto. In: P. Sérgio Pinheiro (org.). Crime,
violência e poder, p. 212.

Você também pode gostar