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A cidadania roubada

Claudio Recco
Na história republicana do Brasil, o exercício da cidadania enfrentou muitas limitações e, em alguns
casos, foi completamente eliminado. Nos casos mais importantes, a cidadania foi limitada pela eliminação
do direito de voto ou pela supressão da conscientização política acerca dos direitos individuais. O

Coronelismo

Durante a República Velha, o direito de voto deixou de ser censitário e se tornou universal. No entanto,
existiam vários elementos de limitação da cidadania, como a exclusão das mulheres do processo político,
a exigência de alfabetização ao mesmo tempo em que a Constituição não se propunha a garantir a
educação básica como obrigação do Estado e as práticas coronelísticas. O coronelismo foi uma conduta
política que se tornou comum na vida política brasileira, principalmente após a proclamação da
República. Durante a República Velha (1889-1930), percebemos o coronelismo como limitador da
cidadania, pois o poder de mando do coronel influenciava as eleições, fazendo surgir o "voto de cabresto"
e o "curral eleitoral", expressões que refletem a postura dócil dos comandados, que votam nos candidatos
indicados pelo coronel em troca de favores ou simplesmente por imposição, uma vez que este é quem
controla, direta ou indiretamente, a vida das pessoas em sua propriedade ou na região. O coronel é sempre
um grande proprietário rural, que, naturalmente, possui o poder econômico e, na prática, o poder político
local, o poder de polícia e o poder de justiça. Em outras palavras, prefeitos, delegados e juízes são
homens da família do coronel ou seus "protegidos". Além disso, o coronel conta com uma milícia
particular, formada pelos jagunços. Soma-se a toda essa estrutura de poder a situação de ignorância à qual
está submetida a grande massa de trabalhadores rurais do país, distante dos centros urbanos, da escola e
dos meios de comunicação, distante dos direitos - assegurados pela lei, mas negados pelo exercício do
poder por parte das elites rurais.
Era Vargas
O período de 1930 a 1945 também foi caracterizado por práticas que pretenderam limitar o exercício da
cidadania no país. Durante a maior parte desse período, o regime foi ditatorial. O "governo provisório"
(1930-34) deu-se com o fechamento do Congresso Nacional e a intervenção nos Estados. Apesar de haver
uma simpatia de grande parte das camadas urbanas pelo movimento tenentista e por muitos de seus
representantes que chegavam ao poder com Vargas, os primeiros meses do novo governo foram de
desilusão, principalmente porque a política adotada por Vargas e seus interventores foi marcada pela
conciliação com a maior parte dos coronéis. O principal movimento de contestação à política
centralizadora de Vargas eclodiu em São Paulo. Foi a Revolução Constitucionalista. Esse é um exemplo
de movimento que envolve a cidadania: o povo paulista foi "manobrado" pelas elites. Os livros didáticos
afirmam que as velhas e novas elites, até então inimigas, se aliaram e comandaram o povo na luta contra o
governo federal. Predomina como visão sobre a participação de setores populares nos movimentos
políticos mais importantes do país a idéia de que a população nesse momento não passou de "massa de
manobra", expressão que, embora geralmente não seja utilizada de forma explícita nos livros, está
implícita em nossa cultura. O "governo constitucional" (1934-37) foi marcado pela conquista de direitos
políticos e de liberdade, tendo o nível de organização social e de participação se tornado maior. A
imprensa destaca-se e parte dela assume uma posição crítica ante o governo. Surgem importantes grupos
de oposição, como a Aliança Nacional Libertadora, com um discurso de esquerda, e a Ação Integralista
Brasileira, fascista. Apesar das liberdades, o governo Vargas determinou limites à cidadania, como o
controle sobre o Congresso Nacional (formado parcialmente pelos "deputados classistas") e a edição da
Lei de Segurança Nacional. O Estado Novo (1937-45) foi uma ditadura. Eliminou os direitos políticos e
individuais e impôs ao país forte repressão. Dois instrumentos importantes foram utilizados pelo governo,
o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Departamento de Ordem e Política Social (DOPS)
que atuava como uma polícia política, encarregada de controlar movimentos de transformação da ordem
social vigente. Olhar a Era Vargas significa perceber a formação do "Estado de Compromisso" no Brasil,
apoiado no industrialismo, no nacionalismo e no trabalhismo. Seu objetivo era atender os interesses das
novas elites urbanas, preservar certos privilégios dos latifundiários, incorporar os tenentes à estrutura de
poder e garantir o apoio da classe operária. A industrialização, combinada com a urbanização, reservou à
classe operária um importante papel dentro do projeto nacionalista e levou o Estado a desenvolver uma
política de manipulação, com a perseguição às antigas lideranças sindicais, influenciadas pelo
anarquismo. Esse projeto preocupou-se em atrelar o movimento sindical ao Estado por meio do
assistencialismo, o que veio a eliminar gradualmente a consciência de classe.
A República Populista

O período entre 1945 e 1964 foi caracterizado pela reorganização do Estado de Direito, ou seja, as leis
foram respeitadas e as liberdades individuais, garantidas, guardadas algumas exceções, como o
fechamento do PCB em 1947. Durante esse período, uma parcela significativa dos trabalhadores
organizou-se de forma independente, enfraquecendo o "peleguismo", e formaram-se, em alguns Estados
do Nordeste, as Ligas Camponesas, num processo de organização que, apesar de reunir ainda setores
minoritários do campesinato, já apresentava certo grau de politização. A crise do populismo foi
responsável pela polarização política, não ideológica, entre aqueles que defendiam uma política popular e
nacionalista e aqueles que defendiam a abertura do mercado e uma maior aproximação com a política
externa dos EUA. Destacam-se nesse momento a discussão que envolveu a criação da Petrobrás, a crise
em relação à posse de Juscelino Kubitschek e a campanha da legalidade, que garantiu a posse de João
Goulart.
Ditadura Militar

Os governos militares que se sucederam no poder desde 1964 também foram responsáveis pela
eliminação da cidadania. É interessante perceber que o modelo político adotado pelos governos militares
tentou disfarçar o autoritarismo por meio da manutenção de eleições para o Legislativo e para o
Executivo da maioria dos municípios, além de "permitir" a existência de um partido de oposição.
Ao mesmo tempo, líderes políticos e sindicais foram cassados, presos ou exilados, a imprensa foi
censurada e as principais diretrizes do governo foram impostas pelos atos institucionais. Os governos
militares inovaram e apostaram não apenas na repressão mas também em um processo de alienação
social, que se deu por meio da propaganda direta ou subliminar, caracterizada pelo ufanismo nacionalista,
do sucateamento da educação, da qual foi tirada a possibilidade de formação consciente e crítica, e do
controle sobre os meios de comunicação de massa, em especial a televisão - ainda hoje o documentário
"Muito além do cidadão Kane", da BBC de Londres, sobre a construção do império das Organizações
Globo, não pode ser visto no país.

Gizlene Neder
Pesquisadora do Laboratório Cidade e Poder/PPGH-UFF
Pesquisadora do CNPq

A idéia de cidadania que circulava no Brasil no início da República não era, substantivamente,
muito diferente da que temos hoje. Ao mesmo tempo, as pessoas daquele tempo histórico
viviam e se expressavam, como não poderia deixar de ser, de forma bastante diferente de nós,
e de nosso tempo presente.

O conceito de cidadania está relacionado aos direitos do cidadão, e a sua universalização se


deve à Revolução Francesa (1789) e aos seus desdobramentos, com a vitória da burguesia. No
ano de 1791 promulgou-se em França a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Sua
repercussão implicou a difusão e a apropriação da cultura política que circulava nas duas
margens do Atlântico. Já antes da Revolução Francesa, os direitos "do homem e do cidadão",
tal como expressado pela síntese da declaração francesa, inscreveram-se na Declaração da
Filadélfia, que declarou a independência dos Estados Unidos da América do Norte em 1776.
Como se pode perceber, junto à idéia de cidadania, afirmava-se a idéia de nação, cujo conceito
começava a sofrer um processo de expansão e redefinição, sendo também apropriado e
hegemonizado a partir da vitória da burguesia. E anteriormente à revolução francesa e à
independência americana, as lutas pelos direitos políticos da classe trabalhadora na Inglaterra,
desde meados do século XVIII, e mesmo antes, já expressaram um ideário que visava uma
certa universalização dos direitos de votar e ser votado, de organização política, de livre
expressão do pensamento e de liberdade religiosa. Que os movimentos em prol destes direitos
tenham sido puxados pelos interesses dos trabalhadores na Inglaterra, na França ou nas
Américas, isto não impediu que tais bandeiras ou direitos acabassem se convertendo em
bandeiras da burguesia. O historiador Edward P. Thompson dá uma bela demonstração desta
tese nas suas pesquisas e nos seus escritos, publicados em todo o mundo. A burguesia
desfraldou como suas as bandeiras dos trabalhadores; razão pela qual, muitos falarão nestes
direitos como direitos burgueses, pois eles acabaram se convertendo nisso mesmo: direitos da
burguesia. Assim foi na Inglaterra, nos EUA e na França. A partir daí a universalização destes
direitos burgueses foi freqüentemente disputada pela classe operária e trabalhadora em geral.
Uma tal inclusão, com o correr do tempo, acabou por dar um vezo de generalidade a esses
direitos políticos que acabaram sendo considerados de todos, universais, independentemente
de uma velha questão: a da existência ou não de uma natureza humana. De um modo geral,
vários conteúdos democráticos dos regimes políticos burgueses, na Europa e nos Estados
Unidos (como voto universal, liberdade de opinião e expressão, de organização política, etc.)
foram conquistas das lutas dos trabalhadores e foram apropriados pela dominação burguesa;
não constituem, portanto, atributos de uma suposta "natureza" ou propensão democrática da
burguesia.

As trocas econômicas, políticas, culturais e ideológicas ocorreram entre as principais


formações históricas da Europa e das Américas (de Norte ao Sul), como partes constitutivas da
cultura política do mundo ocidental (a Europa e os prolongamentos ultramarinos abrangidos
por sua expansão, especialmente nas Américas). Os ideais de nação e de cidadania circularam,
portanto, no Brasil e foram apropriados e incorporados aos discursos políticos formulados
desde antes da independência do país em 1822.

Contudo, o campo político no qual a idéia de cidadania se afirmava por aqui tinha de lidar com
a instituição da escravidão; como ocorria em grande parte das sociedades americanas. A
escravidão constituía um dilema para os intelectuais brasileiros: como pensar e falar em
cidadania e nação num país onde vigia o trabalho compulsório? Esta contradição entre o ideal
de cidadania e de nação sustentados pelo ideário burguês, liberal, e a escravidão foi destacada
pelos historiadores e intérpretes do processo social e político brasileiro. Eles geralmente
enfatizavam a ausência de condições para a vigência da cidadania e da própria nação. Daí,
afirmarem também o "atraso" cultural e político do país; sempre referidos à idéia de progresso
e civilização que eram identificados nos outros (Europa e EUA); no Brasil, identificavam a falta:
de modernidade, de cidadania, de progresso, etc.

Podemos imaginar, portanto, que a jovem República brasileira não teria mais que lidar com
tamanha contradição. O fim do regime monárquico (1889) fora precedido do fim da escravidão
(1888). O movimento republicano que vinha se fortalecendo, desde a década de 1870,
desfraldava abertamente as bandeiras da cidadania, tal como formuladas desde a vitória das
revoluções burguesas ao longo do século XIX. Mas será que o fim da monarquia e da
escravidão, por si sós, garantiu cidadania a todos os brasileiros? Será que os ex-escravos foram
incluídos no projeto republicano? Seria, portanto, o caso de indagarmos se o campo intelectual
brasileiro havia, com o fim da escravidão, deixado de problematizar a escravidão. Não nos
esqueçamos que boa parte do livro de Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, escrito na década de
1880, é dedicado à questão da educação do ex-escravo para a cidadania e o trabalho.
Pensamos que a questão da escravidão permaneceu como um espectro que está ainda a
rondar a sociedade brasileira - especialmente quanto aos direitos de cidadania; ela se
recolocou, em referências republicanas, a mesma questão: como construir a cidadania e a
nação num país de ex-escravos? Se, adicionalmente, lembrarmos que, naquela temporalidade
do início do período republicano, o paradigma científico hegemônico no campo das ciências
humanas fundamentava-se no positivismo e no evolucionismo de corte biologista, podemos
imaginar como era difícil para os intelectuais brasileiros de então ver positivamente o futuro
de uma nação marcada, tão fortemente, pela escravidão.

Para responder a tais indagações, devemos, antes de tudo, refletir sobre leis produzidas pela
república recém-implantada. Devemos destacar os agentes históricos (individuais ou coletivos)
que se expressavam através destas legislações: que questões estavam implicadas nestas leis?
Quais eram as relações de força sociais e políticas que estavam presentes naquela
temporalidade. E, por fim, qual era o escopo das lutas ideológicas por eles travadas?

Uma primeira questão a ser destacada é que a primeira carta constitucional republicana (a de
1891), que é tida como de inspiração liberal e usava o conceito de cidadania apropriado da
cultura política burguesa (tal como descrito acima). Esta constituição foi precedida de duas
legislações que anteciparam, decisionistamente, a lei maior; contrariava-se, assim, um
princípio caro ao paradigma legalista que informava o constitucionalismo moderno: as
constituições são consideradas leis maiores e devem preceder qualquer outra lei. Contudo, sob
a ditadura militar que depôs a monarquia e empalmou o poder, foram aprovadas duas leis,
que tiveram um caráter antecipatório das mudanças que eram temidas, mas que estavam por
vir: o Código Penal (1890) e, no mesmo ano, a lei do registro e do casamento civil. Onde seu
caráter antecipatório? Do ponto de vista do controle social, a codificação penal apontava para
garantias de práticas repressivas e autoritárias sobre os trabalhadores, agora, livres. Com o fim
da escravidão, o controle social antes exercido diretamente na unidade produtiva (fazendas de
açúcar ou café), através dos capitães-de-mato ou capatazes, do pelourinho e dos açoites, fora
transferido para o Estado; abolido o trabalho compulsório, a institucionalização do mercado de
trabalho precisava de outros mecanismos extra-econômicos de coação política. Como não
havia uma legislação trabalhista que regulasse as relações de trabalho, as leis penais do início
do período republicano acabaram sendo usadas para reprimir e controlar os trabalhadores
urbanos e rurais, grande parte deles constituída por ex-escravos; outra parte era constituída
por trabalhadores imigrantes. A outra lei promulgada antes da Constituição de 1891 foi a lei
que regulou os registros civis. Durante o Império, vigia no Brasil o regime de Padroado, onde
Igreja e Estado estavam ligados. Todo o registro civil (batismo, testamento, morte e
casamento) era feito pelos párocos, que eram funcionários do Estado (recebiam seus
vencimentos pela folha de pagamentos do governo brasileiro). Sobretudo em relação à
secularização dos casamentos, identificamos um ponto chave no acirramento das lutas
ideológicas desde a influência do Código Napoleônico, que codificava as leis civis francesas
(1804), e que continha a idéia de casamento como um contrato (portanto, previa seu distrato,
o divórcio). O campo jurídico e o campo do catolicismo romano no Brasil deblateravam-se
entre os defensores da idéia de casamento como sacramento e aqueles outros, que não
desdiziam a idéia de casamento como sacramento, mas que aceitavam o casamento civil tendo
em vista uma política imigrantista mais ampla e arrojada, requerida desde que o tráfico de
escravos fora proibido por lei em 1850. A entrada de imigrantes não católicos no Brasil, já
desde as últimas décadas da governação monárquica, vinha pressionando para mudanças na
legislação civil, especialmente em relação ao direito de família.

As duas legislações que anteciparam a Constituição de 1891 foram formuladas e


encaminhadas a partir da ação de política (e ideológica) de Rui Barbosa. Como Joaquim
Nabuco, Rui Barbosa alinhava-se do lado do catolicismo ilustrado. Diferentemente de Joaquim
Nabuco, que se manteve monarquista, Rui Barbosaaderiu a República e participou ativamente
do re-ordenamento jurídico da sociedade brasileira nas primeiras décadas republicanas.
Podemos identificar sua atuação através da forte influência do federalismo e do liberalismo
norte-americano, presentes na própria Constituição (1891). Mas também é possível identificar
sua movimentação no sentido de garantir algumas salvaguardas para um posicionamento do
campo do catolicismo romano no quadro das mudanças requeridas pelo processo de
secularização a ser empreendido pela jovem república brasileira: a lei do casamento civil
aprovada em 1890 não deveria contemplar o divórcio. A codificação penal estabelecia
garantias legais de cunho conservador e repressor. Toda essa movimentação do campo
católico no Brasil se fez em oposição ao radicalismo anti-clerical dos positivistas, que estavam
muito fortes pela expressiva influência nos meios militares. Neste sentido, com a
inevitabilidade das mudanças ensejadas pela separação da Igreja do Estado, a antecipação
implicava um posicionamento estratégico visando a manutenção de um raio de influência do
catolicismo na política republicana brasileira: especialmente para as áreas de direito de família,
da educação e da assistência social (caridade), que, no Brasil, vem sendo designada como
"serviço" social.

Rui Barbosa influiu, ainda, significativamente nos debates sobre o projeto de código civil que
Epitácio Pessoa havia encomendado a Clovis Bevilacqua. O jovem jurista cearense alinhava-se
ideológica e politicamente ao lado do positivismo republicano mais radical. Este
republicanismo fora dos meios militares, que abraçou também o positivismo, não conseguiu
influir muito nos rumos da República. Esta fora, inicialmente gerida pelos militares, e,
posteriormente empalmada pelo republicanismo pragmático das oligarquias agrárias dos
setores economicamente dinâmicos da agro-exportação, situados predominantemente em São
Paulo. Bevilacqua era um dos nomes mais expressivos da Faculdade de Direito do Recife, e
pertencia ao círculo intelectual que se posicionada em torno de Tobias Barreto. Estes
intelectuais são designados pela historiografia das idéias políticas e sociais no Brasil como
"Escola do Recife". Importa, termos em mente, que a Escola do Recife iniciou, com Tobias
Barreto, um processo de ruptura e crítica ao neo-tomismo, então dominante no campo
intelectual brasileiro, especialmente na filosofia e no direito. Tanto Sylvio Romero (outro
expoente da Escola) quanto Clovis Bevilacqua seguiram a pauta de ruptura filosófica aberta do
Tobias Barreto. Podemos imaginar o quanto era preocupante para o catolicismo romano no
Brasil a possibilidade de um código civil com forte acento positivista e republicano radical. Rui
Barbosa, que no momento da discussão do projeto de código civil era senador, inicia uma
discussão parlamentar e pública (através da imprensa) contra o projeto de código civil. Os
ataques foram tão fortes e sua atuação tão incisiva que podemos dizer que Rui Barbosa
tornou-se co-autor do Código Civil Brasileiro, aprovado, afinal, em 1916. Bastante desiludido
com os rumos da República, e com a vida política na Capital Federal, o jovem civilista brasileiro
foi neutralizado; vitória do velho senador. Especialmente em relação à condição jurídica das
mulheres dentro do casamento - e para ficarmos num exemplo - o projeto de Clovis Bevilacqua
era muito mais liberal e moderno do que o texto a lei que foi afinal aprovado. Somente com o
Estatuto da Mulher Casada, uma lei complementar de 1962, as mulheres tiveram acesso a
direitos de cidadania (referidos, por exemplo, a liberdade de abrir e fechar negócios, contas
em banco - também para citar alguns poucos exemplos), que não eram contemplados pelo
texto da lei. Não que as mulheres brasileiras antes de 1962 fossem passivas ou mesmo que
não dirigissem negócios, etc. Só que faziam-no nas brechas da lei e não como direitos (de
cidadania) garantidos em lei.

Por tudo que expomos nesta síntese, concluímos que a República no Brasil, nestes mais de
cem anos de vigência, tem um caráter autoritário e fortemente excludente, sem que, com isso,
signifique ausência de discussão, circulação ou mesmo apropriação da cultura política que
elaborou e difundiu a idéia de cidadania nos últimos duzentos anos.

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