Você está na página 1de 14

Teoria e prática dos

direitos fundamentais
como direitos humanos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir direitos fundamentais e a sua natureza.


 Descrever a construção histórica dos direitos fundamentais.
 Relacionar direitos fundamentais com direitos humanos.

Introdução
Nem sempre todas as pessoas foram sujeitos de direitos. A luta por liber-
dade, igualdade e participação política advém desde as sociedades anti-
gas. As sociedades baseadas na escravização de seres humanos sempre
tiveram a perspectiva de diferenciação entre quem tem direitos e quem
não tem. As mulheres também eram vistas como seres inferiores. O Estado
absolutista, em nome da soberania e do seu interesse, desconsiderava
qualquer direito individual.
A Revolução Francesa e o seu ideário de igualdade, liberdade e fra-
ternidade marcaram a conquista dos primeiros direitos fundamentais.
A luta dos trabalhadores, cem anos depois, ampliou esses direitos. No
século XX, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) efetivou
os direitos fundamentais para toda a humanidade.
Apesar de uma história de centenas de anos, a luta pela efetivação
dos direitos fundamentais é contínua. A violação de direitos por nações,
instituições e pessoas ainda é uma realidade mundial que afeta a dig-
nidade humana. Portanto, neste capítulo, você vai ler sobre a teoria e a
prática dos direitos fundamentais como direitos humanos.
14 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

Direitos fundamentais
Os direitos fundamentais são os direitos de todas as pessoas expresso na
Constituição de um país, os quais nem mesmo o Estado pode violar, em
hipótese alguma. Mas nem sempre foi assim. Os direitos fundamentais fazem
parte de uma construção histórica, que vem desde as sociedades antigas, no
qual chegou-se a “[...] um rol mínimo de direitos humanos escrito, derivado
da soberana vontade popular” (MORAES, 2011, p. 1).
Em momentos históricos longínquos, sempre houve um grupo de pessoas ao
qual eram negados direitos. Por exemplo, nas sociedades antigas aos escravizados,
não eram garantidos os direitos fundamentais. Assim, a liberdade como direito
fundamental só foi possível a todos após o fim da escravidão no século XIX.
Na Idade Média, o preceito cristão apresentava o homem como imagem e
semelhança de Deus. Mesmo que esse seja o período histórico em que todas as
respostas eram encontradas em determinações divinas, esse discurso foi utilizado
para diferenciar as pessoas que tinham e as que não tinham direitos. Assim, a
sociedade medieval era organizada em castas, nas quais um grupo era escolhido
por Deus para liderar, sendo pecado mortal questionar a organização social. Essa
forma de organização do poder é chamada de Estado teocrático, no qual as normas
que determinam as ações estatais estão baseadas em determinações religiosas.
O conceito de direitos fundamentais foi se desenvolvendo na construção
do Estado moderno, momento em que o poder absoluto do soberano, o Abso-
lutismo, começou a ser questionado. Assim, a resposta de todas as perguntas
não mais se sustentava na concepção divina. A sociedade também iniciou
suas descobertas científicas em todas as áreas, ocasião que foi chamada de
Iluminismo, pois trouxe a luz da ciência e da razão às trevas da Idade Média.

O Iluminismo foi um movimento social, cultural e político que questionou as verdades


divinas por meio da razão científica e tinha a burguesia como sua grande apoiadora.
Alguns pensadores iluministas são:
 John Locke (1632–1704);
 Voltaire (1694–1778);
 Montesquieu (1689–1755);
 Rousseau (1712–1778).
A Declaração dos Homens e do Cidadão, de 1789, sintetizou os ideais defendidos
por esses intelectuais.
Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos 15

O Estado, segundo Gruppi (1980), possui três elementos:

 poder político;
 povo;
 território.

O Estado moderno se diferencia das formas de Estado antepassadas


primeiro pela sua soberania. Uma segunda caraterística é a separação entre
Estado e sociedade civil; assim, o povo era um setor da sociedade, não uma
propriedade do soberano. Por fim, o soberano representava o Estado, mas
não era o Estado. Em uma sociedade teocrática, o rei é o Estado, ou seja,
não há vontade popular, apenas o desejo de uma só pessoa que todos devem
obedecer.
É na mudança do Estado absolutista para o Estado moderno que a bur-
guesia surge como classe revolucionária, pois coloca em questão a forma de
organização social. Os motivos que culminaram nesse processo advêm da
crise financeira da coroa real francesa. Essa crise financeira foi o resultado
de guerras sucessivas, devido a conquistas de território, que não trouxeram
riquezas, mas sim dívidas.
Para solucionar esse problema, o Estado soberano começou a cobrar
impostos abusivos. Os maiores pagadores de impostos eram os comer-
ciantes, que, com o processo mercantil de compra e venda de produtos
entre nações, vinham experimentando uma ascensão econômica. Esses
comerciantes faziam parte da classe burguesa e começaram a se sentir
lesados ao custear os luxos reais. Esse foi o momento de surgimento da Re-
volução Francesa, que representou a luta da burguesia contra os ditames do
Estado absolutista.
A burguesia buscava liberdade econômica, ou seja, não queria a interfe-
rência do Estado. Assim, era necessário um Estado liberal. Nesse período de
tensão entre o Estado e a burguesia, o Iluminismo foi o arcabouço teórico-
-filosófico que respondia às reivindicações burguesas.
A Revolução Francesa encontrou no Iluminismo a sua base teórico-filo-
sófica. Desse modo, não representou apenas a força, uma estratégia utilizada
pelo Estado absolutista, mas buscou o consenso social para suas reivindicações
e se colocou como classe representante dos interesses do povo. Assim, os
ideais iluministas contribuíram para que a burguesia tivesse o respaldo social
e cultural para a mudança na perspectiva política, que apresenta a soberania
da vontade popular frente ao Estado. Isso representou a passagem do Estado
absolutista teocrático para o Estado moderno liberal.
16 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

O Iluminismo surgiu no século XVIII e pode ser definido como um movimento social,
cultural e político que contrariou a teocracia. A teocracia tem na religião suas verdades
e respostas e existe desde as sociedades antigas, com a organização social baseada
em perspectivas de divindades. O Iluminismo contrapõe essas ideias e busca respostas
na razão, utilizando a ciência como base.

Inspirados pela Revolução Francesa e pelos ideais iluministas, as 13 colônias


americanas da Inglaterra iniciaram a sua luta pela independência. A Inglaterra
— passando pelo que todos os Estados absolutistas estavam vivenciando: a
crise financeira da coroa — impôs às colônias impostos em cima de impostos.
As 13 colônias — buscando liberdade econômica frente aos colonizadores,
que apenas exploravam economicamente as colônias para sustentarem os
luxos reais — iniciaram o processo de independência, que foi chamado de
Revolução Americana. Assim, o primeiro Estado moderno liberal a ser
organizado foram os Estados Unidos. Em movimento pela independência,
as 13 colônias inglesas na América, com inspiração nesses ideais, sistema-
tizaram, em 1776, na Declaração de Independência Americana, o primeiro
documento que apresentou o conceito de liberdade, mas não colocou fim
à escravidão.
A escravidão só teve fim em 1865, quando foi incluída a 13ª Emenda na
Constituição americana. Esse foi um momento de tensão entre o Sul e o Norte,
pois o Sul ainda estava com uma perspectiva inglesa, basicamente rural, que
via na liberdade de negros e negras uma crise econômica. Nesse momento, o
presidente Abraham Lincoln organizou politicamente o Congresso para essa
aprovação, que não foi um consenso.
Já a Revolução Francesa demorou mais 13 anos para aprovar a sua Decla-
ração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789. Esse documento — que
apresentava o lema de liberdade, igualdade e fraternidade — inspirou a DUDH
de 1948. Ela foi considerada a primeira legislação que apresentou os direitos
humanos fundamentais. Mesmo a Declaração da Independência Americana
sendo anterior, os EUA foram um país com sua organização social e econômica
baseada na escravização de seres humanos. Só em 1789 o conceito de liberdade
foi realmente cumprido à risca.
Os direitos fundamentais nasceram da necessidade de uma classe por
liberdade econômica que nem sempre garantia a liberdade de todos. Ainda
era uma liberdade para uma classe, ou seja, um processo de luta de classes.
Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos 17

Nesse momento, a burguesia foi uma classe revolucionária que conquistou uma
inversão da relação Estado-cidadão. A relação então passou a ser baseada na
vontade soberana do povo sobre o Estado.

A 13ª Emenda (2016), uma produção original da plataforma de streaming Netflix, que
concorreu ao Oscar de melhor documentário, apresenta as consequências para a
população negra da opção norte-americana por desconsiderar negros e negras como
sujeitos de direitos em sua Constituição. A principal consequência está no grande
número de negros na população carcerária norte-americana atualmente.

Assim, os direitos fundamentais buscavam efetivar as liberdades essencial-


mente individuais frente ao poder do Estado, ou seja, ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei. Esses direitos podem ser
definidos como: livre manifestação de pensamento, de reunião, de locomoção
e de exercício da atividade profissional, ao lado de liberdades políticas e civis
(VIEIRA JUNIOR, 2015).

Link

O link a seguir apresenta um mapa mental produzido pelo site Brasil Escola. Nele,
podemos perceber que o aumento do controle da Inglaterra sobre a riqueza produzida
pelas colônias americanas foi a causa que culminou na Revolução Americana. O apoio
francês contribuiu para que a independência seja reconhecida e demonstrou os ideais
iluministas presentes em sua Declaração.

https://goo.gl/e9rx55

Os direitos fundamentais, dessa forma, nasceram como direitos do


indivíduo frente aos poderes do Estado. A soberania popular se sobrepõe à
soberania estatal. A reivindicação por liberdade econômica proporcionou
outras perspectivas de liberdade, como, por exemplo, a liberdade de todos.
Isso não combinava com o Estado moderno, uma base social e econômica
baseada na escravização de seres humanos, que foi sustentada durante séculos
18 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

na vontade divina. Portanto, os direitos fundamentais são uma construção


histórica que tem nos ideais iluministas sua base teórico-filosófica e na luta
da burguesia por seu direito à liberdade econômica a base de sua fundação
moderna.
Os direitos fundamentais fazem parte de sociedades democráticas, nas
quais o poder popular é soberano. Os estados ditatoriais, em nome de um
bem comum, retiraram os direitos fundamentais para que pudessem agir
sem a interferência popular. Agora que entendemos o conceito de direitos
fundamentais, vamos apresentar historicamente essa construção.

Link

Durante a Ditadura Militar brasileira (1964–1985), foram decretados diversos atos


institucionais. O principal deles é o 5º, no qual os direitos políticos e civis são retirados.
O AI 5 dava plenos poderes ao Estado sobre os cidadãos, retirando, assim, os direitos
fundamentais. Saiba mais acessando o documento original no link a seguir.

https://goo.gl/szSqRr

Construção histórica dos direitos fundamentais


Quando pensamos em direitos fundamentais, temos a burguesia como classe
protagonista. A classe burguesa tem grande importância na construção do
Estado moderno. Na Idade Média, a nobreza era a classe que detinha o poder,
por meio da sucessão passada de pai para filho. Não havia alternância de poder,
e a justificativa estava na vontade divina.
Os burgueses tinham as suas terras, viviam basicamente do comércio e
eram os que mais pagavam impostos ao reino. Mesmo que a luta por direitos
fundamentais tenha advindo de sociedades antigas antes de Cristo, foi a
burguesia, em seu momento revolucionário contra o Estado absolutista, que
conquistou esses direitos e os descreveu em documentos constitucionais que
apresentaram a organização do Estado moderno e seus limites frente aos
direitos individuais.
A Revolução Francesa foi o resultado da luta da burguesia pelos seus
direitos fundamentais. A mudança da teoria divina para a teoria científica fez
parte desse processo, que foi chamado de Iluminismo. Era um movimento no
qual artistas, filósofos e cientistas questionavam as verdades apresentadas e
Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos 19

colocavam sua visão de mundo baseada na verdade da razão científica, com


o discurso de trazer luz às trevas que a Idade Média tinha deixado.
John Locke (1623–1704) foi um pensador iluminista e, em sua crítica sobre
o Estado absolutista, afirmava que ao Estado cabia garantir a segurança da
propriedade privada, que é direito de herança. Porém, o poder político não
deve ser herança, mas deve ter origem democrática.
Locke foi um dos autores que inspirou a Declaração dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão de 1789. Outra legislação do mesmo cunho, que precedeu
essa declaração, foi a Declaração do Estado da Virgínia de 1776, que foi
a Declaração da Independência Americana. Assim, os primeiros países a
exprimirem os direitos fundamentais assentados em declarações foram os
Estados Unidos e a França.
Segundo Simões (2009), os teóricos constitucionalistas percebem uma
evolução nos direitos fundamentais. Há também os que discordam dessa
organização teórica da doutrina dos direitos humanos fundamentais, pois
cada tipo de direito não surge de forma organizada, mas de reivindicações
antigas em determinado momento histórico. Aqui, vamos utilizar a doutrina
da geração dos direitos humanos fundamentais por compreender que, a partir
da conquista de um grupo, outros têm um arcabouço legal para também incluir
suas reivindicações.
Assim, os direitos humanos fundamentais são organizados de forma didática
e teórica por gerações. Cada geração acontece em um século determinado
por questões sociais, políticas e econômicas. Em cada um desses momentos
históricos, há um grupo de indivíduos que alcança o patamar de sujeito de di-
reitos. Desse modo, temos os direitos de primeira, segunda e terceira gerações.

Existe um debate entre juristas sobre direitos fundamentais de quarta e quinta ge-
rações, mas não há consenso nessa conceituação. Esses seriam direitos ligados ao
desenvolvimento tecnológico da sociedade globalizada.

Os direitos de primeira geração estão assentados na Declaração de


Independência Americana e na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Esses são direitos que apresentam a liberdade como conceito cen-
tral, ao lado do direito à propriedade. Os direitos de liberdade representam
20 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

os direitos civis. Naquele momento histórico, tinha-se como reivindicação


a participação na vida política, pois só tinha direito a votar e ser votado
quem tinha propriedades, ou seja, os direitos políticos estavam intimamente
ligados à propriedade privada.
Assim, os direitos civis representam a valorização da liberdade individual,
expressa na liberdade de consciência, de culto e de reunião, bem como na
inviolabilidade do domicílio, que estão expressos, por exemplo, na Cons-
tituição brasileira. A burguesia no século XVIII teve grande crescimento
econômico, assim, era necessário proteger seus bens do poder absoluto do
Estado. Assim, também eram necessários os direitos políticos do cidadão,
o direito de votar e ser votado, não mais o direito de sucessão de monarcas
por herança familiar.
Os direitos surgiram a partir da necessidade de um grupo que se mobiliza
para garantir as suas demandas. A burguesia era uma classe em ascensão
e, a partir da Revolução Francesa, conseguiu sintetizar seus direitos fun-
damentais na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. No século
XIX, houve uma outra classe, que surgiu com a perspectiva revolucionária:
a classe operária.
Segundo Bobbio (1992), os direitos não nascem todos de uma vez, pois
surgem no momento que há o aumento do poder de um homem sobre outro e
que ameace as liberdades individuais. Assim, aconteceu a virada da burguesia
de classe revolucionária para conservadora. Ao proletariado, a classe que
não tem sua propriedade privada e a ele cabe vender sua força de trabalho
(MARX; ENGELS, 2011), não são garantidos os direitos ao qual a burguesia
lutou um século atrás.
A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra em fins do século XVIII,
momento de grandes descobertas científicas no âmbito industrial, tendo por
consequência uma sociedade industrial. Surgem, nesse momento, imensos
centros industriais, nos quais a mão de obra de homens, mulheres e crianças
é utilizada para maximizar o lucro. Nos direitos de primeira geração, o Es-
tado não pode intervir nas liberdades individuais e na propriedade privada.
Assim, naquele momento, é livre a compra e venda da força de trabalho sem
qualquer regulamentação estatal. Nesse contexto histórico, a classe operária
surge demandando seus direitos fundamentais.
Nos direitos de primeira geração, limita-se o Estado. Nos direitos de
segunda geração, o Estado é pressionado a atuar, pois o proletariado nada
possui, além de sua força de trabalho e sua prole. Inicialmente a regulamen-
tação do trabalho é a primeira intervenção. Os direitos de segunda geração
são os direitos sociais, os quais o Estado tem a obrigação de oferecer aos
Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos 21

cidadãos. Dessa forma, os direitos sociais iniciam-se com o direito ao trabalho


regulamentado, no qual estão:

 direito de greve;
 limitação da jornada de trabalho;
 férias remuneradas.

Apesar de os direitos de segunda geração estarem ligados intimamente


aos trabalhadores, são chamados de direitos sociais, pois a reivindicação por
essa classe estava ligada ao direito à saúde, educação, previdência, assistência
social, cultura, entre outros. Assim, para o desenvolvimento social, é necessária
a igualdade nos direitos humanos fundamentais.
Dessa forma, os direitos de segunda geração surgem pela demanda da
classe trabalhadora por direitos sociais, culturais e econômicos para todos.

As primeiras legislações a materializarem os direitos sociais foram a Constituição


Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar, de 1919.

O século XX foi o período que o mundo presenciou duas guerras mundiais


(1914–1918 e 1939–1945). Assim, ao final da Segunda Guerra, países ficaram
destruídos econômica e socialmente. Até então, os direitos fundamentais eram
solicitados por uma classe social em ascensão em determinado momento
histórico. No pós-guerras, a demanda era coletiva, com direitos fundamen-
tais fundamentados nos princípios da solidariedade e da fraternidade. A
Declaração dos Direitos Humanos de 1948 registrou esses direitos, que não
mais se iniciavam em um país, ampliando-se a outros. Um grupo de países
escreveu 30 direitos que todo mundo deve respeitar: os direitos humanos, pois,
no período das guerras, em nome de se vencer, foram cometidas as maiores
atrocidades com as pessoas.
Assim, os direitos de terceira geração são considerados os direitos difusos
ou coletivos, ou seja, esses direitos não estão apenas em um grupo específico,
mas são direcionados à humanidade. Dessa forma, além dos direitos à liber-
dade, que estão na primeira geração, e dos direitos de igualdade, que estão na
segunda geração, temos na terceira geração o direito à fraternidade. Para se
22 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

alcançar esse direito, são necessárias a paz mundial e a preservação do meio


ambiente e do patrimônio histórico e cultural da humanidade.
Os direitos humanos estão assentados na Declaração de 1948, mas não
começam nela. Começamos falando da Revolução Francesa no século XVIII,
sendo necessários dois séculos para que os direitos fundamentais fossem
realmente para todos. Nesses 200 anos, o processo de escravização de seres
humanos foi extinto, mesmo assim, houve um longo processo de luta para
que negros e negras pudessem ter garantidos seus direitos fundamentais. A
luta pelo direito de igualdade das mulheres foi intensa e ainda é uma luta em
diversos países. Assim, o que iniciou com o tema de liberdade, igualdade e
fraternidade — assentado na Declaração Universal do Homem e do Cidadão
— fechou o seu ciclo na Declaração dos Direitos Humanos.
Salientamos que a geração dos direitos apresenta a necessidade de um
grupo social e o contexto histórico e político daquele momento. A burguesia
teve a sua fase revolucionária frente ao Estado absolutista; o movimento ope-
rário apresentou-se revolucionário frente ao contexto do capitalismo industrial;
e a união de diversos países foi importante para garantir direitos fundamentais
à humanidade. Em resumo, os direitos compreendem:

 direitos de primeira geração (direitos civis e políticos);


 direitos de segunda geração (direitos sociais);
 direitos de terceira geração (direitos coletivos e difusos).

Construção histórica dos direitos humanos


fundamentais
A Segunda Guerra foi o momento histórico de maior violação de direitos hu-
manos após a consagração dos direitos fundamentais. Na Alemanha, na década
de 1930, a ideia de uma raça pura foi o discurso por trás do nazismo. Segundo
Simões (2009, p. 83), “[...] a ideologia do Estado Nazista alemão eliminou a
diversidade e a pluralidade social”. Por meio de decreto presidencial em nome da
proteção da nação, foram retirados os direitos fundamentais. Esse foi o contexto
histórico-social da Segunda Guerra, que autorizou campos de concentração.
Ainda segundo Simões (2009), a utilização de instrumentos do Estado
Democrático de Direito não garante a democracia. O Estado nazista alemão
utilizou eleições e referendos para legitimar suas ações, ou seja, a vontade
popular em nações no qual são retirados os direitos fundamentais nem sempre
garante a democracia.
Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos 23

Em 1945, na cidade de São Francisco, foi assinada por 50 nações, ao fim


da Conferência sobre a Organização Internacional, a Carta das Nações Uni-
das. Esse documento ratificou o ideário de um mundo sem guerras. Esse foi
o marco de criação da Organização das Nações Unidas (ONU), instituição
internacional que tem, entre seus propósitos, a resolução de problemas de
caráter econômico, social, cultural e humanitário, baseando-se no princípio
da igualdade soberana de todas as nações-membro.
Em 10 de dezembro de 1948, a ONU aprovou a DUDH, documento que
compilou em 30 artigos o direito de todas as pessoas do mundo. A ONU,
fundada por 50 países, atualmente possui 193 Estados-membros, que se vo-
luntariam a participar e respeitar seus princípios e propósitos organizados
em seu site, que são:

 manter a paz e a segurança internacionais;


 desenvolver relações amistosas entre as nações;
 realizar a cooperação internacional para resolver os problemas mundiais
de caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;
 ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para consecução
de objetivos comuns;
 igualdade soberana de todos os seus membros;
 obrigação de todos os membros de cumprir de boa-fé os compromissos
da Carta;
 resolução de controvérsias internacionais por meios pacíficos;
 abster-se de recorrer à força e à ameaça contra outros Estados;
 dar assistência às Nações Unidas e abster-se de prestar auxílio contra
o qual a ONU agir de modo preventivo ou coercitivo;
 mesmo as nações que não são membro devem seguir esses princípios, e
a ONU não pode intervir em assuntos que são de alçada essencialmente
nacional.

Link

A ONU é uma instituição internacional, que se baseia em propósitos e princípios que


devem ser seguidos por todas as nações-membros. Veja no link a seguir.

https://goo.gl/kYtY9p
24 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

Dessa forma, a criação da ONU e o advento da internacionalização dos


direitos humanos ratificaram o conceito de soberania que os direitos funda-
mentais questionam. O Estado é soberano nas suas decisões, mas não pode
ferir os direitos fundamentais dos indivíduos. Assim, pensar em direitos
fundamentais é pensar em direitos humanos, o que iniciou no século XVIII
com as Declarações Americana e Francesa, que apresentaram os direitos
civis e políticos, passou pela ratificação dos direitos sociais na Constituição
Mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919, e
finalizou com a DUDH.

A DUDH foi inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão por entender
que a Declaração de 1789 conseguia sintetizar em 17 artigos os direitos humanos
fundamentais. Mas o que era apenas para uma classe se ampliou para todos. Por meio
de 30 artigos, a DUDH conseguiu sintetizar o lema da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade.

No art. 1º da DUDH apresenta: todos independentemente de raça, cor,


gênero, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição. Nos direitos de
primeira e segunda gerações, tínhamos classes sociais definidas em nações
que entendiam esses direitos como importantes. Agora esse é um conceito
internacional.
Esses direitos podem ser invocados por todos que constam no art. 1º,
sendo protegidos contra qualquer violação que possa vir a ter no momento
dessas denúncias, não cabendo a soberania nacional em caso de violação de
direitos humanos fundamentais.
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal,
não sendo permitida a tortura a qualquer pessoa. Simões (2009) alerta que
a construção do Estado nazista trouxe a perspectiva do Estado-nação frente
aos direitos humanos fundamentais. Com esse objetivo, instalou campos de
concentração no qual judeus e homossexuais realizavam trabalhos forçados.
Outro ponto importante da DUDH é que a lei está voltada para todos
e ninguém deve ser preso sem direito defesa, assim, a inocência é sempre
Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos 25

presumida até que se prove o contrário. Ninguém poderá violar o lar e a


correspondência do indivíduo. Em nome da segurança nacional, os Estados
ditatoriais invadiam casas e violavam correspondências. Em nome da lei, essa
violação é possível, mas só com a autorização judicial. O direito individual
supera a intervenção do Estado.
Há o direito civil de ir e buscar asilo político caso se sinta perseguido,
pois ninguém deve viver sem uma nacionalidade. SIMÕES (2009) aponta
que existem minorias étnicas e apátridas vivendo em outros países, as quais
não têm o respaldo do Estado-nação. Assim, a importância da DUDH para
essas pessoas, ou seja, a relação entre nações internacionais contribui para
a garantia dos direitos humanos fundamentais de quem foge do seu local de
moradia por violação de direitos.

A família tem um poder central na DUDH, sendo apresentada como núcleo fundamental
da sociedade, a qual deve ser protegido pelo Estado.

Ainda, é garantido o direito à propriedade, liberdade de pensamento,


expressão e reunião, além de participação na vida política do seu país.
Nos oito artigos que fecham a DUDH encontramos os direitos sociais,
que são direito a:

 trabalho;
 saúde;
 convivência familiar e comunitária;
 educação;
 cultura;
 lazer;
 vida digna.

Dessa forma, temos os direitos humanos fundamentais, que se iniciam com


os direitos civis e políticos necessários para a burguesia revolucionária. Depois,
chegamos aos direitos sociais básicos para que o proletariado tivesse uma vida
26 Teoria e prática dos direitos fundamentais como direitos humanos

digna. Mesmo com esses direitos fundamentais garantidos no século XVIII


e XIX, o século XX iniciou com duas grandes guerras, nas quais diversos
grupos tiverem esses direitos violados, sendo necessária uma organização
internacional que garantisse essa efetivação à humanidade.
Ressaltamos que a eficácia dos direitos humanos fundamentais advém
da concepção de humanidade, não em contexto abstrato, mas sim uma
humanidade composta de indivíduos diferentes com suas particularidades
(SIMÕES, 2009). Muitas vezes, os Estados-nações, com o discurso de
soberania, colocam o nacional acima do internacional. É importante que
possamos fazer valer a concepção dos direitos de terceira geração, que a
humanidade possa ter seus direitos humanos fundamentais garantidos e que
nenhum Estado possa infringi-los. Ou seja, a vontade popular é soberana à
vontade do Estado, entendendo aqui a vontade popular soberana por direitos
humanos fundamentais para todos.

Link

A Venezuela é um Estado-membro da ONU, e as notícias de violação dos direitos


humanos apontam para investigação. Veja mais no link a seguir.

https://goo.gl/1pJpcB

BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro, RS: Elsevier, 2004.


MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Domínio Público, [s. l.], 2011.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000042.pdf.
Acesso em: 18 mar. 2019.
MORAES, A. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. São Paulo: Atlas, 2011.
NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: UNIC,
2009. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.
pdf. Acesso em: 18 mar. 2019.
PASSOS, J. D. S. Evolução históricas dos direitos humanos. UNISUL de Fato e de Direito,
Tubarão, SC, v. 7, nº. 13, 2016. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/
index.php/U_Fato_Direito/article/view/3970. Acesso em: 18 mar. 2019.

Você também pode gostar